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CAPÍTULO 3
     "Viver não é necessário. Necessário é criar."
     (Fernando Pessoa)


     Enquanto deixava o computador a encerrar, Rodolfo pegou num pijama, na escova
de dentes, numa t-shirt, cuecas e meias, meteu tudo dentro de uma mochila, regressou à
sala para arrumar o computador na mala própria e dirigiu-se à garagem. Não conseguia
deixar de pensar no que lhe tinha acontecido, embora a imagem de Teresa, a quem não
via há mais de duas semanas, competisse fortemente com o sucedido pela primazia do
seu pensamento. A casa de Teresa ficava no outro extremo da cidade, mas, àquela hora
da noite, vinte minutos seriam tempo mais do que suficiente para cobrir a distância que
os separava. Com efeito, não precisou de mais de quinze para chegar ao seu destino,
lembrando-se muito vagamente do trajecto realizado. O seu pensamento deambulara ao
sabor do balanço da curta viagem, alternando entre a extraordinária e intimidante proeza
do seu Aleascript e as imagens longínquas, no tempo e no espaço, da sua aventura
africana, reavivadas pela forma aparentemente pouco aleatória de extracção de palavras.
     Tal como Teresa dissera, a chave estava no sítio habitual. Apesar de viver na
cidade há muitos anos, mantinha alguns hábitos do tempo em que vivera numa pequena
aldeia no interior de Portugal. Rodolfo pegou na chave, abriu cuidadosamente a porta e
entrou. Durante alguns segundos, às escuras, aspirou prazenteiramente aquele odor
característico da casa de Teresa, mescla de perfume primaveril e de madeira recém-
cortada. Teresa vivia numa casinha acolhedora de granito e madeira, forma que
encontrou de, mesmo na cidade, manter uma ligação emocional à aldeia da sua infância.
Licenciada em Matemática, adorava a paixão de Rodolfo pelos números. Conheciam-se
desde que Teresa viera viver para a cidade, há quase 15 anos. Na altura, uma palestra
sobre a matemática dos astros fê-los cruzar caminhos. Desde aí, passaram a encontrar-
se com alguma regularidade, sendo raro estarem mais de uma semana sem conversar.
     Evitou acender a luz, para não acordar Teresa. Às apalpadelas, deu com a sala de
estar e entrou. Por sorte, Teresa tivera a lareira acesa e um calor aconchegante
envolveu-o de imediato. Com a pressa, tinha pegado num pijama demasiado fino para
aquele tempo frio outonal, mas, com aquela temperatura da sala, seria mais do que
suficiente. Além disso, um cobertor de aspecto hospitaleiro convidava-o a entregar-se
rapidamente nos braços de Morfeu. Um pires com bolachinhas de chocolate e um termo
com chá quentinho completavam a recepção de boas-vindas. Mais logo teria
oportunidade de lhe agradecer, já que não o podia fazer agora…


     Rodolfo foi o primeiro a acordar. Na verdade, se dormiu duas horas terá sido
muito, pois a agitação provocada pelos acontecimentos da madrugada impediu-o de
relaxar o suficiente para dormir mais. Levantou-se, dobrou o cobertor, pegou no termo e
no pires e dirigiu-se para a cozinha. Apetecia-lhe imenso tomar um belo banho mas não
queria acordar Teresa, pelo que decidiu começar a preparar o pequeno-almoço, tal como
ela o tinha intimado a fazer. Ligou a torradeira, colocou água na cafeteira eléctrica,
abriu o armário do canto superior direito e retirou a caixa de madeira onde Teresa
guardava uma imensa variedade de chás. Em pezinhos de lã, com a leveza que os seus
setenta e cinco quilos comodamente lhe permitiam, foi até à porta de casa e abriu-a.
Como calculava, o saco de pano, vazio, que Teresa deixara, à noite, preso na maçaneta
da porta, estava agora recheado de pãezinhos com ar estaladiço e ainda a fumegar.
Apesar de viver sozinha, Teresa encomendava sempre, no mínimo, uns seis pães por
dia. Muitas vezes acabavam por sobrar dois ou três, pois, tirando os dois que comia ao
pequeno-almoço e o que acabava por comer antes de se deitar, raramente tinha
disponibilidade para preparar um lanche caseiro. Não admirava, por isso, que tivesse
sempre uma boa reserva de pão congelado, óptima ajuda para quando tinha visitas
surpresa. Na verdade, a par de um belo pão acabado de cozer, Teresa adorava comer
torradas bem tostadinhas, besuntadas com um dos muitos de doces de frutos que
guardava, em boiões de vidro, na sua despensa.
     Rodolfo pegou no saco e regressou à cozinha. Abriu o frigorífico e tirou um
pacote de manteiga. Depois, abriu o congelador e tirou seis fatias de pão. Descongelou-
as no micro-ondas e começou a colocá-las na torradeira. Entretanto, ligou a cafeteira
eléctrica e foi à despensa buscar os doces. Quando estava entretido a barrar as primeiras
fatias com um fantástico doce de abóbora de chila, pintalgado de nozes que lhe
conferiam um efeito crocante delicioso, sentiu os lábios de Teresa na sua nuca.
Normalmente cumprimentavam-se com dois beijos na cara, ocasião sempre aproveitada
por Rodolfo para, dando a entender casualidade, rodar pouco a cabeça e tocar, ao de
leve, no canto dos lábios. Teresa, ou não percebia ou não desgostava. Também ela não
tinha um relacionamento mais duradouro fazia muito tempo, mas decidira que Rodolfo
era um amigo a preservar a todo o custo e não deixava que essa fronteira fosse
ultrapassada.
— Então, Rodolfo — disse-lhe ela, enquanto ele se virava para a encarar,
visivelmente surpreendido por aquela recepção calorosa —, metido novamente em
alhadas, heim? O que te vale é a tua Teresinha, confessa lá.
     Rodolfo sorriu. Estaria, de facto, metido em alhadas, pensou, se não tivesse a sorte
de estar a usar um pijama que permitia dissimular o efeito que Teresa lhe provocara.
Primeiro, o beijo quente na nuca. Depois, a cereja em cima do bolo, ou melhor, duas
cerejas em cima do bolo. Em abono da verdade, o bolo era mesmo a camisa de dormir
de Teresa e as cerejas não estavam em cima, mas por dentro…
     — Vá lá, Teresa, não sejas má para mim. Nem imaginas o que se está a passar.
Quando souberes vais dar-me razão!
     — Quando me falaste em bruxaria, calculei que estivesses a ser perseguido por
alguma daquelas velhotas com que às vezes te metes — disse-lhe Teresa, aludindo ao
aparente gosto de Rodolfo em namoriscar mulheres mais velhas. — Ou pelo marido!
     — Nada disso, Teresa, desta vez a história é outra. Durante o pequeno-almoço
conto-te tudo.
     À medida que Rodolfo ia contando a Teresa o que se passara na noite anterior,
esta, embora não querendo mostrar-se completamente céptica, não deixava de lhe
colocar algumas questões.
     — Mas, Rodolfo, não pões a possibilidade de se tratar, mesmo, de coincidência? E
logo tu, que tens uma capacidade inventiva enorme! Não te seria nada difícil, quaisquer
que fossem as palavras que saíssem, achares uma forma de compor um texto de algo
que se tivesse passado contigo!
     — Bem, Teresa, postas as coisas dessa forma, tenho de reconhecer que pode haver
um fundo de verdade no que dizes. O que me dizes de fazermos mais umas tentativas?
     Com o consentimento de Teresa, Rodolfo foi buscar o seu computador. Quando
voltou à cozinha, Teresa tinha desimpedido um dos cantos da mesa. Ligado o
computador e aberto o software, ficou tudo pronto para se iniciar a utilização do
Aleascript.
     — Aqui vai — disse Rodolfo, pressionando a tecla habitual, uma e outra vez.
“PASSEIO", "BICICLETA", "CRIANÇA", "TRIBUNAL", "PSIQUIATRA.”
     Um silêncio pesado instalou-se naquela cozinha. Olharam um para o outro e não
precisaram de dizer nada. Se Teresa tinha dúvidas, obviamente legítimas, acerca do
funcionamento enviesado do Aleascript, dissipou-as num ápice ao olhar para o ecrã do
computador. Lembrava-se bem de, há cerca de 10 anos, ter sofrido bastante com a
profunda depressão em que Rodolfo entrara, ao atropelar uma criança de dez anos que
se lhe atravessara na estrada. A culpa não tinha sido sua, como os próprios pais da
criança acidentada lhe afiançaram, mas isso não foi suficiente para impedir o seu
colapso emocional. Foram precisos mais de dois anos e quase uma centena de consultas
psiquiátricas para Rodolfo recuperar desse grave acontecimento.
     — Ok, Rodolfo, não me restam dúvidas. Desculpa teres tido que relembrar este
episódio para me fazeres acreditar no que dizias.
     — Não te preocupes com isso, Teresa. Como sabes tão bem, já ultrapassei esse
infortúnio. De qualquer maneira, ia sempre querer testar mais um pouco este programa.
Para te dizer a verdade, neste momento nem sei bem o que fazer com ele…
     — Diz-me uma coisa, Rodolfo, o que achas que acontecerá se for eu a clicar?
Quero dizer, isto se me deixares…
     Rodolfo não a deixou terminar a frase.
     — Claro que te deixo experimentar, Teresa, embora pense que o programa irá
funcionar da mesma forma, continuando a passar em revista os momentos marcantes da
minha vida. Vá, força, o computador é todo teu.
     Teresa sentou-se em frente ao computador. Quase como se receasse levar um
choque, clicou e retirou o dedo de imediato. Uma palavra surgiu.
     — “DÍVIDA”.
     Olharam um para o outro.:
     — Bem, dívidas, quem as não tem? — comentou Rodolfo. — Continua, por favor.
     Novo clique, nova palavra.
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     Desta vez, foi Teresa a comentar.
     — Toda a gente sabe que, na maior parte dos casos, para ser concedido um
empréstimo tem de haver um fiador, para pagar a dívida em caso de incumprimento da
pessoa que o contraiu. Avanço?
     Perante o assentimento de Rodolfo, Teresa fez mais um clique.
     — “ANGOLA”.
     — Angola não me diz muito — disse Rodolfo, intrigado. — Nunca lá fui e, que
saiba, talvez seja das poucas pessoas em Portugal que não teve familiares a voltar de lá
depois do 25 de Abril. Dá dois cliques seguidos, por favor.
     Talvez fosse impressão sua mas pareceu-lhe que Teresa estava um pouco inquieta.
Ansiosa pelo que poderia dali advir?
Teresa fez como Rodolfo lhe pediu. Os dois cliques seguintes revelaram duas
novas palavras.
     — “INCÊNDIO”, “VINGANÇA”.
     — Decididamente, Teresa, tinhas razão. Tudo não terá passado de uma grande
coincidência, pois, desta vez, não consigo rever nada do meu passado retratado por estas
palavras. Assim sendo, resta-me usar o programa para o fim que tinha idealizado, ou
seja, inspirar-me para…
     Teresa cortou-lhe, bruscamente, a palavra.
     — É incrível, Rodolfo. Nem acredito que isto esteja a acontecer!
     — O que se passa, Teresa, o que queres dizer com isso?
     — Há mais ou menos cinco anos, um primo do meu pai quis comprar um
automóvel. Como no banco lhe exigiram um fiador, lembrou-se do meu pai e foi ter
com ele. Sabes bem como é o meu pai, não sabe dizer que não a ninguém, muito menos
a um familiar. O empréstimo foi feito e tudo correu bem durante um ano. Depois, de um
momento para o outro, o primo deixou de pagar e teve de ser o meu pai a assegurar as
prestações. Como o empréstimo fora feito para um período de três anos, lá andou o meu
pai a pagar mensalidades durante dois. Ao assegurar o pagamento, o meu pai ganhou o
direito ao carro, que o primo não levou quando desapareceu. Ao que parece, esse primo
terá fugido para Angola, de onde era originário, e por lá terá ficado. Misteriosamente, o
ano passado, o carro do meu pai ardeu completamente. O carro ficava sempre na rua e,
numa noite de Agosto, alguém o terá incendiado, de acordo com o relatório que a
Polícia fez. Nunca encontraram o culpado, embora o meu pai suspeitasse do primo. E
agora…
     De novo um silêncio constrangedor invadiu aquela cozinha. Se, da primeira vez,
havia sido a confirmação do poder do Aleascript, agora tudo parecia indicar não ser
Rodrigo o exclusivo alvo daquele inexorável revelador de passados.
     — Teresa — disse-lhe Rodolfo, ao fim de alguns segundos que pareceram horas
—, se bem percebi a história que contaste, o que o Aleascript parece estar a querer dizer
é que terá sido mesmo o teu primo a incendiar o automóvel do teu pai, por vingança de
ter ficado com ele.
     — Sim, também é essa a leitura que faço. Depois veremos o que fazer com esta
revelação. Para já, mais importante é que, aparentemente, o Aleascript consegue
identificar QUEM está a utilizar o computador, independentemente do dono do mesmo,
o que é extraordinário!
— De facto, extraordinário será a palavra adequada, pois tudo isto me parece
completamente extra ordinário! Só não consigo…
     Teresa ficou sem saber o que Rodolfo não conseguia, pois o telefone dele tocou,
interrompendo-lhe o discurso. No visor, Rodolfo leu Paulo infor, percebendo que a
chamada vinha do seu amigo informático que lhe havia criado o Aleascript. Nem de
propósito!
     — Então, Paulo, queria mesmo falar contigo, rapaz.
     — “A sério? Que coincidência, não achas?”
     Rodolfo pareceu detectar algo de jocoso na forma como Paulo pronunciou a
palavra “coincidência”.
     — Então diz lá por que é que ligaste. É por causa do programa?
     — “Sim, Rodolfo, é por causa do programa. Queria saber se estava a funcionar
bem…”
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     — “Não me digas que, por sorte, já tiveste a ideia para uma história. És uma
máquina! Espero que o livro tenha grande saída”.
     Rodolfo identificou imediatamente as cinco palavras que lhe haviam surgido da
primeira vez que utilizara o Aleascript.
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     — Bem me parecia, pela tua voz, que tinhas uma carta na manga. Quer dizer que
foste tu quem manipulou as palavras que o Aleascript deveria extrair, é isso? Mas com
que objectivo, Paulo?
      “Bem, na verdade foi apenas uma brincadeira. De qualquer forma, aquilo de que a
tua criatividade estava a precisar era de um empurrãozinho. Para isso, quaisquer
palavras serviriam. Lembrei-me, então, de programar, à partida, algumas sequências.
Como te conheço bem, não foi difícil criar duas. Mas, pronto, a partir daí, estás por tua
conta e risco. Será caso para dizeres ao Aleascript “Give me five!”
     — Duas? Queres dizer que, para além da que referiste e da do meu casamento
relâmpago, não preparaste mais nenhuma sequência?
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     — Ok, Paulo. Daqui a meia hora estou aí. Se não te importares, levo a minha
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Aleascript revela passado oculto

  • 1. CAPÍTULO 3 "Viver não é necessário. Necessário é criar." (Fernando Pessoa) Enquanto deixava o computador a encerrar, Rodolfo pegou num pijama, na escova de dentes, numa t-shirt, cuecas e meias, meteu tudo dentro de uma mochila, regressou à sala para arrumar o computador na mala própria e dirigiu-se à garagem. Não conseguia deixar de pensar no que lhe tinha acontecido, embora a imagem de Teresa, a quem não via há mais de duas semanas, competisse fortemente com o sucedido pela primazia do seu pensamento. A casa de Teresa ficava no outro extremo da cidade, mas, àquela hora da noite, vinte minutos seriam tempo mais do que suficiente para cobrir a distância que os separava. Com efeito, não precisou de mais de quinze para chegar ao seu destino, lembrando-se muito vagamente do trajecto realizado. O seu pensamento deambulara ao sabor do balanço da curta viagem, alternando entre a extraordinária e intimidante proeza do seu Aleascript e as imagens longínquas, no tempo e no espaço, da sua aventura africana, reavivadas pela forma aparentemente pouco aleatória de extracção de palavras. Tal como Teresa dissera, a chave estava no sítio habitual. Apesar de viver na cidade há muitos anos, mantinha alguns hábitos do tempo em que vivera numa pequena aldeia no interior de Portugal. Rodolfo pegou na chave, abriu cuidadosamente a porta e entrou. Durante alguns segundos, às escuras, aspirou prazenteiramente aquele odor característico da casa de Teresa, mescla de perfume primaveril e de madeira recém- cortada. Teresa vivia numa casinha acolhedora de granito e madeira, forma que encontrou de, mesmo na cidade, manter uma ligação emocional à aldeia da sua infância. Licenciada em Matemática, adorava a paixão de Rodolfo pelos números. Conheciam-se desde que Teresa viera viver para a cidade, há quase 15 anos. Na altura, uma palestra sobre a matemática dos astros fê-los cruzar caminhos. Desde aí, passaram a encontrar- se com alguma regularidade, sendo raro estarem mais de uma semana sem conversar. Evitou acender a luz, para não acordar Teresa. Às apalpadelas, deu com a sala de estar e entrou. Por sorte, Teresa tivera a lareira acesa e um calor aconchegante envolveu-o de imediato. Com a pressa, tinha pegado num pijama demasiado fino para aquele tempo frio outonal, mas, com aquela temperatura da sala, seria mais do que suficiente. Além disso, um cobertor de aspecto hospitaleiro convidava-o a entregar-se rapidamente nos braços de Morfeu. Um pires com bolachinhas de chocolate e um termo
  • 2. com chá quentinho completavam a recepção de boas-vindas. Mais logo teria oportunidade de lhe agradecer, já que não o podia fazer agora… Rodolfo foi o primeiro a acordar. Na verdade, se dormiu duas horas terá sido muito, pois a agitação provocada pelos acontecimentos da madrugada impediu-o de relaxar o suficiente para dormir mais. Levantou-se, dobrou o cobertor, pegou no termo e no pires e dirigiu-se para a cozinha. Apetecia-lhe imenso tomar um belo banho mas não queria acordar Teresa, pelo que decidiu começar a preparar o pequeno-almoço, tal como ela o tinha intimado a fazer. Ligou a torradeira, colocou água na cafeteira eléctrica, abriu o armário do canto superior direito e retirou a caixa de madeira onde Teresa guardava uma imensa variedade de chás. Em pezinhos de lã, com a leveza que os seus setenta e cinco quilos comodamente lhe permitiam, foi até à porta de casa e abriu-a. Como calculava, o saco de pano, vazio, que Teresa deixara, à noite, preso na maçaneta da porta, estava agora recheado de pãezinhos com ar estaladiço e ainda a fumegar. Apesar de viver sozinha, Teresa encomendava sempre, no mínimo, uns seis pães por dia. Muitas vezes acabavam por sobrar dois ou três, pois, tirando os dois que comia ao pequeno-almoço e o que acabava por comer antes de se deitar, raramente tinha disponibilidade para preparar um lanche caseiro. Não admirava, por isso, que tivesse sempre uma boa reserva de pão congelado, óptima ajuda para quando tinha visitas surpresa. Na verdade, a par de um belo pão acabado de cozer, Teresa adorava comer torradas bem tostadinhas, besuntadas com um dos muitos de doces de frutos que guardava, em boiões de vidro, na sua despensa. Rodolfo pegou no saco e regressou à cozinha. Abriu o frigorífico e tirou um pacote de manteiga. Depois, abriu o congelador e tirou seis fatias de pão. Descongelou- as no micro-ondas e começou a colocá-las na torradeira. Entretanto, ligou a cafeteira eléctrica e foi à despensa buscar os doces. Quando estava entretido a barrar as primeiras fatias com um fantástico doce de abóbora de chila, pintalgado de nozes que lhe conferiam um efeito crocante delicioso, sentiu os lábios de Teresa na sua nuca. Normalmente cumprimentavam-se com dois beijos na cara, ocasião sempre aproveitada por Rodolfo para, dando a entender casualidade, rodar pouco a cabeça e tocar, ao de leve, no canto dos lábios. Teresa, ou não percebia ou não desgostava. Também ela não tinha um relacionamento mais duradouro fazia muito tempo, mas decidira que Rodolfo era um amigo a preservar a todo o custo e não deixava que essa fronteira fosse ultrapassada.
  • 3. — Então, Rodolfo — disse-lhe ela, enquanto ele se virava para a encarar, visivelmente surpreendido por aquela recepção calorosa —, metido novamente em alhadas, heim? O que te vale é a tua Teresinha, confessa lá. Rodolfo sorriu. Estaria, de facto, metido em alhadas, pensou, se não tivesse a sorte de estar a usar um pijama que permitia dissimular o efeito que Teresa lhe provocara. Primeiro, o beijo quente na nuca. Depois, a cereja em cima do bolo, ou melhor, duas cerejas em cima do bolo. Em abono da verdade, o bolo era mesmo a camisa de dormir de Teresa e as cerejas não estavam em cima, mas por dentro… — Vá lá, Teresa, não sejas má para mim. Nem imaginas o que se está a passar. Quando souberes vais dar-me razão! — Quando me falaste em bruxaria, calculei que estivesses a ser perseguido por alguma daquelas velhotas com que às vezes te metes — disse-lhe Teresa, aludindo ao aparente gosto de Rodolfo em namoriscar mulheres mais velhas. — Ou pelo marido! — Nada disso, Teresa, desta vez a história é outra. Durante o pequeno-almoço conto-te tudo. À medida que Rodolfo ia contando a Teresa o que se passara na noite anterior, esta, embora não querendo mostrar-se completamente céptica, não deixava de lhe colocar algumas questões. — Mas, Rodolfo, não pões a possibilidade de se tratar, mesmo, de coincidência? E logo tu, que tens uma capacidade inventiva enorme! Não te seria nada difícil, quaisquer que fossem as palavras que saíssem, achares uma forma de compor um texto de algo que se tivesse passado contigo! — Bem, Teresa, postas as coisas dessa forma, tenho de reconhecer que pode haver um fundo de verdade no que dizes. O que me dizes de fazermos mais umas tentativas? Com o consentimento de Teresa, Rodolfo foi buscar o seu computador. Quando voltou à cozinha, Teresa tinha desimpedido um dos cantos da mesa. Ligado o computador e aberto o software, ficou tudo pronto para se iniciar a utilização do Aleascript. — Aqui vai — disse Rodolfo, pressionando a tecla habitual, uma e outra vez. “PASSEIO", "BICICLETA", "CRIANÇA", "TRIBUNAL", "PSIQUIATRA.” Um silêncio pesado instalou-se naquela cozinha. Olharam um para o outro e não precisaram de dizer nada. Se Teresa tinha dúvidas, obviamente legítimas, acerca do funcionamento enviesado do Aleascript, dissipou-as num ápice ao olhar para o ecrã do computador. Lembrava-se bem de, há cerca de 10 anos, ter sofrido bastante com a
  • 4. profunda depressão em que Rodolfo entrara, ao atropelar uma criança de dez anos que se lhe atravessara na estrada. A culpa não tinha sido sua, como os próprios pais da criança acidentada lhe afiançaram, mas isso não foi suficiente para impedir o seu colapso emocional. Foram precisos mais de dois anos e quase uma centena de consultas psiquiátricas para Rodolfo recuperar desse grave acontecimento. — Ok, Rodolfo, não me restam dúvidas. Desculpa teres tido que relembrar este episódio para me fazeres acreditar no que dizias. — Não te preocupes com isso, Teresa. Como sabes tão bem, já ultrapassei esse infortúnio. De qualquer maneira, ia sempre querer testar mais um pouco este programa. Para te dizer a verdade, neste momento nem sei bem o que fazer com ele… — Diz-me uma coisa, Rodolfo, o que achas que acontecerá se for eu a clicar? Quero dizer, isto se me deixares… Rodolfo não a deixou terminar a frase. — Claro que te deixo experimentar, Teresa, embora pense que o programa irá funcionar da mesma forma, continuando a passar em revista os momentos marcantes da minha vida. Vá, força, o computador é todo teu. Teresa sentou-se em frente ao computador. Quase como se receasse levar um choque, clicou e retirou o dedo de imediato. Uma palavra surgiu. — “DÍVIDA”. Olharam um para o outro.: — Bem, dívidas, quem as não tem? — comentou Rodolfo. — Continua, por favor. Novo clique, nova palavra. — “FIADOR” Desta vez, foi Teresa a comentar. — Toda a gente sabe que, na maior parte dos casos, para ser concedido um empréstimo tem de haver um fiador, para pagar a dívida em caso de incumprimento da pessoa que o contraiu. Avanço? Perante o assentimento de Rodolfo, Teresa fez mais um clique. — “ANGOLA”. — Angola não me diz muito — disse Rodolfo, intrigado. — Nunca lá fui e, que saiba, talvez seja das poucas pessoas em Portugal que não teve familiares a voltar de lá depois do 25 de Abril. Dá dois cliques seguidos, por favor. Talvez fosse impressão sua mas pareceu-lhe que Teresa estava um pouco inquieta. Ansiosa pelo que poderia dali advir?
  • 5. Teresa fez como Rodolfo lhe pediu. Os dois cliques seguintes revelaram duas novas palavras. — “INCÊNDIO”, “VINGANÇA”. — Decididamente, Teresa, tinhas razão. Tudo não terá passado de uma grande coincidência, pois, desta vez, não consigo rever nada do meu passado retratado por estas palavras. Assim sendo, resta-me usar o programa para o fim que tinha idealizado, ou seja, inspirar-me para… Teresa cortou-lhe, bruscamente, a palavra. — É incrível, Rodolfo. Nem acredito que isto esteja a acontecer! — O que se passa, Teresa, o que queres dizer com isso? — Há mais ou menos cinco anos, um primo do meu pai quis comprar um automóvel. Como no banco lhe exigiram um fiador, lembrou-se do meu pai e foi ter com ele. Sabes bem como é o meu pai, não sabe dizer que não a ninguém, muito menos a um familiar. O empréstimo foi feito e tudo correu bem durante um ano. Depois, de um momento para o outro, o primo deixou de pagar e teve de ser o meu pai a assegurar as prestações. Como o empréstimo fora feito para um período de três anos, lá andou o meu pai a pagar mensalidades durante dois. Ao assegurar o pagamento, o meu pai ganhou o direito ao carro, que o primo não levou quando desapareceu. Ao que parece, esse primo terá fugido para Angola, de onde era originário, e por lá terá ficado. Misteriosamente, o ano passado, o carro do meu pai ardeu completamente. O carro ficava sempre na rua e, numa noite de Agosto, alguém o terá incendiado, de acordo com o relatório que a Polícia fez. Nunca encontraram o culpado, embora o meu pai suspeitasse do primo. E agora… De novo um silêncio constrangedor invadiu aquela cozinha. Se, da primeira vez, havia sido a confirmação do poder do Aleascript, agora tudo parecia indicar não ser Rodrigo o exclusivo alvo daquele inexorável revelador de passados. — Teresa — disse-lhe Rodolfo, ao fim de alguns segundos que pareceram horas —, se bem percebi a história que contaste, o que o Aleascript parece estar a querer dizer é que terá sido mesmo o teu primo a incendiar o automóvel do teu pai, por vingança de ter ficado com ele. — Sim, também é essa a leitura que faço. Depois veremos o que fazer com esta revelação. Para já, mais importante é que, aparentemente, o Aleascript consegue identificar QUEM está a utilizar o computador, independentemente do dono do mesmo, o que é extraordinário!
  • 6. — De facto, extraordinário será a palavra adequada, pois tudo isto me parece completamente extra ordinário! Só não consigo… Teresa ficou sem saber o que Rodolfo não conseguia, pois o telefone dele tocou, interrompendo-lhe o discurso. No visor, Rodolfo leu Paulo infor, percebendo que a chamada vinha do seu amigo informático que lhe havia criado o Aleascript. Nem de propósito! — Então, Paulo, queria mesmo falar contigo, rapaz. — “A sério? Que coincidência, não achas?” Rodolfo pareceu detectar algo de jocoso na forma como Paulo pronunciou a palavra “coincidência”. — Então diz lá por que é que ligaste. É por causa do programa? — “Sim, Rodolfo, é por causa do programa. Queria saber se estava a funcionar bem…” Uma vez mais, a sensação de um leve toque de ironia… — O mínimo que posso dizer é que funciona bem… ou, talvez, bem de mais. — “Não me digas que, por sorte, já tiveste a ideia para uma história. És uma máquina! Espero que o livro tenha grande saída”. Rodolfo identificou imediatamente as cinco palavras que lhe haviam surgido da primeira vez que utilizara o Aleascript. Resolveu colocar a chamada em alta-voz. — Bem me parecia, pela tua voz, que tinhas uma carta na manga. Quer dizer que foste tu quem manipulou as palavras que o Aleascript deveria extrair, é isso? Mas com que objectivo, Paulo? “Bem, na verdade foi apenas uma brincadeira. De qualquer forma, aquilo de que a tua criatividade estava a precisar era de um empurrãozinho. Para isso, quaisquer palavras serviriam. Lembrei-me, então, de programar, à partida, algumas sequências. Como te conheço bem, não foi difícil criar duas. Mas, pronto, a partir daí, estás por tua conta e risco. Será caso para dizeres ao Aleascript “Give me five!” — Duas? Queres dizer que, para além da que referiste e da do meu casamento relâmpago, não preparaste mais nenhuma sequência? — “Exacto, foi isso mesmo. Por que é que perguntas isso”? — Porque a coisa não ficou por aí. Além disso, uma amiga minha, que não conheces, experimentou e …
  • 7. — “Espera, espera, espera. Não estás a vingar-te da minha brincadeira, pois não? Não? Então, não me digas mais nada por telefone. Precisamos de nos encontrar urgentemente. Podes passar aqui”? Rodolfo olhou para Teresa, que lhe deu sinal positivo. — Ok, Paulo. Daqui a meia hora estou aí. Se não te importares, levo a minha amiga Teresa comigo. Ao que parecia, sair de casa à pressa começava a ser uma rotina na vida de Rodolfo. Se bem que “rotina” fosse uma palavra completamente desadequada em relação ao que a vida de Rodolfo seria a partir daquele dia…