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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIENCIAS HUMANAS
LETRAS, NOTURNO, 1° ANO - 2013 (PROF. VIVIANA BOSI)
TRABALHO DE IEL – II

A Epifania e a Náusea
em “Amor”,
de Clarice Lispector.

Ryuller Do Prado
N° Usp – 8573279
1
Sumário
1. Introdução:

1.2 Contexto histórico-cultural

3

1.3 Esclaricementos: Quem é Clarice Lispector?

4

2. Análise:

2.1 Do Enredo

5

2.2 Do Título

6

2.3 Da Temática

7

2.4 Das Personagens

7

2.5 Do Espaço

9

2.6 Do Tempo

11

2.7 Do Foco narrativo

13

2.8 Do Estilo

14

2.9 Dos Símbolos

15

3. Conclusão

15

4. Bibliografia

17

2
Introdução
1.1) Contexto Histórico-cultural
O século XX, época em que Clarice escreveu o conto “Amor”, foi palco de
inúmeras transformações sociais, culturais e idealistas. Foi um século de extremos,
como diria Hobsbawn, em seu livro “A era dos extremos: O breve século XX”, onde
discorre com muita propriedade sobre as formações de novos grupos sociais, o culto à
personalidade, a ascensão e a queda de ideologias. E neste contexto, o principal fator,
que é claramente percebido na literatura de Clarice, tem a ver com a mudança da figura
feminina na sociedade. Após o fim da Segunda guerra mundial a mulher já havia
percebido seu poder, sua importância, e estava pronta para lutar por direitos igualitários
com os homens. Movimentos feministas surgiram com uma força arrasadora, ganhando
a atenção de ciências como a antropologia, a sociologia, etc.
A mulher, antes restrita apenas ao ambiente doméstico, começou a atingir outras
áreas de trabalho, galgando novos patamares, fugindo do forte patriarcalismo vigente
deste então. Contudo este saldo significativo de conquistas deve ser visto com cuidado,
pois ainda hoje a mulher enfrenta espasmos de desigualdade por parte da sociedade. Na
vida política a presença feminina ainda é vista com desconfiança; no mercado de
trabalho o salário médio dos homens ainda é maior; e na vida privada as tarefas
domésticas ainda acabam sendo responsabilidade da mulher.
Consoante a isto existe na mulher, que constrói uma carreira profissional sólida,
um sentimento de culpa, como se ela estivesse pondo sua família, seus filhos e seu lar
em segundo plano. É precisamente disso que se trata o conto “Amor”. Desta ascensão
social almejada pela mulher, esta liberdade, que acaba se colocando em dura
contraposição à vida familiar e doméstica.

3
1.2) Esclaricementos: Quem é Clarice Lispector?
“Clarice Lispector (1920-1977), nascida em Tchetchelnik, na Ucrânia (Rússia), e
naturalizada brasileira, é escritora já reconhecida pela crítica, tanto no Brasil quanto no
exterior, por sua obra ficcional e por sua atividade na imprensa carioca, desenvolvida ao
longo de 37 anos de produção. Nascida durante a viagem dos pais, judeus imigrantes
que vieram com as três filhas para o Brasil, morou em Maceió e Recife, depois no Rio
de Janeiro, em seguida, em países europeus (Itália, Suíça, Inglaterra) e nos Estados
Unidos e, novamente, no Rio de Janeiro” (GOTLIB, 2008).
Clarice surge muito cedo, aos 19 anos, assustando a crítica e encantando a todos
com seu primeiro livro publicado “Perto do coração selvagem”. Sua escrita original,
sua temática perfurante, e sua linguagem própria, subjetiva, forte, levaram-na aos
píncaros da produção literária brasileira, fazendo-a transcender limites geográficos e até
mesmo idiomáticos, sendo lida em países como a França, e sendo reconhecida como
escritora feminista em muitos lugares.
Logo neste primeiro livro Clarice mostrava seu interesse pelo mais profundo das
mentes e das percepções de suas personagens (como Joana), buscando sempre uma
máxima profundidade psicológica. Pois isso ela se dizia mais que uma escritora, uma
“sentidora”. Derrubando as fronteiras entre o mundo externo e o interno, entre o sentir e
o pensar, Clarice se mostrou um ícone do romance moderno, tal como Joyce, Virgínia e
Proust. A linguagem de Clarice não é um modelo de descrição veridictória de mundo,
nem uma criação submissa a ele, mas sim um espaço infinito de invenção, de
potencialidades e profundidades perturbadoras.

4
Análise
2.1) Do Enredo
Dizia Cortázar, em seu livro “Valise de Cronópio”, que “nesse combate que se
trava entre um texto apaixonante e o leitor, o romance ganha sempre por pontos,
enquanto o conto deve ganhar por knock-out” (p. 152). Em “Amor”, esse efeito Knockout não cai apenas sobre o leitor, mas também sobre sua personagem-centro. O enredo
aparece condicionado a uma crise, um choque, ou algo que subitamente surpreende a
personagem, levando a partir disso ao desenvolvimento central do conto. “Na maioria
dos contos da autora (Clarice) o episódio único que serve de núcleo à narrativa é um
momento de tensão conflitiva (...). Assim, em certos contos, a tensão conflitiva se
declara subitamente e estabelece uma ruptura do personagem com o mundo” (NUNES,
1973, p. 79).
“Amor” é um conto ícone quando pensamos em Clarice. Não só a ruptura com o
mudo, mas também a extrema subjetividade, e o mergulho no mundo interior e
complexo da personagem central, são temas recorrentes na obra da autora.
O conto gira em torno da personagem Ana, típica dona-de-casa, que um pouco
cansada e satisfeita, sobe no bonde “com as compras deformando o saco de tricô”, a
caminho de casa. O narrador em terceira pessoa então começa a adentrar lentamente,
levando consigo o leitor, ao mundo de Ana. Filhos, marido, uma vida familiar plena e
feliz, por mais artificial que se apresente esta felicidade - era a vida que ela “quisera e
escolhera”. O que havia antes dessa vida familiar havia sido abandonado por Ana, “o
que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma
exaltação perturbada que tantas vezes se confundia com felicidade insuportável”; tudo
em troca de uma segurança propiciada pela vida doméstica. Porém este simulacro
familiar protetor começa a demonstrar sinais de quebra quando “sua precaução reduziase a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar
mais dela”; é quando seu “ser social” é esvaziado deixando-a as sós com seu perigoso
“ser existencial”.

5
O desenvolvimento do conto se inicia quando Ana vê um cego mascando chicles
no ponto do bonde, o que provoca nela um estado de náusea e selvagem libertação, “Ela
apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que não explodisse (...) e um cego
mascando goma despedaçava tudo isso”. Este é o foco do conto, que vai ter seu clímax
no Jardim Botânico, onde a personagem vai parar por se ver num estado de
entorpecimento que a faz perder o ponto de decida. Neste jardim Ana enfrenta a
insuportável e doce torrente da vida, da existência como si mesma, nua à crua
degustação dos sentidos: “era um mundo de se comer com os dentes”. A inversão de
valores artificiais, até então construídos e protegidos pela personagem, e a maciça
presença de paradoxos, marca esta parte do conto: “Era fascinante, e ela sentia nojo”.
O entorpecimento tem fim quando Ana se lembra dos filhos e, sentindo-se
culpada, volta para a casa. Porém “o mal já estava feito” e, ao voltar para seu ambiente
rotineiro e seguro, já não encontra mais tanta segurança, e sente medo: “Abraçou o filho
quase a ponto de machucá-lo (...). Tenho medo, disse”. Contudo, o final do conto denota
a volta gradual de Ana ao seu mundo, protegido da violência extasiante da vida, através
do marido: “segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás,
afastando-a do perigo de viver”.
Todavia a última frase deixa no ar uma certa ambiguidade, ao apagar “a pequena
flama do dia”, não se sabe se Ana apagou da mente as experiências que vivenciou
durante o dia, configurando uma possível retomada à sua vida doméstica; ou se ainda,
ao embarcar na escuridão, a personagem não se entregou derradeiramente ao mundo que
o cego lhe ensinara a ver.

2.2) Do Título
“Amor”, Este titulo nos leva a pensar: quem é amado? E de que forma se ama?
A personagem Ana, como modelo de dona de casa, mãe de família, amava seus filhos e
amava seu marido, de forma plena e estável. Um amor constante e cuidadoso. Ela
amava a vida que tinha e escolhera, porém algo se fazia ausente. Ao se deparar com o
cego, Ana experimenta um estado de epifania que a levará à percepção de um outro tipo
de amor. Um amor mais selvagem, amor à vida, à humanidade, um amor estritamente
ligado à piedade que o cego provocara nela. É este amor, e seu inferno, que Ana
enfrenta durante o conto.

6
2.3) Da Temática
A análise temática do conto “Amor” pode ser deveras abrangente, transitando
pelo tema da vida cotidiana de uma dona de casa e chegando numa mais profunda
temática, de caráter existencial, no tocante às perturbações pelas quais passa a
personagem.
Primeiramente, vamos definir “tema”, segundo Tomachevski (1971, p. 169): “As
significações dos elementos particulares da obra constituem uma unidade que é o tema
(aquilo de que se fala)”. Partindo deste conceito podemos verificar no conto analisado o
tema do embate entre o cotidiano de uma mulher e suas complexas formas de sentir o
mundo – A mulher entre o lar e a liberdade.
A atualidade deste tema é incontestável, no que tange ao contexto social vigente
no momento, onde a mulher busca cada vez mais seu espaço fora do ambiente familiar.
Citando novamente Tomachevski (1971, p. 171): “Neste sentido, o tema atual, isto é,
aquele que trata dos problemas culturais do momento, satisfaz o leitor”.
Usando de uma figura quase estereotipada de dona de casa, Clarice faz de Ana
um simulacro para as inquietações de toda mulher. “O personagem que recebe a carga
emocional mais viva e acentuada chama-se herói. O herói é o personagem seguido pelo
leitor com maior atenção. Provoca a compaixão, a simpatia, a alegria e a tristeza do
leitor” (TOMACHEVSKI, 1971, p. 195). Portanto neste conto Ana é a heroína, a
personagem centro, a base precípua para que a temática da obra se mantenha rica e
atual.

2.4) Das Personagens
Em seu ensaio, “A personagem do romance”, do livro “A personagem de
ficção”, Antônio Candido estabelece um amplo panorama sobre os tipos possíveis de
personagens, bem como suas relações com seus autores. Para esta análise, nos
serviremos da distinção de personagens em planas/ de costumes; esféricas/ de natureza;
apresentada no ensaio.
A pergunta inicial é: A personagem Ana é plana? Esférica? De costumes? Ou de
natureza? Se tratando de Clarice Lispector, é óbvio que a resposta: esférica, seja a
primeira a palpitar. Porém, a resposta talvez não seja tão simples quanto pareça.

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Primeiramente vamos conceituar as definições: “As personagens ‘de costumes’ são
apresentadas por meio de traços distintivos, fortemente escolhidos e marcados; por
meio, em suma, de tudo aquilo que os distingue vistos de fora. Estes traços são fixados
de uma vez para sempre, e cada vez que a personagem surge na ação, basta invocar um
deles. Como se vê, é o processo fundamental de caricatura” (CANDIDO, 2000, p. 61).
Essa definição é par com a de “personagem plana”, na tipologia adotada por Forster:
“Na sua forma mais pura, são construídas em torno de uma única ideia ou qualidade” (p.
62).
Vejamos agora o outro par de definições: “As ‘personagens de natureza’ são
apresentadas, além dos traços superficiais, pelo seu modo íntimo de ser, e isto impede
que tenham a regularidade dos outros”. Consoante a esta, as “personagens esféricas” são
“organizadas com maior complexidade e, em consequência, capazes de nos
surpreender” (p.63).
Pois bem, sendo Ana uma dona de casa típica, quase estereotipada, seria justo
defini-la como personagem de costumes, ou plana. Por outro lado a profundidade
atingida por Clarice torna esta personagem única, tal como um “romancista de natureza”
Clarice a vê “à luz da sua existência profunda” (p. 62) o que coloca Ana, claramente
como sendo uma personagem esférica/ de natureza. Tal construção de personagem já
fora apresentada pela autora em seu primeiro livro, “Perto do coração selvagem”; onde
Joana, personagem inequívoca e irremediavelmente esférica, apresenta desde já a
profundidade e a riqueza perceptiva desde tipo tão clariceano de personagem. Todavia,
no presente trabalho, a personagem Ana será definida como um estilo híbrido, uma
personagem plano-esférica, de natureza e de costumes. Uma personagem, tão viva e tão
insustentável que abrange todas as tipologias; pois ao contrário de Joana, ela renega seu
coração selvagem e, por escolha própria, decide se encaixar humildemente no campo
plano e costumeiro da vida cotidiana de uma dona de casa. Portanto, sem querer
contrariá-la, deixemo-la usufruir de sua escolha. Afinal de contas “Assim ela o quisera e
o escolhera”.
Para finalizar, analisaremos outros dois personagens que possuem papel
fundamental no conto. O cego e o marido. O primeiro age como uma espécie de
antagonista, um ser que desperta na personagem algo contra qual ela paulatinamente
luta: “Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão”. Ela
cuidava de sua vida plena e segura, “E um cego mascando goma despedaçava tudo

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isso”. Após se deparar com este personagem Ana entra num estado psicológico instável
que só vai se amenizar com a ajuda do marido, um personagem apaziguador, uma
espécie de anti-antagonista; alguém que aparece para recolocar Ana em seu estado
inicial: “É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que
pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás,
afastando-a do perigo de viver”.

2.5) Do Espaço
Osman Lins, em seu livro “Lima Barreto e o espaço romanesco”, diferencia
ambientação de espaço: “Por ambientação, entenderíamos o conjunto de processos
conhecidos ou possíveis, destinados a provocar, na narrativa, a noção de um
determinado ambiente.” Enquanto que “para a aferição do espaço, levamos em conta a
nossa experiência do mundo” (LINS, 1976, p. 77).
Acerca da ideia de ambientação, Osman Lins propõe uma tríplice divisão
teórica: Ambientação franca; reflexa; e dissimulada. Para incidir a luz desta teoria sobre
o conto de Clarice vamos escolher as ambientações reflexa e dissimulada. “A
ambientação reflexa como que incide sobre a personagem, não implicando numa ação.
A personagem, na ambientação reflexa, tende a assumir uma atitude passiva e a sua
reação, quando registrada é sempre interior”. Enquanto que “a ambientação dissimulada
exige a personagem ativa: o que a identifica é um enlace entre o espaço e a ação” (p.83).
Tendo isto em mente podemos inferir que, no conto “Amor”, estas duas formas
de ambientação são usadas, com muita habilidade, pela autora, no sentido de criar uma
oposição entre o estado psicológico de Ana fora e dentro do Jardim botânico, antes e
depois de sofrer a epifania. Até entrar no Jardim, a construção do ambiente, em sua
maioria, se dá a partir das percepções de Ana, contudo percebe-se um estado de
passividade da personagem em relação ao espaço: “Mas o vento batendo nas cortinas
que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa,
olhando o calmo horizonte” – o que configura, portanto, a ambientação reflexa. Até o
momento de encontro com o cego, segue-se tal ambientação, percebida no texto através
de um recusto estilístico de Clarice, a diferenciação entre dois verbos simples, que para
ela não se envolviam em tanta sinonímia como julga o senso comum – “Olhar” e “Ver”.

9
“Olhar” é um ato apassivador, diluído maquinalmente como um hábito
corriqueiro e sem riqueza, enquanto “Ver” se liga a algo como um súbito entendimento
(epifania), uma ação, um procedimento ativo do indivíduo em relação ao mundo, e neste
ponto, realmente “Ver” é menos sinônimo de “Olhar“ do que de Entender”. O momento
em que Ana deixa de olhar e passa a ver, toma-se o ponto de início da ambientação
dissimulada. Neste trecho: “Então ela viu: o cego mascava chicles...”, é onde
percebemos tal transição. Aqui é onde, pela primeira vez, aparece no texto o verbo
“Ver”. O enlace entre espaço e ação é facilmente percebido enquanto Ana se encontra
no Jardim Botânico: “Um movimento leve e íntimo a sobressaltou – voltou-se rápida.
Nada parecia se ter movido. Mas na aleia central estava imóvel um poderoso gato. Seus
pelos eram macios. Em novo andar silencioso, desapareceu” – configurando, portanto,
no bojo espacial do Jardim Botânico, a presença maciça da ambientação dissimulada.
Ainda no mesmo livro, Osman Lins se refere ao conto analisado, inserindo o
importante conceito de atmosfera: “A atmosfera do conto, igualmente opressiva, é
obtida por intermédio da personagem, mediante uma subjetivação do cenário. Baseia-se
o conto nas relações de Ana com o mundo. Isto num grau tão elevado que o horizonte
do espaço, pode-se dizer, coincide com o mundo” (LINS, 1976, p.75). O autor entende
que “a atmosfera, designação ligada à ideia de espaço, sendo invariavelmente de caráter
abstrato – de angústia, de alegria, de exaltação, de violência, etc. -, consiste em algo que
envolve ou penetra de maneira sutil as personagens, mas não decorre necessariamente
do espaço, embora surja com frequência como emanação deste elemento, havendo
mesmo casos em que o espaço justifica-se exatamente pela atmosfera que provoca”
(p.76). É o que acontece com Ana - ao se ver diante da natureza crua e pulsante do
Jardim a personagem se envolve numa atmosfera densa, periclitante, provocadora, “uma
atmosfera de horror” segundo Lins.
Contudo ainda pouco se disse sobre a complexidade e riqueza criadora de
Clarice. Atmosfera (afluência do ambiente, ligada ao foco narrativo, bem como à
personagem), ambiente (já analisado), e espaço, perdem sua riqueza prática quando a
teoria passa a analisá-los em separado (como bem dizia Osman Lins). Em Clarice, isto é
ainda mais visível. O espaço se liga de forma complexa e interdependente com os
demais elementos do texto. Como bem disse Moisés (1997, p.186): “a noção de tempo
implica a de espaço e vice-versa, todo espaço se vincula ao tempo que nele transcorre”.

10
Por isso a análise do espaço será concluída em conluio com a análise do tempo, no
capítulo que segue.

2.6) Do Tempo

A presente análise de tempo se fará, principalmente, em relação com o espaço,
como dito no fim do capítulo anterior. Contudo, se tratando de Clarice, isto ainda não
basta, é preciso que a questão do foco narrativo seja posta também em discussão.
O narrador onisciente seletivo focaliza as percepções e pensamentos da
personagem-centro, fazendo, portanto, com que o transcorrer do tempo se dê a partir
disto, gerando no conto a sensação progressiva de sumário para cena (aprofundaremos
isto no capítulo seguinte).
Não obstante todas as dificuldades já mencionadas sobre a questão do tempo,
que teima em não se separar do espaço, do foco narrativo e da personagem; tentaremos
rápida e humildemente analisar o tempo separadamente.
Pois bem, o conto se inicia in media res, ou seja, sem uma apresentação inicial
da história, ou sentenças preparativas usadas pelo narrador para situar o leitor no tempo,
no contexto, etc. “Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de
tricô, Ana subiu no bonde.” Porém, já no segundo parágrafo ocorre uma manobra
narrativa, configurando uma volta estratégica no tempo, chamada por Genette de
“analepse (retrospecção)” (NUNES, 1988, p.32). O narrador descreve a vida de Ana,
seus filhos, sua rotina, provocando no leitor uma sensação de frequência (p.36),
portanto, essa parte do conto caracterizaremos como “analepse frequenciada”. Nota-se,
contudo a presença de uma espécie de “antecipação de futuro frequenciada” no trecho:
“Assim chegaria a noite, com sua tranquila vibração. De manhã acordaria aureolada
pelos calmos deveres”. Com imediato retorno à analepse frequenciada: “Encontrava os
móveis de novo empoeirados...”. Através destes recursos, a construção narrativa da
rotina doméstica de Ana se faz de forma genial, demonstrando por fim sua frequência
cíclica. No parágrafo seguinte ocorre a volta ao tempo “presente”, no sentido de ter sido
este o tempo inicial do conto. “O bonde vacilava nos trilhos”.
Detenhamo-nos agora na análise principal desde capítulo – a relação tempoespaço. O conto possui, grosso modo, uma tríplice partição de espaços, bem como de
tempos. O lar, o bonde e o jardim são os espaços, sendo a rua apenas uma transição de

11
caráter interseccional, entre o bonde e o jardim; e os tempos cronológico, psicológico e
acrônico, se relacionam consoantes a estes espaços.
Primeiramente, o lar. O espaço de segurança de Ana. Onde a personagem efetua
suas ações cotidianas dentro de um tempo cronológico, “que é o tempo dos
acontecimentos, englobando a nossa própria vida” (NUNES, 1988, p. 20), o tempo que
“regula nossa existência cotidiana”. É nesse tempo que Ana tenta se prender
continuamente, tentando fugir da “hora perigosa da tarde”.
Contudo, já em outro espaço, no bonde, Ana sofre sua primeira epifania ao
encontrar o cego, “o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego
profundamente”, fazendo com que a narrativa se configure num tempo psicológico. “A
experiência de sucessão de nossos estados internos leva-nos ao conceito de tempo
psicológico ou de tempo vivido, também chamado de duração interior” (NUNES, 1988,
p. 18). (Este tempo é preponderante no obra de Clarice, que através do discurso indireto
livro adentra na mente da personagem, fazendo com que suas percepções se liguem
profundamente ao fluxo temporal da narrativa).
Doravante, a personagem se vê em transição para outro espaço: “Andando um
pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico”. Agora o
tempo psicológico começa a dar lugar a um tempo mais belo e complexo: o acrônico.
“Quando o pacto entre autor e leitor não comporta a crença de que acontecimentos
narrados pertencem ao passado da voz que os enuncia, seja porque ela foi elidida ou
silenciada, seja porque o narrador abstrai a diferença entre presente e passado, temos o
caso dos textos acrônicos, neutros no plano do tempo imaginário” (NUNES, 1988, p.
44). Uma espécie de presente atemporal, um tempo “fora do tempo”.
“A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela
adormecia dentro de si”. No Jardim Ana se vê diante de um mundo sujo, tenebroso,
“faiscante, sombrio”, real. Esta natureza crua e verdadeira desperta em Ana uma
segunda e mais profunda epifania, “Fez-se no jardim um trabalho secreto do qual ela
começava a se aperceber”; ela pensa na condição humana “Quando Ana pensou que
havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela
tivesse grávida e abandonada”. Segundo Nádia Gotlib (1994, p. 96), “O jardim era a
passagem para um mundo da invenção, um mundo onde o outro é ilimitado, onde tudo é
possível, até o seu ápice, revelado no paradoxo, como se observa no conto: ‘O jardim
era tão bonito que ela teve medo do inferno’.”. Este estado de acronia começa a ter fim

12
quando a personagem se lembra dos filhos, “Mas quando se lembrou das crianças,
diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor”.
Adiante, em sua volta ao lar, espaço do qual Ana pertence, percebe-se certa
dificuldade (proposital por parte da autora) em se atinar novamente o tempo
cronológico; tem-se a impressão de que o tempo cronológico transcorre contaminado
pelo tempo psicológico: “Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca
mais fosse seu”. Todavia, por intermédio do esposo, e com o foco narrativo
modificando-se do sumário para cena (diálogo entre Ana e o marido), o tempo presente
se encaixa novamente com o cronológico, afinal “acabara-se a vertigem de bondade”.
Dessa forma, portanto, vimos que o tempo e o espaço, neste conto, se relacionam
através dos pares: psicológico (bonde); acrônico (jardim); e por fim o cronológico (lar).

2.7) Do Foco Narrativo
Em livro seu “O foco narrativo”, Ligia Chiappini Moraes Leite, ao investigar a
tipologia de Norman Friedman, coloca Clarice Lispector na categoria da Onisciência
seletiva. “O ângulo é central, e os canais são limitados aos sentimentos, pensamentos e
percepções da personagem central, sendo mostrados diretamente” (LEITE, 2005, p. 54).
É o que acontece com a personagem Ana. Suas percepções e sentidos são o que
movem a construção de discurso do narrador. Não há sequer uma cena em que Ana não
esteja presente. Tal centralidade é usada como um profundo mergulho no mundo
psicológico da personagem. “No fundo, Ana sempre tivera a necessidade de sentir a raiz
firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair
num destino de mulher, com a surpresa de nele o caber como se o tivesse inventado”.
Esta construção acaba inevitavelmente ligando o foco narrativo não só com a
personagem, mas também com o tempo. Como este fator já foi abordado anteriormente,
passemos rapidamente a analise do foco narrativo separadamente.
Conforme a teoria do foco narrativo de Henry James e Lubbock, o conto
“Amor” se apresenta, grosso modo, através do sumário (pictórico), onde o narrador,
inicialmente, conta mais do que mostra; o que no decorrer do texto vai se transformando
em cena (dramático). Contudo o estilo indireto livre de Clarice permite que usemos,
mais corretamente, o termo Pictórico-Dramático, “combinação da cena e do sumário,

13
sobretudo quando a ‘pintura’ dos acontecimentos se reflete na mente de uma
personagem” (LEITE, 2005, p. 15).
Portanto, o conto apresenta um narrador onisciente seletivo que se utiliza do
modelo Pictórico-Dramático, através do estilo indireto livre, para desenvolver-se dentro
da mente da personagem-centro, Ana.

2.8) Do Estilo

Dois aspectos do estilo de Clarice se fazem evidentes, e importantes, acerca do
conto “Amor”. O primeiro é o efeito produzido pelas repetições de palavras ou
sentenças, como “o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles” ou “era
fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante”; no primeiro caso há uma espécie de
silenciamento (outro aspecto importante em Clarice) seguindo-se da repetição, o efeito
causado aqui é a intencionalidade referente ao choque, ao espanto de Ana ao se deparar
com o cego; no segundo caso a repetição do signo “fascinante” pode ser entendida como
intencionalidade de aumento gradual de força elocutória – “era fascinante, a mulher
tinha nojo, e era fascinante”. Há uma reiteração da informação, porém a segunda já
ganha uma carga de elocutória que a primeira não alcançou, ou seja, o poder de
invocação do conteúdo semântico da palavra “fascinante” se fez de forma consistente
através desta repetição.
Utilizando ainda a mesma frase, podemos perceber o segundo aspecto estilístico
de Clarice, muito usado neste conto: O paradoxo. Ana sentia nojo, e era fascinante.
“Amava com nojo” ou ainda “O jardim era tão bonito que ela teve medo do inferno”;
este jogo de oposições é utilizado de forma genial por Clarice, gerando, num plano
semântico, novos potenciais de significado.

2.9) Dos Símbolos

Neste conto podem ser percebidas as presenças sutis de alguns símbolos, bem
como a quebra dos ovos no bonde “Mas os ovos haviam se quebrado no embrulho do
jornal”, representando o choque sofrido por Ana ao ver o cego, e a consequente quebra
do simulacro doméstico-social que recobria seu ser; ou mesmo o enfraquecimento da
razão em relação à percepção sensorial: “Havia no chão caroços secos cheios de

14
circunvoluções, como pequenos cérebros apodrecidos”. Símbolos que serão contraatacados ao final do conto, através do “café derramado”, pois é onde Ana se “deparando
com seu marido diante do café derramado” começa sua volta ao estado psicológico
inicial.
Contudo o mais importante símbolo deste conto são “as árvores”. Logo no início
este símbolo aparece: “Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas
apenas. E cresciam as árvores”. E no clímax do conto, dentro do Jardim Botânico: “As
árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia”. As arvores aparecem
no conto como símbolos representativos imanentes à vida e à percepção de mundo de
Ana. As árvores encontradas no jardim eram totalmente diferentes das que apareciam de
modo figurado, no inicio do conto; as árvores do jardim eram reais, símbolos para a
vida calcada no mais profundo cerne da existência; enquanto as primeiras eram puras
abstrações, figuras do que Ana julgava ser a vida.

Conclusão:
O presente trabalho percorreu várias correntes de análise (tempo, espaço, etc.)
sobre o conto “Amor” de Clarice Lispector, e como pincelada final traçaremos uma
rápida interpretação do conto, visualizando-o de um ângulo mais geral, centrado na
ideia de epifania e de náusea.
A rotina de Ana é descrita como um alicerce ao qual a personagem se prende,
sentindo-se segura. Uma vida doméstica, onde ela cuida dos filhos, da casa, do marido,
com dedicação e empenho. Contudo, Ana devia tomar cuidado na “hora perigosa da
tarde”, um momento em que, com as crianças na escola e o marido no trabalho, ela se
via sozinha com seu ser profundo e indivisível.
Para fugir de si mesma Ana vai às compras, e na volta para casa, no bonde, ao se
deparar com o cego, acaba sendo invadida pela primeira epifania. Uma espécie de
iluminação súbita, uma experiência quase religiosa, onde a personagem começa a se dar
conta do mundo que a rodeia. Logo tudo muda, “A rede de tricô era áspera entre os
dedos, não íntima como quando tricotara”; a visão do outro é também modificada e
ampliada: “parecia-lhe que as pessoas na rua eram periclitantes”. De uma hora pra outra

15
Ana passou a observar as pessoas de forma surpreendida, atônita, como se vasculhasse
em seu interior alguma piedade para com o cego. Compreendera então que havia em
tudo algo de incompreensível. Uma desordem a assolou fazendo-a perder o ponto de
descida, acabando por fim no Jardim Botânico, onde sofreria sua segunda epifania, e
mais ainda, experimentaria a náusea.
Em meio à natureza Ana sente a vida “à flor da pele”, como se seus sentidos
estivessem insuportavelmente aguçados. E diante dessa explosão tenebrosa de vida Ana
pensa na humanidade, configurando, em meio ao clímax, sua segunda epifania, seguida
da enfim pela náusea: ”Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com
fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada”.
Esse estado de náusea define-se como um momento de súbito estranhamento
entre o ser e o mundo, como acontece à personagem Ana.
No romance “A náusea”, de Jean Paul Sartre, o personagem Roquetin passa por
um estado análogo ao de Ana, ao contemplar a raiz de um castanheiro; e, por mais que
Clarice tenha dito que “sua” náusea era diferente, vale a pena encerrar o presente
trabalho com um trecho deste excelente romance:
“Esse momento foi extraordinário. Eu estava ali, imóvel e gelado, mergulhado
num êxtase terrível. Mas, no próprio seio deste êxtase, qualquer coisa de novo acabava
de aparecer; eu compreendia a Náusea, possuí-a. A bem dizer, não formulava
intimamente as minhas descobertas. Mas creio que me seria fácil agora traduzi-las em
palavras. O essencial é a contingência. Quero dizer que, por definição, a existência não
é a necessidade (...), Quanto tempo durou aquela fascinação? Tinha-me tornado na raiz
do castanheiro. Ou melhor, reduzira-me inteiramente à consciência de sua existência”
(A Náusea, p. 223).

16
Bibliografia:
- CANDIDO, A. “A personagem do romance”. Candido et alii. A personagem de ficção.
São Paulo: Ed. Perspectiva, 1968.
- CORTÁZAR, J. “Alguns aspectos do conto”. Valise de Cronópio. Trad. D. Arrigucci
Jr. E J. A. Barbosa. São Paulo: Ed Perspectiva, 1974.
- GOTLIB, N. B. Teoria do conto. São Paulo: Ed. Ática, 2002.
- GOTLIB, Nádia Battela. Os difíceis laços de família. In: Cadernos de Pesquisa. São
Paulo, 1994.
- GOTLIB, N. B. Clarice Fotobiografia. São Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo,
2008.
- HOBSBAWN, Eric. J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo,
Ed. Companhia das Letras, 1995.
- LEITE, L. C. M. O foco narrativo. São Paulo: Ed. Ática, 1985.
- LINS, O. Capítulos IV, V e VI de Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ed.
Ática, 1976.
- LISPECTOR, Clarice. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.
- MOISES, Massaud. A criação literária: prosa. 3ed. São Paulo: Cultrix, 1985.
- NUNES, B. O tempo na narrativa. São Paulo: Ed. Ática, 1968.
- NUNES, Benedito, 1929 – Leitura de Clarice Lispector. São Paulo, Ed. Quíron, 1973.
- ROSENBAUM, Y. Clarice Lispector/ Yudith Rosenbaum. São Paulo: Publifolha,
2002. – (Folha explica)
- SARTRE, Jean.Paul. A Náusea Publicações Europa-América Lda. Trad. Antônio
Coimbra Martins.
- TOMACHEVSKI, B. “Temática”. Eickenbaum et alii. Teoria da literatura.
Formalistas russos. Trad. A. M. Ribeiro et alii. Porto Alegre: Ed. Globo, 1970.

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A epifania e a náusea em amor, de Clarice Lispector

  • 1. UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIENCIAS HUMANAS LETRAS, NOTURNO, 1° ANO - 2013 (PROF. VIVIANA BOSI) TRABALHO DE IEL – II A Epifania e a Náusea em “Amor”, de Clarice Lispector. Ryuller Do Prado N° Usp – 8573279 1
  • 2. Sumário 1. Introdução: 1.2 Contexto histórico-cultural 3 1.3 Esclaricementos: Quem é Clarice Lispector? 4 2. Análise: 2.1 Do Enredo 5 2.2 Do Título 6 2.3 Da Temática 7 2.4 Das Personagens 7 2.5 Do Espaço 9 2.6 Do Tempo 11 2.7 Do Foco narrativo 13 2.8 Do Estilo 14 2.9 Dos Símbolos 15 3. Conclusão 15 4. Bibliografia 17 2
  • 3. Introdução 1.1) Contexto Histórico-cultural O século XX, época em que Clarice escreveu o conto “Amor”, foi palco de inúmeras transformações sociais, culturais e idealistas. Foi um século de extremos, como diria Hobsbawn, em seu livro “A era dos extremos: O breve século XX”, onde discorre com muita propriedade sobre as formações de novos grupos sociais, o culto à personalidade, a ascensão e a queda de ideologias. E neste contexto, o principal fator, que é claramente percebido na literatura de Clarice, tem a ver com a mudança da figura feminina na sociedade. Após o fim da Segunda guerra mundial a mulher já havia percebido seu poder, sua importância, e estava pronta para lutar por direitos igualitários com os homens. Movimentos feministas surgiram com uma força arrasadora, ganhando a atenção de ciências como a antropologia, a sociologia, etc. A mulher, antes restrita apenas ao ambiente doméstico, começou a atingir outras áreas de trabalho, galgando novos patamares, fugindo do forte patriarcalismo vigente deste então. Contudo este saldo significativo de conquistas deve ser visto com cuidado, pois ainda hoje a mulher enfrenta espasmos de desigualdade por parte da sociedade. Na vida política a presença feminina ainda é vista com desconfiança; no mercado de trabalho o salário médio dos homens ainda é maior; e na vida privada as tarefas domésticas ainda acabam sendo responsabilidade da mulher. Consoante a isto existe na mulher, que constrói uma carreira profissional sólida, um sentimento de culpa, como se ela estivesse pondo sua família, seus filhos e seu lar em segundo plano. É precisamente disso que se trata o conto “Amor”. Desta ascensão social almejada pela mulher, esta liberdade, que acaba se colocando em dura contraposição à vida familiar e doméstica. 3
  • 4. 1.2) Esclaricementos: Quem é Clarice Lispector? “Clarice Lispector (1920-1977), nascida em Tchetchelnik, na Ucrânia (Rússia), e naturalizada brasileira, é escritora já reconhecida pela crítica, tanto no Brasil quanto no exterior, por sua obra ficcional e por sua atividade na imprensa carioca, desenvolvida ao longo de 37 anos de produção. Nascida durante a viagem dos pais, judeus imigrantes que vieram com as três filhas para o Brasil, morou em Maceió e Recife, depois no Rio de Janeiro, em seguida, em países europeus (Itália, Suíça, Inglaterra) e nos Estados Unidos e, novamente, no Rio de Janeiro” (GOTLIB, 2008). Clarice surge muito cedo, aos 19 anos, assustando a crítica e encantando a todos com seu primeiro livro publicado “Perto do coração selvagem”. Sua escrita original, sua temática perfurante, e sua linguagem própria, subjetiva, forte, levaram-na aos píncaros da produção literária brasileira, fazendo-a transcender limites geográficos e até mesmo idiomáticos, sendo lida em países como a França, e sendo reconhecida como escritora feminista em muitos lugares. Logo neste primeiro livro Clarice mostrava seu interesse pelo mais profundo das mentes e das percepções de suas personagens (como Joana), buscando sempre uma máxima profundidade psicológica. Pois isso ela se dizia mais que uma escritora, uma “sentidora”. Derrubando as fronteiras entre o mundo externo e o interno, entre o sentir e o pensar, Clarice se mostrou um ícone do romance moderno, tal como Joyce, Virgínia e Proust. A linguagem de Clarice não é um modelo de descrição veridictória de mundo, nem uma criação submissa a ele, mas sim um espaço infinito de invenção, de potencialidades e profundidades perturbadoras. 4
  • 5. Análise 2.1) Do Enredo Dizia Cortázar, em seu livro “Valise de Cronópio”, que “nesse combate que se trava entre um texto apaixonante e o leitor, o romance ganha sempre por pontos, enquanto o conto deve ganhar por knock-out” (p. 152). Em “Amor”, esse efeito Knockout não cai apenas sobre o leitor, mas também sobre sua personagem-centro. O enredo aparece condicionado a uma crise, um choque, ou algo que subitamente surpreende a personagem, levando a partir disso ao desenvolvimento central do conto. “Na maioria dos contos da autora (Clarice) o episódio único que serve de núcleo à narrativa é um momento de tensão conflitiva (...). Assim, em certos contos, a tensão conflitiva se declara subitamente e estabelece uma ruptura do personagem com o mundo” (NUNES, 1973, p. 79). “Amor” é um conto ícone quando pensamos em Clarice. Não só a ruptura com o mudo, mas também a extrema subjetividade, e o mergulho no mundo interior e complexo da personagem central, são temas recorrentes na obra da autora. O conto gira em torno da personagem Ana, típica dona-de-casa, que um pouco cansada e satisfeita, sobe no bonde “com as compras deformando o saco de tricô”, a caminho de casa. O narrador em terceira pessoa então começa a adentrar lentamente, levando consigo o leitor, ao mundo de Ana. Filhos, marido, uma vida familiar plena e feliz, por mais artificial que se apresente esta felicidade - era a vida que ela “quisera e escolhera”. O que havia antes dessa vida familiar havia sido abandonado por Ana, “o que sucedera a Ana antes de ter o lar estava para sempre fora de seu alcance: uma exaltação perturbada que tantas vezes se confundia com felicidade insuportável”; tudo em troca de uma segurança propiciada pela vida doméstica. Porém este simulacro familiar protetor começa a demonstrar sinais de quebra quando “sua precaução reduziase a tomar cuidado na hora perigosa da tarde, quando a casa estava vazia sem precisar mais dela”; é quando seu “ser social” é esvaziado deixando-a as sós com seu perigoso “ser existencial”. 5
  • 6. O desenvolvimento do conto se inicia quando Ana vê um cego mascando chicles no ponto do bonde, o que provoca nela um estado de náusea e selvagem libertação, “Ela apaziguara tão bem a vida, cuidara tanto para que não explodisse (...) e um cego mascando goma despedaçava tudo isso”. Este é o foco do conto, que vai ter seu clímax no Jardim Botânico, onde a personagem vai parar por se ver num estado de entorpecimento que a faz perder o ponto de decida. Neste jardim Ana enfrenta a insuportável e doce torrente da vida, da existência como si mesma, nua à crua degustação dos sentidos: “era um mundo de se comer com os dentes”. A inversão de valores artificiais, até então construídos e protegidos pela personagem, e a maciça presença de paradoxos, marca esta parte do conto: “Era fascinante, e ela sentia nojo”. O entorpecimento tem fim quando Ana se lembra dos filhos e, sentindo-se culpada, volta para a casa. Porém “o mal já estava feito” e, ao voltar para seu ambiente rotineiro e seguro, já não encontra mais tanta segurança, e sente medo: “Abraçou o filho quase a ponto de machucá-lo (...). Tenho medo, disse”. Contudo, o final do conto denota a volta gradual de Ana ao seu mundo, protegido da violência extasiante da vida, através do marido: “segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver”. Todavia a última frase deixa no ar uma certa ambiguidade, ao apagar “a pequena flama do dia”, não se sabe se Ana apagou da mente as experiências que vivenciou durante o dia, configurando uma possível retomada à sua vida doméstica; ou se ainda, ao embarcar na escuridão, a personagem não se entregou derradeiramente ao mundo que o cego lhe ensinara a ver. 2.2) Do Título “Amor”, Este titulo nos leva a pensar: quem é amado? E de que forma se ama? A personagem Ana, como modelo de dona de casa, mãe de família, amava seus filhos e amava seu marido, de forma plena e estável. Um amor constante e cuidadoso. Ela amava a vida que tinha e escolhera, porém algo se fazia ausente. Ao se deparar com o cego, Ana experimenta um estado de epifania que a levará à percepção de um outro tipo de amor. Um amor mais selvagem, amor à vida, à humanidade, um amor estritamente ligado à piedade que o cego provocara nela. É este amor, e seu inferno, que Ana enfrenta durante o conto. 6
  • 7. 2.3) Da Temática A análise temática do conto “Amor” pode ser deveras abrangente, transitando pelo tema da vida cotidiana de uma dona de casa e chegando numa mais profunda temática, de caráter existencial, no tocante às perturbações pelas quais passa a personagem. Primeiramente, vamos definir “tema”, segundo Tomachevski (1971, p. 169): “As significações dos elementos particulares da obra constituem uma unidade que é o tema (aquilo de que se fala)”. Partindo deste conceito podemos verificar no conto analisado o tema do embate entre o cotidiano de uma mulher e suas complexas formas de sentir o mundo – A mulher entre o lar e a liberdade. A atualidade deste tema é incontestável, no que tange ao contexto social vigente no momento, onde a mulher busca cada vez mais seu espaço fora do ambiente familiar. Citando novamente Tomachevski (1971, p. 171): “Neste sentido, o tema atual, isto é, aquele que trata dos problemas culturais do momento, satisfaz o leitor”. Usando de uma figura quase estereotipada de dona de casa, Clarice faz de Ana um simulacro para as inquietações de toda mulher. “O personagem que recebe a carga emocional mais viva e acentuada chama-se herói. O herói é o personagem seguido pelo leitor com maior atenção. Provoca a compaixão, a simpatia, a alegria e a tristeza do leitor” (TOMACHEVSKI, 1971, p. 195). Portanto neste conto Ana é a heroína, a personagem centro, a base precípua para que a temática da obra se mantenha rica e atual. 2.4) Das Personagens Em seu ensaio, “A personagem do romance”, do livro “A personagem de ficção”, Antônio Candido estabelece um amplo panorama sobre os tipos possíveis de personagens, bem como suas relações com seus autores. Para esta análise, nos serviremos da distinção de personagens em planas/ de costumes; esféricas/ de natureza; apresentada no ensaio. A pergunta inicial é: A personagem Ana é plana? Esférica? De costumes? Ou de natureza? Se tratando de Clarice Lispector, é óbvio que a resposta: esférica, seja a primeira a palpitar. Porém, a resposta talvez não seja tão simples quanto pareça. 7
  • 8. Primeiramente vamos conceituar as definições: “As personagens ‘de costumes’ são apresentadas por meio de traços distintivos, fortemente escolhidos e marcados; por meio, em suma, de tudo aquilo que os distingue vistos de fora. Estes traços são fixados de uma vez para sempre, e cada vez que a personagem surge na ação, basta invocar um deles. Como se vê, é o processo fundamental de caricatura” (CANDIDO, 2000, p. 61). Essa definição é par com a de “personagem plana”, na tipologia adotada por Forster: “Na sua forma mais pura, são construídas em torno de uma única ideia ou qualidade” (p. 62). Vejamos agora o outro par de definições: “As ‘personagens de natureza’ são apresentadas, além dos traços superficiais, pelo seu modo íntimo de ser, e isto impede que tenham a regularidade dos outros”. Consoante a esta, as “personagens esféricas” são “organizadas com maior complexidade e, em consequência, capazes de nos surpreender” (p.63). Pois bem, sendo Ana uma dona de casa típica, quase estereotipada, seria justo defini-la como personagem de costumes, ou plana. Por outro lado a profundidade atingida por Clarice torna esta personagem única, tal como um “romancista de natureza” Clarice a vê “à luz da sua existência profunda” (p. 62) o que coloca Ana, claramente como sendo uma personagem esférica/ de natureza. Tal construção de personagem já fora apresentada pela autora em seu primeiro livro, “Perto do coração selvagem”; onde Joana, personagem inequívoca e irremediavelmente esférica, apresenta desde já a profundidade e a riqueza perceptiva desde tipo tão clariceano de personagem. Todavia, no presente trabalho, a personagem Ana será definida como um estilo híbrido, uma personagem plano-esférica, de natureza e de costumes. Uma personagem, tão viva e tão insustentável que abrange todas as tipologias; pois ao contrário de Joana, ela renega seu coração selvagem e, por escolha própria, decide se encaixar humildemente no campo plano e costumeiro da vida cotidiana de uma dona de casa. Portanto, sem querer contrariá-la, deixemo-la usufruir de sua escolha. Afinal de contas “Assim ela o quisera e o escolhera”. Para finalizar, analisaremos outros dois personagens que possuem papel fundamental no conto. O cego e o marido. O primeiro age como uma espécie de antagonista, um ser que desperta na personagem algo contra qual ela paulatinamente luta: “Um cego mascando chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão”. Ela cuidava de sua vida plena e segura, “E um cego mascando goma despedaçava tudo 8
  • 9. isso”. Após se deparar com este personagem Ana entra num estado psicológico instável que só vai se amenizar com a ajuda do marido, um personagem apaziguador, uma espécie de anti-antagonista; alguém que aparece para recolocar Ana em seu estado inicial: “É hora de dormir, disse ele, é tarde. Num gesto que não era seu, mas que pareceu natural, segurou a mão da mulher, levando-a consigo sem olhar para trás, afastando-a do perigo de viver”. 2.5) Do Espaço Osman Lins, em seu livro “Lima Barreto e o espaço romanesco”, diferencia ambientação de espaço: “Por ambientação, entenderíamos o conjunto de processos conhecidos ou possíveis, destinados a provocar, na narrativa, a noção de um determinado ambiente.” Enquanto que “para a aferição do espaço, levamos em conta a nossa experiência do mundo” (LINS, 1976, p. 77). Acerca da ideia de ambientação, Osman Lins propõe uma tríplice divisão teórica: Ambientação franca; reflexa; e dissimulada. Para incidir a luz desta teoria sobre o conto de Clarice vamos escolher as ambientações reflexa e dissimulada. “A ambientação reflexa como que incide sobre a personagem, não implicando numa ação. A personagem, na ambientação reflexa, tende a assumir uma atitude passiva e a sua reação, quando registrada é sempre interior”. Enquanto que “a ambientação dissimulada exige a personagem ativa: o que a identifica é um enlace entre o espaço e a ação” (p.83). Tendo isto em mente podemos inferir que, no conto “Amor”, estas duas formas de ambientação são usadas, com muita habilidade, pela autora, no sentido de criar uma oposição entre o estado psicológico de Ana fora e dentro do Jardim botânico, antes e depois de sofrer a epifania. Até entrar no Jardim, a construção do ambiente, em sua maioria, se dá a partir das percepções de Ana, contudo percebe-se um estado de passividade da personagem em relação ao espaço: “Mas o vento batendo nas cortinas que ela mesma cortara lembrava-lhe que se quisesse podia parar e enxugar a testa, olhando o calmo horizonte” – o que configura, portanto, a ambientação reflexa. Até o momento de encontro com o cego, segue-se tal ambientação, percebida no texto através de um recusto estilístico de Clarice, a diferenciação entre dois verbos simples, que para ela não se envolviam em tanta sinonímia como julga o senso comum – “Olhar” e “Ver”. 9
  • 10. “Olhar” é um ato apassivador, diluído maquinalmente como um hábito corriqueiro e sem riqueza, enquanto “Ver” se liga a algo como um súbito entendimento (epifania), uma ação, um procedimento ativo do indivíduo em relação ao mundo, e neste ponto, realmente “Ver” é menos sinônimo de “Olhar“ do que de Entender”. O momento em que Ana deixa de olhar e passa a ver, toma-se o ponto de início da ambientação dissimulada. Neste trecho: “Então ela viu: o cego mascava chicles...”, é onde percebemos tal transição. Aqui é onde, pela primeira vez, aparece no texto o verbo “Ver”. O enlace entre espaço e ação é facilmente percebido enquanto Ana se encontra no Jardim Botânico: “Um movimento leve e íntimo a sobressaltou – voltou-se rápida. Nada parecia se ter movido. Mas na aleia central estava imóvel um poderoso gato. Seus pelos eram macios. Em novo andar silencioso, desapareceu” – configurando, portanto, no bojo espacial do Jardim Botânico, a presença maciça da ambientação dissimulada. Ainda no mesmo livro, Osman Lins se refere ao conto analisado, inserindo o importante conceito de atmosfera: “A atmosfera do conto, igualmente opressiva, é obtida por intermédio da personagem, mediante uma subjetivação do cenário. Baseia-se o conto nas relações de Ana com o mundo. Isto num grau tão elevado que o horizonte do espaço, pode-se dizer, coincide com o mundo” (LINS, 1976, p.75). O autor entende que “a atmosfera, designação ligada à ideia de espaço, sendo invariavelmente de caráter abstrato – de angústia, de alegria, de exaltação, de violência, etc. -, consiste em algo que envolve ou penetra de maneira sutil as personagens, mas não decorre necessariamente do espaço, embora surja com frequência como emanação deste elemento, havendo mesmo casos em que o espaço justifica-se exatamente pela atmosfera que provoca” (p.76). É o que acontece com Ana - ao se ver diante da natureza crua e pulsante do Jardim a personagem se envolve numa atmosfera densa, periclitante, provocadora, “uma atmosfera de horror” segundo Lins. Contudo ainda pouco se disse sobre a complexidade e riqueza criadora de Clarice. Atmosfera (afluência do ambiente, ligada ao foco narrativo, bem como à personagem), ambiente (já analisado), e espaço, perdem sua riqueza prática quando a teoria passa a analisá-los em separado (como bem dizia Osman Lins). Em Clarice, isto é ainda mais visível. O espaço se liga de forma complexa e interdependente com os demais elementos do texto. Como bem disse Moisés (1997, p.186): “a noção de tempo implica a de espaço e vice-versa, todo espaço se vincula ao tempo que nele transcorre”. 10
  • 11. Por isso a análise do espaço será concluída em conluio com a análise do tempo, no capítulo que segue. 2.6) Do Tempo A presente análise de tempo se fará, principalmente, em relação com o espaço, como dito no fim do capítulo anterior. Contudo, se tratando de Clarice, isto ainda não basta, é preciso que a questão do foco narrativo seja posta também em discussão. O narrador onisciente seletivo focaliza as percepções e pensamentos da personagem-centro, fazendo, portanto, com que o transcorrer do tempo se dê a partir disto, gerando no conto a sensação progressiva de sumário para cena (aprofundaremos isto no capítulo seguinte). Não obstante todas as dificuldades já mencionadas sobre a questão do tempo, que teima em não se separar do espaço, do foco narrativo e da personagem; tentaremos rápida e humildemente analisar o tempo separadamente. Pois bem, o conto se inicia in media res, ou seja, sem uma apresentação inicial da história, ou sentenças preparativas usadas pelo narrador para situar o leitor no tempo, no contexto, etc. “Um pouco cansada, com as compras deformando o novo saco de tricô, Ana subiu no bonde.” Porém, já no segundo parágrafo ocorre uma manobra narrativa, configurando uma volta estratégica no tempo, chamada por Genette de “analepse (retrospecção)” (NUNES, 1988, p.32). O narrador descreve a vida de Ana, seus filhos, sua rotina, provocando no leitor uma sensação de frequência (p.36), portanto, essa parte do conto caracterizaremos como “analepse frequenciada”. Nota-se, contudo a presença de uma espécie de “antecipação de futuro frequenciada” no trecho: “Assim chegaria a noite, com sua tranquila vibração. De manhã acordaria aureolada pelos calmos deveres”. Com imediato retorno à analepse frequenciada: “Encontrava os móveis de novo empoeirados...”. Através destes recursos, a construção narrativa da rotina doméstica de Ana se faz de forma genial, demonstrando por fim sua frequência cíclica. No parágrafo seguinte ocorre a volta ao tempo “presente”, no sentido de ter sido este o tempo inicial do conto. “O bonde vacilava nos trilhos”. Detenhamo-nos agora na análise principal desde capítulo – a relação tempoespaço. O conto possui, grosso modo, uma tríplice partição de espaços, bem como de tempos. O lar, o bonde e o jardim são os espaços, sendo a rua apenas uma transição de 11
  • 12. caráter interseccional, entre o bonde e o jardim; e os tempos cronológico, psicológico e acrônico, se relacionam consoantes a estes espaços. Primeiramente, o lar. O espaço de segurança de Ana. Onde a personagem efetua suas ações cotidianas dentro de um tempo cronológico, “que é o tempo dos acontecimentos, englobando a nossa própria vida” (NUNES, 1988, p. 20), o tempo que “regula nossa existência cotidiana”. É nesse tempo que Ana tenta se prender continuamente, tentando fugir da “hora perigosa da tarde”. Contudo, já em outro espaço, no bonde, Ana sofre sua primeira epifania ao encontrar o cego, “o coração batia-lhe violento, espaçado. Inclinada, olhava o cego profundamente”, fazendo com que a narrativa se configure num tempo psicológico. “A experiência de sucessão de nossos estados internos leva-nos ao conceito de tempo psicológico ou de tempo vivido, também chamado de duração interior” (NUNES, 1988, p. 18). (Este tempo é preponderante no obra de Clarice, que através do discurso indireto livro adentra na mente da personagem, fazendo com que suas percepções se liguem profundamente ao fluxo temporal da narrativa). Doravante, a personagem se vê em transição para outro espaço: “Andando um pouco mais ao longo de uma sebe, atravessou os portões do Jardim Botânico”. Agora o tempo psicológico começa a dar lugar a um tempo mais belo e complexo: o acrônico. “Quando o pacto entre autor e leitor não comporta a crença de que acontecimentos narrados pertencem ao passado da voz que os enuncia, seja porque ela foi elidida ou silenciada, seja porque o narrador abstrai a diferença entre presente e passado, temos o caso dos textos acrônicos, neutros no plano do tempo imaginário” (NUNES, 1988, p. 44). Uma espécie de presente atemporal, um tempo “fora do tempo”. “A vastidão parecia acalmá-la, o silêncio regulava sua respiração. Ela adormecia dentro de si”. No Jardim Ana se vê diante de um mundo sujo, tenebroso, “faiscante, sombrio”, real. Esta natureza crua e verdadeira desperta em Ana uma segunda e mais profunda epifania, “Fez-se no jardim um trabalho secreto do qual ela começava a se aperceber”; ela pensa na condição humana “Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela tivesse grávida e abandonada”. Segundo Nádia Gotlib (1994, p. 96), “O jardim era a passagem para um mundo da invenção, um mundo onde o outro é ilimitado, onde tudo é possível, até o seu ápice, revelado no paradoxo, como se observa no conto: ‘O jardim era tão bonito que ela teve medo do inferno’.”. Este estado de acronia começa a ter fim 12
  • 13. quando a personagem se lembra dos filhos, “Mas quando se lembrou das crianças, diante das quais se tornara culpada, ergueu-se com uma exclamação de dor”. Adiante, em sua volta ao lar, espaço do qual Ana pertence, percebe-se certa dificuldade (proposital por parte da autora) em se atinar novamente o tempo cronológico; tem-se a impressão de que o tempo cronológico transcorre contaminado pelo tempo psicológico: “Ana prendeu o instante entre os dedos antes que ele nunca mais fosse seu”. Todavia, por intermédio do esposo, e com o foco narrativo modificando-se do sumário para cena (diálogo entre Ana e o marido), o tempo presente se encaixa novamente com o cronológico, afinal “acabara-se a vertigem de bondade”. Dessa forma, portanto, vimos que o tempo e o espaço, neste conto, se relacionam através dos pares: psicológico (bonde); acrônico (jardim); e por fim o cronológico (lar). 2.7) Do Foco Narrativo Em livro seu “O foco narrativo”, Ligia Chiappini Moraes Leite, ao investigar a tipologia de Norman Friedman, coloca Clarice Lispector na categoria da Onisciência seletiva. “O ângulo é central, e os canais são limitados aos sentimentos, pensamentos e percepções da personagem central, sendo mostrados diretamente” (LEITE, 2005, p. 54). É o que acontece com a personagem Ana. Suas percepções e sentidos são o que movem a construção de discurso do narrador. Não há sequer uma cena em que Ana não esteja presente. Tal centralidade é usada como um profundo mergulho no mundo psicológico da personagem. “No fundo, Ana sempre tivera a necessidade de sentir a raiz firme das coisas. E isso um lar perplexamente lhe dera. Por caminhos tortos, viera a cair num destino de mulher, com a surpresa de nele o caber como se o tivesse inventado”. Esta construção acaba inevitavelmente ligando o foco narrativo não só com a personagem, mas também com o tempo. Como este fator já foi abordado anteriormente, passemos rapidamente a analise do foco narrativo separadamente. Conforme a teoria do foco narrativo de Henry James e Lubbock, o conto “Amor” se apresenta, grosso modo, através do sumário (pictórico), onde o narrador, inicialmente, conta mais do que mostra; o que no decorrer do texto vai se transformando em cena (dramático). Contudo o estilo indireto livre de Clarice permite que usemos, mais corretamente, o termo Pictórico-Dramático, “combinação da cena e do sumário, 13
  • 14. sobretudo quando a ‘pintura’ dos acontecimentos se reflete na mente de uma personagem” (LEITE, 2005, p. 15). Portanto, o conto apresenta um narrador onisciente seletivo que se utiliza do modelo Pictórico-Dramático, através do estilo indireto livre, para desenvolver-se dentro da mente da personagem-centro, Ana. 2.8) Do Estilo Dois aspectos do estilo de Clarice se fazem evidentes, e importantes, acerca do conto “Amor”. O primeiro é o efeito produzido pelas repetições de palavras ou sentenças, como “o cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles” ou “era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante”; no primeiro caso há uma espécie de silenciamento (outro aspecto importante em Clarice) seguindo-se da repetição, o efeito causado aqui é a intencionalidade referente ao choque, ao espanto de Ana ao se deparar com o cego; no segundo caso a repetição do signo “fascinante” pode ser entendida como intencionalidade de aumento gradual de força elocutória – “era fascinante, a mulher tinha nojo, e era fascinante”. Há uma reiteração da informação, porém a segunda já ganha uma carga de elocutória que a primeira não alcançou, ou seja, o poder de invocação do conteúdo semântico da palavra “fascinante” se fez de forma consistente através desta repetição. Utilizando ainda a mesma frase, podemos perceber o segundo aspecto estilístico de Clarice, muito usado neste conto: O paradoxo. Ana sentia nojo, e era fascinante. “Amava com nojo” ou ainda “O jardim era tão bonito que ela teve medo do inferno”; este jogo de oposições é utilizado de forma genial por Clarice, gerando, num plano semântico, novos potenciais de significado. 2.9) Dos Símbolos Neste conto podem ser percebidas as presenças sutis de alguns símbolos, bem como a quebra dos ovos no bonde “Mas os ovos haviam se quebrado no embrulho do jornal”, representando o choque sofrido por Ana ao ver o cego, e a consequente quebra do simulacro doméstico-social que recobria seu ser; ou mesmo o enfraquecimento da razão em relação à percepção sensorial: “Havia no chão caroços secos cheios de 14
  • 15. circunvoluções, como pequenos cérebros apodrecidos”. Símbolos que serão contraatacados ao final do conto, através do “café derramado”, pois é onde Ana se “deparando com seu marido diante do café derramado” começa sua volta ao estado psicológico inicial. Contudo o mais importante símbolo deste conto são “as árvores”. Logo no início este símbolo aparece: “Ela plantara as sementes que tinha na mão, não outras, mas essas apenas. E cresciam as árvores”. E no clímax do conto, dentro do Jardim Botânico: “As árvores estavam carregadas, o mundo era tão rico que apodrecia”. As arvores aparecem no conto como símbolos representativos imanentes à vida e à percepção de mundo de Ana. As árvores encontradas no jardim eram totalmente diferentes das que apareciam de modo figurado, no inicio do conto; as árvores do jardim eram reais, símbolos para a vida calcada no mais profundo cerne da existência; enquanto as primeiras eram puras abstrações, figuras do que Ana julgava ser a vida. Conclusão: O presente trabalho percorreu várias correntes de análise (tempo, espaço, etc.) sobre o conto “Amor” de Clarice Lispector, e como pincelada final traçaremos uma rápida interpretação do conto, visualizando-o de um ângulo mais geral, centrado na ideia de epifania e de náusea. A rotina de Ana é descrita como um alicerce ao qual a personagem se prende, sentindo-se segura. Uma vida doméstica, onde ela cuida dos filhos, da casa, do marido, com dedicação e empenho. Contudo, Ana devia tomar cuidado na “hora perigosa da tarde”, um momento em que, com as crianças na escola e o marido no trabalho, ela se via sozinha com seu ser profundo e indivisível. Para fugir de si mesma Ana vai às compras, e na volta para casa, no bonde, ao se deparar com o cego, acaba sendo invadida pela primeira epifania. Uma espécie de iluminação súbita, uma experiência quase religiosa, onde a personagem começa a se dar conta do mundo que a rodeia. Logo tudo muda, “A rede de tricô era áspera entre os dedos, não íntima como quando tricotara”; a visão do outro é também modificada e ampliada: “parecia-lhe que as pessoas na rua eram periclitantes”. De uma hora pra outra 15
  • 16. Ana passou a observar as pessoas de forma surpreendida, atônita, como se vasculhasse em seu interior alguma piedade para com o cego. Compreendera então que havia em tudo algo de incompreensível. Uma desordem a assolou fazendo-a perder o ponto de descida, acabando por fim no Jardim Botânico, onde sofreria sua segunda epifania, e mais ainda, experimentaria a náusea. Em meio à natureza Ana sente a vida “à flor da pele”, como se seus sentidos estivessem insuportavelmente aguçados. E diante dessa explosão tenebrosa de vida Ana pensa na humanidade, configurando, em meio ao clímax, sua segunda epifania, seguida da enfim pela náusea: ”Quando Ana pensou que havia crianças e homens grandes com fome, a náusea subiu-lhe à garganta, como se ela estivesse grávida e abandonada”. Esse estado de náusea define-se como um momento de súbito estranhamento entre o ser e o mundo, como acontece à personagem Ana. No romance “A náusea”, de Jean Paul Sartre, o personagem Roquetin passa por um estado análogo ao de Ana, ao contemplar a raiz de um castanheiro; e, por mais que Clarice tenha dito que “sua” náusea era diferente, vale a pena encerrar o presente trabalho com um trecho deste excelente romance: “Esse momento foi extraordinário. Eu estava ali, imóvel e gelado, mergulhado num êxtase terrível. Mas, no próprio seio deste êxtase, qualquer coisa de novo acabava de aparecer; eu compreendia a Náusea, possuí-a. A bem dizer, não formulava intimamente as minhas descobertas. Mas creio que me seria fácil agora traduzi-las em palavras. O essencial é a contingência. Quero dizer que, por definição, a existência não é a necessidade (...), Quanto tempo durou aquela fascinação? Tinha-me tornado na raiz do castanheiro. Ou melhor, reduzira-me inteiramente à consciência de sua existência” (A Náusea, p. 223). 16
  • 17. Bibliografia: - CANDIDO, A. “A personagem do romance”. Candido et alii. A personagem de ficção. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1968. - CORTÁZAR, J. “Alguns aspectos do conto”. Valise de Cronópio. Trad. D. Arrigucci Jr. E J. A. Barbosa. São Paulo: Ed Perspectiva, 1974. - GOTLIB, N. B. Teoria do conto. São Paulo: Ed. Ática, 2002. - GOTLIB, Nádia Battela. Os difíceis laços de família. In: Cadernos de Pesquisa. São Paulo, 1994. - GOTLIB, N. B. Clarice Fotobiografia. São Paulo, Ed. Da Universidade de São Paulo, 2008. - HOBSBAWN, Eric. J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Ed. Companhia das Letras, 1995. - LEITE, L. C. M. O foco narrativo. São Paulo: Ed. Ática, 1985. - LINS, O. Capítulos IV, V e VI de Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Ed. Ática, 1976. - LISPECTOR, Clarice. Laços de família. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. - MOISES, Massaud. A criação literária: prosa. 3ed. São Paulo: Cultrix, 1985. - NUNES, B. O tempo na narrativa. São Paulo: Ed. Ática, 1968. - NUNES, Benedito, 1929 – Leitura de Clarice Lispector. São Paulo, Ed. Quíron, 1973. - ROSENBAUM, Y. Clarice Lispector/ Yudith Rosenbaum. São Paulo: Publifolha, 2002. – (Folha explica) - SARTRE, Jean.Paul. A Náusea Publicações Europa-América Lda. Trad. Antônio Coimbra Martins. - TOMACHEVSKI, B. “Temática”. Eickenbaum et alii. Teoria da literatura. Formalistas russos. Trad. A. M. Ribeiro et alii. Porto Alegre: Ed. Globo, 1970. 17