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CAPÍTULO 4
     "Criatividade consiste apenas em perceber o que já esta lá. Você sabia que os
sapatos direito e esquerdo só foram inventados há pouco mais de um século?"
     (Bernice Fitz-Gibbon)


     Quando chegaram a casa do Paulo, este estava de volta de um computador.
Rodolfo olhou para o ecrã mas não percebeu nada. Já Teresa conseguiu identificar uma
estrutura relativamente familiar.
     — Algoritmos?
     Teresa conhecia bem os algoritmos. A sua tese de doutoramento versara,
precisamente, a criação de algoritmos para prever a ocorrência de sismos, o que lhe
valera um prémio internacional.
     — Tu percebes disto, Teresa? — perguntou-lhe, espantado, Rodolfo. — Se
soubesse, tinha-te pedido a ti para me fazeres o programa. Pelo menos, evitava ser
trapaceado por este brincalhão!
     Paulo, seu amigo há muitos anos, deu-lhe uma palmada amigável na nuca.
     — Vá, deixa-te disso. Confessa que foi engraçado! Bem, pelo menos até à parte
em que as coisas se começaram a complicar, ao que parece!
     — Pois, foi isso mesmo, Complicaram-se e de que maneira. Mas, espera, estamos
a falar e não te apresentei a Teresa. Teresa, licenciada em Matemática. Paulo, o meu
amigo craque em informática, vagabundo e, ao que parece, aprendiz de feiticeiro…
     Eram, de facto, algoritmos. Fórmulas matemáticas, utilizadas para responder às
necessidades de determinados cálculos, de forma lógica. Na verdade, um programa de
computador não era muito mais do que um algoritmo, com a missão de informar o
computador dos passos que ele deverá dar e por que ordem o deverá fazer.
     — Vá, Rodolfo, vamos por partes. Dizes que foram mais do que duas as
sequências que reconheceste como familiares. Quais foram, concretamente, as palavras
que saíram?
     Rodolfo disse a Paulo quais as palavras que haviam saído e qual a leitura que
havia feito das mesmas. Depois, Teresa explicou o que se havia passado com ela,
deixando Paulo bastante apreensivo e intrigado.
     — Isto é mesmo muito estranho. Como vos disse, apenas programei, de facto,
duas sequências de cinco palavras. De resto, comecei por fazer uma pesquisa na net e
não me foi difícil encontrar algumas ferramentas do género. Gostei especialmente do
software Random Word Generator, uma das Creativity Tools da empresa
watchout4snakes. Limitei-me a fazer algo do género, mas com palavras portuguesas.
Depois, era suposto o programa correr por si. E parece que foi o que ele, literalmente,
fez…
       — Paulo — perguntou-lhe Rodolfo, atordoado com o desenvolvimento dos
acontecimentos —, encontras alguma explicação para isto? É possível que um programa
de computador assuma, por assim dizer, o comando das operações, fazendo desaparecer
o carácter aleatório que pretendíamos?
       — Bem, Rodolfo, no domínio da ficção científica, isso já é conhecido. Máquinas
criadas pelo Homem que, repentinamente, como que ganham consciência e passam a ter
vontade própria. Mas isso é nos filmes e nos livros…
       — Neste caso é precisamente a escrita de um livro que está em causa — lembrou
Teresa, parecendo ter algum gozo em manter acesa a chama de estarem perante um
fenómeno paranormal. — Além disso, a ser verdade, não seria difícil que o filme viesse
logo a seguir!
       — Calma, calma. Respiremos fundo e analisemos a situação sob um ponto de vista
racional — propôs Paulo, ou não estivesse habituado a uma lógica de trabalho
perfeitamente clara e bem definida, em que ele mandava e o computador obedecia!
       — Já ouviram falar na Ciência do Caos? — questionou Teresa, num aparente
assomo de clarividência.
       Paulo nunca tinha ouvido falar, mas Rodolfo tinha lido algumas coisas sobre o
assunto. Prestaram ambos a máxima atenção à explicação de Teresa.
       — Deixem-me começar por vos falar de modelos. Não, não, deixem lá de salivar,
porque não vos irei falar da Naomi e outras escanzeladas do ramo. Refiro-me àquilo a
que os teóricos e investigadores recorrem quando querem explicar uma dada realidade,
normalmente complexa, de uma forma relativamente mais fácil e compreensível. Até há
bem pouco tempo, era comum entender-se o funcionamento da percepção humana e das
tomadas de decisão por analogia com o funcionamento dos computadores, com inputs,
processamento de dados e outputs. Diversos estudos mostraram que a articulação entre
o sistema neural e outros sistemas orgânicos é bem mais complexa e que essa analogia
pouco explicaria da realidade. Significa isto que poderemos estar numa época em que
será inteligente estar aberto à possibilidade de haver outros modelos que expliquem
melhor o funcionamento de muitos sistemas, sejam eles humanos ou apenas máquinas.
A propósito, recomendo-vos a leitura do livro “ O Caos - A Criação de uma Nova
Ciência”, de James Gleick. Ficarão familiarizados com atractores, fractais e, de uma
forma genérica, com a proposta da existência de sistemas não-lineares. Por incrível que
vos possa parecer, foi publicado há mais de vinte anos. Aliás, outros autores falam do
mesmo tema, por outras palavras, referindo-se à possibilidade de haver sistemas auto-
organizados onde, antes, apenas se viam comandos hierarquicamente bem definidos.
Simplificando, parece ser, mais do que possível, provável que haja mesmo a capacidade
de alguns sistemas funcionarem por si só, respondendo de formas bem diversas
daquelas para que foram inicialmente concebidos.
     Rodolfo e Paulo entreolharam-se, procurando ver no rosto do outro o grau de
compreensão que este estaria a ter.
     — Está claro que não estou a querer dizer que é o que se passa com o Aleascript
— continuou Teresa —, mas temos de deixar em aberto a possibilidade…
     — Deixa-me ver se percebi, Teresa — disse Rodolfo, coçando o queixo como
sempre fazia quando estava em estado de raciocínio profundo. — Estás a querer dizer
que, na tua opinião, existirá a possibilidade, ainda que remota, de a hipótese que eu
coloquei ser verdadeira? Isto é, de que o computador, o Aleascript ou um misto dos dois
tenha, por algum mecanismo para nós desconhecido, aprendido com a programação
inicial que o Paulo fez e se tenha recusado a seguir as ordens do algoritmo que ele
preparou?
     — Sim, não me choca, de todo, essa possibilidade. Aliás, estava a esquecer-me de
um conceito que me parece muito apropriado, que é o de inteligência artificial, ou IA.
Lembram-se do filme do Spielberg? Pois já por altura da Segunda Guerra Mundial
havia interesse na construção de máquinas inteligentes. Alain Turing, matemático
inglês, admitiu a possibilidade de as máquinas poderem pensar e concebeu mesmo,
teoricamente, uma máquina que seria capaz de emular o pensamento humano. Mais
recentemente, e para dar um exemplo do domínio artístico, parece que foi criado um
robô que escreve poemas, de forma não totalmente aleatória… Na verdade, Paulo, a
Inteligência Artificial é considerada uma área de pesquisa da ciência da computação,
ciência que estuda, precisamente, os algoritmos e a criação de software com base neles,
não é verdade?
     — Isso é verdade, Teresa, mas, que eu saiba, são ainda muito poucos os casos em
que uma máquina conseguiu, graças a um super software e a um ultra-eficaz algoritmo,
aproximar-se do conceito de IA. Como, neste caso, utilizei um algoritmo ultra-simples,
estou convencido de que tem de haver uma explicação lógica e racional para o que
aconteceu. Não me estou a ver como o Victor Frankenstein do século XXI, a criar um
monstro, neste caso informático.
     — Paulo, tens noção da probabilidade de saírem, de forma puramente aleatória,
cinco palavras, de um universo de cerca de seiscentas mil, que tenham alguma relação
lógica entre si? Pior do que isso, que retratem de forma límpida acontecimentos
passados da pessoa que utiliza o programa? Será um valor tão ridiculamente pequeno
que não tem qualquer sustentabilidade a ideia de acaso! — refutou, veementemente,
Rodolfo. — Agora, explicar como é possível isso estar a acontecer, também não sei.
     — Tive uma ideia — disse Teresa. — Que tal o Paulo experimentar, também, o
Aleascript? Não que eu ainda tenha dúvidas dos resultados que encontrámos, mas
sempre seria mais uma forma de comprovar estas nossas suposições.
     — Apesar do teu cepticismo, importas-te, Paulo? Isto se não tiveres algum
segredo que não queiras aqui revelar…
     — Claro que não me importo, Rodolfo. Acho mesmo uma boa ideia. Por um lado,
não creio ter, de facto, segredos por aí além. Por outro lado, estou convencido de que o
que vos aconteceu resultou de uma qualquer conjugação de factores que vos levou a
fazer as leituras que fizeram. Vamos lá pôr, então, um ponto final neste argumento mal
amanhado de filme de ficção científica de segunda. Liga lá o teu computador, Rodolfo.
     Uma vez mais, Rodolfo ligou o seu portátil, clicou duas vezes no ícone do
Aleascript e aguardou. Quando o programa ficou operacional, pediu ao Paulo para
começar a pressionar a tecla enter.
     Por mais que Paulo clicasse, nada aparecia escrito no ecrã.
     — Mau, o que se passa? Querem lá ver que nunca se passou mesmo nada de
interessante na tua vida que valha a pena o Aleascript devassar? — disse, trocista,
Rodolfo.
     — Ou, então, pifou. Bem me parecia que era bom (ou será mau?) de mais para ser
verdade — contrapôs Teresa, desapontada.
     Paulo descalçou a luva de látex da mão direita. Tinha por hábito usar estas luvas
sempre que trabalhava nos computadores mas, agora, queria ter a maior sensibilidade
possível. Passou o dedo indicador sobre a tecla para tentar perceber se haveria algo de
errado em termos de encaixe. Assim que efectuou uma ligeira pressão, uma palavra
apareceu no ecrã.
     — “INSPECÇÃO”
     — Cá está, funciona ou não funciona? — proclamou Paulo, ufano.
— Funcionar, funciona, quer dizer, já deita cá para fora palavras. Resta saber se
ainda revela acontecimentos vividos pelo seu utilizador. Diz-te alguma coisa a palavra
que saiu, Paulo? — perguntou Rodolfo, expectante.
      — Assim à primeira vista, não creio. Só me lembro de, há dois ou três meses, ter
ido fazer a inspecção automóvel obrigatória, mas isso não me parece relevante.
Continuemos.
      — “FRAUDE”
      — Mau Maria… não estou a gostar muito disto. Ainda assim, não me parece que
se possa aplicar à minha pessoa. Vamos lá, mais um.


      Rodolfo, Teresa e Paulo olhavam fixamente para o ecrã, ansiando pela palavra que
surgiria.
      — “FINANÇAS”
      — Finanças? As minhas andam muito por baixo e, se houve alguma fraude, terei
sido eu o prejudicado. Inspecção… não estou a ver. Vou mas é clicar já duas vezes
seguidas.
      — “CERVEJARIA”
      — “AUSTRÁLIA”
      — Pronto, comprova-se. Cerveja, não bebo. Austrália, sei que tem cangurus e que
é longe que se farta. Olha, Rodolfo, o melhor é mesmo aproveitares as palavras para
começares a escrever rapidamente o que o teu editor quer. Por falar em rapidamente:
bem que podias chamar ao teu próximo livro “A Besta Célere”, não? Sempre era uma
homenagem que fazias ao teu editor, tal a pressa com que ele está. Ou então “A Besta
Célebre”. Para ser premonitório da quantidade de exemplares que venderá…
      — Está giro, está. Não te conhecia essa veia para mandar piadas secas —
respondeu-lhe, trocista, Rodolfo, algo desiludido pelo final do mistério.
      — Pois, sou eu e o meu irmão gémeo. E o meu pai, também, É de família, somos
todos uns grandes comediantes.
      — Irmão gémeo? Não sabia que tinhas um irmão gémeo, nunca me falaste dele!
      — Pois não, tens razão. Ele emigrou há muitos anos e raramente nos encontramos.
Aliás, raramente falamos, sequer. Meteu-se numas alhadas por cá e teve de fugir. Ao
contrário de mim, parece ter uma natural propensão para a asneira…
      — E esse teu irmão é teu irmão gémeo verdadeiro ou nem por isso? — perguntou
Rodolfo, com uma ideia a passar-lhe pelo espírito.
— Somos gémeos verdadeiros, sim. Verdadeiros, idênticos, homozigóticos,
univitelinos, o que nos queiras chamar. Um só óvulo, um só espermatozóide, dois
clones. Tirando os nossos pais, quase ninguém nos consegue diferenciar!
     — E para onde é que o seu irmão emigrou, sabe? — perguntou Teresa,
percebendo a intenção da pergunta de Rodolfo. — Não foi para a Austrália, não?
     Para desalento de Teresa e de Rodolfo, não tinha sido.
     — Não, não foi para a Austrália. Ele andou embarcado muito tempo, mas, depois,
fixou-se na Indonésia, creio. Já lá vão uns bons 5 anos, se não estou enganado.
     — E tens a certeza que ele ainda lá está? Quer dizer, Indonésia e Austrália não são
assim tão distantes, não é? Se a minha geografia não me engana, mais perto, só a Papua
Nova Guiné. E Timor. Talvez…
     O toque do telefone do Paulo interrompeu as conjecturas de Rodolfo. Enquanto
falava ao telefone, Paulo ia ficando notoriamente mais branco, sinal de novidades pouco
agradáveis. Finalmente, desligou, cabisbaixo.
     — Acreditam em coincidências? Então ouçam. Era o meu pai a dizer que o meu
irmão foi preso, há duas semanas, por ter falsificado documentos, ou qualquer coisa do
género, no negócio que geria. Imaginem onde é que ele estava a viver e a que negócio
se dedicava…
     Há dois anos, o irmão de Paulo mudara-se para a Austrália. Abrira uma cervejaria
e, de início, tudo correra bem. Depois, por ganância, resolveu acelerar a sua facturação
por meios menos legais e foi apanhado.
     — Bem, vamos lá ver se acertamos ideias — disse Rodolfo, tentando manter a
calma. — Por um qualquer mecanismo que não percebemos (mais um, acrescente-se), o
computador identificou-te como sendo o teu irmão! Sendo vocês gémeos verdadeiros e,
por isso, tendo um genoma exactamente igual, a conclusão a que posso chegar é que…
     — É que — interrompeu, excitada, Teresa — o Aleascript, ou o computador, ou
os dois em conjunto, identificam o utilizador pelo seu ADN! Como os vossos são
idênticos, baralhou-se!
     Se as coisas já estavam suficientemente misteriosas, agora tornavam-se,
definitivamente, nebulosas e obscuras. Enquanto Rodolfo e Teresa discutiam as últimas
ocorrências, Paulo mantinha-se algo apático. Apesar do afastamento, físico e emocional,
não podia ignorar que Ricardo era seu irmão. Gémeo. Verdadeiro. Clone. Saber que ele
estava preso nos confins do mundo era motivo para séria preocupação. Combinara ir ter
de imediato com o pai.
— Rodolfo, Teresa, por agora tenho que vos deixar. Vou ter com o meu pai para
decidirmos o que fazer. Talvez tenha de me ausentar por uns dias, se resolvermos ir até
à Austrália. De qualquer forma, vamos mantendo o contacto, pois acho que temos uma
bomba nas mãos!
        — Não duvides, Paulo — disse-lhe Rodolfo, vendo já quatro ou cinco possíveis
consequências da utilização do Aleascript. — Temos de pensar bem o que vamos fazer
a seguir. Para já, o mais prudente é não comentarmos com ninguém o que se está a
passar.
        — Acho boa ideia, Rodolfo — disse Teresa, pensativa. — Não é muito difícil
prever que, se se vier a saber, serão muitos os que lhe quererão deitar a mão.
        — Pois, tens toda a razão — concordou Rodolfo. — Uns para o usar e outros para
o destruir…


        Rodolfo e Teresa despediram-se de Paulo. As suas cabeças estavam a mil,
tentando perceber qual o passo mais acertado a dar a seguir. Entraram no carro e
Rodolfo, antes de dar à chave, fez uma festa na cara de Teresa.
        — Então, tinha razão ou não, ao dizer que te irias interessar por aquilo que tinha
para te contar?
        — Claro que tinhas, Rodolfo. Ainda não acredito que isto esteja mesmo a
acontecer! O que achas que devemos fazer a seguir? Bem, que deves fazer a seguir,
pois…
        — Devemos, disseste bem. Estamos juntos nisto. A não ser que não queiras e…
        — É claro que quero, Rodolfo. Dificilmente poderia haver algo mais estimulante
para eu fazer e…
        — Quanto a isso, tenho uma ou duas ideias de coisas mais estimulantes que
poderias fazer, a começar por…
        — Vá, menino, porte-se bem! — ralhou-lhe Teresa, mais do que habituada aos
piropos e à malícia de Rodolfo. — Mais do que nunca, agora é altura para ter a cabeça
fria.
        Rodolfo encaixou o raspanete de Teresa. Sabia que ela nunca iria querer
ultrapassar a fronteira da amizade entre eles e, também por isso, estava à-vontade para
se meter com ela.
        — Ok, Ok, não se zangue, mademoiselle. Estamos então, para o bem e para o mal
(calma, calma…), juntos nesta aventura. O que me dizes de irmos almoçar um belo
peixinho grelhado ao Peixão? Toda esta agitação abriu-me o apetite! Para além de que
são quase horas do lanche…
         — Vamos, claro que sim. Sabes bem que sou louca por chupar uma bela cabeça
de…
         Olhando para o rasgado sorriso que Rodolfo abrira, Teresa parou o que estava a
dizer.
         — Parvo!
         — Pargo, Teresa. Querias dizer pargo, não era? Então vamos, está combinado. Tu
chupas a cabeça e deixas-me comer o rabo.
         Arrancaram e lá foram até ao cais. Para refrescar as ideias, nada melhor do que um
peixinho bem fresco!

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  • 1. CAPÍTULO 4 "Criatividade consiste apenas em perceber o que já esta lá. Você sabia que os sapatos direito e esquerdo só foram inventados há pouco mais de um século?" (Bernice Fitz-Gibbon) Quando chegaram a casa do Paulo, este estava de volta de um computador. Rodolfo olhou para o ecrã mas não percebeu nada. Já Teresa conseguiu identificar uma estrutura relativamente familiar. — Algoritmos? Teresa conhecia bem os algoritmos. A sua tese de doutoramento versara, precisamente, a criação de algoritmos para prever a ocorrência de sismos, o que lhe valera um prémio internacional. — Tu percebes disto, Teresa? — perguntou-lhe, espantado, Rodolfo. — Se soubesse, tinha-te pedido a ti para me fazeres o programa. Pelo menos, evitava ser trapaceado por este brincalhão! Paulo, seu amigo há muitos anos, deu-lhe uma palmada amigável na nuca. — Vá, deixa-te disso. Confessa que foi engraçado! Bem, pelo menos até à parte em que as coisas se começaram a complicar, ao que parece! — Pois, foi isso mesmo, Complicaram-se e de que maneira. Mas, espera, estamos a falar e não te apresentei a Teresa. Teresa, licenciada em Matemática. Paulo, o meu amigo craque em informática, vagabundo e, ao que parece, aprendiz de feiticeiro… Eram, de facto, algoritmos. Fórmulas matemáticas, utilizadas para responder às necessidades de determinados cálculos, de forma lógica. Na verdade, um programa de computador não era muito mais do que um algoritmo, com a missão de informar o computador dos passos que ele deverá dar e por que ordem o deverá fazer. — Vá, Rodolfo, vamos por partes. Dizes que foram mais do que duas as sequências que reconheceste como familiares. Quais foram, concretamente, as palavras que saíram? Rodolfo disse a Paulo quais as palavras que haviam saído e qual a leitura que havia feito das mesmas. Depois, Teresa explicou o que se havia passado com ela, deixando Paulo bastante apreensivo e intrigado. — Isto é mesmo muito estranho. Como vos disse, apenas programei, de facto, duas sequências de cinco palavras. De resto, comecei por fazer uma pesquisa na net e não me foi difícil encontrar algumas ferramentas do género. Gostei especialmente do
  • 2. software Random Word Generator, uma das Creativity Tools da empresa watchout4snakes. Limitei-me a fazer algo do género, mas com palavras portuguesas. Depois, era suposto o programa correr por si. E parece que foi o que ele, literalmente, fez… — Paulo — perguntou-lhe Rodolfo, atordoado com o desenvolvimento dos acontecimentos —, encontras alguma explicação para isto? É possível que um programa de computador assuma, por assim dizer, o comando das operações, fazendo desaparecer o carácter aleatório que pretendíamos? — Bem, Rodolfo, no domínio da ficção científica, isso já é conhecido. Máquinas criadas pelo Homem que, repentinamente, como que ganham consciência e passam a ter vontade própria. Mas isso é nos filmes e nos livros… — Neste caso é precisamente a escrita de um livro que está em causa — lembrou Teresa, parecendo ter algum gozo em manter acesa a chama de estarem perante um fenómeno paranormal. — Além disso, a ser verdade, não seria difícil que o filme viesse logo a seguir! — Calma, calma. Respiremos fundo e analisemos a situação sob um ponto de vista racional — propôs Paulo, ou não estivesse habituado a uma lógica de trabalho perfeitamente clara e bem definida, em que ele mandava e o computador obedecia! — Já ouviram falar na Ciência do Caos? — questionou Teresa, num aparente assomo de clarividência. Paulo nunca tinha ouvido falar, mas Rodolfo tinha lido algumas coisas sobre o assunto. Prestaram ambos a máxima atenção à explicação de Teresa. — Deixem-me começar por vos falar de modelos. Não, não, deixem lá de salivar, porque não vos irei falar da Naomi e outras escanzeladas do ramo. Refiro-me àquilo a que os teóricos e investigadores recorrem quando querem explicar uma dada realidade, normalmente complexa, de uma forma relativamente mais fácil e compreensível. Até há bem pouco tempo, era comum entender-se o funcionamento da percepção humana e das tomadas de decisão por analogia com o funcionamento dos computadores, com inputs, processamento de dados e outputs. Diversos estudos mostraram que a articulação entre o sistema neural e outros sistemas orgânicos é bem mais complexa e que essa analogia pouco explicaria da realidade. Significa isto que poderemos estar numa época em que será inteligente estar aberto à possibilidade de haver outros modelos que expliquem melhor o funcionamento de muitos sistemas, sejam eles humanos ou apenas máquinas. A propósito, recomendo-vos a leitura do livro “ O Caos - A Criação de uma Nova
  • 3. Ciência”, de James Gleick. Ficarão familiarizados com atractores, fractais e, de uma forma genérica, com a proposta da existência de sistemas não-lineares. Por incrível que vos possa parecer, foi publicado há mais de vinte anos. Aliás, outros autores falam do mesmo tema, por outras palavras, referindo-se à possibilidade de haver sistemas auto- organizados onde, antes, apenas se viam comandos hierarquicamente bem definidos. Simplificando, parece ser, mais do que possível, provável que haja mesmo a capacidade de alguns sistemas funcionarem por si só, respondendo de formas bem diversas daquelas para que foram inicialmente concebidos. Rodolfo e Paulo entreolharam-se, procurando ver no rosto do outro o grau de compreensão que este estaria a ter. — Está claro que não estou a querer dizer que é o que se passa com o Aleascript — continuou Teresa —, mas temos de deixar em aberto a possibilidade… — Deixa-me ver se percebi, Teresa — disse Rodolfo, coçando o queixo como sempre fazia quando estava em estado de raciocínio profundo. — Estás a querer dizer que, na tua opinião, existirá a possibilidade, ainda que remota, de a hipótese que eu coloquei ser verdadeira? Isto é, de que o computador, o Aleascript ou um misto dos dois tenha, por algum mecanismo para nós desconhecido, aprendido com a programação inicial que o Paulo fez e se tenha recusado a seguir as ordens do algoritmo que ele preparou? — Sim, não me choca, de todo, essa possibilidade. Aliás, estava a esquecer-me de um conceito que me parece muito apropriado, que é o de inteligência artificial, ou IA. Lembram-se do filme do Spielberg? Pois já por altura da Segunda Guerra Mundial havia interesse na construção de máquinas inteligentes. Alain Turing, matemático inglês, admitiu a possibilidade de as máquinas poderem pensar e concebeu mesmo, teoricamente, uma máquina que seria capaz de emular o pensamento humano. Mais recentemente, e para dar um exemplo do domínio artístico, parece que foi criado um robô que escreve poemas, de forma não totalmente aleatória… Na verdade, Paulo, a Inteligência Artificial é considerada uma área de pesquisa da ciência da computação, ciência que estuda, precisamente, os algoritmos e a criação de software com base neles, não é verdade? — Isso é verdade, Teresa, mas, que eu saiba, são ainda muito poucos os casos em que uma máquina conseguiu, graças a um super software e a um ultra-eficaz algoritmo, aproximar-se do conceito de IA. Como, neste caso, utilizei um algoritmo ultra-simples, estou convencido de que tem de haver uma explicação lógica e racional para o que
  • 4. aconteceu. Não me estou a ver como o Victor Frankenstein do século XXI, a criar um monstro, neste caso informático. — Paulo, tens noção da probabilidade de saírem, de forma puramente aleatória, cinco palavras, de um universo de cerca de seiscentas mil, que tenham alguma relação lógica entre si? Pior do que isso, que retratem de forma límpida acontecimentos passados da pessoa que utiliza o programa? Será um valor tão ridiculamente pequeno que não tem qualquer sustentabilidade a ideia de acaso! — refutou, veementemente, Rodolfo. — Agora, explicar como é possível isso estar a acontecer, também não sei. — Tive uma ideia — disse Teresa. — Que tal o Paulo experimentar, também, o Aleascript? Não que eu ainda tenha dúvidas dos resultados que encontrámos, mas sempre seria mais uma forma de comprovar estas nossas suposições. — Apesar do teu cepticismo, importas-te, Paulo? Isto se não tiveres algum segredo que não queiras aqui revelar… — Claro que não me importo, Rodolfo. Acho mesmo uma boa ideia. Por um lado, não creio ter, de facto, segredos por aí além. Por outro lado, estou convencido de que o que vos aconteceu resultou de uma qualquer conjugação de factores que vos levou a fazer as leituras que fizeram. Vamos lá pôr, então, um ponto final neste argumento mal amanhado de filme de ficção científica de segunda. Liga lá o teu computador, Rodolfo. Uma vez mais, Rodolfo ligou o seu portátil, clicou duas vezes no ícone do Aleascript e aguardou. Quando o programa ficou operacional, pediu ao Paulo para começar a pressionar a tecla enter. Por mais que Paulo clicasse, nada aparecia escrito no ecrã. — Mau, o que se passa? Querem lá ver que nunca se passou mesmo nada de interessante na tua vida que valha a pena o Aleascript devassar? — disse, trocista, Rodolfo. — Ou, então, pifou. Bem me parecia que era bom (ou será mau?) de mais para ser verdade — contrapôs Teresa, desapontada. Paulo descalçou a luva de látex da mão direita. Tinha por hábito usar estas luvas sempre que trabalhava nos computadores mas, agora, queria ter a maior sensibilidade possível. Passou o dedo indicador sobre a tecla para tentar perceber se haveria algo de errado em termos de encaixe. Assim que efectuou uma ligeira pressão, uma palavra apareceu no ecrã. — “INSPECÇÃO” — Cá está, funciona ou não funciona? — proclamou Paulo, ufano.
  • 5. — Funcionar, funciona, quer dizer, já deita cá para fora palavras. Resta saber se ainda revela acontecimentos vividos pelo seu utilizador. Diz-te alguma coisa a palavra que saiu, Paulo? — perguntou Rodolfo, expectante. — Assim à primeira vista, não creio. Só me lembro de, há dois ou três meses, ter ido fazer a inspecção automóvel obrigatória, mas isso não me parece relevante. Continuemos. — “FRAUDE” — Mau Maria… não estou a gostar muito disto. Ainda assim, não me parece que se possa aplicar à minha pessoa. Vamos lá, mais um. Rodolfo, Teresa e Paulo olhavam fixamente para o ecrã, ansiando pela palavra que surgiria. — “FINANÇAS” — Finanças? As minhas andam muito por baixo e, se houve alguma fraude, terei sido eu o prejudicado. Inspecção… não estou a ver. Vou mas é clicar já duas vezes seguidas. — “CERVEJARIA” — “AUSTRÁLIA” — Pronto, comprova-se. Cerveja, não bebo. Austrália, sei que tem cangurus e que é longe que se farta. Olha, Rodolfo, o melhor é mesmo aproveitares as palavras para começares a escrever rapidamente o que o teu editor quer. Por falar em rapidamente: bem que podias chamar ao teu próximo livro “A Besta Célere”, não? Sempre era uma homenagem que fazias ao teu editor, tal a pressa com que ele está. Ou então “A Besta Célebre”. Para ser premonitório da quantidade de exemplares que venderá… — Está giro, está. Não te conhecia essa veia para mandar piadas secas — respondeu-lhe, trocista, Rodolfo, algo desiludido pelo final do mistério. — Pois, sou eu e o meu irmão gémeo. E o meu pai, também, É de família, somos todos uns grandes comediantes. — Irmão gémeo? Não sabia que tinhas um irmão gémeo, nunca me falaste dele! — Pois não, tens razão. Ele emigrou há muitos anos e raramente nos encontramos. Aliás, raramente falamos, sequer. Meteu-se numas alhadas por cá e teve de fugir. Ao contrário de mim, parece ter uma natural propensão para a asneira… — E esse teu irmão é teu irmão gémeo verdadeiro ou nem por isso? — perguntou Rodolfo, com uma ideia a passar-lhe pelo espírito.
  • 6. — Somos gémeos verdadeiros, sim. Verdadeiros, idênticos, homozigóticos, univitelinos, o que nos queiras chamar. Um só óvulo, um só espermatozóide, dois clones. Tirando os nossos pais, quase ninguém nos consegue diferenciar! — E para onde é que o seu irmão emigrou, sabe? — perguntou Teresa, percebendo a intenção da pergunta de Rodolfo. — Não foi para a Austrália, não? Para desalento de Teresa e de Rodolfo, não tinha sido. — Não, não foi para a Austrália. Ele andou embarcado muito tempo, mas, depois, fixou-se na Indonésia, creio. Já lá vão uns bons 5 anos, se não estou enganado. — E tens a certeza que ele ainda lá está? Quer dizer, Indonésia e Austrália não são assim tão distantes, não é? Se a minha geografia não me engana, mais perto, só a Papua Nova Guiné. E Timor. Talvez… O toque do telefone do Paulo interrompeu as conjecturas de Rodolfo. Enquanto falava ao telefone, Paulo ia ficando notoriamente mais branco, sinal de novidades pouco agradáveis. Finalmente, desligou, cabisbaixo. — Acreditam em coincidências? Então ouçam. Era o meu pai a dizer que o meu irmão foi preso, há duas semanas, por ter falsificado documentos, ou qualquer coisa do género, no negócio que geria. Imaginem onde é que ele estava a viver e a que negócio se dedicava… Há dois anos, o irmão de Paulo mudara-se para a Austrália. Abrira uma cervejaria e, de início, tudo correra bem. Depois, por ganância, resolveu acelerar a sua facturação por meios menos legais e foi apanhado. — Bem, vamos lá ver se acertamos ideias — disse Rodolfo, tentando manter a calma. — Por um qualquer mecanismo que não percebemos (mais um, acrescente-se), o computador identificou-te como sendo o teu irmão! Sendo vocês gémeos verdadeiros e, por isso, tendo um genoma exactamente igual, a conclusão a que posso chegar é que… — É que — interrompeu, excitada, Teresa — o Aleascript, ou o computador, ou os dois em conjunto, identificam o utilizador pelo seu ADN! Como os vossos são idênticos, baralhou-se! Se as coisas já estavam suficientemente misteriosas, agora tornavam-se, definitivamente, nebulosas e obscuras. Enquanto Rodolfo e Teresa discutiam as últimas ocorrências, Paulo mantinha-se algo apático. Apesar do afastamento, físico e emocional, não podia ignorar que Ricardo era seu irmão. Gémeo. Verdadeiro. Clone. Saber que ele estava preso nos confins do mundo era motivo para séria preocupação. Combinara ir ter de imediato com o pai.
  • 7. — Rodolfo, Teresa, por agora tenho que vos deixar. Vou ter com o meu pai para decidirmos o que fazer. Talvez tenha de me ausentar por uns dias, se resolvermos ir até à Austrália. De qualquer forma, vamos mantendo o contacto, pois acho que temos uma bomba nas mãos! — Não duvides, Paulo — disse-lhe Rodolfo, vendo já quatro ou cinco possíveis consequências da utilização do Aleascript. — Temos de pensar bem o que vamos fazer a seguir. Para já, o mais prudente é não comentarmos com ninguém o que se está a passar. — Acho boa ideia, Rodolfo — disse Teresa, pensativa. — Não é muito difícil prever que, se se vier a saber, serão muitos os que lhe quererão deitar a mão. — Pois, tens toda a razão — concordou Rodolfo. — Uns para o usar e outros para o destruir… Rodolfo e Teresa despediram-se de Paulo. As suas cabeças estavam a mil, tentando perceber qual o passo mais acertado a dar a seguir. Entraram no carro e Rodolfo, antes de dar à chave, fez uma festa na cara de Teresa. — Então, tinha razão ou não, ao dizer que te irias interessar por aquilo que tinha para te contar? — Claro que tinhas, Rodolfo. Ainda não acredito que isto esteja mesmo a acontecer! O que achas que devemos fazer a seguir? Bem, que deves fazer a seguir, pois… — Devemos, disseste bem. Estamos juntos nisto. A não ser que não queiras e… — É claro que quero, Rodolfo. Dificilmente poderia haver algo mais estimulante para eu fazer e… — Quanto a isso, tenho uma ou duas ideias de coisas mais estimulantes que poderias fazer, a começar por… — Vá, menino, porte-se bem! — ralhou-lhe Teresa, mais do que habituada aos piropos e à malícia de Rodolfo. — Mais do que nunca, agora é altura para ter a cabeça fria. Rodolfo encaixou o raspanete de Teresa. Sabia que ela nunca iria querer ultrapassar a fronteira da amizade entre eles e, também por isso, estava à-vontade para se meter com ela. — Ok, Ok, não se zangue, mademoiselle. Estamos então, para o bem e para o mal (calma, calma…), juntos nesta aventura. O que me dizes de irmos almoçar um belo
  • 8. peixinho grelhado ao Peixão? Toda esta agitação abriu-me o apetite! Para além de que são quase horas do lanche… — Vamos, claro que sim. Sabes bem que sou louca por chupar uma bela cabeça de… Olhando para o rasgado sorriso que Rodolfo abrira, Teresa parou o que estava a dizer. — Parvo! — Pargo, Teresa. Querias dizer pargo, não era? Então vamos, está combinado. Tu chupas a cabeça e deixas-me comer o rabo. Arrancaram e lá foram até ao cais. Para refrescar as ideias, nada melhor do que um peixinho bem fresco!