1) O documento discute a noção de experiência religiosa, abordando sua etimologia e definições de acordo com diferentes mestres da espiritualidade e correntes filosóficas.
2) É analisada a experiência religiosa como um ato complexo que envolve tanto elementos objetivos quanto subjetivos, e que deve ser compreendida levando-se em conta as capacidades e cultura do sujeito.
3) Diferentes visões sobre a experiência religiosa são contrastadas, incluindo aquelas que a reduzem a aspectos em
1. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
Aula 1
IDEP
2/03/2013
Princípios básicos:
O que é a Espiritualidade como experiência religiosa?
É a base que nos permite compreender o conteúdo das outras disciplinas, sem Cristo
nada tem interesse.
Etimologia:
Espiritualidade: é a experiência religiosa pessoal de cada um, deriva de vários verbos
que significam
1. Pôr à prova (história de Abraão); experimentar, fazer a prova;
2. Aprender a conhecer; conhecer por dentro a experiência; interiorizar;
3. Procurar de, traduzir na prática;
Ex-pe-riência
Indica uma experiência obtida a partir de, tentar sair de si; abrir-se aos outros;
abrir-se ao exterior, diálogo que é comunhão com o outro; encetar um diálogo
com o outro, com Deus, com o mundo porque não somos ilhas, vigiar sobre o
local de trabalho, estar atento, emergir-se em qualquer coisa;
Do grego validar = passo através do qual validamos, penetrar, ir além,
experimentar, procurar, validar; penetrar; ir além (remete para a metafísica “o
totalmente outro – DEUS”)
Esta raiz projeta-nos para a metafísica transcendente, é o totalmente outro, é o mistério,
o que não conhecemos mas queremos conhecer
Mistério – é algo do qual não se sabe tudo. É uma realidade completamente
desconhecida, é o totalmente outro.
O que é?
É algo do qual não se sabe tudo mas do qual se sabe o suficiente para podermos
continuar na senda da descoberta.
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2. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Aplicado a Deus:
Sabemos algo mas não tudo. Diz S. Paulo “quando …”. Aquele totalmente outro do
qual não sabemos tudo mas sabemos o suficiente para nos aproximarmos, cada dia
sabemos um pouco mais. As disciplinas ajudam-nos a ir ao encontro do mistério que é
Deus.
O Mistério de Deus é tão complexo, mas ao mesmo tempo acessível. O mistério
humano é tão difícil como o de Deus.
O amor de Deus não tem falhas, são os homens que as arranjam para se justificarem.
Remete para a metafísica: é a experiência … que tem o mesmo modelo esquemático …
Experiência:
É cada percepção de conteúdos e de dados (há-de ser);
Cada modificação de vida consciente do Eu;
Cada determinação da vida consciente do meu eu;
É o complexo de todos os fenómenos conscientes,
É o mistério do ser humano, o mistério humano é tão difícil como o mistério de
Deus.
Deus que é totalmente outro é amor. Tudo é amor de Deus. A experiência que cada um
de nós faz do amor de Deus.
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3. IDEP
INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
Aula 2
16/03/2013
Experiência na teologia moral
Os que estudam teologia – os primeiros dois anos é filosofia, ajuda a pensar.
Na aula anterior falei da experiência a partir da etimologia, hoje é a filosofia do séc.
XX. O termo experiência assumiu conotações mais amplas: consciência abstrata, separa
do sujeito, não designa só a consciência dos estados interiores do sujeito, não fica só no
psicológico.
A dificuldade gerada nos séculos anteriores foi superada no séc. XX.
A experiência é a presença imediata e direta daquilo que se nos mostra a nós, algo
vivido, assumido pela vivência. Esta é a noção concetual.
Aa noção de experiência religiosa segundo alguns mestres da espiritualidade:
Experiências Religiosas de alguns Mestres da Espiritualidade:
S. Bernardo – Idade Média – reformou a espiritualidade beneditina.
Santa Teresa de Ávila – Renascimento - (“Bem pouco eu pude aprender nos
livros, não consegui senão saber aquilo que fazia até à majestade que é Deus
senão me tivesse sido dado pela experiência) O Deus que Sta. Teresa viveu foi
por meio de experiência e não dos livros.
Guilherme de Saint Thierry – contraste entre a inteligência e a experiência
propriamente dita – o Amor Iluminado pela inteligência que leva à vivência do
coração. Devemos temperar a nossa fé no equilíbrio da nossa inteligência, razão
e coração. Jesus “sede sal e luz”
Francisco de Osuna – o mestre desta experiência do coração é a própria
experiência, os que não fizeram a experiência não percebem estas coisas. O que
conta é o coração mas um coração equilibrado. Integrar todos os valores para
viver uma fé esclarecida, para viver de forma sã. Todo o cristão devia trazer
sempre no bolso um espelho para saber onde se deve corrigir.
Santo Inácio de Loiola – Exercícios espirituais. Usa a palavra experiência
muitas vezes à volta do discernimento, da capacidade que devemos pedir a Deus
para Viver a pessoa de Jesus Cristo. Somos a expressão das fontes Sentir, gostar,
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4. IDEP
INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
saborear, mastigar internamente a experiência. O mesmo criador comunica-se à
criatura. O Senhor pode agir imediatamente e opera.
D. Helder da Câmara – Contemporâneo - Proximidade dos pobres. Livro “O
deserto é fértil”.
Madre Teresa de Calcutá – caridade afetiva. Passava duas horas diante do
sacrário de manhã e antes de dormir. Saía para pedir esmola para os pobres. “Às
vezes pareces-me ausente. Onde está Senhor?”(passagens do seu diário).
Cardeal Martini – dizem que foi ele que interveio no Céu para a escolha do
papa Francisco.
Não falamos da espiritualidade monacal.
NOÇÕES:
INTEGRAR
/ SAL / TEMPERO
-
Sempre presentes
Experiência na Teologia Espiritual
Comporta sempre 2 coisas:
1. Um contacto objetivo com a realidade;
2. Um sujeito que, mediante este contacto objetivo, estabelece uma relação de
consciência.
Ao mesmo tempo da parte da pessoa que passa pela experiência:
1. Recetividade passiva e abertura;
2. Reação de consciência (que pode ser de aceitação ou rejeição provocatória, que
nos obriga internamente a pôr em ordem as nossas ideias e as nossas
obrigações).
Não se distingue facilmente o elemento recetivo e interpretativo na experiência
religiosa. Ex. de receptividade ativa: Maria
A Experiência como Saber a Realidade
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5. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Não equivale apenas a pensar, é uma experimentação que pode ser pensar e …. Integrar,
experiência religiosa totalizante porque envolve a pessoa toda, sermos mistério, um todo
totalizante como sujeito
Pode ser pensado:
Ver a experiência religiosa mais completa, totalizante.
O sujeito que faz a experiência é um ser concreto, que existe, aberto ao exterior.
Também é razão porque esta experiência é também ciência por isso é verdadeira
consciência. Afetividade, inteligência e intelecto, sempre em equilíbrio.
A experiência realiza-se no encontro recíproco entre objeto e sujeito, por isso é relação
na modificação que se realiza nesta tomada de consciência de Deus. Deus é uma pessoa
que vem ao nosso coração.
Experiência (resumo) – ato por meio do qual a pessoa percebe a relação consigo
própria, o mundo e Deus, percebe-se a si mesma. Temos de nos perceber a nós próprios
e compreendermo-nos na relação com Deus e os outros. Perceber-se a si mesmo, sentir e
intelectual, não se nega o caráter como vivido.
A experiência: implica captar diretamente; acontecer; quando o sujeito se põe a pensar.
É necessário distinguir sempre e saber integrá-las:
passividade pura (sofrimento)
passividade ativa, acatar livre e consciente a vontade de Deus.
Ex: amor visto através de uma criação artística, significado ativo e pessoal que o sujeito
coloca através da experiência, integrar, capacidade de equilíbrio, acolher.
A experiência que se converte num acolhimento que vem da parte de Deus. Acolhida
como um ato livre, consciente, integrado.
A realidade da experiência é uma realidade muito complexa, é um entrelaçar de
relações, num movimento em que o sujeito se realiza a si próprio. É um mistério. Devese considerar como uma ato simples mas também um entrelaçar de relações na qual o
sujeito se realiza a si próprio.
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6. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Experimental diferente de experiência, intelecto/coração.
Numa experiência religiosa espiritual temos de ter em conta todas as variáveis:
Generosidade do amor que se entrega. Deus entregou-Se por Amor.
A fé comporta a experiência e requer experiência vivida e entendida. A fé que ama; é
aquela fé que faz experiência do eterno.
«Deus é amor» (S. João), porque é o eterno transformado em experiência de amor.
Experiência doada, totalizante que preenche o homem.
Amar como Deus amou é amar aqueles que são nossos e também os nossos inimigos. O
eterno que se faz amor.
Experiência diferencia de modo empírico, passa para o nível experiencial, experiência
considerada na sua totalidade, variáveis, princípios e valores.
Experiência religiosa equilibrada, vida de fé verdadeiramente esclarecida, generosidade
do amor que se entrega, expressão de um amor generoso. A fé comporta a experiência e
requer esta experiência vivida e entendida. A fé que ama é aquela que faz a experiência
do eterno. Só assim se entende “Deus é amor”, porque é o eterno transformado em
experiência de amor. Experiência que só se pode adquirir se a fizermos. Deus ensinanos a amar como Deus amou.
Na próxima aula: experiência religiosa propriamente dita.
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7. IDEP
INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
Aula 3 (gravada)
25/03/2013
EXPERIÊNCIA RELIGIOSA
Serve-nos como lastro para entender a profundidade que é viver Deus com fé … não é
fácil.
Vamos ver, tentar responder:
Poder-se-á ter um contacto efetivo com a realidade transcendente?
Quem é o sujeito da experiência religiosa? se somos sempre nós, se é Deus?
Quem é o objeto da experiência religiosa? se somos sempre nós, se Deus às vezes
também é objeto?
Se somos sempre agentes passivos? Se somos sempre agentes ativos? Se Deus é
simplesmente ele sempre o agente ativo ou se às vezes também é agente passivo da
experiência religiosa?
Depois vamos tentar ver a perceção religiosa, como percebemos, entendemos a
experiência religiosa e algumas das suas caraterísticas fundamentais, porque é na
perceção da experiência presente que nós tomamos ou não contacto com esta realidade
transcendente.
Depois vamos tentar abordar a seguinte questão:
Ver que o ser humano é tão misterioso, é tão complexo que a experiência religiosa que
faz tem de ser entendida de acordo com as suas possibilidades, ou seja, tem de ter em
conta a sua cultura, a sua biologia, o contacto dele consigo próprio, com os outros,
com a sua realidade.
Vamos ver a forma como se pode visualizar e exteriorizar a experiência religiosa.
Aquela que é mais visível é o culto mas não é só o culto que está na experiência
religiosa.
Vamos ver as várias correntes e ver a experiência pessoal de cada um, depois vamos
abordar a experiência religiosa na Sagrada Escritura, na Bíblia.
Partindo deste pressuposto, vamos tentar responder a:
É possível ter um contacto com a realidade transcendental, com o transcendente?
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8. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
No campo da história das religiões e da sociologia das religiões é sempre este o
problema central, o homem é desde sempre um ser religioso.
Ex: gravuras rupestres que aparecem – os antropólogos quase todos se inclinam para
dizer que aquilo que ali está é a tentativa de explicação de algo muito concreto que eles
não conseguem explicar, é o tal contacto com o transcendente, ou seja, uma das
caraterísticas do homem é ser religioso.
Os ateus são religiosos? Porque o que negam? O nada não existe, se se nega Deus negase alguma coisa, se negam Deus é porque Deus existe.
É uma abordagem a partir da qual nós temos sempre de partir, o homem é
essencialmente um ser religioso, é o tema central desde sempre da sociologia das
religiões e da história das religiões.
William James
no seu livro diz: a experiência religiosa fica reduzida muitas vezes à experiência afetiva,
prescindindo de cada contacto objetivo. A experiência religiosa fica reduzida à
experiência afetiva, ficam com um contacto meramente afetivo, muitos começam assim,
nomeadamente as seitas. Fazem um entendimento redutor do que é a experiência
religiosa. As seitas prescindem do elemento objetivo, não o negam mas prescindem
dele.
Na mesma direção temos a
escola psicanalítica
não prescindem do contacto objetivo mas negam-lhe a mesma consistência da perceção
afetiva. A perceção afetiva não é mais de que um produto derivado dos
condicionalismos individuais de cada uma das pessoas.
Ex: escola de Freud, que insiste na componente afetiva identificando-a com a
sublimação dos pulsões mas que tem sempre como fundo a dimensão sexual.
Também é uma forma redutora de entender a experiência religiosa.
Neste curso, não podemos estudar só determinadas orientações, temos sempre de
contrapor, reagir, sugerir, rebater.
Como reação à escola psicanalítica, do entendimento desta perceção de experiência
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9. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
religiosa, apareceu a
escola fenomenológica
Max Scheller – reagia a esta orientação dizendo: a reação consiste em submeter
algumas experiências religiosas fundamentais à análise fenomenológica. Como por ex. a
oração, a mística, o sacrifício, a adoração. São experiências religiosas que reagem
àquela maneira de entender a perceção religiosa na escola freudiana e do outro senhor
americano.
Fazendo esta análise vamos ver algumas das personagens que nos interessam como
agentes reativos a esta escola e que foram capazes não de sublimar mas de entender a
experiência religiosa neste contacto com o transcendente.
Voltamos à pergunta da qual partimos:
Será possível um encontro real com o transcendente?
Alguns exemplos daqueles que foram capazes de o fazer. Exemplos de perfeição para a
qual tendemos mas aonde não estamos. Os chamados místicos:
Sta Teresa de Ávila e Sto Inácio
Eles afirmaram que toda a experiência religiosa é uma simples ilusão, mas ilusão
sobretudo subjetiva, falam de 2 níveis de transcendência.
Fizeram uma experiência religiosa baseada na oração, na adoração, no sacrifício, na
mística.
Quais são então estes 2 grandes níveis de contacto com a transcendência?
1º uma transcendência da consciência da pessoa, nos seus confrontos com a sua própria
vida, com a sua atividade concreta de todos os dias, a contemplação do mundo, entra
aqui muito da poesia. Sta Teresa foi uma das santas que conseguiu nos seus escritos
dizer de forma bela a sua experiência religiosa, o seu contacto com o transcendente.
Mais à frente vamos ver a importância da estética que é uma das componentes da
perceção da experiência religiosa.
2º A transcendência do ser, de um ser divino como absoluto. Que se oferece como
absoluto ao sujeito que é finito. Por mais que nós queiramos é sempre Deus que toma a
iniciativa. A experiência é nossa, somos ser finitos mas é sempre Deus que toma a
iniciativa e quando nós entendemos as coisas ao contrário estamos a inverter a
experiência religiosa.
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10. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Há um prefácio muito interessante da eucaristia (é importante tudo o que se reza na
eucaristia) “Deus não precisa dos nossos louvores mas podendo glorificar-vos é dom da
vossa bondade”.
Deus não precisa nada de nós mas quer precisar de nós que é diferente. Deus dá-nos este
exemplo de humildade. Isto é espiritualidade, é tentarmos fazer uma abordagem ao
totalmente outro. Deus é o totalmente outro e sempre totalmente outro porque mistério
como já dissemos. O mistério está constantemente a revelar-se-nos e há-de ser pelo
nosso esforço constantemente descoberto.
Conceito de mistério
não é algo do qual não se sabe nada, mas algo do qual se sabe o suficiente para que pelo
nosso esforço se saiba cada dia cada vez mais a ponto de um dia estarmos tão próximos
dele que sejamos santos. (esta resposta na oral dava direito a um 20)
O 2º nível para estes místicos:
a transcendência de um ser divino como absoluto que se oferece como absoluto ao
sujeito que é finito, que somos nós.
A iniciativa é sempre de Deus que se oferece a nós seres finitos como um dom absoluto.
Sta Teresa
Entendendo deus assim como o transcendente vivido desta forma dizia “meu Criador e
meu Senhor”, o absoluto, o criador, o seu senhor que se lhe oferece a ponto dela o
considerar seu, sua posse.
Sto Inácio
chamava-lhe “minha divina Majestade”.
Então, podemos dizer que alcançamos a experiência religiosa quando alcançamos
objetivamente o absoluto, quando fazemos a experiência objetiva do absoluto,
traduzida nas nossas vidas de múltiplas formas.
Temos de ter em conta múltiplos condicionalismos e ninguém faz uma experiência igual
à do outro, porque partindo da base sociológica o ser humano é único e irrepetível e a
perceção que nós temos é individualizada, não há uma experiência quimicamente pura
que se possa transferir e transpor para o outro para que ele a viva exatamente como eu a
vivo, mesmo nos mesmos ambientes, com as mesmas pessoas o contacto com o
transcendente resulta sempre diferenciado porque a experiência é única, é de cada um.
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11. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Então, podemos perguntar-nos:
Mas se é assim não há limites, até que ponto nós podemos chegar a esta realidade
transcendente e dizer que já a possuímos?
Nunca a possuiremos em plenitude. É o único caminho gradativo e progressivo, e
mesmo quando estamos perto só se consegue a plenitude no paraíso, por isso pode
dizer-se que o contacto com o absoluto está sempre condicionado. Não é verdade que
em cada pessoa humana está sempre a sua história, ela efetivamente está sempre
rodeada de tantas circunstâncias, mesmo até circunstâncias inconscientes, o homem é
assim, é este mistério e é com base neste mistério todo que a nossa experiência religiosa
se faz, é única, é de cada um, só por isso é que é bonito. Por isso é que Deus ama-nos a
todos como se cada um de nós existisse sozinho no mundo, com o mesmo amor e é um
amor que não é condicionado, que é infinito, é um amor total, sem reservas a cada um,
com toda a nossa história, com todos os nossos pecados, com todas as nossas virtudes,
com tudo aquilo que nós somos, queremos ser, com o que julgamos ser, com a nossa
relação com os outros, com nós próprios, com o mundo, com o entendimento que
fazemos do mundo, com aquilo que os alemães chamam o nosso contexto histórico vital
que faz de nós aquilo que nós somos.
É como nós somos que fazemos experiência deste Deus e deste transcendente.
Então, continuando,
Kant
Que demonstrou no livro “A crítica da razão pura” as categorias da mente humana e que
estão sempre presentes.
Qual o termo que nós encontramos para alcançarmos a verdadeira experiência religiosa?
O absoluto no seu ser objetivo, aqueles que são da escola fenomenológica dizem que
sim, é o absoluto.
Mas, então devemos fazer distinções entre a experiência religiosa dos valores morais,
estéticos, por ex. o bom, o belo. Esta experiência alcança algumas partes da
manifestação do ser mas não é o ser em si próprio porque o ser como ser absoluto é
muito mais que isso e ainda que nós julgássemos que o tínhamos atingido porque é
absoluto passava a ser muito mais, isto é, Deus é este infinito, poderá medir-se o
infinito? É impossível, mas por isso é que é tão rico, por ser infinito é que é sempre uma
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12. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
descoberta constante e desconcertante das nossas vidas, quando nós descobrimos em
Deus que nos ama com este amor infinito, tem tantas faces este amor infinito, como fica
interiormente satisfatório ter um Deus assim. Cada dia nos pode amar de maneira
diferente e sempre muito, mesmo quando peco Deus está amar-me e a ensinar-me a
amar e sente muito. E vede como entronca aqui o ensinamento de Jesus “amai os vossos
inimigos”, como seria a nossa humanidade se gostássemos de toda a gente, temos
sentimentos diferentes, somos assim, é a nossa própria história, mas podemos amar
mesmo aqueles de quem não gostamos, já dizia Martin Luther King, cristão mas não
católico, “Jesus Cristo não me mandou gostar de toda a gente, mandou-me amar toda a
gente”. É um alcance fora de série.
Jesus Cristo é este amor infinito que estamos a celebrar particularmente nesta semana
santa, dedicada a esta temática, a entendermos o transcendente na miséria exposta
naquele sofrimento que não vale nada por si mas vale tudo enquanto expressão do amor
infinito que é Deus.
Mas, qual é a beleza que há num homem completamente esfacelado, a ser injuriado,
cuspido, nu, há toda a beleza de Deus, esperança e amor, e o amor tem uma beleza
infinita e é por isso que quem ama feio bonito lhe parece como diz o povo.
Entendemos agora esta realidade transcendendo-a e transpondo-a para a realidade que
estamos a estudar.
Então tudo ganha sentido, mesmo as nossas pequeninas coisas.
Então, os valores morais, estéticos, do bom e do belo por ex. são a expressão ou uma
das expressões da qual nós podemos encontrar manifestação do absoluto.
Depois, distinguir também a experiência religiosa concreta, que vai mais além, porque é
a experiência do absoluto na sua essência.
Ex: um poeta faz a experiência do belo, vê ali a manifestação de um valor moral ou
estético, mas um santo olha para uma paisagem e experimenta ali a omnipotência de
Deus, faz uma experiência religiosa porque tem fé, é diferente. Se o poeta tem fé como
vê de uma forma tanto mais rica esta experiência do transcendente porque o projeta num
mais alto nível no totalmente outro.
Por isso, precisamos de distinguir bem.
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13. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
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S. Paulo tem uma frase que parece uma contradição mas que entendemos à luz desta
experiência religiosa "tudo posso naquele que me conforta”. Fez uma poderosíssima
experiência de Deus, fez uma experiência do transcendente, o contexto em que faz uma
experiência de Deus tão forte que lhe permite reformular e reconsiderar todos os seus
esquemas mentais (forte tradição judaica, lei). E apesar da forte experiência religiosa foi
três anos para o deserto da Arábia pensar, porque não se considerava preparado para
anunciar aquele que se lhe tinha revelado, para consolidar a sua experiência religiosa
(nós que somos nada achamos o retiro de uma semana demais).
A experiência de Deus empenha-nos, compromete-nos. Se não nos compromete é
porque a experiência de Deus que fazemos é de forma epidérmica, não mexe com o
interior, ou seja, não nos converte que é a palavra chave.
O cerne deste curso e disciplina é integrar todos os aspetos, todas as dimensões para
vivermos uma fé equilibrada.
Paralelismo de tudo quanto dissemos com a experiência, com a perceção comum de
qualquer ser humano. Vamos ver o paralelismo desta experiência religiosa com a
perceção comum do ser humano.
A existência do mundo impõe-se mediante a perceção, assim paralelamente o homem na
sua experiência religiosa alcança não só o valor mas o próprio ser absoluto na sua
existência, faz a experiência dele em cada situação concreta.
Mesmo os ateus estão a fazer uma experiência do transcendente porque não existe o
nada, se negam Deus então ele existe, estão a fazer uma experiência ainda que ao
contrário e pela negação estão a afirmá-lo.
Então, temos de partir deste pressuposto que é em cada situação concreta se faz uma
experiência única de Deus. Temos estes condicionalismos que são históricos, culturais,
sociais, afetivos, a nossa perceção é sempre e tem sempre em conta uma orientação
seletiva. Por ex. uma criança vê a realidade de uma maneira diferente.
Os nossos desejos e ambições condicionam, as nossas perceções, a nossa maneira de
entender e ver o mundo, e também fazer a experiência de Deus somos condicionados.
Um homem verdadeiramente religioso tem uma experiência chave que transforma este
segredo em unidade e envolve toda a sua vida porque é um dos nossos erros, é
tentarmos viver a nossa experiência de Deus, do transcendente às prestações e só
quando nos convém, não envolvemos toda a nossa pessoa.
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14. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Todo o nosso dinamismo vivencial, com todas as nossas
condicionantes, históricas, culturais, sociais, afetivas, mas
é só assim que temos uma experiência de Deus a tender
para o completo, porque senão vemos a nossa fé reduzida
à sacristia.
Um padre fora da Igreja também é padre, a relação de entrega ao sacerdócio envolve-o
todo e totalmente, é padre fora e dentro da Igreja, só são funções diferentes.
Tanto fazemos a experiência de Deus em casa, na família, na vida consagrada, somos
pessoas que nos damos totalmente para receber ativamente este dom que parte sempre
de Deus. A iniciativa é sempre de Deus, nós tentamos vive-la com a totalidade da nossa
pessoa, por isso o homem é um mistério.
Como é que eu sendo assim com este comportamento só eu sei posso ter uma
experiência de conversão? Posso ser amado por Deus, como sou, o mal está em termos
uma fé separada da vida ou só vivida em algumas das nossas dimensões não na
totalidade e inteireza do nosso ser porque Deus também se nos dá todo, não se dá só
parte.
Quando recebemos Jesus Cristo na hóstia consagrada está lá também o pai e o Espirito
Santo, está todo Deus e totalmente, Deus não está só presente quando estamos bem
dispostos, está sempre e é na inteireza desta nossa vida que nós temos de assumir a
nossa experiência religiosa.
Esta é uma orientação que nós fazemos de forma seletiva, não tendo em conta a
totalidade e inteireza do nosso ser. Por mais condicionada que seja a experiência
religiosa não nega que alcancemos o ser absoluto, este Deus que se nos dá em cada
experiência que fazemos, que se nos dá quando tomamos café, que se nos dá quando
respondemos mal, que se nos dá na mais bela experiência de Deus que fazemos quando
vamos adorar o Santíssimo sacramento e estamos quase no céu, em todas as dimensões
da vida, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza como dizem os esposos.
E devem entender que é neste Deus que se lhes dá todo e a todos, a um e a outro, nesses
momentos, sempre, quando estão de costas voltadas Deus dá-se-lhe também e se o
descobrirem logo fazem as pazes e se não as fizerem ficam predispostos a faze-las
porque entendem a chatice como uma dimensão humana e depois é entendida à luz da fé
e têm a capacidade interior de converter o coração “tu não mereces mas eu amo-te”. É
este salto que às vezes custa a dar quando deixamos prevalecer a nossa humanidade
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15. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
sobre a graça que Deus nos dá continuamente, Deus não dá só hoje e agora, dá sempre,
mesmo quando achamos que não está a dar.
Quando descobrimos que Deus está sempre ali a conceder-nos audiência permanente é o
nosso grande conforto, tudo muda entre nós.
Isso não acontece porque fazemos um Deus à nossa imagem quando nós é que fomos
criados à imagem dele, invertemos sempre os valores como fazemos na nossa vida.
Por ex. o dever de obediência aos pais. Um prof. dizia que hoje assistimos à 1ª geração
de pais que obedecem aos filhos e à última geração de filhos que obedecem aos pais, os
valores estão invertidos.
A experiência religiosa acontece quando a pessoa se dá conta da acção de Deus na sua
alma, no seu interior e isto leva à conversão e esta conversão tem de ser permanente,
não é pontual (não é: converti-me está tudo feito).
Estou a dar-me conta de que preciso de me converter, a conversão é permanente,
contínua, progressiva, tem várias intensidades, é conversão deste mistério que é o
homem, que não é uma coisa fácil de entender, isto é que é bonito. Se o homem fosse
programável não teria interesse, as variáveis estavam todas identificadas.
A experiência religiosa que cada um faz é sempre individualizada, cada um faz a sua
experiência de Deus diferente da do outro. Isto leva-nos a que o contacto vivido com o
divino ou sagrado através deste processo de conversão se torna consciente porque
quando não é consciente então damos razão às escolas freudianas e outras que
identificam a nossa experiência de Deus como sublimação, não são conscientes, são
outras variáveis que estão em causa.
A experiência religiosa é, acima de tudo e antes de tudo, cultual, vem de culto, o culto
que prestamos ao transcendente que vivemos, o ser sagrado, o ser misterioso, aquele ser
que nos fascina é em primeiro lugar objecto de adoração e do amor por parte da sua
criatura como descobriu Sta Teresa e Sto Inácio.
Por isso a experiência religiosa é o encontro de pessoa, de cada pessoa, cada pessoa
criada com o seu criador. Esta relação encontro que nos compromete totalmente e que
compromete a pessoa toda em todas as circunstâncias da sua vida.
É esta a razão pela qual a experiência religiosa para ser verdadeira tem de ser
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16. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
integradora e integrante, todos os aspectos mais importantes da pessoa encontram-se
presentes, integrados embora hierarquicamente e este hierarquicamente tem muito a ver
com a postura de cada um, eu posso dar primazia em mim a esta dimensão e outro pode
dar a outra, mas o mais importante é que todos os componentes sejam integrantes e
integradores na experiência religiosa que fazem deste absoluto que é Deus.
Em que consiste então a experiência de Deus, a própria experiência que fazemos de
Deus?
O 1º e fundamental passo é a postura que cada um de nós deve ter desta presença
originante de Deus. Deus não precisa nada de nós mas quer precisar.
É o consentimento que nós damos a esta presença, ou seja, à chamada de Deus. Deus
chama-nos, a iniciativa é sempre dele e quando nós consentimos este chamamento
respondemos-lhe integrando todas as dimensões na nossa vida, uns de uma maneira
outros doutra.
É isto que a fenomenologia das religiões identifica como a postura fundamental do
homem, sem este reconhecimento fundamental de Deus que nos chama não se pode
fazer uma autêntica experiência de Deus.
Já era assim, já foi assim na experiência de Job. Ler o livro de Job constituído por duas
grandes partes, uma poética e outra em prosa. Apresenta dois Job, um que responde a
Deus e outro que se revolta com Deus e mesmo na revolta está a resposta diferenciada.
Ele entendeu o chamamento de Deus no sentido de que entendeu o que Deus lhe estava
a dizer com aquilo que lhe estava a acontecer e foi quando descobriu essa resposta ativa
que se converteu permanentemente.
Na fé o homem acolhe e faz a sua experiência da realidade, uma realidade que ele
começa a perceber permanentemente, não há às prestações nem não é só às vezes, é
sempre.
Esta postura supõe que levamos em conta as condicionantes, o saber, o aceitar, o
reconhecer a sua própria finitude de homem.
O homem tem de dar-se conta que é um ser finito, que é como ser finito que há-de
responder ao infinito e entender o infinito na sua finitude. Como é bonito entendermos
as coisas assim, um Deus que é amor infinito quer juntar ao nosso amor finito para que
o nosso amor finito procure a sua infinitude, é de uma beleza extraordinária.
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17. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Eu sei que Deus me ama quando estou mal disposto, é a minha finitude e a infinitude de
Deus e quando estas coisas se juntam o meu ser de rezingão converte-se em bem
disposto porque o infinito amor de Deus sobrepõe-se e muda. Podemos aplicar este
exemplo a todas as outras dimensões da vida. Deus que é amor infinito pode
transformar a minha chatice num momento de felicidade plena, basta que eu o entenda
assim e o converta porque o amor infinito quando é aceite, a tal resposta ativa, faz com
que se transforme a minha finitude e esta tende progressivamente a caminhar no sentido
da infinitude que é o próprio Deus.
Quando atingiremos isto na plenitude? quando tivermos fé, só no céu, mas é possível
irmos construindo o céu. É aquela tensão permanente que os teólogos chamam entre o já
e o ainda não. Mas podemos viver este já impregnado, emprenhado no ainda não que
nos espera.
O mais bonito de entendermos é esta proximidade do infinito com o finito, e isto é a
experiência religiosa, isto é o contacto com o transcendente, estamos a começar a
responder à pergunta inicial.
ALGUMAS PROPRIEDADES ESSENCIAIS DESTA EXPERIÊNCIA
RELIGIOSA:
Martin Velasco
Autor de espiritualidade, no livro “A experiência de Deus hoje na nossa vida” afirma
que a estrutura do ato de fé supõe e comporta todo um processo de experiências na qual
a pessoa através das suas mais distintas faculdades e nos seus momentos mais diversos
da sua vida experimenta o mundo vital e neste faz ou tem uma postura dialogal por meio
da qual a pessoa, o sujeito entra em contacto com Deus.
No fundo foi o que dissemos até aqui, todo o mistério do homem entra em contacto com
Deus que se lhe dá todo e totalmente.
Então, a perceção da própria relação com o mundo, com os homens, consigo mesmo e
com Deus,
Esta perceção faz-nos fazer a experiência religiosa equilibrada.
Nós fazemos uma experiência de Deus verdadeira quando temos a perceção correta
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18. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
(como vimos até aqui), a nossa própria relação com o mundo, com os outros (ninguém
vive sozinho), consigo mesmo e com Deus e Deus revela-se nestas mediações todas.
Outra perceção é a participação de cada um de nós neste evento que é esta relação com
Deus porque podemos fazer a experiência religiosa também a partir da experiência dos
outros mas isso é sempre uma experiência fraca, não purificante porque não parte em 1º
lugar da nossa própria pessoa.
Depois, uma tomada de consciência subjetiva desta distancia objetiva entre o homem e
Deus mas que nos permite entrar em comunhão aceitando a iniciativa de Deus que vem
ao nosso encontro e a que chamamos conversão, no grego metanoia que é o processo de
conversão permanente e que leva às mudanças na nossa vida, como S. Paulo mudou,
perseguia-os e depois amava-os.
Esta tomada de consciência faz-se sempre acompanhada de uma interpretação, aqui está
a nossa humanidade, e esta interpretação faz com que nós façamos uma decifração
inteligente, tal processo de discernimento que é entendido nesta perspetiva como uma
reflexão permanente.
Quando nós nos questionamos permanentemente. Por isso é que Deus quando toma a
iniciativa e nós a acolhemos ativamente não ficamos iguais, ficamos inquietos
interiormente, quando Deus não nos inquieta então não fazemos o acolhimento da sua
iniciativa.
Podemos então agora elencar algumas caraterísticas desta perceção, experiência
religiosa, que depois explicaremos:
a passividade e a atividade
o ato de liberdade pessoal
a componente comunitária
o dinamismo interior da própria experiência
todas as condicionantes como a afetividade, a cultura (uma coisa é eu viver a fé
aqui outra é vive-la em África, mas é o mesmo Deus), a cultura especifica, a
microcultura, como nós vivemos diferentemente a fé
Depois vamos falar da experiência tendo como fonte os vários significados e dimensão
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19. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
católica e também para contrapor devemos ver algumas ambiguidades desta própria
experiência religiosa.
Depois iremos falar das componentes intelectuais, a intelectualidade da verdade, a
criação do querer a criação volitiva, aquilo que nós queremos, a dimensão afetiva, a
dimensão ativa e a própria dimensão do transcendente.
Para terminarmos esta matéria iremos falar da experiência religiosa na Sagrada
Escritura e depois traduzir tudo isto em Cristo.
Ver como Cristo é isto tudo e que Cristo. E qual é o Cristo que nós amamos… É o
ressuscitado? Como ele se nos dá, sempre como ressuscitado… não o entendemos
sempre como ressuscitado.
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20. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
Aula 4
IDEP
06/04/2013
As propriedades essenciais da Experiência Religiosa:
Como a Sagrada Escritura aborda esta temática e depois vamos falar de alguns preâmbulos existenciais da experiência em Deus, e
depois vamos começar a falar doutra matéria:
O problema do nosso cristianismo é querermos ter uma vivência da fé adulta mas
estando nós iniciados, tendo nós uma fé de crianças, depois queremos ter uma fé vivida
adultamente mas sem a base que nos permita entender tudo aquilo que estamos a ouvir,
a base que suporte a fé, precisamos de ter um suporte de fé que nos permita vivenciar
tudo aquilo que acreditamos de uma maneira esclarecida e integral, porque se não é
esclarecida não conseguimos integrar e se não conseguimos integrar tornamo-nos
fanáticos ou alienados, somos gente que vive num mundo que não é o real e quer viver
num mundo que não é o real, Deus não nos criou anjos, criou-nos pessoas com muitos
problemas.
Por que somos e temos defeitos é que devemos viver assim este Deus em que
acreditamos e não num mundo de fantasia.
Falamos da experiência da relação com o mundo, com nós próprios, com os outros.
Outra das propriedades é a participação de nós próprios na primeira pessoa no tal
evento religioso que é a nossa experiência de Deus, que é singular, que não é de mais
ninguém.
Outra propriedade essencial: tomada de consciência subjetiva daquela distância que
nos separa do amor de Deus e permite a comunhão e que leva à conversão do interior
do nosso coração, porque se não tivermos um coração convertido não podemos
acreditar, para que a conversão seja permanente (não é automática, não há um
interruptor que liga e desliga).
Há movimentos dentro da nossa Igreja que permitem um despertar na nossa conversão –
chamados de movimentos de conversão acelerada – mas permitem só um despertar
porque depois a conversão é permanente.
Ex: os cursos de cristandade. É um movimento importante para o despertar da fé, para o
1º anúncio. Mas pode ficar truncada a experiência de Deus que fazemos, é preciso dar
continuidade porque senão fica pior depois. É importante darmos conta que fica
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21. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
truncado tudo o resto, é uma falha. Temos de ter cuidado mesmo com os movimentos da
nossa Madre Igreja porque, às vezes, tornamo-nos bastardos porque não nos queremos
assumir com inteireza e integralmente como filhos na experiência da fé.
Existe sempre uma atividade e passividade, quem toma a iniciativa é sempre Deus.
Nós somos sujeitos passivos que nos convertamos em sujeitos ativos depois de
assumirmos o dom de Deus que nos é dado, ele é que vem ao nosso encontro. Ex: pai
pródigo vai ter com o filho, não espera que este chegue. Deus é assim, permite-nos o
despertar da fé, a consciência religiosa e por mais maus que sejamos o seu amor por nós
é superior e mal nos vê ao longe, isto é, mal vê esta vontade em nós de querer estar com
ele, de querer este diálogo profundo, singular que é precondicionado, esta vontade no
nosso coração por pequenina que seja, vai ao nosso encontro, não espera que nós
chegamos, antecipa-se. Fez assim Deus connosco.
Deus teve um gesto de caridade para connosco ao criar-nos, não nos criou por pena,
Deus criou-nos por amor, caridade é amor, Deus amou-nos até ao limite criando-nos e
nós só temos de corresponder a este amor, e este amor tornou-se pleno quando ele
próprio decidiu assumir a nossa humanidade e elevou a nossa condição a uma dignidade
tal que se permitiu dar-nos o seu próprio filho. Deus não precisa nada disto, quis ser
como nós para que a nossa condição assumisse um relevo divino.
Temos um salmo que diz “Deus criou-nos divinizando-nos”.
A experiência religiosa só o é verdadeiramente quando é uma experiência religiosa
feita através de um ato completamente livre, em liberdade.
Funda-se num ato de liberdade e estabelece a relação de carácter afetivo com o sujeito,
por isso é que nós quando nos relacionamos com alguém a afetividade entra como um
fator determinante, também é com o nosso Deus assim.
Por isso, quando temos relações frias uns com os outros não vamos longe, se temos
relações frias com o nosso Deus não vamos longe.
Então, a liberdade juntamente com o afeto que pomos na nossa relação com Deus é
uma das propriedades essenciais da experiência religiosa.
Outra propriedade essencial é a dimensão ou componente comunitária, de pertença a
uma grande família.
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22. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
A experiência só se faz tendo em conta a comunidade, por isso é que somos Igreja,
eclesia ou paróquia. Quer dizer que nós só vivemos a fé verdadeiramente se nos
sentirmos uma grande família.
Daí que a fé para ser esclarecida, vivida de forma esclarecida, tem de ser uma fé que
tenha em conta os outros, senão o que fazemos da palavra fraternidade, somos irmãos
porque filhos do mesmo pai, somos filhos no filho, irmanados em Cristo. Como posso
ficar indiferente com um irmão meu na China que está a sofrer e depois transportamonos para dentro de casa, para a família.
A dimensão religiosa só faz sentido e só é vivida de uma forma esclarecida quando
temos em conta a dimensão comunitária, somos Igreja quando somos irmãos, e aqui
entra aquilo a que chamo o dinamismo da reciprocidade do amor. Só faz sentido se nos
implicarmos, se vivermos a fé com esta dimensão comunitária, se eu entendo a fé desta
forma pendo em 1º lugar no outro.
Se entendo a fé como Jesus Cristo me ensina a viver o amor a melhor maneira que tenho
de amar a Maria é que a Maria goste de mim, não fico prejudicado por gostar em 1º
lugar dela porque se ela tem o mesmo entendimento da fé também pensa em 1º lugar em
mim e todos ficamos a ganhar, ninguém perde.
A dimensão da reciprocidade do amor “em Cristo, por Cristo e com Cristo”.
Ex: Transfiguração de Jesus que antecipou o que será a escatologia final, a paresia, para
anunciar a nova lei do amor que não escraviza.
A componente comunitária é essencial para a nossa experiência religiosa, a nossa
espiritualidade ser esclarecida. Jesus Cristo nas suas revelações chamadas teofanias
(teofania é um acontecimento de Deus).
Quando temos Deus no nosso coração, quando estamos entusiasmados (entusiasmados
significa cheios de Deus) não nos lembramos em 1º lugar de nós mas dos outros. O
egoísmo na fé, na nossa religião não tem sentido, é uma cruz por cima. Contudo, somos
mais egoístas do que irmãos, o pecado, e até para isso Deus nos dá a solução:
arrependei-vos, mudai de vida, convertei o coração. Deus sabe que somos egoístas, que
erramos mas também podemos não ser, deu-nos alternativa mas simultaneamente
também deu a capacidade de superar o pecado.
As tentações de Jesus … permitiu-se ser tentado … Jesus jejuou 40 dias e 40 noites.
O espírito do mal vem ao nosso encontro, que ele existe, sempre através da nossa maior
fragilidade e por isso Deus nos previne para estarmos atentos. Em 1º lugar devemos
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23. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
conhecer-nos a nós próprios, para sermos prudentes, para percebermos onde está a nossa
maior fragilidade, a ponto de superarmos a tentação. Deus não permite que sejamos
tentados acima das nossas forças. Diz: conta com isto e desta forma. É totalmente
transparente e leal, não nos esconde o jogo. E assim é que dá gozo viver na fé, com um
Deus que não nos mente, senão não era Deus.
Para a experiência religiosa é essencial percebermos esta componente comunitária.
A experiência é dinamismo por natureza, é dinâmica por natureza, o homem faz a
experiência.
Esta experiência de Deus entende-a como um ato de busca ao mesmo tempo que a
entende como um ato que é um dom de Deus. É Deus que nos dá o dom, é um
pleonasmo, Deus oferecesse-nos e nós só temos que o acolher. Este Deus que nós
possuímos nunca o possuímos, lembrai-vos do conceito de mistério. Por mais que nós
possuamos Deus, por mais que a nossa experiência de Deus seja forte, pode ser sempre
muito mais, ir mais longe, porque Deus não se esgota.
E a este processo de proximidade a Deus chamamos no nosso vocabulário cristão
santidade.
Andamos aqui para sermos santos e não beatos, estes são hipócritas, pensam uma coisa,
dizem outra e fazem outra.
Santos são o contrário, fazem uma experiência de Deus que é coerente, que sabe
integrar, que custa permanentemente, processo permanente e contínuo de conversão,
progressivo e gradativo, consciente que nunca o atingirá, mas pode sempre ser mais,
pode estar sempre mais perto, conscientes que nunca o esgotaremos, senão não era
Deus.
Beato se fosse entendido à letra significa feliz. Felicidade é o que nos motiva e move,
seremos tanto mais santos quanto mais felizes. Mas, distorceu-se o conceito.
Esta experiência religiosa que nós fazemos é sempre uma experiência pré-condicionada,
como e porquê?
É uma experiência de interação de vários movimentos interiores, aqui entra a dimensão
psicológica da fé, porque todos somos diferentes uns dos outros, a nossa singularidade
que é o que nos distingue como pessoas leva a que nós façamos experiências religiosas
de fé diferenciadas e singulares.
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24. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
O homem é um ser singular, e aqui entra a dimensão espiritual, a espiritualidade
aplicada à pessoa, ao indivíduo, a cada um de nós,
o que é a nossa alma?
É aquilo que nós somos e mais ninguém é por nós, é a nossa singularidade.
Quando deixarmos de peregrinar por esta terra a carcaça que suportou a nossa alma
desfaz-se, pela nossa fé mantém-se a nossa singularidade, no vocabulário cristão
chamamos alma.
Jesus apareceu aos 11: aparece com o objetivo de os confirmar na fé, aparece com um
corpo glorioso, com a sua singularidade visibilizada. Maria Madalena não o reconheceu,
só a voz. Mas, Jesus permite que entrem os 5 sentidos na experiência religiosa que
fazemos. Quando estivermos na paresia, a viver a escatologia final, quando formos
todos em Cristo, por Cristo e com Cristo, é a nossa singularidade que vai viver, Jesus
vai fazendo com que a nossa experiência religiosa se clarifique.
A dimensão da espiritualidade é tão profunda que nunca chegaremos ao entendimento
do total destas coisas, por isso é mistério.
Quando formos tudo em Cristo com a nossa singularidade, com que corpo é que
viveríamos na paresia? O de criança? A nossa singularidade é que não muda, o nosso
corpo muda, não sabemos com que corpo, será com um corpo glorioso … não sabemos.
Porque o próprio Senhor aparecia e não o reconheciam, reconheceram a voz porque o
permitiu, com o partir do pão que era sacramento, entre outras manifestações.
Hoje o Senhor continua a manifestar-se … pode ser num filme … é a experiência que
fazemos dele que depois nos leva à vida conformada com a proposta de amor e
felicidade que nos vai fazendo. Pode manifestar-se com uma palavra que ouvimos, um
livro que lemos, com um acontecimento marcante nas nossas vidas.
Jesus continua a manifestar-se assim nós tenha-mos o discernimento para o
reconhecer.
Aqui também entra a perspetiva dos discípulos de Emaús.
Qual é a diferença entre Cristo e Jesus?
Cristo é o ressuscitado, a vida em plenitude.
Jesus foi aquele que possibilitou o ressuscitado, a ressurreição, a vida em plenitude.
Jesus Cristo depois de ressuscitado, hoje em dia não se podem dissociar. É a nossa
singularidade na singularidade de Jesus transformado em Cristo recapitulado, como se
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25. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
diz teologicamente. É esta dimensão que nos falta entender para vivermos a nossa fé de
forma esclarecida e equilibrada.
Só foi possível haver ressurreição porque houve cruz. Às vezes, nós temos uma fé cega
porque queremos um Cristo sem cruz. Temos um conjunto de propostas que nos ajudam
a crescer na fé, propostas que Jesus nos fez no Evangelho e a que a Igreja dá seguimento
através de aplicações práticas à nossa vida, que são exigentes.
A nossa vida de fé é exigente, nós só queremos um Cristo ressuscitado e esquecemos
que para haver ressurreição é preciso haver cruz, Jesus precisou de morrer para
ressuscitar, quando só queremos as coisas menos exigentes que o Evangelho nos propõe
e a Igreja vai aplicando à nossa vida, quando queremos tudo? Quando temos capacidade
de ser gente capaz de integrar na cruz a ressurreição?
EX: amor conjugal
Finalmente encontrei a pessoa que sou capaz e desejo fazer feliz (e não a pessoa capaz
de me fazer feliz), este amor não acaba porque o assento tónico está em nós. Se tenho a
capacidade de fazer o outro feliz, de quotidianamente me esforçar, o amor não acaba
porque a responsabilidade está em cada um que tem o objetivo de fazer o outro feliz
diariamente, aqui é que reside o segredo, João tem de amar a sua Maria com os defeitos
que tem também, amar os defeitos do outro é que é difícil e é este amor quotidiano que
é preciso renovar continuamente um pelo outro, que implica e dá origem ao sucesso da
relação, é a cruz, esforço constante.
O que é importante é perceber a dimensão da cruz para nos levar à ressurreição, não
conseguimos sempre porque não somos anjos, para isso existe a conversão do coração,
o pedir perdão, o aceitar o perdão.
Tão importante como pedir o perdão é aceitar o perdão. O João foi humano e não
resistiu à Joana, pediu perdão, reconheceu o erro, a sua humanidade cedeu, e a Maria
aceitou o perdão.
Como é difícil a vivência da nossa fé mas ao mesmo tempo é bonita porque nos dá
felicidade, o que está em causa é a felicidade.
Se descobrirmos Cristo é importante e é quase impossível desprendermo-nos dele. Só
que tem uma abordagem epidérmica de Cristo é que o abandona, porque quem conhece
Jesus Cristo, quem se apaixona pela pessoa de Jesus Cristo, o conhece, vê a
profundidade da sua proposta de felicidade que nos faz, é impossível deixá-lo para trás,
podemos andar mais para trás, para o lado, mas não o largamos porque ele não nos
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26. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
deixa ser infelizes, é tão exigente e chato mas ama-nos e o amor dele supera todas as
dificuldades porque nos faz felizes.
A experiência religiosa, a experiência de Deus, integra hierarquicamente os aspetos
mais importantes da nossa pessoa humana: a sua componente intelectual, volitiva
(seu querer), afetiva, ativa, comunitária e depois transcende a própria pessoa.
A nossa componente afetiva é a que nos dá mais problemas. Eu só faço uma experiência
equilibrada de Deus se a minha componente afetiva for também equilibrada como
pessoa. A dimensão afetiva é importantíssima, aqui entram os cinco sentidos. Ex:
sentirmo-nos bem naquele espaço, com aquele cheiro.
A importância dos nossos cinco sentidos na nossa pessoa, na nossa relação com o
transcendente. A nossa relação com Deus está marcada e é influenciada
determinantemente pelos nossos sentidos todos. Esta dimensão é muito importante.
A experiência é este mistério que transcende o homem e nos leva a tocar o
transcendente que vem ao nosso encontro e a nossa fé simplesmente acolheu, eu
experimento, faço a experiência ativa da presença de Deus através da sua eficácia em
mim.
Deus produz em mim um efeito e toda a experiência religiosa é uma experiência
mediatizada através de símbolos, que são os sacramentos e há os símbolos que sem
serem sacramentos mediatizam a experiência de Deus em nós, isto é, não vou
diretamente, Deus não vai diretamente falar-me.
As pessoas que dizem ter visões, são alienadas muitos deles, não têm integrada a sua
própria pessoa em todas as suas dimensões.
A experiência religiosa é sempre mediada e compete-nos a nós fazer o discernimento
das mediações. Só os místicos têm a graça de ter uma experiência direta com o Senhor.
Deus não é uma experiência que se faça face a face, como fez Moisés, mas é uma
experiência por meio de sinais.
A experiência religiosa é exatamente a consciência desta relação que se estabelece
entre Deus e o homem, em pensamentos e atitudes, em sentimentos, e tudo isto são
mediações que nos levam a fazer a experiência de Deus.
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27. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Deus vem entendido como uma espécie de raio de luz que nos remete para a fonte,
voltamos sempre à fonte que é ele, é ele que nos criou, é ele que nos ama. Neste sentido
a experiência que fazemos de Deus supera a própria experiência de o alcançarmos
porque nos damos conta que é uma realidade desconcertante, sempre nova, Ele vai
sempre mais além do que aquilo que estamos a querer viver, porque Deus, numa
palavra, é sempre O totalmente outro, totalmente e outro, porque ele se nos dá sempre
todo e nunca às prestações, é sempre novo, por isso é que é uma experiência de Deus
em nós.
RESUMINDO
As propriedades essenciais da Experiência Religiosa:
a passividade e a atividade;
o ato de liberdade pessoal; a experiência religiosa só o é verdadeiramente
quando é feita através de um ato de liberdade e estabelecer a relação de carater
afetivo com um sujeito. A liberdade mais afeto que pomos na nossa relação com
Deus.
a componente comunitária; de pertença a uma grande família (Igreja, Eclesia,
Paróquia). A fé para ser vivida tem que ser em comunidade, quando somos
Igreja, quando somos irmãos. Dinamismo de reciprocidade do amor: Em Cristo,
com Cristo e por Cristo. Para pensar em mim em primeiro lugar tenho de pensar
no outro.
o dinamismo interior da própria experiência; a experiência religiosa é dinâmica
por natureza, é um ato de busca, um dom de Deus, Deus oferece-Se-nos, só
temos de o acolher.
A experiência religiosa é pré-condicionada, da interação de vários movimentos.
As condicionantes como a afetividade, a cultura (uma coisa é eu viver a fé aqui
outra é vive-la em África, mas é o mesmo Deus), a cultura específica, a
microcultura, como nós vivemos diferentemente a fé.
A singularidade (experiências religiosas singulares).
Integra hierarquicamente os aspetos mais importantes da pessoa: componente
intelectual; volitiva (o nosso querer); afetiva (os cinco sentidos, ex: Maria
Madalena conheceu Cristo pela voz), ativa, comunitária, transcende a própria
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29. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
Aula 5
IDEP
13/04/2013
Vamos falar sobre a experiência religiosa na Sagrada Escritura e depois falaremos sobre os preâmbulos da
existência da experiência de Deus e, por último, breve conclusão, síntese de tudo o que tratamos: como
experimentar Deus hoje nas nossas vidas e concluiremos a 1ª parte da matéria.
Experiência religiosa na Bíblia
Tudo o que vai ser falado resume-se a: Deus que toma conta do homem, não é o homem
que procura Deus, mas é Deus que toma conta do homem e o homem vai-se dando
conta que Deus toma conta dele e depois acolhe-o, procurando-o, muitas vezes, outras
vezes nem se dá conta que Deus está a tomar conta dele e quando descobre é uma
maravilha.
Vamos ver como isto sempre aconteceu desde o princípio na Sagrada Escritura. Mesmo
quando a Sagrada Escritura se tratou de plasmar através do hagiógrafo - que é aquele
que escreve a palavra de Deus inspirado – etiologias – que são histórias narrativas
construídas pelo homem para transmitir uma mensagem de Deus.
O que temos na Sagrada Escritura de histórico é, basicamente, o que começa com a
história dos patriarcas de Abraão para a frente, mas tudo o resto é construído a partir da
forte experiência do Êxodo, a 1ª grande experiência do povo de Deus como povo de
Deus. E a partir desta grande experiência de libertação que sentiram na pele resolveram
escrever tudo o que estava para trás atribuindo-o a esse Deus que experimentaram na
pele, toda a criação.
A experiência religiosa na Bíblia não é tanto uma experiência do povo sobre Deus mas
sobretudo uma experiência de Deus, é diferente.
É uma experiência de Deus, que o povo faz de Deus, plasmada numa história concreta
de um povo que é o eleito de Israel.
De facto, no princípio existe uma experiência criadora de Deus que passa pela busca da
experiência do homem, a autorrevelação de Deus está sempre presente.
Êxodo 22 (facultativo: ler para TPC) “Eu sou o teu Deus”
Carta de João 8,58 “Antes que Abraão fosse Eu sou”
Leitura espiritual da palavra de Deus “Eu sou”. Como é que Deus se revela a Moisés
quando este lhe pergunta que devo dizer “Quem és?”, resposta: “Eu sou Aquele que
sou”. Está aqui plasmada a omnipotência de Deus projetada no horizonte de eternidade
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30. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
que mais tarde Jesus Cristo a plenitude nos veio revelar, ou seja, o nosso Deus não era
nem será é e é este conceito de eternidade que é presença permanente, quotidiana, na
vida do homem, que nós temos de assumir, porque se não partirmos daqui tudo o resto
fica sem conteúdo, fica vazio.
Então, o nosso Deus é e porque é é eterno e este conceito de eternidade vai para além do
conceito cronológico, não se confunde nem se identifica com espaço e com tempo mas
sim com plenitude. O nosso Deus é, não foi nem será, e é porque é foi e será.
O nosso Deus é e ele revela-se assim “Eu sou porque Eu sou”.
Tudo isto é a base da experiência religiosa na Bíblia a partir da qual vamos trabalhar.
Papa João XXIII e Papa João Paulo I “Deus na sua materna misericórdia toma conta do
homem”
(também é mãe)
Cf Isaías 49, 14, 16
É sempre necessário recordar que antes que o homem busque Deus para o encontrar é
Deus que em 1º lugar toma conta do homem, desde a experiência que já falamos (pai
pródigo) o texto sagrado continuamente emerge o primado desta autorrevelação divina,
desta busca humana, e então daqui inferimos que a graça de Deus é uma iniciativa de
Deus e não do homem.
O que é então viver na graça?
É vivermos em plena comunhão com Deus, ou seja, correspondermos à iniciativa de
Deus em nosso favor, quando nós não estamos em comunhão com ele estamos em
pecado, que é o dizer não a Deus, ao seu plano de felicidade, à sua iniciativa de nos
tornar felizes.
Então, quando não estamos na graça de Deus, somos uns desgraçados, não
correspondemos à iniciativa de Deus, ao seu plano para sermos felizes, posso dizer não
e quando digo não estou a dizer não à felicidade que Deus me propõe, estou a fazer
rutura com ele, dizer não à graça.
Então, antes ainda que o homem procure Deus já Deus está à porta do seu coração
para poder entrar.
Apocalipse 3, 20 “Eis que Eu estou à porta e bato, se algum de vós escuta a minha voz e
me abre a porta Eu virei a ele, cearei com ele e ele comigo”.
A imagem da ceia, da comida, Deus dá-se-nos como alimento, fica connosco. Ganha
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31. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
tudo sentido, filho pródigo, última ceia, discípulos de Emaús. Cordeiro, entrar, bater à
porta, ficar, estar, ser “Sou aquele que sou”, tudo ganha sentido. Ajuda a compreender
tudo este conjunto de relações que estão entrelaçadas: espiritualidade tem a ver com
todos estes fatores que devidamente integrados, que é a palavra chave, nos dão uma
ideia lógica, nos remete tanto quanto possível para a eternidade.
João Batista “Eis o cordeiro de Deus”
Em hebraico cordeiro significa cordeiro que vai para o matadouro sem berrar;
Filho “Eis o filho de Deus” na autorrevelação que nos é dada a plenitude que se
faz humanidade;
Servo “Eis o servo de Deus”, serviço;
Pão “Eis o pão de Deus”, é aquele que é o alimento que nos fortalece para a
vida, que não é o alimento biológico mas que é a plenitude.
Outra experiência: a de Paulo, foi conquistado por Deus, era um doutor da lei, sabia a
lei e foi conquistado por Deus, só uma experiência muito forte de Deus o levaria a
deixar a lei e entender a lei como lei nova, e lei do amor. Este que era um doutor da lei
teve necessidade de refazer todos os seus esquemas mentais e retirou-se 3 anos para a
Arábia para fazer retiro e só depois se julgou capaz de anunciar aquele Cristo do qual
tinha feito uma experiência forte. Foi conquistado por Jesus Cristo, a diferença entre
Jesus e Cristo, este homem nunca conheceu Jesus, foi conquistado por Cristo, fez uma
experiência fortíssima de Cristo.
Filipenses 3, 12
“Quando estava longe de Jesus Cristo ele confirmou a verdade que é Jesus Cristo”
A intervenção de Deus na história do homem nasce por isso desta experiência religiosa
que nos é transportada, vivida através da Sagrada Escritura e que põe sempre em relevo
o predomínio da iniciativa de Deus, o que em linguagem teológica se chama
autorrevelação.
Sobre a nossa busca do transcendente, do totalmente outro, desse mistério, que não é
algo do qual não se sabe nada mas do qual se sabe alguma coisa mas nunca se saberá
tudo e nos impele numa busca permanente e a este processo de busca permanente
chamamos processo de santificação, de aproximação a Deus que é a santidade. Então,
percebemos que nós somos tomados por Deus.
Marcos 4, 26, 29
31
32. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
É uma espécie de semente pequenina que Deus lança na terra que é o nosso coração,
como qualquer agricultor vai cuidando para que se desenvolva, cresça e produza
abundância.
A 1ª epifania de Deus. A epifania é uma manifestação.
A 1ª manifestação de Deus revela como único protagonista de toda a criação o próprio
Deus na história do homem e assinala-o com um gesto concreto, o filho de Jesus Cristo.
Daqui que o 1º credo de Israel será a confissão do omnipotente Javé que libertou o seu
povo da escravidão do Egipto e que mais tarde tudo vai concorrer para Jesus Cristo.
Se nós pegarmos em todas as pontas, desde o Êxodo à Anunciação de Maria, veremos
que tudo concorre para aí e aos poucos vamos descobrindo esta iniciativa de Deus junto
do homem, para o levar ao homem com H maiúsculo, que é o filho do homem Jesus
Cristo, veio daqui, nasce.
Cf. Êxodo 22
História da libertação, a profissão de fé por parte de Israel.
Vai articular-se sobre 3 atos salvíficos de Yavé:
A vocação dos patriarcas desde Abraão;
A libertação do Êxodo;
O dom da terra prometida.
É interessantíssimo vermos a partir daqui a graça de Deus e a nossa debilidade.
Ex: depois cada um fará os seus confrontos interiores para crescer na fé e ajuda a
entender esta matéria. A quem é que Deus confiou a libertação do povo? Moisés. Quem
introduziu o povo na terra prometida? Josué. Moisés não porque duvidou, bateu na
rocha 2 vezes e não uma vez como Deus lhe tinha dito.
Conceitos
Dúvida – é o que nós temos permanentemente, o nosso pecado, a nossa
desgraça, o nosso afastamento de deus. Moisés esteve próximo de Deus, aquele
a quem foi pedido que descalçasse as sandálias porque o terreno que pisava era
sagrado.
Deserto.
Rocha – sobre quem é que Jesus fundou a sua Igreja, Pedro, rocha, firmeza de
alma.
Água – vida, fonte da vida, graça, Deus quis dar a vida em abundância.
32
33. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
*****
Os 3 atos referidos anteriormente:
Dt 26, 5-9
Gn 24, 1-13
Deus como nos criou seres livres respeita a nossa liberdade. Quando fizermos aquilo
para que Deus nos destinou consideramo-nos seres inúteis porque não fazemos mais do
que aquilo a que estamos obrigados.
Este acreditar do povo de Israel, este credo, é cantado no Salmo 136 (ler).
Artífice
Kerigma – o anúncio cristão, não faz mais do que proclamar esta epifania que é Cristo.
Cristo é a grande epifania de Deus na História do Homem.
S. Marcos abre o seu Evangelho
Mc 1, 1, 15
Lc 11, 20 “O reino de Deus está próximo e presente no coração de cada homem”.
Proximidade de Deus
Fé já anunciada e começada a viver
1 Cor 15, 3-5
Salienta-se a dimensão histórica da morte de Cristo, para a escatologia da ressurreição.
Escatologia – dimensão outra em que todos sabemos tudo em Cristo.
Também S. Pedro – no anúncio que faz volta-se para a mesma realidade noutro
contexto, os pagãos.
O que Jesus curava em cada coração é através do espírito ressuscitado.
A experiência religiosa na Bíblia é uma grande epifania, na história humana.
O Deus da história do homem revelasse-nos através dos factos mais simples da nossa
existência e temos de pedir a Deus
Ex: Deus caminha com os discípulos de Emaús que não o reconheceram, às vezes é a
palavra de um amigo, é ele a revelar-se-nos, ele manifesta-se-nos multiplicado e nós
andamos distraídos.
Quando estamos sem pecado estamos ligados a ele em graça.
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34. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Deus revela-se-nos todo, a todos e totalmente.
É este evento, esta busca
Traduz-se na busca/encontro com Deus, nesta consciência de que a palavra se fez carne
A meta última desta comunhão
Esta comunhão entre o homem e Deus que dá sentido ao nosso sentir, à nossa caridade.
Esta caridade se não tiver esta ligação a Deus é existencialismo.
Fé sem obras é morte.
Arder o coração – presença efetiva de Deus no nosso coração.
Madre Teresa: nunca saíam para os pobres, caridade, sem estarem primeiro duas horas
perante o Santíssimo.
Preâmbulos existenciais da existência de Deus
“Escuta Israel”
Nós somos os da palavra … adaptada a cada necessidade de escutar Deus que nos fala.
Precisamos de entender Deus como um mistério que entra no nosso coração.
Este mundo, Deus é superior a nós próprios que estamos na presença de Deus e temos
de ter a generosidade de nos colocarmos á disposição de Deus
Rm 10, 8
Actos dos Apóstolos ???
Não se revela aos homens em alguns olhares. Deus não se manifesta no:
Olhar disperso, distraído, na pessoa perdida, esquecida de si mesma.
Olhar anónimo, o homem massificado.
Olhara superficial, capaz de não perceber a presença de Deus. Aqueles que se
contentam com o pouco das coisas e não o todo.
Olhar interessado.
Olhar dominador, manipulador, que faz e desfaz, no olhar que explora.
O encontro de Deus supõe uma existência que caminha para o íntimo da pessoa.
Da multiplicidade à unificação só assim entenderemos Deus, quando temos um olhar
anónimo não chegamos lá.
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35. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
O Senhor individualiza a sua presença, Deus revela-se aos homens.
Exige-se que estamos predispostos a entendermo-nos como indivíduo e não como
massa.
Os homens contentam-se com o pouco das coisas, movidos só pela utilidade que
desfruta simplesmente.
S. João da Cruz
… o como para chegar á contemplação … a sua pobreza, o seu desprendimento …
… que explora … Deus não se nos revela, não fazemos a experiência de Deus aí
A Experiência religiosa é feita no interior, que se enriquece, que é plenitude
COMO EXPERIMENTAR DEUS HOJE, FAZER ESTA EXPERIÊNCIA DE DEUS?
Buscarmos
caminho da procura
a felicidade, o amor, a plenitude
de não finito, até encontrar o infinito que é Deus
alcança completamente o infinito
e quando o julgamos atingido fica infinito
busca permanente, insaciável
encontramos Deus quando nos encontramos a nós próprios
o encontro consigo próprio, Deus está perto de nós … a experiência de alteridade, do
outro …descobrir Deus nos outros, Deus está no outro mesmo desfigurado …
É difícil entender mas ele é amor e o amor é vida
a experiência do universo, dimensão cosmológica universal.
o homem encontra no meio do universo
sentimo-nos fascinados
S. Tomás de Loyola
dimensão … Deus também se nos manifesta na experiência reveladora da palavra
Deus está presente na sua palavra, Sagrada Escritura, e nos Sacramentos
e experimentamos Deus
no serviço e depois de o encontrarmos somos servos
experiência de encontro de Deus hoje
experiência de ausência de Deus
Sta Teresa
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36. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
“o deserto”, “a noite escura”
Vimos a espiritualidade em termos gerais.
Agora, qual a especificidade da espiritualidade católica?
refere-se a Jesus
o crente cristão quando se dá conta da sua fé sabe Deus
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37. IDEP
INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
Aula 6
27/04/2013
Falamos da especificidade da experiência cristã, religiosa, da espiritualidade.
Alguns dos termos que nos ajudam a compreender a experiência religiosa que fazemos, um dos quais é:
O TEMOR DE DEUS
Não é ter medo de Deus. Vamos ver como se realiza, como se concretiza, qual a sua
base e conteúdo.
A especificidade desta nossa experiência, tudo se resume e vai dar ao mesmo, a ideia é
sempre a mesma: é Deus que vai ao encontro do homem, é o amor de Deus pelo homem
que realiza tudo isto e depois cada um de nós, seres únicos e irrepetíveis realizam essa
experiência, esse encontro de Deus à sua maneira e é este à sua maneira que nós temos
estado a tentar balizar para não sairmos do caminho, meta que nos conduz a Deus.
E Deus é mistério, constante e permanente revelação que se nos dá continuamente sem
medida, e vamos descobrindo pouco a pouco e, às vezes, com muita dificuldade.
Às vezes, temos tanta preocupação em buscar Deus que nos esqueçamos da nossa
humanidade e é esta que falha. E porque falha não o encontramos mas ele está lá e nós
temos dificuldade nisto, mas os místicos também (apesar de ter feito uma experiência de
Deus mais forte) duvidaram “ausência de Deus”, “a noite escura” Sta Teresa.
São experiências que nos devem levar a repensar a nossa humanidade, Deus vem de
facto ao nosso encontro, nós precisamos é de identifica-lo, reconhece-lo.
Antes de mais, é preciso sublinhar a fundamental referência a Jesus de Nazaré enquanto
que estruturalmente acontece um acontecimento decisivo da revelação.
É a verdade que se converte depois em normatividade. Toda esta verdade absoluta que é
Deus, temos necessidade de converte-la em normas, algumas regras. E quando as
convertemos em muitas regras e depois nos deixamos escravizar por elas é que
estragamos tudo.
O direito canónico é uma necessidade mas quando nós não entendemos o direito como
uma ajuda, como algo que é pastoral, e nos deixamos escravizar por ele estraga tudo. O
direito é importantíssimo mas para não banalizar. Mas, temos de espiritualizar o direito,
pastoralizar o direito. Entender o direito desta forma, não como algo que escraviza mas
como algo que nos liberta.
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38. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Ideia da ECLESIA SUPRA: a Igreja é maior que o nosso pecado, que o nosso coração,
supre.
EX: história dos casais que se recasaram. À base do direito canónico estão proibidos de
participar plenamente na vida da Igreja mas, em termos de vida espiritual, podem estar
muito ligados a Deus e estão proibidos por uma norma de participar plenamente. Têm
uma ligação a Deus baseada na verdade, o direito é importante mas para balizar, temos
de o espiritualizar e pastorizar, ver a lei como algo que nos liberta.
EX: Casal com 2 filhos na plenitude da vida conjugal decidiu que não pode ter mais
filhos e usa anticoncepcionais. Se são cristãos entram num dilema interior, a Igreja não
autoriza mas a vinda de outro filho vai pôr em causa um bem maior, a estabilidade
matrimonial. Devem ir ter com o director espiritual, cada caso é um caso, a Igreja é pela
vida e não pode aconselhar algo que limita a vida, mas está em causa um bem maior. A
Igreja ama a pessoa, Deus liberta, não escraviza.
Critica-se a Igreja injustamente, pode ser contra por uma questão de princípio, mas
aceitar, a Igreja ama a pessoa.
Temos uma visão redutora da instituição.
Partiu da normatividade e se a norma é radical impede que a nossa experiência de Deus
seja feita naturalmente.
Então, Jesus de Nazaré é imprescindível e intranscendível nesta comunhão com Deus, é
por Jesus com o Espírito Santo que entendemos a experiência que fazemos de Deus.
Jesus diz “Eu e o meu Pai somos um só” com o Espírito Santo como é óbvio.
Nós só podemos fazer uma experiência de Deus completo se entendermos que ele se
identifica completamente com o Pai pela força do Espírito Santo.
EX: Acidente
Homem sem fé – ajuda por filantropia e altruísmo
Homem com fé – faz a mesma coisa mas vê no outro um irmão, a garantia de estar a
ver Cristo que veio para o salvar e o prolongamento desta ação na eternidade.
Temos de nos deixar formar (tomar a forma) por este Cristo que é com o Pai um só pela
força do Espírito.
Esta referência ao outro trinitário é uma referência funcional, através da palavra da
Sagrada Escritura que lemos, através dos Sacramentos que celebramos.
Os Sacramentos são algo muito importante, são um sinal concreto da presença de
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39. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Deus.
A Igreja teve ao longo dos séculos múltiplas formas de divulgar e viver os sacramentos.
Na idade média eram milhares: beijar a mão do bispo, água benta.
Houve necessidade de não banalizar o sacramento como um ato concreto, específico,
mas um sinal de amor de Deus por nós.
Hoje são 7 – para simbolicamente referir a plenitude da vida desde o nascimento até à
morte natural.
7 é um número simbólico, significa a plenitude, é a junção do 4 e 3.
4 significa a universalidade presente nos pontos cardeais, nada fica de fora disto,
do universo todo;
3 porque entendemos pela nossa fé que a experiência de Deus que nós fazemos é
trinitária, nada é mais perfeito do que Deus.
Logo, a universalidade (4) mais a perfeição (3) dá a plenitude.
7 sacramentos através do quais Deus se manifesta por forma efetiva e particular na
vida de cada um, por isso é fundamental nós termos esta referência bíblica e
sacramental para termos uma referência orgânica fundamental da presença de Deus
nas nossas vidas, porque tudo isto são mediações, Deus não se nos revela directamente,
só os místicos, nós só temos mediações.
Existe ainda uma outra dimensão na nossa experiência religiosa, espiritualidade a ter em
conta:
DIMENSÃO ECLESIAL
Sermos Igreja.
Ninguém consegue viver a fé em plenitude sozinho. Os sociólogos dizem que ninguém
consegue viver sozinho. Temos este sentido de Igreja. EX: um irmão nosso a sofrer na
China é como se estivesse aqui porque é nossa família. Vivemos em Igreja.
Esta dimensão eclesial não a podemos dispensar na nossa experiência religiosa. Às
vezes não temos um entendimento correto da fé. Ex: “Eu cá tenho a minha fé”, isto não
é a fé da Igreja, ter a fé da Igreja implica ter a fé naquilo que ela tem de mais
gratificante e do que tem de mais exigente. Não queremos nem podemos ter só Cristo
ressuscitado, para ressuscitar teve de passar pela Cruz. Ou seja, a nossa fé só é
verdadeiramente fé se for a fé da Igreja. É uma hierarquia que é mistério de comunhão,
vivida de forma hierárquica. Por isso se enquadram aqui os dogmas, se acreditares nisto
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40. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
desta forma não corres o risco de pecares.
Pecado – tudo aquilo que nos desvia da graça, nos torna infelizes, nos deixarmos vencer
pela tentação, pelo mais fácil.
Temos a fé da Igreja e não a nossa fé porque esta desvirtua. Igreja é também cruz.
Nós temos de entender a vida da fé como uma vida da fé em Igreja, assumirmos os
sofrimentos dos outros e alegrarmo-nos com as alegrias dos outros.
Implica-nos na referência concreta a uma comunidade que nos ajude a viver.
É importante termos estas três dimensões da experiência religiosa:
BÍBLICA
SACRAMENTAL
ECLESIAL (comunitária)
Estes 3 estruturam hierarquicamente, ajudam-nos a encontrar caminhos concretos “Não
vos deixarei órfãos” disse o Senhor. Ter sempre como referência Jesus Cristo.
Âncora que nos segura mesmo quando nos sentimos a naufragar, é a comunidade que
nos suporta, somos irmãos, é a vida em Igreja, este acontecimento Cristo que é palavra
escrita traduzido em sacramento vivido em comunidade, é o lugar onde deve terminar a
nossa experiência religiosa, é o lugar onde autenticamente a palavra se interpreta, onde
o sacramento se recebe e sobretudo se vive.
A figura do crente cristão tem, trás consigo, uma interioridade e uma profundidade que
nos leva a estarmos unidos a Cristo e chamamos a isto COMUNHÃO (se estou sozinho
unido não comungo) – que é estarmos unidos a Cristo, que é comunhão, que em si é
família porque com o Pai, Filho e Espírito Santo (por isso não faz sentido não
comungar, estou ali a presenciar outra comunhão da qual aquela é símbolo) e
comunidade onde me insiro em intimidade com o Senhor. É esta ligação numa Igreja
que leva a descobrir a transparência real deste mistério profundamente, Cristo
ressuscitado, vivo.
A experiência espiritual cristã parte da experiência pascal de Cristo, que acontece na
existência concreta de cada vida de cada crente, isto implica viver pelo espírito desta
vida, tomar consciência que a própria relação filial com Deus só existe se tiver
mediação de Cristo porque senão não é a fé da Igreja. Significava viver espiritualmente
no abandono do espírito de Cristo discernindo qual a experiência que progressivamente
nos orienta mais para Ele, porque cada um de nós é um ser único e irrepetível.
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41. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
O acontecimento Jesus Cristo é a realidade que o crente cristão faz ou é chamado a
fazer, não simplesmente como informação.
LÊR livro da sabedoria
Deus é sabedoria, não é informação.
Deus é sabedoria que se traduz na vida concreta de cada dia, que vive e procura viver
segundo a referência fundamental ao Filho e no Filho que é Jesus Cristo, e esta
experiência transporta-a para a vida de cada batizado, ressuscitado que é o centro da
mensagem cristã. É este Deus que é revelado em Cristo que morreu e ressuscitou para
salvar cada homem. Se nós só nos entendemos a viver a fé de uma forma eclesial, Jesus
Cristo teria salvo a humanidade se cada um de nós fizesse sozinho parte da humanidade
(porque não somos massa), fosse de facto humanidade, para Ele não somos massa,
somos indivíduos com um nome concreto, com os nossos defeitos e virtudes, não nos
criou anjos, e é assim que nos faz uma proposta de felicidade e salvação, ama cada
homem como se existisse sozinho no mundo. Quando descobrimos este amor infinito
somos levados a vive-lo e a transporta-lo para todos aqueles que envolvem e fazem
parte da história das nossas vidas.
O cristão na sua experiência cristã, fundada sobre a fé, toma consciência que na sua
realidade imutável e finita existe, está uma semente eterna alimentada pela semente do
divino que está em si – que é o BATISMO. Deus criou no nosso coração uma semente
de eternidade que a nós compete fazer crescer e fortificar até à eternidade. É no
fortificar e crescer que está a nossa ação, porque o mais difícil já foi feito por ele, já
nos salvou. A nós compete não perder aquilo que Ele já nos ganhou. Mas, sendo fácil é
difícil porque vivemos num mundo cheio de dificuldades, mas é possível porque Deus
não nos pede nada que nós não possamos e, mais, não permite que sejamos tentados
acima das nossas forças.
É nesta experiência progressiva que o cristão tem e descobre o suporte da sua fé que é
um dom de Deus. A fé é um dom de Deus. Podemos ter racionalmente fé e faltar
descobrir Deus no nosso coração, nas nossas orações.
A experiência cristã é a experiência do conhecimento e desta consciência efetiva da
oferta que nos faz o Espírito Santo através de Cristo.
Trata-se de um conhecimento experiencial da realidade divina que vai para além da
consciência especulativa da verdade divina, ou seja, Deus é sempre muito mais do que
aquilo que nós possamos imaginar, quando chegamos a determinado ponto, o nosso
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42. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
objetivo, Deus transporta-se para outro ponto, é sempre mais, é sempre o totalmente
outro e sempre outro, por isso é sempre mistério desconcertante nas nossas vidas.
Conhecemo-lo mas temos a possibilidade de o conhecer sempre mais – a este processo
progressivo chama-se CAMINHO DA SANTIDADE.
Nunca chegaremos a ser santos?
Sim, mas temos vários graus de santidade, fomos santificados com o batismo, a semente
de Deus entrou no nosso coração, com fé vamos revelando, efetivando essa santidade,
compete-nos a nós fazer esse esforço. A experiência do espírito é também uma
experiência de fé. Todos os cristãos indistintamente são chamados a fazer esta
experiência de Deus, esta experiência de fé que tende para a plenitude da vida cristã
como antecipação da vida futura.
É aquilo a que os teólogos chamam a tensão permanente entre o já e o ainda não.
Nós tendemos para a santidade na expetativa da vida plena que nos está reservada, ainda
não a vivemos mas podemos vive-la já ainda que imperfeita. E é este processo contínuo
que nós temos de percorrer, esta tensão permanente entre o já e o ainda não.
ESCATOLOGIA – CÉU e INFERNO
Estas categorias não são lugares físicos, não vamos para o céu, vamos viver em céu.
São categorias espirituais, nós vivemos já em céu se vivermos na graça de Deus e se
continuarmos a viver a graça de Deus espiritualmente, então vivemos permanentemente
em Deus e ganha forma e consistência o que rezamos “Em Cristo, por Cristo e com
Cristo”.
Então, é este estado de espírito que depois se eterniza na nossa singularidade a que
chamamos alma que é viver em Deus, a que chamamos céu, em céu, não é no céu.
Inferno é viver num estado de sofrimento tal que nos vem da ausência de Deus. Se Deus
é a felicidade plena, a ausência da felicidade plena é a infelicidade plena. Não há dor
maior que ser infeliz, isso é infelicidade, viver em infelicidade é viver fora de Deus,
ausentes de Deus.
Conetou-se o inferno com a imagem das chamas por causa da lixeira de Jerusalém –
hades – onde se queimava continuamente o lixo, foi identificada biblicamente como o
lugar da ausência de Deus.
Deus sabe bem o que faz senão não era Deus.
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43. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Inferno – infelicidade plena, ausência de Deus, é a desgraça, é o contrário da felicidade
plena, não é um lugar físico, é um estado de espírito. Quando deixarmos de existir como
existimos agora, quando ressuscitarmos em Cristo teremos um corpo glorioso como o
do Senhor onde vamos estar com a nossa singularidade, somos únicos, o corpo é
carcaça. É viver sem Deus no coração.
Os 3 pastorinhos: como crianças que eram foram transportadas para um imaginário
físico que lhes permitiu entender ao nível do seu conhecimento o que é o sofrimento da
ausência de Deus.
Segundo os teólogos, temos a obrigação de transportar para a realidade da vida em
Igreja – Purgatório – é possível por isso acontecer pela força da nossa oração aplicado
por aqueles que estão noutra dimensão em purgatório (a fazer esta experiência de
proximidade com Deus) e da vontade de Deus. Purgatório é um estado de espírito em
que nós nos purificamos espiritualmente para atingir a felicidade.
Mas, é um estado de espírito, por isso celebramos pelos defuntos, porque somos Igreja e
eles são Igreja connosco, são Igreja purgante (junta à Igreja triunfante e Igreja
peregrina) e a comunhão dos santos e a nossa caridade. Aplico-a por alguém que está lá
e o Senhor aproveita o meu gesto de acordo com o seu beneplácito, só o Senhor sabe
como, mas eu é que não posso dispensar-me de o lembrar.
A experiência religiosa, experiência cristã coloca-se a partir da origem sobre um plano
de conhecer por amor e, enquanto tal, esta experimentação com base no que os teólogos
chamam a tensão entre o já e ainda não.
Quando a Sagrada Escritura fala de experiência religiosa indica um conhecimento
vivido, ou seja, concreto, unido à vida de amor que é o substrato de toda a vida mística,
esta vida mística sendo inata ao homem é uma consciência natural de Deus
transcendente que supera a ordem de pensar.
Deus é sempre mais.
Quem é Deus para ti?
É o totalmente outro, é aquele que eu persigo completamente todos os dias mas que
nunca atingirei porque Ele se me revela sempre diferente (esta resposta valia 20 valores).
É esta experiência vivida que eu persigo mas que tenho consciência que nunca atingirei
na sua plenitude, ninguém, é inato a nós mas está sempre para além de nós e é por este
motivo que S. Paulo fala de um conhecimento de amor. Ele amou Cristo que nos passa
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44. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
pela consciência, pelo conhecimento, em plenitude.
S. João da Cruz – experiência traduzida em palavras – “Conhece-se por amor no qual as
coisas não se conhecem mas se saboreiam porque não as conseguimos atingir pelo
intelecto.”
Só um místico pode dizer isto.
Deus é de tal foram inatingível que só o vamos saboreando aos poucos nas pequenas
coisas do dia a dia e é por isso que Ele é fantástico.
Expressão que nos ensina a perceber um pouco mais este Deus, esta experiência
religiosa:
TEMOR DE DEUS
O que é?
Não é ter medo de Deus.
Tem a ver com amor.
É amarmos Deus de uma forma referencial, é não o tratarmos por Tu, ou seja, não nos
familiarizarmos tanto com Ele que o banalizamos.
É termos a preocupação de não banalizar Deus, de não julgarmos por nos relacionarmos
com Ele de uma forma tão intensa e intima que o podemos banalizar. É entende-Lo
como superior a nós, é o amor referencial, não sermos capazes de o banalizar. Diz o
povo “ás vezes tratamos os santos pelo nome”. Há coisas pequenas que são o reflexo da
falta de tacto, de capacidade de lidar com o transcendente. Ex: benzer com a mão
esquerda. Devemos aprender a tratar Deus como deve ser tratado.
Se entendermos o conceito as nossas atitudes são em consonância com tal.
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45. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
Aula 7
IDEP
04/05/2013
Vamos falar de 3 conceitos / temas / palavras que têm de estar sempre presentes quando
abordamos a experiência espiritual:
O temor de Deus;
A santidade (falar de espiritualidade sem termos como objetivo o
principal não tem interesse);
A ascese – é aquele caminho de esforço que nos conduz à perfeição.
O TEMOR DE DEUS
Não é mais do que uma relação de respeito para com o nosso Deus, não é medo.
Temos sempre de partir da palavra de Deus, da escritura, porque toda a nossa
experiência religiosa cristã se baseia na Sagrada Escritura.
Desde sempre há uma relação muito estreita, quando se fala de temor a Deus, entre o
Deus entendido como um ser terrível e um Ser que nos fascina. O terror e o amor andam
muito ligados. A relação é tão estreita que muitas vezes se confunde e se passa
rapidamente da imagem de Deus terrível, ao qual não se pode chegar, distante, para o
Deus próximo, que nos fascina, que é admirável porque é amor.
Palavra para refletir este fascínio de Deus:
Estupor – é uma admiração, baralha-nos os
esquemas mentais, ficamos estupefactos, é
um fascínio.
Partamos, então, deste conceito e vamos desventrando o seu conteúdo.
A experiência fundamental bíblica que invoca e que é invocada, nesta área da
espiritualidade, como temor de Deus:
É um processo, é sempre um processo, na espiritualidade tudo implica um processo,
nunca é algo completamente acabado. É um processo e processo dinâmico, é uma
caminhada que vamos fazer.
Aliás, temos sempre de partir deste pressuposto, nós cristãos, a nossa cidadania é uma
cidadania celeste. Nós não somos deste mundo (?), nós não nos pertencemos, nós
andamos aqui emprestados uns aos outros pelo tempo que Deus quer e o tempo nós
identificamo-lo como cronológico mas para Deus não é cronológico. O tempo para
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46. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
Deus é plenitude e por isso o nosso Deus é (não foi nem será).
E é neste processo dinâmico que nós exercitamos a nossa cidadania celeste e
exercitamo-la, ou seja, vivemo-lo já aqui, de uma forma limitada, por defeito (senão não
teria sentido a eternidade entendida como plenitude, não tinha sentido vivermos em
céu).
O Céu não é um lugar físico mas um estado de espírito onde todos seremos tudo em
Cristo.
Então, o temor de Deus, entendido na área da espiritualidade, é um processo que
começa com a experiência de que Deus é e permanece sempre um mistério terrificante,
e vamos ver como Deus é e permanece sempre para o homem como um mistério.
À partida Deus é sempre isto: é e é sempre um processo gradativo, progressivo, mas
para o homem que é imanente é sempre terrificante e é mistério.
Partindo da perspetiva humana esta experiência é assumida ao mesmo tempo por duas
caraterísticas:
a passividade e a atividade.
É algo que nos coenvolve, é sempre uma relação a dois – Deus e o transcendente,
imanente e transcendente, o homem e Deus, é um coenvolvimento que se converte, pela
forma de ser dinâmica e de ser processo, de terrível em fascínio, em amor. Deus revelase ao homem, primeiro o homem tem medo d’Ele e quando o começa a descobrir
entende-O como amor. Por isso, Deus não é aquele Ente que quer escravizar, que mete
medo, é um Ente superior que ama e nos ensina a amar.
O Temor de Deus toma forma, ganha forma e consistência numa vida reverente e é
aperfeiçoado no amor, este sim amor reverente. Devemos ter o cuidado de não tratar
“Deus por tu”, não banalizar os sacramentos. Não é pelo facto de nos familiarizarmos
muito com Ele que devemos perder-Lhe o respeito. Pode-se converter numa dinâmica
de amor, amor reverente e não terrífico. A relação face a face pode ser respeitosa.
No Antigo Testamento, o termo Temor de Deus, foi muitas vezes entendido como terror
e piedade, mas piedade não é o conceito correto de piedade, é o de pena. E Deus não
nos amou por pena mas por caridade, é amor apelativo. É a forma mais perfeita de amar
– é a caridade. Deus não criou o universo por pena, criou-o por caridade, por amor.
Entendendo Temor de Deus de uma forma mais técnica:
Mistério tremendo, ou seja, como aquele mistério que nos faz tremer, que é tremendo.
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47. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
O homem experimenta espontaneamente o sentimento de uma presença que o
transcende sempre e diante da qual aprofunda a sua pequenez.
Vamos colocarmos á milhares de anos quando o homem começou a fazer esta
experiência mais clarividente de Deus, não entendia determinados fenómenos. Deus
como terrível está plasmado em alguns dos salmos.
Então, quando se dá conta que este Deus é assim grande o homem dá-se ao mesmo
tempo conta da sua pequenez e começamos a fazer comparação com Ele e ao
compararmo-nos com Ele damos conta deste processo que é dinâmico, que vai
evoluindo e chegamos a um ponto que é de união, ou seja, Deus cuja iniciativa parte
sempre dele, a sua grandeza - a pequenez do homem.
Um processo dinâmico de aproximação em que o pequeno vê o grande com medo mas
pela aproximação que se faz, à medida que o pequeno se vai coenvolvendo neste
dinamismo dá-se conta de que se junta e reconhece como amor e a experiência mais
acabada disto é a encarnação. Ele não precisava nada de encarnar mas quis encarnar
para assumir a nossa condição … em tudo igualdade exceto no pecado. Para elevar a
nossa pequenez à sua grandeza e nos ensinar o caminho de humildade que passa, que se
traduz por ir ao encontro, a grandeza vir ao encontro da pequenez, ou seja, Deus vir ao
encontro do homem, a transcendência juntar-se com a imanência e levando a imanência
à transcendência.
Ascensão – é este mistério que celebramos, a nossa humanidade está presente na
humanidade redentora de Cristo e a nossa humanidade porque se torna grande na
humanidade de Cristo e a nossa pequenez se transforma em grandeza e a nossa
imanência de alguma forma se torna transcendência e nós já nos encontramos sendo
humanos divinos porque a nossa humanidade na humanidade de Cristo encontra-se já
resgatada no Céu – ficamos divinizados. E este processo de divinização começou
quando? no nosso batismo.
Como é bonito e se enquadra neste processo dinâmico de entendermos Deus como um
amor reverente, não temos de ter medo de Deus, temos de ter temor de Deus.
Mistério tremendo
O homem não só se dá conta da grandeza de Deus como aprofunda a sua pequenez.
Como Deus aparece na sua santidade e grandeza Ele pede um profundo respeito. É
natural que tendo diante de nós a Santidade a olhamos com profundo respeito.
Diz o salmo “louvem o Seu nome grande e terrível porque Ele é Santo”.
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48. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
A oração ganha uma nova forma se tivermos a aplicar o que aprendemos. Já não é o
grande dos nossos esquemas mentais porque está filtrado por esta espiritualidade que
estamos a aprender.
Moisés cobriu a sua face quando Deus lhe apareceu “Eus sou o Deus de teus pais, o
Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacob”, cobriu o rosto porque tinha medo
de olhar para Deus, é este medo que ele ainda não tinha entendido como amor, que
progressivamente vai entender porque Deus está connosco.
Os judeus têm uma coisa simbólica para entender esta dimensão desta forma.
Kipá – dos judeus, usam-no por causa de serem fiéis a esta revelação de Deus a Moisés,
tapam a cabeça diante de Deus.
Solidéu do bispo – bispos quando vão falar com o Santo Papa tiram o solidéu porque
fazem uma reverência, só a Deus, só diante de Deus.
Entendendo-o, agora, sob a forma de espiritualidade cristã.
Ao mesmo tempo e já mais tarde, quando Elias ouviu a voz do Senhor cobriu o rosto
com um manto (1Reis).
Não somente a aparição de Deus suscita um temoroso respeito mas também a sua ação
na própria criação e na história. Cf Salmo 33
Depois com a libertação do povo da escravidão do Egipto, cf Ex 14
Deus que julga mas com amor expresso no Salmo 76.
Tudo isto são experiências fortes de um Deus que é terrível neste sentido mas que o
medo se transforma em amor à medida que Ele se vai revelando.
Deus é verdadeiramente distinto do homem, aquele que se aproxima de Deus, aquele
que responde à Sua Voz que o chama, a iniciativa parte sempre de Deus, parte de uma
distância abissal, o homem sente que Deus ao princípio lhe é totalmente estranho, a sua
voz não é compreensível, o homem experimenta a necessidade de se superar a si mesmo
para dar um salto no vazio, para se lançar naquele fogo que queima mas que o purifica
porque o queima. Só em último caso se dará conta que aquela Voz não era nem procedia
de uma distância infinita mas de uma distância próxima que nasce da própria intimidade
do homem consigo próprio, nós encontramos Deus quando nos encontramos a nós
próprios, encontramos Deus dentro de nós, é uma proximidade tão intíma que se revela
assim.
Esta distância abissal no princípio converte-se no fim numa proximidade intíma porque
dentro de nós. O medo e quase repulsa inicial corresponde à transcendência de Deus, à
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49. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
distância infinita entre Deus e o homem e por isso é mistério profundo que se
transforma depois em mistério de amor.
Extingue-se esta aproximação feita pelo homem, é mais próximo, Deus está mais
próximo de nós que nós mesmos, Deus criou-nos, quere-nos mais do que nós próprios e
quando nós descobrimos que ele está mais próximo de nós que nós mesmos, Deus
identifica-se completamente connosco, é o chamado (o que os padres da Igreja
chamavam) “intimo meo Deus”, ou seja, Deus misturado com o próprio homem que
ganha uma consistência diferente quando entendemos a eucaristia. Não há maior
intimidade do que aquela, um Deus como o estamos a entender que se fez comida para
nós o comermos, se mistura connosco que é transcendência, ou seja, imanência, que nos
dê a força que vem do alto. Querem maior intimidade que esta, misturar-se connosco?
É o grande amor de Deus quando Ele me toca, me faz sentir qualquer coisa, a sua
presença trás uma paz interior que invade o meu coração, os místicos chamam de paz
interior esta interioridade – é esta paz a Deus interior, íntimo, não há palavras que
expliquem esta paz, é uma suavidade, uma doçura, que não tem comparação com
qualquer coisa de semelhante no mundo. Trata-se de uma suavidade distinta daquilo que
vem dos afetos humanos, é uma paz que o homem sonha e cujo sonho se torna realidade
quando faz a experiência de Deus desta forma. É a plenitude, numa palavra, que invade
o nosso coração, que nos invade a nós mesmos, que nos abre aos outros, e entendemos
Deus presente no outro, tudo ganha sentido. “Tudo o que fizerdes ao mais pequenino é a
Mim que o fazeis”.
Quando nós entendemos Deus no outro é a tal dinâmica da simplicidade do amor de que
já falamos – não fico prejudicado se me lembrar em primeiro lugar do outro porque o
outro se tiver os mesmos sentimentos que eu há-de lembrar-se em primeiro lugar de
mim. É nesta reciprocidade e nesta dinâmica do amor que nós fazemos a
experiência deste Deus amor.
Deus também na sua imanência se revela transcendente. O mesmo mistério é imanente e
transcendente e ao mesmo tempo mistério tremendo e fascinando (o tal estupor).
Em termos mais técnicos:
A tradução do Temor de Deus.
Deus entendeu-o também desta forma o nosso ser, a nossa singularidade (alma) diante
deste Deus tremendo experimenta uma reacção paradoxal, é ao mesmo tempo fascinada,
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50. INTRODUÇÃO À ESPIRITUALIDADE
IDEP
partida, e aterrorizada, cativada, amedrontada e confiante.
Esta paradoxal estrutura é frequentemente descrita por alguns verbos:
tremer, estar partido, estar aterrorizado
e, ao mesmo tempo, amar, servir, seguir (que nos implica e compromete).
O Temor de Deus é uma reverência completa que se traduz num amor respeitoso.
Concluindo:
O Temor de Deus abraça inteiramente o caminho espiritual do homem começando por
afastar a pessoa do mal, depois conduz a pessoa à penitência, ao arrependimento
verdadeiro, levando-a a observar os mandamentos e entendendo-os como algo que nos
liberta e não que nos escraviza, abrindo assim uma perspetiva de um amor respeitoso,
elevando a nossa alma até à sapiência mística, ou seja, a um entendimento perfeito de
Deus.
O Temor de Deus verdadeiro deve ser entendido assim e só faz sentido se nos levar a
isto.
QUE É SANTIDADE
Sempre que se faz uma experiência de Deus não se pode falar em espiritualidade cristã
sem falar em santidade, é para isto que cá andamos, é para ser santo.
Todo o cristão comprometido, esclarecido, só tem um caminho e um objetivo: ser santo.
E vamos ver que para entendermos este caminho de santidade, este conceito, temos de
fazer comparações (como graça e desgraça, felicidade e infelicidade).
Este tema tem em conta um elemento essencial, presente em todas as espiritualidades:
todos querem ser santos à sua maneira (Ex. budistas), todas as religiões percorrem um
caminho de perfeição. Devemos amar a Deus desta forma profunda mas devemos
respeitar os outros que sendo fiéis aos seus princípios se salvam na mesma como nós
(Leiam
documentos do
Vaticano II).
Então, todas as religiões, todas as espiritualidades,
compreendem este processo de santificação no qual predomina um aspeto mais ativo,
muitas vezes, doutras vezes, um elemento mais passivo.
Aqueles que interpretam a espiritualidade à luz desta dimensão essencial que é a
santidade situam o fenómeno num campo específico de tensão – por um lado é o santo
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