Este documento discute o planejamento urbano ambiental na cidade de Porto Alegre, Brasil. Analisa como os planos diretores da cidade incorporaram princípios de preservação ambiental ao longo do tempo e como o licenciamento ambiental pode ser usado como instrumento de gestão urbana. Argumenta que ainda há desafios em compatibilizar as políticas ambientais, urbanas e de desenvolvimento sustentável na prática do planejamento e gestão da cidade.
Licenciamento ambiental como instrumento de planejamento urbano sustentável em Porto Alegre
1. FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO RIO GRANDE
DO SUL
Viviane Feitosa Simon
PLANEJAMENTO URBANO AMBIENTAL
O Licenciamento Ambiental como instrumento de gestão e construção da cidade
Porto Alegre
2011
2. 2
VIVIANE FEITOSA SIMON
PLANEJAMENTO URBANO AMBIENTAL
O Licenciamento Ambiental como instrumento de gestão e construção da cidade
Monografia submetida à Fundação Escola
Superior do Ministério Público do Rio
Grande do Sul para a obtenção de título
de Especialista em Direito Urbano
Ambiental.
Orientador: Professor Luciano de Faria
Brasil
Porto Alegre
2011
3. 3
Resumo
O direito à cidade e ao meio ambiente saudável e equilibrado, após a promulgação
da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Cidade, foram agregados ao
planejamento urbano de forma irreversível. Esta monografia, tendo como objeto a
cidade de Porto Alegre, revisa a maneira como os antigos planos de organização
territorial e de obras incorporam os princípios da manutenção e da preservação do
meio ambiente para as gerações futuras tendo como base o licenciamento
ambiental, instrumento de gestão, ocupação e controle do uso do solo e que
estabelece condições e restrições para uso e ocupação deste. As investigações
realizadas demonstram que ainda existe um caminho a trilhar, passando pela
necessidade de uma maior compatibilização entre os órgãos gestores deste
processo e da definição dos objetivos ao qual o instrumento de fato se destina,
considerando que alguns dos valores a proteger como meio ambiente,
sustentabilidade e livre iniciativa entram em conflito aparente à medida que a
construção da cidade demanda uma intervenção efetiva no ambiente.
“Palavras-chave:” legislação urbano-ambiental, planejamento urbano, licenciamento
ambiental, planos diretores Porto Alegre
4. 4
Abstract
After the Federal Constitution of 1988 and the Statute of the City Law, the right
to a city and to a healthy and balanced environment, were added to the urban
planning irreversibly. This paper have used the city of Porto Alegre as a sample and
had the intention to research how the old land organization plans and building plans
absorbed the principles of maintenance and environment preservation to the future
generations using the environmental licensing, an instrument that regulates
occupation and land use and that establishes conditions and restrictions for their use
and occupation. The investigations accomplished that there is still a way to pass by.
It passes by the increase of compatibility between the administrative responsibles of
the process and by the definition of the objectives to which the instrument was
created for, considering some values to protect as the environment, sustainability
and free enterprise when this values are conflictant to the construction of the city,
that demands an effective intervention in the environment.
“Keywords:” urban-environmental law, urban planning, environmental licensing, Porto
Alegre urban development plans
5. 5
Sumário
1. Introdução ............................................................................................................... 7
2 Legislação Urbanística e Legislação Ambiental – Princípios e Conceitos .............. 14
2.1 O Urbanismo.................................................................................................... 14
2.2 O Direito Urbanístico........................................................................................ 15
2.3 O Direito ambiental .......................................................................................... 19
2.3.1 Princípios constitucionais de proteção do ambiente:................................. 22
2.3.2 Atuação do Direito ambiental e seus princípios ........................................ 23
2.4 O princípio da função social da propriedade e o direito a cidade .................... 25
2.5 O Direito a Cidade Sustentável........................................................................ 27
3 Planejamento Urbano, Gestão Urbana e Desenvolvimento Sustentável ............... 29
3.1 O que é Planejamento Urbano? ...................................................................... 29
3.2 Planejamento Urbano e Gestão Urbana são conceitos equivalentes? ............ 36
3.3 Como o Planejamento e a Gestão Urbana conduzem a um Desenvolvimento
Sustentável? .......................................................................................................... 37
4. Planejamento Urbano e Ambiental em Porto Alegre – Os PDDUA’s .................... 42
5. Planejamento Urbano e Licenciamento Ambiental ................................................ 53
5.1 O Plano Diretor como instrumento da Política Urbana .................................... 53
5.2 O Estatuto da Cidade....................................................................................... 53
5.3 O Licenciamento Ambiental, o Zoneamento Ambiental e o Planejamento
Urbano ................................................................................................................... 58
6. Licenciamento Ambiental na prática...................................................................... 63
6.1 O instrumento Licenciamento Ambiental ......................................................... 63
6.2 O Licenciamento Ambiental em Porto Alegre .................................................. 66
6. 6
7. O Licenciamento Urbanístico Ambiental na cidade de Porto Alegre para
empreendimentos residenciais .................................................................................. 75
7.1 Licenças Ambientais Municipais ...................................................................... 75
7.2 O processo de licenciamento urbanístico ambiental: ....................................... 77
7.2.1 Processo administrativo de aprovação e licenciamento ambiental de
projetos de edificação: ....................................................................................... 78
Tabela 1 – Elementos necessários a aprovação de projeto arquitetônico e
licenciamento da construção na 1ª e 2a fases conforme art. 40 Dec. Mun.
12.715, de 23 de março de 2000 e alterações. .................................................. 80
Conclusão ................................................................................................................. 90
Bibliografia................................................................................................................. 97
Anexos .................................................................................................................... 101
7. 7
1. Introdução
Inexoravelmente o mundo está cada vez mais urbano. Em 2030 todas as
regiões em desenvolvimento, incluindo Ásia e África, terão mais pessoas
morando em áreas urbanas do que no campo. Nos próximos 20 anos, o
Homo sapiens, “o humano sábio”, se tornará em Homo sapiens urbanus em
praticamente todas as regiões do planeta. (Relatório Estado das Cidades do
Mundo 2010/2011 - ONU, IPEA, 2010)
Em meados do século 20, três em cada 10 pessoas do planeta moravam em
áreas urbanas. Naquela época e ao longo das três décadas seguintes, a expansão
demográfica teve o crescimento mais rápido nas cidades do mundo todo.
Posteriormente, teve lugar um processo lento, mas constante, de desaceleração.
Na atualidade, metade da população mundial vive em áreas urbanas e até a
metade deste século todas as regiões serão predominantemente urbanas. Segundo
as previsões atuais, praticamente todo o crescimento populacional do mundo
durante os próximos 30 anos estará concentrado nas áreas urbanas.
Esta constatação, que já não é uma novidade para aqueles que trabalham na
área urbanística, demanda de maneira urgente um novo olhar sobre o objeto cidade.
É preciso que entendamos como a cidade se estrutura, como seu território se
constrói e quais as estratégias realmente eficientes para conduzir estes processos.
O primeiro passo já foi dado, que é a percepção da necessidade de
trabalharmos por um prisma multidisciplinar, pois a cidade, antes vista como um
território físico, hoje apresenta um sem número de planos de análise, alguns
intangíveis e pertencentes aqueles que ainda não nasceram.
8. 8
Este novo olhar sobre a urbe, ao mesmo tempo em que suscita múltiplas
análises, conduz a um ponto de convergência que é a qualidade de vida dos que
nela habitam.
Alguns podem dizer que a qualidade de vida sempre foi o foco dos que
trabalham com a cidade nas suas mais diversas matérias, é verdade. O inicio dizia
respeito à melhora das condições sanitárias, depois na qualidade do trânsito, depois
na organização das funções. A qualidade de vida sempre foi premissa. O que mudou
então?
Mudou o conceito de qualidade e com ele o conceito de cidade.
A partir dos anos 20 a organização do espaço urbano passa a ser tema de
preocupação daqueles que gerenciam os aglomerados urbanos, pois o incremento
dos mesmos começa a dar sinais de evolução rápida e constante. Estavam certos.
Surgem então os Planos Diretores de Obras e os primeiros ensaios do que se
tornará o Planejamento Urbano.
No Brasil não foi diferente. Os primeiros trabalhos a surgirem foram os planos
de embelezamento, dentre os quais um dos mais significativos foi o Plano de Pereira
Passos no RJ, seguidos pelos planos de conjunto, dos quais podemos citar o Plano
Agache e o Plano de Vias de São Paulo, os planos de desenvolvimento integrado,
aonde estão a maioria dos trabalhos desenvolvidos no País e hoje trabalhos que
podemos chamar de planos de desenvolvimento urbanísticos ambientais.
Os técnicos de cada época, a seu modo, tratavam os temas mais pertinentes,
para não dizer urgentes, a condução do crescimento das cidades. Verifica-se que a
história recente dos programas de planejamento urbano oriundos de uma orientação
tecnocrática anterior à década de 70 instituiu políticas de natureza burocrática e, por
muitas vezes, descontextualizadas da realidade.
Até a promulgação da Constituição de 1988 e do Estatuto da Cidade em
2001, o caráter civilista apoiado por:
[...] uma ordem jurídica obsoleta e mesmo proibitiva quanto aos direitos de
propriedade imobiliária que, ignorando o princípio da função social da
propriedade que consta de todas as Constituições Federais desde 1934,
seguiu afirmando o paradigma anacrônico do Código Civil de 1916,
reforçando assim a tradição histórica de reconhecimento de direitos
individuais de propriedade sem uma maior qualificação”. (FERNANDES,
2010, p 56)
9. 9
Este histórico fundamentado no papel individual da propriedade gerou planos
diretores orientados para o tratamento exclusivo do espaço físico configurando-se,
em sua grande maioria, em planos de ordenamento territorial e não em documentos
de planejamento urbano, como já foi mencionado.
Com o advento da Constituição e principalmente do Estatuto da Cidade,
foram incorporados à temática das questões urbanas alguns conceitos que forçaram
um novo olhar sobre um objeto definido dentro dos limites físicos do território,
demonstrando agora sua complexidade e exigindo dos gestores uma análise
multidisciplinar sobre a cidade e sua dinâmica de construção. Deve-se agora
considerar as interações sociais, políticas, culturais, econômicas e ambientais que,
ao se mesclarem, produzem uma identidade e, por conseguinte, um novo território.
Alguns conceitos já existentes, em relação ao princípio da função social da
propriedade, foram recepcionados e potencializados quando se trabalha a função
social da cidade, trazendo para o centro da discussão que a cidade é construída a
partir das propriedades, sejam elas privadas ou públicas. (FERNANDES, 2010)
Outros foram anexados a partir da percepção da complexidade que compõem
a cidade e das modificações que sua consolidação impõe ao meio natural, como é o
caso da proteção e preservação do meio ambiente e do desenvolvimento
sustentável.
Agora o planejamento urbano deve dar conta de atender os preceitos legais
estabelecidos, interpretá-los na sua melhor forma, aglutinar os diversos atores
sociais envolvidos na construção da cidade, elaborar um plano geral de
desenvolvimento que contemple o ordenamento territorial e aplicá-lo na forma de
uma gestão democrática e participativa. (LACERDA, 2005)
Para que toda esta responsabilidade depositada sobre o planejamento urbano
venha a resultar em um processo coerente de construção das cidades, é
fundamental que os conceitos de planejamento e gestão sejam claros, pois, caso
contrário, as medidas adotadas serão pontuais e estanques, não atingindo seu
objetivo.
O Estatuto da Cidade reforça a importância do Plano Diretor como um
importante instrumento de planejamento, que visa orientar as ações dos agentes
públicos e privados no processo de desenvolvimento municipal, quando este for
10. 10
capaz de interagir com os diversos envolvidos na construção da cidade. O seu maior
desafio é a combinação e a conciliação entre as questões urbanas propriamente
ditas e as questões ambientais, agora incorporadas através do principio do
desenvolvimento sustentável.
Portanto,
[...] a aproximação entre as questões ambiental e urbana, questionando a
aparente trajetória que vai da oposição, fundada na visão dual entre
ambiental e social, à conciliação, que toma corpo em propostas de políticas
e se expressa no conceito de sustentabilidade. (COSTA; BRAGA, 2002, p 1)
A simultaneidade com a qual os eventos acontecem no processo de
construção e consolidação da cidade, ou seja, as questões sociais, urbanas e
ambientais não ocorrem dissociadas e nem podem ser assim analisadas, mas as
políticas públicas que pretendem ordenar e tratar tais questões as fracionam e
individualizam como peças estanques de sistemas separados. (COSTA, 2002)
A dualidade entre social e ambiental é muito clara1, e como estas duas
questões se aproximam na forma destas políticas públicas, quando há o interesse
para tal, isso demonstra a possibilidade da solução de conflitos que não podem ser
dissociados de seus elementos sociais, bióticos e abióticos, ou seja, a formulação
das políticas públicas em torno das questões ambientais, sociais e urbanas, mesmo
partindo de origens diversas, deve apontar um ponto de convergência que é o
conceito de desenvolvimento sustentável. Esta convergência não conduzirá a
apenas um ponto, mas sim a vários caminhos de convergência.
Para auxiliar os gestores na formulação destas políticas públicas sistêmicas,
alguns instrumentos legais foram criados e integrados ao planejamento e a gestão
urbana e o Licenciamento Ambiental, instrumento da Política Nacional do Meio
Ambiente que permite a ação do Poder Público na regulação da implantação de
empreendimentos potencialmente poluidores ou que degradem o ambiente natural, é
1
Poucos conceitos têm sido tão amplamente utilizados como o de desenvolvimento sustentável, num
aparente consenso revelador mais de imprecisão do que de clareza em torno de seu significado. Com
base em uma revisão de abordagens recentes, argumenta-se que a noção de desenvolvimento
urbano sustentável traz consigo conflitos teóricos de difícil, porém não impossível reconciliação: a)
entre as trajetórias da análise ambiental e da análise urbana que, originando-se em áreas do
conhecimento diferentes, confluíram na proposta de desenvolvimento sustentável [...] (COSTA, 1999,
p 1)
11. 11
aquele que congrega os princípios da preservação e manutenção do meio ambiente
e do desenvolvimento sustentável.
Vários conceitos compõem o entendimento sobre a utilização do instrumento
do licenciamento ambiental, seu foco de atuação, e como ele interage com as
diversas questões – sociais, culturais, territoriais, etc..- para atingir seus objetivos de
preservação do meio ambiente, seja ele natural, artificial, construído ou urbano, pois,
conforme Costa (1999, p. 56) “o discurso ambiental invade e se mistura com o do
planejamento e da intervenção sobre o ambiente construído, como se sempre
tivessem sido uma e mesma coisa, de certa forma alheios à oposição conceitual
mencionada.”
Assim, a questão central desta monografia é o instrumento do Licenciamento
Ambiental como um instrumento de gestão e construção da cidade, a partir do
exame de dois elementos fundamentais: a história recente do planejamento urbano
no Brasil e em Porto Alegre e da legislação existente.
Se, por um lado, se pretende verificar de que forma se consolidou o conceito
de meio ambiente como plano de análise do território urbano, por outro, se pretende
avaliar em que medida o Licenciamento Ambiental é de fato um instrumento de
proteção deste meio ambiente dentro da cidade.
Em relação aos conteúdos, cabe esclarecer que por constituírem matéria
abrangente e complexa, não se pretende detalhá-los e avaliá-los criticamente.
Entretanto, quando a situação assim exigir, serão tratados de forma específica,
especialmente para demonstrar a importância dos mesmos frente às questões
levantadas. Em primeiro lugar, a partir da matéria ambiental e sua inserção como
premissa para o planejamento urbano e, em segundo lugar, do Licenciamento
Ambiental como instrumento de realização e garantia deste para os moradores das
cidades.
Desta forma, embora o pressuposto desta dissertação seja tratar do conteúdo
relacionado ao meio ambiente como Direito Positivado pela Constituição Federal de
1988 e como este é contemplado no Planejamento Urbano de modo geral e de
modo particular em Porto Alegre, tendo o Licenciamento Ambiental como
instrumento para tal, a diferença em relação ao grau de profundidade dado ao
tratamento das diversas questões, que porventura possa ocorrer, será consequencia
12. 12
das necessidades de esclarecimentos que surgem e não desatenção com os demais
assuntos que também são essenciais.
O material pesquisado é composto de textos, publicações, entrevistas e
anotações de aula de diversas origens.
A presente monografia se estrutura em sucessivas partes que propiciaram,
por justaposição de conteúdos, fazer associações e analisar em que medida o
projeto apresentado em julho de 2010 pode ser verificado positivamente em algumas
de suas hipóteses e em outras não, demonstrando a necessidade de novas
investigações.
Portanto, no capítulo 2, faz-se referência a legislação que orienta a atuação
daqueles que operam na esfera urbanística e ambiental, abordando os principais
conceitos do Direito Urbanístico e do Direito Ambiental e suas sobreposições
quando tratamos do objeto cidade.
No capítulo 3, em uma seqüência de questionamentos que pretendem
embasar o ponto de partida da transformação da teoria legal em prática, que
acontece através do Planejamento Urbano, busca-se compreender as origens e as
transformações desta área de estudo e suas aplicações na construção e gestão do
território.
No capítulo4, apresenta-se uma síntese das experiências vividas pela cidade
de Porto Alegre através de uma visão panorâmica dos Planos Diretores existentes e
suas principais características.
No capítulo5, apresenta a relação entre o Planejamento Urbano e o
Instrumento do Licenciamento Ambiental segundo a abordagem dos artigos 182, 183
e 225 da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01.
No capítulo6, o instrumento do Licenciamento Ambiental é abordado a partir
de sua origem legal e faz-se uma comparação de seu efetivo emprego na cidade de
Porto Alegre através dos órgãos municipais responsáveis.
No capítulo 7, a partir de um objeto definido, no caso empreendimentos da
construção civil para uso residencial, busca-se entender o processo do
Licenciamento Urbanístico Ambiental de aprovação junto a municipalidade ao qual
estes são submetidos.
13. 13
Por fim, No capítulo 8, conclui-se a presente monografia, identificando-se as
principais intenções do legislador ao criar o instrumento do Licenciamento Ambiental
e as dificuldades encontradas por seus operadores quando da sua utilização,
destacando a necessidade da multidisciplinaridade para sua efetiva consolidação
como instrumento de construção e gestão da cidade.
14. 14
2 Legislação Urbanística e Legislação Ambiental – Princípios e Conceitos
Esta seção tem por objetivo relacionar brevemente a legislação Urbanística e
a legislação Ambiental de forma a proporcionar uma base para a avaliação do
instrumento do Licenciamento Ambiental e como ele se insere dentro dos dois
conjuntos legais. É importante que alguns conceitos sejam pontuados para que, ao
longo do trabalho, tenhamos claro a partir de que premissas estamos construindo
nossas conjecturas e proposições. Não é intenção deste capítulo, e nem seria
possível, aprofundar o tema na medida de sua importância, mas tentaremos sim,
relacionar aspectos relevantes de ambas as legislações para realizar um trabalho
prático e focado, apontando os princípios e suas aplicabilidades para a
implementação e uso do instrumento.
2.1 O Urbanismo
O urbanismo, termo utilizado para definir o campo do conhecimento que se
ocupa em ordenar e distribuir as atividades que se desenvolvem dentro do território
da urbe (urbe, do latim significa cidade), de forma a constituir uma análise multi e
interdisciplinar para que seja alcançada a melhor qualidade de vida possível para a
população que nela habita, surgiu como demanda obrigatória à solução dos
problemas oriundos do crescimento das cidades.
Segundo a Sociedade Brasileira de Urbanismo:
O Urbanismo surgiu entre o final do séc. XIX e o início do séc. XX, com a
necessidade de intervenções nas cidades que sofriam com o grande
aumento da população, em função do êxodo rural, a insalubridade,
problemas de habitação e de circulação, à época da revolução industrial. A
sua maturidade teórica só foi alcançada em meados do século XX. O termo
urbanismo teria surgido com o seu atual significado em 1868 quando
Ildefonso Cerdá escreveu a Teoria General de la Urbanización. Contudo
existem outras versões para o surgimento do termo Urbanismo. Segundo
Bardet (1990) este termo surgiu por volta de 1910, na França, no Bulletin de
la Societé Geographique, para denominar uma “nova ciência” que se
diferenciava das artes urbanas anteriores por seu caráter crítico e reflexivo
e, pela sua pretensão científica, sendo, epistemologicamente, o estudo da
15. 15
cidade. (http://sburbanismo.vilabol.uol.com.br/o_urbanismo.htm, acesso em
02/02/2011)
Com o aumento da necessidade de ordenação técnica das cidades surgiram
os planos de obras, planos diretores o planejamento urbano e a regulação jurídica
destes temas, que vem a ser o Direito Urbanístico e seu arcabouço legal agregado.
A necessidade de solucionar os conflitos oriundos da ocupação do solo
urbano, do acesso a moradia e do próprio ordenamento do território, que
ultrapassaram a esfera das questões viárias, sanitárias e estéticas, naturalmente
conduziram a “novas formas de pensamento, de planejamento e de gestão do solo
da cidade, especialmente, a adição de novos conteúdos ao estudo das questões.
urbanas.” (VIZZOTTO, 2009, p. 12)
Com estes novos conteúdos, a análise urbana passa a ter um olhar sobre os
aspectos econômicos, socioculturais e ambientais da cidade, extrapolando os limites
físicos do território e fazendo com que as teorias até então vigentes necessitassem
de uma nova abordagem. Isto é muito claro em relação, por exemplo, a propriedade,
que hoje coexiste com o principio da função social da propriedade, que, além de
questionar a forma de um dos direitos mais clássicos do mundo legal, também altera
a relação da construção do território com seu módulo básico.
Em resposta a todas estas demandas, o Direito Urbanístico consolida-se
como um ramo autônomo da ciência do Direito. O planejamento urbano2, mesmo
estando correlacionado ao direito urbanístico possui objeto de trabalho distinto e
será tratado em outro capitulo de forma mais específica.
2.2 O Direito Urbanístico
2
Enquanto o urbanismo se refere aos processos e programas de otimização e sustentabilidade do
espaço urbano nos seus mais variados aspectos territoriais, socioeconômicos e ambientais, incidindo
sobre a produção, ocupação, estruturação e renovação desse solo, o planejamento urbano pode ser
definido como a atividade técnica multidisciplinar correspondente ao estudo dos fenômenos urbanos,
da regulação e do controle do espaço urbano na visão macro e não apenas de ordenação fisica-
territorial. (VIZZOTTO, 2009.p.13)
16. 16
No Brasil, após a promulgação da Constituição de 1988, o Direito Urbanístico
passa a ser um ramo do Direito positivado.
Conforme Andrea Vizzotto:
O Direito Urbanístico é o ramo do direito publico que trata da política
espacial da cidade. Todavia, essa política não se restringe à ordenação
territorial do espaço urbano, mas a analise e à regulação do espaço urbano
na sua dimensão física, econômica, sóciocultural e ambiental. Todos esses
aspectos reunidos representam o direito à cidade, englobado o direito a
moradia, à regularização fundiária, aos serviços de saneamento básico, à
saúde, ao trabalho, a educação, ao lazer a gestão democrática da cidade e
ao meio ambiente sustentável e equilibrado.
A questão urbanística, portanto, cerne do Direito Urbanístico, poderia ser
traduzida como o conjunto de atividades destinadas ao planejamento e a
gestão do solo urbano nas suas mais diversas etapas técnicas, visando não
só a ordenação, mas também a racionalidade, a estética, a salubridade do
espaço urbano, com garantia de acesso aos serviços e à infra-estrutura
urbana, o direito à moradia, ao trabalho e ao lazer, tendo por fio condutor
da(sic) sustentabilidade da cidade para as presente e futuras gerações e
visando ao bem estar dos habitantes.
Didadicamente (sic), o Direito Urbanístico poderia ser conceituado como o
ramo do Direito Publico que busca discutir, sistematizar e interpretar o
conjunto de princípios e regras reguladoras da atividade urbanística,
entendida na sua amplitude moderna. (VIZZOTTO, 2009. p.13)
O Brasil é, segundo o artigo 1o da sua Constituição Federal, uma República
Federativa formada por estados, municípios e Distrito Federal, sendo estes, entes
autônomos e juridicamente responsáveis dentro dos seus âmbitos de competência
conforme estabelece a própria Constituição em capítulos e artigos específicos. É
importante para a compreensão de como o Direito Urbanístico e suas leis
influenciam as diversas esferas de competência entender que estas competências
acontecem de forma sistemática.
Pode-se afirmar que competência constitucional equivale à parcela de poder
de atuar, dispor e legislar. A repartição de competências constitucionais é,
portanto, a essência do modelo federativo.
Levando a comparação para outro ramo do Direito, diríamos ainda que a
competência equivale à capacidade do Direito privado, isto é, ao poder de
praticar atos jurídicos. De fato, no caso da organização federativa, atribuir
competência à União e aos estados significa capacitá-los para o exercício
dos poderes que a cada um incumbe nos termos da Constituição.
No caso do Direito Urbanístico e da política urbana, as competências
constitucionais estão distribuídas na forma de sistema. Aqui, a imagem de
movimento de um conjunto de engrenagens traduz a idéia concreta do
funcionamento das competências de forma sistemática. (VIZZOTTO, 2009.
p.17)
17. 17
Mas qual o objeto do Direito Urbanístico? Mesmo institucionalizado, este ramo
da ciência do Direito tem suas bases em uma composição multidisciplinar de
conhecimentos. Esta prerrogativa não é exclusividade do Direito Urbanístico, que
“dialoga diretamente com o Direito Constitucional, onde esta sua matriz diretiva, com
o Direito Ambiental, com o Direito Administrativo [...], Direito Civil, [...], e com ramos
do conhecimento não-juridicos, como o Urbanismo, a Historia, a Sociologia e a
Antropologia, entre outros [...]”(VIZZOTTO, 2009. p.14), mas que acaba por se
traduzir na construção de conceitos “abertos”, o que é uma peculiaridade em relação
as demais normas jurídicas.
Esta característica se faz necessária para que, ao longo do tempo, o conjunto
de leis e normas elaborado possa evoluir juntamente com seu objeto que é a cidade.
Como diz o Arq. Newton Burmeister: “A cidade que amanhece não é a mesma
que adormece, e a que adormece não é a mesma que amanhece.” (Jornal do
Comércio, 26/10/2009)
É importante saber que as normas que compõem o Direito Urbanístico são
normas de ordem pública3 e que agem na proteção de direitos difusos, esta
condição é reafirmada quando da promulgação da Lei 10.257 de 2001 – Estatuto da
Cidade - que no seu artigo 1o “ratifica a natureza jurídica das normas urbanísticas ao
afirmar que a referida lei estabelece normas de ordem pública e interesse social.”
(VIZZOTTO, 2009. p.16)
Nossa Constituição menciona o Direito Urbanístico no inciso I, do artigo 24
que trata das competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal o que,
já poderia indicar a autonomia da matéria, mas longe de se esgotar neste artigo,
encontramos ainda um capítulo com dois artigos (art. 182 e 183) que trazem ao texto
Constitucional muitas inovações em relação aos textos anteriores, principalmente
em relação à função social da propriedade e ao uso do Plano Diretor como
instrumento indicador desta.
3
O Direito Urbanístico é composto por normas de ordem publica. Isso significa dizer que são
exigíveis de imediato, de plano. Esse tipo de norma pode ser classificado como norma publica na
medida em que regula e impõe, imediatamente, um modo de agir determinado, na proteção de direito
difuso, [...] Como normas publicas que são as normas urbanísticas possuem força cogente, ou seja,
são impositivas. Por consequencia, não são transacionáveis e, portanto, são indisponíveis.
(VIZZOTTO, 2009.p.15)
18. 18
Também são elencados os deveres do ente federativo competente de ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de
seus habitantes, conforme diretrizes gerais fixadas na Lei 10. 257/01, que vem a
regulamentar estes artigos.
Depreende-se então que “o princípio da função social da propriedade constitui
o núcleo central do Direito Urbanístico”. Também é possível relacionar outros
princípios Constitucionais que conferem ao Direito Urbanístico autonomia e
relevância material, como o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio
da igualdade. (GUIMARÃES, 2004)
Segundo Nathalia Guimarães:
O princípio da dignidade da pessoa humana está disciplinado na
Constituição Federal de 1988 no Art. 1º, inciso III. Tal princípio reveste-se
do entendimento atual de que o ser humano deverá ser respeitado por se
tratar, simplesmente, de um ser humano. É de tal relevância o princípio da
Dignidade da Pessoa Humana que na elaboração da nova Carta
Constitucional da União Européia tal preceito encontra-se à frente mesmo
do direito à vida. Não é dever garantir-se apenas a vida, mas a vida com
dignidade.
Considerando o respeito pelas virtudes e qualidades humanas, o Direito
Urbanístico, uma vez voltado ao desenvolvimento das técnicas de
ordenação dos territórios e utilização social da propriedade, apresenta-se
como ciência das mais relevantes para a concretização do direito à
dignidade da pessoa humana.
Não há dignidade sem moradia, sem condições de habitação, sem
instrumentos urbanos que garantam a circulação, o lazer e o trabalho.
O Direito Urbanístico é fundado, ainda, no princípio da igualdade. O
princípio da igualdade do cidadão perante a lei, consagrado na Constituição
Federal do Brasil no artigo 5º, caput. É, pois, um direito fundamental do
cidadão brasileiro.
Considerando a vinculação da Administração Pública ao princípio da
igualdade, esta deve se traduzir na elaboração e aprovação de planos que
estabelecem regras respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo
urbano ou rural. A todo cidadão deve estar garantido, igualitariamente, o
acesso à cidade. (GUIMARÃES, 2004. p. 8)
Também podemos extrair destes artigos4 outras normas e conceitos como a
determinação prévia e justa indenização em dinheiro para o caso de
desapropriações de imóveis urbanos, Imposto Predial e Territorial progressivos,
Usucapião urbano para fins de moradia e o principio da função social da cidade.
4
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme
diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais
da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. (Constituição Federal).
19. 19
Mas é com a Lei Federal n. 10.257/2001, o “Estatuto da cidade” que fica
definitivamente consolidada a chamada “Ordem Urbanística”, entendida como
conjunto de normas de Direito Urbanístico, ramo autônomo na disciplina jurídica.
2.3 O Direito ambiental
Fazendo uma breve análise sobre a ocorrência da temática do meio ambiente
nas constituições brasileiras, podemos dizer que a primeira a abordar a questão,
mesmo que de maneira diversa aquela como hoje fazemos, foi a Constituição de
1934, que trazia em seu texto alguns dispositivos de proteção às belezas naturais,
patrimônio histórico, artístico e cultural e também a competência da União em
matéria de riquezas do subsolo, mineração, águas, florestas, caça, pesca e sua
exploração.
Em 1937, a Carta Magna a época preocupava-se com os monumentos
históricos, artísticos e naturais. Atribuía competência para União legislar sobre
minas, águas, florestas, caça, pesca, subsolo e proteção das plantas e rebanhos, Os
mesmos itens foram registrados na constituição de 1946, que, além de manter a
defesa do patrimônio histórico, cultural e paisagístico, conservou a competência
legislativa da União sobre saúde, subsolo, florestas, caça, pesca e águas.
Dispositivos semelhantes estavam presentes também na Constituição de 1967 e na
Emenda Constitucional nº 1/69, sendo que nesta última, aparece pela primeira vez o
vocábulo “ecológico”. (MASCARENHAS, 2004)
Estes dispositivos preconizavam a garantia da perpetuação econômica das
atividades desenvolvidas no país, visto que a exploração dos recursos naturais, e
estamos falando quase que especificamente do extrativismo, era a base da
economia da época e não o uso racional dos recursos ou a proteção do meio
ambiente.
Apesar dos critérios hoje equivocados a luz do conhecimento presente, não
podemos desconsiderar a importância significativa destas regulamentações
(referentes ao subsolo, à mineração, à flora, à fauna e às águas, por exemplo), pois
alguns dos códigos, como o Código Florestal que foi promulgado em 1965, ainda
hoje presta relevante contribuição a preservação ambiental.
20. 20
A Constituição Federal de 1988 trouxe grandes inovações junto ao tema, foi a
primeira a efetivar a tutela ao meio ambiente, pois até então esta temática estava
contemplada em várias leis infraconstitucionais, como alguns Códigos específicos e
a Lei 6938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente.
Com a promulgação da CF em 1988, que consagra a proteção ambiental em
um capitulo específico intitulado Do Meio Ambiente5 e em outros artigos esparsos,
este tema ganha vulto e acaba por permear outras várias esferas do Direito, como
por exemplo, o Direito Urbanístico.
Como bem coloca José Afonso da Silva:
O ambientalismo passou a ser tema de elevada importância nas
Constituições mais recentes. Entra nelas deliberadamente como direito
fundamental da pessoa humana, não como simples aspecto da atribuição
de órgãos ou de entidades públicas, como ocorria em Constituições mais
antigas. (SILVA. 2003. p. 43)
E ainda, complementa o mesmo autor: a “Constituição de 1988 foi, portanto, a
primeira a tratar deliberadamente da questão ambiental. Pode-se dizer que ela é
uma Constituição eminentemente ambientalista. (2003. p. 46)
Herman Benjamin, em seu texto Proteção Constitucional do Meio Ambiente
faz alguns questionamentos sobre a necessidade do legislador em adicionar o tema
a Constituição. Diz ele: “É preciso constitucionalizar? Haveria essa necessidade
absoluta de contar, no texto da norma maior, com dispositivos tratando do tema
[...]?” (2002. p. 62)
E constata que sim, que a constitucionalização do meio ambiente parece ser,
como o autor coloca;
[...] uma tendência universal, de certa maneira irresistível, [...]. Hoje são
poucos os países que ainda não alteraram a sua carta maior para incluir tal
tutela. Um dos últimos a fazê-Io, e o fez após tentativas varias no decorrer
dos anos, foi a Alemanha na sua Constituição unificada, após a queda do
muro de Berlim, todavia ainda ha uns poucos países onde essa norma
constitucional pelo menos não esta prevista expressamente, como é o caso
dos Estados Unidos e da Itália. (BENJAMIN, 2002. p. 62)
5
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
21. 21
E esta necessidade se mostra relevante no momento em que, ao inserir na
Constituição esta proteção, “a questão ambiental fica elevada ao plano máximo da
hierarquia das leis” e como conseqüência positiva é possível buscar um sentido
redistributivo dos benefícios e custos ambientais. (op.cit. 2002. p. 63)
Outro ponto importante do discurso de Herman Benjamin é sua abordagem
comparativa ao Código Civil:
[...] com a norma constitucional, especialmente na forma redigida em 1988,
estabeleceu-se um dever de não degradar, ou seja, inverteu-se aquele
paradigma clássico do Código Civil de que tudo é possível, inclusive
destruir, desde que sejam respeitados os direitos dos vizinhos. E por
vizinhos, entendemos, tradicionalmente, na civilística, pelo menos naquela
seguida pelo Brasil, os geograficamente próximos
Afora esse ponto, o Direito Privado, na sua base, permitia fizéssemos, como
dominus e ate como posseiros, ou sem ser dominus ou posseiros, tudo o
que quiséssemos, inclusive destruir - e isso acabou influenciando o Direito
Publico. E a Constituição, no art. 225, altera integralmente esse paradigma
civilístico que dominou o nosso ordenamento jurídico e a própria doutrina
ate bem recentemente. (BENJAMIM, 2002. p. 63)
Como o Direito Urbanístico, o Direito ambiental tem as suas peculiaridades, e
a primeira delas, e a mais importante talvez, é o fato de tutelar bens que são de
interesse plurindividual, ou seja, são interesses que superam os interesses
individuais ou coletivos, e esta característica já confere a este ramo do direito a
necessidade de uma compreensão diferenciada.
Também é importante, perguntarmos se o Direito ambiental é um ramo do
Direito Público ou do Direito Privado? Podemos deduzir que é um ramo do Direito
Público, mas os interesses defendidos por ele não pertencem a categoria de
interesse publico (direito público) nem de interesse privado (direito privado).
Podemos dizer que o Direito ambiental trata da proteção dos interesses difusos6,
pois cuida, sim, de interesse pertencente a cada um e ao mesmo tempo, a todos.
O objeto do Direito ambiental é indivisível, e os titulares deste direito são
indetermináveis, ligados apenas por circunstancia de fato. Trata-se do conhecido
interesse transindividual como já mencionamos no parágrafo anterior. São
interesses dispersos ou difusos situados numa zona intermediaria entre o publico e o
privado.
6
Interesses difusos: São aqueles de natureza indivisível, cujos titulares são pessoas indeterminadas.
22. 22
O Direito ambiental foi um apêndice do Direito Administrativo e do Direito
Urbanístico, e só adquiriu sua autonomia com base na legislação vigente e, em
especial, com o advento da Lei 6938/81. (SIRVINSKAS, 2011)
Segundo Wanderley Rebello Filho, podemos entender por Direito ambiental “o
conjunto de normas e princípios editados objetivando a manutenção de um perfeito
equilíbrio nas relações do homem com o meio ambiente.” (2002, FERNANDES
NETO apud REBELLO FILHO, Wanderley, s/d. p.15).
Quanto a relação do Direito ambiental com os demais ramos do Direito, pode-
se depreender que este não se encontra em "paralelo" a outros "ramos" do Direito.
O Direito ambiental é um direito de coordenação entre estes diversos
"ramos". E, nesta condição, é um Direito que impõe aos demais setores do
universo jurídico o respeito as normas que o formam, pois o seu
fundamento de validade é emanado diretamente da Norma Constitucional.
(ANTUNES apud, REBELLO FILHO, 2002, p. 13, 1996. p. 21)
2.3.1 Princípios constitucionais de proteção do ambiente:
Para extrairmos das normas constitucionais os princípios relativos à proteção
e preservação do meio ambiente devemos fazer uma análise sistêmica das mesmas.
Esta análise conduzirá as diretrizes para todo o ordenamento jurídico existente na
Carta Magna.
A proteção ao meio ambiente e o direito a ele são um verdadeiro amalgama
de vários princípios, como por exemplo: os princípios da supremacia do interesse
público na proteção do ambiente em face dos interesses privados, do direito humano
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, da obrigatoriedade da
intervenção estatal para preservação e recuperação do ambiente, da prevenção, da
precaução, da proteção da biodiversidade, da responsabilização pelo dano
ambiental, do desenvolvimento sustentável, etc... (JELINEK, s/d).
Chama a atenção Paulo José Leite Farias sobre os princípios diretamente
relacionados à norma matriz da proteção ambiental:
Dispõe a Constituição Federal no "caput" do art. 225, integrante do Titulo da
Ordem Social:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida,
23. 23
impondo-se ao Poder Publico e a coletividade o dever de defende-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Insculpidos na
Constituição Federal de 1988, no referido artigo 225 da C.F./88, destacam-
se os seguintes princípios:
a) principio da obrigatoriedade da intervenção estatal (caput e parágrafo
primeiro);
o
b) principio da prevenção e precaução (caput, § 1 , inciso IV, com a
exigência do EIA/RIMA);
o
c) principio da informação e da notificação ambiental (caput e § 1 VI);
d) principio da educação ambiental (caput e § 1° VI);
,
e) principio da participação (caput);
o
f) principio do poluidor pagador (§ 3 );
o
g) princípios da responsabilidade da pessoa física e jurídica (§ 3 );
h) principio da soberania dos Estados para estabelecer sua política
o
ambiental e de desenvolvimento com cooperação internacional (§ 1 do
artigo 225 combinado com as normas constitucionais sobre distribuição de
competência legislativa); e
i) principio do desenvolvimento sustentado: direito intergerações (caput)
(FARIAS, 1999. p. 247)
2.3.2 Atuação do Direito ambiental e seus princípios
Segundo Sirvinskas;
O direito ambiental atua na esfera preventiva (administrativa), reparatória
(civil) e repressiva (penal). Compete ao Poder Executivo, na esfera
preventiva, estabelecer medidas preventivas de controle das atividades
causadoras de significativa poluição, conceder o licenciamento ambiental,
exigir o estudo de impacto ambiental e seu respectivo relatório (EIA/RIMA),
fiscalizar essas atividades poluidoras etc. Compete ao Poder Legislativo
ainda, na esfera preventiva, elaborar normas ambientais, exercer o controle
dos atos administrativos do Poder Executivo, aprovar o orçamento das
agencias ambientais etc. Compete ao Poder Judiciário, na esfera
reparatória e repressiva julgar as ações civis publicas e as ações penais
publicas ambientais, exercer o controle da constitucionalidade das normas
elaboradas pelos demais poderes etc. Compete ao Ministério Público, por
fim, na esfera reparatória e repressiva, firmar termo de ajustamento de
condutas -, instaurar inquérito civil e propor ações civis publicas e ações
penais publicas ambientais. [...] Como se vê, o direito ambiental esta se
transmigrando do direito do dano para o direito do risco. Esse novo ramo do
direito deve atuar mais intensamente na esfera preventiva, pois a reparação
do dano nem sempre poderá reconstituir a degradação ambiental.
(SIRVINSKAS, 2011, p. 90)
Os princípios servem como base para o estudo e a compreensão do conjunto
de leis que compõem determinado ordenamento jurídico. É importante que
tenhamos claro os princípios que fundamentam o Direito Ambiental e toda a análise
24. 24
que o art. 225 da CF de 1988 e a Lei 10.257/01 suscitam, pois ao tratarmos dos
objetos tutelados por estas, deveremos utilizar aqueles que estão nos seus núcleos
e não outros, ainda que correlatos aos mesmos objetos.
Celso Antônio Bandeira de Mello nos diz que:
“ [...] violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma.
A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico
mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais
grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do
princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais.” (MELLO, 1980, p. 230).
A partir do art. 225 podemos dizer que a base constitucional da nossa política
ambiental está assentada no direito fundamental ao meio ambiente equilibrado e nos
princípios do desenvolvimento econômico sustentável, da ordem econômica e da
função socioambiental da propriedade
O termo direito fundamental se aplica àqueles direitos arrolados e positivados
na esfera do direito constitucional. Com a Constituição de 1988, o direito ao meio
ambiente equilibrado foi integrado à categoria de direito fundamental.
E a garantia deste direito é dever e obrigação dos Poderes Públicos e da
coletividade, que deverá defendê-lo e preservá-lo e ainda previsiona a adoção de
sanções para as condutas ou atividades lesivas. Com isto, este direito passa a ter
influência direta sobre a vida e a economia do país, pois solicita claramente que
sejam revistos os modos de operação da sociedade até então praticados.
Nesse contexto, o desenvolvimento das cidades e o adensamento
demográfico não podem descuidar da necessidade de preservação
ambiental – aqui compreendida toda a extensão do conceito de meio
ambiente –, para garantir sadia qualidade de vida à população. (JELINEK,
s/d, p. 3)
É importante então que o crescimento econômico e o meio ambiente, na
medida em que um é fonte de recurso para o outro, devam coexistir de forma
harmônica e complementar. Nesse sentido, a adoção de políticas de gestão urbana
e ambiental coerentes e complementares podem permitir o desenvolvimento
ecologicamente equilibrado, sem comprometer os recursos naturais necessários
para esta e para as futuras gerações.
25. 25
A necessidade de um crescimento e de um desenvolvimento sustentável
desencadearam então, a discussão das atividades e empreendimentos que causam
impacto ambiental e precisam ser avaliadas, controladas, mitigadas, compensadas e
monitoradas, a fim de que a qualidade de vida no meio ambiente urbano possa
melhorar.
Este crescimento, que deve acontecer de maneira sustentável, também tem
seus fundamentos em outros artigos da mesma Constituição de 1988. É relevante
citarmos que o modelo capitalista adotado pela ordem econômica existente no Brasil
e que dentre os princípios que a sustentam, elencados no art. 170 da Constituição
Federal, estão o da propriedade privada (inc. II) e da livre concorrência (inc. IV),
reforçados pelo princípio da livre exploração econômica, inserido no parágrafo único
do mencionado artigo, que diz que a todos é livre o exercício de qualquer atividade
econômica, independente de autorização dos órgãos públicos, salvo os casos
expressos em lei.
Aqui temos um claro exemplo do comentado no início deste tópico, onde foi
citado que “É importante que tenhamos claro os princípios que fundamentam o
Direito Ambiental e toda a análise que o art. 225 da CF de 1988 e a Lei 10.257/01
suscitam, pois ao tratarmos dos objetos tutelados por estas deveremos utilizar
aqueles que estão nos seus núcleos e não outros, ainda que correlatos aos mesmos
objetos.” Pois, estando o crescimento e o desenvolvimento (e aqui estamos
enfocando o crescimento e o desenvolvimento econômico que são força motriz da
sociedade e integram a ordem econômica) no mesmo plano dos princípios que
fundamentam o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, estes devem
ser analisados sob o mesmo prisma e não sob interesses diversos.
É na esteira desse entendimento que se nota o inter-relacionamento do art.
225 (que trata do meio ambiente) com o art. 170 (que trata da ordem
econômica) e o art. 193 (referente à ordem social), em conformidade com
o o
os princípios fundamentais inscritos nos arts. 1 e 3 , todos da Constituição
Federal. (JELINEK, s/d, p. 6)
2.4 O princípio da função social da propriedade e o direito a cidade
26. 26
A partir da Constituição Federal de 1988 que confere a propriedade
privada a obrigatoriedade de desempenhar uma função social e com a promulgação
da Lei 10.257/2001, conhecida como Estatuto da Cidade, que regulamenta os
artigos 182 e 183 do Capítulo da Política Urbana, o Direito Urbanístico é de fato
consagrado. Mesmo possuindo outros diplomas legais que o ampare, este ramo do
Direito encontra nesta lei específica o instrumento de gestão urbana que deverá
ordenar a conduta de todos os Municípios brasileiros,
Esta nova condução inicia por afirmar que o livre uso e gozo da terra urbana
bem como o planejamento das cidades não são mais competências exclusivas do
particular ou do gestor público respectivamente.
Este novo conjunto de regras, e mais do que regras, princípios, obrigam um
olhar coletivo sobre os espaços nomeados cidades, fazendo-se necessário a
compreensão de instrumentos que proporcionem esta interação entre o privado e o
público de maneira a congregar a todos na responsabilidade pela construção do
meio ambiente urbano em toda a sua abrangência e plenitude.
O Licenciamento Ambiental é um instrumento que originalmente integrava
somente a Política Nacional do Meio Ambiente estabelecida pela Lei 6938/81 e que
foi recepcionado entre os instrumentos do planejamento urbano instituídos pelo
Estatuto da Cidade juntamente com o Estudo de Impacto Ambiental e o Estudo de
Impacto de Vizinhança. Estes compõem, juntamente com outros instrumentos, os
chamados Instrumentos de Democratização da Gestão Urbana.
O Zoneamento Ambiental, indispensável para a coerente execução do
Licenciamento Ambiental também foi elencado como instrumento de Política Urbana,
inserindo o tema de forma definitiva no contexto da cidade, extrapolando a noção de
meio ambiente clássica para inserir o ser humano e seu modo de vida como parte
integrante deste.
Este instrumento está colocado no estatuto da Cidade para assegurar aos
moradores urbanos um “meio ambiente artificial”, e tem o objetivo de disciplinar de
que forma devem ser compatibilizados o desenvolvimento industrial, as zonas de
conservação da vida silvestre e a própria habitação do homem, tendo em vistas
sempre a manutenção de uma vida com qualidade às presentes e futuras gerações
(art. 225 da CF)”.
27. 27
Desta maneira, a função social das propriedades e o espaço por elas
ocupado, também devem contemplar, de certo modo, uma função ambiental, já que
se faz necessário estabelecer a reserva de espaços para a preservação e proteção
do meio ambiente.
2.5 O Direito a Cidade Sustentável
O conceito de sustentabilidade pode ser entendido de diversas maneiras e ao
ser lido através de matérias específicas como a biologia, por exemplo, pode,
inclusive, tornar-se antagônico aos conceitos de desenvolvimento social e meio
ambiente urbano.
Quando lemos o parágrafo único do artigo 1o da Lei Federal 10.257/2001 que
diz: “Para todos os efeitos, esta lei, denominada Estatuto da Cidade, estabelece
normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade
urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem
como do equilíbrio ambiental.” entendemos que a cidade sustentável a qual
devemos almejar é aquela onde os fatores econômicos, ambientais e sociais
coexistam de maneira sensata, harmoniosa e duradoura.
Conforme cita Isaac Ribeiro de Moraes:
Há de se levar em conta que a política de desenvolvimento urbano
sistematizada no Estatuto da Cidade deve ser um processo de melhoria
contínua, se adequando as mudanças (econômicas, sociais e ambientais)
geradas pelo adensamento populacional.
Neste sentido, tal missão torna-se comprometida, caso não se disponibilize
os recursos humanos e materiais necessários para que as Prefeituras
apliquem o que estabelece a lei.
Lembrando que o Estatuto da Cidade apenas define as diretrizes gerais,
cabendo aos municípios a regulamentação dos vários artigos da lei, para
que se crie assim o dispositivo necessário para aplicação dos instrumentos
do controle e planejamento urbano. (MORAES, s/d)
Vemos então que o Estatuto da Cidade fornece ao município, uma forma
engenhosa de comprometer não só o estado como gestor público, mas também
aqueles atores anônimos que compõem a grande massa que movimenta a
engrenagem do desenvolvimento. O Estatuto da Cidade aparelha a sociedade com
instrumentos de controle, participação, fiscalização e gestão destas políticas,
28. 28
chamando à responsabilidade aqueles que antes, por imposição, e até este
momento por conforto, se omitiram das decisões.
Ainda segundo Isaac Ribeiro:
Assim sendo, pode-se afirmar que os vários instrumentos sistematizados
pelo Estatuto da Cidade dão ao Administrador Municipal as condições
necessárias para planejar a cidade que desejamos, corrigindo os problemas
existentes e prevenindo um desenvolvimento urbano sem controle que
comprometa a garantia do direito a cidades sustentáveis.
Quanto à aplicação do Estatuto da Cidade, cabe ainda realçar a
complexidade que envolve as ações de preservação, recuperação e
revitalização das áreas urbanas, cuja dinâmica em muito se difere do meio
ambiente natural, requerendo do poder público, ações integradas
multidisciplinares que ao mesmo tempo crie restrições à ocupação do solo,
organize a circulação e estabeleça medidas legislativas de respeito à
convivência nas cidades, tendo por objetivo básico desenvolver da melhor
maneira possível o que estabelece a Carta de Atenas, ou seja, dar aos
cidadãos condições favoráveis de habitação, trabalho e lazer.
Feitas estas considerações, pode-se afirmar que depois da Constituição
Federal de 1988 e do Estatuto da Cidade, não há mais como o poder
municipal ignorar o direito do cidadão a uma vida digna e ao meio ambiente
equilibrado, bem como este mesmo meio ambiente passou a ser o
patrimônio necessário a garantia da vida no planeta, como nos ensina José
Afonso da Silva (1999, p. 818) “ [...] a qualidade do meio ambiente se
transformara num bem, num patrimônio, num valor mesmo, cuja
preservação, recuperação e revitalização se tornaram num imperativo do
Poder Público, para assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as
condições de seu desenvolvimento. Em verdade, para assegurar o direito
fundamental à vida.” (MORAES, s/d)
A Política Urbana estabelecida no Estatuto da Cidade busca a redução dos
efeitos satânicos da urbanização promovendo um urbanismo com qualidade de vida
em nossas cidades e o planejamento urbano será o mecanismo de consolidação
desta nova política.
29. 29
3 Planejamento Urbano, Gestão Urbana e Desenvolvimento Sustentável
Esta seção tem por objetivo construir os conceitos que serão a base
para analisar o instrumento do Licenciamento Ambiental como item preponderante
dentro das práticas de Planejamento e Gestão Urbana em nossa cidade.
3.1 O que é Planejamento Urbano?
Segundo José Afonso da Silva o planejamento urbano “é um processo técnico
instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos
previamente estabelecidos”. Desde os mais remotos tempos, a humanidade busca
uma forma de tornar melhor sua realidade e a vida urbana é o objeto de muitas
teorias e estudos com esse intuito, desenvolvendo um processo técnico do
planejamento urbano. (SILVA, 2003. p.87)
O que experimentamos hoje como planejamento urbano pode ser
considerado uma evolução das diversas teorias formuladas e difundidas pelas
escolas alemã, francesa, inglesa e norte-americana.
Antes porém, é importante lembrar que a cidade objeto de interferência
analisada neste trabalho é um constructo da industrialização e do capitalismo, e não
a urbe original ou os aglomerados pré revolução industrial. Segundo Bárbara Freitag
citando a escola alemã, a nossa cidade é “um objeto de estudos privilegiado da
modernidade.” (2006. P.17)
Freitag diz que as teorias e práticas urbanas norte-americanas no Brasil são
“hegemônicas” (p. 131). Para ela, percebemos isso na arquitetura dos arranha-céus,
shopping centers e na implantação do transporte rodoviário. “Assim, as cidades
brasileiras encontram-se organizadas à lógica do automóvel e com todos os
problemas causados por esse emprego monolítico de transporte.” (FREITAG, 2006)
30. 30
Em ordem de importância, as escolas que influenciaram o planejamento
urbano no no Brasil foram a norte americana, a francesa e por último a britânica.
(FREITAG, 2006)
Exemplificando a influência norte-americana, é clara a fusão das teorias
elaboradas pela escola de Chicago, nos anos 30, e das críticas e tentativas de
desconstrução destas a partir da década de 70, quando então é iniciada uma
releitura do conceito formal e restrito de planejamento urbano, originando um novo
paradigma, mais complexo, abrangente e multidisciplinar.
A escola de Chicago, considerada como a precursora do conceito clássico de
planejamento urbano, baseava sua teoria de crescimento e organização do território
em um conceito biológico evolutivo, aonde os cidadãos, habitantes destes
agrupamentos denominados cidades, seriam influenciados diretamente por
comportamentos inerentes a sua condição de “seres vivos” que têm segundo Souza
(2008. p. 26), “ ‘a luta pela vida’ e ‘sobrevivência do mais forte’ ”, como instintos
motores para a organização dos grupos e das comunidades dentro do espaço.
A escola de Chicago, com a sua chamada abordagem ecológica, faz o
primeiro esforço teórico para a compreensão da mecânica social que opera em uma
cidade, suas interações e consequencias. Este olhar técnico científico ganha força
nos Estados Unidos, principalmente no período entre guerras, ocasião em que
várias cidades, dentre as quais Chicago, está experimentando um crescimento
urbano-industrial acelerado que conduz a uma diferenciação funcional e social no
uso dos espaços, e gera o que foi chamado de, conforme MONTE-MÓR (2006. p.
64) “ ‘mosaico urbano’: a justaposição de diversos tipos de usos do solo formando
uma aglomeração metropolitana que se distinguia claramente da cidade tradicional.”
Um dos estudiosos mais relevantes desta escola foi Robert Ezra Park, que
influenciado por Darwin, Durkheim e Comte, enxerga a construção da sociedade
como uma consequencia da transformação das relações de competição e
sobrevivência em relações de estabelecimentos de consensos e objetivos comuns,
como forma de equilíbrio de uma comunidade.
Este equilíbrio “natural” que conduz à adaptação social ao ambiente urbano
faz com que Park identifique alguns processos necessários de “competição,
dominação, sucessão e invasão de áreas naturais” que posteriormente formará o
31. 31
modelo de organização e expansão urbana mais utilizado até hoje, “com cinco zonas
concêntricas propostas por Ernest Burgess (Park, Burgess, McKenzie, & Wirth,
1925) resultando em uma segregação ‘natural’ por valores e interesses comuns e,
no médio prazo, levando ao famoso ‘mosaico urbano’ ” MONTE-MÓR (2006. p. 65)
Este modelo traz na sua raiz um forte viés espacialista, que encontrará
analogia também na área da economia, colaborando para propostas de padrões de
organização compartimentados, ou seja, os espaços deverão ser utilizados de
maneira a otimizar custos e serem os mais funcionais possível, o que atualmente é
uma das bases do planejamento sustentável.
Esta cultura espacialista vai conduzir a uma hierarquização do território,
propondo padrões de organização vinculados as atividades desenvolvidas dentro da
cidade, marcadas por uma distribuição concêntrica – o mais importante ao centro e
menos importante a margem – reduzindo as dinâmicas sociais que suportam esta
construção a meros modelos de ecologia urbana.
Esta qualificação das atividades e dos espaços concretiza os conceitos
antagônicos de urbano e rural, associando ao urbano, e na mesma esteira de
conceitos, a metrópole, a noção de modernidade, de futuro, de crescimento, de
progresso. Por sua vez, ao rural, restaram as noções de antiquado, retrógrado,
velho.
Conforme MONTE-MÓR:
A explicação e o referencial teórico da cultura urbana, definindo o
urbanismo (e por oposição, o ruralismo) como um modo de vida, informou
as percepções da cidade e do processo de modernização da sociedade por
várias décadas. A urbanização passou a ser vista cada vez mais como uma
necessidade da transformação das sociedades em busca de um futuro
moderno (e melhor), com aprofundamento da divisão do trabalho, libertação
das amarras da vida rural, sua complexificação e integração à vida citadina.
Entretanto, talvez a principal herança prático-teórica desse período entre
guerras para o planejamento urbano tenha sido o zoneamento do uso do
solo que, inspirado na famosa Carta de Atenas produzida pelos urbanistas
progressistas europeus, ganhou dimensões mais expressivas quando
suportado pelas teorias sociais e econômicas gestadas nos Estados Unidos.
De fato, o zoneamento proposto em Atenas ainda informa, de modo mais ou
menos rígido, a grande maioria dos planos urbanos realizados no país.
(MONTE-MÓR, 2006. p. 67)
32. 32
Também faz parte da escola de Chicago a visão chamada culturalista,
fundamentada nos ensinamentos de Simmel e Tönnies, entre outros e que tem em
Louis Wirth, discípulo de Park e Simmel seu principal representante.
Esta visão (ou teoria) relaciona as dimensões individuais com as formas
sociais em construção, ou seja, as características de um determinado grupo, fossem
elas sociais, individuais (referindo-se a heterogeneidade de seus integrantes), bem
como das suas relações, influenciavam nas transformações, tanto dos indivíduos
deste grupo quanto daqueles com que o grupo se relacionava. Assim é apontada
uma relação de retro-alimentação entre a sociedade e a cidade. Esta relação era
identificada mas ainda pouco clara.
Em 1938 Louis Wirth publica o famoso artigo teórico – “O urbanismo como
modo de vida” (Wirth,1979) – e consolida definitivamente a corrente da cultura
urbana da sociologia americana. MONTE-MÓR (2006. p. 66 - grifo do autor)
Em contraponto a escola de Chicago, a escola socialista francesa, com
alguns de seus pensadores, dentre os quais Lefebvre inicialmente e depois Castells
e Harvey constroem uma crítica a estas teorias, que são por eles, consideradas
simplistas.
Para estes autores, segundo Marcelo Lopes de Souza, a escola norte-
americana reduz o cidadão, o individuo, a um mero consumidor, que apenas cumpre
o seu papel dentro da condução capitalista da construção da cidade, sendo sua
colaboração limitada a este status.
Castells e Harvey buscam uma nova interpretação desvinculada desta
ideologia capitalista e atribuem ao individuo e aos seus movimentos, uma condição
de operadores do sistema e não apenas de meros espectadores. Para Castells e
Harvey, o individuo e seus papeis passam de conseqüência a causa do processo,
agora revestidos de conteúdo político e social.
Com este novo olhar sobre a dinâmica da construção da cidade, estes
autores entendem as teorias de planejamento urbano derivadas da escola
americana como “instrumento a serviço da manutenção do ‘status quo’ capitalista”
(SOUZA, 2008. p.26.)
As críticas ao modelo de planejamento dito intervencionista e regulador feitas
pelos pensadores marxistas da escola francesa acabam por se enfraquecer com o
33. 33
passar do tempo, tendo em eventos como a queda do muro de Berlim e a extinção
do bloco soviético um agravamento negativo aos argumentos por eles utilizados.
Marcelo Lopes de Souza traça uma linha temporal muito clara entre o
momento da crítica oposicionista dos pensadores marxistas aos modelos
americanos, a construção de uma teoria generalizante, e em uma análise
comparativa, tão simplista quanto à anterior, e a retomada de um modelo mais
consciente dos papeis desempenhados por cada um dos atores envolvidos - estado,
individuo e mercado.
O pensamento do autor quanto à conduta destes pensadores é clara no
parágrafo:
“Diante da argumentação dos “marxistas urbanos”, reveladora sob muitos
aspectos mas, em última análise, abusivamente generalizante, o autor se vê
tentado a qualificar essa retórica falaciosa de ‘infantil’, inspirado na famosa
crítica de Lenin ao ‘esquerdismo’.” (SOUZA, 2008. p.29.)
No entanto, as críticas ao modelo de planejamento estabelecido possuem
fundamento e são retomadas na medida em que se verifica uma inoperância das
ações intervencionistas do estado de um modo geral. O estado mostra-se incapaz
de evitar as crises e salvar o capitalismo de si próprio, demonstrando “um
enfraquecimento das bases materiais do planejamento típicos do ‘welfare state’7 dos
países capitalistas centrais: o crescimento econômico e a capacidade de
investimento e regulação do estado.” (op.cit. p. 30)
Toda esta “falência” da capacidade do estado fica evidente após o primeiro
choque do petróleo (meados dos anos 70), abalando as estruturas dos sistemas de
planejamento operantes até o momento.
Marcelo L. Souza sintetiza esta transição do modelo norte-americano clássico
para um modelo misto quando observa:
7
A definição de welfare state pode ser compreendida como um conjunto de serviços e benefícios
sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir uma certa
"harmonia" entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a
sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para manterem um mínimo
de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma
estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente. (GOMES, 2006. p. 203)
34. 34
8
“Os primeiros sinais de esgotamento das estratégias keynesianas de
sustentação do crescimento econômico e dos modelos de ‘desenvolvimento’
baseados em elevados gastos sociais por parte do Estado, estimularam o
assanhamento dos (neo)liberais; avolumam-se, então, os clamores por um
‘Estado mínimo’ e por maior confiança no ‘mercado livre’.” (SOUZA, 2008.
p.30.)
Ele salienta que, mesmo os governantes das maiores potências capitalistas
da década pós 70 – Margareth Thatcher na Inglaterra e Ronald Reagan nos EUA –
representantes de uma nova direita, conduzem seus modelos para uma maior
tendência desregulamentadora e privatista, consolidando a crise do welfare state e,
portanto, um rompimento das práticas de planejamento que estavam associadas a
um Estado fortemente intervencionista, mas não negam e não abandonam a prática
do planejamento em si, transformando-o e adaptando-o a uma nova realidade.
Com a decadência deste modelo uma nova modalidade de planejamento
começa a se apresentar, dando lugar as governanças locais, mais descentralizadas
e próximas a realidade da cidade.
Marcelo L. Souza, ao citar que:
“O enfraquecimento do planejamento se faz acompanhar pela popularização
do termo gestão [...] o que é muito sintomático: como a gestão significa, a
rigor, a administração dos recursos e problemas aqui e agora, operando,
portanto, no curto e médio prazos, o hiperprivilegiamento (sic) da idéia (sic)
de gestão em detrimento de um planejamento consistente representa o
triunfo do imediatismo e da miopia dos ideólogos ultraconservadores do
‘mercado livre’. Em outras palavras, ele representa a substituição de um
‘planejamento forte’, típico da era fordista, por um ‘planejamento fraco’
(muita gestão e pouco planejamento), o que combina bem com a era do
8
John Maynard Keynes foi o teórico que ensejou a construção de um modelo de capitalismo
restaurado, capaz de contornar às crises cíclicas que o caracterizam e oferecer o bem-estar ao
cidadão comum.Para entendermos as ideias de Keynes, precisamos entender o contexto em que se
produziu a sua teoria global. O mundo na época dele era de desemprego e depressão. Os
mecanismos que antigamente promoviam a acumulação de capital de forma automática
desapareceram. Os investimentos privados estavam deprimidos. A solução seria encontrar um novo
mecanismo que estimulasse os investimentos privados. Para Keynes somente existia uma possível
fonte de estímulo, e esta era aumentar os investimentos do setor público. O ponto central da
mensagem de Keynes era que o dispêndio do governo poderia ser uma política econômica essencial
para que o capitalismo deprimido tratasse de recuperar sua vitalidade. A proposta de Keynes de
aumentar os gastos do governo em época de grave depressão não deve ser confundida com o desejo
de intervenção permanente por parte do Estado em assuntos da economia privada. A proposta de
Keynes era a de uma intervenção seletiva, que ajudasse a restaurar a economia de mercado. Tão
logo os investimentos privados se recuperassem, o Estado devia se retirar do cenário e cuidar de
suas atividades reguladoras e deixar o mercado trabalhar em perfeita harmonia.
http://www.omeu.net/direito/direito/economia/keyneseointervencionismoestatal.doc acesso em
02/08/2010.
35. 35
pós-fordismo, da desregulamentação e do ‘Estado mínimo’’[...]”. (SOUZA,
2008. p.31.)
Sinaliza o início de uma nova atitude frente à conduta do “construir a cidade”,
que agora, como já citado, está sob a gerência e sob a influencia de atores locais e
mais dissociada de um poder central, e que, consequentemente, abandona os
grandes planos urbanos e parte para ações mais “‘mercadófilas’ de planejamento,
mais próximas da lógica da gestão” (SOUZA, 2008. p.31).
Surgem então novos modelos de planejamento associados diretamente aos
interesses do capital privado, uma vez que o estado, agora representado pelas
governanças locais, sofre um esvaziamento técnico e financeiro, perdendo sua
credibilidade política e seu status econômico.
Estes novos modelos tendem, em um primeiro momento a negar a
experiência anterior, acusando-a de imobilismo e até de um engessamento por
excesso de controle, mas novamente verifica-se que é necessária uma fusão entre o
modelo antigo e as novas propostas para que de fato se opere um sistema eficiente,
focado e sintonizado com as necessidades da cidade.
Neste contexto alguns conceitos e modelos são importados de outras
ciências, como o modelo gerencial ou administrativo, o modelo empresarialista e o
conceito de gestão que vem da área da economia e da administração.
Os novos modelos de planejamento, principalmente o empresarialista, que
está fortemente subordinado as tendências de mercado e as necessidades do
capital privado, conduzem o estado a um papel cada vez mais frágil e
desnecessário, o que se torna perigoso no momento em que desassiste temas como
os direitos sociais e outras questões que não geram receita imediata.
Quanto a este abandono do estado, Marcelo L. Souza comenta:
“ [...] ir contra o Estado e fazer a crítica do Estado e do que ele
representa, não quer dizer que se deva ignorá-lo e que se deva esquecer
que a margem de manobra propiciada pela intervenção estatal, na nossa
sociedade, é apreciável (já que muita coisa depende de leis, de
autorizações, de recursos vultosos etc.) desde que a correlação de forças
permita que a ação do Estado não seja simplesmente reacionária.”.
(SOUZA, 2008. p.33.)
36. 36
3.2 Planejamento Urbano e Gestão Urbana são conceitos equivalentes?
“Planejamento e gestão não são termos intercambiáveis, por possuírem
referências temporais distintos e, por tabela, por se referirem a
diferentes tipos de atividades. [...] planejar sempre remete ao futuro:
planejar significa tentar prever a evolução de um fenômeno ou, [...] tentar
simular os desdobramentos de um processo, com o objetivo de melhor
precaver-se contra prováveis problemas ou, inversamente, com o fito
de tirar partido de prováveis benefícios. [...] gestão remete ao presente,
gerir significa administrar uma situação dentro dos marcos dos
recursos presentemente disponíveis tendo em vista as necessidades
imediatas. [...]” (SOUZA, 2008. p.46.)
A partir deste comentário de SOUZA, podemos dizer que planejamento e
gestão são conceitos complementares e não excludentes, sendo que ambas as
atividades são imprescindíveis a boa administração e organização da construção da
cidade, pois o planejamento faz uma análise do cenário atual e das necessidades
futuras, e estrutura os planos de ação para que os objetivos elencados sejam
atingidos. A gestão é o braço executivo do planejamento.
Ao analisarmos os termos planejamento e gestão relacionados a cidade, é
importante também que alguns conceitos sejam agregados a esta construção, como
desenvolvimento urbano, análise urbana, senso comum, dentre outros, já que é
fundamental “[...] ao se lidar com o planejamento e a gestão urbanos [...] integrar a
reflexão sobre aquilo que [...] deve ser a finalidade do planejamento e da gestão – o
desenvolvimento urbano, ou a mudança social positiva da e na cidade [...]”
(SOUZA, 2008. p. 40, grifo do autor)
A noção de desenvolvimento urbano e todas as suas variantes agregadas
como desenvolvimento humano, ecodesenvolvimento e desenvolvimento
sustentável, bem como o conhecimento dos bens sobre os quais estes conceitos
operam9, por exemplo, são fundamentais para que as bases sobre as quais se
desenvolvem os programas de planejamento e depois de gestão sejam facilmente
identificáveis.
9
Marcelo Lopes de Souza cita que “a expressão desenvolvimento urbano, embora de uso corrente
tanto na linguagem ordinária quanto científica, permanece basicamente na condição de uma noção
pré-teórica, antes que um verdadeiro conceito científico (SOUZA apud SOUZA, 1998).
37. 37
O que muda neste cenário pós década de 70 são os atores participantes
deste planejamento. Passa-se a um planejamento com maior representatividade
democrática e é clara a adoção de modelos menos centralizados e rígidos, não
apenas como ideologia, mas como necessidade econômica e política, (SOUZA,
2008) mas, ainda assim, percebe-se que a prática do planejamento em si “vem
perdendo espaço diante do imediatismo e do privatismo característicos da ação do
Estado pós-desenvolvimentista no Brasil.” (SOUZA, 2008. p 54)
Este abandono, ou pelo menos, esta negação ao planejamento cede espaço
a prática da gestão como se esta fosse substituta do primeiro, o que já vimos não
ser, conduzindo a administração pública a uma postura empresarialista e
mercadófila, que deverá esvaziar-se com o passar do tempo e perder força, pois
este tipo de ação acabará por conduzir a estagnação, já que não haverá foco a
médio e longo prazo.
A partir deste tipo de conduta o desenvolvimento é cada vez mais lento. Esta
observação é pertinente quando retomamos o sentido de planejamento e gestão
como duas ações justapostas no tempo aonde a segunda deriva da primeira e não
ao contrário, portanto, podemos deduzir que sem planejar não há o que gestionar,
comprometendo a evolução e o desenvolvimento da cidade.
3.3 Como o Planejamento e a Gestão Urbana conduzem a um Desenvolvimento
Sustentável?
Todas as ações, tanto de Planejamento quanto de Gestão têm, a priori, como
objetivo, sejam elas conduzidas pelo estado ou não, o desenvolvimento da
sociedade.
Entender como este desenvolvimento é articulado e quais suas
conseqüências pós década de 70 tem sido objeto de análise de diversos autores,
pois nem sempre desenvolvimento significa crescimento e é imprescindível que hoje,
ele esteja pautado sob conceitos de sustentabilidade e pluralidade.
“Em países com uma larga tradição e uma cultura de planejamento
consolidada, o planejamento urbano é, de fato, um campo que congrega os mais
38. 38
diferentes profissionais.” (SOUZA, 2008. p. 55) e esta diversidade de olhares sobre
como construir a cidade vai também lançar múltiplas interpretações sobre o tema do
desenvolvimento, que será então desmembrado em várias matérias como
desenvolvimento urbano, econômico, humano, etc..
Hoje se operam nas cidades e agora como orientação legal (no Estatuto da
Cidade e em outras leis relacionadas ao expediente do Direito Urbanístico e do
Direito Ambiental) a orientação de que deva se trabalhar em prol do
desenvolvimento sustentável, que garantirá um equilíbrio entre as demais formas de
desenvolvimento, conduzindo então a uma sociedade mais harmônica e menos
excludente.
Este desenvolvimento sustentável vem revestido de um viés ambiental
(conservacionista e preservacionista) mais do que necessário, já que uma das
razões do colapso dos modelos de planejamento da era fordista é justamente a
construção de uma cidade hostil e com baixa qualidade de vida, aonde o capitalismo
desenfreado privilegiou a produção e a máquina em detrimento do homem e do meio
ambiente.
Para entendermos o significado deste conceito, é preciso que se faça uma
revisão de abordagens a partir de elementos da economia política, ecologia política
e do pós-estruturalismo10, pois ao se tentar construir a noção de desenvolvimento
urbano sustentável, ou de cidades sustentáveis se constata a existência de conflitos
teóricos de difícil, mas não de impossível reconciliação.
Heloisa Costa destaca como conflitos mais aparentes a diferença da origem
dos campos de análise urbana e ambiental, que oriundas de matérias diversas, ao
tentarem convergir em um foco comum acabam por não lerem o mesmo objeto e
também as divergências e conflitos entre as formulações teóricas e as propostas
práticas de intervenção, que demonstram um distanciamento entre a análise
social/urbana crítica e o planejamento urbano em si. (1999)
10
Chama-se de pós-estruturalismo a corrente de pensamento ligada atavicamente ao estruturalismo
e empreendida por pensadores formados sob as idéias que acabamos de expor, mas que se
adiantam sobre elas. Correndo o risco da imprecisão que costuma ladear as simplificações, diremos
que o estruturalismo preocupa-se em estabelecer os padrões da análise estrutural, e falamos de pós-
estruturalismo quando os temas são ampliados e o método estrutural começa a ser flexibilizado e a
abranger a cultura do século 20 como um todo, e seus conceitos estruturantes - a maior parte
advinda do pensamento iluminista - são revisitados e desconstruídos, para usar um termo tipicamente
pós-estruturalista criado por Jacques Derrida.
39. 39
A maior parte das discussões a respeito do tema acabam por referir-se mais
enfaticamente aos aspectos econômicos, fixando estes como motores do
desenvolvimento da sociedade, mas a adoção do conceito de desenvolvimento
sustentável, recorrente no planejamento urbano traz um novo viés de análise e
realimenta estas discussões, mesmo sem ter muita clareza das “formulações
teóricas que lhe servem de suporte” (COSTA, 1999, p. 56). O que se observa é uma
solução de conflitos a partir da prática, e não o inverso.
Heloisa Costa faz uma análise sobre a pulverização do tema
desenvolvimento urbano, refazendo a trajetória dos estudos da década de 70 e
traçando um paralelo de como hoje ele está inserido no contexto da academia e do
planejamento.
O fato de há três décadas o objeto de estudo ser muito mais claro, pois,
mesmo sendo reconhecido como uma tendência, ainda existia um limite entre o
urbano e o não urbano (urbano x rural), conferia a questão urbana uma relação
direta com a provisão dos chamados meios de consumo coletivos.
Com o avanço da urbanização, não há como pensar em ambientes não
urbanos, seja pela interferência direta dos processos de construção da cidade, seja
pelas relações sociais estabelecidas, e isto conduz a um olhar mais interiorizado na
questão da urbanização, tratando seu conjunto de mecanismos como escopo de
análise e não como meras conseqüências de um processo. Dentre estes os mais
importantes são o acesso a moradia e a bens e serviços urbanos.
Também é importante pensarmos as diferenças nos processos ocorridos nos
países Europeus (chamados de primeiro mundo) e nos países terceiro mundo,
sendo que no primeiro as questões básicas acabaram por serem resolvidas com
maior ou menor grau de sucesso, não tendo ocorrido o mesmo no terceiro mundo,
que experimentou e experimenta um modelo de crescimento que pula etapas,
beneficiando a uma parcela da população e excluindo a outra do desfrute desta
modernidade.
O fato das questões relacionadas ao desenvolvimento urbano parecerem ter
sido banalizadas pela diversificação de enfoques e multiplicidade de abordagens
para o terceiro mundo e seu modelo atravessado de crescimento, deixa pendente
várias questões centrais que parecem ter sido resolvidas e suplantadas em países
40. 40
europeus e até nos Estados Unidos, mas que continuam sendo muitíssimo
presentes em nossa realidade, e acabam por serem trazidas novamente ao centro
da discussão agora sob a roupagem do tema da problemática sócio ambiental, “mais
moderna e alinhada com o nosso tempo”. (COSTA, 1999) Esta nova caracterização
em nada desmerece ou torna menos relevante à necessidade de tratar o assunto.
Heloisa Costa traz a visão de Topalov, que observa parecer existir um
esquecimento de todos os estudos realizados, principalmente aqueles de inspiração
marxista, e que é notável uma tentativa de ultrapassagem dos limites destes
enfoques, o que acaba, em alguns momentos por gerar um retrocesso, como já foi
mencionado por SOUZA anteriormente.
A autora, citando Castells, constrói uma diferenciação entre o momento
anterior e o momento atual, no qual afirma que a busca da identidade é o principio
organizador da sociedade atual, e isto se consolida ao enfatizar a importância dada
aos processos sociais urbanos (também entendidos como culturais e ambientais),
que acabam por interferir nas demandas de planejamento e na configuração e
estruturação dos espaços físicos e na modelagem do território.
Ao mesmo tempo que os processos sociais tornam-se efetivos na construção
deste novo urbano, existe uma visão dos autores mais críticos que indica existir uma
tendência da manutenção do staus quo através da prática do planejamento urbano,
demonstrando existir pouco espaço para as diferenças. A incorporação dos
conceitos relacionados a sustentabilidade urbana demanda a urgência de uma
explicitação de seus conteúdos.
Sobre esta falta de definição, Heloisa Costa diz:
“Poucos conceitos têm sido recentemente tão utilizados e debatidos como o
de desenvolvimento sustentável. Por isso mesmo, falta-lhe precisão e
conteúdo, cabendo as mais variadas definições. Muitas vezes utilizado
como se fosse expressão de generalizada aceitação por algum tipo de
senso comum, o conceito traz à tona um amplo debate tanto em torno da
idéia de desenvolvimento como da noção de sustentabilidade. porém
interessa-nos aqueles aspectos considerados centrais para a discussão das
potencialidades e limitações de uma análise crítica do ambiente urbano,
bem como para a compreensão das práticas socioespaciais que se
estruturam em torno de questões ambientais.
Pode-se identificar claramente uma mudança de enfoque na definição da
problemática ambiental nos últimos anos: da passagem de enfoques
considerados conservacionistas, prevalecentes no início dos anos 70, para
aqueles que buscam associar desenvolvimento econômico à preservação
ambiental, consagrando assim a idéia de sustentabilidade, considerada
41. 41
como a atual linguagem do ambientalismo houve um avanço significativo ao
se afirmar que não há desenvolvimento que não seja sustentável.
Nesse contexto, a noção de sustentabilidade ambiental corresponde a uma
dimensão a ser incorporada à própria noção de desenvolvimento e não a
um conceito fundamentalmente diferente do anterior.” (COSTA, 1999. p.61.)
Como já foi mencionado, o conceito de sustentabilidade se conecta a vários
temas fundamentais na compreensão da estrutura do território, pois remete a meio
ambiente natural mas, também a economia, e um olhar abrangente sobre estes é
fundamental para estabelecer planos e metas coerentes para uma cidade,
resultando em planejamentos e planos diretores reais e exeqüíveis.