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10
Wanilda Borghi, Marianice Paupitz Nucera, Elaine Alencar, Hamilton Brito (org.s)




                    Grupo Experimental
                    Academia Araçatubense de Letras




                               Araçatuba 2012
Capa: Wanilda Borghi
         “Xis traço”
         Grafite, lápis de cor e aquarela sobre papel

Revisão: Marilurdes Martins Campezi

Presidente da Academia Araçatubense de Letras (AAL)
          Maria Apparecida de Godoy Baracat

Coordenadora do Grupo Experimental - GE
        Marianice Paupitz Nucera


Criação da Logomarca GE:
         Wanilda Maria Meira Costa Borghi - 2009
         Representante do GE no CMPCA

Projeto e Editoração Gráfica:
          Celso Nicolete

CTP e Impressão:
         Editora Somos


                   Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
                            (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

 Grupo Experimental. Academia Araçatubense de Letras
          Experimentânea 10 / Wanilda Borghi, Marianice Paupitz Nucera,
 Elaine Alencar, Hamilton Brito (orgs.). -- Araçatuba, SP : Editora Somos, 2012.

 ISBN: 978-85-60886-53-1

 1. Literatura brasileira - Coletâneas I. Borghi, Wanilda. II. Nucera, Marianice
           Paupitz. III. Alencar, Elaine. IV. Brito, Hamilton.

 12-10845                                                                        CDD-869.908

         Índices para catálogo sistemático: 1. Antologia : Literatura brasileira 869.908
Índice

Prefácio .......................................................................................................07
Ana de Almeida dos Santos Zaher ...............................................................09
Anizio Canola...............................................................................................16
Antenor Rosalino .........................................................................................25
Aristheu Alves..............................................................................................31
Carmem Silvia da Costa ..............................................................................35
Elaine Cristina de Alencar ............................................................................41
Emília Goulart dos Santos............................................................................52
Isabel Moura ...............................................................................................67
José Hamilton da Costa Brito ......................................................................73
Manuela Sant’Ana Trujilio ............................................................................86
Maria José da Silva .....................................................................................95
Marianice Paupitiz Nucera .........................................................................103
Pedro César Salves ...................................................................................114
Vicente Marcolino Rosa .............................................................................124
Wanilda Maria Meira Costa Borghi ............................................................130
Wanda Edith Meira Costa ..........................................................................146
Logomarca do GE ......................................................................................149
PREFÁCIO


       Q
               uando recebi o convite para apresentar este livro, senti uma doce
               e grata emoção. Foi como anunciar que está brotando uma fon-
               te de água cristalina renovando a vida. Como uma luz mansa
que escapa pela fresta de uma porta entreaberta, chamando atenção.
        Curiosos vão se aproximando meio tímidos, espiando o lugar e sur-
presos descobrem que é ali a fonte. Fonte de ideias, onde podemos dar asas
para a imaginação e luz para os pensamentos. Como o pensamento é alado,
voa,viaja, vai aonde quer, transforma em palavras o que vê e sente, vai me-
xendo com as emoções, cutucando a inspiração e faz nascer o poeta que em
verso ou prosa vai cantando seus amores e dores. E nasce o escritor.
        Bendita luz mansa que tem revelado a alma poeta, observadora, crítica,
suave, objetiva ao expressar sentimentos.
        Gente sensível que brinca com as palavras e as tornam adocicadas
quando falam de amor, que gritam protestos quando seus direitos não são
respeitados, gente que chora dores de amores desencontrados, enquanto ou-
tras lamentam por aqueles que foram para nunca mais.
        Amor e ódio, saudade, lamento, esperas, sonhos e pesadelos, chegada,
partida, risos e lágrimas, sempre servirão de inspiração e se dermos asas, as
palavras darão formas, e as ideias brotarão e deslizarão compondo poemas,
versos, prosas e romances com a serenidade das águas da fonte.
        Parabéns ao Grupo Experimental, fresta de luz que atraiu poetas e gerou
escritores dando oportunidade a tantas pessoas que sonham um dia ter seus
escritos publicados. Quando suas ideias e pensamentos se transformarem em
palavras grafadas nas páginas deste livro, ficarão para a posteridade.
        Esta coletânea reúne trabalhos de vários participantes, com o objetivo
de expor sentimentos e dar oportunidade. As pessoas que gostam de escrever
aqui se encontram acolhidas. Não há competição, há harmonia. A luz da fresta
é apenas a timidez.

                                                       Hilda Dias de Oliveira


                                                                           7
VOAM SEM ASAS
                      Ana Almeida dos Santos Zaher




       A
               felicidade existe, mas na maioria das vezes a deixamos escor-
               regar feito areia nos vãos dos dedos. Voam sem asas coisas
               boas e más, e estamos vulneráveis e livres. Apesar dos direitos
e deveres, existem muitos valores que a sociedade coloca em primeiro plano,
ainda somos donos de nossas escolhas. m algumas situações o mundo se
vira contra você que depois se vê obrigado a voltar, porque nem tudo é regra,
e existem inúmeros fatores que perdem o controle das mãos humanas. Exigir
perfeição é algo fora do alcance, mas trabalhar para o bem de todo
        é um caminho árduo, embora gratificante.
        É claro que seria bem melhor amar tudo e todos, mas há quem afirme
que poderia não ter graça se fosse assim. É impossível estar de acordo com
tudo, mas é possível conviver em paz com as diferenças. Não é mais fácil,
porque temos orgulho e muitas vezes não valorizamos as coisas e pessoas
que estão sempre por perto.
        Voam sem asas, o amor e ódio, e o universo traz e mostra que somente
ser livre não basta; a inteligência, para definir bem seu próprio caminho, é
fundamental.
        O medo de abraçar e acolher a semente do bem faz defasar a colheita.
Para muitos é mais fácil acomodar-se e resmungar a vida toda, do que enca-
rar e tentar.
        Sei que é fácil pedir coragem aos outros, e eu não peço, e nem digo
que temer é errado. Acredito que o certo é dosar os sentimentos e adquirir
equilíbrio.
        Vale a pena se esforçar e tornar seu sonho realidade, pois mais do que
querer, é preciso lutar e não desanimar na primeira queda.
        Tudo serve de aprendizado, o que não deve ocorrer é perder as opor-
tunidades, o ânimo e a vontade de chegar, mesmo que não seja ou aconteça

                                                                         9
exatamente do jeito que se planejou. O que importa é sentir-se feliz e satis-
feito.
       Na maioria dos casos, as pessoas se decepcionam com o rumo que
suas vidas tomaram, e nem sempre admitem e aceitam um recomeço. Não
entendem que temos o direito de mudar de opinião e a rota.
       Voam sem asas: a natureza, os homens, todo o planeta, misturados
filhos e agregados em busca do mesmo objetivo: a realização de seus anseios,
cada um com sua particularidade.
       Seguem sua viagem, voando sem asas e sem data marcada, em uma
velocidade não controlada, porque cada piloto conduz sua nave dentro do
tempo não determinado.
       É evidente, o percurso é o mesmo, os sonhos e desejos são incontá-
veis, mas cada um é responsável pelo que quer e a que almeja.
       Voam sem asas, uns inocentes, outros com muita sede, e o mais im-
portante: dentro do contexto todos vão conquistando seus méritos.




  10
RETARDADA FELIZ
                      Ana Almeida dos Santos Zaher




       C
               aro leitor, afirmo sempre que viver é bom demais e ser feliz é
               minha obrigação.
               Contudo, ainda choro por seres que não conseguem chegar
nesta máxima da vida. Atingi uma fase maravilhosa aos quarenta anos e liber-
tei-me da cruz que pesava em meus ombros: o medo terrível das más línguas,
dos olhares maliciosos que corriam sobre meu corpo e meu ser, sempre bus-
cando em mim um erro ou atitude, que os covardes não tomariam nunca.
        Sempre convivi com pessoas maduras, nunca desprezei seus conse-
lhos e exemplos. Sempre dei valor ao quesito experiência.
        Caro leitor, o sábio de fato repassa o que aprende, eu ainda não sei
tudo e acredito que ainda faltam respostas para muitas coisas. Mas quanto
ao saber, diante de tantos relatos e exemplos vivos, decidi buscar a felicidade,
descobri uma mina de ouro, e me banhei nas águas com o melhor tesouro.
        Sem planos, despida de orgulho, adormeci e acordei, pensei ser sonho
e me belisquei. Tudo era real. Caminhando em delírio, externando o estado
de graça, incomodando os infelizes, ouço vozes fazendo da minha vida uma
novela, e desenhando meu triste fim e prevendo meu futuro. Ouvi uma boca
maldita gritar: “Ela é uma retardada, retardada!”
        É,meus caros, os retardados também são gente e muitas vezes mais
humanos do que os bons de cabeça. Agem com autenticidade, sem fingimen-
to, falam e reagem de acordo com o momento. Ao contrário dos considerados
em juízo perfeito que, às vezes, jogam a perfeição no vaso e dão descarga e
vomitam asneiras nos ambientes, acham-se no direito de sentar sobre seus
próprios erros e defeitos, com rosto coberto de máscaras. E saem por aí desti-
lando o veneno, já que fizeram suas escolhas, caíram no abismo e não houve
resgate; como almas penadas se deliciam em maldizer a vida alheia.
        Não julguem um livro pela capa nem uma mulher pelo sorriso, dizeres
antigos que se encaixam nos dias atuais. Enquanto perdem tempo cuidando

                                                                           11
do jardim alheio, o próprio abriga apenas insetos indesejáveis.
        Eu sem flores não respiro, para veneno de cobras há muito tempo
tenho antídoto. Às vezes sinto-me perdida no espaço, ainda abala minha es-
trutura quando carunchos tentam penetrar a qualquer custo meu paraíso.
        Então, mergulhada em um desespero mudo, tenho fé e sinto que Deus
me ama incondicionalmente. Então dou uma ‘banana’ para os invejosos e
digo: “Já sofri, venha o que vier, não sofro mais.”
        Lembro, então, de tantas vidas que se suicidaram por não ter tido a
coragem de mudar sua rota; lembro-me também das moças que morriam
virgens e solitárias com medo do sexo e da fama. E lembro-me ainda de
muitas outras pessoas que escolheram a morte, de tamanho sofrimento que
o preconceito causou.
        Prefiro ser uma retardada feliz que ter sonhos e desejos sufocados. Ou,
ainda, desistir sem ter lutado; uma retardada feliz que segue sempre tentando
novos caminhos, mesmo sabendo que alguns, possivelmente, não trarão os
resultados esperados.




  12
BAILARINA
            Ana de Almeida dos Santos Zaher




B
      ailarina
      Bailarina... Menina
      Muito bela

Um anjo bailando
Algodão doce

Em torno da multidão
Distribuindo paz
Alma terna mostrava a existência do amor
Traz luz e graça

Bailarina...
Espírito de criança
Que não morre jamais
Esperança que insiste

Bailarina...
Dona das estrelas
Universo compartilha tanta beleza
Poucos herdam o domínio
Corajosos seguem em busca do equilíbrio.




                                              13
CARTA AOS ADOLESCENTES
                    Ana de Almeida dos Santos Zaher




       A
               mãe carrega em seu ventre o filho por nove meses. Meses de
               alegria e expectativas. A criança, o filho, a benção!
               Há mãe que já carregou mais de vinte filhos em seu ventre,
sempre os defendendo com unhas e dentes. Mas nem sempre esses vinte
foram por essa mãe.
        Nos dias atuais os pais estão preferindo ter poucos filhos, para dar
mais amor e conforto. E dão de tudo, até mais que o necessário. Ainda é
possível encontrar filhos que dão valor e cuidam da própria mãe; é raro, mas
existem.
         Neste exato momento o que mais está sendo assustador, um pesadelo
real, ver que tantas vidas geradas e criadas com tanto amor, estão matando,
batendo, torturando aquela mulher que deixou de viver sua vida em prol da
felicidade e realização de trazer ao mundo uma vida, um filho.
        Uma mãe, após dar à luz, não tem mais sossego. Não dorme direito e
também não se alimenta, e o pouco que come não a satisfaz. E muitas vezes
são chamadas de tolas por isso. Mas é por natureza que as mudanças ocor-
rem. Ouço desde criança que filho é um pedaço do coração da mãe que bate
fora do peito. E isso é verídico.
        Esta ‘carta aos adolescentes’ é necessária; ela também servirá aos
filhos adultos e ingratos.
        Todo ser humano passa por uma transição, fase de revoltas e insatis-
fações, mas a maioria, ao invés de olhar para si e aprender a se conhecer, a
fazer os reparos, não o fazem! A primeira culpada, condenada sem ir a júri, é
a mãe. Será por quê?
        As meninas vão saber o que é ser mãe quando derem à luz, e as que
por um motivo ou outro for estéril, vão saber do mesmo jeito. A dor da ausên-
cia falará por si só.

  14
Os meninos, imagino sentirem uma emoção única ao desmaiarem na
sala de espera e logo pegarem ao colo o fruto e constatarem o poder que têm
nas mãos de perpetuar sua espécie.
        Aos adolescentes que têm coragem de sujar as mãos com o sangue da
própria mãe e os filhos barbados que fazem tanto mal e chegam ao extremo
da maldade interrompendo a vida do portal que os trouxe ao mundo com tanto
amor, não sabem o que é ser mãe, pois não existe escola para ensinar a ser
mãe, então vão morrer mesmo sem saber onde está o erro.
        Uma mãe, por mais defeito que tenha perante os olhos da sociedade,
não merece a punição de ser assassinada pelo ser que ela gerou e recebeu
com tanto amor. Uma mãe jamais esquece um filho, muitas vezes até abre
mão de criá-lo devido às suas condições financeiras. A maioria amamenta os
filhos, variando de meses até anos. Sempre doando seu tempo.
        Ultimamente, com tantas tragédias, fico a pensar que realmente há
coisas que não valem o sacrifício. As mães estão entre a cruz e a espada,
amam demais e são incorrigíveis. E os filhos, o que mais querem? Carregar na
consciência o peso e na mão as marcas do sangue que corre em suas veias?
Assassinam o corpo, mas não rompem o cordão umbilical.
        Nada fica impune. Sinto muita pena.




                                                                      15
COINCIDÊNCIA FATAL
                               Anizio Canola




       U
               m ligeiro giro no volante. Então, o possante carro, cor da moda,
               entra suavemente no curto aclive, de acesso ao motel. Por um
               instante dá para ver o luminoso feérico. Em destaque, o nome
do ninho de amor, Eros. Um pouco acima, a enorme lua cheia, que parece tão
próxima. Na verdade, confunde-se com a fachada, como se fora uma estampa
só. O feitiço do luar espalha-se carro a dentro, envolvendo ele e a amada que
está tímida, ao lado, ocultando o rosto com um xale tricotado. Receio natural.
Afinal é um encontro proibido. Mas só porque a vida quis assim. Nasceram
almas gêmeas, todavia, nas voltas que a vida dá, casaram-se com outros.
Neste momento, seus corações estão revoltados. Acham que deveria importar
apenas o amor, puro e sincero, para ficarem juntos. Pena, as convenções têm
outras regras, exigem muito mais.
        Por isso estão no Eros Motel. Arriscando-se, para terem um marcante
dia na vida, a que têm direito, por se amarem de verdade. Não ignoram, entre-
tanto, que essa noite mágica, após 30 anos distantes um do outro, provavel-
mente será o epílogo de uma história maravilhosa.
        O pequeno trajeto, até chegar à recepção, é suficiente para fazer eclo-
dir o passado nas mentes de ambos, como num filme dos anos 60. Não se
recordam o porquê de haverem tomado rumos diferentes, posto que se ama-
vam tanto. Distantes no tempo e no espaço! Recentemente, por puro acaso,
seus caminhos se cruzaram de novo. A velha chama reacendeu, embora seja
evidente que só noutra vida poderão ficar juntos de novo. Durante vários dias,
combinaram por telefone de se encontrarem, se verem, se amarem, e... dize-
rem adeus...
        Eros, ponto de encontro furtivo. E da despedida, pois jamais terão paz
doutra maneira. O marido dela o conhece bem, desde os tempos da juventude
quando os três, solteiros, moravam longe daqui. A areia da ampulheta marcou
o espantoso sucesso na vida daquele casal. Quanto a ele, continuou com

  16
uma conta bancária modesta. Mas feliz. Apesar da vida regalada, ela sentiu
que errara na escolha desesperada. Contrariada, continuou fiel ao amor de
outrora, embora na distância. Quem consegue controlar o coração insensato,
perdidamente apaixonado? Em consequência, o marido passou a nutrir senti-
mentos de ciúme e crueldade. Aí, o risco: se soubesse quem chegou, de longe,
para tê-la...
         O carro parou na portaria. Com um movimento ágil, erguendo o braço
esquerdo, ele pegou a chave de um apartamento. Em seguida, rumou por uma
alameda ornada de lâmpadas coloridas de cortesia. Acolhedora, a calma do
ambiente. Dá para ouvir os pneus escorregando no pedrisco. Ela puxa o xale,
descobrindo um pouco o rosto. No cenho, a marca da preocupação. Ele admi-
ra a face dela, iluminada pelo luar. Pronto. Aí está a suíte 18. Automaticamente
a porta da garagem se abre. Tempo suficiente para o carro entrar. Fechada,
garante a privacidade do casal. A salvo de olhares ocasionais curiosos.
         Ele veio de longe. Ninguém o conhece nesta cidade dela. A não ser o
marido da sua amada. Arriscam muito. Quis tê-la de novo nos braços. Lamen-
tavelmente, na mocidade não a reconhecera. A mulher da sua vida estivera ao
seu alcance, mas... Agora, não tem mais jeito. Resta apenas curtir esta noite
e sumir no mundo.
         Ele pensa: Eros, o Deus do Amor. Muito apropriado. Quantas histórias
acontecem aqui, amiúde. Porém a vida amorosa não são só rosas. Eles mes-
mos são, na verdade, protagonistas de um enredo mal traçado.
         Corpos ardentes. Envolvidos pela paixão. E simultaneamente pelo amor.
As revelações. As angústias. Os temores, os desalentos. Um turbilhão de sen-
timentos no ambiente sofisticado da suíte. Tudo acabou. Resta agora ir embo-
ra dali, para nunca mais. Talvez seja difícil convencer os corações, mas...
         Um último beijo. Demorado. Saboroso. Doce mel. Ele gosta do meca-
nismo na parede, que facilita acertar a conta. Passa um cheque, em paga-
mento. Ela arrepia:
         - “Você deve estar louco. Vai se identificar”.
         Ele não liga: ninguém o conhece na região. Que perigo pode haver?
         Buscam a porta de saída, abraçados. Um olhar derradeiro para a cama
redonda, desarrumada. Ah, foi tão bom! – repetem. A banheira de espuma,

                                                                           17
transbordando... A suave cor rosa do aposento. Um verdadeiro cenário de
amor. Para marcar a despedida de suas vidas. Separadas pelo ingrato des-
tino.
         O interfone toca. A moça da portaria pergunta-lhe se ele é mesmo de
Araguari. Ele confirma. E se queda intrigado. Como ela descobriu? Ah, simples
coincidência...
         Ele vai girar a chave, quando o interfone toca novamente. A moça plan-
tonista pede-lhe um favor. Um amigo da casa está em dificuldade. Necessita
com urgência de carona até determinado ponto da estrada, não muito longe
dali. Ele invoca a privacidade. A moça é persuasiva. A pessoa irá no banco
de trás. Basta deixar a porta traseira destrancada, que entrará, sem fazer
perguntas. Não falará com eles. E quando chegar ao local pretendido indicará
com o braço. Ela, ouvindo aquilo, arregala os olhos. Sua intuição não admite
tal absurdo. Ele argumenta que já concordou, não dá para voltar. Ela morde os
lábios. Discorda, mas resolve não dizer mais nada.
         Aberta a porta da garagem, o carro sai de ré. Ao passar pelo escritório,
para um pouco. O luar agora é discreto, vencido paulatinamente pelas som-
bras da noite. Um vulto passa pela porta de vidro. Rápido, entra no carro, atrás.
Ele tenta distinguir a pessoa, espiando no retrovisor interno. Na penumbra,
percebe que o homem tem o rosto coberto por um lenço enorme, talvez colo-
rido. E usa chapéu atolado de peão. O carro escorrega no pedrisco. Eis a saída.
Ele tem vontade de gritar: adeus, Eros Motel. Valeu o momento de felicidade.
Ali, juntinhos. Dessa forma, resgatamos um dia na vida!
         Ela sai do motel protegida pelo xale. Suavemente, inclina o rosto no
ombro dele. No interior do carro, ninguém diz nada. A estrada está escura.
Até a lua se escondeu. Uma inquietação começa a atormentá-lo. Quem será
esse cara? Seus pensamentos ficam agitados. Devia estar louco, como ela
disse, quando aceitou. Expor-se, e a ela, a um risco desnecessário. Para servir
a quem? Atender um pedido da gerência do motel? Só um idiota, mesmo. Ela
logo adormece, feliz. Em dez minutos estarão na cidade. Ele procura ordenar
os pensamentos. Como fará para se livrar do sujeito? Afinal não foi definido
onde desceria... O camarada tosse de vez em quando. E pigarreia. Que sufoco.
Ele olha seguidamente no retrovisor. Querendo detectar qualquer movimento

  18
suspeito.
        O carro roda por aproximadamente dois quilômetros. Estrada deserta.
Firmando a vista, ele percebe ao longe uma Van, parada no acostamento. Dois
vultos acenam na pista... Devem precisar de ajuda. Que sorte. É a chance de
descartar o carona inconveniente. Ele diminui a marcha. Ela se mexe, quan-
do ele a afasta carinhosamente do seu ombro. Nisso, surge um braço junto
ao rosto dele. O dedo indicador aponta que o cara quer ficar ali. Que ótimo.
Facilitou.
        Estaciona bem atrás da Van. Um moço alto se aproxima do carro. Pe-
de-lhe um pouco de combustível. Ele concorda. O carona desce. E acende
uma lanterna à pilha. Aí foca o rosto dele, ostensivamente. Que reclama, pois
a luz fere seus olhos. Perturbada, ela acorda. Sem querer, deixou o rosto des-
coberto. O cara da lanterna assobia para o outro homem, gorducho, que vem
devagar. Ela tenta reconhecer a silhueta do homem que está chegando, com
algo nas mãos.
        - “Meu Deus, parece que é...”.
        No momento confuso, o carona, lanterna em punho, diz:
        - “Eis os pombinhos, patrão!”.
        Ele fica aturdido. Se dá conta da gravidade da situação.
        O gorducho, alquebrado pelos anos, chega bem perto e esbraveja:
        - “Procurei tanto... e a caçada acaba assim”.
        A palavra “caçada” o estupora. Ela puxa o xale, instintivamente que-
rendo se proteger.
        Dois estampidos ecoam na noite medonha...




                                                                         19
FLORES E AMORES
                              Anizio Canola




O
       h, Musa.
       Tu gostas, percebe-se, de margaridas.
       Eu também gosto de flores
Identifico-me mais, com rosas vermelhas!
São a minha cara.
Mas, na realidade da vida, sou um cravo vermelho.
Perfumado, de cor nítida, mas menor.
Sem a terna suavidade de rosas e margaridas.
Quedo-me em dúvida, ó Musa.
Algum dia tua margarida gostará de ser envolvida pelo carinho do meu cravo?
Felicidade que nem orquídeas ou gerânios saberão proporcionar igual.




  20
TIO (A) É A...
                               Anizio Canola




       A
               rede social Facebook traz, vez ou outra, mensagens de gran-
               de valia. Outro dia compartilhei uma que achei oportuna. Dizia:
               “Moro em um país onde treinador de futebol é chamado de pro-
fessor e professor é chamado de tio!”. Entendo como ignomínia tratar mestres
dessa maneira. Pior que grande parte deles aceita passivamente tal desaforo.
Mormente nas escolas de educação infantil. Aí, como diria um mineiro, “vira
um queijo!”. Eu, quando criança, morava num recanto caipira do Estado, em
Cerqueira César, e falava “fêssora”, mas jamais, “tia”.
        A professora Maria Tereza Marçal Cardoso, minha querida amiga mi-
neira da gema, em razão do providencial texto, encetou campanha no próprio
Face. Escreveu, a poetisa: “Cabe a todos nós, educadores, profissionais de
educação e toda a comunidade escolar e sociedade cultural organizada, aca-
bar com essa inversão de papéis e valores: professor não é parente, é autori-
dade competente (ou pelo menos deveria lutar para ser)”.
        Quem primeiro barrou essa forma desrespeitosa de tratamento foi
Ruth Cardoso, conforme manchete de primeira página do Estadão. O então
Presidente Fernando Henrique Cardoso e ela estiveram em um teatro, em São
Paulo, para verem uma encenação famosa. Na saída, um grupo de estudantes
interpelou o casal sobre o espetáculo. Uma adolescente perguntou à Ruth:
“Tia, o que você achou da peça?”. A ex-ativista, que se transformara numa
mulher culta e admirável, demonstrou espírito empedernido, respondendo na
lata: “NÃO SOU SUA TIA!”.
        Na escolinha onde minha neta está matriculada percebi, com muita
satisfação, que ali só se fala “professora”, nunca “tia”. Bom, senão como os
petizes irão aprender essa noção de respeito? Mas é difícil. Na porta alguns
pais dão recados aos seus baixinhos assim: “Fala pra tia...”.
        Esse modo de tratar, porém, não está circunscrito ao âmbito escolar; já

                                                                          21
contaminou a sociedade. Muita gente fala “tio” ou “tia” sem critério. Por achar
bonito, ou estar na moda, ou .. sei lá! Quando um flanelinha aproxima-se do
meu carro e fala “Tio, posso tomar conta?”, já fica queimado comigo. Digo-lhe,
nunca lhe ensinaram a falar senhor ou senhora?
        Certo dia, no Fórum estadual, eu controlava o acesso à sala de audi-
ência, quando apareceu um vereador famoso para depor. Logo depois surgiu
o assessor dele. Jeitão estabanado, perguntou-me: “Tio, vai demorar muito?”
Pensei. A gente rala na faculdade, bacharela-se em Direito, recebe um di-
ploma da conceituada Toledo, em cuja capa está escrito “Doutor”. Passa no
exame da Ordem. Aí aparece um desrespeitoso desses, que não tem noção
nenhuma de sociabilidade, e me chama de “tio”? Ninguém merece!
        Imaginei o cara acompanhando o vereador no palácio do Governo. É
capaz de chamar o governador de “tio”. Será o caos da educação? Senhores
edis, selecionem melhor seus auxiliares de gabinete. Poucos meses depois
soube que aquele assessor bronco fora remanejado. Passou a ser zelador de
um cemitério.
        Como diria meu grande amigo Brito, do Grupo Experimental, que tem
maneira peculiar e objetiva de dizer as coisas: - Vai, tonto. Vai chamar algum
finado de “tio”. Arriscar-se-á a ver com quantos ossos se faz um esqueleto...




  22
UM DIA LINDO DEMAIS
                               Anizio Canola




       T
              enho algo muito importante para lhe contar, meu bem.
              Ontem foi um dia extraordinário. Você precisava estar aqui para
              admirá-lo comigo.
       Nossos amigos sentiram o mesmo. Tudo nos conformes. Direitinho.
Satisfação total.
       Manhã ensolarada de céu azul, do jeitinho que você aprecia (ideal para
conseguir aquele bronzeado). Como se a natureza houvesse renovado a pintu-
ra da paisagem, tornando-a mais atraente, colorida, deslumbrante...
       O ar estava impregnado de felicidade. Nesse dia incomum, a todo ins-
tante você surgia no meu pensamento. Cada gesto, cada detalhe, cada lugar,
tudo enfim lembrava você.
       Naquela praça sombreada pelo imenso arvoredo, onde você adorava
namorar-me, quase pedi a um casal apaixonado para desocupar o nosso ban-
co predileto. Mas a tempo lembrei-me de que você não estava mais na cidade.
De que adiantaria? Contemplei embevecido o idílio digno do nosso amor de
outrora. Ah, que saudade...
       Um dia imperdível. Só coisas boas acontecendo. O nosso número de
sorte, 36, foi premiado. E eu aqui sozinho, sem ter você para compartilhar
tamanha emoção. Achei que nem valeu a pena.
       No vaivém agitado do calçadão, suas palavras – “Já compomos uma
cidade grande!” – se confirmavam. Mas por ironia do destino, faltava uma
pessoa muito especial na multidão. Você.
       À noite, na avenida, recordei nossos passeios de mãos dadas, aprecian-
do o movimento. Ninguém quis ficar em casa. O pessoal todo estava ali, em
peso. Curtindo o burburinho, na suave ladeira iluminada pelo luar maravilhoso.
Nossa turminha, na mesma lanchonete, esbanjava alegria na maior animação.
Porquanto ontem tudo era convidativo, romântico, barulhento, festivo, ao agra-

                                                                         23
do de todos os sentimentos. Rebatia-se o forte calor com as cervejas espertas
de costume. Olha, tiravam o chope exatamente como você gosta. Senti sua
presença ao meu lado, sorrindo. Pura ilusão. O loirinho levou o violão e a
Meire cantou coisas lindíssimas. Aliás, gostaria de ouvir você de novo cantar
músicas da Elba. Seu modo de ser, sua voz, seu porte elegante em qualquer
traje sempre nos trinques... Transbordava entusiasmo e você distante, Não me
conformo. Eles nem me viram. Fiquei alongado e logo retornei para casa.
         Por isso quero lhe contar desse dia certinho, repleto de passagens
gostosas. Um dia como poucos, lindo demais, arrebatador... para os outros!
Porque para mim, longe de você, estava desbotado, sem graça, profundamen-
te melancólico.
         Hesito ao teclar seu telefone para lhe dizer que, com seu brilho pessoal,
tudo isso, tão lindo para os demais, seria mais radiante ainda para nós. Basta-
ria você estar comigo, numa boa, entende?
         Nem sei se você continua no mesmo endereço ou se vai me atender.
É difícil crer que tudo terminou, se havia tanto amor. Não percebi que nosso
filme estava acabando, quando você dizia que ia sair da minha vida. Meu bem,
essa impressão incontida de perda que restou, tem me magoado muito. Com
absoluta certeza, eu nunca mais vou esquecê-la.
         Mas, que culpa tenho eu de pensar assim? Se os dias lindos continuam
acontecendo e tornam mais fortes as recordações daqueles nossos momen-
tos felizes, aumentando a amargura que me consome a alma?




  24
FASCINAÇÃO
                       Antenor Rosalino




B
       orboleta amarela, tão bela!
       Repousa quieta no meu pensar.
       Crisálida dos meus sonhos etéreos
Fetiche do meu olhar!

Não se vá antes da aurora,
Não lhe toca o meu penar?
Sob um céu de noite clara,
Não deixe o vento a levar...

Sedutora beleza que fascina
Esses meus olhos que orvalham
Formando cisalhas de prata
Alucinados com seu voejar!

Deixe o alvor do dia chegar
Com olores de carmim
E só então, abra suas asas laminadas
E deixe o nada que se fez em mim.




                                           25
AMOR ETERNO
                              Antenor Rosalino




     R
            evivo em sublimes sonhos,
            A trajetória da nossa união,
            Feita de espinhos e flores,
     Num misto de alegrias
     E lágrimas de solidão!

     As muralhas invisíveis, adversas
     Do tempo veloz e incerto
     Não conseguiram ceifar
     A chama azul da esperança
     Presente em nosso olhar!

     Sonho lindo que supera
     Soturnas realidades
     No alvor de cada dia
     E sob a luz de estrelas rútilas
     Mais aumenta essa verdade.

     Surpreende-me a intensidade
     Translúcida e serena
     Desse amor eterno que emana
     Nas noites onde os candelabros
     Fagulham orquídeas que encantam!
     Como andarilho dos sonhos seus,
     Esboço lágrimas ardentes,
     Peroladas pelo amor e a saudade
     Num tempo infinito onde a espera
     Tem sabor de noites estreladas.

     3º lugar – poesia - I Concurso do GE – 08/05/2012.


26
SÓCRATES DE ATENAS
                      Antenor Rosalino




C
      om o pensamento envolto
      pela bruma da ética e da filosofia moral,
      fundamentou sua existência
no memorável lema:
“conhece-te a ti mesmo”.
A pureza de sua alma liberta,
desconhecia preconceitos ignóbeis;
dialogava com pobres, ricos, mulheres,
escravos... Daí a razão de ser taxado
pelos detentores do poder
“perversor da juventude”, custando-lhe isso,
o holocausto da própria vida.
Buscava ao raiar de cada dia,
o aprimoramento da virtude...
Viveu com humildade,
notadamente reconhecida
em sua imorredoura frase:
“Tudo o que sei é que nada sei”.
Nada deixou escrito...
Talvez, em sua sapiência,
desejasse trazer à luz que,
mais do que as letras,
os atos e os exemplos ficam!
Perece assim, o grande sábio,
serenamente, sem recusar a taça
do amargo e cruel veneno; mas o seu
exemplo de vida e sua doutrina ficarão
como obra imortal na galeria dos eternos
que o tempo jamais ruirá.
                                                27
O SERESTEIRO
            (Homenagem ao “Grupo Amigos da Seresta” de Araçatuba)
                            Antenor Rosalino




     C
           om o olhar complacente
           Em miríades de estrelas,
           O seresteiro se entranha
     Na poesia plena presente
     Do plenilúnio que abriga
     As suas canções dolentes!

     Predestinado por mãos divinas,
     Encanta multidões...
     Energiza-se a luz do prado
     Nas serestas que arrebatam
     Corações esmaecidos
     De saudades incrustadas!

     Sob o prisma do luar afável,
     O seu coração nostálgico
     Busca revelar o belo
     E os acordes acontecem
     Nas canções que fazem eco
     No altar dos campanários
     E nas montanhas em prece!




28
LAÇOS AFETIVOS
                             Antenor Rosalino




       L
              á pelas bandas do sul mato-grossense, onde as grandes e visto-
              sas fazendas se descortinavam num carrossel encantador, duas
              fazendas não muito próximas sobressaíam das demais pela vas-
tidão de suas terras verdejantes e incontáveis cabeças de gado. Eram elas: a
Fazenda Camarinhas pertencente ao senhor Anastácio e a Fazenda Santa Te-
reza, de propriedade do senhor Virgílio, um coronel de exército, aposentado.
        Os fazendeiros eram amigos de infância, conhecidos pelo progresso
sempre crescente de seus negócios e pela invejável extensão territorial de
suas terras. Ambos possuíam habilidades extraordinárias para os negócios,
razão pela qual, sempre se sobressaiam sobre os demais fazendeiros, e pos-
suíam, sobretudo, um grau de escolaridade superior aos outros.
        Tanto o senhor Anastácio, quanto o coronel amigo, embora fossem
pessoas de boa índole, e bom caráter, eram muito vaidosos, e gostavam de se
vangloriar sempre que concretizavam suas negociatas, comumente regadas
a muita lucratividade, mas não havia rivalidade pessoal entre ambos, afinal
foram criados juntos e a amizade que os unia era de verdadeiros irmãos.
        Os negócios atinentes à compra e venda de gados eram constantes
entre os latifundiários. Assim, o senhor Anastácio que possuía uma vaca dife-
renciada pelo seu porte extremamente belo, da qual, o leite parecia jorrar com
mais abundância, acabou despertando a atenção do coronel Virgílio que resol-
veu fazer uma proposta de compra pela vaca Indiana. Sim, era este o nome
dela, cuja proposta depois de longamente analisada, foi finalmente aceita pelo
senhor Anastácio.
        Tendo sido definida a negociação, no dia seguinte, quando o canto dos
galos e as estrelas matutinas davam adeus à madrugada, o coronel Virgílio
encarregou o seu filho, Gervásio, de buscá-la. Com muito custo – pois Indiana
aparentemente não desejava deixar a sua fazenda de origem -, o rapaz a levou
para a nova moradia.
                                                                         29
Entretanto, o animal estava muito habituado com a fazenda onde nas-
cera, o apego era forte demais pelo local amplo e aconchegante, pelo carinho
como era por todos tratado e também pela companhia dos outros animais.
Sendo assim, todos os dias a ladainha se repetia: Indiana sempre fugia para a
sua antiga fazenda e lá ia Gervásio buscá-la com enormes dificuldades.
        Num certo dia, porém, ao sair à procura da famosa vaca que mais
uma vez havia fugido, Gervásio a avistou atolando-se num pântano e, para
resgatá-la, o filho do fazendeiro teria que fazer a travessia de um rio pequeno,
porém, profundo. Ao fazer o trajeto, inesperada e inexplicavelmente – pois se
tratava de um exímio nadador-, o rapaz veio a falecer, vitimado que fora por
um mal súbito. Assim, com a lamentável e triste morte do rapaz, a vaca In-
diana também morreu tristemente, atolada no pântano nefasto que agora, tal
como o caudaloso rio, guarda essa história que ficará tristemente na memória
de todos, como mais uma lição dos laços afetivos que transcendem entre as
pessoas, mas também entre os animais.




  30
UM HOMEM DE OUTRO MUNDO
                                Aristheu Alves




       S
               empre tive curiosidade de conhecer as pessoas consideradas
               fenômeno devido possuírem um avançado índice de inteligên-
               cia. Meus parentes, que conheceram Mateus na sua infância,
afirmavam que o menino com apenas cinco anos de idade era uma verdadeira
atração considerando que o garoto era filho de pai e mãe caipiras, semianal-
fabetos e viviam numa fazenda de café no Estado de Minas Gerais. Não era
normal uma criança, naquela idade, saber tanta coisa sem nunca ter ido à
escola. O menino falava com tal desenvoltura como se fosse um adulto. Ele
se divertia tocando um cavaquinho que ganhara de seu padrinho no Natal.
       A noticia sobre a sua sabedoria já havia se espalhado por toda a região
do Triângulo Mineiro. Seus pais por várias vezes ficaram assustados com os
procedimentos do filho. Dona Leonilda ao atender os curiosos não se cansava
de repetir:
       - Meu filho já nasceu sabendo!
       Quando finalmente tive a sorte de conhecer Mateus, ele já era um ho-
mem de trinta anos de idade, sua fama corria o mundo e eu pude constatar o
seu sucesso ao verificar que o rapaz falava corretamente mais de dez idiomas,
tocava vários instrumentos dos mais complicados a começar pela viola, harpa
e até acordeão.
       Morando sozinho, a sua casa era um ponto de atração. Ali, aos domin-
gos, reuniam-se os vizinhos, os amigos e seus admiradores em gera, quando
trocavam idéias, contavam piadas, cantavam modas de viola e tomavam ca-
chaça.
       Eu não tinha capacidade mental para compreender como poderia um
homem ser tão inteligente, ter tanta evolução a ponto de inventar e fabricar
variados tipos de máquinas agrícolas de que os colonos usufruíam com an-
siedade. Ele sentia prazer em consertar veículos, rádios, relógios, televisores,

                                                                           31
computadores e tantos outros aparelhos. Fiquei surpreso quando alguns ca-
boclos me confessaram que muitos de seus animais de estimação entre os
quais, cachorros, cavalos e vacas, foram por ele salvos da morte com remé-
dios que ele preparava com sucos de plantas extraídas da mata. Soube que
alguns trabalhadores atacados por cobras venenosas, tais como cascavel e
urutu-cruzeiro, foram socorridos por ele e assim conseguiram sobreviver. Po-
rém, um dos casos que mais me comoveu foi contado por uma senhora idosa
cujo neto de doze anos de idade sofreu câimbras nas pernas enquanto nadava
numa lagoa. Foi retirado das águas pelos colegas que o consideraram morto
por afogamento, quando recebeu o socorro milagroso de Mateus que o salvou
da morte. Tantas coisas aconteceram e quantas intervenções foram feitas por
aquele homem misterioso.
        As notícias chegaram aos ouvidos das autoridades religiosas e o Con-
selho de Medicina já investigava suas façanhas procurando saber se ele exer-
cia ilegalmente a medicina para então processá-lo. Constantemente a fazenda
era visitada por repórteres que queriam entrevistá-lo, mas, nada conseguiam
porque Mateus, não gostando de dar entrevistas ou de ser fotografado, se
escondia no meio do cafezal até que os profissionais da notícia desistissem e
fossem embora. Na verdade ele era sem dúvida um homem de outro mun-
do. Tinha perfeito raciocínio e fazia complicados cálculos matemáticos em
poucos segundos; além de ser apaixonado por ufologia, conhecia tudo sobre
astronomia, meteorologia e tinha facilidade para fazer projetos arquitetônicos
e de engenharia. Ainda, com seu canivete, produzia esculturas e brinquedos
de madeira. As paredes da sua sala de estudos eram cobertas por telas com
desenhos de estranhas máquinas que despertavam a curiosidade de todos, e
por uma estante repleta de livros técnicos e biográficos de Leonardo da Vinci
e Michelangelo Buonarroti.
        Certa vez eu e Mateus seguíamos em direção ao córrego que atraves-
sava a fazenda, local costumeiro de nossas pescarias, quando caiu na nossa
frente um bem-te-vi, vítima de uma pedra que um menino atirou com seu es-
tilingue. O passarinho se debatia no chão, sangrando porque uma das pernas
estava quebrada. Mateus tomando-o nas mãos, curou a sua perna e soltou-o
  32
para o voo da liberdade. Fiquei deslumbrado com aquela demonstração de
poder. Seria ele um ser superior ou um homem santo? Não era possível! Ele
era um homem comum, pois namorava, gostava de dançar, bebia cerveja e
até cachaça. Não me contive e perguntei-lhe:
        - Como você consegue curar em poucos minutos, a perna quebrada
de um pequeno pássaro?
        - É muito simples, basta usar o pensamento positivo, o desejo de que-
rer ajudar e o milagre acontece.
        Então eu me lembrei de que em certo domingo, quando Mateus estava
fazendo ilustrações nas paredes internas da escola da fazenda, notei que ao
chegar de manhã para trabalhar, havia esquecido em sua casa as chaves
da escola. Ele não se perturbou. Fixou os olhos na fechadura e em seguida
empurrou a porta e ela abriu normalmente.
        Percebi que Mateus lia a mente das pessoas e meu próprio pensa-
mento foi por ele devassado por várias vezes e, assim, alguns de meus se-
gredos foram descobertos. Ele costumava dizer que no futuro os aviões não
mais usariam a gasolina como combustível porque uma nova energia seria
descoberta e captada no espaço, assim, terminaria o perigo da fumaça, das
explosões e do excesso de peso. Alguns colonos de pouca leitura, ao ouvi-
rem as suas previsões, acreditavam que Mateus fosse simplesmente um débil
mental.
        E assim foi até que, numa noite de verão, alguns moradores da fazenda
avistaram um enorme clarão formado por luzes de diversas cores, sobre a
nova plantação de café. No dia seguinte descobriram que algo de estranho
havia acontecido ali, porquanto ficara no cafezal um grande círculo mostrando
as plantas amassadas dentro daquela circunferência. Isso ninguém soube ex-
plicar porque era assombrosa a extensão daquele circulo maravilhosamente
perfeito. As noticias se espalharam rapidamente. Em poucas horas a fazenda
foi invadida por curiosos. A imprensa escrita, falada e televisionada lá estava
presente e dentro de três dias chegaram cientistas e ufólogos de várias partes
do mundo, inclusive da Ucrânia, que desejavam pesquisar o fato.
        A fazenda tornou-se um verdadeiro formigueiro humano. Era gente
                                                                          33
que chegava, era gente que saía e, com aquela confusão, a ausência de Ma-
teus passou despercebida; mas depois de uma semana, quando o pesadelo
passou e tudo já voltava para a normalidade, percebi que Mateus realmente
não estava na fazenda. Procurei-o por todos os lugares possíveis e nada; o
homem tinha desaparecido como por encanto.
        Todos ficaram assombrados com aquela situação de mistério. Como
poderia um homem de tanto poder e sabedoria desaparecer assim sem deixar
vestígios?




1º lugar – prosa – I Concurso do GE – 08/05/2012.




  34
A ROÇA
                       Carmem Silvia da Costa



                               É a roça.

           Moço da roça mudou de prosa, não fala mais uai.

          Vai para a cidade estudar, volta e não quer capinar.

      Moço da roça mudou de roupa, calo nas mãos nem pensar.

Óculos escuros, celulares e até a Chiquinha e os amigos quer influenciar.

                      Os pais começam a parolar:

             - Daqui a vinte anos, quem é que vai plantar?

             Moço da roça, com jeito meigo tenta explicar:

                - Pai, mãe, mais máquinas vão inventar.

                         O pai confuso indaga:

                   - Quem é que vai o milho rarear?

             Até você virar doutor, quem é que vai bancar?

                               É a roça!




                                                                     35
ALÍVIO
                      Carmem Silvia da Costa




     Q
             uero correr livremente
             Pelos campos sem receio
             Do que possa estar oculto
     Perder as ataduras e nem perceber
     E tampouco alguém a dizer:
     - Moça, dona, ei! você perdeu!
     Quero colher as flores do campo
     Estar entre borboletas e colibris
     Ir ao encontro da brisa
     E de braços abertos
     Desvendar na natureza
     O que há de mais secreto.
     Quero olhar para o céu
     E ver uma janela feita de nuvens
     E nelas querubins e serafins
     A jorrarem o bálsamo que cura.
     Quero colher a última lágrima
     Emocionada,
     Jogar pro alto, respirar
     Enfim aliviada.




36
SUGAR DA VIDA
                  Carmem Silvia da Costa




E
     nigmática vida
     À qual viemos a nado
     E no verbo ser ou estar
Sugo-a como ser alucinado.

Pelo hoje e o amanhã
Respiro o puro ar
O que alimenta a fome e sacia a sede
Dela faz parte esse ciclo inesgotável.

Há! Suguei a vida
Como um cantar de um fado
No delírio da paixão
Debati pela razão e dei um tempo ao coração
A exemplo do poeta que fumou a vida na incerteza
Também na vida fumei tapeação.




                                                   37
CONTO DE NATAL
                         Carmem Silvia da Costa




       O
               s efeitos de luzes detalhavam as nuanças contidas nas orna-
               mentações natalinas. E quem quando criança não sentiu o en-
               volvimento descrito da época? As cores vibrantes das vestes do
velhinho Papai Noel de barbas longas e brancas parecendo se envolver mais
no papel de Vovô Noel, carregando o saco de presentes, oscilando o brilho
dos olhares infantis. E quem por ventura não fora o anjo natalino, ao menos
uma vez na vida de alguém?
       Tudo isso faz presente o menino Jesus em cada coração,num renovar
de esperança e paz.
       E foi nesse clima que uma senhora sentou-se na soleira da porta sem
disfarçar a tristeza,desejando não dar importância a nada, pensando numa
maneira de desviar a atenção da filha no que diz respeito ao presente que
pedira ao papai Noel. Pinta, então, a figura do velhinho como personagem de
riso que assusta as crianças, e que seu trenó passa velozmente e não per-
cebe todas as casas. Achou melhor dizer que papai Noel não existe e que na
verdade não tem dinheiro. Com os olhos lacrimejando, ficou surpresa quando
a menina entrou muito feliz dizendo que papai Noel lhe trouxe de presente um
lindo gatinho e o deixara no portão.




  38
ENCONTRO CASUAL
                         Carmem Silvia da Costa




       A
              s conversas ou fofocas estavam sendo “colocadas em
              dia”, como nós, mulheres, ás vezes usamos dizer. Enquan-
              to elas apreendiam a coser vários tipos de roupas, a tagare-
lice era geral. Os traçados de mangas, golas e ornamentos espalhados
sobre a mesa deveriam atingir um objetivo específico: a montagem da
roupa que surgia basicamente sob as medidas do desenho de um retângulo.
    Revistas de moda eram analisadas página por página e os comentários
sobre os artistas eram indispensáveis, sem contar os atributos da culinária. E
sob a coordenação da professora, o tempo ia passando entre um assunto e
outro. Após uma pequena pausa:
        - Mudando de pato para ganso, souberam da última? Sabe quem vai
se casar?
        Frase por frase até descobrirem o pretérito e o presente de um de côn-
juges. Nesse associar de assuntos, por motivo de fidelidade, uma das alunas
nos contou que ao estar em São Paulo, dentro de um ônibus, e antes de che-
gar ao lugar destinado, conhecera um senhor alto, de cabelos grisalhos, que
lhe fez algumas indagações sobre sua vida e acabaram por trocar algumas
confidências. Ele, tomando um pedaço de papel, passou-lhe o endereço para
um enlace de amizade. Despediram- se, e o referido papel fora parar em um
canto da bolsa da tal senhora. Após alguns meses, ao remexê-la, encontrou-o
e pensou sobre a importância que aquele encontro teria, sendo ela casada e
com suas atenções e sentimentos voltados para o esposo. Refletiu, concluindo
que aquele momento representou apenas um encontro casual.
        Ah! Se houvesse aparecido uma fada madrinha com sua varinha má-
gica e tocasse em suas mãos e dissesse “não jogue esse papel”, teria sido
a esperança em nova fase de sua vida. O seu esposo falecera e a tristeza e
a solidão tomara conta de seus momentos. No entanto, o lamento de não ter
sequer decorado o endereço e então chamado a pessoa do encontro casual,
significou algo especial para aquela senhora que terá recordações enquanto
estiver numa cadeira, talvez fazendo crochê ou a descascar batatas, à espera
do carinho dos netos.
                                                                         39
PARA ILUDIR A VIDA
                        Carmem Silvia da Costa




     P
           ara iludir a vida, fingi cantar.
           Cantei o canto dos que gemem
           Cantei o canto dos que choram
     Cantei o canto dos que sonham
     Cantei o canto dos que amam.

     Para iludir a vida, fingi poetizar.
     Poetizei o poema dos que são realistas
     Poetizei o poema dos que têm remida esperança
     Poetizei o poema dos que propagam a paz.

     Para iludir a vida, fingi pintar.
     Pintei a pintura dos que expressam nos muros a sua ira
     Pintei a pintura dos que põem sua alma
     Na janela de um sorriso
     Pintei a pintura dos que vão além do marco de um limite
     Pintei a pintura dos que respeitam ao criador da vida.

     Para iludir a vida, sonhei:
     Cantar, poetizar, pintar.
     Cantei o poema,
     Poetizei o pintar,
     Pintei o cantar.




40
SINTONIA
                           Elaine Cristina de Alencar




N
        a noite calada, surge ora um eco, ora um tinir de alguma coisa.
        Penso numa leitura, porém nada me agrada.
        Procuro o sono para livrar dos pensamentos, e tudo revela ser uma sintonia.
Constante, o pensamento requer a ação, sinto um combate entre o sim e o não.
Creio no mais íntimo que há de bom no ser,
e até mesmo em que uma inocente criança um dia possa ser:
um adulto atrás das grades ou um fabricante do vício, para sobreviver.
Um policial atrás do culpado e, quem sabe, uma vítima em silêncio.
Todos estão em sintonia, contra ou a favor de duas forças que se impulsionam.
E distante, a criança inocente, se pudesse, sussurraria:
“sou eu em você, que brincava de bola ou de amarelinha,
que jogava pedra para ver até onde ia, e da maldade esquecia.
Ficar de cara virada, nem pensar!
Lembro que minha mãe dizia: Criança não tem vergonha...
Desta criança sentimos saudade
libertada num sonho oculto adormecido.




                                                                           41
A ORIGEM
                             Elaine Alencar




E
       u nasci!!!
       Ah! Quanta coisa a se ver, tocar, sentir...
       Me diga em sua essência:
A pigmentação dá o toque no cotidiano?
Então ...
O seu sorriso foi tingido?
O amanhã está desbotando?
O verde está morrendo?
O negro está cobrindo o céu?
O vermelho corre pela sarjeta?
Então existe mesmo um colorido no caminho?
Eu vejo meu crescer, na essência de meu semelhante,
Que tinge sua vida em tons sombrios, muito próximos da noite.
E no momento em que o sol nasce, prefere estar no leito da preguiça,
Sonhando com seus fatos reais de crescimento,
Não se importando se com seu pincel tenha sombreado as nuvens, para aquele
temporal,
Ou amarelado o verde das plantas para que amanhã ela padeça.
É... acho que a visão, o toque, o sentimento estejam sendo esquecidos...
Quem sabe amanhã “eles” acordem...
E permita Deus que não seja tarde!




  42
ELE
                               Elaine Alencar




U
       ma grande mansidão,
       Alinhado em seu terno branco,
       Parado como sempre, ali na esquina...
Com seu pé esquerdo apoiado na parede,
Dava as baforadas em forma de anéis que iam se dissipando no ar...
Tinha um semblante enigmático...
Aquela imagem se formava todas as tardes,
Nos deixando inebriados...
Primeiro eram as baforadas de um autêntico cubano. Depois...
Vinha a surpresa, a qual todos aguardavam ansiosamente...
Sacava de seu estojo o saxofone...
e preenchia o ar com suas notas musicais.
Melodias inteiras destiladas em um alinho sublime...
Eram horas a fio dedilhando o instrumento com leveza,
Até parecia que seus dedos brincavam nos acordes...
Os transeuntes, paravam para ouvir tão belas notas sendo esculpidas por aquele
ser brando; muitos deles esperavam ansiosamente o show vespertino...
Sumertime, New York New York, Hotel Califórnia ...,
Um vasto repertório o acompanhava.
Sua feição traduzia um sentimento contido...
Pudemos notar que seus dias eram de puro prazer
E observamos que seu show recôndito
brotava d’alma, enfim!.




                                                                       43
ETÉREO
                             Elaine Alencar




E
      m momentos dispersos,
      Me vejo despontar no décimo andar de uma “atração fatal”.
      Ganho a lua de presente!
E percebo que em tempos de transformação,
O cálice alheio supre o desinteresse e comanda momentos de prazer,
Sem se pensar, o que importa é sentir.
As cores opacas,
Em instantes se tornam reluzentes em um carinho eterno,
Em toques macios e sensações supraemocionais.
O pensar vai na constância do bem
Que solicita espaço e acaba se perdendo no vácuo dos acontecimentos
E caminha...
Que sistema mais impassível vivemos,
De certo, algum dia alcançaremos a estrela patente de nossa caminhada,
Na terra descalça...
Simplesmente nos resta imaginar e crer,
Que o adeus é uma metáfora ,
Do conhecimento inesgotável e irreversível!




  44
MEU ERRO...
                             Elaine Alencar




E
      u sinto meu corpo bailar, parado.
      O som da música adentra minha lembrança e logo os poros de meu
      corpo eclodem em euforia...
“Não me abandone jamais...”
O som ecoa alto nas minhas entranhas...
Vejo erigir a pele como um vulcão em plena erupção...
Uma sensação algoz...
Um misto de saudade e arrependimento...
Ah! o arrependimento pela indigestão da saudade,
De querer estar lá e não poder,
Uma quimera de sensações pitorescas do que poderia ter sido e ...
Lai’vem a realidade com seu balde de água fria...
Existe algo indecifrável neste momento
que açambarca meu espírito e me remete a um termo de colisão com o trans-
posto...
Tento rasgá-lo da mente, mas ao contrário a sensação é mais forte a cada
momento do notar...
Me embriago nas histórias e me sinto emudecer...
O som alto na vitrola, a dança incontida e uma verdade sendo dita no LP...
De repente, meu corpo para no espaço e não ouve mais a música,
E então, daquela emoção emoldurada no passado,
Fica somente um resquício no pensar
Da saudade cravada no peito e o lamentar!




                                                                     45
O PROIBIDO EM AURORA
                            Elaine Alencar




     E
           ste amor, contato impossível,
           Não sabe mais por onde se enveredar...
           Por mais que os corpos se juntem...
     A mente alarde a voracidade da situação!
     Até que ponto sermos proibidos, é um limite?
     Não nos demos conta que o mundo conspira contra nós.
     E esta cegueira soturna não nos aturde,
     Até o momento da rebelião,
     Invade certeiramente a razão de quem não quer ver.
     A vida insiste em nos pregar peças...
     Em contrapartida nós desprezamos o habitual, contextual...
     E partimos para o que é imoral (às vistas grossas).
     Até que ponto poderemos digladiar?
     Suponho que nem iremos ao “front”!
     Pelo descuido da ideia ter mesmo certo fim.
     Estaremos sim, eternamente ligados,
     Por uma memória incansável dos belos dias
     De outrora, ou seria de uma Aurora?




46
VOCÊ
                             Elaine Alencar




H
        oje acordei pensando em você...
        Minha mente fez uma trajetória bem remota, para tentar reconhecer
        sua face...
Vejo nitidamente o delinear do seu rosto sendo esculpido na minha mente,
Viajo nos momentos de pura euforia que juntos vivemos
e me vejo em crescimento contínuo...
Percebo seu semblante ir se modificando com o tempo,
mas não tenho o reconhecimento de seu movimento...
Como será que os dias foram marcados em sua face e quais serão suas
balizas?
Tenho em memória as preciosidades do som da sua voz,
me fazendo sorrir das coisas mais banais da vida...
O jeito gostoso de me afagar e me iludir...
Hoje, na saudade, a expressão do seu rosto continua a mesma.
O sabor da sua saliva me embriaga só de pensar...
E eu não tenho mais o que pensar...
O meu sentir reflete a ausência e sua face faz agradecer pelo conhecer...
Deus soube deixá-lo como presente na minha memória.
Indescritível!




                                                                    47
VIDA
                               Elaine Alencar




N
        o meu cotidiano camaleônico,
        Já tentei traduzir os sentimentos alheios e muito me perdi no caminho,
        Pela aleatoriedade de cada um,
Pela saudade que deixam nessa via,
Pelo instinto banal com o qual cada ser pensa ser o certo.
Me encontro em pedaços, tentando construir algo que seja sólido, natural.
Mas pergunto: - O que é natural, o que é sensível, o que é? o que é? ...
E me perco!...
Em propostas nos concluímos, sempre em situações de decisão.
Tudo nos parece tão tentador,
Mas quantas armadilhas estarão prontas no pomar do conhecimento,
Para nos prenderem e nos torturarem em horas de solidão?
Bah! Como é triste, ser ou sentir-se triste.
Me reparto em sinopses dos acontecimentos:
Cada instante (de alegria) agradável, não cobre por mais que somem dez,
Um único momento de dor, angústia, pesar...
Colho na estrada a cada dia um pouco de conhecimento,
Um pouco do saudável e dos confrontos que se esboçam ao menor impacto
De se abrir os olhos numa nova manhã.
Ah! Como é tardia a esperança de conhecer e sentir o humano
Como algo comum, sensível e sem retoques. E ... (mas...)
Todos se pintam de amarelo, azul, Lee, Kalvin Klein, Staroup
E saem após terem escovado os seus dentes com Close-up.
Como é ridículo, Mas não posso fugir deste óbvio,
pois ele é presente e faz parte do merchandising,
Do puro marketing que invade nossos olhos
Em cada segundo que permaneça aberto e atento.

  48
A primazia é distante e a cobiça realça os olhos,
E com feitiço próprio lá vai o ente em busca do maior. E vai em disputa.
Quando menos percebe leva um tropeção e rala o joelho.
Aí dói! E sua dor se estanca em ter de se reerguer e seguir a luta.
Tudo se move na sensação da criação, de querer saber qual é o destino.
Mas o contexto se esboça no querer e é muito simples,
Temos todo o tempo para reconhecer que a estrada é de passagem,
Que a história é verídica
E que não há muita explicação a se dar.
Só nos resta sentir e guardar,
compondo assim o grande quebra-cabeças.
A Vida!




                                                                           49
BRIGA
                              Elaine Alencar




U
       m momento,
       O nosso tempo é tão escasso,
       A gente briga com a gente, a cada toque de carinho errado...
E sonha com um caminho retilíneo, sensato e agradável.
E por vezes, nos vemos em “encruzilhadas, acendendo vela e rogando praga”.
Passa-se um tempo e a gente esquece e recomeça a busca.
Às vezes o caminho se torna hipercolorido, iluminado e parecendo autêntico.
Numa sequência de acontecimentos saudáveis e que criam saudades, mas...
Creio que a monotonia é tão dispersiva na nossa mente,
Que a gente se sente como marionete em tempo de estreia,
E na sensação da atrocidade, o corpo atropela a mente e cria sua própria
sensação.
Ah!!! A saudade se revolta em momentos contínuos,
Os sonhos vagueiam na solidão e se sentem autótrofos, na carência do dia.
A gente se pinta, dá um toque no visual e sai para a batalha
E o momento é proeminente em cada ensaio de palavra.
Ah!!! Aqueles tons agudos de uma gama ardente em desejos
E aqueles tons graves dos goles a mais da Brahma Solicitada.
Pois sim, a gente se embriaga e sonha, percebe o tempo se esvair
E se consumir a cada noite quando se fecham os olhos...
No outro dia a briga continua...
A sensação de perda se consuma.
E por mais que se queira, o passado se torna eterno e não retorna.




  50
AMOR
                       Elaine Alencar




A
       noite passa...
       E meu pensamento é um só,
       A natureza infinita que nos rodeia...
As estrelas que brilham no céu,
Constantemente
Me dando forças para poder sobreviver,
Em meio a tantas controvérsias existentes...
E você também faz presença,
Em meu pensamento...
Você que me faz feliz,
Você que me eleva o astral...
E que me faz ser “eu”!
Sim, é você que me acompanha,
A cada passo,
Me dando conforto e paz...
Obrigado a você:
Óh! sentimento profundo e louco:
Obrigado, AMOR!!!




                                               51
A ESCADA
                                Emília Goulart




       A
                  escada estava ali, na minha frente, contei mentalmente os de-
                  graus que se afunilavam em direção ao vazio lugar nenhum.
                  Minhas pernas bambeavam, me aproximei, olhei para um lado,
para o outro, à minha volta se espraiava um campo, planície seca com peque-
nas áreas verdejantes. Um vento forte anunciando tempestade.
         Nas laterais da imensa escada surgiu um corrimão, de arame farpado.
Iniciei a difícil escalada ao lugar nenhum, não fui movida pela curiosidade, não.
Em mim também se estabeleceu o mesmo vazio, árido, seco da paisagem.
         Lá em cima não tinha nada, mas por algum motivo uma escada estava
ali, e eu senti uma necessidade de chegar ao topo.
         Topo de quê? Não sei.
         Livrando-me das pontas agudas do arame, ia eu em busca do nada.
Um furinho aqui, outro ali, coisas sem importância até o sangue começar a
fluir e esbanjar um pouco de cor pelo corrimão cinzento.
         As pernas começavam a dar sinais de estafa, dobravam, os pés come-
çavam a se arrastar, mas soberbamente chegavam ao próximo degrau.
         O corrimão de arame farpado deixado para trás indicava que mais da
metade da escada eu já havia alcançado. Não era mais possível voltar e ape-
nas olhar para trás provocava vertigens.
         A escada quanto mais escalada, maior se apresentava. Não tinha fim.
Os braços também já davam sinais de esgotamento. Ao deitar-me em um dos
degraus para descansar da árdua subida, senti minha roupa se romper e um
vento frio percorrer meu corpo.
         O esgotamento tomou posse dos meus sentidos e o cérebro começou
a debochar de mim espalhando um odor nauseabundo.
         Braços enormes surgiam e ora lá em cima, ora lá embaixo, acenavam
me convidando-me a descer ou a subir.

  52
Seminua, exausta e ferida. Fica difícil escolher um caminho seguro.
Descer é sempre mais fácil, não fosse o orgulho a me impulsionar eu despen-
caria da escada.
       Coloquei-me de pé, agarrei-me ao arame farpado, corrimão da minha
escada me fazendo sangrar, pensei em Jesus no calvário, me ajoelhei e re-
zei.
       A escada que hoje subo não é a mesma pela qual desci. Contudo a
conheço bem, cada degrau é igual, tem a mesma altura, as mesmas dificul-
dades que encontrei, estão ali em cada centímetro registradas.
       Mas, não é mais um sonho, é a doce realidade que é viver, embora às
vezes a vida nos faça sangrar.




                                                                      53
RUA TREZE
                               Emília Goulart




       A
               inda há muito da rua Treze de Maio, não basta mudar o nome.
               Para apagar da memória a alegre triste vida desta rua, levará
               muito tempo. As histórias passam de geração a geração. Pe-
daços daquela rua se espalharam pela cidade e as meninas debruçadas nas
janelas da vida, deslumbradas, acreditam que a vida mudou. O falso brilho da
mais velha das profissões continua fazendo vítimas. Ninguém aboliu da escra-
vidão as garotas de programa e fingir prazer fica bem distante da felicidade.
        Aquela rua ainda guarda seus fantasmas, e ao se passar por ela, ve-
em-se os becos onde a vida era mais sórdida. O grito de socorro era abafado,
os carinhos vendidos, a proteção subornada. Quem tem curiosidade e um dia
se interessar por ouvir sua história, vai ouvir os lamentos que escapam pelas
rachaduras das paredes da rua dos prazeres poucos e sofrimentos múltiplos
revelados vendidos.
        O som das guarânias, boleros e tangos que ainda machucam o cotove-
lo da Rua Quinze de Novembro abrem o arquivo morto da Rua Treze de Maio.
        Assim como a rua, nada mudou da vida suada, misturada a Cashimire
Bouquet, perfume Tabu e muito álcool,: a danada vida expulsa da Rua Treze se
espalhou pela cidade distribuindo seus ais.
        O nome realmente pouco importa, e suas casas são velhas lembranças
que Araçatuba não quer apagar. O apogeu da agropecuária foi registrado ali
sobre os sujos lençóis da poeira que a boiada levantava.
        O preço combinado do prazer poderia ser por minutos, mas quase
sempre a prostituta pagava. Com a vida.
        Ainda há os saudosos que olham pelos buracos das fechaduras à pro-
cura dos prazeres ali envelhecidos. Outros reviram o lixo, na busca do DNA dos
pais. Boiadeiros, era a bola da vez, hoje são os jogadores de futebol.
        Uma revelação importante sobre a prostituição eu ouvi certa vez de um

  54
delegado já falecido. Havia uma carteirinha e caso a mulher fosse encontrada
duas vezes se prostituindo ela era fichada.
        Indignada contestei:
        - Então poderia ocorrer de transformarem uma mulher em prostituta
independentemente da vontade dela.
        Era lei, acreditavam, com esta medida, diminuir a propagação da sífilis.
        Hoje está tudo muito livre ao ponto de experiência de vida ser confun-
dida com experiência da vida.
        Mudaram o nome da Rua Treze de Maio para 15 de Novembro. A pros-
tituta está sem rua, sem rumo e sem destino. O salário é a droga, e assim
como a saudosa Rua Treze, ela continua na mesma, perambulando por toda
a cidade.




                                                                          55
DEVOLVA O CONTROLE
                              Emília Goulart




       S
               e alguém encontrar o controle remoto deste planeta, por favor,
               devolva com urgência ao seu legítimo dono. Está mais do que
               provado que perdemos o controle. Por favor, atendam ao meu
pedido, antes que Ele descubra como somos indignos de um planeta tão
belo.
        Cheguei até aqui e foram me ensinando coisas novas. Andar com mi-
nhas pernas foi uma. Alguém me queria aqui, mas não estava disposto a me
carregar a vida inteira. Até ai, tudo bem! Fui bem cuidada não me queixo.
Recebi boa educação, ensino religioso e muito amor. Depois acreditei que, as-
sim como os pássaros, eu poderia voar. Triste engano, que me deixou muitas
cicatrizes. Depois de algumas quedas aprendi a cair em pé, mas não desisti
de voar. Andei por vários caminhos. Em alguns, encontrei pessoas desiludidas
que voltavam procurando saída, pois os belos caminhos escolhidos ocultavam
armadilhas e as saídas fechadas pelas drogas não tinham a sinalização de
pare. Outros, sem a mesma sensibilidade, simplesmente não voltaram.
        Galileu disse que a Terra é redonda, que caminhando em linha reta
chegaremos ao ponto de partida. Não quero esse! Eu quero é encontrar uma
saída para uma sociedade mal resolvida, origem principal de crimes e decep-
ções.
        Mas cadê a saída? Há certas situações que não têm saída. Qual cami-
nho, então, Senhor? Se voltarmos no tempo encontramos Abel e Caim, triste
exemplo para a humanidade. Se continuo Te encontro pregado na cruz. O
que prova que o homem, realmente, não sabe o que faz. Caminhar ou ficar
parada?
        Vem até mim, Senhor, e guia-me! Não me sinto um habitante na Terra,
me sinto posse. Estou perdida no meio do nada. Meu planeta é redondo... não
tem fim, nem começo. Esta terra é movediça, suga o meu âmago com a sua

  56
gravidade. Sei que deve haver um caminho. Será que o escondeu sob a geleira
e que iremos encontrá-lo quando ela se desfizer totalmente?
       Nasce um novo ano e nele adentro sem saber o caminho. Além da li-
nha do horizonte há um abismo. Uma força estranha me conduz e eu sigo com
meus disfarces para escapar das armadilhas preparadas pelo ser humano.
Pelos caminhos onde piso o perigo me espreita. Então Senhor, uma metamor-
fose acontece e me torno permissiva e tolerante com a sociedade. Todas as
minhas certezas são dúvidas. Afinal, para quê livre arbítrio se não sou dona
das minhas vontades, circunstâncias me levam, eu apenas me engano?
       Sou tua serva, Senhor! Faça em mim segundo a Tua vontade! Não dou
um passo sem que Tu queiras, então não me soltes, pois não me seguro. Sem
Ti cometo muitos erros, pois não encontro o caminho.
       A bússola que me deste enlouqueceu ou este planeta saiu do eixo?
       Já não me queixo, apenas questiono. Será que Tu perdeste a autorida-
de? O controle da gravidade te caiu das mãos?
       Senhor, encontra-me, pois diante de tantos caminhos, me perdi de Ti.




                                                                      57
A ROSA
                             Emília Goulart


     1
     Rosa, poderia ser diferente
     esta amizade entre a gente.
     Mas que nome triste, o seu.
     Uma flor tão delicada,
      Mas foi uma mulher malvada,
     que teu nome recebeu.
     2
     Rosa partiu, que maldade.
     E para matar a saudade,
     nem seu perfume ficou.
     Deixou foi triste lembrança.
     Gravada na minha infância.
     Rosa, maldita vilã. Eu ouvi desde criança
     3
     Não consigo ver uma rosa
     Tão somente como flor.
     Pois a rosa desta história,
      Foi pimenta malagueta
      Personagem de um drama
     Que causou enorme dor.
     4
     Num lindo frasco de amor
     A rosa escondia espinhos.
     Reclamava todo dia,
     Que a vida andava sem graça
     E uma mudança pedia.
     A Rosa fazia pirraça.

58
5
Logo depois exigia:
— Se você não for eu vou.
Nem mais comida fazia.
O marido concordou,
vendendo tudo que tinham.
Fazenda e todos os bois,
6
Dinheiro foi pro colchão,
E só a Rosa que sabia.
A Rosa estava contente
Matou galinha, fez farofa.
Tudo estava preparado
Pra mudança inesperada.
7
Não se sabe certo a hora,
em que a Rosa foi embora,
deixando o marido pra trás,
Montados no alazão,
foi-se a Rosa o peão,
E o dinheiro do colchão.

8
No berço, duas crianças
Sem nenhuma esperança
De que como iriam viver.
Foram pra casa dos parentes
Que não ficaram contentes
Mas que se há de fazer
9
Não gosto de rosa não,
Nelas nunca boto a mão.
Tenho sempre a impressão
De que posso sair ferida.
Rosas são muito bonitas?
Ou é pura pretensão.

                              59
10
     Esta história é verdadeira.
     Não saiu assim, de bobeira.
     Desde o berço eu a ouvia,
      contada por um peão.
     O filho desta rameira,
     Meu querido tio irmão.




60
O CASO DO PADRE
                                Emília Goulart




       O
                caso que o padre nos contou foi de arrepiar, hoje sei que ele
                queria apenas nos fazer acreditar que o inferno e purgatório de
                fato existem. Mas o que nos passou foi a ideia de que espíritos
voltavam e isto fugia do que acabávamos de aprender.
        È triste quando o caso contado foge da lógica pré-determinada. Crian-
ças viajam, o melhor é que as informações sejam bem claras.
        O sobrenatural povoa suas mentes sem nenhum esforço. Depois o que
fica na memória não desaparece tão facilmente. O que nos foi ensinado como
certo, já não nos parece tão certo.
        O padre era um bom padre, mas, nos aterrorizava com seus casos.
Seus discursos eram longos e ricos em detalhes.
        Éramos apenas crianças se preparando para a vida religiosa.
        Os dez mandamentos estavam na ponta da língua, já sabíamos todos
os atos que nos preparam da confissão a comunhão. Restava algum tempo
até o dia da Primeira Comunhão e ele se empenhava para nos manter longe
dos pecados que rodeiam os jovens, ilustrando o paraíso, o inferno e o purga-
tório. Dante Alighieri perdia para o padre em requinte e ousadia.
        Certo dia ele contou-nos um caso.
        “Dois estudantes muito amigos vieram do interior para a capital a fim
de estudarem e trabalharem. Inseparáveis, mas cada qual tinha seu modo de
vida. Um religioso demais e o outro farrista: gostava de aproveitar a vida e er-
rava nas doses, mentia para os pais, pois seu dinheiro nunca era suficiente.
        O jovem religioso observava os ensinamentos cristãos que o exaltado
padre repetia com ênfase: — Segue os ensinamentos cristãos!
        Enquanto um estudava fazendo jus a confiança dos pais, o outro, bem,
farreava e escarnecia do colega dizendo que ele não passava de um tolo;
quando o primeiro mencionava o inferno ou purgatório, ele se consumia em

                                                                           61
gargalhadas. Até que uma noite, ao voltar para o quarto que dividiam, ele não
chegou.
        As horas se passaram, o seu companheiro acordava rezava e voltava a
dormir. Estava inquieto e angustiado, o amigo deveria ter voltado, e apesar das
diferenças, ele queria bem ao amigo e estava preocupado.
        De repente o vento escancarou a janela e para dentro salta o amigo
em chamas.
        Desesperado ele joga sobre o outro um cobertor para apagar o foga-
réu, o cobertor caiu no vazio e ele ouviu a voz do amigo a implorar:
        — O inferno existe, reze para que eu vá para o purgatório, você disse
que lá ainda se tem uma chance.
        Por estar embriagado o rapaz acabara atropelado e morto.”
        O padre era maluco, mas até hoje eu tenho comigo que o inferno e o
purgatório existem.




  62
UMA GAROTA ESPECIAL
                                Emília Goulart




       E
               la apareceu e, no começo, era apenas um vulto que vinha em
               minha direção parecendo flutuar pelo sombrio corredor. Sua sala
               era a última, mas ela se atrasava na arrumação do seu material
e como sempre naquela noite não foi diferente. Como foi a última a deixar a
sala, depois de serem dispensados, apagou a luz. Era miúda, tinha o cabelo
preso em rabo de cavalo, seu sorriso desafiava o mundo, e seus olhos... esses,
era um convite ao escândalo. Ainda trazia no corpo a candura e a inocência da
infância. Ela era a síntese do devaneio que tirava o sono daquele rapazinho.
        Paulo estava chegando como sempre atrasado, e alheio à suspensão
das aulas, caminhava em sentido oposto, trazendo no canto da boca um cigar-
ro que insultava a direção da escola. O mocinho de pose cinematográfica caiu
no ridículo quando o cigarro, diante daquela aparição, escapou-lhe da boca e
caiu transformando-o em um cômico atorzinho de quinta categoria. Felizmen-
te só os dois estavam naquele corredor solitário, para assistirem ao triste final
do mocinho que tropeçava em busca do seu único cigarro que a corrente de ar
insistia em roubar, ou talvez a um castigo ao rebelde que sempre transgredia
regulamentos disciplinares da escola.
        Ela ria... ria muito da cena, quando ele se pôs de pé pressionando-a
contra a parede. Seu sorriso foi ficando sério, o medo foi se espalhando pelo
rosto corado e ingênuo.
        —Assustou-se gatinha? Por que não continua com sua risadinha irri-
tante? Não me diga agora que vai gritar.— continuava ele forçando-a contra a
parede.—não vai mesmo gritar?—ele a provocava com ares de bandido.
        —Não, ninguém me ouviria, todos foram embora.
        —Quer dizer que estamos sozinhos...o colégio é todo nosso.
        A informação que ela passara sem querer, a assusta mais e ela pede:
        —Por favor deixe-me ir.
        As luzes do corredor se apagaram, e ele ainda segurava entre as suas,

                                                                           63
aquelas delicadas mãos. Ela saiu correndo, e ao chegar à porta de saída, as
últimas luzes foram desligadas. O prédio todo mergulhou na escuridão. Toda
agressividade também foi desligada, havia desaparecido e o moço rebelde,
sem saber o que dizer, ficou ali parado sentindo a delicadeza daquelas mãos
se soltando das suas num suave deslizar.

       —Perdi meu único cigarro por culpa sua. – estaria ele delirando?
Tratando-a assim ou sonhando um lindo sonho, se fosse sonho ele não queria
acordar. Ouviu os passos rápidos que desciam a escada, um passo, outro,
mais outro que iam pisoteando o coração do pobre rapaz, enquanto ele se
consumia em ardentes desejos.
       —Ei, você não vai ao velório?–perguntou ela.
       —Que velório?
       —Você não sabe por que fomos dispensados?
       —Não faço a menor ideia. Fomos dispensados?
       —Onde você anda cara? No mundo da lua?
       —Sim, chegava da lua quando perdi meu único cigarro. Foi assim, ao
vê-la meu queixo caiu e meu cigarro também.
       —Vou recompensá-lo, representou bem o papel de bandido. Cheguei
a ter medo.
       —Não tenha medo doçura, sou terno e carinhoso,
        —Escolha um cigarro, ou um beijo?—Enquanto ele se preparava para
receber o beijo, ela apertou o fecho de uma caixinha mágica: — Demorou
muito para responder, mocinho inseguro, não vai ganhar, nem um, nem ou-
tro.
       Sentindo que perdera o beijo, adiantou-se para o estojo, mas com uma
rapidez espantosa, dessas que só acontecem em sonhos ou filmes, ela já o
havia fechado.
       —Não, não faça isso eu imploro, não negue um cigarro a um idiota,
deixe ele se matar, não transgrida meu destino de morrer canceroso, tubercu-
loso ou sei lá. Me d logo um cigarro antes que eu o tome à força.
       Ela ria, ria muito, e o sorriso dela tinha o brilho e a brancura de anún-
cios de creme dental. Se o cigarro já estivesse em sua boca novamente cairia,
  64
era a visão mais linda do mundo.
        —Sirva-se. —disse, estendendo-lhe o maço de cigarros.
        Serviu-se logo de três: acendeu um e guardou dois no bolso. Na se-
quência, tomado pelo cavalheirismo, retira um e oferece outro para ela, que
o recusa.
        —Obrigada não fumo, apenas faço pose e ajudo alguns suicidas.
        — Quer ser minha namorada?
        Antes que ela respondesse, um senhor, jovem ainda, aproximou-se do
casal.
        —Papai, que bom ter passado por aqui, assim não terei que levar meu
material escolar ao velório.
        A cidade não era grande, e o acidente com o professor já chegara ao
conhecimento de todos. Isto é, de quase todos.
        —Vá filha, porém não chegue muito tarde. Quer que eu vá buscá-la?
        —Não se preocupe, voltarei com minhas amigas.
        —Você está com sarna?—perguntou ela assim que seu pai se afas-
tou.
        —Sarna? Que sarna ,eu apenas tentava te lembrar dos cigarros, mas
agora já era, com certeza levará a maior bronca quando voltar.
        —Vou tentar alcançar a turma, tchau. Ah, caso queira agradecer os
cigarros, meu nome é...
        Ele não queria saber o nome dela, passou a mão pelo queixo ainda
imberbe e fez pose.
        Ela ainda esperou que ele dissesse o nome, e como nada ouviu, dis-
se:
        —Tchau Dean.—referia-se ao ator do filme “Juventude Transviada”
James Dean, e acertou, pois ele adorava essa comparação. Apressou o passo
para alcançá-la.
        —Espere, vou com você.
        —Aonde?—perguntou ela sorrindo.
        —Ao inferno, ao velório, aonde você quiser?
        —Velório ? De quem?
        —Não, chega de brincadeira, morte é assunto sério, você não disse
                                                                      65
que o professor morreu?
       Como era bom estar com ela, dizer e ouvir um monte de bobagens.
Apressaram o passo, ele antegozava a expectativa de que os vissem chegan-
do juntos.
       —Você ainda não me disse seu nome.
       —Para quê? Adorei o apelido.
       —Para não te decepcionar, direi que há sim, uma leve semelhança.
Uma leve.
       Flávio, amigo dele, passa por eles, assobia, segue adiante, e a uma
certa distância vira-se e grita:
       —Depois a gente se encontra no bilhar.
       —Pronto, agora você já sabe: além do cigarro tem também o bilhar.
—de repente ele parou, estavam em frente à capela funerária.
       —Olha, agora, acabou mesmo, porque não vou entrar aí.
       —Tem medo?
       —Não.— disse ele detestando ver de novo aquele sorriso. Para ele
era como se ela falasse com o sorriso, e neste momento ela criticava seu
medo.
       —Sabe, eu também tenho, não é medo do morto , mas da morte.
       Ela desapareceu se misturando às outras pessoas que entravam. Ál-
varo ficou em silêncio, mas se fosse sincero diria que também tinha medo do
morto. Ficou ali remoendo sua covardia, torcendo para que ninguém o con-
vidasse para entrar. Quase todos estavam fora da capela, cada qual exibindo
coragem, e apenas ele se sentia como um idiota.
       Alguém toca lhe o ombro:
       —Chegou cedo hoje ou dormiu aí? Ninguém te viu no velório ontem.
       —É... parece que morreu um professor, quem foi?
       —Que professor, cara, foi aquela menina linda da oitava série, a Nely
.
       — Nossa, ontem quando cheguei a mina estava aqui, depois a luz
apagou...Espera aí, quando que ela morreu?
        — Iiii...se situa bicho! Sai do pesadelo.

  66
MENINA SORRISO
                               Isabel Moura




       N
               aquela noite que te conheci, foi uma noite especial para min.
               Foi numa terça-feira dia treze de maio de dois mil e oito. Era
               reunião do Grupo Experimental, vim pela primeira vez e te vi.
Você estava tão cheia de sorrisos. Me cativou, começou nossa amizade.
       Foi tão bom te conhecer. Como o sorriso traz felicidade... Parece que
somos amigas de longo tempo. Com você aprendi muitas coisas boas.
       Meiga carinhosa no seu jeito de ser, de falar, espalha encanto. Onde
você está, está presente a alegria, o calor que deslumbra a alma.
       Menina sorriso, você sabe sorrir.
       Sorrisos que vêm de dentro do coração, sorriso perfeito colorido de
afeição. Sorriso que faz sorrir.
       Menina sorriso WANILDA BORGHI.




                                                                        67
MEU NOME
                            Isabel Moura




     I
        nteressada procurei
        Saber de você, se
        Ache por
     Bem seu nome ser
     Escrito em meu coração, com
     Letras de saudade

     Mas optei pelo
     Ouro que brilha como sol
     Ultrapassando as
     Regiões e fronteiras
     A descambar no arrebol.




68
PORTAIS DE OURO
                         Isabel Moura




N
       a oração eu pedi ao senhor
       Para ver a cidade no céu
       A bíblia diz que é muito linda
E de refulgente esplendor

Numa noite sem luar
Estava indo para a igreja
Quando de repente no céu
Uma luz vi a brilhar.

Era o céu que ali se abria
Como um relâmpago no espaço
Os portais de ouro se abriram
A linda cidade eu via.

A JESUS, no momento, clamei:
SENHOR, meus olhos contemplam
A gloria do teu poder
Meu JESUS, meu eterno REI

Vi as ruas de ouro luzente
Os muros de jaspe e cristal
O rio da água da vida
Cristalina e transparente
Ouvindo o coral eu chorei
Do trono vinha o louvor
Que encheu minha alma.
Do sonho, feliz acordei

                                        69
ROSA DE CROCHÊ
                                 Isabel Moura




       O
               sono era demais. Olhos pesados como vagão de pensamento.
               Lá vai a locomotiva deslizando pelos trilhos na curva da soli-
               dão.
        No sobe e desce na montanha da imaginação, soluço embargado, cho-
ro, Ah, minha rosa de crochê. Me fere. Me machuca sem espinhos. Tão longe.
Mas perto seu perfume, como nada.
        Sem vida. Mãos delicadas na agulha trabalharam.
        No vai e vem das correntinhas, amarrou meu coração. Até formar pé-
tala por pétala.
        Tão formosa me traz inquietação. Teus olhos, ligeiros colibris a furtar a
seiva das flores, desaparecem no espaço anil. O tempo de repente passou. Só
resta a saudade afogada na taça de um passado que ficou tão distante.
        Ah, minha rosa de crochê.




  70
SERRANA
                                   Isabel Moura




        E
              m barra bocarra do Arroio, marralheiros de farra amarraram o
              burrinho marrom no barraco do Marreco.
              Marreco arrufadiço morreu irresistível no morro Corrido no bairro
do Parreira em meio a uma borrasca.
        Parreira, arruaçado, com a guitarra de Parra Ferrara surrou-a no ter-
raço numa tarraga.
        Farrapo carrasco e sorrateiro subiu a serra no serrado. Achou nas ser-
ralhas Serrana carraça a derramar, correu ao barraco e aferrolhou. Serrana,
estarrecida, agarrou o burrinho marrom que zurrava amarrado no barraco,
arretado.
        Arreminado, esbarrou na jarra de barro de Serrazina, correu ao ar-
rais de uma marroaz. Derruído à terra torrada de Terríola Serril. Num terroso
escorregou. As tarrachas desamarraram na corredeira. Farrapo irredento é
arrastado pela correnteza a arrúgia do horror. Urro de terror o arruinou.
        Naquela guerra do morre não morre, arrochado numa arrancada ao
barranco, sentiu um arrojão a terra.
        Arrepiado deu na carreira. Arribou a Marroco.
        E todo bizarro, agarradinho com Serrana na carruagem arruivada, es-
banja arrogantes sorrisos. Irradiante percorre o arruado em meio aos carros-
séis, arrualhando.
        Derretendo-se no sabor de uma tarraçada de jinjibirra com arrivismo.
De repente ferroadas na barriga vêm horrorizar. Irreconciliavelmente interrom-
pe. Irreal encerra. Irreclamável. Arregalou. Cirroteiro e hemorraidoso. Soterra-
do por carrapichos e carrapatos a ferruar. Horropila.
        Erros aterrorizam como carrego a atarracar o arrependimento. Mirrado
morria um farroupa esfarrapado. Derrotado numa vida arrasada pela miséria
terrorida.

3º lugar – prosa – I Concurso do GE – 08/05/2012.


                                                                           71
VOZ DOS ANJOS
                            Isabel Moura




     S
            ão lindas as vozes
            Ouço bem as vozes
            Vozes vozes vozes vozes
     Infinidade de vozes
     Num coro as vozes
     Trazem aos ouvidos meus
     Os louvores no céu
     Dos anjos de DEUS.




72
PÁGINA EM BRANCO
                               Hamilton Brito




       E
              stou recebendo do Senhor uma página em branco onde deverei
              escrever uma história. Nela colocarei aquilo que produzir, com
              os acertos e erros que a constituirão.
        Estou acordando para um novo dia. Deverei vivê-lo e ao seu final algo
estará escrito; bom ou ruim, serei eu o responsável, o autor.
        Meu propósito é preencher a página com palavras nobres, sentimentos
puros, conclamando à paz.
        Creio que durante a minha vida desenvolvi o sentimento de humilda-
de, de tolerância e compreensão para com os meus semelhantes e quantas
vezes, nas páginas anteriores, ao fechar a história, algo aconteceu e a poesia
que eu consegui manter até o momento, foi nas asas do vento ou na garupa
do capeta.
        Não faço com a frequência que deveria um exercício simples que po-
deria ajudar na estruturação da minha história diária: fazer a mim mesmo a
recomendação “descubra o que há de melhor em você e potencialize a vivên-
cia diária do seu melhor para que possa crescer um pouco a cada dia.”
        Outro dia vi na tevê um programa ensinando a conseguir harmonização
entre pessoas e ambientes, pregando que problemas existenciais podem estar
ligados à sua casa, aos seus ambientes.
        Pode ser que sim. Mas se não houver a arrumação do seu ambiente
anterior até onde irão os resultados conseguidos com o novo design da sua
sala ou quarto?
        A gente não lava o rosto todos os dias ao levantar? Lavemos também a
alma. Aqueles sentimentos nobres que temos a cada final de ano, sentimento
maior de solidariedade, de amor ao próximo podemos tê-los a cada início de
dia. Estimular o otimismo, a confiança em Deus e em nós mesmos, de que va-
mos escrever uma bela história. Que aquela página diária enriquecerá aquele
que será o livro da nossa vida.

                                                                         73
Assim como para escrever bem é preciso conhecer toda a estrutura
necessária, ou seja, aprender o papel do artigo, do verbo, da preposição, do
sujeito, do complemento, da pontuação, o que é crônica, conto, poesia ou
poema e demais, para viver bem é preciso conhecer os meios para fazê-lo.
        O ser humano precisa estar em harmonia consigo e com o universo e
para tanto precisará alimentar os melhores sentimentos que conseguir.
        Para conseguir melhorar um pouquinho mais hoje, eu preciso lutar.
        Inicialmente pode ser difícil, mas cada conquista, por pequena que
seja, vai nos empurrar para um novo desafio.
        É preciso ter em mente que a natureza canta e que não seremos nós
que ficaremos chorando sobre possíveis leites derramados, e que a mudança
do mundo passa pela nossa e tem que ser para melhor.
        Mas só podemos ser melhores se a nossa mudança nos aproximar de
Deus.
        Os filósofos costumam dizer que a primeira pergunta que devemos
fazer é: quem sou eu?
        Quem sou eu... uai! Eu sei quem eu sou, o Estado sabe quem sou eu,
no computador da prefeitura está quem sou eu, onde moro. Não falta enxerido
para saber quem sou eu.
        A primeira pergunta que devemos fazer ao acordar é: como tem sido a
minha relação com Deus?
        Para nós que não somos políticos, ministros, secretários, fica mais fácil
responder à pergunta...
        Concorda?
        Voltando à filosofia, ela prega que somos um ser substantivo, um ser
único, fonte de tudo, ser infinito, eterno.
        Então, tome cuidado para não ir para o além sendo um ser
de...”merde”.
        A cada página em branco recebida de presente todos os dias, com
clareza e uma boa caligrafia escreva a sua história. Ela poderá não receber um
Pulitzer, mas quando Deus ler o que estiver escrito, certamente dirá:
        -Pedro, estenda um novo tapete vermelho. Está chegando um dileto
filho.

  74
DUAS LÁGRIMAS
                               Hamilton Brito




       M
                  arcos já beirava os quarenta anos e ainda não tinha suspira-
                  do por ninguém. Quantas “conheceu” nem sabe responder.
                  Exigente? Até que não.
        Sua profissão fazia dele um andarilho. Quer dizer,.andarilho...era mais
“ carrilho” ou “ aviaõzilho”.
        Ora um contato em Porto Alegre na terça-feira, ora um em Belém , no
Pará., na quarta.
        A permanência nestes lugares era sempre pequena e assim não dava
tempo de conhecer alguém mais profundamente. E olha que tinha encontrado
uns “ alguéns “ de tirar pica pau do oco.
        De certa feita conheceu uma morena muito bonita em Itaúna, Minas
gerais e ficou encantado. Sentado em um restaurante, notou-a mais à frente
com uma colega. Percebeu que ela comia, olhando maliciosamente para ele,
uma coxa de galinha de um modo estranho, como se a chupasse...esquisi-
to!
        Como não houve o fechamento do negócio naquele dia, não deu baixa
no hotel e voltou ao mesmo restaurante para o jantar.
        Olha a morena lá e desta feita, sozinha. Pediu licença e sentou.
        _ Oi, você pede o que comer e eu escolho o vinho.
        - Está certo, mas antes vamos combinar o meu preço. Meu nome é
Maria.
        Assim, na lata, na cara dura. Uma das mulheres mais lindas que já
tinha visto na vida.
        -Ave! Esta Maria.... Santa Maria, pensou.
        -Olha, vou ao meu carro, pois esqueci a carteira e volto já. Enquanto
espera, aproveite e faça a encomenda para mim. Peça um Gravas Del Maipo,
da Concha y Toros Já volto.

                                                                         75
Saiu, foi ao carro e se mandou dali.
         -Desgraçada, vais pagar setecentos mangos pelo vinho e quem sabe
para acompanhar um miojo alho e óleo.
         E assim as coisas iam acontecendo e ele nunca se decidia por nin-
guém; umas mais assim, outras mais assadas e o seu coração continuava
livre, por menos que estivesse gostando.
         Férias de final de ano,passou a mão na mala e foi para a Europa. A
crise estava bem acentuada, a moeda em baixa com o real em alta, oferecia
ótimas possibilidades.
         Ficou zanzando à procura de bons programas, freqüentando bons
restaurantes, bons teatros, até que viu na tevê um anúncio: André Rieu live at
Acropolis.
         -Ué, Yanni at Acrópolis até ta. Mas o “ cumpadi” André? Vou ver.
         A passagem aérea na Europa é mais em conta do que a que permite
ir de São Paulo ao Rio pela Reunidas. Mas a Reunidas tem que manter o Vôlei
Futuro e só para ver a Paula Pequeno parada em quadra isto se justifica
plenamente.
         Casa cheia, conseguiu um lugar frontal bem perto do palco; como se
diz no futebol: na zona do agrião. Não porque fosse um sujeito de sorte ou
lindão e sim porque deixou metade do salário de um ano na bilheteria.
         Que classe, que luxo. Quase igual aos shows do Chitãozinho e Xororó
no Credicard Hall...
         Sed libero nos a malo.
         Platéia em alvoroço até que começou a apresentação e as músicas
famosas da orquestra foram se sucedendo. Ora silêncio, ora ovação estron-
dosa.
         Até que se apresenta Carmem Monarca, uma brasileira que é conside-
rada pelo próprio André como a mais bela voz do mundo. O maestro a anuncia
cantando Ave Maria, de Johann Sebastian Back.
         -Vote meu, este cara tá doido. È de Gounod.
         Silêncio profundo. Emoção intensa. Quando se dá conta uma lágrima
surge em sua face. Pega o lenço discretamente, mas olha de lado e vê uma
  76
loira, holandesa veio saber depois, aqueles cabelos , aquele...aquele...Meu
Deus! Nela, uma lágrima também.
        - Você sabia que a Carmem é brasileira?
        -E você , sabia que o André é holandês?
        -Mas ele disse que a Ave Maria é de Bach.
        -Ele disse e é.
        Como a holding da sua empresa ficava na Holanda, uma transferência
foi arrumada e as duas lágrimas foi o preço que pagaram para ocuparem um
espaço ali onde as terras são baixas.
        O que uma Ave Maria separou, uma Ave Maria uniu.




                                                                      77
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Uma felicidade atrasada

  • 1.
  • 2.
  • 3. 10 Wanilda Borghi, Marianice Paupitz Nucera, Elaine Alencar, Hamilton Brito (org.s) Grupo Experimental Academia Araçatubense de Letras Araçatuba 2012
  • 4. Capa: Wanilda Borghi “Xis traço” Grafite, lápis de cor e aquarela sobre papel Revisão: Marilurdes Martins Campezi Presidente da Academia Araçatubense de Letras (AAL) Maria Apparecida de Godoy Baracat Coordenadora do Grupo Experimental - GE Marianice Paupitz Nucera Criação da Logomarca GE: Wanilda Maria Meira Costa Borghi - 2009 Representante do GE no CMPCA Projeto e Editoração Gráfica: Celso Nicolete CTP e Impressão: Editora Somos Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Grupo Experimental. Academia Araçatubense de Letras Experimentânea 10 / Wanilda Borghi, Marianice Paupitz Nucera, Elaine Alencar, Hamilton Brito (orgs.). -- Araçatuba, SP : Editora Somos, 2012. ISBN: 978-85-60886-53-1 1. Literatura brasileira - Coletâneas I. Borghi, Wanilda. II. Nucera, Marianice Paupitz. III. Alencar, Elaine. IV. Brito, Hamilton. 12-10845 CDD-869.908 Índices para catálogo sistemático: 1. Antologia : Literatura brasileira 869.908
  • 5. Índice Prefácio .......................................................................................................07 Ana de Almeida dos Santos Zaher ...............................................................09 Anizio Canola...............................................................................................16 Antenor Rosalino .........................................................................................25 Aristheu Alves..............................................................................................31 Carmem Silvia da Costa ..............................................................................35 Elaine Cristina de Alencar ............................................................................41 Emília Goulart dos Santos............................................................................52 Isabel Moura ...............................................................................................67 José Hamilton da Costa Brito ......................................................................73 Manuela Sant’Ana Trujilio ............................................................................86 Maria José da Silva .....................................................................................95 Marianice Paupitiz Nucera .........................................................................103 Pedro César Salves ...................................................................................114 Vicente Marcolino Rosa .............................................................................124 Wanilda Maria Meira Costa Borghi ............................................................130 Wanda Edith Meira Costa ..........................................................................146 Logomarca do GE ......................................................................................149
  • 6.
  • 7. PREFÁCIO Q uando recebi o convite para apresentar este livro, senti uma doce e grata emoção. Foi como anunciar que está brotando uma fon- te de água cristalina renovando a vida. Como uma luz mansa que escapa pela fresta de uma porta entreaberta, chamando atenção. Curiosos vão se aproximando meio tímidos, espiando o lugar e sur- presos descobrem que é ali a fonte. Fonte de ideias, onde podemos dar asas para a imaginação e luz para os pensamentos. Como o pensamento é alado, voa,viaja, vai aonde quer, transforma em palavras o que vê e sente, vai me- xendo com as emoções, cutucando a inspiração e faz nascer o poeta que em verso ou prosa vai cantando seus amores e dores. E nasce o escritor. Bendita luz mansa que tem revelado a alma poeta, observadora, crítica, suave, objetiva ao expressar sentimentos. Gente sensível que brinca com as palavras e as tornam adocicadas quando falam de amor, que gritam protestos quando seus direitos não são respeitados, gente que chora dores de amores desencontrados, enquanto ou- tras lamentam por aqueles que foram para nunca mais. Amor e ódio, saudade, lamento, esperas, sonhos e pesadelos, chegada, partida, risos e lágrimas, sempre servirão de inspiração e se dermos asas, as palavras darão formas, e as ideias brotarão e deslizarão compondo poemas, versos, prosas e romances com a serenidade das águas da fonte. Parabéns ao Grupo Experimental, fresta de luz que atraiu poetas e gerou escritores dando oportunidade a tantas pessoas que sonham um dia ter seus escritos publicados. Quando suas ideias e pensamentos se transformarem em palavras grafadas nas páginas deste livro, ficarão para a posteridade. Esta coletânea reúne trabalhos de vários participantes, com o objetivo de expor sentimentos e dar oportunidade. As pessoas que gostam de escrever aqui se encontram acolhidas. Não há competição, há harmonia. A luz da fresta é apenas a timidez. Hilda Dias de Oliveira 7
  • 8.
  • 9. VOAM SEM ASAS Ana Almeida dos Santos Zaher A felicidade existe, mas na maioria das vezes a deixamos escor- regar feito areia nos vãos dos dedos. Voam sem asas coisas boas e más, e estamos vulneráveis e livres. Apesar dos direitos e deveres, existem muitos valores que a sociedade coloca em primeiro plano, ainda somos donos de nossas escolhas. m algumas situações o mundo se vira contra você que depois se vê obrigado a voltar, porque nem tudo é regra, e existem inúmeros fatores que perdem o controle das mãos humanas. Exigir perfeição é algo fora do alcance, mas trabalhar para o bem de todo é um caminho árduo, embora gratificante. É claro que seria bem melhor amar tudo e todos, mas há quem afirme que poderia não ter graça se fosse assim. É impossível estar de acordo com tudo, mas é possível conviver em paz com as diferenças. Não é mais fácil, porque temos orgulho e muitas vezes não valorizamos as coisas e pessoas que estão sempre por perto. Voam sem asas, o amor e ódio, e o universo traz e mostra que somente ser livre não basta; a inteligência, para definir bem seu próprio caminho, é fundamental. O medo de abraçar e acolher a semente do bem faz defasar a colheita. Para muitos é mais fácil acomodar-se e resmungar a vida toda, do que enca- rar e tentar. Sei que é fácil pedir coragem aos outros, e eu não peço, e nem digo que temer é errado. Acredito que o certo é dosar os sentimentos e adquirir equilíbrio. Vale a pena se esforçar e tornar seu sonho realidade, pois mais do que querer, é preciso lutar e não desanimar na primeira queda. Tudo serve de aprendizado, o que não deve ocorrer é perder as opor- tunidades, o ânimo e a vontade de chegar, mesmo que não seja ou aconteça 9
  • 10. exatamente do jeito que se planejou. O que importa é sentir-se feliz e satis- feito. Na maioria dos casos, as pessoas se decepcionam com o rumo que suas vidas tomaram, e nem sempre admitem e aceitam um recomeço. Não entendem que temos o direito de mudar de opinião e a rota. Voam sem asas: a natureza, os homens, todo o planeta, misturados filhos e agregados em busca do mesmo objetivo: a realização de seus anseios, cada um com sua particularidade. Seguem sua viagem, voando sem asas e sem data marcada, em uma velocidade não controlada, porque cada piloto conduz sua nave dentro do tempo não determinado. É evidente, o percurso é o mesmo, os sonhos e desejos são incontá- veis, mas cada um é responsável pelo que quer e a que almeja. Voam sem asas, uns inocentes, outros com muita sede, e o mais im- portante: dentro do contexto todos vão conquistando seus méritos. 10
  • 11. RETARDADA FELIZ Ana Almeida dos Santos Zaher C aro leitor, afirmo sempre que viver é bom demais e ser feliz é minha obrigação. Contudo, ainda choro por seres que não conseguem chegar nesta máxima da vida. Atingi uma fase maravilhosa aos quarenta anos e liber- tei-me da cruz que pesava em meus ombros: o medo terrível das más línguas, dos olhares maliciosos que corriam sobre meu corpo e meu ser, sempre bus- cando em mim um erro ou atitude, que os covardes não tomariam nunca. Sempre convivi com pessoas maduras, nunca desprezei seus conse- lhos e exemplos. Sempre dei valor ao quesito experiência. Caro leitor, o sábio de fato repassa o que aprende, eu ainda não sei tudo e acredito que ainda faltam respostas para muitas coisas. Mas quanto ao saber, diante de tantos relatos e exemplos vivos, decidi buscar a felicidade, descobri uma mina de ouro, e me banhei nas águas com o melhor tesouro. Sem planos, despida de orgulho, adormeci e acordei, pensei ser sonho e me belisquei. Tudo era real. Caminhando em delírio, externando o estado de graça, incomodando os infelizes, ouço vozes fazendo da minha vida uma novela, e desenhando meu triste fim e prevendo meu futuro. Ouvi uma boca maldita gritar: “Ela é uma retardada, retardada!” É,meus caros, os retardados também são gente e muitas vezes mais humanos do que os bons de cabeça. Agem com autenticidade, sem fingimen- to, falam e reagem de acordo com o momento. Ao contrário dos considerados em juízo perfeito que, às vezes, jogam a perfeição no vaso e dão descarga e vomitam asneiras nos ambientes, acham-se no direito de sentar sobre seus próprios erros e defeitos, com rosto coberto de máscaras. E saem por aí desti- lando o veneno, já que fizeram suas escolhas, caíram no abismo e não houve resgate; como almas penadas se deliciam em maldizer a vida alheia. Não julguem um livro pela capa nem uma mulher pelo sorriso, dizeres antigos que se encaixam nos dias atuais. Enquanto perdem tempo cuidando 11
  • 12. do jardim alheio, o próprio abriga apenas insetos indesejáveis. Eu sem flores não respiro, para veneno de cobras há muito tempo tenho antídoto. Às vezes sinto-me perdida no espaço, ainda abala minha es- trutura quando carunchos tentam penetrar a qualquer custo meu paraíso. Então, mergulhada em um desespero mudo, tenho fé e sinto que Deus me ama incondicionalmente. Então dou uma ‘banana’ para os invejosos e digo: “Já sofri, venha o que vier, não sofro mais.” Lembro, então, de tantas vidas que se suicidaram por não ter tido a coragem de mudar sua rota; lembro-me também das moças que morriam virgens e solitárias com medo do sexo e da fama. E lembro-me ainda de muitas outras pessoas que escolheram a morte, de tamanho sofrimento que o preconceito causou. Prefiro ser uma retardada feliz que ter sonhos e desejos sufocados. Ou, ainda, desistir sem ter lutado; uma retardada feliz que segue sempre tentando novos caminhos, mesmo sabendo que alguns, possivelmente, não trarão os resultados esperados. 12
  • 13. BAILARINA Ana de Almeida dos Santos Zaher B ailarina Bailarina... Menina Muito bela Um anjo bailando Algodão doce Em torno da multidão Distribuindo paz Alma terna mostrava a existência do amor Traz luz e graça Bailarina... Espírito de criança Que não morre jamais Esperança que insiste Bailarina... Dona das estrelas Universo compartilha tanta beleza Poucos herdam o domínio Corajosos seguem em busca do equilíbrio. 13
  • 14. CARTA AOS ADOLESCENTES Ana de Almeida dos Santos Zaher A mãe carrega em seu ventre o filho por nove meses. Meses de alegria e expectativas. A criança, o filho, a benção! Há mãe que já carregou mais de vinte filhos em seu ventre, sempre os defendendo com unhas e dentes. Mas nem sempre esses vinte foram por essa mãe. Nos dias atuais os pais estão preferindo ter poucos filhos, para dar mais amor e conforto. E dão de tudo, até mais que o necessário. Ainda é possível encontrar filhos que dão valor e cuidam da própria mãe; é raro, mas existem. Neste exato momento o que mais está sendo assustador, um pesadelo real, ver que tantas vidas geradas e criadas com tanto amor, estão matando, batendo, torturando aquela mulher que deixou de viver sua vida em prol da felicidade e realização de trazer ao mundo uma vida, um filho. Uma mãe, após dar à luz, não tem mais sossego. Não dorme direito e também não se alimenta, e o pouco que come não a satisfaz. E muitas vezes são chamadas de tolas por isso. Mas é por natureza que as mudanças ocor- rem. Ouço desde criança que filho é um pedaço do coração da mãe que bate fora do peito. E isso é verídico. Esta ‘carta aos adolescentes’ é necessária; ela também servirá aos filhos adultos e ingratos. Todo ser humano passa por uma transição, fase de revoltas e insatis- fações, mas a maioria, ao invés de olhar para si e aprender a se conhecer, a fazer os reparos, não o fazem! A primeira culpada, condenada sem ir a júri, é a mãe. Será por quê? As meninas vão saber o que é ser mãe quando derem à luz, e as que por um motivo ou outro for estéril, vão saber do mesmo jeito. A dor da ausên- cia falará por si só. 14
  • 15. Os meninos, imagino sentirem uma emoção única ao desmaiarem na sala de espera e logo pegarem ao colo o fruto e constatarem o poder que têm nas mãos de perpetuar sua espécie. Aos adolescentes que têm coragem de sujar as mãos com o sangue da própria mãe e os filhos barbados que fazem tanto mal e chegam ao extremo da maldade interrompendo a vida do portal que os trouxe ao mundo com tanto amor, não sabem o que é ser mãe, pois não existe escola para ensinar a ser mãe, então vão morrer mesmo sem saber onde está o erro. Uma mãe, por mais defeito que tenha perante os olhos da sociedade, não merece a punição de ser assassinada pelo ser que ela gerou e recebeu com tanto amor. Uma mãe jamais esquece um filho, muitas vezes até abre mão de criá-lo devido às suas condições financeiras. A maioria amamenta os filhos, variando de meses até anos. Sempre doando seu tempo. Ultimamente, com tantas tragédias, fico a pensar que realmente há coisas que não valem o sacrifício. As mães estão entre a cruz e a espada, amam demais e são incorrigíveis. E os filhos, o que mais querem? Carregar na consciência o peso e na mão as marcas do sangue que corre em suas veias? Assassinam o corpo, mas não rompem o cordão umbilical. Nada fica impune. Sinto muita pena. 15
  • 16. COINCIDÊNCIA FATAL Anizio Canola U m ligeiro giro no volante. Então, o possante carro, cor da moda, entra suavemente no curto aclive, de acesso ao motel. Por um instante dá para ver o luminoso feérico. Em destaque, o nome do ninho de amor, Eros. Um pouco acima, a enorme lua cheia, que parece tão próxima. Na verdade, confunde-se com a fachada, como se fora uma estampa só. O feitiço do luar espalha-se carro a dentro, envolvendo ele e a amada que está tímida, ao lado, ocultando o rosto com um xale tricotado. Receio natural. Afinal é um encontro proibido. Mas só porque a vida quis assim. Nasceram almas gêmeas, todavia, nas voltas que a vida dá, casaram-se com outros. Neste momento, seus corações estão revoltados. Acham que deveria importar apenas o amor, puro e sincero, para ficarem juntos. Pena, as convenções têm outras regras, exigem muito mais. Por isso estão no Eros Motel. Arriscando-se, para terem um marcante dia na vida, a que têm direito, por se amarem de verdade. Não ignoram, entre- tanto, que essa noite mágica, após 30 anos distantes um do outro, provavel- mente será o epílogo de uma história maravilhosa. O pequeno trajeto, até chegar à recepção, é suficiente para fazer eclo- dir o passado nas mentes de ambos, como num filme dos anos 60. Não se recordam o porquê de haverem tomado rumos diferentes, posto que se ama- vam tanto. Distantes no tempo e no espaço! Recentemente, por puro acaso, seus caminhos se cruzaram de novo. A velha chama reacendeu, embora seja evidente que só noutra vida poderão ficar juntos de novo. Durante vários dias, combinaram por telefone de se encontrarem, se verem, se amarem, e... dize- rem adeus... Eros, ponto de encontro furtivo. E da despedida, pois jamais terão paz doutra maneira. O marido dela o conhece bem, desde os tempos da juventude quando os três, solteiros, moravam longe daqui. A areia da ampulheta marcou o espantoso sucesso na vida daquele casal. Quanto a ele, continuou com 16
  • 17. uma conta bancária modesta. Mas feliz. Apesar da vida regalada, ela sentiu que errara na escolha desesperada. Contrariada, continuou fiel ao amor de outrora, embora na distância. Quem consegue controlar o coração insensato, perdidamente apaixonado? Em consequência, o marido passou a nutrir senti- mentos de ciúme e crueldade. Aí, o risco: se soubesse quem chegou, de longe, para tê-la... O carro parou na portaria. Com um movimento ágil, erguendo o braço esquerdo, ele pegou a chave de um apartamento. Em seguida, rumou por uma alameda ornada de lâmpadas coloridas de cortesia. Acolhedora, a calma do ambiente. Dá para ouvir os pneus escorregando no pedrisco. Ela puxa o xale, descobrindo um pouco o rosto. No cenho, a marca da preocupação. Ele admi- ra a face dela, iluminada pelo luar. Pronto. Aí está a suíte 18. Automaticamente a porta da garagem se abre. Tempo suficiente para o carro entrar. Fechada, garante a privacidade do casal. A salvo de olhares ocasionais curiosos. Ele veio de longe. Ninguém o conhece nesta cidade dela. A não ser o marido da sua amada. Arriscam muito. Quis tê-la de novo nos braços. Lamen- tavelmente, na mocidade não a reconhecera. A mulher da sua vida estivera ao seu alcance, mas... Agora, não tem mais jeito. Resta apenas curtir esta noite e sumir no mundo. Ele pensa: Eros, o Deus do Amor. Muito apropriado. Quantas histórias acontecem aqui, amiúde. Porém a vida amorosa não são só rosas. Eles mes- mos são, na verdade, protagonistas de um enredo mal traçado. Corpos ardentes. Envolvidos pela paixão. E simultaneamente pelo amor. As revelações. As angústias. Os temores, os desalentos. Um turbilhão de sen- timentos no ambiente sofisticado da suíte. Tudo acabou. Resta agora ir embo- ra dali, para nunca mais. Talvez seja difícil convencer os corações, mas... Um último beijo. Demorado. Saboroso. Doce mel. Ele gosta do meca- nismo na parede, que facilita acertar a conta. Passa um cheque, em paga- mento. Ela arrepia: - “Você deve estar louco. Vai se identificar”. Ele não liga: ninguém o conhece na região. Que perigo pode haver? Buscam a porta de saída, abraçados. Um olhar derradeiro para a cama redonda, desarrumada. Ah, foi tão bom! – repetem. A banheira de espuma, 17
  • 18. transbordando... A suave cor rosa do aposento. Um verdadeiro cenário de amor. Para marcar a despedida de suas vidas. Separadas pelo ingrato des- tino. O interfone toca. A moça da portaria pergunta-lhe se ele é mesmo de Araguari. Ele confirma. E se queda intrigado. Como ela descobriu? Ah, simples coincidência... Ele vai girar a chave, quando o interfone toca novamente. A moça plan- tonista pede-lhe um favor. Um amigo da casa está em dificuldade. Necessita com urgência de carona até determinado ponto da estrada, não muito longe dali. Ele invoca a privacidade. A moça é persuasiva. A pessoa irá no banco de trás. Basta deixar a porta traseira destrancada, que entrará, sem fazer perguntas. Não falará com eles. E quando chegar ao local pretendido indicará com o braço. Ela, ouvindo aquilo, arregala os olhos. Sua intuição não admite tal absurdo. Ele argumenta que já concordou, não dá para voltar. Ela morde os lábios. Discorda, mas resolve não dizer mais nada. Aberta a porta da garagem, o carro sai de ré. Ao passar pelo escritório, para um pouco. O luar agora é discreto, vencido paulatinamente pelas som- bras da noite. Um vulto passa pela porta de vidro. Rápido, entra no carro, atrás. Ele tenta distinguir a pessoa, espiando no retrovisor interno. Na penumbra, percebe que o homem tem o rosto coberto por um lenço enorme, talvez colo- rido. E usa chapéu atolado de peão. O carro escorrega no pedrisco. Eis a saída. Ele tem vontade de gritar: adeus, Eros Motel. Valeu o momento de felicidade. Ali, juntinhos. Dessa forma, resgatamos um dia na vida! Ela sai do motel protegida pelo xale. Suavemente, inclina o rosto no ombro dele. No interior do carro, ninguém diz nada. A estrada está escura. Até a lua se escondeu. Uma inquietação começa a atormentá-lo. Quem será esse cara? Seus pensamentos ficam agitados. Devia estar louco, como ela disse, quando aceitou. Expor-se, e a ela, a um risco desnecessário. Para servir a quem? Atender um pedido da gerência do motel? Só um idiota, mesmo. Ela logo adormece, feliz. Em dez minutos estarão na cidade. Ele procura ordenar os pensamentos. Como fará para se livrar do sujeito? Afinal não foi definido onde desceria... O camarada tosse de vez em quando. E pigarreia. Que sufoco. Ele olha seguidamente no retrovisor. Querendo detectar qualquer movimento 18
  • 19. suspeito. O carro roda por aproximadamente dois quilômetros. Estrada deserta. Firmando a vista, ele percebe ao longe uma Van, parada no acostamento. Dois vultos acenam na pista... Devem precisar de ajuda. Que sorte. É a chance de descartar o carona inconveniente. Ele diminui a marcha. Ela se mexe, quan- do ele a afasta carinhosamente do seu ombro. Nisso, surge um braço junto ao rosto dele. O dedo indicador aponta que o cara quer ficar ali. Que ótimo. Facilitou. Estaciona bem atrás da Van. Um moço alto se aproxima do carro. Pe- de-lhe um pouco de combustível. Ele concorda. O carona desce. E acende uma lanterna à pilha. Aí foca o rosto dele, ostensivamente. Que reclama, pois a luz fere seus olhos. Perturbada, ela acorda. Sem querer, deixou o rosto des- coberto. O cara da lanterna assobia para o outro homem, gorducho, que vem devagar. Ela tenta reconhecer a silhueta do homem que está chegando, com algo nas mãos. - “Meu Deus, parece que é...”. No momento confuso, o carona, lanterna em punho, diz: - “Eis os pombinhos, patrão!”. Ele fica aturdido. Se dá conta da gravidade da situação. O gorducho, alquebrado pelos anos, chega bem perto e esbraveja: - “Procurei tanto... e a caçada acaba assim”. A palavra “caçada” o estupora. Ela puxa o xale, instintivamente que- rendo se proteger. Dois estampidos ecoam na noite medonha... 19
  • 20. FLORES E AMORES Anizio Canola O h, Musa. Tu gostas, percebe-se, de margaridas. Eu também gosto de flores Identifico-me mais, com rosas vermelhas! São a minha cara. Mas, na realidade da vida, sou um cravo vermelho. Perfumado, de cor nítida, mas menor. Sem a terna suavidade de rosas e margaridas. Quedo-me em dúvida, ó Musa. Algum dia tua margarida gostará de ser envolvida pelo carinho do meu cravo? Felicidade que nem orquídeas ou gerânios saberão proporcionar igual. 20
  • 21. TIO (A) É A... Anizio Canola A rede social Facebook traz, vez ou outra, mensagens de gran- de valia. Outro dia compartilhei uma que achei oportuna. Dizia: “Moro em um país onde treinador de futebol é chamado de pro- fessor e professor é chamado de tio!”. Entendo como ignomínia tratar mestres dessa maneira. Pior que grande parte deles aceita passivamente tal desaforo. Mormente nas escolas de educação infantil. Aí, como diria um mineiro, “vira um queijo!”. Eu, quando criança, morava num recanto caipira do Estado, em Cerqueira César, e falava “fêssora”, mas jamais, “tia”. A professora Maria Tereza Marçal Cardoso, minha querida amiga mi- neira da gema, em razão do providencial texto, encetou campanha no próprio Face. Escreveu, a poetisa: “Cabe a todos nós, educadores, profissionais de educação e toda a comunidade escolar e sociedade cultural organizada, aca- bar com essa inversão de papéis e valores: professor não é parente, é autori- dade competente (ou pelo menos deveria lutar para ser)”. Quem primeiro barrou essa forma desrespeitosa de tratamento foi Ruth Cardoso, conforme manchete de primeira página do Estadão. O então Presidente Fernando Henrique Cardoso e ela estiveram em um teatro, em São Paulo, para verem uma encenação famosa. Na saída, um grupo de estudantes interpelou o casal sobre o espetáculo. Uma adolescente perguntou à Ruth: “Tia, o que você achou da peça?”. A ex-ativista, que se transformara numa mulher culta e admirável, demonstrou espírito empedernido, respondendo na lata: “NÃO SOU SUA TIA!”. Na escolinha onde minha neta está matriculada percebi, com muita satisfação, que ali só se fala “professora”, nunca “tia”. Bom, senão como os petizes irão aprender essa noção de respeito? Mas é difícil. Na porta alguns pais dão recados aos seus baixinhos assim: “Fala pra tia...”. Esse modo de tratar, porém, não está circunscrito ao âmbito escolar; já 21
  • 22. contaminou a sociedade. Muita gente fala “tio” ou “tia” sem critério. Por achar bonito, ou estar na moda, ou .. sei lá! Quando um flanelinha aproxima-se do meu carro e fala “Tio, posso tomar conta?”, já fica queimado comigo. Digo-lhe, nunca lhe ensinaram a falar senhor ou senhora? Certo dia, no Fórum estadual, eu controlava o acesso à sala de audi- ência, quando apareceu um vereador famoso para depor. Logo depois surgiu o assessor dele. Jeitão estabanado, perguntou-me: “Tio, vai demorar muito?” Pensei. A gente rala na faculdade, bacharela-se em Direito, recebe um di- ploma da conceituada Toledo, em cuja capa está escrito “Doutor”. Passa no exame da Ordem. Aí aparece um desrespeitoso desses, que não tem noção nenhuma de sociabilidade, e me chama de “tio”? Ninguém merece! Imaginei o cara acompanhando o vereador no palácio do Governo. É capaz de chamar o governador de “tio”. Será o caos da educação? Senhores edis, selecionem melhor seus auxiliares de gabinete. Poucos meses depois soube que aquele assessor bronco fora remanejado. Passou a ser zelador de um cemitério. Como diria meu grande amigo Brito, do Grupo Experimental, que tem maneira peculiar e objetiva de dizer as coisas: - Vai, tonto. Vai chamar algum finado de “tio”. Arriscar-se-á a ver com quantos ossos se faz um esqueleto... 22
  • 23. UM DIA LINDO DEMAIS Anizio Canola T enho algo muito importante para lhe contar, meu bem. Ontem foi um dia extraordinário. Você precisava estar aqui para admirá-lo comigo. Nossos amigos sentiram o mesmo. Tudo nos conformes. Direitinho. Satisfação total. Manhã ensolarada de céu azul, do jeitinho que você aprecia (ideal para conseguir aquele bronzeado). Como se a natureza houvesse renovado a pintu- ra da paisagem, tornando-a mais atraente, colorida, deslumbrante... O ar estava impregnado de felicidade. Nesse dia incomum, a todo ins- tante você surgia no meu pensamento. Cada gesto, cada detalhe, cada lugar, tudo enfim lembrava você. Naquela praça sombreada pelo imenso arvoredo, onde você adorava namorar-me, quase pedi a um casal apaixonado para desocupar o nosso ban- co predileto. Mas a tempo lembrei-me de que você não estava mais na cidade. De que adiantaria? Contemplei embevecido o idílio digno do nosso amor de outrora. Ah, que saudade... Um dia imperdível. Só coisas boas acontecendo. O nosso número de sorte, 36, foi premiado. E eu aqui sozinho, sem ter você para compartilhar tamanha emoção. Achei que nem valeu a pena. No vaivém agitado do calçadão, suas palavras – “Já compomos uma cidade grande!” – se confirmavam. Mas por ironia do destino, faltava uma pessoa muito especial na multidão. Você. À noite, na avenida, recordei nossos passeios de mãos dadas, aprecian- do o movimento. Ninguém quis ficar em casa. O pessoal todo estava ali, em peso. Curtindo o burburinho, na suave ladeira iluminada pelo luar maravilhoso. Nossa turminha, na mesma lanchonete, esbanjava alegria na maior animação. Porquanto ontem tudo era convidativo, romântico, barulhento, festivo, ao agra- 23
  • 24. do de todos os sentimentos. Rebatia-se o forte calor com as cervejas espertas de costume. Olha, tiravam o chope exatamente como você gosta. Senti sua presença ao meu lado, sorrindo. Pura ilusão. O loirinho levou o violão e a Meire cantou coisas lindíssimas. Aliás, gostaria de ouvir você de novo cantar músicas da Elba. Seu modo de ser, sua voz, seu porte elegante em qualquer traje sempre nos trinques... Transbordava entusiasmo e você distante, Não me conformo. Eles nem me viram. Fiquei alongado e logo retornei para casa. Por isso quero lhe contar desse dia certinho, repleto de passagens gostosas. Um dia como poucos, lindo demais, arrebatador... para os outros! Porque para mim, longe de você, estava desbotado, sem graça, profundamen- te melancólico. Hesito ao teclar seu telefone para lhe dizer que, com seu brilho pessoal, tudo isso, tão lindo para os demais, seria mais radiante ainda para nós. Basta- ria você estar comigo, numa boa, entende? Nem sei se você continua no mesmo endereço ou se vai me atender. É difícil crer que tudo terminou, se havia tanto amor. Não percebi que nosso filme estava acabando, quando você dizia que ia sair da minha vida. Meu bem, essa impressão incontida de perda que restou, tem me magoado muito. Com absoluta certeza, eu nunca mais vou esquecê-la. Mas, que culpa tenho eu de pensar assim? Se os dias lindos continuam acontecendo e tornam mais fortes as recordações daqueles nossos momen- tos felizes, aumentando a amargura que me consome a alma? 24
  • 25. FASCINAÇÃO Antenor Rosalino B orboleta amarela, tão bela! Repousa quieta no meu pensar. Crisálida dos meus sonhos etéreos Fetiche do meu olhar! Não se vá antes da aurora, Não lhe toca o meu penar? Sob um céu de noite clara, Não deixe o vento a levar... Sedutora beleza que fascina Esses meus olhos que orvalham Formando cisalhas de prata Alucinados com seu voejar! Deixe o alvor do dia chegar Com olores de carmim E só então, abra suas asas laminadas E deixe o nada que se fez em mim. 25
  • 26. AMOR ETERNO Antenor Rosalino R evivo em sublimes sonhos, A trajetória da nossa união, Feita de espinhos e flores, Num misto de alegrias E lágrimas de solidão! As muralhas invisíveis, adversas Do tempo veloz e incerto Não conseguiram ceifar A chama azul da esperança Presente em nosso olhar! Sonho lindo que supera Soturnas realidades No alvor de cada dia E sob a luz de estrelas rútilas Mais aumenta essa verdade. Surpreende-me a intensidade Translúcida e serena Desse amor eterno que emana Nas noites onde os candelabros Fagulham orquídeas que encantam! Como andarilho dos sonhos seus, Esboço lágrimas ardentes, Peroladas pelo amor e a saudade Num tempo infinito onde a espera Tem sabor de noites estreladas. 3º lugar – poesia - I Concurso do GE – 08/05/2012. 26
  • 27. SÓCRATES DE ATENAS Antenor Rosalino C om o pensamento envolto pela bruma da ética e da filosofia moral, fundamentou sua existência no memorável lema: “conhece-te a ti mesmo”. A pureza de sua alma liberta, desconhecia preconceitos ignóbeis; dialogava com pobres, ricos, mulheres, escravos... Daí a razão de ser taxado pelos detentores do poder “perversor da juventude”, custando-lhe isso, o holocausto da própria vida. Buscava ao raiar de cada dia, o aprimoramento da virtude... Viveu com humildade, notadamente reconhecida em sua imorredoura frase: “Tudo o que sei é que nada sei”. Nada deixou escrito... Talvez, em sua sapiência, desejasse trazer à luz que, mais do que as letras, os atos e os exemplos ficam! Perece assim, o grande sábio, serenamente, sem recusar a taça do amargo e cruel veneno; mas o seu exemplo de vida e sua doutrina ficarão como obra imortal na galeria dos eternos que o tempo jamais ruirá. 27
  • 28. O SERESTEIRO (Homenagem ao “Grupo Amigos da Seresta” de Araçatuba) Antenor Rosalino C om o olhar complacente Em miríades de estrelas, O seresteiro se entranha Na poesia plena presente Do plenilúnio que abriga As suas canções dolentes! Predestinado por mãos divinas, Encanta multidões... Energiza-se a luz do prado Nas serestas que arrebatam Corações esmaecidos De saudades incrustadas! Sob o prisma do luar afável, O seu coração nostálgico Busca revelar o belo E os acordes acontecem Nas canções que fazem eco No altar dos campanários E nas montanhas em prece! 28
  • 29. LAÇOS AFETIVOS Antenor Rosalino L á pelas bandas do sul mato-grossense, onde as grandes e visto- sas fazendas se descortinavam num carrossel encantador, duas fazendas não muito próximas sobressaíam das demais pela vas- tidão de suas terras verdejantes e incontáveis cabeças de gado. Eram elas: a Fazenda Camarinhas pertencente ao senhor Anastácio e a Fazenda Santa Te- reza, de propriedade do senhor Virgílio, um coronel de exército, aposentado. Os fazendeiros eram amigos de infância, conhecidos pelo progresso sempre crescente de seus negócios e pela invejável extensão territorial de suas terras. Ambos possuíam habilidades extraordinárias para os negócios, razão pela qual, sempre se sobressaiam sobre os demais fazendeiros, e pos- suíam, sobretudo, um grau de escolaridade superior aos outros. Tanto o senhor Anastácio, quanto o coronel amigo, embora fossem pessoas de boa índole, e bom caráter, eram muito vaidosos, e gostavam de se vangloriar sempre que concretizavam suas negociatas, comumente regadas a muita lucratividade, mas não havia rivalidade pessoal entre ambos, afinal foram criados juntos e a amizade que os unia era de verdadeiros irmãos. Os negócios atinentes à compra e venda de gados eram constantes entre os latifundiários. Assim, o senhor Anastácio que possuía uma vaca dife- renciada pelo seu porte extremamente belo, da qual, o leite parecia jorrar com mais abundância, acabou despertando a atenção do coronel Virgílio que resol- veu fazer uma proposta de compra pela vaca Indiana. Sim, era este o nome dela, cuja proposta depois de longamente analisada, foi finalmente aceita pelo senhor Anastácio. Tendo sido definida a negociação, no dia seguinte, quando o canto dos galos e as estrelas matutinas davam adeus à madrugada, o coronel Virgílio encarregou o seu filho, Gervásio, de buscá-la. Com muito custo – pois Indiana aparentemente não desejava deixar a sua fazenda de origem -, o rapaz a levou para a nova moradia. 29
  • 30. Entretanto, o animal estava muito habituado com a fazenda onde nas- cera, o apego era forte demais pelo local amplo e aconchegante, pelo carinho como era por todos tratado e também pela companhia dos outros animais. Sendo assim, todos os dias a ladainha se repetia: Indiana sempre fugia para a sua antiga fazenda e lá ia Gervásio buscá-la com enormes dificuldades. Num certo dia, porém, ao sair à procura da famosa vaca que mais uma vez havia fugido, Gervásio a avistou atolando-se num pântano e, para resgatá-la, o filho do fazendeiro teria que fazer a travessia de um rio pequeno, porém, profundo. Ao fazer o trajeto, inesperada e inexplicavelmente – pois se tratava de um exímio nadador-, o rapaz veio a falecer, vitimado que fora por um mal súbito. Assim, com a lamentável e triste morte do rapaz, a vaca In- diana também morreu tristemente, atolada no pântano nefasto que agora, tal como o caudaloso rio, guarda essa história que ficará tristemente na memória de todos, como mais uma lição dos laços afetivos que transcendem entre as pessoas, mas também entre os animais. 30
  • 31. UM HOMEM DE OUTRO MUNDO Aristheu Alves S empre tive curiosidade de conhecer as pessoas consideradas fenômeno devido possuírem um avançado índice de inteligên- cia. Meus parentes, que conheceram Mateus na sua infância, afirmavam que o menino com apenas cinco anos de idade era uma verdadeira atração considerando que o garoto era filho de pai e mãe caipiras, semianal- fabetos e viviam numa fazenda de café no Estado de Minas Gerais. Não era normal uma criança, naquela idade, saber tanta coisa sem nunca ter ido à escola. O menino falava com tal desenvoltura como se fosse um adulto. Ele se divertia tocando um cavaquinho que ganhara de seu padrinho no Natal. A noticia sobre a sua sabedoria já havia se espalhado por toda a região do Triângulo Mineiro. Seus pais por várias vezes ficaram assustados com os procedimentos do filho. Dona Leonilda ao atender os curiosos não se cansava de repetir: - Meu filho já nasceu sabendo! Quando finalmente tive a sorte de conhecer Mateus, ele já era um ho- mem de trinta anos de idade, sua fama corria o mundo e eu pude constatar o seu sucesso ao verificar que o rapaz falava corretamente mais de dez idiomas, tocava vários instrumentos dos mais complicados a começar pela viola, harpa e até acordeão. Morando sozinho, a sua casa era um ponto de atração. Ali, aos domin- gos, reuniam-se os vizinhos, os amigos e seus admiradores em gera, quando trocavam idéias, contavam piadas, cantavam modas de viola e tomavam ca- chaça. Eu não tinha capacidade mental para compreender como poderia um homem ser tão inteligente, ter tanta evolução a ponto de inventar e fabricar variados tipos de máquinas agrícolas de que os colonos usufruíam com an- siedade. Ele sentia prazer em consertar veículos, rádios, relógios, televisores, 31
  • 32. computadores e tantos outros aparelhos. Fiquei surpreso quando alguns ca- boclos me confessaram que muitos de seus animais de estimação entre os quais, cachorros, cavalos e vacas, foram por ele salvos da morte com remé- dios que ele preparava com sucos de plantas extraídas da mata. Soube que alguns trabalhadores atacados por cobras venenosas, tais como cascavel e urutu-cruzeiro, foram socorridos por ele e assim conseguiram sobreviver. Po- rém, um dos casos que mais me comoveu foi contado por uma senhora idosa cujo neto de doze anos de idade sofreu câimbras nas pernas enquanto nadava numa lagoa. Foi retirado das águas pelos colegas que o consideraram morto por afogamento, quando recebeu o socorro milagroso de Mateus que o salvou da morte. Tantas coisas aconteceram e quantas intervenções foram feitas por aquele homem misterioso. As notícias chegaram aos ouvidos das autoridades religiosas e o Con- selho de Medicina já investigava suas façanhas procurando saber se ele exer- cia ilegalmente a medicina para então processá-lo. Constantemente a fazenda era visitada por repórteres que queriam entrevistá-lo, mas, nada conseguiam porque Mateus, não gostando de dar entrevistas ou de ser fotografado, se escondia no meio do cafezal até que os profissionais da notícia desistissem e fossem embora. Na verdade ele era sem dúvida um homem de outro mun- do. Tinha perfeito raciocínio e fazia complicados cálculos matemáticos em poucos segundos; além de ser apaixonado por ufologia, conhecia tudo sobre astronomia, meteorologia e tinha facilidade para fazer projetos arquitetônicos e de engenharia. Ainda, com seu canivete, produzia esculturas e brinquedos de madeira. As paredes da sua sala de estudos eram cobertas por telas com desenhos de estranhas máquinas que despertavam a curiosidade de todos, e por uma estante repleta de livros técnicos e biográficos de Leonardo da Vinci e Michelangelo Buonarroti. Certa vez eu e Mateus seguíamos em direção ao córrego que atraves- sava a fazenda, local costumeiro de nossas pescarias, quando caiu na nossa frente um bem-te-vi, vítima de uma pedra que um menino atirou com seu es- tilingue. O passarinho se debatia no chão, sangrando porque uma das pernas estava quebrada. Mateus tomando-o nas mãos, curou a sua perna e soltou-o 32
  • 33. para o voo da liberdade. Fiquei deslumbrado com aquela demonstração de poder. Seria ele um ser superior ou um homem santo? Não era possível! Ele era um homem comum, pois namorava, gostava de dançar, bebia cerveja e até cachaça. Não me contive e perguntei-lhe: - Como você consegue curar em poucos minutos, a perna quebrada de um pequeno pássaro? - É muito simples, basta usar o pensamento positivo, o desejo de que- rer ajudar e o milagre acontece. Então eu me lembrei de que em certo domingo, quando Mateus estava fazendo ilustrações nas paredes internas da escola da fazenda, notei que ao chegar de manhã para trabalhar, havia esquecido em sua casa as chaves da escola. Ele não se perturbou. Fixou os olhos na fechadura e em seguida empurrou a porta e ela abriu normalmente. Percebi que Mateus lia a mente das pessoas e meu próprio pensa- mento foi por ele devassado por várias vezes e, assim, alguns de meus se- gredos foram descobertos. Ele costumava dizer que no futuro os aviões não mais usariam a gasolina como combustível porque uma nova energia seria descoberta e captada no espaço, assim, terminaria o perigo da fumaça, das explosões e do excesso de peso. Alguns colonos de pouca leitura, ao ouvi- rem as suas previsões, acreditavam que Mateus fosse simplesmente um débil mental. E assim foi até que, numa noite de verão, alguns moradores da fazenda avistaram um enorme clarão formado por luzes de diversas cores, sobre a nova plantação de café. No dia seguinte descobriram que algo de estranho havia acontecido ali, porquanto ficara no cafezal um grande círculo mostrando as plantas amassadas dentro daquela circunferência. Isso ninguém soube ex- plicar porque era assombrosa a extensão daquele circulo maravilhosamente perfeito. As noticias se espalharam rapidamente. Em poucas horas a fazenda foi invadida por curiosos. A imprensa escrita, falada e televisionada lá estava presente e dentro de três dias chegaram cientistas e ufólogos de várias partes do mundo, inclusive da Ucrânia, que desejavam pesquisar o fato. A fazenda tornou-se um verdadeiro formigueiro humano. Era gente 33
  • 34. que chegava, era gente que saía e, com aquela confusão, a ausência de Ma- teus passou despercebida; mas depois de uma semana, quando o pesadelo passou e tudo já voltava para a normalidade, percebi que Mateus realmente não estava na fazenda. Procurei-o por todos os lugares possíveis e nada; o homem tinha desaparecido como por encanto. Todos ficaram assombrados com aquela situação de mistério. Como poderia um homem de tanto poder e sabedoria desaparecer assim sem deixar vestígios? 1º lugar – prosa – I Concurso do GE – 08/05/2012. 34
  • 35. A ROÇA Carmem Silvia da Costa É a roça. Moço da roça mudou de prosa, não fala mais uai. Vai para a cidade estudar, volta e não quer capinar. Moço da roça mudou de roupa, calo nas mãos nem pensar. Óculos escuros, celulares e até a Chiquinha e os amigos quer influenciar. Os pais começam a parolar: - Daqui a vinte anos, quem é que vai plantar? Moço da roça, com jeito meigo tenta explicar: - Pai, mãe, mais máquinas vão inventar. O pai confuso indaga: - Quem é que vai o milho rarear? Até você virar doutor, quem é que vai bancar? É a roça! 35
  • 36. ALÍVIO Carmem Silvia da Costa Q uero correr livremente Pelos campos sem receio Do que possa estar oculto Perder as ataduras e nem perceber E tampouco alguém a dizer: - Moça, dona, ei! você perdeu! Quero colher as flores do campo Estar entre borboletas e colibris Ir ao encontro da brisa E de braços abertos Desvendar na natureza O que há de mais secreto. Quero olhar para o céu E ver uma janela feita de nuvens E nelas querubins e serafins A jorrarem o bálsamo que cura. Quero colher a última lágrima Emocionada, Jogar pro alto, respirar Enfim aliviada. 36
  • 37. SUGAR DA VIDA Carmem Silvia da Costa E nigmática vida À qual viemos a nado E no verbo ser ou estar Sugo-a como ser alucinado. Pelo hoje e o amanhã Respiro o puro ar O que alimenta a fome e sacia a sede Dela faz parte esse ciclo inesgotável. Há! Suguei a vida Como um cantar de um fado No delírio da paixão Debati pela razão e dei um tempo ao coração A exemplo do poeta que fumou a vida na incerteza Também na vida fumei tapeação. 37
  • 38. CONTO DE NATAL Carmem Silvia da Costa O s efeitos de luzes detalhavam as nuanças contidas nas orna- mentações natalinas. E quem quando criança não sentiu o en- volvimento descrito da época? As cores vibrantes das vestes do velhinho Papai Noel de barbas longas e brancas parecendo se envolver mais no papel de Vovô Noel, carregando o saco de presentes, oscilando o brilho dos olhares infantis. E quem por ventura não fora o anjo natalino, ao menos uma vez na vida de alguém? Tudo isso faz presente o menino Jesus em cada coração,num renovar de esperança e paz. E foi nesse clima que uma senhora sentou-se na soleira da porta sem disfarçar a tristeza,desejando não dar importância a nada, pensando numa maneira de desviar a atenção da filha no que diz respeito ao presente que pedira ao papai Noel. Pinta, então, a figura do velhinho como personagem de riso que assusta as crianças, e que seu trenó passa velozmente e não per- cebe todas as casas. Achou melhor dizer que papai Noel não existe e que na verdade não tem dinheiro. Com os olhos lacrimejando, ficou surpresa quando a menina entrou muito feliz dizendo que papai Noel lhe trouxe de presente um lindo gatinho e o deixara no portão. 38
  • 39. ENCONTRO CASUAL Carmem Silvia da Costa A s conversas ou fofocas estavam sendo “colocadas em dia”, como nós, mulheres, ás vezes usamos dizer. Enquan- to elas apreendiam a coser vários tipos de roupas, a tagare- lice era geral. Os traçados de mangas, golas e ornamentos espalhados sobre a mesa deveriam atingir um objetivo específico: a montagem da roupa que surgia basicamente sob as medidas do desenho de um retângulo. Revistas de moda eram analisadas página por página e os comentários sobre os artistas eram indispensáveis, sem contar os atributos da culinária. E sob a coordenação da professora, o tempo ia passando entre um assunto e outro. Após uma pequena pausa: - Mudando de pato para ganso, souberam da última? Sabe quem vai se casar? Frase por frase até descobrirem o pretérito e o presente de um de côn- juges. Nesse associar de assuntos, por motivo de fidelidade, uma das alunas nos contou que ao estar em São Paulo, dentro de um ônibus, e antes de che- gar ao lugar destinado, conhecera um senhor alto, de cabelos grisalhos, que lhe fez algumas indagações sobre sua vida e acabaram por trocar algumas confidências. Ele, tomando um pedaço de papel, passou-lhe o endereço para um enlace de amizade. Despediram- se, e o referido papel fora parar em um canto da bolsa da tal senhora. Após alguns meses, ao remexê-la, encontrou-o e pensou sobre a importância que aquele encontro teria, sendo ela casada e com suas atenções e sentimentos voltados para o esposo. Refletiu, concluindo que aquele momento representou apenas um encontro casual. Ah! Se houvesse aparecido uma fada madrinha com sua varinha má- gica e tocasse em suas mãos e dissesse “não jogue esse papel”, teria sido a esperança em nova fase de sua vida. O seu esposo falecera e a tristeza e a solidão tomara conta de seus momentos. No entanto, o lamento de não ter sequer decorado o endereço e então chamado a pessoa do encontro casual, significou algo especial para aquela senhora que terá recordações enquanto estiver numa cadeira, talvez fazendo crochê ou a descascar batatas, à espera do carinho dos netos. 39
  • 40. PARA ILUDIR A VIDA Carmem Silvia da Costa P ara iludir a vida, fingi cantar. Cantei o canto dos que gemem Cantei o canto dos que choram Cantei o canto dos que sonham Cantei o canto dos que amam. Para iludir a vida, fingi poetizar. Poetizei o poema dos que são realistas Poetizei o poema dos que têm remida esperança Poetizei o poema dos que propagam a paz. Para iludir a vida, fingi pintar. Pintei a pintura dos que expressam nos muros a sua ira Pintei a pintura dos que põem sua alma Na janela de um sorriso Pintei a pintura dos que vão além do marco de um limite Pintei a pintura dos que respeitam ao criador da vida. Para iludir a vida, sonhei: Cantar, poetizar, pintar. Cantei o poema, Poetizei o pintar, Pintei o cantar. 40
  • 41. SINTONIA Elaine Cristina de Alencar N a noite calada, surge ora um eco, ora um tinir de alguma coisa. Penso numa leitura, porém nada me agrada. Procuro o sono para livrar dos pensamentos, e tudo revela ser uma sintonia. Constante, o pensamento requer a ação, sinto um combate entre o sim e o não. Creio no mais íntimo que há de bom no ser, e até mesmo em que uma inocente criança um dia possa ser: um adulto atrás das grades ou um fabricante do vício, para sobreviver. Um policial atrás do culpado e, quem sabe, uma vítima em silêncio. Todos estão em sintonia, contra ou a favor de duas forças que se impulsionam. E distante, a criança inocente, se pudesse, sussurraria: “sou eu em você, que brincava de bola ou de amarelinha, que jogava pedra para ver até onde ia, e da maldade esquecia. Ficar de cara virada, nem pensar! Lembro que minha mãe dizia: Criança não tem vergonha... Desta criança sentimos saudade libertada num sonho oculto adormecido. 41
  • 42. A ORIGEM Elaine Alencar E u nasci!!! Ah! Quanta coisa a se ver, tocar, sentir... Me diga em sua essência: A pigmentação dá o toque no cotidiano? Então ... O seu sorriso foi tingido? O amanhã está desbotando? O verde está morrendo? O negro está cobrindo o céu? O vermelho corre pela sarjeta? Então existe mesmo um colorido no caminho? Eu vejo meu crescer, na essência de meu semelhante, Que tinge sua vida em tons sombrios, muito próximos da noite. E no momento em que o sol nasce, prefere estar no leito da preguiça, Sonhando com seus fatos reais de crescimento, Não se importando se com seu pincel tenha sombreado as nuvens, para aquele temporal, Ou amarelado o verde das plantas para que amanhã ela padeça. É... acho que a visão, o toque, o sentimento estejam sendo esquecidos... Quem sabe amanhã “eles” acordem... E permita Deus que não seja tarde! 42
  • 43. ELE Elaine Alencar U ma grande mansidão, Alinhado em seu terno branco, Parado como sempre, ali na esquina... Com seu pé esquerdo apoiado na parede, Dava as baforadas em forma de anéis que iam se dissipando no ar... Tinha um semblante enigmático... Aquela imagem se formava todas as tardes, Nos deixando inebriados... Primeiro eram as baforadas de um autêntico cubano. Depois... Vinha a surpresa, a qual todos aguardavam ansiosamente... Sacava de seu estojo o saxofone... e preenchia o ar com suas notas musicais. Melodias inteiras destiladas em um alinho sublime... Eram horas a fio dedilhando o instrumento com leveza, Até parecia que seus dedos brincavam nos acordes... Os transeuntes, paravam para ouvir tão belas notas sendo esculpidas por aquele ser brando; muitos deles esperavam ansiosamente o show vespertino... Sumertime, New York New York, Hotel Califórnia ..., Um vasto repertório o acompanhava. Sua feição traduzia um sentimento contido... Pudemos notar que seus dias eram de puro prazer E observamos que seu show recôndito brotava d’alma, enfim!. 43
  • 44. ETÉREO Elaine Alencar E m momentos dispersos, Me vejo despontar no décimo andar de uma “atração fatal”. Ganho a lua de presente! E percebo que em tempos de transformação, O cálice alheio supre o desinteresse e comanda momentos de prazer, Sem se pensar, o que importa é sentir. As cores opacas, Em instantes se tornam reluzentes em um carinho eterno, Em toques macios e sensações supraemocionais. O pensar vai na constância do bem Que solicita espaço e acaba se perdendo no vácuo dos acontecimentos E caminha... Que sistema mais impassível vivemos, De certo, algum dia alcançaremos a estrela patente de nossa caminhada, Na terra descalça... Simplesmente nos resta imaginar e crer, Que o adeus é uma metáfora , Do conhecimento inesgotável e irreversível! 44
  • 45. MEU ERRO... Elaine Alencar E u sinto meu corpo bailar, parado. O som da música adentra minha lembrança e logo os poros de meu corpo eclodem em euforia... “Não me abandone jamais...” O som ecoa alto nas minhas entranhas... Vejo erigir a pele como um vulcão em plena erupção... Uma sensação algoz... Um misto de saudade e arrependimento... Ah! o arrependimento pela indigestão da saudade, De querer estar lá e não poder, Uma quimera de sensações pitorescas do que poderia ter sido e ... Lai’vem a realidade com seu balde de água fria... Existe algo indecifrável neste momento que açambarca meu espírito e me remete a um termo de colisão com o trans- posto... Tento rasgá-lo da mente, mas ao contrário a sensação é mais forte a cada momento do notar... Me embriago nas histórias e me sinto emudecer... O som alto na vitrola, a dança incontida e uma verdade sendo dita no LP... De repente, meu corpo para no espaço e não ouve mais a música, E então, daquela emoção emoldurada no passado, Fica somente um resquício no pensar Da saudade cravada no peito e o lamentar! 45
  • 46. O PROIBIDO EM AURORA Elaine Alencar E ste amor, contato impossível, Não sabe mais por onde se enveredar... Por mais que os corpos se juntem... A mente alarde a voracidade da situação! Até que ponto sermos proibidos, é um limite? Não nos demos conta que o mundo conspira contra nós. E esta cegueira soturna não nos aturde, Até o momento da rebelião, Invade certeiramente a razão de quem não quer ver. A vida insiste em nos pregar peças... Em contrapartida nós desprezamos o habitual, contextual... E partimos para o que é imoral (às vistas grossas). Até que ponto poderemos digladiar? Suponho que nem iremos ao “front”! Pelo descuido da ideia ter mesmo certo fim. Estaremos sim, eternamente ligados, Por uma memória incansável dos belos dias De outrora, ou seria de uma Aurora? 46
  • 47. VOCÊ Elaine Alencar H oje acordei pensando em você... Minha mente fez uma trajetória bem remota, para tentar reconhecer sua face... Vejo nitidamente o delinear do seu rosto sendo esculpido na minha mente, Viajo nos momentos de pura euforia que juntos vivemos e me vejo em crescimento contínuo... Percebo seu semblante ir se modificando com o tempo, mas não tenho o reconhecimento de seu movimento... Como será que os dias foram marcados em sua face e quais serão suas balizas? Tenho em memória as preciosidades do som da sua voz, me fazendo sorrir das coisas mais banais da vida... O jeito gostoso de me afagar e me iludir... Hoje, na saudade, a expressão do seu rosto continua a mesma. O sabor da sua saliva me embriaga só de pensar... E eu não tenho mais o que pensar... O meu sentir reflete a ausência e sua face faz agradecer pelo conhecer... Deus soube deixá-lo como presente na minha memória. Indescritível! 47
  • 48. VIDA Elaine Alencar N o meu cotidiano camaleônico, Já tentei traduzir os sentimentos alheios e muito me perdi no caminho, Pela aleatoriedade de cada um, Pela saudade que deixam nessa via, Pelo instinto banal com o qual cada ser pensa ser o certo. Me encontro em pedaços, tentando construir algo que seja sólido, natural. Mas pergunto: - O que é natural, o que é sensível, o que é? o que é? ... E me perco!... Em propostas nos concluímos, sempre em situações de decisão. Tudo nos parece tão tentador, Mas quantas armadilhas estarão prontas no pomar do conhecimento, Para nos prenderem e nos torturarem em horas de solidão? Bah! Como é triste, ser ou sentir-se triste. Me reparto em sinopses dos acontecimentos: Cada instante (de alegria) agradável, não cobre por mais que somem dez, Um único momento de dor, angústia, pesar... Colho na estrada a cada dia um pouco de conhecimento, Um pouco do saudável e dos confrontos que se esboçam ao menor impacto De se abrir os olhos numa nova manhã. Ah! Como é tardia a esperança de conhecer e sentir o humano Como algo comum, sensível e sem retoques. E ... (mas...) Todos se pintam de amarelo, azul, Lee, Kalvin Klein, Staroup E saem após terem escovado os seus dentes com Close-up. Como é ridículo, Mas não posso fugir deste óbvio, pois ele é presente e faz parte do merchandising, Do puro marketing que invade nossos olhos Em cada segundo que permaneça aberto e atento. 48
  • 49. A primazia é distante e a cobiça realça os olhos, E com feitiço próprio lá vai o ente em busca do maior. E vai em disputa. Quando menos percebe leva um tropeção e rala o joelho. Aí dói! E sua dor se estanca em ter de se reerguer e seguir a luta. Tudo se move na sensação da criação, de querer saber qual é o destino. Mas o contexto se esboça no querer e é muito simples, Temos todo o tempo para reconhecer que a estrada é de passagem, Que a história é verídica E que não há muita explicação a se dar. Só nos resta sentir e guardar, compondo assim o grande quebra-cabeças. A Vida! 49
  • 50. BRIGA Elaine Alencar U m momento, O nosso tempo é tão escasso, A gente briga com a gente, a cada toque de carinho errado... E sonha com um caminho retilíneo, sensato e agradável. E por vezes, nos vemos em “encruzilhadas, acendendo vela e rogando praga”. Passa-se um tempo e a gente esquece e recomeça a busca. Às vezes o caminho se torna hipercolorido, iluminado e parecendo autêntico. Numa sequência de acontecimentos saudáveis e que criam saudades, mas... Creio que a monotonia é tão dispersiva na nossa mente, Que a gente se sente como marionete em tempo de estreia, E na sensação da atrocidade, o corpo atropela a mente e cria sua própria sensação. Ah!!! A saudade se revolta em momentos contínuos, Os sonhos vagueiam na solidão e se sentem autótrofos, na carência do dia. A gente se pinta, dá um toque no visual e sai para a batalha E o momento é proeminente em cada ensaio de palavra. Ah!!! Aqueles tons agudos de uma gama ardente em desejos E aqueles tons graves dos goles a mais da Brahma Solicitada. Pois sim, a gente se embriaga e sonha, percebe o tempo se esvair E se consumir a cada noite quando se fecham os olhos... No outro dia a briga continua... A sensação de perda se consuma. E por mais que se queira, o passado se torna eterno e não retorna. 50
  • 51. AMOR Elaine Alencar A noite passa... E meu pensamento é um só, A natureza infinita que nos rodeia... As estrelas que brilham no céu, Constantemente Me dando forças para poder sobreviver, Em meio a tantas controvérsias existentes... E você também faz presença, Em meu pensamento... Você que me faz feliz, Você que me eleva o astral... E que me faz ser “eu”! Sim, é você que me acompanha, A cada passo, Me dando conforto e paz... Obrigado a você: Óh! sentimento profundo e louco: Obrigado, AMOR!!! 51
  • 52. A ESCADA Emília Goulart A escada estava ali, na minha frente, contei mentalmente os de- graus que se afunilavam em direção ao vazio lugar nenhum. Minhas pernas bambeavam, me aproximei, olhei para um lado, para o outro, à minha volta se espraiava um campo, planície seca com peque- nas áreas verdejantes. Um vento forte anunciando tempestade. Nas laterais da imensa escada surgiu um corrimão, de arame farpado. Iniciei a difícil escalada ao lugar nenhum, não fui movida pela curiosidade, não. Em mim também se estabeleceu o mesmo vazio, árido, seco da paisagem. Lá em cima não tinha nada, mas por algum motivo uma escada estava ali, e eu senti uma necessidade de chegar ao topo. Topo de quê? Não sei. Livrando-me das pontas agudas do arame, ia eu em busca do nada. Um furinho aqui, outro ali, coisas sem importância até o sangue começar a fluir e esbanjar um pouco de cor pelo corrimão cinzento. As pernas começavam a dar sinais de estafa, dobravam, os pés come- çavam a se arrastar, mas soberbamente chegavam ao próximo degrau. O corrimão de arame farpado deixado para trás indicava que mais da metade da escada eu já havia alcançado. Não era mais possível voltar e ape- nas olhar para trás provocava vertigens. A escada quanto mais escalada, maior se apresentava. Não tinha fim. Os braços também já davam sinais de esgotamento. Ao deitar-me em um dos degraus para descansar da árdua subida, senti minha roupa se romper e um vento frio percorrer meu corpo. O esgotamento tomou posse dos meus sentidos e o cérebro começou a debochar de mim espalhando um odor nauseabundo. Braços enormes surgiam e ora lá em cima, ora lá embaixo, acenavam me convidando-me a descer ou a subir. 52
  • 53. Seminua, exausta e ferida. Fica difícil escolher um caminho seguro. Descer é sempre mais fácil, não fosse o orgulho a me impulsionar eu despen- caria da escada. Coloquei-me de pé, agarrei-me ao arame farpado, corrimão da minha escada me fazendo sangrar, pensei em Jesus no calvário, me ajoelhei e re- zei. A escada que hoje subo não é a mesma pela qual desci. Contudo a conheço bem, cada degrau é igual, tem a mesma altura, as mesmas dificul- dades que encontrei, estão ali em cada centímetro registradas. Mas, não é mais um sonho, é a doce realidade que é viver, embora às vezes a vida nos faça sangrar. 53
  • 54. RUA TREZE Emília Goulart A inda há muito da rua Treze de Maio, não basta mudar o nome. Para apagar da memória a alegre triste vida desta rua, levará muito tempo. As histórias passam de geração a geração. Pe- daços daquela rua se espalharam pela cidade e as meninas debruçadas nas janelas da vida, deslumbradas, acreditam que a vida mudou. O falso brilho da mais velha das profissões continua fazendo vítimas. Ninguém aboliu da escra- vidão as garotas de programa e fingir prazer fica bem distante da felicidade. Aquela rua ainda guarda seus fantasmas, e ao se passar por ela, ve- em-se os becos onde a vida era mais sórdida. O grito de socorro era abafado, os carinhos vendidos, a proteção subornada. Quem tem curiosidade e um dia se interessar por ouvir sua história, vai ouvir os lamentos que escapam pelas rachaduras das paredes da rua dos prazeres poucos e sofrimentos múltiplos revelados vendidos. O som das guarânias, boleros e tangos que ainda machucam o cotove- lo da Rua Quinze de Novembro abrem o arquivo morto da Rua Treze de Maio. Assim como a rua, nada mudou da vida suada, misturada a Cashimire Bouquet, perfume Tabu e muito álcool,: a danada vida expulsa da Rua Treze se espalhou pela cidade distribuindo seus ais. O nome realmente pouco importa, e suas casas são velhas lembranças que Araçatuba não quer apagar. O apogeu da agropecuária foi registrado ali sobre os sujos lençóis da poeira que a boiada levantava. O preço combinado do prazer poderia ser por minutos, mas quase sempre a prostituta pagava. Com a vida. Ainda há os saudosos que olham pelos buracos das fechaduras à pro- cura dos prazeres ali envelhecidos. Outros reviram o lixo, na busca do DNA dos pais. Boiadeiros, era a bola da vez, hoje são os jogadores de futebol. Uma revelação importante sobre a prostituição eu ouvi certa vez de um 54
  • 55. delegado já falecido. Havia uma carteirinha e caso a mulher fosse encontrada duas vezes se prostituindo ela era fichada. Indignada contestei: - Então poderia ocorrer de transformarem uma mulher em prostituta independentemente da vontade dela. Era lei, acreditavam, com esta medida, diminuir a propagação da sífilis. Hoje está tudo muito livre ao ponto de experiência de vida ser confun- dida com experiência da vida. Mudaram o nome da Rua Treze de Maio para 15 de Novembro. A pros- tituta está sem rua, sem rumo e sem destino. O salário é a droga, e assim como a saudosa Rua Treze, ela continua na mesma, perambulando por toda a cidade. 55
  • 56. DEVOLVA O CONTROLE Emília Goulart S e alguém encontrar o controle remoto deste planeta, por favor, devolva com urgência ao seu legítimo dono. Está mais do que provado que perdemos o controle. Por favor, atendam ao meu pedido, antes que Ele descubra como somos indignos de um planeta tão belo. Cheguei até aqui e foram me ensinando coisas novas. Andar com mi- nhas pernas foi uma. Alguém me queria aqui, mas não estava disposto a me carregar a vida inteira. Até ai, tudo bem! Fui bem cuidada não me queixo. Recebi boa educação, ensino religioso e muito amor. Depois acreditei que, as- sim como os pássaros, eu poderia voar. Triste engano, que me deixou muitas cicatrizes. Depois de algumas quedas aprendi a cair em pé, mas não desisti de voar. Andei por vários caminhos. Em alguns, encontrei pessoas desiludidas que voltavam procurando saída, pois os belos caminhos escolhidos ocultavam armadilhas e as saídas fechadas pelas drogas não tinham a sinalização de pare. Outros, sem a mesma sensibilidade, simplesmente não voltaram. Galileu disse que a Terra é redonda, que caminhando em linha reta chegaremos ao ponto de partida. Não quero esse! Eu quero é encontrar uma saída para uma sociedade mal resolvida, origem principal de crimes e decep- ções. Mas cadê a saída? Há certas situações que não têm saída. Qual cami- nho, então, Senhor? Se voltarmos no tempo encontramos Abel e Caim, triste exemplo para a humanidade. Se continuo Te encontro pregado na cruz. O que prova que o homem, realmente, não sabe o que faz. Caminhar ou ficar parada? Vem até mim, Senhor, e guia-me! Não me sinto um habitante na Terra, me sinto posse. Estou perdida no meio do nada. Meu planeta é redondo... não tem fim, nem começo. Esta terra é movediça, suga o meu âmago com a sua 56
  • 57. gravidade. Sei que deve haver um caminho. Será que o escondeu sob a geleira e que iremos encontrá-lo quando ela se desfizer totalmente? Nasce um novo ano e nele adentro sem saber o caminho. Além da li- nha do horizonte há um abismo. Uma força estranha me conduz e eu sigo com meus disfarces para escapar das armadilhas preparadas pelo ser humano. Pelos caminhos onde piso o perigo me espreita. Então Senhor, uma metamor- fose acontece e me torno permissiva e tolerante com a sociedade. Todas as minhas certezas são dúvidas. Afinal, para quê livre arbítrio se não sou dona das minhas vontades, circunstâncias me levam, eu apenas me engano? Sou tua serva, Senhor! Faça em mim segundo a Tua vontade! Não dou um passo sem que Tu queiras, então não me soltes, pois não me seguro. Sem Ti cometo muitos erros, pois não encontro o caminho. A bússola que me deste enlouqueceu ou este planeta saiu do eixo? Já não me queixo, apenas questiono. Será que Tu perdeste a autorida- de? O controle da gravidade te caiu das mãos? Senhor, encontra-me, pois diante de tantos caminhos, me perdi de Ti. 57
  • 58. A ROSA Emília Goulart 1 Rosa, poderia ser diferente esta amizade entre a gente. Mas que nome triste, o seu. Uma flor tão delicada, Mas foi uma mulher malvada, que teu nome recebeu. 2 Rosa partiu, que maldade. E para matar a saudade, nem seu perfume ficou. Deixou foi triste lembrança. Gravada na minha infância. Rosa, maldita vilã. Eu ouvi desde criança 3 Não consigo ver uma rosa Tão somente como flor. Pois a rosa desta história, Foi pimenta malagueta Personagem de um drama Que causou enorme dor. 4 Num lindo frasco de amor A rosa escondia espinhos. Reclamava todo dia, Que a vida andava sem graça E uma mudança pedia. A Rosa fazia pirraça. 58
  • 59. 5 Logo depois exigia: — Se você não for eu vou. Nem mais comida fazia. O marido concordou, vendendo tudo que tinham. Fazenda e todos os bois, 6 Dinheiro foi pro colchão, E só a Rosa que sabia. A Rosa estava contente Matou galinha, fez farofa. Tudo estava preparado Pra mudança inesperada. 7 Não se sabe certo a hora, em que a Rosa foi embora, deixando o marido pra trás, Montados no alazão, foi-se a Rosa o peão, E o dinheiro do colchão. 8 No berço, duas crianças Sem nenhuma esperança De que como iriam viver. Foram pra casa dos parentes Que não ficaram contentes Mas que se há de fazer 9 Não gosto de rosa não, Nelas nunca boto a mão. Tenho sempre a impressão De que posso sair ferida. Rosas são muito bonitas? Ou é pura pretensão. 59
  • 60. 10 Esta história é verdadeira. Não saiu assim, de bobeira. Desde o berço eu a ouvia, contada por um peão. O filho desta rameira, Meu querido tio irmão. 60
  • 61. O CASO DO PADRE Emília Goulart O caso que o padre nos contou foi de arrepiar, hoje sei que ele queria apenas nos fazer acreditar que o inferno e purgatório de fato existem. Mas o que nos passou foi a ideia de que espíritos voltavam e isto fugia do que acabávamos de aprender. È triste quando o caso contado foge da lógica pré-determinada. Crian- ças viajam, o melhor é que as informações sejam bem claras. O sobrenatural povoa suas mentes sem nenhum esforço. Depois o que fica na memória não desaparece tão facilmente. O que nos foi ensinado como certo, já não nos parece tão certo. O padre era um bom padre, mas, nos aterrorizava com seus casos. Seus discursos eram longos e ricos em detalhes. Éramos apenas crianças se preparando para a vida religiosa. Os dez mandamentos estavam na ponta da língua, já sabíamos todos os atos que nos preparam da confissão a comunhão. Restava algum tempo até o dia da Primeira Comunhão e ele se empenhava para nos manter longe dos pecados que rodeiam os jovens, ilustrando o paraíso, o inferno e o purga- tório. Dante Alighieri perdia para o padre em requinte e ousadia. Certo dia ele contou-nos um caso. “Dois estudantes muito amigos vieram do interior para a capital a fim de estudarem e trabalharem. Inseparáveis, mas cada qual tinha seu modo de vida. Um religioso demais e o outro farrista: gostava de aproveitar a vida e er- rava nas doses, mentia para os pais, pois seu dinheiro nunca era suficiente. O jovem religioso observava os ensinamentos cristãos que o exaltado padre repetia com ênfase: — Segue os ensinamentos cristãos! Enquanto um estudava fazendo jus a confiança dos pais, o outro, bem, farreava e escarnecia do colega dizendo que ele não passava de um tolo; quando o primeiro mencionava o inferno ou purgatório, ele se consumia em 61
  • 62. gargalhadas. Até que uma noite, ao voltar para o quarto que dividiam, ele não chegou. As horas se passaram, o seu companheiro acordava rezava e voltava a dormir. Estava inquieto e angustiado, o amigo deveria ter voltado, e apesar das diferenças, ele queria bem ao amigo e estava preocupado. De repente o vento escancarou a janela e para dentro salta o amigo em chamas. Desesperado ele joga sobre o outro um cobertor para apagar o foga- réu, o cobertor caiu no vazio e ele ouviu a voz do amigo a implorar: — O inferno existe, reze para que eu vá para o purgatório, você disse que lá ainda se tem uma chance. Por estar embriagado o rapaz acabara atropelado e morto.” O padre era maluco, mas até hoje eu tenho comigo que o inferno e o purgatório existem. 62
  • 63. UMA GAROTA ESPECIAL Emília Goulart E la apareceu e, no começo, era apenas um vulto que vinha em minha direção parecendo flutuar pelo sombrio corredor. Sua sala era a última, mas ela se atrasava na arrumação do seu material e como sempre naquela noite não foi diferente. Como foi a última a deixar a sala, depois de serem dispensados, apagou a luz. Era miúda, tinha o cabelo preso em rabo de cavalo, seu sorriso desafiava o mundo, e seus olhos... esses, era um convite ao escândalo. Ainda trazia no corpo a candura e a inocência da infância. Ela era a síntese do devaneio que tirava o sono daquele rapazinho. Paulo estava chegando como sempre atrasado, e alheio à suspensão das aulas, caminhava em sentido oposto, trazendo no canto da boca um cigar- ro que insultava a direção da escola. O mocinho de pose cinematográfica caiu no ridículo quando o cigarro, diante daquela aparição, escapou-lhe da boca e caiu transformando-o em um cômico atorzinho de quinta categoria. Felizmen- te só os dois estavam naquele corredor solitário, para assistirem ao triste final do mocinho que tropeçava em busca do seu único cigarro que a corrente de ar insistia em roubar, ou talvez a um castigo ao rebelde que sempre transgredia regulamentos disciplinares da escola. Ela ria... ria muito da cena, quando ele se pôs de pé pressionando-a contra a parede. Seu sorriso foi ficando sério, o medo foi se espalhando pelo rosto corado e ingênuo. —Assustou-se gatinha? Por que não continua com sua risadinha irri- tante? Não me diga agora que vai gritar.— continuava ele forçando-a contra a parede.—não vai mesmo gritar?—ele a provocava com ares de bandido. —Não, ninguém me ouviria, todos foram embora. —Quer dizer que estamos sozinhos...o colégio é todo nosso. A informação que ela passara sem querer, a assusta mais e ela pede: —Por favor deixe-me ir. As luzes do corredor se apagaram, e ele ainda segurava entre as suas, 63
  • 64. aquelas delicadas mãos. Ela saiu correndo, e ao chegar à porta de saída, as últimas luzes foram desligadas. O prédio todo mergulhou na escuridão. Toda agressividade também foi desligada, havia desaparecido e o moço rebelde, sem saber o que dizer, ficou ali parado sentindo a delicadeza daquelas mãos se soltando das suas num suave deslizar. —Perdi meu único cigarro por culpa sua. – estaria ele delirando? Tratando-a assim ou sonhando um lindo sonho, se fosse sonho ele não queria acordar. Ouviu os passos rápidos que desciam a escada, um passo, outro, mais outro que iam pisoteando o coração do pobre rapaz, enquanto ele se consumia em ardentes desejos. —Ei, você não vai ao velório?–perguntou ela. —Que velório? —Você não sabe por que fomos dispensados? —Não faço a menor ideia. Fomos dispensados? —Onde você anda cara? No mundo da lua? —Sim, chegava da lua quando perdi meu único cigarro. Foi assim, ao vê-la meu queixo caiu e meu cigarro também. —Vou recompensá-lo, representou bem o papel de bandido. Cheguei a ter medo. —Não tenha medo doçura, sou terno e carinhoso, —Escolha um cigarro, ou um beijo?—Enquanto ele se preparava para receber o beijo, ela apertou o fecho de uma caixinha mágica: — Demorou muito para responder, mocinho inseguro, não vai ganhar, nem um, nem ou- tro. Sentindo que perdera o beijo, adiantou-se para o estojo, mas com uma rapidez espantosa, dessas que só acontecem em sonhos ou filmes, ela já o havia fechado. —Não, não faça isso eu imploro, não negue um cigarro a um idiota, deixe ele se matar, não transgrida meu destino de morrer canceroso, tubercu- loso ou sei lá. Me d logo um cigarro antes que eu o tome à força. Ela ria, ria muito, e o sorriso dela tinha o brilho e a brancura de anún- cios de creme dental. Se o cigarro já estivesse em sua boca novamente cairia, 64
  • 65. era a visão mais linda do mundo. —Sirva-se. —disse, estendendo-lhe o maço de cigarros. Serviu-se logo de três: acendeu um e guardou dois no bolso. Na se- quência, tomado pelo cavalheirismo, retira um e oferece outro para ela, que o recusa. —Obrigada não fumo, apenas faço pose e ajudo alguns suicidas. — Quer ser minha namorada? Antes que ela respondesse, um senhor, jovem ainda, aproximou-se do casal. —Papai, que bom ter passado por aqui, assim não terei que levar meu material escolar ao velório. A cidade não era grande, e o acidente com o professor já chegara ao conhecimento de todos. Isto é, de quase todos. —Vá filha, porém não chegue muito tarde. Quer que eu vá buscá-la? —Não se preocupe, voltarei com minhas amigas. —Você está com sarna?—perguntou ela assim que seu pai se afas- tou. —Sarna? Que sarna ,eu apenas tentava te lembrar dos cigarros, mas agora já era, com certeza levará a maior bronca quando voltar. —Vou tentar alcançar a turma, tchau. Ah, caso queira agradecer os cigarros, meu nome é... Ele não queria saber o nome dela, passou a mão pelo queixo ainda imberbe e fez pose. Ela ainda esperou que ele dissesse o nome, e como nada ouviu, dis- se: —Tchau Dean.—referia-se ao ator do filme “Juventude Transviada” James Dean, e acertou, pois ele adorava essa comparação. Apressou o passo para alcançá-la. —Espere, vou com você. —Aonde?—perguntou ela sorrindo. —Ao inferno, ao velório, aonde você quiser? —Velório ? De quem? —Não, chega de brincadeira, morte é assunto sério, você não disse 65
  • 66. que o professor morreu? Como era bom estar com ela, dizer e ouvir um monte de bobagens. Apressaram o passo, ele antegozava a expectativa de que os vissem chegan- do juntos. —Você ainda não me disse seu nome. —Para quê? Adorei o apelido. —Para não te decepcionar, direi que há sim, uma leve semelhança. Uma leve. Flávio, amigo dele, passa por eles, assobia, segue adiante, e a uma certa distância vira-se e grita: —Depois a gente se encontra no bilhar. —Pronto, agora você já sabe: além do cigarro tem também o bilhar. —de repente ele parou, estavam em frente à capela funerária. —Olha, agora, acabou mesmo, porque não vou entrar aí. —Tem medo? —Não.— disse ele detestando ver de novo aquele sorriso. Para ele era como se ela falasse com o sorriso, e neste momento ela criticava seu medo. —Sabe, eu também tenho, não é medo do morto , mas da morte. Ela desapareceu se misturando às outras pessoas que entravam. Ál- varo ficou em silêncio, mas se fosse sincero diria que também tinha medo do morto. Ficou ali remoendo sua covardia, torcendo para que ninguém o con- vidasse para entrar. Quase todos estavam fora da capela, cada qual exibindo coragem, e apenas ele se sentia como um idiota. Alguém toca lhe o ombro: —Chegou cedo hoje ou dormiu aí? Ninguém te viu no velório ontem. —É... parece que morreu um professor, quem foi? —Que professor, cara, foi aquela menina linda da oitava série, a Nely . — Nossa, ontem quando cheguei a mina estava aqui, depois a luz apagou...Espera aí, quando que ela morreu? — Iiii...se situa bicho! Sai do pesadelo. 66
  • 67. MENINA SORRISO Isabel Moura N aquela noite que te conheci, foi uma noite especial para min. Foi numa terça-feira dia treze de maio de dois mil e oito. Era reunião do Grupo Experimental, vim pela primeira vez e te vi. Você estava tão cheia de sorrisos. Me cativou, começou nossa amizade. Foi tão bom te conhecer. Como o sorriso traz felicidade... Parece que somos amigas de longo tempo. Com você aprendi muitas coisas boas. Meiga carinhosa no seu jeito de ser, de falar, espalha encanto. Onde você está, está presente a alegria, o calor que deslumbra a alma. Menina sorriso, você sabe sorrir. Sorrisos que vêm de dentro do coração, sorriso perfeito colorido de afeição. Sorriso que faz sorrir. Menina sorriso WANILDA BORGHI. 67
  • 68. MEU NOME Isabel Moura I nteressada procurei Saber de você, se Ache por Bem seu nome ser Escrito em meu coração, com Letras de saudade Mas optei pelo Ouro que brilha como sol Ultrapassando as Regiões e fronteiras A descambar no arrebol. 68
  • 69. PORTAIS DE OURO Isabel Moura N a oração eu pedi ao senhor Para ver a cidade no céu A bíblia diz que é muito linda E de refulgente esplendor Numa noite sem luar Estava indo para a igreja Quando de repente no céu Uma luz vi a brilhar. Era o céu que ali se abria Como um relâmpago no espaço Os portais de ouro se abriram A linda cidade eu via. A JESUS, no momento, clamei: SENHOR, meus olhos contemplam A gloria do teu poder Meu JESUS, meu eterno REI Vi as ruas de ouro luzente Os muros de jaspe e cristal O rio da água da vida Cristalina e transparente Ouvindo o coral eu chorei Do trono vinha o louvor Que encheu minha alma. Do sonho, feliz acordei 69
  • 70. ROSA DE CROCHÊ Isabel Moura O sono era demais. Olhos pesados como vagão de pensamento. Lá vai a locomotiva deslizando pelos trilhos na curva da soli- dão. No sobe e desce na montanha da imaginação, soluço embargado, cho- ro, Ah, minha rosa de crochê. Me fere. Me machuca sem espinhos. Tão longe. Mas perto seu perfume, como nada. Sem vida. Mãos delicadas na agulha trabalharam. No vai e vem das correntinhas, amarrou meu coração. Até formar pé- tala por pétala. Tão formosa me traz inquietação. Teus olhos, ligeiros colibris a furtar a seiva das flores, desaparecem no espaço anil. O tempo de repente passou. Só resta a saudade afogada na taça de um passado que ficou tão distante. Ah, minha rosa de crochê. 70
  • 71. SERRANA Isabel Moura E m barra bocarra do Arroio, marralheiros de farra amarraram o burrinho marrom no barraco do Marreco. Marreco arrufadiço morreu irresistível no morro Corrido no bairro do Parreira em meio a uma borrasca. Parreira, arruaçado, com a guitarra de Parra Ferrara surrou-a no ter- raço numa tarraga. Farrapo carrasco e sorrateiro subiu a serra no serrado. Achou nas ser- ralhas Serrana carraça a derramar, correu ao barraco e aferrolhou. Serrana, estarrecida, agarrou o burrinho marrom que zurrava amarrado no barraco, arretado. Arreminado, esbarrou na jarra de barro de Serrazina, correu ao ar- rais de uma marroaz. Derruído à terra torrada de Terríola Serril. Num terroso escorregou. As tarrachas desamarraram na corredeira. Farrapo irredento é arrastado pela correnteza a arrúgia do horror. Urro de terror o arruinou. Naquela guerra do morre não morre, arrochado numa arrancada ao barranco, sentiu um arrojão a terra. Arrepiado deu na carreira. Arribou a Marroco. E todo bizarro, agarradinho com Serrana na carruagem arruivada, es- banja arrogantes sorrisos. Irradiante percorre o arruado em meio aos carros- séis, arrualhando. Derretendo-se no sabor de uma tarraçada de jinjibirra com arrivismo. De repente ferroadas na barriga vêm horrorizar. Irreconciliavelmente interrom- pe. Irreal encerra. Irreclamável. Arregalou. Cirroteiro e hemorraidoso. Soterra- do por carrapichos e carrapatos a ferruar. Horropila. Erros aterrorizam como carrego a atarracar o arrependimento. Mirrado morria um farroupa esfarrapado. Derrotado numa vida arrasada pela miséria terrorida. 3º lugar – prosa – I Concurso do GE – 08/05/2012. 71
  • 72. VOZ DOS ANJOS Isabel Moura S ão lindas as vozes Ouço bem as vozes Vozes vozes vozes vozes Infinidade de vozes Num coro as vozes Trazem aos ouvidos meus Os louvores no céu Dos anjos de DEUS. 72
  • 73. PÁGINA EM BRANCO Hamilton Brito E stou recebendo do Senhor uma página em branco onde deverei escrever uma história. Nela colocarei aquilo que produzir, com os acertos e erros que a constituirão. Estou acordando para um novo dia. Deverei vivê-lo e ao seu final algo estará escrito; bom ou ruim, serei eu o responsável, o autor. Meu propósito é preencher a página com palavras nobres, sentimentos puros, conclamando à paz. Creio que durante a minha vida desenvolvi o sentimento de humilda- de, de tolerância e compreensão para com os meus semelhantes e quantas vezes, nas páginas anteriores, ao fechar a história, algo aconteceu e a poesia que eu consegui manter até o momento, foi nas asas do vento ou na garupa do capeta. Não faço com a frequência que deveria um exercício simples que po- deria ajudar na estruturação da minha história diária: fazer a mim mesmo a recomendação “descubra o que há de melhor em você e potencialize a vivên- cia diária do seu melhor para que possa crescer um pouco a cada dia.” Outro dia vi na tevê um programa ensinando a conseguir harmonização entre pessoas e ambientes, pregando que problemas existenciais podem estar ligados à sua casa, aos seus ambientes. Pode ser que sim. Mas se não houver a arrumação do seu ambiente anterior até onde irão os resultados conseguidos com o novo design da sua sala ou quarto? A gente não lava o rosto todos os dias ao levantar? Lavemos também a alma. Aqueles sentimentos nobres que temos a cada final de ano, sentimento maior de solidariedade, de amor ao próximo podemos tê-los a cada início de dia. Estimular o otimismo, a confiança em Deus e em nós mesmos, de que va- mos escrever uma bela história. Que aquela página diária enriquecerá aquele que será o livro da nossa vida. 73
  • 74. Assim como para escrever bem é preciso conhecer toda a estrutura necessária, ou seja, aprender o papel do artigo, do verbo, da preposição, do sujeito, do complemento, da pontuação, o que é crônica, conto, poesia ou poema e demais, para viver bem é preciso conhecer os meios para fazê-lo. O ser humano precisa estar em harmonia consigo e com o universo e para tanto precisará alimentar os melhores sentimentos que conseguir. Para conseguir melhorar um pouquinho mais hoje, eu preciso lutar. Inicialmente pode ser difícil, mas cada conquista, por pequena que seja, vai nos empurrar para um novo desafio. É preciso ter em mente que a natureza canta e que não seremos nós que ficaremos chorando sobre possíveis leites derramados, e que a mudança do mundo passa pela nossa e tem que ser para melhor. Mas só podemos ser melhores se a nossa mudança nos aproximar de Deus. Os filósofos costumam dizer que a primeira pergunta que devemos fazer é: quem sou eu? Quem sou eu... uai! Eu sei quem eu sou, o Estado sabe quem sou eu, no computador da prefeitura está quem sou eu, onde moro. Não falta enxerido para saber quem sou eu. A primeira pergunta que devemos fazer ao acordar é: como tem sido a minha relação com Deus? Para nós que não somos políticos, ministros, secretários, fica mais fácil responder à pergunta... Concorda? Voltando à filosofia, ela prega que somos um ser substantivo, um ser único, fonte de tudo, ser infinito, eterno. Então, tome cuidado para não ir para o além sendo um ser de...”merde”. A cada página em branco recebida de presente todos os dias, com clareza e uma boa caligrafia escreva a sua história. Ela poderá não receber um Pulitzer, mas quando Deus ler o que estiver escrito, certamente dirá: -Pedro, estenda um novo tapete vermelho. Está chegando um dileto filho. 74
  • 75. DUAS LÁGRIMAS Hamilton Brito M arcos já beirava os quarenta anos e ainda não tinha suspira- do por ninguém. Quantas “conheceu” nem sabe responder. Exigente? Até que não. Sua profissão fazia dele um andarilho. Quer dizer,.andarilho...era mais “ carrilho” ou “ aviaõzilho”. Ora um contato em Porto Alegre na terça-feira, ora um em Belém , no Pará., na quarta. A permanência nestes lugares era sempre pequena e assim não dava tempo de conhecer alguém mais profundamente. E olha que tinha encontrado uns “ alguéns “ de tirar pica pau do oco. De certa feita conheceu uma morena muito bonita em Itaúna, Minas gerais e ficou encantado. Sentado em um restaurante, notou-a mais à frente com uma colega. Percebeu que ela comia, olhando maliciosamente para ele, uma coxa de galinha de um modo estranho, como se a chupasse...esquisi- to! Como não houve o fechamento do negócio naquele dia, não deu baixa no hotel e voltou ao mesmo restaurante para o jantar. Olha a morena lá e desta feita, sozinha. Pediu licença e sentou. _ Oi, você pede o que comer e eu escolho o vinho. - Está certo, mas antes vamos combinar o meu preço. Meu nome é Maria. Assim, na lata, na cara dura. Uma das mulheres mais lindas que já tinha visto na vida. -Ave! Esta Maria.... Santa Maria, pensou. -Olha, vou ao meu carro, pois esqueci a carteira e volto já. Enquanto espera, aproveite e faça a encomenda para mim. Peça um Gravas Del Maipo, da Concha y Toros Já volto. 75
  • 76. Saiu, foi ao carro e se mandou dali. -Desgraçada, vais pagar setecentos mangos pelo vinho e quem sabe para acompanhar um miojo alho e óleo. E assim as coisas iam acontecendo e ele nunca se decidia por nin- guém; umas mais assim, outras mais assadas e o seu coração continuava livre, por menos que estivesse gostando. Férias de final de ano,passou a mão na mala e foi para a Europa. A crise estava bem acentuada, a moeda em baixa com o real em alta, oferecia ótimas possibilidades. Ficou zanzando à procura de bons programas, freqüentando bons restaurantes, bons teatros, até que viu na tevê um anúncio: André Rieu live at Acropolis. -Ué, Yanni at Acrópolis até ta. Mas o “ cumpadi” André? Vou ver. A passagem aérea na Europa é mais em conta do que a que permite ir de São Paulo ao Rio pela Reunidas. Mas a Reunidas tem que manter o Vôlei Futuro e só para ver a Paula Pequeno parada em quadra isto se justifica plenamente. Casa cheia, conseguiu um lugar frontal bem perto do palco; como se diz no futebol: na zona do agrião. Não porque fosse um sujeito de sorte ou lindão e sim porque deixou metade do salário de um ano na bilheteria. Que classe, que luxo. Quase igual aos shows do Chitãozinho e Xororó no Credicard Hall... Sed libero nos a malo. Platéia em alvoroço até que começou a apresentação e as músicas famosas da orquestra foram se sucedendo. Ora silêncio, ora ovação estron- dosa. Até que se apresenta Carmem Monarca, uma brasileira que é conside- rada pelo próprio André como a mais bela voz do mundo. O maestro a anuncia cantando Ave Maria, de Johann Sebastian Back. -Vote meu, este cara tá doido. È de Gounod. Silêncio profundo. Emoção intensa. Quando se dá conta uma lágrima surge em sua face. Pega o lenço discretamente, mas olha de lado e vê uma 76
  • 77. loira, holandesa veio saber depois, aqueles cabelos , aquele...aquele...Meu Deus! Nela, uma lágrima também. - Você sabia que a Carmem é brasileira? -E você , sabia que o André é holandês? -Mas ele disse que a Ave Maria é de Bach. -Ele disse e é. Como a holding da sua empresa ficava na Holanda, uma transferência foi arrumada e as duas lágrimas foi o preço que pagaram para ocuparem um espaço ali onde as terras são baixas. O que uma Ave Maria separou, uma Ave Maria uniu. 77