O documento discute os princípios da bioética de autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça. Apresenta esses princípios como fundamentais para as relações entre médico, paciente e sociedade e explica que a autonomia se refere à liberdade do paciente, a beneficência à fraternidade e a justiça à igualdade. Também define cada um desses princípios e sua aplicação na prática médica e nas leis brasileiras.
1. BIOÉTICA
Princípios da Bioética:
Autonomia, Beneficência,
Não-Maleficência e Justiça
Dra. Cristiana Tavares*
Os ideais revolucionários da
Igualdade, Liberdade e Fraternidade,
imortalizados na França do século
XVI, nos remetem a uma releitura
histórica quando pensamos em Bioética. É bastante claro, o quanto
seus princípios permanecem vivos,
sendo assimilados no dia a dia da
nossa sociedade e inaugurando-se
em modernidade em plena ciência
dos anos 2000.
Em bioética, as relações humanas podem ser reduzidas a três tipos
de agentes: o médico, o paciente e
a sociedade, cada um apresentando
seu significado moral específico. O
paciente encontra-se guiado pelo
princípio da autonomia, o médico
pelo princípio da beneficência e
a sociedade pelo ideal da justiça.
A autonomia corresponde, nesse
sentido, ao princípio da liberdade,
a beneficência ao da fraternidade
e a sociedade ao da justiça(1). Esses
princípios não possuem hierarquia
entre si, podendo ser utilizados
como referencial decisório em relação à prática médica ou a de outra
profissão da área da saúde.
Autonomia é um termo derivado do grego “auto” (próprio) e
“nomos “ (lei, regra, norma). Significa autogoverno, autodeterminação
e exprime a liberdade do sujeito
saber ou não saber o que diz respeito a sua saúde; exprime o poder de
decidir uma intervenção terapêutica
ou de recusá-la; exprime a imunidade teórica do paciente às decisões
sanitárias que ele reprova; exprime
o privilégio de ser o dono teórico de
seu itinerário de saúde(2).
O princípio da autonomia se
expressa como a liberdade moral,
que pode ser formulado da seguinte
maneira: todo ser humano é agente
moral autônomo e como tal deve
ser respeitado por todos os que
mantêm posições morais distintas
(...) nenhuma moral pode impor-se
aos seres humanos contra o ditames
de sua consciência(3).
A constituição brasileira assegura o direito à autonomia a todos
os cidadãos, ao dispor que ninguém pode ser obrigado a fazer ou
não fazer algo, senão em virtude da
lei. O Código Penal Brasileiro exige
o respeito a esse princípio ao punir,
em seu artigo 146, aquele que constranger outrem a fazer o que a lei
não determina. A legislação penal
dispõe de uma exceção: caso de
iminente perigo de morte ou tentativa de suicídio. Em outras palavras,
a regra basilar de nosso ordenamento jurídico garante ao cidadão o direito à vida, mas não sobre a vida;
ele tem plena autonomia para viver,
mas não para morrer(1).
O princípio da beneficência no
seu âmbito filosófico moral, é a consciência de que, além de não causarmos dano ao paciente, devemos
fazer o bem ao máximo de pessoas
possível. A beneficência deve ser
diferenciada da benevolência que é
a vontade do querer fazer o bem, é
a vontade de agir corretamente. Em
suma, a beneficência é o caráter do
dever, enquanto a benevolência é
a do querer. Esse princípio rege, na
prática da saúde, o bem estar do paciente e de seus interesses.
O Relatório de Belmont, elaborado nos anos 1978/1979 institui como
sentido estrito a dupla obrigação
profissional: não causar danos e
maximizar o número possível de benefícios minimizando os prejuízos(4).
O princípio da não-maleficência, expressão latina Primun non
nocere, nos adverte para o cuidado
de não infligirmos dano intencional
ao paciente. Tal princípio nos remete à tradição hipocrática: “socorrer
ou, ao menos, não causar danos”(5).
O princípio da justiça está na dependência de inúmeras concepções
de justiça, mas todas incluem a não
distinção arbitrária entre as pessoas,
seus direitos e deveres básicos(6).
Esse conceito não pode ser baseado
em codificações, e sim em circunstâncias diárias dos níveis de diferenciação social. Na área da saúde,
traduz-se a justiça como um direito
de todos e um dever do estado.
Em 1995, o professor Reich caracterizou a Bioética como “o estudo
sistemático das dimensões morais – incluindo visão moral, decisões, condutas e políticas – das ciências da vida e
atenção à saúde, utilizando inúmeras
metodologias em cenário interdisciplinar”(7). A prudência deve ser a palavra
chave a ser empregada pelo profissional de saúde, que em uma sociedade
moderna será o norte das atividades e
decisões do homem no seu duplo papel de profissional e de cidadão.
Referências Bibliográficas
1. Muñoz, D. R., Fortes, P A. C. O princípio
.
da autonomia e o consentimento livre e esclarecido. Iniciação à Bioética. www.CFM.
org.br Acesso em 03 de maio de 2012.
2. Wikipédia. www.wikipedia.org Acesso em
04 de maio de 2012.
3. Gracia D. Introducción. La bioética médica.
Bol Of Saint Panam 1990; 108 (5-6):374-8.
4. The National Comission for the Protection
of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research. The Belmont Report.
Washington: Government Printing Office,
1979:4.
5. Gillon R. Primum non nocere and the prin
ciple of non-maleficence. BMJ 1985;291:130-1.
6. Braga Filho, C. E. Princípio da Justiça. Bioética Clínica. Ed. Revinter 2003; 27-35.
7. Amorin, C. Princípio da Beneficência e da
não-maleficência. Bioética Clínica. Ed. Revinter 2003; 27-35.
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2. BIOÉTICA
Consentimento Informado para
Tratamento de Saúde
Dra. Cristiana Tavares*
Autonomia: princípio ético da
modernidade, contraposição à heteronomia da ética medieval. Para o
filósofo Kant, a liberdade é a independência a toda forma de lei que
não seja a lei moral não obstante, ser
homem conduzido por seu poder de
escolha, por suas atitudes, enfim por
seu livre arbítrio.
Assim, pode-se dizer que o sujeito,
em pleno exercício de sua autonomia,
tem o direito de consentir ou recusar
propostas de caráter preventivo, diagnóstico ou terapêutico, que afetem ou
venham a afetar sua integridade físicopsíquica ou social(1). Dispõe o inciso
II, do art. 5 da constituição federal,
que: ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude da lei.(2)
Não há, de forma geral, em
nosso país, norma legal que obrigue
o paciente a tratar de sua saúde, o
que destaca a importância do seu
consentimento para a realização de
qualquer técnica/procedimento diagnóstico ou terapêutico.
Sendo assim, é reputado como
crime, em nosso país, deixar o profissional médico de buscar junto ao seu
paciente o esclarecimento e aquiescência ao termo de consentimento
esclarecido e informado, salvo os casos excepcionais de iminente perigo
de morte ou tentativa de suicídio. A
criminalização decorrerá, portanto,
apenas quando houver caracterização de uma conduta dolosa, de
acordo com o disposto no inciso I do
art.146, do Código Penal.
Em relação ao princípio bioético da autonomia, o consentimento
deve ser livre, esclarecido, renovável
e revogável. Deve ser oferecido de
forma livre, consciente, isento de
coação física, psíquica ou moral. O
Consentimento livre requer que o
paciente manifeste suas dúvidas,
expectativas e preferências profissionais, objetivando um diálogo
franco, ético e consciente entre ele
e o profissional de saúde.
A formalização documental do
consentimento cristaliza, de maneira
direta, a vontade do paciente, com
a qual anui o profissional de saúde.
Segundo Joaquim Ataz Lopes, são
necessários alguns requisitos para
que a vontade encontre abrigo no
direito. São elas: requisitos de capacidade, ausência de vícios de
vontade, informação médica e atendimento aos requisitos formais.
Requisitos de Capacidade
Em termos gerais, entende-se
por capacidade, a qualidade de
quem é apto a fazer determinada
coisa, a compreendê-la. Por capacidade civil, entende-se a aptidão do
indivíduo para exercer um direito.
O Código Civil brasileiro vigente,
em seu artigo 3º., dispõe que são
absolutamente incapazes de exercer
pessoalmente os atos da vida civil: I
- os menores de dezesseis anos; II os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para a prática desses
atos; III - os que, mesmo por causa
transitória, não puderem exprimir
sua vontade.
O mesmo Código Civil, em seu
artigo 4º., dispõe: Art. 4o São incapazes relativamente a certos atos,
ou à maneira de os exercer: I - os
maiores de dezesseis e menores de
dezoito anos; II - os ébrios habituais,
os viciados em tóxicos, e os que, por
deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo; IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade
dos índios será regulada por legislação especial.
Assim, segundo Lima(5), é importante que os profissionais de saúde
se atenham às disposições legais
acima citadas para que não haja vício na manifestação da vontade do
paciente, em seu consentimento,
levando a uma possível responsabilização penal do profissional médico.
Por conseguinte, faz-se mister a participação de um representante legal
do paciente que seja legalmente
considerado total ou parcialmente
incapaz para os atos da vida civil, ou
seja, incapaz de manifestar o livre e
esclarecido consentimento durante
tratamentos de saúde.
Lima(5) atenta a um ponto de importância que são os casos de urgência e a emergência, posto serem considerados situações excepcionais ao
princípio do livre e consciente consentimento do paciente. É que a falta
de pronta intervenção do profissional
médico, em casos de risco de morte
e/ou tentativa de suicídio poderá ser
interpretada como omissão de socorro, conduta tipificada no código
penal brasileiro como crime.
Vontade
Segundo Francisco Amaral, “a
vontade é elemento fundamental
da produção dos efeitos jurídicos,
sendo necessário, como é por obvio, que ela se manifeste, se exteriorize”(5). Para segurança das partes
envolvidas no tratamento de saúde,
deve haver a manifestação da vontade na forma escrita. Essa deve ser a
regra. As exceções deverão ser analisadas pontualmente(5).
Elimar Szaniaswski cita que: “os
mais frequentes atentados contra o
direito à integridade psicofísica do
homem podem ser realizados por
INFORMATIVO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ONCOLOGIA CLÍNICA . SBOC • Ano 8 • Nº 48
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3. BIOÉTICA
intermédio de exames corporais e
psíquicos contra a sua vontade...(3)“.
Informação Médica
A informação é a base necessária
para que o paciente possa tomar
suas decisões de forma autônoma e,
para tanto, elas precisam ser traduzidas para o universo leigo, pois o
pressuposto de que o paciente está
informado não significa que ele está
esclarecido.
A pessoa deve ser esclarecida
sobre o prognóstico de sua enfermidade, a eficácia e o caráter do
tratamento proposto, as probabilidades de alteração da condição de
dor, sofrimento, ou seja, de tudo
que permeia seu universo, para que
possa fundamentar suas decisões.
Em relação aos riscos, devem
entender sua natureza, magnitude,
probabilidade e a iminência de sua
concretização.
Por isso, não se aceita como justificativa plausível, aduzir que disparidades culturais e sócio econômicas
inseridas na nossa sociedade justificariam a desigualdade no acesso a informação. Em inúmeras situações, o
paciente não compreende o que lhe
foi dito por simples falta de clareza
do médico, pela inadequação dos
termos empregados, e não pela pretensa incapacidade de assimilação.
Ausência de requisitos formais
Segundo Muñoz, fornecer um
texto padrão de consentimento livre
e esclarecido não seria adequado,
pois não são suficientes para a garantia adequada da informação que
deve ser personalizada e renovável.
Personalizada pelo caráter individual das explicações, cada paciente
terá o seu prognóstico relacionado
a inúmeros fatores e, consequentemente seu tratamento também. Renovável pela necessidade contínua
de alterações, pois o primeiro recolhimento ocorreu dentro de uma
situação exclusiva àquela temporalidade que pode ser totalmente
modificada a posteriori. Muñoz,
também esclarece que o consentimento previamente assinado não é
imutável, pode ser modificado por
decisão livre do paciente ou do seu
representante legal sem que possam
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“
EXPEDIENTE
O maior consentimento
informado [...] é o vínculo
afetivo e moral entre o
médico e o seu paciente.
“
ser contrapostas objeções e sansões
morais ou administrativas(2).
Munõz(2), descreve os elementos
essenciais que deverão estar contidos em um termo de consentimento
livre e esclarecido, são eles:
1. Ser escrito em linguagem
acessível;
2. Conter, procedimentos terapêuticos associados aos seus objetivos e justificativas; desconfortos,
riscos possíveis e benefícios esperados; métodos alternativos esperados;
liberdade do paciente recusar ou retirar seu consentimento, sem qualquer
penalização e/ou prejuízo à sua assistência; assinatura ou identificação
dactiloscópica do paciente ou de seu
representante legal.
O consentimento informado
merece receber uma maior atenção
pelo universo jurídico brasileiro, pois
nada mais é do que um compromisso entre o médico e o paciente,
representado pela manifestação da
vontade fundada em orientações
necessárias, visando evitar conflitos.
No entanto, é importante ressaltar que a dedicação ao paciente, a
ponderação, o respeito à dignidade
do indivíduo e a honestidade profissional são os princípios que selam
o maior consentimento informado,
que é o vínculo afetivo e moral entre
o médico e o seu paciente.
Referências Bibliográficas
1. O contexto filosófico do iluminismo e a centralidade da autonomia na filosofia prática
de Kant. www.pucrs.br/edipucrs/online/autonomia . Acesso em 06 de maio de 2012.
2. Muñoz, D. R., Fortes, P A. C. O princípio
.
da autonomia e o consentimento livre e esclarecido. Iniciação à Bioética. www.CFM.
org.br Acesso em 03 de maio de 2012.
3. Constituição da República Federativa do
Brasil.
4. Direitos de Personalidade e sua Tutela. Ed.
Revista dos Tribunais, 1993, p.291/292.
5. Lima, G. B. Consentimento Informado do
Paciente para o Tratamento da Saúde. In Bioética Clínica. 2003. Ed. Revinter 219 – 235.
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* Dra. Cristiana Tavares é Oncologista
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