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INTERESSES SECRETOS
Passion for the Game
Sylvia Day
Londres, Século XIX
Um segredo... Uma surpresa... Uma paixão...
Sob a aparência de frieza e indiferença, Mary Winter oculta um coração
amargurado. Apenas ela conhece o motivo pelo qual está fadada a ignorar seus próprios
sonhos e desejos em nome de um segredo que deve ser mantido a todo custo, mesmo
que isso signifique sacrificar sua felicidade...
O temido e respeitado Christopher St. John volta a frequentar a sociedade
britânica depois de duas semanas de ausência. O fato passaria despercebido para
Mary, não fosse o inesperado encontro à saída do teatro, quando St. John lhe faz uma
proposta tentadora...
Arriscando a segurança de entes queridos, Mary e St. John embarcam numa
aventura que os leva dos suntuosos salões de baile aos recônditos do submundo de
Londres, um jogo perigoso que poderá levá-los à forca... ou aos prazeres da paixão!
Digitalização Joyce
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Revisão:Jéssica Oliveira
Formatação: Ana Ribeiro
CAPÍTULO I
Londres, 1714
— Se o anjo da morte for tão adorável quanto você, os homens farão fila para
morrer.
— Sua vez chegará...
O murmúrio inaudível da resposta se confundiu com a modulação afinada da
soprano que lamentava o amor perdido no palco do teatro.
A deslumbrante jovem que fora alvo do macabro elogio manteve a fachada régia,
para benefício dos diversos binóculos que a focalizavam, admirando sua beleza.
Naquela noite, lady Winter usava um elegante vestido vermelho de seda,
ornamentado com o delicado laço da echarpe negra que pendia de seus ombros. As
cores acentuavam os traços de sua herança espanhola. O traje realçava o efeito
devastador provocado pelos esplêndidos cabelos negros, olhos da cor do mais puro
ébano e pele morena. A simples presença daquela mulher era, em si, um sinal de perigo.
Ela fixou o olhar no palco. A repulsa pelo acompanhante sentado ao lado dela no
camarote fazia seu estômago revirar.
Exalando um longo suspiro, simulou interesse pela trama da ópera em andamento.
Anjo da morte... A alcunha não poderia ser mais verdadeira. Todos ao redor dela
morriam, exceto lorde Welton Benbridge, o único homem que desejava eliminar da
face da Terra.
O riso abafado atrás dela fez sua pele arrepiar.
— Será necessário pensar duas vezes antes de me mandar para o inferno, minha
querida filha — a voz grave advertiu, como se lesse seus pensamentos. — Se me matar,
nunca se reunirá novamente com sua irmã.
— Não ouse me ameaçar, lorde Welton. Amélia está próxima da idade de se
casar, e quando isso acontecer, descobrirei o paradeiro dela e não terei mais
necessidade de manter sua vida. Considere minhas palavras antes de pensar que
poderá fazer com ela o mesmo que fez comigo.
— Eu poderia vender sua irmã para os comerciantes de escravos, minha doce
Maria... Ou prefere que a chame de lady Winter? — ele murmurou com prazer sádico.
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— O senhor presume incorretamente que eu não antecipei sua ameaça. — As
rendas do punho tremularam quando ela apertou as mãos num gesto nervoso. — Eu
conseguirei localizar minha irmã, e então, o senhor morrerá.
Um sorriso amargo curvou os lábios cheios.
Seus dois desafortunados maridos haviam sido agentes da Coroa, e a fortuna que
acumularam foram úteis para o padrasto.
Ela tinha dezesseis anos quando Welton destruiu sua vida.
Uma onda de antecipação percorreu seu corpo quando pensou no dia em que o
faria pagar por tudo que a obrigara a fazer pelo bem da irmã.
— Quem será o alvo dessa vez? — murmurou contrariada, cedendo mais uma vez
às exigências do padrasto.
— St. John. — O nome pairou em suspenso no ar entre eles.
— Christopher St.John? — Maria repetiu, boquiaberta. Nada poderia
surpreendê-la mais. Aos vinte e seis anos, acreditava que já tinha visto e feito tudo.
— Interessante... — Maria murmurou, olhando para o homem em questão.
Christopher St. John era o lendário pirata que saqueava navios de contrabandos
e mantinha desabrigados e famintos sob sua proteção. Era tema principal das reuniões
da corte, e comentavam-se suas façanhas com intempestivo entusiasmo. Ele acabara
de sair da prisão, onde havia passado duas semanas sob acusação de pirataria, e
especulava-se por quanto tempo conseguiria se manter em liberdade.
A beleza incomum era tão mortal quanto a dela, e as façanhas tão
extraordinárias que não parecia ser possível que fossem verdadeiras.
— St. John é um homem rico, mas casar-me com ele vai me arruinar e me tornar
menos efetiva para seus objetivos — ela comentou com aparente descaso.
— Eu não mencionei casamento, Maria. Ainda não esgotei as reservas de lorde
Winter. Trata-se apenas de uma busca de informação. Acredito que os agentes da
Coroa estejam envolvendo St. John em algum tipo de negócio. Quero que descubra o
que é, e, mais importante, quem conseguiu livrá-lo da prisão.
Maria voltou a atenção para o palco.
Por que a sensação de que suas mãos estariam manchadas de sangue nunca
passava?
Virou a cabeça e olhou ao redor. A soprano no palco chamava a atenção, mas não
estava lá para vê-la. E, assim como ela, a aristocracia que enchia todos os camarotes
do luxuoso teatro também pretendia apenas ver e ser vista, e nada mais.
— Devem estar realmente desesperados para poupar a vida de St. John—Welton
comentou com descaso. —A Coroa passou anos procurando pela prova irrefutável de
sua vilania, e agora que a tem, decidiu cruzar os braços. Suponho que nenhum dos lados
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
esteja satisfeito.
— Não me importo com o que St. John ou a Coroa sentem. —Maria ajustou o
binóculos, simulando interesse pela ópera.
—Tem razão. Isso não importa. Quero apenas que se aproxime dele e extraia
todas as informações que puder. Assim saberei a quem devo extorquir.
— Está confiando demais no meu poder de sedução — ela observou, sentindo o
gosto amargo da biles na boca.
Era insuportável pensar em tudo que era forçada a fazer para proteger e servir
um homem que odiava.
Porém, não era o padrasto a quem protegia e servia, e sim a si mesma. Precisava
que ele vivesse, pois caso contrário, jamais encontraria Amélia.
— Você tem noção de como essas informações podem ser valiosas, Maria?
Ela assentiu com gesto quase imperceptível, consciente de que Welton estava
atento ao menor de seus movimentos.
Todos sabiam que a morte de seus dois maridos não havia sido por causas
naturais. Porém, não tinham provas para acusá-la. Apesar dos rumores que corriam as
suas costas, Maria sempre fora bem recebida pela sociedade. Embora abominasse a
humilhação e a infâmia, frequentava os lares das famílias mais agraciadas da corte
graças ao padrasto, que conhecia mais segredos do que a aristocracia gostaria de
admitir.
—Como posso travar contato com o sr St. John?—indagou sem encarar Welton.
— Use seus próprios recursos. — Welton se pôs de pé nas sombras do camarote,
mas Maria não se deixou intimidar. Com exceção da preocupação por Amélia, nada mais
a assustava.
Uma onda de repulsa a fez estremecer ao sentir o toque em seus cabelos.
— Os cabelos de sua irmã são parecidos com os seus... — ele sussurrou em tom
lúbrico. — Gosto dos cachos sedosos e brilhantes que as duas herdaram da mãe.
— Vá embora! — ela sibilou por entre os dentes.
A risada sardônica pairou no ar muito tempo depois que Welton saiu.
Quantos anos mais seria forçada a viver sob aquela tortura diária? Os
investigadores e informantes que trabalhavam para ela foram incapazes de descobrir
algo de valor. Não haviam conseguido nada além dos relatos de breves aparições de
Amélia, sem que nunca tivessem encontrado pistas de onde ela poderia estar. Por
muitas vezes, estiveram perto... Mas Welton sempre estava um passo à frente.
E, a cada dia, a alma de Maria se tornava mais negra e descrente.
— Não se deixe enganar pelas aparências. Sim, ela é pequena e delicada, mas é
uma serpente esperando para dar o bote.
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Christopher St. John se acomodou na poltrona sem olhar para o agente da Coroa
que dividia o camarote com ele.
Sua atenção estava fixa na mulher sentada no outro extremo do teatro. Passara
a vida toda em meio às damas elegantes da sociedade e sabia reconhecer alguém com
afinidades quando via.
Trajando um elegante vestido que dava a impressão de luxo e riqueza, lady
Winter aparentava frieza e indiferença.
Mas isso não importava. Seu desígnio era aquecê-la, imiscuir-se na vida dela e
conhecê-la bem o bastante para fazê-la ir para a forca em seu lugar.
Não era uma tarefa agradável, nem mesmo para um homem que, como ele, trilhara
a tortuosa estrada do crime.
— Deve haver dúzias de homens trabalhando para ela — o conde Sedgewick
observou. — Alguns atuam nas docas, e outros vagueiam pelo país. O interesse de lady
Winter na agência é óbvio. Ela, tanto quanto você, tem reputação de ser fria e mortal.
Vocês dois são muito parecidos. Tenho certeza de que ela não poderá resistir a
qualquer oferta de assistência da sua parte.
Christopher assentiu. Conhecia mulheres daquele tipo, mais preocupadas com a
aparência do que com a própria reputação.
Ela entregava-se sem pudores para atrair pretendentes ricos.
No entanto, a perspectiva de compartilhar a cama com o belo "Anjo da Morte"
era tentadora.
— Posso ir agora, milorde? — Christopher perguntou, fazendo menção de se
levantar.
Sedgewick balançou a cabeça em silêncio.
— Comece imediatamente, ou perderá esta oportunidade. Christopher se conteve
para não retrucar. A agência aprenderia em breve que ele dançava conforme o próprio
ritmo.
—Envie relatórios indicando todos os passos de lady Winter. Quero saber tudo
sobre a relação pessoal e profissional entre vocês.
Christopher ajeitou os punhos do casaco.
— Lady Winter procura a segurança financeira de um casamento com alguém da
nobreza, o que torna impossível para um homem sem títulos, como eu, ser um
pretendente aceitável. Planejo começar minha associação com ela pelos negócios e
selar com sexo. É assim que funcionará.
— Você é assustadoramente egoísta, St. John — censurou Sedgewick, com
malícia.
—E você será um homem sábio ao se lembrar sempre disso — o pirata retorquiu
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
ao sair.
A sensação de estar sendo observada com atenção predatória provocou
desconforto em Maria. Estudou com olhos de lince cada camarote do teatro e não
notou nada de suspeito. Ainda assim, os instintos que a mantinham viva a alertaram do
perigo e preferiu, mais uma vez, dar ouvido a eles. Não era tola a ponto de acreditar
que o interesse de alguém sobre ela fosse mera curiosidade.
O tom baixo das vozes masculinas dos camarotes vizinhos chamou sua atenção.
Talvez não passasse de comentários fúteis sobre o espetáculo em andamento, mas
Maria era uma caçadora com sentidos apurados.
— ...o camarote do "Anjo da Morte" — ouviu o fragmento de conversa chegar até
ela.
— Ah... — um homem murmurou em tom sigiloso. — Eu não me importaria em
correr o risco de morrer se pudesse passar algumas horas na cama dela. Lady Winter
é incomparável, uma deusa entre as mulheres.
Maria suspirou. Sua beleza não passava de uma cruel maldição. O prazer juvenil
que tivera no passado por saber que era a mais bela dentre todas se desvanecera no
dia em que o padrasto passara a usá-la para enriquecer. Desde então, as mortes se
sucederam em sua vida.
A primeira fora do amado pai. Lembrava-se do homem vigoroso, em quem o
sorriso brotava fácil. Afável e romântico, ele adorava a esposa de origem espanhola. A
mãe jamais conseguira superar o trauma quando o marido adoeceu e morreu em poucos
meses. Mais tarde, Maria se tornara familiarizada com a dor da alma. Porém, naquela
ocasião, sentira apenas medo e confusão, e seus temores sobre o futuro aumentaram
quando foi apresentada ao belo cavalheiro de boas maneiras que ocuparia o lugar do
pai.
— Maria, minha amada filha — a mãe dissera com voz suave —, conde Welton e eu
planejamos nos casar.
Ela já ouvira aquele nome antes. O fidalgo era o melhor amigo de seu pai. No
entanto, a razão pela qual a mãe desejava se casar novamente estava além da sua
compreensão. O pai teria significado tão pouco para ela?
— Lorde Welton deseja enviá-la aos melhores colégios — fora a explicação da
mãe. — Terá o futuro que seu pai desejava para você.
Mesmo sendo uma criança, ela compreendeu a mensagem implícita. Estava sendo
sutilmente afastada do lar.
O casamento se realizou e lorde Welton ocupou o lugar de chefe da família,
levando-as para sua propriedade com uma construção que mais se parecia um castelo
medieval. Maria a odiava. Era fria, escura e assustadora, em tudo diferente da casa
iluminada e alegre que moravam antes da morte do pai.
Welton teve uma filha com sua nova esposa e logo a seguir a abandonou. Maria foi
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
enviada para uma das mais requintadas e severas escolas internas para moças
enquanto o padrasto se embriagava e divertia-se nas tavernas, desperdiçando em
benefício próprio o dinheiro que o pai deixara.
A mãe se tornou a pálida imagem do que fora. Os exuberantes cabelos negros
embranqueceram do dia para a noite, e sua doença foi escondida de Maria até o último
momento.
Ao retornar à casa do padrasto nas férias de inverno, encontrou apenas um
fantasma da condessa de Welton, em lugar da mulher vibrante e alegre que a mãe
fora. Maria percebeu que ela não duraria mais do que alguns dias apenas quando o fim
estava próximo.
— Minha filha, peço que me perdoe — ela dissera em seu leito de morte. —
Welton era um homem gentil logo depois que seu pai morreu, e não percebi que não
passava de fachada para me seduzir.
— Tudo ficará bem, mamãe — ela mentiu. — Sua saúde vai melhorar e poderemos
nos livrar dele.
— Não... Você deve...
— Por favor, mamãe, não diga mais nada. A senhora tem de descansar.
Acometida por um acesso de tosse, a condessa buscou forças para fazer seu
último pedido:
— Você tem de proteger sua irmã. Welton não se importa que ela seja filha de
seu próprio sangue. Vai usá-la, assim como me usou. Amélia não é forte como você,
minha filha. Ela não tem a força do sangue de seu pai.
Maria observou a vida da mãe se escoar sem que nada pudesse fazer. Durante
uma década em que a mãe vivera sob o mesmo teto que Welton, ela aprendera muito, e
a principal lição fora que por trás da bela aparência do lorde escondia-se a alma de
Mefistófeles.
Maria passara a adolescência no colégio interno, preparando-se para ser a mulher
que o padrasto poderia explorar. Nas visitas ocasionais, observava a forma como ele
traía sua mãe. Ouvia os comentários dos criados e adivinhava o rastro de sangue e
traição que ele deixava atrás de si.
A irmã de sete anos de idade permanecia trancada em seus aposentos quando o
pai estava em casa, assustada e solitária.
— Mamãe, não tenho idade suficiente para cuidar de minha irmã — ela disse por
entre lágrimas.
— Sim, você é capaz — Cecília sussurrou num fio de voz. — Quando eu partir,
deixarei toda a força que tenho com você. Sentirá minha presença, filha, assim como a
de seu pai. Nós vamos ampará-la.
E aquelas palavras seriam seu único apoio nos anos em que se seguiriam.
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Ela está morta? — Welton indagou quando Maria emergiu do quarto. Os olhos
verdes não revelavam a menor emoção.
— Sim.
—Faça os arranjos que desejar para o funeral—foi o único comentário do
padrasto.
Ela assentiu e fez menção de se afastar.
— Maria...
Ao ouvir a voz pastosa pela bebida, ela se voltou para fitá-lo, estudando seus
traços com frieza. Apesar de odiá-lo, não podia deixar de admitir que era o homem
mais bonito que já vira. Aquela deveria ser a aparência do demônio quando encarnado
na forma humana.
— Conte a Amélia sobre a morte de Cecília. Estou atrasado para um compromisso
e não tenho tempo para falar com ela.
— Não se preocupe. A morte de minha mãe não há de atrapalhar seus
compromissos.
Welton riu com escárnio da sua bravura.
— Eu sabia que você seria perfeita. Valeu a pena pelo trabalho que sua mãe me
deu.
Ela observou-o girar no salto das botas e sair, completamente esquecido da
esposa.
Amélia... Sua meia-irmã, inocente e frágil, ficaria abalada quando soubesse,
pensou ao atravessar os corredores sombrios no silêncio mortal do palacete. A missão
que a esperava era a mais cruel que já tivera de enfrentar. Além do profundo pesar
que vivia naquele momento, teria de comunicar à irmã que a única pessoa que poderia
protegê-la havia partido.
O que diria para sua meia-irmã? Amélia não possuía as mesmas memórias felizes
para sustentá-la. A pobre criança estava órfã, pois jamais teria a atenção do pai.
— Olá, princesa — ela disse com suavidade ao entrar no quarto de Amélia,
firmando-se nos pés para absorver o impacto do pequeno corpo contra o dela.
— Maria!
Abraçando a irmã, conduziu-a para a cama e a sentou em seu colo, passando a
contar sobre a perda que ambas haviam sofrido.
— O que vamos fazer? — Amélia balbuciou entre soluços ao saber da morte da
mãe.
— Nós sobreviveremos — Maria assegurou. — Vamos nos manter unidas. Eu vou
protegê-la. Nunca duvide disso.
Abraçadas, choraram até que as lágrimas se esgotassem e adormeceram,
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
vencidas pela exaustão.
Quando acordou, Maria descobriu que Amélia não estava no quarto.
Estremecendo de pavor, soube por instinto que Welton a levara. E, a partir daquele
dia, suas emoções permaneceram aprisionadas, e jurou que as libertaria somente no
dia em que pudesse se vingar do homem que destruíra a vida de todas as mulheres que
haviam pisado naquele castelo.
Os aplausos da plateia ao final do espetáculo a trouxeram de volta para o
presente.
Obrigando-se a reagir, Maria se pôs de pé. Puxou as cortinas e saiu do camarote,
atravessando o saguão de entrada com passadas rápidas.
Seguiu para a calçada e encarou os dois valetes que se mantinham de guarda.
— Minha carruagem — ordenou a um deles, e o lacaio correu para atendê-la.
Quando se voltou, Maria esbarrou com um corpo sólido.
— Queira desculpar — murmurou a voz rouca, tão perto de seus ouvidos que ela
pôde sentir a vibração do corpo quente.
O som a perturbou. Permaneceu imóvel, com os sentidos em alerta.
Uma após outra, as impressões a bombardearam, desde o peito largo, o braço
firme ao redor de sua cintura e o rico perfume de bergamota e tabaco.
Encarou-o com frieza, mas ele não se deixou intimidar. Em vez de soltá-la,
apertou-a com mais força.
— Solte-me! — exigiu com autoridade.
— É o que farei quando estiver pronto.
A mão se fechou em concha sobre seu pescoço e o toque queimou a pele. Dedos
possessivos tocaram os seus, fazendo o pulso de Maria disparar.
Ele se moveu com extrema confiança, sem hesitar, como se fosse dono do direito
de levá-la para onde quisesse, mesmo em uma avenida pública. Mesmo assim, havia
gentileza nas maneiras dele. Apesar da possessividade, ela poderia escapar se
quisesse. No entanto, um súbito receio a impediu, prevenindo-a de se mover.
O olhar de Maria se moveu para o lacaio à porta, ordenando em silêncio que
fizesse algo para ajudá-la. O criado arregalou os olhos e engoliu seco, desviando o
rosto.
Maria suspirou. Aparentemente, teria de se virar sozinha, mais uma vez.
Sua próxima ação foi movida pelo instinto. Girou a mão, pressionando-a no
pescoço de seu raptor, e apertou com força o pomo-de-adão.
O homem congelou por um instante, e então uma sonora gargalhada cortou o ar.
— Adoro uma boa surpresa! — ele disse por entre o riso.
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Pena que não possa dizer o mesmo — ela retrucou com azedume.
— Está com medo?
— Medo de sujar minha roupa de sangue? — Maria riu com escárnio. — Oh, sim. É
um dos meus vestidos favoritos.
— Ah... Mas combinaria perfeitamente com o sangue em suas mãos. — O
sequestrador fez uma pausa e traçou com a ponta da língua o lóbulo da orelha de
Maria, fazendo-a arrepiar. — ...e nas minhas.
— Quem é você?
— Sou o que você precisa.
Maria suspirou profundamente, enquanto mil perguntas giravam em sua cabeça
com a rapidez de um tornado.
Ele a soltou abruptamente e os dedos roçaram a pele macia do braço.
— Se achar que posso ser útil, venha me procurar.
O raptor recuou um passo e Maria se virou, num farfalhar de seda do vestido.
Ela mal conseguiu esconder a profunda surpresa.
Os retratos do pirata que apareceram nos jornais não lhe faziam justiça. Cabelos
louro-claros, pele beijada pelo sol e brilhantes olhos azuis iluminavam as feições tão
perfeitas que chegavam a ser quase angelicais. Os lábios, embora finos, eram
esculpidos por mãos de mestre.
O impacto causado pelo profundo magnetismo daquele homem era
desconcertante. Provocava em Maria o desejo de confiar nele, embora o brilho dos
olhos misteriosos dissesse que seria um erro.
Enquanto o fitava, Maria percebeu a inegável atenção que estavam atraindo das
pessoas que circulavam pela calçada.
— St. John!
— Estou lisonjeado que tenha me reconhecido. Ela ignorou o tom sedutor e
avaliou-o com frieza.
— Por que acha que eu precisaria de sua ajuda?
— Talvez porque eu saiba o que os agentes da Coroa estão procurando.
— O que sabe?
— Muito, mas não o bastante. Talvez, juntos, possamos combinar nossos
objetivos.
—E qual é seu objetivo?—arriscou-se a perguntar, mesmo certa de que ele não
responderia.
— Vingança.
10
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
A palavra deslizou dos lábios de St. John com tanta casualidade que Maria
ponderou se aquele homem seria tão destituído de emoções quanto ela. Teria de ser,
para se prestar à vida de crimes que o tornara famoso. Sem remorsos,
arrependimento nem consciência.
— Os agentes da Coroa interferiram na minha vida mais vezes do que eu gostaria
— ele esclareceu com sorriso enigmático.
— Não tenho ideia do que está falando.
— Não? Que pena. — St. John recuou um passo e avaliou-a da cabeça aos pés. —
Estarei disponível, caso mude de ideia.
Por um momento, Maria se recusou a virar-se e observá-lo. Porém, sem resistir ao
impulso, girou a cabeça e o estudou com avidez. Vestido como estava, seria impossível
que se misturasse à multidão que saía do teatro. A elegância do traje se destacava
dentre os demais.
Maria entendeu de pronto o apelo carismático que emanava daquele homem.
— Venha cá — dirigiu a atenção para seu lacaio.
— Milady... — O rapaz avançou um passo e abaixou a cabeça, constrangido. — Por
favor, perdoe-me!
— Pelo quê?
— E... Eu não a protegi.
Maria ergueu as sobrancelhas. Aproximando-se, tocou os ombros do jovem num
gesto que o deixou admirado.
— Não estou zangada com você. Teve medo, e esta é uma emoção com a qual
simpatizo.
— Verdade?
Ela assentiu com um sorriso amargo antes de se afastar.
O sorriso de gratidão que recebeu fez seu coração se apertar. Teria sido
condescendente demais com o rapaz?
Por vezes, sentia-se desconectada do mundo real, ponderou. Já não sabia mais a
diferença entre um simples gesto de tolerância e um ato de descaso.
Mas não importava. Vingança era tudo que ela queria, e experimentava o sabor
ácido do ódio todas as manhãs para lavá-lo da boca a cada noite. A necessidade de se
vingar era a força que fazia o sangue correr em suas veias. E Christopher St. John
poderia ser o meio para consegui-la.
Até momentos atrás, ele não passava de uma incumbência desagradável que
deveria ser finalizada o mais depressa possível. No entanto, naquele momento, as
possibilidades eram mais do que intrigantes. Eram sedutoras. Teria de planejar com
cuidado como poderiam utilizá-las. St. John era um homem perigoso, mas estava certa
11
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
de que poderia controlá-lo.
Christopher sentiu a força do olhar de lady Winter em suas costas à medida que
caminhava. Não havia planejado falar com ela. Esperava apenas vê-la de perto e
observar sua segurança pessoal. Fora uma grata coincidência ter escolhido aquele
momento para sair do camarote. Não apenas se encontraram, mas pudera tocá-la, tê-la
em seus braços e inalar o perfume suave da pele acetinada.
Lady Winter era mais jovem do que imaginara. A pele alva e os traços finos e
delicados eram ressaltados pelos deslumbrantes olhos negros, vívidos e perspicazes. A
expressão quase inocente, porém, era enganadora. Aquela mulher era acusada de ter
matado, no mínimo, dois homens.
Ao menos, era o que pretendia descobrir. A agência a desejava mais do que a ele,
e esse simples fato o intrigava mais do que tudo.
Com passadas lentas, aproximou-se da luxuosa carruagem com o brasão do
falecido lorde Winter e apoiou o pé no degrau, inclinando o corpo para a frente.
— Devo estar na mansão Harwick no próximo fim de semana — anunciou com voz
firme. — Tenha certeza de que lady Winter saiba disso.
Quando o cocheiro assentiu, assustado, Christopher sorriu com satisfação.
Pela primeira vez em muito tempo, tinha algo genuinamente prazeroso com que se
ocupar.
—Existe a possibilidade de que Amélia tenha sido vendida no tráfico de escravos.
Maria deteve-se diante da lareira para encarar o homem que, além de ser a
pessoa em quem mais confiava, também fora seu amante.
Simon Quinn usava robe colorido de seda, deixando entrever o peito largo. Os
olhos, de um azul brilhante, formavam um encantador contraste com a pele morena e
cabelos pretos que revelavam a ascendência irlandesa. Era o oposto de St. John e
alguns anos mais jovem, mas igualmente sedutor.
Afora sua sexualidade inata, Simon era inofensivo para ela. Graças a ele, Maria
podia dormir em segurança na mansão rodeada pelo perigo. Durante a associação dos
dois, Simon quebrara todas as leis que poderiam existir... assim como ela.
— É curioso você dizer isso esta noite — murmurou. — Welton me disse o mesmo
no teatro.
— Isso não é bom sinal — Simon pensou em voz alta, preocupado.
— Não posso fazer nada baseada em conjecturas, Simon. Encontre provas. Dessa
forma, podemos matar Welton e iniciarmos a busca pelo paradeiro da minha irmã.
O fogo da lareira aquecia-lhe as mãos, mas por dentro, Maria estava congelada
pelo terror. Nunca mais conseguiria encontrar Amélia, se ela de fato tivesse sido
vendida como escrava.
12
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Restringir as buscas aos limites da Inglaterra diminui a chance de encontrá-la
— o rapaz lembrou-a.
Maria levou a taça de licor aos lábios e sorveu um gole antes de colocá-la sobre a
escrivaninha. Seu olhar passeou pelo aposento, encontrando conforto no ambiente
aconchegante.
Tratava-se de um escritório extremamente masculino, efeito que servia para dois
propósitos. Em primeiro lugar, o clima sóbrio desencorajava conversas fúteis. E, em
segundo, proporcionava-lhe sensação de controle do qual ela necessitava
desesperadamente. Sentia-se como uma marionete nas mãos de Welton, mas ali, era
ela quem estava no comando.
— Tem razão, Simon. — Ela suspirou com amargura. — Envie alguns dos homens
para os países vizinhos.
— Até quando viverá assim, Maria? — o rapaz perguntou. —Até quando abrirá
mão da sua felicidade em nome do bem-estar de sua irmã?
— Não posso pensar em mim antes de encontrar Amélia.
— Sim, você pode. Se você estiver feliz, se tornará mais forte para lutar.
O olhar frio que Maria enviou ao rapaz foi o bastante para desencorajá-lo. Simon,
no entanto, simplesmente riu. Já havia dividido a cama com ela, e a inevitável
consequência fora a intimidade que havia entre eles.
Maria desviou o rosto e encontrou os olhos do primeiro marido fielmente
reproduzido no retrato a óleo pendurado na parede.
— Sinto falta de Dayton — confessou com amargura. — Especialmente do suporte
que ele me proporcionava.
O conde Dayton a salvara da completa ruína. O amável e gentil viúvo pagara alto
preço por tomar uma jovem com idade para ser sua neta como segunda esposa. Sob a
tutela dele, Maria aprendera tudo que necessitava para sobreviver. As características
e o manejo de armas, além do uso consumado delas, foram apenas duas das muitas
lições que ele ensinara.
— E quanto a St. John? — Maria caminhou para a escrivaninha e sentou-se na
luxuosa cadeira. — Ele poderá ter algum uso para mim?
— Claro que sim. Com tudo que aquele homem sabe, ele pode ser de uso de
qualquer um. No entanto, desconfio dos interesses dele em procurá-la. St. John não é
um homem conhecido pelas tendências caridosas.
— Não há de ser sexo — Maria afirmou, pensativa. — Alguém com a aparência de
St. John não encontra o menor problema em ter a mulher que desejar.
— É verdade. St. John é famoso pela vida de excessos que leva.
Simon sentou-se na cadeira diante da escrivaninha e cruzou as pernas. Embora
demonstrasse estar relaxado e tranquilo, ele nunca baixava guarda. Aquela era uma
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
das qualidades que Maria mais apreciava no amigo.
— Presumo que a morte de seus dois maridos e o relacionamento deles com a
agência tenha suscitado o interesse de St. John.
Maria assentiu. A única motivação que poderia encontrar para a aproximação de
St. John era o desejo de usá-la da mesma forma que Welton fazia: para tarefas
desagradáveis onde os ardis femininos eram requeridos. Mas, certamente, havia
mulheres próximas a ele que poderiam fazer o trabalho com a mesma eficiência.
— E por que ele teria sido libertado? — ela perguntou, como se pensasse em voz
alta. — As atividades ilegais de St. John são de conhecimento público, mas ele
conseguiu se manter ileso durante esses anos todos. Então, quando finalmente é
detido, permanece duas semanas na prisão e é libertado... Fico intrigada em saber o
que, ou quem estará por trás disso.
— Prometo que vou investigar melhor.
— Faça isso.
— Gostaria de poder ter sido mais útil, Maria. — O pesar no tom da voz não
deixava dúvida.
— Você sempre será útil, Simon — ela respondeu com um sorriso. — Conhece
alguma mulher em quem possamos confiar para se aliar a Welton?
Ele sustentou a taça de conhaque no ar a caminho da boca e um sorriso lento
transformou suas feições.
— Por Deus! Dayton ensinou-a muito bem! Creio que é um dos casos em que o
discípulo supera o mestre.
— É apenas uma tentativa que pode não dar certo. Preciso de alguém que ouça
segredos de alcova. Welton prefere as louras.
— Não será difícil encontrar alguém que sirva aos seus propósitos.
Maria assentiu e recostou a cabeça no espaldar.
— Mhuirnín? — ele sussurrou em sua língua natal.
— Sim?
— Está na hora de ir para a cama.
A mão grande e poderosa cobriu a dela, e o rico aroma da pele morena preencheu
os sentidos de Maria. Sândalo. Aquele era o cheiro de Simon.
— Não vou dormir tão cedo. Há muito a ser considerado — ela protestou, fixando
o olhar nas íris cristalinas.
— Seja o que for, pode esperar até amanhã. — Simon se levantou e puxou-a para
estreitá-la em seus braços, envolvendo-a com seu calor.
Maria lutou contra a urgência de se deixar seduzir. Ainda se lembrava com
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nitidez da sensação de tê-lo dentro de si, mas o romance tivera fim um ano atrás,
quando o toque de Simon passara a representar mais do que conforto físico.
Maria não podia se permitir ter complacência ou felicidade. Ademais, Simon
permanecia sob o mesmo teto que ela. Recusava-se a amá-lo, mas não podia mandá-lo
embora. Adorava o irlandês e apreciava a dedicação de seu único amigo.
— Conheço suas regras — ele sussurrou, enquanto a mão experiente percorria a
curva suave das costas dela.
Maria sabia que Simon não gostava das restrições que ela impunha, mas a
desaprovação não era suficiente para diminuir o interesse carnal.
— Se eu fosse uma mulher melhor do que sou, trataria de expulsá-lo daqui. — Ela
se desvencilhou do abraço com gentileza. — Não é justo mantê-lo sob minhas asas,
quando você poderia estar ganhando o mundo.
—Você não aprendeu nada sobre mim em todos esses anos que estamos juntos?—
Simon retrucou.—Não pode me fazer partir. Eu lhe devo minha vida.
— Você exagera, Simon.
Lembrou-se de seis anos atrás, quando o vira pela primeira vez, lutando sozinho
contra muitos oponentes. Simon reagia com ferocidade ao ataque de três homens que
tentavam roubá-lo.
Ela quase seguira em frente, firme no propósito de vasculhar a noite escura para
seguir uma pista de Amélia que parecia mais promissora do que as outras. Porém, sua
consciência não permitiu que ignorasse a injusta batalha, comum nos becos de Londres.
Além disso, a força e agilidade com que o rapaz se defendia chamou-lhe a atenção.
Mesmo em desvantagem, havia orgulho e valentia no homem que lutava como um leão
enraivecido.
Empunhando a pistola e flanqueada pelos seus homens, Maria teve força
suficiente para intimidar os agressores e resgatar Simon.
Quando o levou para sua propriedade, a intenção original fora simplesmente
limpá-lo e esperar que recobrasse a consciência para mandá-lo embora. Porém, quando
ele emergiu do banho, Maria se surpreendeu com o homem viril, de beleza
estonteante. Desde então, decidiu mantê-lo sob sua proteção.
Simon recuou um passo e sorriu como se lesse os pensamentos dela.
— Eu enfrentaria dezenas de homens, centenas se preciso fosse, contanto que
isso me levasse de volta a sua cama.
— Você é incorrigível! — ela censurou, balançando a cabeça. — Não vai conseguir
me distrair com sua sedução.
—Quem disse que pretendo seduzi-la?—Simon tomou-lhe a mão e a conduziu para
a porta. — Quero apenas que descanse e tenha bons sonhos.
—E você não aprendeu nada sobre mim nesses anos todos? — ela provocou
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enquanto atravessavam o longo corredor do palacete. — Prefiro não sonhar. Faz com
que o ato de despertar seja ainda mais deprimente.
— Um dia, acordar será ainda mais prazeroso do que o sonho — ele prometeu em
voz baixa.
Maria bocejou e subiu a escada, amparada pelos braços fortes. Momentos depois,
estava acomodada na cama e recebeu um suave beijo de boa-noite na testa. Quando
Simon saiu, sentia-se relaxada e confortável.
Fechou as pálpebras, vencida pela exaustão. No entanto, o tom azul dos olhos que
a seguiam durante o sono era diferente dos de seu melhor amigo.
Profundos, intensos e maliciosos, aqueles eram os olhos de um homem que, por
alguma razão misteriosa, passaram a acompanhá-la desde seu encontro inesperado com
St. John à saída do teatro.
— Boa-noite, senhor.
St. John entrou em casa e saudou com gesto discreto o mordomo que fora
recebê-lo.
— Mande Phillip encontrar-se comigo no meu quarto — ordenou, entregando-lhe
as luvas.
— Sim, senhor.
O pirata entrou e passou pela animado grupo reunido na sala. Eles o chamaram, e
fez uma pausa por um momento passeando o olhar pelo agrupamento que ele
considerava sua família. Celebravam sua liberdade recém-adquirida. Porém, o dever o
esperava. Tinha de acertar todos os detalhes se quisesse manter o presente estado
de liberdade.
— Divirtam-se — desejou, saindo da sala sob os protestos que o seguiram até o
segundo andar.
Entrou em seus aposentos e, com ajuda do valete, começou a se despir. Havia
retirado a capa quando Phillip surgiu à porta.
— O que descobriu?—St. John indagou sem preliminares.
— O tanto quanto é possível no curto espaço de um dia. — Phillip entrou, o casaco
desbotado num contraste gritante com o aposento luxuoso.
— Quantas vezes terei que adverti-lo quanto a sua inquietação? — St. John
censurou. — Denuncia uma fraqueza que implora para ser explorada.
—Minhas desculpas.—O jovem ajustou os óculos e tossiu.
—Não é necessário se desculpar. Simplesmente corrija-se. Permaneça firme, não
vacile em olhar nos meus olhos como um igual.
— Mas não somos iguais! — Phillip protestou.
Por um momento, parecia o mesmo menino fraco e desnutrido de cinco anos de
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idade que aparecera na propriedade treze anos atrás.
— Não, você não é — St. John concordou. — Mas deve me encarar como se fosse.
O respeito é valorizado tanto aqui quanto em qualquer lugar do mundo. Ninguém vai lhe
dar nada simplesmente por você ser gentil e atencioso. Na verdade, a maioria dos
idiotas obtém sucesso simplesmente agindo como se fossem superiores.
— Sim, senhor.
St. John riu. O rapaz ainda não se tornara um homem. Porém, era admirável que
tivesse conseguido se manter de pé e sobrevivido à miséria que o infligira na infância.
— Lady Winter tem vinte e seis anos, ficou viúva por duas vezes e seus dois
maridos não sobreviveram mais do que dois anos na cama dela.
— Diga algo que eu não saiba — St. John resmungou, notando a expressão
frustrada do informante. —Não se aborreça, Phillip. Lembre-se de que o tempo é
valioso. Concentre-se nas informações que realmente importam.
— Ela tem um amante permanente — o rapaz prosseguiu.
— Bem... — St. John fechou os olhos por um momento, tentando afastar a visão
da suave lady Winter nos braços do amante. — O que mais descobriu?
— O rapaz tem ascendência irlandesa, e reside na propriedade desde que lorde
Winter morreu, dois anos atrás.
Dois anos...
— Descobri também algo curioso sobre o relacionamento dela com o padrasto,
lorde Welton.
— Curioso?
— Sim. A criada com quem falei mencionou as frequentes visitas dele na mansão
Winter. Parece que mantêm estreito relacionamento.
St. John estendeu os braços para o robe que seu valete estendia para ele.
—Thompson, traga Betty e Angélica para meus aposentos.
O serviçal assentiu em silêncio antes de sair para cumprir a ordem do mestre.
— O que sabem a respeito das finanças dela? — perguntou ao rapaz que, além de
informante, fazia as vezes de seu secretário particular.
— Não muito por enquanto, mas terei mais informações pela manhã.
Aparentemente, lady Winter é uma mulher rica. Não sei por que necessita conseguir
dinheiro por meio de assassinatos.
— E você chegou a alguma conclusão sobre a culpa dela com evidências
suficientes?
— Ah... Não, senhor.
—Não trabalho com conjecturas, Phillip. Encontre provas.
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— Sim, senhor.
— Agora, conte-me sobre Welton — St. John pediu, acomodando-se na poltrona
ao lado da lareira.
— Ele é um homem devasso e libertino que gasta a maior parte do tempo em
mesas de jogos.
— Que lugares costuma frequentar?
— As tavernas White's e Bernardette's.
— Preferências?
— Jogos de azar e louras.
— Muito bem. -— St. John sorriu. — Estou satisfeito com o que você conseguiu.
— Sua liberdade depende disso, senhor. Se eu estivesse no seu lugar, teria
enviado alguém com mais experiência.
— Você já está pronto, Phillip. Ademais, que utilidade teria se permanecesse
inexperiente?
O rapaz sorriu e o momento foi rompido por batidas discretas à porta.
— Entre! — St. John ordenou, virando-se para observar a escultural loira e a
pequena e voluptuosa morena que se juntaram a eles.
— Ah... Minhas adoráveis princesas! Preciso das duas.
— Sentimos sua falta — disse a loura com um gesto sensual, passando a mão nos
cabelos longos.
— Senhoras, tenho uma missão para vocês duas.
— Peça o que desejar, e faremos — a jovem morena afirmou, fazendo flutuar os
longos cílios negros.
—A modista virá amanhã para tirar as medidas das duas. Vocês terão roupas
novas. Betty, você vai se tornar a mais íntima confidente de lorde Welton. Ele adora
louras, e você tem o tipo ideal para descobrir todos os segredos dele.
— E quanto a mim? — Angélica indagou com expectativa.
— Você, minha beleza morena, terá sua serventia quando for requerida...
— Sabe de uma coisa que adoro em você, mhuirnín? Maria balançou a cabeça e o
sorriso lento se espalhou pelos lábios.
Simon sentou-se ao lado dela no banco coberto por um manto de seda enfeitado
de flores. Ao fundo, a superfície serena do lago e o gramado verde realçavam ainda
mais o brilho nos olhos do amigo.
— Não? Bem, e que tal se eu dissesse apenas uma? — ele murmurou com voz
rouca. — Adoro quando você empina o queixo com ar afetado ao posar de viúva
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pesarosa. E o vestido azul pálido com laço branco foi um toque de gênio.
O sorriso se alargou. Ela estava nervosa e Simon havia notado que girava o cabo
da sombrinha para aliviar a angústia. Atrás deles, a majestosa construção de pedra
que era o lar do conde e condessa de Harwick lhes proporcionaria abrigo para o fim de
semana.
— Era de se esperar, Simon. Eu não poderia desapontar nossos anfitriões.
— É claro que não. No entanto, acho delicioso. O que a cruel viúva está planejando
para este final de semana?
—Um pouco de confusão, quem sabe? Um toque de intriga?
— E quanto a sexo?
— Simon! — ela advertiu.
Ele ergueu as mãos num gesto de defesa, mas os olhos brilhavam com esperança.
—Estou me referindo a outro homem, e não a mim. Espero apenas que tenha o
bom senso de escolher alguém melhor do que St. John.
— Oh? Por quê?
—Porque ele é vulgar, mhuirnín. Corrupto, como você não é. Eu tampouco deveria
tê-la tocado. Você é fina demais para um homem como eu, e mesmo assim, sou melhor
que ele.
Maria olhou para a própria mão enluvada sobre o colo.
— O sangue que você procura está nas mãos de Welton — ele disse em tom
carinhoso, como se adivinhasse porque ela fixava o olhar sombrio nas próprias mãos.
— Gostaria que você estivesse certo. — Ela suspirou e perdeu o olhar na
superfície serena do lago. — Gostaria, também, de saber como um notório criminoso
como St. John pôde ser convidado para vir aqui.
— Ouvi dizer que lorde Harwick deve favores a ele. A gratidão dele se manifesta
em convites abertos para que frequente a casa, dentre outras coisas.
— Entendo. É uma espécie de barganha do demônio. — Simon concordou e ergueu
as sobrancelhas.
— Conte-me quais são seus planos para que eu possa encontrar a melhor forma de
protegê-la.
— Eu não tenho planos. Ainda não sei por que St. John escolheu a mansão Harwick
para o encontro. Por que não na casa dele ou na minha? Se eu não estivesse tão
desesperada, jamais concordaria com seus jogos estúpidos.
— Gosto mais quando você age sozinha.
— Obrigada. — Ela o encarou com gratidão. — No momento, a única coisa que
planejo é conversar em particular com St. John. Espero que ele faça a gentileza de
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esclarecer por que nossa união pode beneficiá-lo. Baseada nisso, poderei dar o
próximo passo.
— Nesse caso, é melhor se apressar. Ele tomou o caminho à suas costas
momentos atrás. Creio que lady Harwick mencionou que há um panteão naquela direção.
Se quiser seguir, posso garantir que ninguém a perturbará.
— Simon, você é uma bênção!
— Que bom que você notou.
Maria se levantou sem perder tempo, abriu a sombrinha e suspendeu-a com gesto
gracioso. Lançou um olhar cuidadoso sobre os ombros e avistou Simon interceptar um
casal que tencionava seguir pelo mesmo caminho. Segura de que ele cuidaria de tudo,
como sempre, focalizou a atenção no que tinha pela frente.
Caminhou com naturalidade, como se estivesse seguindo casualmente por aquela
trilha, anotando mentalmente vários pontos de referência ao longo do caminho.
Momentos depois, deparou-se com uma clareira onde um templo em estilo greco-
romano se erguia ao centro. Circulou a pequena construção e olhou através dos pilares
para o interior.
— Está à minha procura?
Com a visão periférica, encontrou St. John encostado ao tronco de uma árvore
que ela havia passado segundos antes. Recobrou-se rapidamente, removendo todos os
traços de surpresa e colocando em seu lugar um sorriso.
— Na verdade, não.
O efeito foi o que ela esperava. O sorriso arrogante se desmanchou e os olhos
refletiram o brilho da surpresa.
St. John usava um elegante casaco de veludo azul escuro que combinava com a
cor dos olhos e realçava o tom dourado dos cabelos. Os olhos não eram tão cristalinos
quanto os de Simon, porém, mais profundos e misteriosos.
— Não acredito. — O desafio feito em voz rouca provocou uma deliciosa sensação
que se moveu como seda sobre a pele.
— Não me importo.
St. John era como um anjo de beleza quase irreal. Qualquer mulher ficaria
seduzida pelo timbre grave rouco da voz.
— Então, por que está passeando pelo bosque? — ele indagou.
— Por que o senhor está?
— Sou homem. Eu não passeio.
— Nem eu.
— Eu notei. A senhora, minha adorável dama, está ocupada demais espionando.
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— E como chama o que o senhor faz?
— Tenho um encontro com uma dama. — Ele se afastou da árvore com movimento
perigosamente gracioso e Maria resistiu ao impulso de recuar um passo.
— Uma dama? — Maria repetiu com descrença. — E porque ela não está aqui?
Presumo que o fato de deixá-lo esperando revele o caráter frio e insensível dessa
mulher.
Maria observou o andar lento e majestoso enquanto ele se aproximava. Seu
estômago flutuou, mas ela disfarçou a resposta pronta do corpo.
—Tem razão. Ela é fria e insensível o bastante para tentar homens que gostam de
desafio. No entanto, creio que a frieza seja apenas fachada.
A brisa quente e gentil soprou entre eles, carregando o perfume de bergamota e
tabaco que ela se lembrava na primeira vez que encontrara St. John à saída do teatro.
A proximidade permitiu que visse as finas linhas que contornavam a boca e olhos,
sinais de uma vida dura que as vestes imaculadas não podiam esconder.
— O senhor tinha certeza de que eu viria, não é?—Maria perguntou. — Estou
certa de que notou que não estou sozinha.
— É claro que sim. Mas sei também que a senhora já não divide a cama com seu
antigo amante.
Por um momento, Maria não soube o que dizer.
— Está me investigando? — perguntou quando encontrou a voz.
Como resposta, St. John se aproximou ainda mais.
O dia estava quente, mas não era o sol que aquecia a pele de Maria. Já
acontecera antes, na noite em que sentira o contato dos braços poderosos ao redor de
sua cintura.
A massa compacta do dorso largo quase tocando-a tirou Maria de equilíbrio.
Porém, não recuou, nem mesmo quando ele agarrou-a pelos cabelos e a beijou. Sentiu o
gosto do desejo na saliva quente e doce, e fechou os olhos, forçando-se a ignorar a
deliciosa sensação dos lábios contra os seus.
No entanto, o contato marcante e perigoso foi impossível de ser ignorado. Num
gesto indulgente, abriu-se para ele, e foi recompensada com um suave murmúrio de
aprovação.
St. John se apossou da boca macia como se tivesse todo o tempo do mundo. Por
longos momentos, Maria permitiu que a intoxicasse. O polegar circulava com vagar a
sua nuca, num ritmo lento e insinuante.
Quando St. John a puxou de encontro ao peito, sentiu a ponta da adaga ferir-lhe
a coxa.
— Lembre-me de desarmá-la na próxima vez que tentar seduzi-la — avisou,
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
afastando-se com um sorriso malicioso.
— Você não terá outra oportunidade como essa, St. John. — Ela recuou e cruzou
os braços.:— Posso chamá-lo assim depois de tê-lo beijado, não é? Na verdade, foi o
melhor beijo que já experimentei. Mas infelizmente para você, tenho o hábito de
manter os negócios separados do prazer.
Sentiu-se orgulhosa por parecer tão forte quando seus joelhos tremiam.
— Diga o que quer de mim.
O sorriso lento e insinuante fez o coração de Maria pulsar mais rapidamente.
— Não é óbvio?
— A mulher que chegou com você pode lhe oferecer o que está procurando — ela
lembrou.
— Você é insubstituível, Maria... Posso chamá-la assim, não é? Afinal, trocamos
um beijo. Inigualável, diga-se de passagem. — A risada revelava prazer pelo simples
fato de ser ouvida. — Adoro Angélica mas, infelizmente, ela não é você.
A imagem da morena dos braços de St. John fez Maria apertar os dentes.
— Você tem um minuto para me dizer como me encaixo nos seus planos de
vingança? — Ela reprimiu o ciúme tolo, estúpido e sentimental.
— Vou lhe contar quando estivermos na cama.
— Por acaso pensa que poderá extorquir meus favores sexuais? É você quem
necessita de ajuda!
— E você também pode precisar de mim — St. John respondeu com desdém. —
Ou não teria vindo me encontrar.
— Talvez eu estivesse apenas curiosa.
— Seus informantes podem suprir sua curiosidade. Maria respirou fundo e girou o
cabo da sombrinha nas mãos.
—Bem, estamos em um impasse—comentou com descaso.
— Não. Você está num impasse. Eu estou pronto para dividir a cama no momento
em que for solicitado.
Maria o encarou com firmeza e o rosto bonito se transformou em uma máscara
de frieza.
— Seu tempo acabou — ela declarou, dando-lhe as costas para seguir
tranquilamente pela via que levava à mansão.
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
CAPÍTULO II
Maria se reuniu aos demais convidados. Estava consciente de que St. John não a
seguiria.
Ponderou que, naquele jogo, ele fizera o primeiro movimento: procurá-la no
teatro. A seguir, fora sua vez e comparecera à recepção dos Harwick para encontrá-
lo. O movimento seguinte seria dele.
Notou que Simon conversava com um grupo de damas, aparentemente encantadas
com o rapaz. Fez um gesto discreto para chamá-lo e ele se desculpou com mesura
galante e deixou a companhia alegre das damas para seguir Maria ao lago.
— E então? — indagou quando se afastaram o bastante para conversar com
privacidade.
— Ele quer sexo. É tudo que sei.
— Já sabíamos disso antes de virmos para cá — Simon comentou com desdém. —
Espero que o homem que enviei para se infiltrar entre os associados de St. John tenha
mais sucesso em conseguir informações úteis.
— Excelente, Simon. E você? Conseguiu alguma informação da acompanhante
dele?
— Creio que a missão dela é me seduzir. A moça deixou isso claro quando vocês
estavam ausentes.
— Oh... St. John não perde tempo. — Maria sorriu ao pensar que encontrara um
oponente a sua altura.
— Você gosta dele — Simon acusou-a.
— Gosto da atitude de St. John, Simon querido. Pararam diante do lago e ela
perdeu o olhar na superfície calma. O movimento sutil nas folhas de um arbusto
chamou-lhes a atenção.
Avistaram um homem escondido entre a folhagem e Simon avançou um passo,
olhando ao redor com preocupação.
— Templeton? O que está fazendo aqui?
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
—Trago informações — ele anunciou num sussurro quase inaudível. — Encontre-
me no panteão às duas horas da madrugada.
E ele desapareceu num piscar de olhos, da mesma forma que havia surgido.
— Você contratou Templeton? — Maria indagou, preocupada.
— Sim. Sei que ele não tem caráter, mas faz entregas de frutas e legumes na
casa de St. John, então achei que poderia ser útil — Simon justificou. — Mas não
poderei encontrá-lo. Estarei ocupado esta noite.
— Eu vou ao encontro dele. Estou curiosa para saber o que Templeton tem a
dizer. É óbvio que St. John não se arriscaria a vir aqui sem ter um bom motivo.
Maria desviou o rosto para o grupo animado que conversava no jardim da mansão.
St. John cortejava lady Harwick, mas ela soube sem dúvida qual era o real foco do
interesse dele. Podia sentir o olhar intenso acompanhando cada movimento que fazia.
— Vou deixá-la encontrar-se com Templeton, se prometer que tomará todas as
precauções.
— Prometo, meu querido amigo. Você também deve ter cuidado.
Com a visão periférica, ela percebeu que St. John se despedia de lady Harwick.
Aquele poderia ser o momento oportuno para falar com ele, e dispensou Simon com
antecipação palpável.
Por que aquele homem tinha o poder de despertar emoções que ela levara anos
para suprimir?
Logo que ficou sozinha, St. John se aproximou. Tomou-lhe a mão para pousar um
beijo suave, num cumprimento cortês.
— Farei com que o esqueça — ele murmurou com um sorriso de desafio, indicando
Simon.
— Hum... — Maria retirou a mão e desviou o olhar sem responder.
Estava atônita por perceber que sentia-se atraída por aquele homem arrogante.
— Minha bela dama, não finja que eu não a afeto. Posso sentir seu coração
disparado no peito. E tudo isso com um simples toque... Imagine como se sentirá
quando estiver nua em meus braços.
Maria prendeu a respiração, recusando-se a admitir o desejo que pulsava dentro
dela.
— Imaginar é tudo que você conseguirá de mim, St. John. —A firmeza do tom de
voz surpreendeu a ela própria.
— Olhe nos meus olhos e diga que você não terminará na minha cama. — St. John
tomou novamente a mão delicada. — Diga, Maria!
— Eu não vou para a sua cama. — Ela o encarou com um sorriso de desafio. —
Prefiro fazer sexo na minha.
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Notou que o surpreendera a princípio, e então, ele riu divertido.
— Aceito seus termos — St. John concordou com os olhos iluminados pelo brilho
do desejo.
—Mas não esta noite.—Maria se aproximou e prosseguiu em tom de confidência:—
Lady Smythe-Gleadson flertou com você a tarde toda. Não a desaponte. Até logo, St.
John.
A ideia de que ele estivesse na cama com outra mulher a afetava mais do que
gostaria. A corrente de eletricidade que atravessava seu corpo quando o pirata a
tocava era inconfundível.
— Como parte da nossa inevitável associação de negócios, quero privacidade
sobre você — ouvi-o dizer às suas costas.— Em retorno, oferecerei a mesma cortesia.
Maria estacou e se virou lentamente.
— O que disse?
St. John se aproximou e pôs os braços sobre os ombros dela com intimidade.
— Você me ouviu.
— E por que eu deveria concordar com esse acordo? Ou, melhor ainda, por que
você deveria?
Como resposta, ele simplesmente arqueou as sobrancelhas e sorriu.
— Você me diverte, St. John — ela comentou com uma risada, tentando disfarçar
o encantamento.
— Confesse, não é por isso que gosta de estar comigo — St. John provocou,
aproximando um passo. — Eu a excito e a intrigo, além de assustá-la. Meu repertório
de proezas sexuais é infindável, como você descobrirá em breve. Porém, não sou
divertido. Isso requer um nível de frivolidade que nunca consegui. Vá ao meu quarto
quando mudar de ideia — ele avisou antes de sair.
Sair da mansão sem ser vista foi mais simples do que Maria esperava. Depois que
todos haviam adormecido, dispensou a criada e foi para a sacada do quarto que
ocupava. Agarrou-se à treliça de primavera da parede, agradecendo à sorte por estar
vestida com roupas masculinas, recurso que acostumara-se a usar quando pretendia
passar despercebida.
Pisou no chão com cautela, evitando fazer o menor ruído. Olhou ao redor,
perscrutando as sombras, e esperou até que a respiração voltasse ao normal. Quando
teve certeza de que ninguém espiava pelas janelas, atravessou o pátio e seguiu a trilha
para o panteão.
A noite estava calma e silenciosa, e a brisa refrescou o rosto afogueado.
Aquele era o cenário perfeito para o encontro ao luar de dois amantes. Estar
vestida como homem a caminho de se encontrar com um rude habitante das ruas era
simplesmente um fato da vida. Não havia tempo para desfrutar momentos de
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
felicidade e conforto. Era impossível dedicar-se ao prazer sabendo que Amélia estava
escondida em algum lugar, assustada e sozinha.
Como fizera mais cedo naquele dia, Maria penetrou no bosque e se aproximou do
panteão. O perolado da pequena construção permitia que o luar se infiltrasse,
proporcionando luz suficiente.
Ela fez uma pausa com a respiração suspensa. Num gesto involuntário, tocou o
cabo do punhal preso à cintura.
Um homem emergiu das sombras, pondo-a em guarda. Na escuridão, não conseguia
divisar os traços, mas percebeu que era mais baixo do que Simon ou St. John, e tão
magro, que mais parecia um fantasma.
— Onde está Simon? — ele indagou num sussurro rouco.
—Você vai negociar comigo esta noite — Maria avisou em tom firme.
O rapaz deu-lhe as costas e fez menção de ir embora, detendo-se quando ela o
lembrou:
— Quem acha que paga as moedas de ouro que recebe pelo serviço?
Templeton se virou lentamente e encarou-a, franzindo o cenho ao reconhecê-la.
Abriu a boca para dizer alguma coisa, mas os olhos procuraram algo atrás das costas
dela.
O gesto a alertou, e quando Maria se virou, deparou-se com um segundo homem.
Percebeu no mesmo instante que caíra numa armadilha. Recobrou-se de pronto,
mas, antes que pudesse desembainhar a adaga, ficou paralisada diante da visão do
homem corpulento que a encarava. Ela manejava armas brancas com habilidade, mais
uma das lições que aprendera com Dayton. No entanto, receou que o menor movimento
pudesse ser fatal.
Mesmo sendo pequena e ágil, ponderou que seria arriscado enveredar pelo bosque
e fugir na noite escura. Permaneceu em uma posição na qual pudesse ver Templeton,
que a observava com avidez e, ao mesmo tempo, conseguisse focalizar o parceiro dele.
Sem ver saída, Maria cometeu o erro de gritar em alarme, e o brilho de vitória
nos olhos de seu oponente foi inegável quando ele empunhou a espada.
— Acalme-se, Harry! — Templeton gritou, alarmado.
— Acalmar-me, e perder uma oportunidade como esta? — o rapagão rugiu. —
Imagine o valor do resgate que podemos pedir a lorde Welton pela captura de sua
enteada!
Antes que Maria pudesse reagir, o gigante suspendeu a espada para atacá-la. O
brilho prateado do metal reluziu ao luar enquanto fazia uma curva descendente que a
teria ferido se não tivesse o reflexo de se desviar.
Quando o agressor suspendeu a espada mais uma vez, foi atingido no queixo antes
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
que pudesse desferi-la. Maria assistiu, atônita, quando um homem imerso nas sombras
imobilizou seu agressor. Os dois corpos se atracaram, sem que ela conseguisse
identificar seu salvador.
O gigante caiu, nocauteado, e o recém-chegado se ergueu com gesto ágil. O luar
revelou os cabelos dourados quando ele se virou para fitá-la com um sorriso.
Então, Christopher St. John se moveu na direção de Templeton, que permanecia
congelado pelo pavor.
— Você sabe quem sou eu? — perguntou ele.
— Sim. St. John. — O rapaz recuou com cautela. — A dama não sofreu nenhum
arranhão, como pode ver.
— Não graças a você.
Movendo-se com a agilidade de uma pantera, St. John pressionou Templeton no
tronco de uma árvore com a espada pressionada no pescoço dele.
O que se seguiu foi agonizante. St. John falava em voz baixa, ameaçando-o
enquanto aumentava a pressão da lâmina. Os sons guturais que o pobre rapaz emitia
denotavam o mais puro terror.
Contra sua vontade, Maria manteve os olhos fixos na cena de horror. Sentiu-se
nauseada ao ver o fio de sangue escorrer do pescoço do informante, e a culpa apertou
seu peito. Porém, não podia defender Templeton. Afinal, ele armara uma emboscada
para Simon, julgando que ele iria ao encontro, e a traição teria se transformado numa
tragédia se não fosse a intervenção de St. John.
— Leve seu amigo para longe daqui — St. John ordenou, apontando para o homem
caído ao chão. — Quando o sol surgir, quero este lugar exatamente como antes de
vocês chegarem, entendeu?
St. John voltou a atenção para Maria, pousando as mãos nos ombros dela a fim de
levá-la para longe dali.
Maria ficou tensa e, mesmo que tentasse não demonstrar, sabia que ele havia
percebido.
— O que uma dama como você faz a uma hora dessas no bosque? — ele indagou
com ironia.
— Não sou tola — ela protestou. — Tinha a situação sob controle.
— Podemos discutir a veracidade das suas palavras mais tarde, desde que você
não se esqueça da situação em que se encontrava antes da minha intervenção.
Embora não explicitasse, Maria agradeceu secretamente pela intromissão. Aquela
era a primeira vez, desde a morte de Dayton, que alguém se dispusera a salvá-la.
— Por que está aqui? — quis saber enquanto atravessavam o bosque.
— Eu a segui.
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— Como sabia que...?
— Vi sua criada sair do quarto. Quando entrei, você não estava lá. Foi fácil
deduzir que tinha saído pela janela, uma vez que eu estava vigiando a porta. Bastou ir à
sacada para vê-la caminhar na direção do bosque.
— Você entrou no meu quarto?! — Maria se voltou para ele, horrorizada.
St. John a encarou e bastou um olhar para que ela sentisse a pulsação acelerada.
— É curioso, mas fico mais excitado quando imagino você nua na sua cama —
explicou com malícia.
Quando os olhares se encontraram, Maria viu uma sombra que nem mesmo a
questionável luz da lua poderia ver. Seus instintos a alertaram para se libertar do
predador prestes a atacar.
— Eu não estou à sua disposição — avisou, deslizando a mão para o cabo do
punhal. — Sou conhecida por não tolerar aqueles que interferem nos meus negócios.
— Está se referindo aos seus desafortunados esposos? Maria sentiu o peito se
apertar e apressou o passo ao avistar a mansão.
—Você não deveria sair sozinha, minha dama. Foi imprudente ter marcado
encontro aqui, especialmente com um homem que é conhecido por não ter o menor
caráter.
— E você foi imprudente por ter me seguido.
St. John segurou-a pelo braço e a puxou de encontro ao peito. Com a mão livre,
impediu-a de puxar a adaga, segurando o braço direito de Maria com firmeza.
— Não quero machucá-la — sussurrou. — Em vez disso, prefiro beijá-la. Prendê-la
em meus braços é necessário, uma vez que você está armada e não hesitará em me
ferir.
— Se você julga que as únicas armas que tenho são as que carrego comigo, está
muito enganado.
— Mostre-me quais são as armas de que você dispõe... — St. John insinuou,
sedutor.
— Você não vai me levar para sua cama esta noite. — Mesmo cativa, Maria não
perdeu a altivez. — Não estou com disposição para ser indulgente.
— Posso fazê-lo mudar de ideia.
St. John pressionou o corpo de encontro ao dela, fazendo com que sentisse a
intensidade de seu desejo.
— Você não fará isso — ela desafiou, sabendo que ele não a forçaria.
A necessidade daquele homem era que se submetesse à vontade dele. Sua
intuição nunca havia falhado e, naquele momento, dizia-lhe que St. John nunca
possuiria uma mulher à força.
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A provocação teve o efeito esperado. St. John apertou o maxilar e mergulhou a
mão nos cabelos negros, apertando-os com força.
Maria gemeu, num misto de dor e prazer, e ele tomou vantagem, capturando sua
boca com volúpia.
O beijo se aprofundou, suave e insinuante a princípio, para se transformar numa
sequiosa tentação. As pernas de Maria fraquejaram, e ela segurou-o pelos ombros,
usando a força do corpo viril para sustentá-la.
Seu gesto foi entendido como um convite, e St. John deslizou a mão para a curva
do quadril e apertou-a de encontro a si, deixando que ela sentisse sua masculinidade
pujante.
Um sorriso lento curvou os lábios de St. John quando afastou-a ligeiramente e
esgueirou a mão sob o cós da calça, tateando a penugem aveludada até encontrar a
umidade quente e íntima, pronta para ele.
Maria não esperava pela reação impetuosa e gemeu baixinho quando, com gesto
preciso, ele a suspendeu do chão e fez com que enlaçasse os tornozelos às costas dele.
O contato das anatomias, ainda que desfavorecida pela barreira das roupas,
provocou a explosão do desejo dentro de Maria.
St. John pressionou-a contra o tronco de uma árvore, beijando-a com
sofreguidão enquanto a estimulava com movimentos rítmicos.
O corpo de Maria pulsava com energia sensual. A solidão que vivera nos últimos
meses aumentava a urgência de colocar o orgulho de lado e implorar para que aquele
homem a possuísse. Havia inúmeras razões para desejá-lo, mas ela também sabia que,
muitas vezes, negar o que um homem queria era mais eficiente do que ceder.
De súbito, empurrou-o e se libertou dos braços que a envolviam.
St. John fitou-a por um breve segundo, perplexo e frustrado, antes de lhe dar as
costas e se afastar.
Maria esperou até que a respiração voltasse ao normal e se recompôs. Atravessou
o jardim e subiu a treliça para a sacada dos seus aposentos o mais silenciosamente
possível. Começou a se despir enquanto pensava se fizera ao melhor escolha ao
rejeitar St. John.
Batidas à porta a deixaram tensa, até perceber que não se originavam do
corredor, e sim do quarto adjacente.
Sua criada entrou com a costumeira eficiência, recolhendo as roupas espalhadas
pelo chão.
— Partiremos para Dover pela manhã — Maria avisou, pensando na jornada que
teria pela frente.
Embora St. John tivesse dito pouco, ela entendera a mensagem.
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Sarah assentiu, acostumada às partidas inesperadas. Serviu sua ama até que ela
estivesse na cama e voltou para seu quarto.
Acomodando-se sob os lençóis macios, Maria se pôs a imaginar o que Simon
estaria fazendo naquele momento. Na certa, estava rindo e, em sua gloriosa nudez,
conseguindo toda informação que desejava sem que a bela acompanhante de St. John
suspeitasse da perfídia.
Ela suspirou, invejando a proximidade que a mulher nos braços dele estava
usufruindo. Embora fosse apenas físico, era mais do que ela já tivera em um ano. A
busca por Amélia competia com a necessidade de estar disponível para Welton,
deixando-a sem tempo para suas próprias necessidades.
Welton... Amaldiçoou-o em pensamento, inquietando-se na cama. Ele ordenara que
ela se aproximasse de St. John e ganhasse a confiança dele para descobrir seus
segredos, mesmo sem saber se poderiam ser úteis.
Olhando para o teto, avaliou que fora prudente ceder ao beijo sem ir para a cama
dele. Isso o manteria interessado na medida certa.
Porém, não tinha noção de quanto tempo ficaria em Dover, atrás de uma pista que
poderia levar ao paradeiro da irmã. Para um homem como St. John, uma semana de
distância poderia ser muito tempo.
Maria se virou, fitando o movimento suave das cortinas farfalhando com a brisa.
Talvez fosse melhor abordá-los o mais depressa possível, refletiu.
Sabia pela própria experiência que, se ele perdesse o interesse, dificilmente
conseguiria reconquistá-lo. Sua missão era se aproximar de St. John, não importava o
quanto teria de colocar o orgulho de lado, e tinha apenas algumas horas para isso.
Consciente de que somente o amor pela irmã a movia, ela se levantou e abriu a
porta. Olhou para os dois lados do corredor, dirigindo-se em silêncio para o aposento
de St. John com a sensação de que caminhava para a jaula de um leão.
Deteve-se com a mão na maçaneta, mas antes que pudesse fazer qualquer
movimento, a porta se abriu de súbito.
Quando Maria se deparou com St. John, o tempo pareceu parar. Ele usava apenas
a roupa de baixo, revelando a nudez do peito bem-feito. Os cabelos dourados
reduziam à luz das velas, formando um halo angelical que o contornava.
St. John preenchia o espaço com o corpo vigoroso e a força que era seu
predicado mais marcante, preenchendo os sentidos de Maria e aguçando seu desejo.
— Posso fazer amor com você no corredor, se quiser, mas ficaremos mais
confortáveis na cama.
A voz grave a despertou do encantamento. Maria pestanejou, sem conseguir
desviar os olhos do torso nu. Procurou alguma coisa para dizer, mas o magnetismo de
St. John a deixou amortecida. Desejava-o, e teve certeza de que ele sabia disso.
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Antes que pudesse reaver o autocontrole, ele tomou-lhe a mão e conduziu-a para
o interior do aposento.
— Você está maluca? — St. John fechou a porta do quarto e a encarou. — Não
pode andar por aí vestida desse jeito!
Num gesto de defesa, Maria cruzou os braços sobre o peito.
A camisola transparente que usava deixava entrever todas as curvas do corpo
bem-feito. St. John subiu o olhar das pernas longas para o quadril arredondado,
detendo-se na sombra escura triangular na virilha.
— E você não deveria abrir a porta quando está seminu — ela retrucou,
percorrendo o caminho de pêlos dourados que se perdiam sob o cós.
— Estou em meu quarto.
— Eu também estou no seu quarto — ela retrucou.
— Mas não estava um minuto atrás!
St. John segurou-a pelos ombros num gesto possessivo. O traje que ela usava
oferecia menos proteção para a mão de um homem do que para os olhos.
— Seria melhor que estivesse nua. Sua camisola é uma tentação, e o que está
dentro dela pertence a mim.
Maria o encarou com a boca aberta.
—Arrogante! Quem pensa que é a me tratar dessa forma?
Ela avançou e o esbofeteou no rosto.
A ação estarreceu St. John. Ninguém jamais ousara injuriá-lo. Até mesmo
aqueles que desejavam a morte escolhiam maneiras mais pacíficas de provocá-lo.
Hesitou, incerto sobre como se sentia. Porém, a poderosa atração física que
Maria exercia sobre ele dissipou qualquer dúvida. Agarrou-a com tanta força que
ambos foram para o chão, e o impacto repercutiu em cada osso do corpo de Maria.
— Meu Deus! — gritou, caindo sobre ele. — Você está maluco?
St. John apenas riu. Ela era mais leve e suave do que imaginara. A pele cheirava a
frutas cítricas e flores, numa provocante promessa de inocência. Ele tinha consciência
de que, como cavalheiro, deveria se desculpar, mas o desejo que pulsava em suas veias
o movia a agir sob a força dos instintos mais selvagens e primitivos.
— Bruto! Deixe-me sair!
— Confesse, Maria... Você está gostando!
Sem deixar que ela respondesse, St. John posicionou-se sobre ela e cobriu-lhe a
boca com possessão selvagem. Mãos ávidas suspenderam o tecido fino da camisola e
percorreram as pernas esculturais, subindo lentamente até a virilha.
— Não! Você não terá a mim dessa forma!
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Como resposta, St. John suspendeu a barra da camisola, admirando a sedosa
penugem negra que escondia seu segredo mais íntimo.
Contrariando a ordem expressa de deixá-la em paz, St. John segurou-a pelos
pulsos. Com a mão livre, despiu a roupa de baixo. Moveu-se com impetuosidade,
penetrando-a com um golpe profundo que arrancou um gemido de prazer dos lábios de
Maria. As repetidas investidas transmutaram a raiva no rosto dela para o mais
completo prazer.
— Diga que está gostando... — ele ordenou, mordiscando o lóbulo da orelha de
Maria.
— Sim... Por favor, não pare!
St. John aumentou o ritmo dos movimentos, ainda mais excitado ao vê-la fechar
os olhos em êxtase.
A palavra "bela" era incapaz de descrevê-la. Maria estava muito além disso. A
beleza estonteante se tornou quase irreal quando a expressão do rosto se tensionou
um segundo antes do clímax.
Incapaz de conter por mais tempo o próprio desejo, ele procurou a boca macia no
momento em que explodiu dentro dela.
Todos os músculos do corpo se contraíram para relaxar no instante seguinte, e
St. John soube que, se morresse naquele momento, seria um homem feliz.
Maria fitou o dossel pálido sobre a cama e suspirou com satisfação. St. John se
deitou de lado e apoiou a cabeça sobre o cotovelo, estudando-a sob a tênue luz da vela.
O silêncio entre eles se tornou perturbador. Se ela estivesse na cama com Simon,
ele teria taças de vinho nas mãos e alguma pilhéria picante para fazê-la rir. Com St.
John, no entanto, havia só tensão. Seu corpo formigava, ainda sob o efeito devastador
do clímax inigualável que ele a fizera experimentar.
Ela suspirou, re-examinando os eventos da noite. A simples presença daquele
homem a deixava fora de guarda.
Na verdade, o encontro com St. John fora intenso desde o princípio. Já esperava
que o sexo não fosse diferente.
A noção de perigo por estar ao lado dele a excitara e a incomparável sensação de
fazer com que o homem controlado e poderoso fosse além dos limites a extasiava. Ele
fazia amor com paixão, usando a força do próprio corpo como um instrumento
finamente afiado de prazer.
O desejo se reacendeu em suas veias e virou a cabeça para fitá-lo.
St. John ergueu uma sobrancelha e puxou-a para mais perto.
Era agradável ser capturada pelos braços arrebatadores, mesmo sabendo que não
passava de um momento fugaz.
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Maria fechou os olhos e inalou o cheiro denso que impregnava o ar, confundindo a
fragrância de bergamota e tabaco com os perfumes que a brisa da noite carregava
para o interior do aposento.
O dia estava quase amanhecendo. Em breve, ela teria de partir. Dover e a
perspectiva de encontrar Amélia eram apelos fortes o bastante para lhe dar forças
para agir.
St. John acariciou-a com movimentos suaves, numa ternura que a surpreendeu.
No instante seguinte, a evidente ereção revelou que o toque fizera o desejo se
renovar.
Ela encarou o rosto do amante, pensando mais uma vez em como se parecia com
um anjo caído dos céus... Porém, as aparências eram enganosas. No fundo, aquele
homem era um predador implacável.
Tocou os cabelos dourados, sorrindo ao vê-lo fechar os olhos em deleite.
— Eu não me sinto atraída por homens louros — ela comentou como se pensasse
em voz alta.
Em resposta, St. John riu.
— Sou grato por você não ter a mesma opinião a respeito de outros aspectos da
minha anatomia.
Maria girou o corpo e sentou-se na cama.
— E eu não gosto de mulheres irascíveis — ele prosseguiu, olhando para o teto. —
Mas gosto de você, só Deus sabe por quê...
O elogio improvisado a agradou. Porém, o sorriso se desmanchou em seus lábios
quando, ao longe, ela ouviu o gongo do relógio soar as horas.
— É pena não estarmos em casa. — Os olhos cor de safira reluziram. — Não gosto
de ter de me apressar.
Maria encolheu os ombros, recusando-se a admitir que sentia o mesmo. Em seu
íntimo, sabia que sentiria falta dele.
— Como pude pensar que você fosse fria?—ele murmurou em meio a um bocejo,
enlaçando-a pela cintura um segundo antes de mergulhar em sono profundo.
E, mesmo no sono, St. John a manteve presa em seus braços, sem deixá-la partir.
Maria entrou nos seus aposentos com um suspiro de alívio. Ninguém a vira
atravessar o vasto corredor, milagre que se tornou possível graças a sua habilidade em
se esgueirar nas sombras e evitar ser descoberta por empregados curiosos.
Quando se sentou na cama, o vulto de um homem surgido das sombras a assustou.
— Mhuirnín.
Simon se apoiou no suporte do dossel, fitando-a com expressão inescrutável.
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Você me assustou — ela queixou-se, apoiando a mão sobre o coração.
Apertou o roupão que pegara de St. John, consciente de que as atividades
lascivas da noite não poderiam ser disfarçadas.
—Você dormiu com ele. — Simon se aproximou com passos vagarosos, sedutores,
e pousou as mãos em concha na face de Maria. — Não confio em St. John. Portanto,
não confio em você com ele.
— Não pense nisso.
— Mais fácil dizer que fazer. Mulheres confundem frequentemente sentimentos
com sexo. Isso me preocupa.
— Com exceção de você, eu nunca tive esse tipo de problema — ela assegurou
com um sorriso.
— Sinto-me lisonjeado — Simon retrucou com ironia.
— Você é arrogante, Simon.
— Também, dentre outras qualidades. — O meio sorriso se alargou numa risada.
— Estou exausta! — Maria cobriu a boca, bocejando. — Depois que me banhar,
partiremos. Posso cochilar na carruagem.
— Dover. Sarah me informou. — Ele deu um beijo rápido na testa de Maria. — Ela
está terminando de arrumar a bagagem. Minhas malas já estão na carruagem.
— Não levará muito tempo para que eu esteja pronta.
O cheiro de St. John, estava impregnado em sua pele. As múltiplas facetas
daquele homem a surpreendiam, estremecendo todas as crenças que construíra acerca
do corsário.
— Tenho de me apressar, mhuirnín. — A voz de Simon a distraiu.
Seguiu-o com o olhar até a porta e o chamou quando girou a maçaneta.
— Simon?
Ele se voltou com sobrancelhas elevadas e uma pergunta silenciosa no olhar.
— Eu já lhe disse o quanto o aprecio?
—Você me ama—ele respondeu com um sorriso malicioso.— Não há necessidade
de dizer. Eu sei. Mas pode repetir quantas vezes desejar. Meu ego pode aguentar isso.
Rindo, ele saiu e fechou a porta.
St. John acomodou-se na cadeira, enquanto seu criado se movia em silêncio,
preparando os artigos necessários para barbeá-lo.
Suspirou fundo. Preocupação. Por que o sentimento passara a perturbá-lo desde
que conhecera Maria? Por que se torturava, quando sabia que ela era capaz de tomar
conta de si?
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Talvez porque Simon Quinn estava com ela no mesmo coche em que haviam
acabado de partir da mansão Harwick, ponderou, e seus dentes se apertaram.
— Angélica — chamou, e a jovem colocou a xícara de chá sobre a mesa e se
apressou em atendê-lo. — Você passou a noite com o sr. Quinn. O que descobriu?
—Eu tentei obter alguma informação, mas ele estava mais inclinado a... se
distrair.
St. John arqueou uma sobrancelha.
— O que contou a ele?
O rubor que cobriu as maçãs do rosto da moça o fez praguejar em voz baixa.
— Não muito — ela afirmou, hesitante. — Ele estava curioso sobre seu interesse
em lady Winter.
— E o que você respondeu?
— Eu disse que você mantém seus negócios em sigilo, mas se a desejasse, você a
teria.
Angélica soltou o ar e abaixou o rosto, sem que ele deixasse de notar as olheiras
profundas em consequência da noite ardente nos braços de Simon.
A memória de Maria, macia e pronta ao desejo, aqueceu-lhe o sangue. As marcas
das unhas afiadas em suas costas, consequência dos momentos de desvario, ainda
queimavam.
— Qual foi a resposta de Quinn? — ele perguntou. Angélica estremeceu.
— Ele disse que é lady Winter quem escolhe o homem que terá o privilégio de
compartilhar a cama dela.
St. John não mostrou nenhum sinal externo do efeito que a declaração teve
sobre ele.
Quinn estava certo. Era o irlandês quem compartilhava a casa de Maria, assim
como a vida e a confiança dela, enquanto ele próprio não tivera nada mais que algumas
horas de prazer.
—Vá fazer as malas — ordenou, dispensando-a.—Agora, que Maria partiu, não há
mais nada que me prenda aqui.
St. John fechou os olhos ao sentir a espuma macia ser espalhada no rosto.
Seu pensamento se voltou para Maria. Ele a desejava, como seria natural para
qualquer homem. Porém, teria de sacrificar a paixão em nome da liberdade. Desejar
aquela mulher era um inconveniente em oposição direta com os objetivos da agência.
Os agentes que trabalhavam a serviço da Coroa da Inglaterra eram um
aborrecimento. Seguiam-no a toda parte, espionavam-no e o lembravam de que o preço
de sua liberdade seria alto. O fato de Maria ter se casado com dois deles poderia ter
sido simplesmente por serem homens ricos. Porém, sua missão era descobrir se os dois
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
casamentos envolviam de alguma forma algum interesse escuso que envolvesse a Coroa.
No entanto, havia outras considerações além da luxúria e da agência. Simon
Quinn não estava cuidando apropriadamente de Maria. Ao enviá-la para se encontrar
sozinha com Templeton, ele a deixara vulnerável e exposta.
Enquanto considerava todos os riscos que ela corria, seus dedos se apertaram ao
redor dos braços da cadeira. Maria vivia rodeada pelo perigo, fato que o aborreceu
mais do que gostaria de admitir.
Fechou os olhos ao sentir o criado deslizar a lâmina da navalha em seu queixo. Na
verdade, o maior perigo para Maria, naquele momento, era ele próprio.
Maria se acomodou na cadeira e olhou ao redor da saleta de jantar que ocupava.
Em frente a ela, Simon assistia à camareira coquete com olhar lascivo. A hospedaria
que escolheram para passar alguns dias em Dover era confortável e adequada por
várias razões, além do fogo crepitando na lareira. Naquela cidade, uma jovem com a
mesma idade e características de sua irmã fora vista dias atrás.
Depois de quatro dias de procura e de interrogar todos os comerciantes locais,
Simon descobrira que uma jovem senhora chamada srta. Pool visitara recentemente
uma das modistas. Naquela tarde, conseguira descobrir o endereço, uma propriedade
localizada nos arredores da cidade. Ninguém sabia de nada acerca da moça que ficara
esperando no coche enquanto a governanta ia às compras, mas esperava
desesperadamente que fosse Amélia.
— Você trabalhou incansavelmente nesses últimos dias, Simon. Merece um
repouso. Já me deu muito do seu tempo, da sua energia e do seu suporte. Não precisa
se negar ao prazer e à felicidade por minha causa.
— Minha felicidade é ligada invariavelmente a sua.
— Então, você deve ser miserável — ela comentou com um sorriso triste. —
Desfrute a vida, meu querido amigo.
Simon riu e alcançou a mesa para pousar a mão sobre a dela.
— Você sabe como fico feliz com sua afeição? Em toda a minha vida, você é a
única pessoa que deseja minha felicidade. Tudo o que faço e de tudo que me privo é
por gratidão e pelo desejo recíproco de vê-la feliz.
— Obrigada, meu amado.
Maria sabia como ele se sentia. Simon cumpria papel semelhante na sua vida. Era
a única pessoa que a amava incondicionalmente .
Ele deu uma palmada suave na mão dela e se instalou na cadeira.
— Há dois homens de nossa confiança vigiando a propriedade para onde o coche
da srta. Pool se encaminhou. A jovem que está instalada na casa fica reclusa na maior
parte do tempo. Amanhã, à luz do dia, nós mesmos iremos até lá.
— Está bem. Posso esperar mais algumas horas, já que esperei anos. — Ela sorriu.
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— Isso quer dizer que a noite é sua para fazer o que desejar.
Naquele momento, a camareira voltou ao aposento com uma bandeja de café.
Maria piscou em cumplicidade para Simon, que inclinou a cabeça para trás numa sonora
gargalhada.
— Perdoe-me, mas vou me recolher — ela disse, afetando um bocejo exagerado.
— Estou muito cansada.
Simon se pôs de pé e contornou a mesa, puxando a cadeira para que ela se
levantasse. Tomou-lhe a mão e pousou um beijo gentil, com o brilho da malícia nos
olhos.
Maria foi para o quarto anexo, onde Sarah a esperava para ajudá-la a se despir.
Embora estivesse feliz por Simon ter companhia naquela noite, estava frustrada
pela ausência dele. A presença do fiel amigo a distraía das recordações da voz rouca e
das carícias ternas de St. John.
Sentia-se tola como uma adolescente por pensar nele com frequência.
Justificava-se, dizendo a si mesma que havia se apegado a ele simplesmente pela longa
abstinência anterior.
— Obrigada, Sarah — murmurou quando a criada retirou seu espartilho.
Depois de uma mesura rápida, a moça se preparou para partir, mas uma batida
súbita na porta a retardou.
—Espere!—Maria levou a mão ao punhal no criado-mudo.
Colocou-se ao lado da porta e acenou com a cabeça em permissão para Sarah.
— Sim? — a criada indagou, abrindo apenas uma fresta da porta.
Ao ouvir a voz de um de seus homens, Maria relaxou e abaixou o punhal.
— Vá ver o que John quer — ordenou, recuando um passo. — Ele estava vigiando a
casa onde Amélia foi vista. Na certa, tem alguma informação nova.
Sarah saiu para o corredor e voltou momentos depois.
— Milady, John está preocupado com alguma suposta atividade suspeita na
propriedade em que se encontra Amélia. Ele pediu para avisá-la de que a senhora e sr.
Quinn devem seguir com ele até lá, pois se deixarem para amanhã, poderá ser tarde
demais.
— Querido Deus! — As batidas do coração de Maria se aceleraram. — Veja se
consegue encontrar o sr. Quinn. Eu duvido, mas temos de tentar.
Sarah partiu, e Maria tirou a camisola para mudar de traje. Os pensamentos
corriam à frente dela, e considerou vários enredos, assim como a possibilidade de
administrá-los.
Tinha apenas quatro homens com ela e teria de usá-los para vigiar o perímetro.
Poderia contar com, no máximo, dois deles para cuidar da sua segurança pessoal.
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Uma batida abafada foi seguida pela entrada de Sarah.
— O sr. Quinn não está na recepção da hospedaria. Devo procurá-lo na cidade?
— Não. — Maria alisou a barra do casaco. — Mas informe ao criado dele sobre
nossa partida.
Uma vez mais vestindo culatras, botas e chapéu que escondia a vasta cabeleira,
ela passaria por um jovem rapaz, disfarce que permitia viajar sem levantar suspeitas.
John e Tom a esperavam à entrada da hospedaria. Saudaram-na com um sorriso
tranquilizador e a conduziram na direção dos cavalos escondidos no jardim.
Sem dizer nada, Maria cavalgou ao lado de seus homens pela noite escura,
rezando para que estivesse na rota certa para finalmente encontrar a irmã
desaparecida.
A porta do palacete de Maria em Londres se abriu, e St. John entrou em silêncio.
Um de seus homens estava lá, estabelecido na residência de inverno há alguns
dias sob o disfarce de cavalariço. St. John se aproveitara da ausência de Maria para
subornar o antigo criado e colocar um de seus informantes no lugar dele.
Com um aceno leve, cumprimentou o rapaz e entregou-lhe as rédeas da montaria.
St. John foi para o interior da residência, reconhecendo a opulência da mansão.
Dois maridos nobres haviam deixado heranças suficientes para que Maria mantivesse
uma existência abundante.
Investigara os matrimônios de Maria com homens que haviam sido fonte de
grande interesse para ele, e descobrira que lorde Dayton tinha se recolhido com a
jovem esposa para a casa de campo, onde permaneceram durante a breve união.
Lorde Winter, mais jovem e extravagante, a mantivera em Londres e a ostentava
descaradamente como troféu a ser cobiçado pelos homens.
O falecimento do primeiro marido levantara especulações na corte, mas fora a
inconcebível morte de lorde Winter, homem saudável e vigoroso, que eliciara rumores
de assassinato e emprestara a Maria a alcunha de "Anjo da Morte".
Os dentes de St. John se apertaram à ideia de que ela já pertencera a outro
homem, e repeliu furiosamente o pensamento.
Quase uma semana transcorrera desde a noite em que a tivera em seus braços, e
não havia um só momento do dia em que ela não ocupasse seus pensamentos.
Recebera relatório de um de seus informantes avisando sobre o interesse de
Maria a respeito de uma jovem em Dover. Por que desejaria encontrar-se com ela?
Quem seria, para que um marginal traiçoeiro como Templeton tivesse sido contratado
para encontrá-la?
Enquanto percorria os corredores amplos colado às paredes para não ser visto,
St. John memorizou o interior da casa e o posicionamento dos quartos. Uma pontada
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
de ciúme o feriu ao descobrir que Quinn ocupava o apartamento adjacente ao de
Maria. O fato de conceder ao rapaz local privilegiado na residência revelava a
profundidade da ligação entre eles.
Sabia que ela e o irlandês já não estavam compartilhando a mesma cama. Ela
própria admitira que o último encontro sexual fora um ano atrás, e a voracidade com
que fizera amor confirmava a abstinência. Ainda assim, St. John considerava Quinn
seu principal oponente.
Entrou no aposento luxuoso e vasculhou as gavetas do quarto de vestir e da sala
de banho. Encontrou uma profusão de armas e uma gaveta secreta com artigos de
vestuário usados em disfarce, o que indicava que Simon Quinn, muito mais do que
amante, também dedicava seus fiéis serviços à sua dama.
Atravessou a porta de comunicação entre os aposentos e entrou no apartamento
de Maria.
De imediato, foi golpeado pelo perfume que permeava no ar revelando a presença
dela.
Estacou à porta, amaldiçoando seus hormônios. Não era afligido por uma ereção
indesejada desde a adolescência. No entanto, o apelo sensual inerente a cada detalhe
que dizia respeito àquela mulher estava além do seu controle.
Nenhuma dama que conhecera o levara ao nível de satisfação que tivera com
Maria, e desejava repeti-lo naquele momento.
St. John girou num círculo lento, admirando o discreto aposento. Comparou-o ao
restante das câmaras, e notou que a decoração era muito mais suave e feminina. Nada
adornava as paredes forradas com papel de parede listrado de azul e branco, com
exceção de um quadro a óleo pendurado entre duas janelas.
Aproximou-se e estudou o homem retratado. A semelhança com Maria era tal que
deduziu ser o pai verdadeiro dela. Por que colocara o primoroso retrato num local onde
mais ninguém pudesse vê-lo?
Guardando a pergunta na memória, ponderou sobre a diferença entre aquele
homem e Welton.
Conhecia-o, e sabia que faltava nele o calor e afeto que se irradiavam dos olhos
do progenitor de Maria.
— Quais são seus segredos? — perguntou ao silêncio antes de vasculhar a cômoda
adjacente à cama.
Seu homem poderia facilmente investigar a residência de inverno, mas a ideia de
que tocasse nos pertences íntimos de Maria o incomodava. Afinal, era o mínimo de
respeito que poderia demonstrar pela adorável dama que não saía do seu pensamento...
Depois de amarrar os cavalos numa fenda da cerca, Maria e seus dois guardas,
John e Tom, moveram-se como sombras na escuridão. Os trajes pretos faziam com
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
que ficassem invisíveis na noite escura.
Tom seguiu à frente e gesticulou indicando que o caminho estava livre antes de
sumir em meio ao arvoredo. Maria seguiu com John na retaguarda e atravessou a
distância até as imediações da casa em que supostamente sua irmã se instalara.
A propriedade modesta revelava certo charme em sua simplicidade acolhedora. A
pintura fresca, a limpeza primorosa e o apuro do jardim imaculado denotavam
cuidados, apesar da aparente falta de criados.
Um livro sobre o banco de mármore no jardim indicava o tempo gasto ao ar livre
sem pressa. A cena fez a garganta de Maria se apertar. Como ansiava por viver uma
vida despreocupada como a de antes da promessa feita à mãe! Naquela época, seu
futuro era repleto de sonhos felizes.
A mão firme de John pousou em seu ombro e a empurrou para o chão, distraindo-
a dos pensamentos.
Assustada, Maria se obrigou a manter o silêncio. Lançou um olhar interrogativo
para John, e ele indicou a lateral da casa com o queixo. Ela assistiu enquanto os
cavalos eram retirados do estábulo por um vulto misterioso e conduzidos a um coche a
poucos passos dali.
O pânico a assaltou. Por que haviam decidido viajar àquela hora da noite? Havia
algo errado.
Naquele momento, surgiram dois vultos encapuzados em meio ao arvoredo que
circundava a propriedade. A julgar pelo tamanho e delicadeza dos passos, Maria
deduziu que fossem mulheres.
—Amélia—a figura mais alta chamou, e a voz atravessou a distância, carregada
pela brisa. — Olhe por onde pisa!
Por um momento, Maria se esqueceu de respirar. Sentiu a pulsação nos tímpanos,
e suas pernas permaneceram imobilizadas, por mais que as obrigasse a se moverem.
— John...
— Sim, eu ouvi — ele sussurrou, e a espada sibilou no ar quando tirou-a da
cintura. — Nós podemos levá-la.
— Olhe o que temos aqui...
A voz ríspida fez com que se voltassem ao mesmo tempo, e viram-se frente a
frente com dois homens armados. Maria não teve tempo de desembainhar o punhal
antes que os rodeassem ameaçadoramente.
No silêncio da noite, o tilintar das espadas ecoou numa cacofonia metálica. John a
defendia com valentia heróica, e os oponentes praguejavam e riam, certos da vitória.
Eles lutavam por dinheiro e diversão. Maria estava lutando por algo mais precioso.
— Vá atrás dela! — John gritou, defendendo-se dos golpes dos oponentes. — Eu
cuido desses amadores!
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Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
Sem perder tempo, Maria se projetou entre os dois homens, e seus passos foram
impedidos pela muralha humana, enquanto ouvia a carruagem se afastar, levando
Amélia.
Se não conseguisse se livrar daqueles homens, perderia a irmã novamente.
De repente, novos combatentes se uniram a ela e John, não para lutar contra,
mas ao lado deles. Maria não sabia quem eram, mas agradeceu-os secretamente.
Saltando para trás, ela girou o corpo e correu o mais rápido que pôde na direção da
estrada.
—Amélia!—gritou, avistando a diligência a poucos passos dali. — Amélia, espere!
Ela alcançou a carruagem em movimento e se agarrou à rédea de um dos cavalos,
respirando com sofreguidão.
Quase sem fôlego, viu quando a porta se abriu para revelar, a princípio, um pé
pequeno e delicado. O rosto que emergiu da cabine era emoldurado por longos cabelos
escuros e olhos verdes luminosos.
Não era a criança que Maria se lembrava, mas não havia dúvida de que se tratava
de Amélia.
— Maria?
Lutando contra a mão possessiva da mulher que tentava segurá-la, Amélia
estendeu o pé e tentou saltar do coche em movimento. No entanto, foi puxada com
violência, e o cocheiro açoitou os cavalos para que avançassem em disparada.
Maria tentou acompanhar a velocidade, buscando dentro de si todas as forças de
que dispunha. Porém, uma força poderosa a golpeou por trás e jogou-a ao chão.
Esmagada sob o peso de um homem, Maria mal podia respirar. Desesperada,
debateu-se e golpeou o ar com as pernas, até que uma dor profunda como jamais
sentira antes a fez gritar. Os músculos do ombro se dilaceraram ao serem rasgados
por uma lâmina pontiaguda, não uma, mas duas vezes.
Então, misericordiosamente, o peso foi aliviado.
Ela balbuciou o nome da irmã mais uma vez, em agonia, antes de sentir-se
despencar num abismo negro sem fim.
CAPÍTULO III
41
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— O navio chega às docas amanhã à noite.
St. John fitou a noite através da janela do escritório da mansão, friccionando os
músculos doloridos do pescoço. Observou uma carruagem de aluguel sacudir com
pressa pela rua deserta. Ninguém desejava passar mais tempo do que o absolutamente
necessário na rua em que ele morava.
— Está tudo acertado? — indagou com pensamento distante.
Seus homens se preparavam para pilhar o carregamento do navio cargueiro no dia
seguinte. Então, por que não estava excitado, como sempre ficava às vésperas de uma
aventura?
— Sim—Phillip assegurou. — Os homens já organizaram os coches e cavalos, e o
transporte da pilhagem será rápido.
St. John acenou com a cabeça, tentando encontrar ânimo.
A falta de sono dos últimos dias contribuía para seu estado, próximo do
esgotamento físico. Sabia que a preocupação com a segurança de Maria era a grande
responsável pelas noites de insônia.
— Ouvi dizer que este carregamento é valioso. O chá vindo das índias é de
primeira qualidade—Phillip tentou estimulá-lo.
— Ótimo.
Conter a tripulação e descarregar os pacotes do chá de contrabando ocuparia
algum tempo, mas os homens trabalhariam com a eficiência de sempre, e em pouco
tempo, o produto seria infiltrado no mercado de varejo.
Batidas à porta o distraíram, e Phillip se levantou para atender. Ao ver um dos
homens que ele designara para seguir Maria, o interesse de St. John se reavivou.
Sam entrou no escritório e retirou o chapéu, apertando-o de encontro ao tórax
em um gesto nervoso.
— O que houve? — indagou, preocupado.
Sam estremeceu e correu mão pela aba do chapéu.
— Ela está ferida?
Todos os músculos de St. John se enrijeceram quando o rapaz assentiu sem
erguer os olhos.
— Sim. Foi atacada duas noites atrás, em Dover. Foi ferida com duas punhaladas
no ombro esquerdo.
— Sua única missão era mantê-la em segurança! — esbravejou St. John. —
Quatro homens, e todos falharam!
42
Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day
— A ação foi mais rápida do que pudemos prever — ele justificou sem encarar o
mestre.
— Onde Maria está?
— Na mansão de inverno, aqui em Londres — Sam respondeu de pronto.
St. John relanceou o olhar para Phillip, e ele entendeu a ordem silenciosa.
— Vou preparar seu cavalo — o criado anunciou ao sair apressadamente.
O olhar de St. John se fixou na face corada de Sam.
— Quinn não estava com ela quando o ataque aconteceu? Quando o rapaz negou
com um gesto quase imperceptível,St. John se levantou e passou por ele como um
furacão, forçando-o a saltar para não ser atropelado.
Ao passar pela sala, chamou dois de seus homens e apanhou o casaco e as luvas.
Momentos depois, estava a caminho da mansão de Maria.
Uma vez que tivesse se assegurado de que ela estava bem, poderia ouvir dos
quatro homens designados para protegê-la o relato detalhado do incidente.
Ao chegar, ele desmontou e deixou os dois homens guardando a entrada. Mal
esperou que o mordomo abrisse a porta para entrar e subir de dois em dois degraus a
escada para o andar dos quartos.
Bateu à porta do quarto de Maria, e ela se abriu no mesmo instante.
— Por Deus! — Quinn rugiu ao vê-lo. — Vá embora, ou vou matá-lo com minhas
mãos nuas!
St. John empurrou-o e entrou, ignorando a ameaça.
— Tomem conta dele — ordenou ao homem que o seguia de perto, e foi obedecido
prontamente.
O brutamontes imobilizou Simon e o arrastou para fora do quarto.
— St. John!
Ele sorriu ao som da voz melodiosa. Avistou Maria deitada na cama, com o rosto
pálido lívido de dor.
— Fique à vontade — ela sussurrou, indicando a cadeira ao lado da cama.
— Obrigado.
Colocou o casaco sobre o encosto e se sentou, sem deixar de fitá-la.
— Não olhe para mim — Maria pediu, desviando o rosto. — Estou horrível!
— Tolice. Você ainda é a mais linda das mulheres. — Ele sorriu e alcançou a mão
pequenina, prendendo-a entre as dele.— Não se preocupe com mais nada agora. Pense
apenas em mim.
— É tudo o que tenho feito nos últimos dias.
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Paixão Secreta no Século XIX
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  • 1. INTERESSES SECRETOS Passion for the Game Sylvia Day Londres, Século XIX Um segredo... Uma surpresa... Uma paixão... Sob a aparência de frieza e indiferença, Mary Winter oculta um coração amargurado. Apenas ela conhece o motivo pelo qual está fadada a ignorar seus próprios sonhos e desejos em nome de um segredo que deve ser mantido a todo custo, mesmo que isso signifique sacrificar sua felicidade... O temido e respeitado Christopher St. John volta a frequentar a sociedade britânica depois de duas semanas de ausência. O fato passaria despercebido para Mary, não fosse o inesperado encontro à saída do teatro, quando St. John lhe faz uma proposta tentadora... Arriscando a segurança de entes queridos, Mary e St. John embarcam numa aventura que os leva dos suntuosos salões de baile aos recônditos do submundo de Londres, um jogo perigoso que poderá levá-los à forca... ou aos prazeres da paixão! Digitalização Joyce
  • 2. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day Revisão:Jéssica Oliveira Formatação: Ana Ribeiro CAPÍTULO I Londres, 1714 — Se o anjo da morte for tão adorável quanto você, os homens farão fila para morrer. — Sua vez chegará... O murmúrio inaudível da resposta se confundiu com a modulação afinada da soprano que lamentava o amor perdido no palco do teatro. A deslumbrante jovem que fora alvo do macabro elogio manteve a fachada régia, para benefício dos diversos binóculos que a focalizavam, admirando sua beleza. Naquela noite, lady Winter usava um elegante vestido vermelho de seda, ornamentado com o delicado laço da echarpe negra que pendia de seus ombros. As cores acentuavam os traços de sua herança espanhola. O traje realçava o efeito devastador provocado pelos esplêndidos cabelos negros, olhos da cor do mais puro ébano e pele morena. A simples presença daquela mulher era, em si, um sinal de perigo. Ela fixou o olhar no palco. A repulsa pelo acompanhante sentado ao lado dela no camarote fazia seu estômago revirar. Exalando um longo suspiro, simulou interesse pela trama da ópera em andamento. Anjo da morte... A alcunha não poderia ser mais verdadeira. Todos ao redor dela morriam, exceto lorde Welton Benbridge, o único homem que desejava eliminar da face da Terra. O riso abafado atrás dela fez sua pele arrepiar. — Será necessário pensar duas vezes antes de me mandar para o inferno, minha querida filha — a voz grave advertiu, como se lesse seus pensamentos. — Se me matar, nunca se reunirá novamente com sua irmã. — Não ouse me ameaçar, lorde Welton. Amélia está próxima da idade de se casar, e quando isso acontecer, descobrirei o paradeiro dela e não terei mais necessidade de manter sua vida. Considere minhas palavras antes de pensar que poderá fazer com ela o mesmo que fez comigo. — Eu poderia vender sua irmã para os comerciantes de escravos, minha doce Maria... Ou prefere que a chame de lady Winter? — ele murmurou com prazer sádico. 2
  • 3. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day — O senhor presume incorretamente que eu não antecipei sua ameaça. — As rendas do punho tremularam quando ela apertou as mãos num gesto nervoso. — Eu conseguirei localizar minha irmã, e então, o senhor morrerá. Um sorriso amargo curvou os lábios cheios. Seus dois desafortunados maridos haviam sido agentes da Coroa, e a fortuna que acumularam foram úteis para o padrasto. Ela tinha dezesseis anos quando Welton destruiu sua vida. Uma onda de antecipação percorreu seu corpo quando pensou no dia em que o faria pagar por tudo que a obrigara a fazer pelo bem da irmã. — Quem será o alvo dessa vez? — murmurou contrariada, cedendo mais uma vez às exigências do padrasto. — St. John. — O nome pairou em suspenso no ar entre eles. — Christopher St.John? — Maria repetiu, boquiaberta. Nada poderia surpreendê-la mais. Aos vinte e seis anos, acreditava que já tinha visto e feito tudo. — Interessante... — Maria murmurou, olhando para o homem em questão. Christopher St. John era o lendário pirata que saqueava navios de contrabandos e mantinha desabrigados e famintos sob sua proteção. Era tema principal das reuniões da corte, e comentavam-se suas façanhas com intempestivo entusiasmo. Ele acabara de sair da prisão, onde havia passado duas semanas sob acusação de pirataria, e especulava-se por quanto tempo conseguiria se manter em liberdade. A beleza incomum era tão mortal quanto a dela, e as façanhas tão extraordinárias que não parecia ser possível que fossem verdadeiras. — St. John é um homem rico, mas casar-me com ele vai me arruinar e me tornar menos efetiva para seus objetivos — ela comentou com aparente descaso. — Eu não mencionei casamento, Maria. Ainda não esgotei as reservas de lorde Winter. Trata-se apenas de uma busca de informação. Acredito que os agentes da Coroa estejam envolvendo St. John em algum tipo de negócio. Quero que descubra o que é, e, mais importante, quem conseguiu livrá-lo da prisão. Maria voltou a atenção para o palco. Por que a sensação de que suas mãos estariam manchadas de sangue nunca passava? Virou a cabeça e olhou ao redor. A soprano no palco chamava a atenção, mas não estava lá para vê-la. E, assim como ela, a aristocracia que enchia todos os camarotes do luxuoso teatro também pretendia apenas ver e ser vista, e nada mais. — Devem estar realmente desesperados para poupar a vida de St. John—Welton comentou com descaso. —A Coroa passou anos procurando pela prova irrefutável de sua vilania, e agora que a tem, decidiu cruzar os braços. Suponho que nenhum dos lados 3
  • 4. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day esteja satisfeito. — Não me importo com o que St. John ou a Coroa sentem. —Maria ajustou o binóculos, simulando interesse pela ópera. —Tem razão. Isso não importa. Quero apenas que se aproxime dele e extraia todas as informações que puder. Assim saberei a quem devo extorquir. — Está confiando demais no meu poder de sedução — ela observou, sentindo o gosto amargo da biles na boca. Era insuportável pensar em tudo que era forçada a fazer para proteger e servir um homem que odiava. Porém, não era o padrasto a quem protegia e servia, e sim a si mesma. Precisava que ele vivesse, pois caso contrário, jamais encontraria Amélia. — Você tem noção de como essas informações podem ser valiosas, Maria? Ela assentiu com gesto quase imperceptível, consciente de que Welton estava atento ao menor de seus movimentos. Todos sabiam que a morte de seus dois maridos não havia sido por causas naturais. Porém, não tinham provas para acusá-la. Apesar dos rumores que corriam as suas costas, Maria sempre fora bem recebida pela sociedade. Embora abominasse a humilhação e a infâmia, frequentava os lares das famílias mais agraciadas da corte graças ao padrasto, que conhecia mais segredos do que a aristocracia gostaria de admitir. —Como posso travar contato com o sr St. John?—indagou sem encarar Welton. — Use seus próprios recursos. — Welton se pôs de pé nas sombras do camarote, mas Maria não se deixou intimidar. Com exceção da preocupação por Amélia, nada mais a assustava. Uma onda de repulsa a fez estremecer ao sentir o toque em seus cabelos. — Os cabelos de sua irmã são parecidos com os seus... — ele sussurrou em tom lúbrico. — Gosto dos cachos sedosos e brilhantes que as duas herdaram da mãe. — Vá embora! — ela sibilou por entre os dentes. A risada sardônica pairou no ar muito tempo depois que Welton saiu. Quantos anos mais seria forçada a viver sob aquela tortura diária? Os investigadores e informantes que trabalhavam para ela foram incapazes de descobrir algo de valor. Não haviam conseguido nada além dos relatos de breves aparições de Amélia, sem que nunca tivessem encontrado pistas de onde ela poderia estar. Por muitas vezes, estiveram perto... Mas Welton sempre estava um passo à frente. E, a cada dia, a alma de Maria se tornava mais negra e descrente. — Não se deixe enganar pelas aparências. Sim, ela é pequena e delicada, mas é uma serpente esperando para dar o bote. 4
  • 5. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day Christopher St. John se acomodou na poltrona sem olhar para o agente da Coroa que dividia o camarote com ele. Sua atenção estava fixa na mulher sentada no outro extremo do teatro. Passara a vida toda em meio às damas elegantes da sociedade e sabia reconhecer alguém com afinidades quando via. Trajando um elegante vestido que dava a impressão de luxo e riqueza, lady Winter aparentava frieza e indiferença. Mas isso não importava. Seu desígnio era aquecê-la, imiscuir-se na vida dela e conhecê-la bem o bastante para fazê-la ir para a forca em seu lugar. Não era uma tarefa agradável, nem mesmo para um homem que, como ele, trilhara a tortuosa estrada do crime. — Deve haver dúzias de homens trabalhando para ela — o conde Sedgewick observou. — Alguns atuam nas docas, e outros vagueiam pelo país. O interesse de lady Winter na agência é óbvio. Ela, tanto quanto você, tem reputação de ser fria e mortal. Vocês dois são muito parecidos. Tenho certeza de que ela não poderá resistir a qualquer oferta de assistência da sua parte. Christopher assentiu. Conhecia mulheres daquele tipo, mais preocupadas com a aparência do que com a própria reputação. Ela entregava-se sem pudores para atrair pretendentes ricos. No entanto, a perspectiva de compartilhar a cama com o belo "Anjo da Morte" era tentadora. — Posso ir agora, milorde? — Christopher perguntou, fazendo menção de se levantar. Sedgewick balançou a cabeça em silêncio. — Comece imediatamente, ou perderá esta oportunidade. Christopher se conteve para não retrucar. A agência aprenderia em breve que ele dançava conforme o próprio ritmo. —Envie relatórios indicando todos os passos de lady Winter. Quero saber tudo sobre a relação pessoal e profissional entre vocês. Christopher ajeitou os punhos do casaco. — Lady Winter procura a segurança financeira de um casamento com alguém da nobreza, o que torna impossível para um homem sem títulos, como eu, ser um pretendente aceitável. Planejo começar minha associação com ela pelos negócios e selar com sexo. É assim que funcionará. — Você é assustadoramente egoísta, St. John — censurou Sedgewick, com malícia. —E você será um homem sábio ao se lembrar sempre disso — o pirata retorquiu 5
  • 6. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day ao sair. A sensação de estar sendo observada com atenção predatória provocou desconforto em Maria. Estudou com olhos de lince cada camarote do teatro e não notou nada de suspeito. Ainda assim, os instintos que a mantinham viva a alertaram do perigo e preferiu, mais uma vez, dar ouvido a eles. Não era tola a ponto de acreditar que o interesse de alguém sobre ela fosse mera curiosidade. O tom baixo das vozes masculinas dos camarotes vizinhos chamou sua atenção. Talvez não passasse de comentários fúteis sobre o espetáculo em andamento, mas Maria era uma caçadora com sentidos apurados. — ...o camarote do "Anjo da Morte" — ouviu o fragmento de conversa chegar até ela. — Ah... — um homem murmurou em tom sigiloso. — Eu não me importaria em correr o risco de morrer se pudesse passar algumas horas na cama dela. Lady Winter é incomparável, uma deusa entre as mulheres. Maria suspirou. Sua beleza não passava de uma cruel maldição. O prazer juvenil que tivera no passado por saber que era a mais bela dentre todas se desvanecera no dia em que o padrasto passara a usá-la para enriquecer. Desde então, as mortes se sucederam em sua vida. A primeira fora do amado pai. Lembrava-se do homem vigoroso, em quem o sorriso brotava fácil. Afável e romântico, ele adorava a esposa de origem espanhola. A mãe jamais conseguira superar o trauma quando o marido adoeceu e morreu em poucos meses. Mais tarde, Maria se tornara familiarizada com a dor da alma. Porém, naquela ocasião, sentira apenas medo e confusão, e seus temores sobre o futuro aumentaram quando foi apresentada ao belo cavalheiro de boas maneiras que ocuparia o lugar do pai. — Maria, minha amada filha — a mãe dissera com voz suave —, conde Welton e eu planejamos nos casar. Ela já ouvira aquele nome antes. O fidalgo era o melhor amigo de seu pai. No entanto, a razão pela qual a mãe desejava se casar novamente estava além da sua compreensão. O pai teria significado tão pouco para ela? — Lorde Welton deseja enviá-la aos melhores colégios — fora a explicação da mãe. — Terá o futuro que seu pai desejava para você. Mesmo sendo uma criança, ela compreendeu a mensagem implícita. Estava sendo sutilmente afastada do lar. O casamento se realizou e lorde Welton ocupou o lugar de chefe da família, levando-as para sua propriedade com uma construção que mais se parecia um castelo medieval. Maria a odiava. Era fria, escura e assustadora, em tudo diferente da casa iluminada e alegre que moravam antes da morte do pai. Welton teve uma filha com sua nova esposa e logo a seguir a abandonou. Maria foi 6
  • 7. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day enviada para uma das mais requintadas e severas escolas internas para moças enquanto o padrasto se embriagava e divertia-se nas tavernas, desperdiçando em benefício próprio o dinheiro que o pai deixara. A mãe se tornou a pálida imagem do que fora. Os exuberantes cabelos negros embranqueceram do dia para a noite, e sua doença foi escondida de Maria até o último momento. Ao retornar à casa do padrasto nas férias de inverno, encontrou apenas um fantasma da condessa de Welton, em lugar da mulher vibrante e alegre que a mãe fora. Maria percebeu que ela não duraria mais do que alguns dias apenas quando o fim estava próximo. — Minha filha, peço que me perdoe — ela dissera em seu leito de morte. — Welton era um homem gentil logo depois que seu pai morreu, e não percebi que não passava de fachada para me seduzir. — Tudo ficará bem, mamãe — ela mentiu. — Sua saúde vai melhorar e poderemos nos livrar dele. — Não... Você deve... — Por favor, mamãe, não diga mais nada. A senhora tem de descansar. Acometida por um acesso de tosse, a condessa buscou forças para fazer seu último pedido: — Você tem de proteger sua irmã. Welton não se importa que ela seja filha de seu próprio sangue. Vai usá-la, assim como me usou. Amélia não é forte como você, minha filha. Ela não tem a força do sangue de seu pai. Maria observou a vida da mãe se escoar sem que nada pudesse fazer. Durante uma década em que a mãe vivera sob o mesmo teto que Welton, ela aprendera muito, e a principal lição fora que por trás da bela aparência do lorde escondia-se a alma de Mefistófeles. Maria passara a adolescência no colégio interno, preparando-se para ser a mulher que o padrasto poderia explorar. Nas visitas ocasionais, observava a forma como ele traía sua mãe. Ouvia os comentários dos criados e adivinhava o rastro de sangue e traição que ele deixava atrás de si. A irmã de sete anos de idade permanecia trancada em seus aposentos quando o pai estava em casa, assustada e solitária. — Mamãe, não tenho idade suficiente para cuidar de minha irmã — ela disse por entre lágrimas. — Sim, você é capaz — Cecília sussurrou num fio de voz. — Quando eu partir, deixarei toda a força que tenho com você. Sentirá minha presença, filha, assim como a de seu pai. Nós vamos ampará-la. E aquelas palavras seriam seu único apoio nos anos em que se seguiriam. 7
  • 8. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day — Ela está morta? — Welton indagou quando Maria emergiu do quarto. Os olhos verdes não revelavam a menor emoção. — Sim. —Faça os arranjos que desejar para o funeral—foi o único comentário do padrasto. Ela assentiu e fez menção de se afastar. — Maria... Ao ouvir a voz pastosa pela bebida, ela se voltou para fitá-lo, estudando seus traços com frieza. Apesar de odiá-lo, não podia deixar de admitir que era o homem mais bonito que já vira. Aquela deveria ser a aparência do demônio quando encarnado na forma humana. — Conte a Amélia sobre a morte de Cecília. Estou atrasado para um compromisso e não tenho tempo para falar com ela. — Não se preocupe. A morte de minha mãe não há de atrapalhar seus compromissos. Welton riu com escárnio da sua bravura. — Eu sabia que você seria perfeita. Valeu a pena pelo trabalho que sua mãe me deu. Ela observou-o girar no salto das botas e sair, completamente esquecido da esposa. Amélia... Sua meia-irmã, inocente e frágil, ficaria abalada quando soubesse, pensou ao atravessar os corredores sombrios no silêncio mortal do palacete. A missão que a esperava era a mais cruel que já tivera de enfrentar. Além do profundo pesar que vivia naquele momento, teria de comunicar à irmã que a única pessoa que poderia protegê-la havia partido. O que diria para sua meia-irmã? Amélia não possuía as mesmas memórias felizes para sustentá-la. A pobre criança estava órfã, pois jamais teria a atenção do pai. — Olá, princesa — ela disse com suavidade ao entrar no quarto de Amélia, firmando-se nos pés para absorver o impacto do pequeno corpo contra o dela. — Maria! Abraçando a irmã, conduziu-a para a cama e a sentou em seu colo, passando a contar sobre a perda que ambas haviam sofrido. — O que vamos fazer? — Amélia balbuciou entre soluços ao saber da morte da mãe. — Nós sobreviveremos — Maria assegurou. — Vamos nos manter unidas. Eu vou protegê-la. Nunca duvide disso. Abraçadas, choraram até que as lágrimas se esgotassem e adormeceram, 8
  • 9. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day vencidas pela exaustão. Quando acordou, Maria descobriu que Amélia não estava no quarto. Estremecendo de pavor, soube por instinto que Welton a levara. E, a partir daquele dia, suas emoções permaneceram aprisionadas, e jurou que as libertaria somente no dia em que pudesse se vingar do homem que destruíra a vida de todas as mulheres que haviam pisado naquele castelo. Os aplausos da plateia ao final do espetáculo a trouxeram de volta para o presente. Obrigando-se a reagir, Maria se pôs de pé. Puxou as cortinas e saiu do camarote, atravessando o saguão de entrada com passadas rápidas. Seguiu para a calçada e encarou os dois valetes que se mantinham de guarda. — Minha carruagem — ordenou a um deles, e o lacaio correu para atendê-la. Quando se voltou, Maria esbarrou com um corpo sólido. — Queira desculpar — murmurou a voz rouca, tão perto de seus ouvidos que ela pôde sentir a vibração do corpo quente. O som a perturbou. Permaneceu imóvel, com os sentidos em alerta. Uma após outra, as impressões a bombardearam, desde o peito largo, o braço firme ao redor de sua cintura e o rico perfume de bergamota e tabaco. Encarou-o com frieza, mas ele não se deixou intimidar. Em vez de soltá-la, apertou-a com mais força. — Solte-me! — exigiu com autoridade. — É o que farei quando estiver pronto. A mão se fechou em concha sobre seu pescoço e o toque queimou a pele. Dedos possessivos tocaram os seus, fazendo o pulso de Maria disparar. Ele se moveu com extrema confiança, sem hesitar, como se fosse dono do direito de levá-la para onde quisesse, mesmo em uma avenida pública. Mesmo assim, havia gentileza nas maneiras dele. Apesar da possessividade, ela poderia escapar se quisesse. No entanto, um súbito receio a impediu, prevenindo-a de se mover. O olhar de Maria se moveu para o lacaio à porta, ordenando em silêncio que fizesse algo para ajudá-la. O criado arregalou os olhos e engoliu seco, desviando o rosto. Maria suspirou. Aparentemente, teria de se virar sozinha, mais uma vez. Sua próxima ação foi movida pelo instinto. Girou a mão, pressionando-a no pescoço de seu raptor, e apertou com força o pomo-de-adão. O homem congelou por um instante, e então uma sonora gargalhada cortou o ar. — Adoro uma boa surpresa! — ele disse por entre o riso. 9
  • 10. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day — Pena que não possa dizer o mesmo — ela retrucou com azedume. — Está com medo? — Medo de sujar minha roupa de sangue? — Maria riu com escárnio. — Oh, sim. É um dos meus vestidos favoritos. — Ah... Mas combinaria perfeitamente com o sangue em suas mãos. — O sequestrador fez uma pausa e traçou com a ponta da língua o lóbulo da orelha de Maria, fazendo-a arrepiar. — ...e nas minhas. — Quem é você? — Sou o que você precisa. Maria suspirou profundamente, enquanto mil perguntas giravam em sua cabeça com a rapidez de um tornado. Ele a soltou abruptamente e os dedos roçaram a pele macia do braço. — Se achar que posso ser útil, venha me procurar. O raptor recuou um passo e Maria se virou, num farfalhar de seda do vestido. Ela mal conseguiu esconder a profunda surpresa. Os retratos do pirata que apareceram nos jornais não lhe faziam justiça. Cabelos louro-claros, pele beijada pelo sol e brilhantes olhos azuis iluminavam as feições tão perfeitas que chegavam a ser quase angelicais. Os lábios, embora finos, eram esculpidos por mãos de mestre. O impacto causado pelo profundo magnetismo daquele homem era desconcertante. Provocava em Maria o desejo de confiar nele, embora o brilho dos olhos misteriosos dissesse que seria um erro. Enquanto o fitava, Maria percebeu a inegável atenção que estavam atraindo das pessoas que circulavam pela calçada. — St. John! — Estou lisonjeado que tenha me reconhecido. Ela ignorou o tom sedutor e avaliou-o com frieza. — Por que acha que eu precisaria de sua ajuda? — Talvez porque eu saiba o que os agentes da Coroa estão procurando. — O que sabe? — Muito, mas não o bastante. Talvez, juntos, possamos combinar nossos objetivos. —E qual é seu objetivo?—arriscou-se a perguntar, mesmo certa de que ele não responderia. — Vingança. 10
  • 11. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day A palavra deslizou dos lábios de St. John com tanta casualidade que Maria ponderou se aquele homem seria tão destituído de emoções quanto ela. Teria de ser, para se prestar à vida de crimes que o tornara famoso. Sem remorsos, arrependimento nem consciência. — Os agentes da Coroa interferiram na minha vida mais vezes do que eu gostaria — ele esclareceu com sorriso enigmático. — Não tenho ideia do que está falando. — Não? Que pena. — St. John recuou um passo e avaliou-a da cabeça aos pés. — Estarei disponível, caso mude de ideia. Por um momento, Maria se recusou a virar-se e observá-lo. Porém, sem resistir ao impulso, girou a cabeça e o estudou com avidez. Vestido como estava, seria impossível que se misturasse à multidão que saía do teatro. A elegância do traje se destacava dentre os demais. Maria entendeu de pronto o apelo carismático que emanava daquele homem. — Venha cá — dirigiu a atenção para seu lacaio. — Milady... — O rapaz avançou um passo e abaixou a cabeça, constrangido. — Por favor, perdoe-me! — Pelo quê? — E... Eu não a protegi. Maria ergueu as sobrancelhas. Aproximando-se, tocou os ombros do jovem num gesto que o deixou admirado. — Não estou zangada com você. Teve medo, e esta é uma emoção com a qual simpatizo. — Verdade? Ela assentiu com um sorriso amargo antes de se afastar. O sorriso de gratidão que recebeu fez seu coração se apertar. Teria sido condescendente demais com o rapaz? Por vezes, sentia-se desconectada do mundo real, ponderou. Já não sabia mais a diferença entre um simples gesto de tolerância e um ato de descaso. Mas não importava. Vingança era tudo que ela queria, e experimentava o sabor ácido do ódio todas as manhãs para lavá-lo da boca a cada noite. A necessidade de se vingar era a força que fazia o sangue correr em suas veias. E Christopher St. John poderia ser o meio para consegui-la. Até momentos atrás, ele não passava de uma incumbência desagradável que deveria ser finalizada o mais depressa possível. No entanto, naquele momento, as possibilidades eram mais do que intrigantes. Eram sedutoras. Teria de planejar com cuidado como poderiam utilizá-las. St. John era um homem perigoso, mas estava certa 11
  • 12. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day de que poderia controlá-lo. Christopher sentiu a força do olhar de lady Winter em suas costas à medida que caminhava. Não havia planejado falar com ela. Esperava apenas vê-la de perto e observar sua segurança pessoal. Fora uma grata coincidência ter escolhido aquele momento para sair do camarote. Não apenas se encontraram, mas pudera tocá-la, tê-la em seus braços e inalar o perfume suave da pele acetinada. Lady Winter era mais jovem do que imaginara. A pele alva e os traços finos e delicados eram ressaltados pelos deslumbrantes olhos negros, vívidos e perspicazes. A expressão quase inocente, porém, era enganadora. Aquela mulher era acusada de ter matado, no mínimo, dois homens. Ao menos, era o que pretendia descobrir. A agência a desejava mais do que a ele, e esse simples fato o intrigava mais do que tudo. Com passadas lentas, aproximou-se da luxuosa carruagem com o brasão do falecido lorde Winter e apoiou o pé no degrau, inclinando o corpo para a frente. — Devo estar na mansão Harwick no próximo fim de semana — anunciou com voz firme. — Tenha certeza de que lady Winter saiba disso. Quando o cocheiro assentiu, assustado, Christopher sorriu com satisfação. Pela primeira vez em muito tempo, tinha algo genuinamente prazeroso com que se ocupar. —Existe a possibilidade de que Amélia tenha sido vendida no tráfico de escravos. Maria deteve-se diante da lareira para encarar o homem que, além de ser a pessoa em quem mais confiava, também fora seu amante. Simon Quinn usava robe colorido de seda, deixando entrever o peito largo. Os olhos, de um azul brilhante, formavam um encantador contraste com a pele morena e cabelos pretos que revelavam a ascendência irlandesa. Era o oposto de St. John e alguns anos mais jovem, mas igualmente sedutor. Afora sua sexualidade inata, Simon era inofensivo para ela. Graças a ele, Maria podia dormir em segurança na mansão rodeada pelo perigo. Durante a associação dos dois, Simon quebrara todas as leis que poderiam existir... assim como ela. — É curioso você dizer isso esta noite — murmurou. — Welton me disse o mesmo no teatro. — Isso não é bom sinal — Simon pensou em voz alta, preocupado. — Não posso fazer nada baseada em conjecturas, Simon. Encontre provas. Dessa forma, podemos matar Welton e iniciarmos a busca pelo paradeiro da minha irmã. O fogo da lareira aquecia-lhe as mãos, mas por dentro, Maria estava congelada pelo terror. Nunca mais conseguiria encontrar Amélia, se ela de fato tivesse sido vendida como escrava. 12
  • 13. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day — Restringir as buscas aos limites da Inglaterra diminui a chance de encontrá-la — o rapaz lembrou-a. Maria levou a taça de licor aos lábios e sorveu um gole antes de colocá-la sobre a escrivaninha. Seu olhar passeou pelo aposento, encontrando conforto no ambiente aconchegante. Tratava-se de um escritório extremamente masculino, efeito que servia para dois propósitos. Em primeiro lugar, o clima sóbrio desencorajava conversas fúteis. E, em segundo, proporcionava-lhe sensação de controle do qual ela necessitava desesperadamente. Sentia-se como uma marionete nas mãos de Welton, mas ali, era ela quem estava no comando. — Tem razão, Simon. — Ela suspirou com amargura. — Envie alguns dos homens para os países vizinhos. — Até quando viverá assim, Maria? — o rapaz perguntou. —Até quando abrirá mão da sua felicidade em nome do bem-estar de sua irmã? — Não posso pensar em mim antes de encontrar Amélia. — Sim, você pode. Se você estiver feliz, se tornará mais forte para lutar. O olhar frio que Maria enviou ao rapaz foi o bastante para desencorajá-lo. Simon, no entanto, simplesmente riu. Já havia dividido a cama com ela, e a inevitável consequência fora a intimidade que havia entre eles. Maria desviou o rosto e encontrou os olhos do primeiro marido fielmente reproduzido no retrato a óleo pendurado na parede. — Sinto falta de Dayton — confessou com amargura. — Especialmente do suporte que ele me proporcionava. O conde Dayton a salvara da completa ruína. O amável e gentil viúvo pagara alto preço por tomar uma jovem com idade para ser sua neta como segunda esposa. Sob a tutela dele, Maria aprendera tudo que necessitava para sobreviver. As características e o manejo de armas, além do uso consumado delas, foram apenas duas das muitas lições que ele ensinara. — E quanto a St. John? — Maria caminhou para a escrivaninha e sentou-se na luxuosa cadeira. — Ele poderá ter algum uso para mim? — Claro que sim. Com tudo que aquele homem sabe, ele pode ser de uso de qualquer um. No entanto, desconfio dos interesses dele em procurá-la. St. John não é um homem conhecido pelas tendências caridosas. — Não há de ser sexo — Maria afirmou, pensativa. — Alguém com a aparência de St. John não encontra o menor problema em ter a mulher que desejar. — É verdade. St. John é famoso pela vida de excessos que leva. Simon sentou-se na cadeira diante da escrivaninha e cruzou as pernas. Embora demonstrasse estar relaxado e tranquilo, ele nunca baixava guarda. Aquela era uma 13
  • 14. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day das qualidades que Maria mais apreciava no amigo. — Presumo que a morte de seus dois maridos e o relacionamento deles com a agência tenha suscitado o interesse de St. John. Maria assentiu. A única motivação que poderia encontrar para a aproximação de St. John era o desejo de usá-la da mesma forma que Welton fazia: para tarefas desagradáveis onde os ardis femininos eram requeridos. Mas, certamente, havia mulheres próximas a ele que poderiam fazer o trabalho com a mesma eficiência. — E por que ele teria sido libertado? — ela perguntou, como se pensasse em voz alta. — As atividades ilegais de St. John são de conhecimento público, mas ele conseguiu se manter ileso durante esses anos todos. Então, quando finalmente é detido, permanece duas semanas na prisão e é libertado... Fico intrigada em saber o que, ou quem estará por trás disso. — Prometo que vou investigar melhor. — Faça isso. — Gostaria de poder ter sido mais útil, Maria. — O pesar no tom da voz não deixava dúvida. — Você sempre será útil, Simon — ela respondeu com um sorriso. — Conhece alguma mulher em quem possamos confiar para se aliar a Welton? Ele sustentou a taça de conhaque no ar a caminho da boca e um sorriso lento transformou suas feições. — Por Deus! Dayton ensinou-a muito bem! Creio que é um dos casos em que o discípulo supera o mestre. — É apenas uma tentativa que pode não dar certo. Preciso de alguém que ouça segredos de alcova. Welton prefere as louras. — Não será difícil encontrar alguém que sirva aos seus propósitos. Maria assentiu e recostou a cabeça no espaldar. — Mhuirnín? — ele sussurrou em sua língua natal. — Sim? — Está na hora de ir para a cama. A mão grande e poderosa cobriu a dela, e o rico aroma da pele morena preencheu os sentidos de Maria. Sândalo. Aquele era o cheiro de Simon. — Não vou dormir tão cedo. Há muito a ser considerado — ela protestou, fixando o olhar nas íris cristalinas. — Seja o que for, pode esperar até amanhã. — Simon se levantou e puxou-a para estreitá-la em seus braços, envolvendo-a com seu calor. Maria lutou contra a urgência de se deixar seduzir. Ainda se lembrava com 14
  • 15. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day nitidez da sensação de tê-lo dentro de si, mas o romance tivera fim um ano atrás, quando o toque de Simon passara a representar mais do que conforto físico. Maria não podia se permitir ter complacência ou felicidade. Ademais, Simon permanecia sob o mesmo teto que ela. Recusava-se a amá-lo, mas não podia mandá-lo embora. Adorava o irlandês e apreciava a dedicação de seu único amigo. — Conheço suas regras — ele sussurrou, enquanto a mão experiente percorria a curva suave das costas dela. Maria sabia que Simon não gostava das restrições que ela impunha, mas a desaprovação não era suficiente para diminuir o interesse carnal. — Se eu fosse uma mulher melhor do que sou, trataria de expulsá-lo daqui. — Ela se desvencilhou do abraço com gentileza. — Não é justo mantê-lo sob minhas asas, quando você poderia estar ganhando o mundo. —Você não aprendeu nada sobre mim em todos esses anos que estamos juntos?— Simon retrucou.—Não pode me fazer partir. Eu lhe devo minha vida. — Você exagera, Simon. Lembrou-se de seis anos atrás, quando o vira pela primeira vez, lutando sozinho contra muitos oponentes. Simon reagia com ferocidade ao ataque de três homens que tentavam roubá-lo. Ela quase seguira em frente, firme no propósito de vasculhar a noite escura para seguir uma pista de Amélia que parecia mais promissora do que as outras. Porém, sua consciência não permitiu que ignorasse a injusta batalha, comum nos becos de Londres. Além disso, a força e agilidade com que o rapaz se defendia chamou-lhe a atenção. Mesmo em desvantagem, havia orgulho e valentia no homem que lutava como um leão enraivecido. Empunhando a pistola e flanqueada pelos seus homens, Maria teve força suficiente para intimidar os agressores e resgatar Simon. Quando o levou para sua propriedade, a intenção original fora simplesmente limpá-lo e esperar que recobrasse a consciência para mandá-lo embora. Porém, quando ele emergiu do banho, Maria se surpreendeu com o homem viril, de beleza estonteante. Desde então, decidiu mantê-lo sob sua proteção. Simon recuou um passo e sorriu como se lesse os pensamentos dela. — Eu enfrentaria dezenas de homens, centenas se preciso fosse, contanto que isso me levasse de volta a sua cama. — Você é incorrigível! — ela censurou, balançando a cabeça. — Não vai conseguir me distrair com sua sedução. —Quem disse que pretendo seduzi-la?—Simon tomou-lhe a mão e a conduziu para a porta. — Quero apenas que descanse e tenha bons sonhos. —E você não aprendeu nada sobre mim nesses anos todos? — ela provocou 15
  • 16. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day enquanto atravessavam o longo corredor do palacete. — Prefiro não sonhar. Faz com que o ato de despertar seja ainda mais deprimente. — Um dia, acordar será ainda mais prazeroso do que o sonho — ele prometeu em voz baixa. Maria bocejou e subiu a escada, amparada pelos braços fortes. Momentos depois, estava acomodada na cama e recebeu um suave beijo de boa-noite na testa. Quando Simon saiu, sentia-se relaxada e confortável. Fechou as pálpebras, vencida pela exaustão. No entanto, o tom azul dos olhos que a seguiam durante o sono era diferente dos de seu melhor amigo. Profundos, intensos e maliciosos, aqueles eram os olhos de um homem que, por alguma razão misteriosa, passaram a acompanhá-la desde seu encontro inesperado com St. John à saída do teatro. — Boa-noite, senhor. St. John entrou em casa e saudou com gesto discreto o mordomo que fora recebê-lo. — Mande Phillip encontrar-se comigo no meu quarto — ordenou, entregando-lhe as luvas. — Sim, senhor. O pirata entrou e passou pela animado grupo reunido na sala. Eles o chamaram, e fez uma pausa por um momento passeando o olhar pelo agrupamento que ele considerava sua família. Celebravam sua liberdade recém-adquirida. Porém, o dever o esperava. Tinha de acertar todos os detalhes se quisesse manter o presente estado de liberdade. — Divirtam-se — desejou, saindo da sala sob os protestos que o seguiram até o segundo andar. Entrou em seus aposentos e, com ajuda do valete, começou a se despir. Havia retirado a capa quando Phillip surgiu à porta. — O que descobriu?—St. John indagou sem preliminares. — O tanto quanto é possível no curto espaço de um dia. — Phillip entrou, o casaco desbotado num contraste gritante com o aposento luxuoso. — Quantas vezes terei que adverti-lo quanto a sua inquietação? — St. John censurou. — Denuncia uma fraqueza que implora para ser explorada. —Minhas desculpas.—O jovem ajustou os óculos e tossiu. —Não é necessário se desculpar. Simplesmente corrija-se. Permaneça firme, não vacile em olhar nos meus olhos como um igual. — Mas não somos iguais! — Phillip protestou. Por um momento, parecia o mesmo menino fraco e desnutrido de cinco anos de 16
  • 17. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day idade que aparecera na propriedade treze anos atrás. — Não, você não é — St. John concordou. — Mas deve me encarar como se fosse. O respeito é valorizado tanto aqui quanto em qualquer lugar do mundo. Ninguém vai lhe dar nada simplesmente por você ser gentil e atencioso. Na verdade, a maioria dos idiotas obtém sucesso simplesmente agindo como se fossem superiores. — Sim, senhor. St. John riu. O rapaz ainda não se tornara um homem. Porém, era admirável que tivesse conseguido se manter de pé e sobrevivido à miséria que o infligira na infância. — Lady Winter tem vinte e seis anos, ficou viúva por duas vezes e seus dois maridos não sobreviveram mais do que dois anos na cama dela. — Diga algo que eu não saiba — St. John resmungou, notando a expressão frustrada do informante. —Não se aborreça, Phillip. Lembre-se de que o tempo é valioso. Concentre-se nas informações que realmente importam. — Ela tem um amante permanente — o rapaz prosseguiu. — Bem... — St. John fechou os olhos por um momento, tentando afastar a visão da suave lady Winter nos braços do amante. — O que mais descobriu? — O rapaz tem ascendência irlandesa, e reside na propriedade desde que lorde Winter morreu, dois anos atrás. Dois anos... — Descobri também algo curioso sobre o relacionamento dela com o padrasto, lorde Welton. — Curioso? — Sim. A criada com quem falei mencionou as frequentes visitas dele na mansão Winter. Parece que mantêm estreito relacionamento. St. John estendeu os braços para o robe que seu valete estendia para ele. —Thompson, traga Betty e Angélica para meus aposentos. O serviçal assentiu em silêncio antes de sair para cumprir a ordem do mestre. — O que sabem a respeito das finanças dela? — perguntou ao rapaz que, além de informante, fazia as vezes de seu secretário particular. — Não muito por enquanto, mas terei mais informações pela manhã. Aparentemente, lady Winter é uma mulher rica. Não sei por que necessita conseguir dinheiro por meio de assassinatos. — E você chegou a alguma conclusão sobre a culpa dela com evidências suficientes? — Ah... Não, senhor. —Não trabalho com conjecturas, Phillip. Encontre provas. 17
  • 18. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day — Sim, senhor. — Agora, conte-me sobre Welton — St. John pediu, acomodando-se na poltrona ao lado da lareira. — Ele é um homem devasso e libertino que gasta a maior parte do tempo em mesas de jogos. — Que lugares costuma frequentar? — As tavernas White's e Bernardette's. — Preferências? — Jogos de azar e louras. — Muito bem. -— St. John sorriu. — Estou satisfeito com o que você conseguiu. — Sua liberdade depende disso, senhor. Se eu estivesse no seu lugar, teria enviado alguém com mais experiência. — Você já está pronto, Phillip. Ademais, que utilidade teria se permanecesse inexperiente? O rapaz sorriu e o momento foi rompido por batidas discretas à porta. — Entre! — St. John ordenou, virando-se para observar a escultural loira e a pequena e voluptuosa morena que se juntaram a eles. — Ah... Minhas adoráveis princesas! Preciso das duas. — Sentimos sua falta — disse a loura com um gesto sensual, passando a mão nos cabelos longos. — Senhoras, tenho uma missão para vocês duas. — Peça o que desejar, e faremos — a jovem morena afirmou, fazendo flutuar os longos cílios negros. —A modista virá amanhã para tirar as medidas das duas. Vocês terão roupas novas. Betty, você vai se tornar a mais íntima confidente de lorde Welton. Ele adora louras, e você tem o tipo ideal para descobrir todos os segredos dele. — E quanto a mim? — Angélica indagou com expectativa. — Você, minha beleza morena, terá sua serventia quando for requerida... — Sabe de uma coisa que adoro em você, mhuirnín? Maria balançou a cabeça e o sorriso lento se espalhou pelos lábios. Simon sentou-se ao lado dela no banco coberto por um manto de seda enfeitado de flores. Ao fundo, a superfície serena do lago e o gramado verde realçavam ainda mais o brilho nos olhos do amigo. — Não? Bem, e que tal se eu dissesse apenas uma? — ele murmurou com voz rouca. — Adoro quando você empina o queixo com ar afetado ao posar de viúva 18
  • 19. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day pesarosa. E o vestido azul pálido com laço branco foi um toque de gênio. O sorriso se alargou. Ela estava nervosa e Simon havia notado que girava o cabo da sombrinha para aliviar a angústia. Atrás deles, a majestosa construção de pedra que era o lar do conde e condessa de Harwick lhes proporcionaria abrigo para o fim de semana. — Era de se esperar, Simon. Eu não poderia desapontar nossos anfitriões. — É claro que não. No entanto, acho delicioso. O que a cruel viúva está planejando para este final de semana? —Um pouco de confusão, quem sabe? Um toque de intriga? — E quanto a sexo? — Simon! — ela advertiu. Ele ergueu as mãos num gesto de defesa, mas os olhos brilhavam com esperança. —Estou me referindo a outro homem, e não a mim. Espero apenas que tenha o bom senso de escolher alguém melhor do que St. John. — Oh? Por quê? —Porque ele é vulgar, mhuirnín. Corrupto, como você não é. Eu tampouco deveria tê-la tocado. Você é fina demais para um homem como eu, e mesmo assim, sou melhor que ele. Maria olhou para a própria mão enluvada sobre o colo. — O sangue que você procura está nas mãos de Welton — ele disse em tom carinhoso, como se adivinhasse porque ela fixava o olhar sombrio nas próprias mãos. — Gostaria que você estivesse certo. — Ela suspirou e perdeu o olhar na superfície serena do lago. — Gostaria, também, de saber como um notório criminoso como St. John pôde ser convidado para vir aqui. — Ouvi dizer que lorde Harwick deve favores a ele. A gratidão dele se manifesta em convites abertos para que frequente a casa, dentre outras coisas. — Entendo. É uma espécie de barganha do demônio. — Simon concordou e ergueu as sobrancelhas. — Conte-me quais são seus planos para que eu possa encontrar a melhor forma de protegê-la. — Eu não tenho planos. Ainda não sei por que St. John escolheu a mansão Harwick para o encontro. Por que não na casa dele ou na minha? Se eu não estivesse tão desesperada, jamais concordaria com seus jogos estúpidos. — Gosto mais quando você age sozinha. — Obrigada. — Ela o encarou com gratidão. — No momento, a única coisa que planejo é conversar em particular com St. John. Espero que ele faça a gentileza de 19
  • 20. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day esclarecer por que nossa união pode beneficiá-lo. Baseada nisso, poderei dar o próximo passo. — Nesse caso, é melhor se apressar. Ele tomou o caminho à suas costas momentos atrás. Creio que lady Harwick mencionou que há um panteão naquela direção. Se quiser seguir, posso garantir que ninguém a perturbará. — Simon, você é uma bênção! — Que bom que você notou. Maria se levantou sem perder tempo, abriu a sombrinha e suspendeu-a com gesto gracioso. Lançou um olhar cuidadoso sobre os ombros e avistou Simon interceptar um casal que tencionava seguir pelo mesmo caminho. Segura de que ele cuidaria de tudo, como sempre, focalizou a atenção no que tinha pela frente. Caminhou com naturalidade, como se estivesse seguindo casualmente por aquela trilha, anotando mentalmente vários pontos de referência ao longo do caminho. Momentos depois, deparou-se com uma clareira onde um templo em estilo greco- romano se erguia ao centro. Circulou a pequena construção e olhou através dos pilares para o interior. — Está à minha procura? Com a visão periférica, encontrou St. John encostado ao tronco de uma árvore que ela havia passado segundos antes. Recobrou-se rapidamente, removendo todos os traços de surpresa e colocando em seu lugar um sorriso. — Na verdade, não. O efeito foi o que ela esperava. O sorriso arrogante se desmanchou e os olhos refletiram o brilho da surpresa. St. John usava um elegante casaco de veludo azul escuro que combinava com a cor dos olhos e realçava o tom dourado dos cabelos. Os olhos não eram tão cristalinos quanto os de Simon, porém, mais profundos e misteriosos. — Não acredito. — O desafio feito em voz rouca provocou uma deliciosa sensação que se moveu como seda sobre a pele. — Não me importo. St. John era como um anjo de beleza quase irreal. Qualquer mulher ficaria seduzida pelo timbre grave rouco da voz. — Então, por que está passeando pelo bosque? — ele indagou. — Por que o senhor está? — Sou homem. Eu não passeio. — Nem eu. — Eu notei. A senhora, minha adorável dama, está ocupada demais espionando. 20
  • 21. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day — E como chama o que o senhor faz? — Tenho um encontro com uma dama. — Ele se afastou da árvore com movimento perigosamente gracioso e Maria resistiu ao impulso de recuar um passo. — Uma dama? — Maria repetiu com descrença. — E porque ela não está aqui? Presumo que o fato de deixá-lo esperando revele o caráter frio e insensível dessa mulher. Maria observou o andar lento e majestoso enquanto ele se aproximava. Seu estômago flutuou, mas ela disfarçou a resposta pronta do corpo. —Tem razão. Ela é fria e insensível o bastante para tentar homens que gostam de desafio. No entanto, creio que a frieza seja apenas fachada. A brisa quente e gentil soprou entre eles, carregando o perfume de bergamota e tabaco que ela se lembrava na primeira vez que encontrara St. John à saída do teatro. A proximidade permitiu que visse as finas linhas que contornavam a boca e olhos, sinais de uma vida dura que as vestes imaculadas não podiam esconder. — O senhor tinha certeza de que eu viria, não é?—Maria perguntou. — Estou certa de que notou que não estou sozinha. — É claro que sim. Mas sei também que a senhora já não divide a cama com seu antigo amante. Por um momento, Maria não soube o que dizer. — Está me investigando? — perguntou quando encontrou a voz. Como resposta, St. John se aproximou ainda mais. O dia estava quente, mas não era o sol que aquecia a pele de Maria. Já acontecera antes, na noite em que sentira o contato dos braços poderosos ao redor de sua cintura. A massa compacta do dorso largo quase tocando-a tirou Maria de equilíbrio. Porém, não recuou, nem mesmo quando ele agarrou-a pelos cabelos e a beijou. Sentiu o gosto do desejo na saliva quente e doce, e fechou os olhos, forçando-se a ignorar a deliciosa sensação dos lábios contra os seus. No entanto, o contato marcante e perigoso foi impossível de ser ignorado. Num gesto indulgente, abriu-se para ele, e foi recompensada com um suave murmúrio de aprovação. St. John se apossou da boca macia como se tivesse todo o tempo do mundo. Por longos momentos, Maria permitiu que a intoxicasse. O polegar circulava com vagar a sua nuca, num ritmo lento e insinuante. Quando St. John a puxou de encontro ao peito, sentiu a ponta da adaga ferir-lhe a coxa. — Lembre-me de desarmá-la na próxima vez que tentar seduzi-la — avisou, 21
  • 22. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day afastando-se com um sorriso malicioso. — Você não terá outra oportunidade como essa, St. John. — Ela recuou e cruzou os braços.:— Posso chamá-lo assim depois de tê-lo beijado, não é? Na verdade, foi o melhor beijo que já experimentei. Mas infelizmente para você, tenho o hábito de manter os negócios separados do prazer. Sentiu-se orgulhosa por parecer tão forte quando seus joelhos tremiam. — Diga o que quer de mim. O sorriso lento e insinuante fez o coração de Maria pulsar mais rapidamente. — Não é óbvio? — A mulher que chegou com você pode lhe oferecer o que está procurando — ela lembrou. — Você é insubstituível, Maria... Posso chamá-la assim, não é? Afinal, trocamos um beijo. Inigualável, diga-se de passagem. — A risada revelava prazer pelo simples fato de ser ouvida. — Adoro Angélica mas, infelizmente, ela não é você. A imagem da morena dos braços de St. John fez Maria apertar os dentes. — Você tem um minuto para me dizer como me encaixo nos seus planos de vingança? — Ela reprimiu o ciúme tolo, estúpido e sentimental. — Vou lhe contar quando estivermos na cama. — Por acaso pensa que poderá extorquir meus favores sexuais? É você quem necessita de ajuda! — E você também pode precisar de mim — St. John respondeu com desdém. — Ou não teria vindo me encontrar. — Talvez eu estivesse apenas curiosa. — Seus informantes podem suprir sua curiosidade. Maria respirou fundo e girou o cabo da sombrinha nas mãos. —Bem, estamos em um impasse—comentou com descaso. — Não. Você está num impasse. Eu estou pronto para dividir a cama no momento em que for solicitado. Maria o encarou com firmeza e o rosto bonito se transformou em uma máscara de frieza. — Seu tempo acabou — ela declarou, dando-lhe as costas para seguir tranquilamente pela via que levava à mansão. 22
  • 23. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day CAPÍTULO II Maria se reuniu aos demais convidados. Estava consciente de que St. John não a seguiria. Ponderou que, naquele jogo, ele fizera o primeiro movimento: procurá-la no teatro. A seguir, fora sua vez e comparecera à recepção dos Harwick para encontrá- lo. O movimento seguinte seria dele. Notou que Simon conversava com um grupo de damas, aparentemente encantadas com o rapaz. Fez um gesto discreto para chamá-lo e ele se desculpou com mesura galante e deixou a companhia alegre das damas para seguir Maria ao lago. — E então? — indagou quando se afastaram o bastante para conversar com privacidade. — Ele quer sexo. É tudo que sei. — Já sabíamos disso antes de virmos para cá — Simon comentou com desdém. — Espero que o homem que enviei para se infiltrar entre os associados de St. John tenha mais sucesso em conseguir informações úteis. — Excelente, Simon. E você? Conseguiu alguma informação da acompanhante dele? — Creio que a missão dela é me seduzir. A moça deixou isso claro quando vocês estavam ausentes. — Oh... St. John não perde tempo. — Maria sorriu ao pensar que encontrara um oponente a sua altura. — Você gosta dele — Simon acusou-a. — Gosto da atitude de St. John, Simon querido. Pararam diante do lago e ela perdeu o olhar na superfície calma. O movimento sutil nas folhas de um arbusto chamou-lhes a atenção. Avistaram um homem escondido entre a folhagem e Simon avançou um passo, olhando ao redor com preocupação. — Templeton? O que está fazendo aqui? 23
  • 24. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day —Trago informações — ele anunciou num sussurro quase inaudível. — Encontre- me no panteão às duas horas da madrugada. E ele desapareceu num piscar de olhos, da mesma forma que havia surgido. — Você contratou Templeton? — Maria indagou, preocupada. — Sim. Sei que ele não tem caráter, mas faz entregas de frutas e legumes na casa de St. John, então achei que poderia ser útil — Simon justificou. — Mas não poderei encontrá-lo. Estarei ocupado esta noite. — Eu vou ao encontro dele. Estou curiosa para saber o que Templeton tem a dizer. É óbvio que St. John não se arriscaria a vir aqui sem ter um bom motivo. Maria desviou o rosto para o grupo animado que conversava no jardim da mansão. St. John cortejava lady Harwick, mas ela soube sem dúvida qual era o real foco do interesse dele. Podia sentir o olhar intenso acompanhando cada movimento que fazia. — Vou deixá-la encontrar-se com Templeton, se prometer que tomará todas as precauções. — Prometo, meu querido amigo. Você também deve ter cuidado. Com a visão periférica, ela percebeu que St. John se despedia de lady Harwick. Aquele poderia ser o momento oportuno para falar com ele, e dispensou Simon com antecipação palpável. Por que aquele homem tinha o poder de despertar emoções que ela levara anos para suprimir? Logo que ficou sozinha, St. John se aproximou. Tomou-lhe a mão para pousar um beijo suave, num cumprimento cortês. — Farei com que o esqueça — ele murmurou com um sorriso de desafio, indicando Simon. — Hum... — Maria retirou a mão e desviou o olhar sem responder. Estava atônita por perceber que sentia-se atraída por aquele homem arrogante. — Minha bela dama, não finja que eu não a afeto. Posso sentir seu coração disparado no peito. E tudo isso com um simples toque... Imagine como se sentirá quando estiver nua em meus braços. Maria prendeu a respiração, recusando-se a admitir o desejo que pulsava dentro dela. — Imaginar é tudo que você conseguirá de mim, St. John. —A firmeza do tom de voz surpreendeu a ela própria. — Olhe nos meus olhos e diga que você não terminará na minha cama. — St. John tomou novamente a mão delicada. — Diga, Maria! — Eu não vou para a sua cama. — Ela o encarou com um sorriso de desafio. — Prefiro fazer sexo na minha. 24
  • 25. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day Notou que o surpreendera a princípio, e então, ele riu divertido. — Aceito seus termos — St. John concordou com os olhos iluminados pelo brilho do desejo. —Mas não esta noite.—Maria se aproximou e prosseguiu em tom de confidência:— Lady Smythe-Gleadson flertou com você a tarde toda. Não a desaponte. Até logo, St. John. A ideia de que ele estivesse na cama com outra mulher a afetava mais do que gostaria. A corrente de eletricidade que atravessava seu corpo quando o pirata a tocava era inconfundível. — Como parte da nossa inevitável associação de negócios, quero privacidade sobre você — ouvi-o dizer às suas costas.— Em retorno, oferecerei a mesma cortesia. Maria estacou e se virou lentamente. — O que disse? St. John se aproximou e pôs os braços sobre os ombros dela com intimidade. — Você me ouviu. — E por que eu deveria concordar com esse acordo? Ou, melhor ainda, por que você deveria? Como resposta, ele simplesmente arqueou as sobrancelhas e sorriu. — Você me diverte, St. John — ela comentou com uma risada, tentando disfarçar o encantamento. — Confesse, não é por isso que gosta de estar comigo — St. John provocou, aproximando um passo. — Eu a excito e a intrigo, além de assustá-la. Meu repertório de proezas sexuais é infindável, como você descobrirá em breve. Porém, não sou divertido. Isso requer um nível de frivolidade que nunca consegui. Vá ao meu quarto quando mudar de ideia — ele avisou antes de sair. Sair da mansão sem ser vista foi mais simples do que Maria esperava. Depois que todos haviam adormecido, dispensou a criada e foi para a sacada do quarto que ocupava. Agarrou-se à treliça de primavera da parede, agradecendo à sorte por estar vestida com roupas masculinas, recurso que acostumara-se a usar quando pretendia passar despercebida. Pisou no chão com cautela, evitando fazer o menor ruído. Olhou ao redor, perscrutando as sombras, e esperou até que a respiração voltasse ao normal. Quando teve certeza de que ninguém espiava pelas janelas, atravessou o pátio e seguiu a trilha para o panteão. A noite estava calma e silenciosa, e a brisa refrescou o rosto afogueado. Aquele era o cenário perfeito para o encontro ao luar de dois amantes. Estar vestida como homem a caminho de se encontrar com um rude habitante das ruas era simplesmente um fato da vida. Não havia tempo para desfrutar momentos de 25
  • 26. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day felicidade e conforto. Era impossível dedicar-se ao prazer sabendo que Amélia estava escondida em algum lugar, assustada e sozinha. Como fizera mais cedo naquele dia, Maria penetrou no bosque e se aproximou do panteão. O perolado da pequena construção permitia que o luar se infiltrasse, proporcionando luz suficiente. Ela fez uma pausa com a respiração suspensa. Num gesto involuntário, tocou o cabo do punhal preso à cintura. Um homem emergiu das sombras, pondo-a em guarda. Na escuridão, não conseguia divisar os traços, mas percebeu que era mais baixo do que Simon ou St. John, e tão magro, que mais parecia um fantasma. — Onde está Simon? — ele indagou num sussurro rouco. —Você vai negociar comigo esta noite — Maria avisou em tom firme. O rapaz deu-lhe as costas e fez menção de ir embora, detendo-se quando ela o lembrou: — Quem acha que paga as moedas de ouro que recebe pelo serviço? Templeton se virou lentamente e encarou-a, franzindo o cenho ao reconhecê-la. Abriu a boca para dizer alguma coisa, mas os olhos procuraram algo atrás das costas dela. O gesto a alertou, e quando Maria se virou, deparou-se com um segundo homem. Percebeu no mesmo instante que caíra numa armadilha. Recobrou-se de pronto, mas, antes que pudesse desembainhar a adaga, ficou paralisada diante da visão do homem corpulento que a encarava. Ela manejava armas brancas com habilidade, mais uma das lições que aprendera com Dayton. No entanto, receou que o menor movimento pudesse ser fatal. Mesmo sendo pequena e ágil, ponderou que seria arriscado enveredar pelo bosque e fugir na noite escura. Permaneceu em uma posição na qual pudesse ver Templeton, que a observava com avidez e, ao mesmo tempo, conseguisse focalizar o parceiro dele. Sem ver saída, Maria cometeu o erro de gritar em alarme, e o brilho de vitória nos olhos de seu oponente foi inegável quando ele empunhou a espada. — Acalme-se, Harry! — Templeton gritou, alarmado. — Acalmar-me, e perder uma oportunidade como esta? — o rapagão rugiu. — Imagine o valor do resgate que podemos pedir a lorde Welton pela captura de sua enteada! Antes que Maria pudesse reagir, o gigante suspendeu a espada para atacá-la. O brilho prateado do metal reluziu ao luar enquanto fazia uma curva descendente que a teria ferido se não tivesse o reflexo de se desviar. Quando o agressor suspendeu a espada mais uma vez, foi atingido no queixo antes 26
  • 27. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day que pudesse desferi-la. Maria assistiu, atônita, quando um homem imerso nas sombras imobilizou seu agressor. Os dois corpos se atracaram, sem que ela conseguisse identificar seu salvador. O gigante caiu, nocauteado, e o recém-chegado se ergueu com gesto ágil. O luar revelou os cabelos dourados quando ele se virou para fitá-la com um sorriso. Então, Christopher St. John se moveu na direção de Templeton, que permanecia congelado pelo pavor. — Você sabe quem sou eu? — perguntou ele. — Sim. St. John. — O rapaz recuou com cautela. — A dama não sofreu nenhum arranhão, como pode ver. — Não graças a você. Movendo-se com a agilidade de uma pantera, St. John pressionou Templeton no tronco de uma árvore com a espada pressionada no pescoço dele. O que se seguiu foi agonizante. St. John falava em voz baixa, ameaçando-o enquanto aumentava a pressão da lâmina. Os sons guturais que o pobre rapaz emitia denotavam o mais puro terror. Contra sua vontade, Maria manteve os olhos fixos na cena de horror. Sentiu-se nauseada ao ver o fio de sangue escorrer do pescoço do informante, e a culpa apertou seu peito. Porém, não podia defender Templeton. Afinal, ele armara uma emboscada para Simon, julgando que ele iria ao encontro, e a traição teria se transformado numa tragédia se não fosse a intervenção de St. John. — Leve seu amigo para longe daqui — St. John ordenou, apontando para o homem caído ao chão. — Quando o sol surgir, quero este lugar exatamente como antes de vocês chegarem, entendeu? St. John voltou a atenção para Maria, pousando as mãos nos ombros dela a fim de levá-la para longe dali. Maria ficou tensa e, mesmo que tentasse não demonstrar, sabia que ele havia percebido. — O que uma dama como você faz a uma hora dessas no bosque? — ele indagou com ironia. — Não sou tola — ela protestou. — Tinha a situação sob controle. — Podemos discutir a veracidade das suas palavras mais tarde, desde que você não se esqueça da situação em que se encontrava antes da minha intervenção. Embora não explicitasse, Maria agradeceu secretamente pela intromissão. Aquela era a primeira vez, desde a morte de Dayton, que alguém se dispusera a salvá-la. — Por que está aqui? — quis saber enquanto atravessavam o bosque. — Eu a segui. 27
  • 28. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day — Como sabia que...? — Vi sua criada sair do quarto. Quando entrei, você não estava lá. Foi fácil deduzir que tinha saído pela janela, uma vez que eu estava vigiando a porta. Bastou ir à sacada para vê-la caminhar na direção do bosque. — Você entrou no meu quarto?! — Maria se voltou para ele, horrorizada. St. John a encarou e bastou um olhar para que ela sentisse a pulsação acelerada. — É curioso, mas fico mais excitado quando imagino você nua na sua cama — explicou com malícia. Quando os olhares se encontraram, Maria viu uma sombra que nem mesmo a questionável luz da lua poderia ver. Seus instintos a alertaram para se libertar do predador prestes a atacar. — Eu não estou à sua disposição — avisou, deslizando a mão para o cabo do punhal. — Sou conhecida por não tolerar aqueles que interferem nos meus negócios. — Está se referindo aos seus desafortunados esposos? Maria sentiu o peito se apertar e apressou o passo ao avistar a mansão. —Você não deveria sair sozinha, minha dama. Foi imprudente ter marcado encontro aqui, especialmente com um homem que é conhecido por não ter o menor caráter. — E você foi imprudente por ter me seguido. St. John segurou-a pelo braço e a puxou de encontro ao peito. Com a mão livre, impediu-a de puxar a adaga, segurando o braço direito de Maria com firmeza. — Não quero machucá-la — sussurrou. — Em vez disso, prefiro beijá-la. Prendê-la em meus braços é necessário, uma vez que você está armada e não hesitará em me ferir. — Se você julga que as únicas armas que tenho são as que carrego comigo, está muito enganado. — Mostre-me quais são as armas de que você dispõe... — St. John insinuou, sedutor. — Você não vai me levar para sua cama esta noite. — Mesmo cativa, Maria não perdeu a altivez. — Não estou com disposição para ser indulgente. — Posso fazê-lo mudar de ideia. St. John pressionou o corpo de encontro ao dela, fazendo com que sentisse a intensidade de seu desejo. — Você não fará isso — ela desafiou, sabendo que ele não a forçaria. A necessidade daquele homem era que se submetesse à vontade dele. Sua intuição nunca havia falhado e, naquele momento, dizia-lhe que St. John nunca possuiria uma mulher à força. 28
  • 29. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day A provocação teve o efeito esperado. St. John apertou o maxilar e mergulhou a mão nos cabelos negros, apertando-os com força. Maria gemeu, num misto de dor e prazer, e ele tomou vantagem, capturando sua boca com volúpia. O beijo se aprofundou, suave e insinuante a princípio, para se transformar numa sequiosa tentação. As pernas de Maria fraquejaram, e ela segurou-o pelos ombros, usando a força do corpo viril para sustentá-la. Seu gesto foi entendido como um convite, e St. John deslizou a mão para a curva do quadril e apertou-a de encontro a si, deixando que ela sentisse sua masculinidade pujante. Um sorriso lento curvou os lábios de St. John quando afastou-a ligeiramente e esgueirou a mão sob o cós da calça, tateando a penugem aveludada até encontrar a umidade quente e íntima, pronta para ele. Maria não esperava pela reação impetuosa e gemeu baixinho quando, com gesto preciso, ele a suspendeu do chão e fez com que enlaçasse os tornozelos às costas dele. O contato das anatomias, ainda que desfavorecida pela barreira das roupas, provocou a explosão do desejo dentro de Maria. St. John pressionou-a contra o tronco de uma árvore, beijando-a com sofreguidão enquanto a estimulava com movimentos rítmicos. O corpo de Maria pulsava com energia sensual. A solidão que vivera nos últimos meses aumentava a urgência de colocar o orgulho de lado e implorar para que aquele homem a possuísse. Havia inúmeras razões para desejá-lo, mas ela também sabia que, muitas vezes, negar o que um homem queria era mais eficiente do que ceder. De súbito, empurrou-o e se libertou dos braços que a envolviam. St. John fitou-a por um breve segundo, perplexo e frustrado, antes de lhe dar as costas e se afastar. Maria esperou até que a respiração voltasse ao normal e se recompôs. Atravessou o jardim e subiu a treliça para a sacada dos seus aposentos o mais silenciosamente possível. Começou a se despir enquanto pensava se fizera ao melhor escolha ao rejeitar St. John. Batidas à porta a deixaram tensa, até perceber que não se originavam do corredor, e sim do quarto adjacente. Sua criada entrou com a costumeira eficiência, recolhendo as roupas espalhadas pelo chão. — Partiremos para Dover pela manhã — Maria avisou, pensando na jornada que teria pela frente. Embora St. John tivesse dito pouco, ela entendera a mensagem. 29
  • 30. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day Sarah assentiu, acostumada às partidas inesperadas. Serviu sua ama até que ela estivesse na cama e voltou para seu quarto. Acomodando-se sob os lençóis macios, Maria se pôs a imaginar o que Simon estaria fazendo naquele momento. Na certa, estava rindo e, em sua gloriosa nudez, conseguindo toda informação que desejava sem que a bela acompanhante de St. John suspeitasse da perfídia. Ela suspirou, invejando a proximidade que a mulher nos braços dele estava usufruindo. Embora fosse apenas físico, era mais do que ela já tivera em um ano. A busca por Amélia competia com a necessidade de estar disponível para Welton, deixando-a sem tempo para suas próprias necessidades. Welton... Amaldiçoou-o em pensamento, inquietando-se na cama. Ele ordenara que ela se aproximasse de St. John e ganhasse a confiança dele para descobrir seus segredos, mesmo sem saber se poderiam ser úteis. Olhando para o teto, avaliou que fora prudente ceder ao beijo sem ir para a cama dele. Isso o manteria interessado na medida certa. Porém, não tinha noção de quanto tempo ficaria em Dover, atrás de uma pista que poderia levar ao paradeiro da irmã. Para um homem como St. John, uma semana de distância poderia ser muito tempo. Maria se virou, fitando o movimento suave das cortinas farfalhando com a brisa. Talvez fosse melhor abordá-los o mais depressa possível, refletiu. Sabia pela própria experiência que, se ele perdesse o interesse, dificilmente conseguiria reconquistá-lo. Sua missão era se aproximar de St. John, não importava o quanto teria de colocar o orgulho de lado, e tinha apenas algumas horas para isso. Consciente de que somente o amor pela irmã a movia, ela se levantou e abriu a porta. Olhou para os dois lados do corredor, dirigindo-se em silêncio para o aposento de St. John com a sensação de que caminhava para a jaula de um leão. Deteve-se com a mão na maçaneta, mas antes que pudesse fazer qualquer movimento, a porta se abriu de súbito. Quando Maria se deparou com St. John, o tempo pareceu parar. Ele usava apenas a roupa de baixo, revelando a nudez do peito bem-feito. Os cabelos dourados reduziam à luz das velas, formando um halo angelical que o contornava. St. John preenchia o espaço com o corpo vigoroso e a força que era seu predicado mais marcante, preenchendo os sentidos de Maria e aguçando seu desejo. — Posso fazer amor com você no corredor, se quiser, mas ficaremos mais confortáveis na cama. A voz grave a despertou do encantamento. Maria pestanejou, sem conseguir desviar os olhos do torso nu. Procurou alguma coisa para dizer, mas o magnetismo de St. John a deixou amortecida. Desejava-o, e teve certeza de que ele sabia disso. 30
  • 31. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day Antes que pudesse reaver o autocontrole, ele tomou-lhe a mão e conduziu-a para o interior do aposento. — Você está maluca? — St. John fechou a porta do quarto e a encarou. — Não pode andar por aí vestida desse jeito! Num gesto de defesa, Maria cruzou os braços sobre o peito. A camisola transparente que usava deixava entrever todas as curvas do corpo bem-feito. St. John subiu o olhar das pernas longas para o quadril arredondado, detendo-se na sombra escura triangular na virilha. — E você não deveria abrir a porta quando está seminu — ela retrucou, percorrendo o caminho de pêlos dourados que se perdiam sob o cós. — Estou em meu quarto. — Eu também estou no seu quarto — ela retrucou. — Mas não estava um minuto atrás! St. John segurou-a pelos ombros num gesto possessivo. O traje que ela usava oferecia menos proteção para a mão de um homem do que para os olhos. — Seria melhor que estivesse nua. Sua camisola é uma tentação, e o que está dentro dela pertence a mim. Maria o encarou com a boca aberta. —Arrogante! Quem pensa que é a me tratar dessa forma? Ela avançou e o esbofeteou no rosto. A ação estarreceu St. John. Ninguém jamais ousara injuriá-lo. Até mesmo aqueles que desejavam a morte escolhiam maneiras mais pacíficas de provocá-lo. Hesitou, incerto sobre como se sentia. Porém, a poderosa atração física que Maria exercia sobre ele dissipou qualquer dúvida. Agarrou-a com tanta força que ambos foram para o chão, e o impacto repercutiu em cada osso do corpo de Maria. — Meu Deus! — gritou, caindo sobre ele. — Você está maluco? St. John apenas riu. Ela era mais leve e suave do que imaginara. A pele cheirava a frutas cítricas e flores, numa provocante promessa de inocência. Ele tinha consciência de que, como cavalheiro, deveria se desculpar, mas o desejo que pulsava em suas veias o movia a agir sob a força dos instintos mais selvagens e primitivos. — Bruto! Deixe-me sair! — Confesse, Maria... Você está gostando! Sem deixar que ela respondesse, St. John posicionou-se sobre ela e cobriu-lhe a boca com possessão selvagem. Mãos ávidas suspenderam o tecido fino da camisola e percorreram as pernas esculturais, subindo lentamente até a virilha. — Não! Você não terá a mim dessa forma! 31
  • 32. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day Como resposta, St. John suspendeu a barra da camisola, admirando a sedosa penugem negra que escondia seu segredo mais íntimo. Contrariando a ordem expressa de deixá-la em paz, St. John segurou-a pelos pulsos. Com a mão livre, despiu a roupa de baixo. Moveu-se com impetuosidade, penetrando-a com um golpe profundo que arrancou um gemido de prazer dos lábios de Maria. As repetidas investidas transmutaram a raiva no rosto dela para o mais completo prazer. — Diga que está gostando... — ele ordenou, mordiscando o lóbulo da orelha de Maria. — Sim... Por favor, não pare! St. John aumentou o ritmo dos movimentos, ainda mais excitado ao vê-la fechar os olhos em êxtase. A palavra "bela" era incapaz de descrevê-la. Maria estava muito além disso. A beleza estonteante se tornou quase irreal quando a expressão do rosto se tensionou um segundo antes do clímax. Incapaz de conter por mais tempo o próprio desejo, ele procurou a boca macia no momento em que explodiu dentro dela. Todos os músculos do corpo se contraíram para relaxar no instante seguinte, e St. John soube que, se morresse naquele momento, seria um homem feliz. Maria fitou o dossel pálido sobre a cama e suspirou com satisfação. St. John se deitou de lado e apoiou a cabeça sobre o cotovelo, estudando-a sob a tênue luz da vela. O silêncio entre eles se tornou perturbador. Se ela estivesse na cama com Simon, ele teria taças de vinho nas mãos e alguma pilhéria picante para fazê-la rir. Com St. John, no entanto, havia só tensão. Seu corpo formigava, ainda sob o efeito devastador do clímax inigualável que ele a fizera experimentar. Ela suspirou, re-examinando os eventos da noite. A simples presença daquele homem a deixava fora de guarda. Na verdade, o encontro com St. John fora intenso desde o princípio. Já esperava que o sexo não fosse diferente. A noção de perigo por estar ao lado dele a excitara e a incomparável sensação de fazer com que o homem controlado e poderoso fosse além dos limites a extasiava. Ele fazia amor com paixão, usando a força do próprio corpo como um instrumento finamente afiado de prazer. O desejo se reacendeu em suas veias e virou a cabeça para fitá-lo. St. John ergueu uma sobrancelha e puxou-a para mais perto. Era agradável ser capturada pelos braços arrebatadores, mesmo sabendo que não passava de um momento fugaz. 32
  • 33. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day Maria fechou os olhos e inalou o cheiro denso que impregnava o ar, confundindo a fragrância de bergamota e tabaco com os perfumes que a brisa da noite carregava para o interior do aposento. O dia estava quase amanhecendo. Em breve, ela teria de partir. Dover e a perspectiva de encontrar Amélia eram apelos fortes o bastante para lhe dar forças para agir. St. John acariciou-a com movimentos suaves, numa ternura que a surpreendeu. No instante seguinte, a evidente ereção revelou que o toque fizera o desejo se renovar. Ela encarou o rosto do amante, pensando mais uma vez em como se parecia com um anjo caído dos céus... Porém, as aparências eram enganosas. No fundo, aquele homem era um predador implacável. Tocou os cabelos dourados, sorrindo ao vê-lo fechar os olhos em deleite. — Eu não me sinto atraída por homens louros — ela comentou como se pensasse em voz alta. Em resposta, St. John riu. — Sou grato por você não ter a mesma opinião a respeito de outros aspectos da minha anatomia. Maria girou o corpo e sentou-se na cama. — E eu não gosto de mulheres irascíveis — ele prosseguiu, olhando para o teto. — Mas gosto de você, só Deus sabe por quê... O elogio improvisado a agradou. Porém, o sorriso se desmanchou em seus lábios quando, ao longe, ela ouviu o gongo do relógio soar as horas. — É pena não estarmos em casa. — Os olhos cor de safira reluziram. — Não gosto de ter de me apressar. Maria encolheu os ombros, recusando-se a admitir que sentia o mesmo. Em seu íntimo, sabia que sentiria falta dele. — Como pude pensar que você fosse fria?—ele murmurou em meio a um bocejo, enlaçando-a pela cintura um segundo antes de mergulhar em sono profundo. E, mesmo no sono, St. John a manteve presa em seus braços, sem deixá-la partir. Maria entrou nos seus aposentos com um suspiro de alívio. Ninguém a vira atravessar o vasto corredor, milagre que se tornou possível graças a sua habilidade em se esgueirar nas sombras e evitar ser descoberta por empregados curiosos. Quando se sentou na cama, o vulto de um homem surgido das sombras a assustou. — Mhuirnín. Simon se apoiou no suporte do dossel, fitando-a com expressão inescrutável. 33
  • 34. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day — Você me assustou — ela queixou-se, apoiando a mão sobre o coração. Apertou o roupão que pegara de St. John, consciente de que as atividades lascivas da noite não poderiam ser disfarçadas. —Você dormiu com ele. — Simon se aproximou com passos vagarosos, sedutores, e pousou as mãos em concha na face de Maria. — Não confio em St. John. Portanto, não confio em você com ele. — Não pense nisso. — Mais fácil dizer que fazer. Mulheres confundem frequentemente sentimentos com sexo. Isso me preocupa. — Com exceção de você, eu nunca tive esse tipo de problema — ela assegurou com um sorriso. — Sinto-me lisonjeado — Simon retrucou com ironia. — Você é arrogante, Simon. — Também, dentre outras qualidades. — O meio sorriso se alargou numa risada. — Estou exausta! — Maria cobriu a boca, bocejando. — Depois que me banhar, partiremos. Posso cochilar na carruagem. — Dover. Sarah me informou. — Ele deu um beijo rápido na testa de Maria. — Ela está terminando de arrumar a bagagem. Minhas malas já estão na carruagem. — Não levará muito tempo para que eu esteja pronta. O cheiro de St. John, estava impregnado em sua pele. As múltiplas facetas daquele homem a surpreendiam, estremecendo todas as crenças que construíra acerca do corsário. — Tenho de me apressar, mhuirnín. — A voz de Simon a distraiu. Seguiu-o com o olhar até a porta e o chamou quando girou a maçaneta. — Simon? Ele se voltou com sobrancelhas elevadas e uma pergunta silenciosa no olhar. — Eu já lhe disse o quanto o aprecio? —Você me ama—ele respondeu com um sorriso malicioso.— Não há necessidade de dizer. Eu sei. Mas pode repetir quantas vezes desejar. Meu ego pode aguentar isso. Rindo, ele saiu e fechou a porta. St. John acomodou-se na cadeira, enquanto seu criado se movia em silêncio, preparando os artigos necessários para barbeá-lo. Suspirou fundo. Preocupação. Por que o sentimento passara a perturbá-lo desde que conhecera Maria? Por que se torturava, quando sabia que ela era capaz de tomar conta de si? 34
  • 35. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day Talvez porque Simon Quinn estava com ela no mesmo coche em que haviam acabado de partir da mansão Harwick, ponderou, e seus dentes se apertaram. — Angélica — chamou, e a jovem colocou a xícara de chá sobre a mesa e se apressou em atendê-lo. — Você passou a noite com o sr. Quinn. O que descobriu? —Eu tentei obter alguma informação, mas ele estava mais inclinado a... se distrair. St. John arqueou uma sobrancelha. — O que contou a ele? O rubor que cobriu as maçãs do rosto da moça o fez praguejar em voz baixa. — Não muito — ela afirmou, hesitante. — Ele estava curioso sobre seu interesse em lady Winter. — E o que você respondeu? — Eu disse que você mantém seus negócios em sigilo, mas se a desejasse, você a teria. Angélica soltou o ar e abaixou o rosto, sem que ele deixasse de notar as olheiras profundas em consequência da noite ardente nos braços de Simon. A memória de Maria, macia e pronta ao desejo, aqueceu-lhe o sangue. As marcas das unhas afiadas em suas costas, consequência dos momentos de desvario, ainda queimavam. — Qual foi a resposta de Quinn? — ele perguntou. Angélica estremeceu. — Ele disse que é lady Winter quem escolhe o homem que terá o privilégio de compartilhar a cama dela. St. John não mostrou nenhum sinal externo do efeito que a declaração teve sobre ele. Quinn estava certo. Era o irlandês quem compartilhava a casa de Maria, assim como a vida e a confiança dela, enquanto ele próprio não tivera nada mais que algumas horas de prazer. —Vá fazer as malas — ordenou, dispensando-a.—Agora, que Maria partiu, não há mais nada que me prenda aqui. St. John fechou os olhos ao sentir a espuma macia ser espalhada no rosto. Seu pensamento se voltou para Maria. Ele a desejava, como seria natural para qualquer homem. Porém, teria de sacrificar a paixão em nome da liberdade. Desejar aquela mulher era um inconveniente em oposição direta com os objetivos da agência. Os agentes que trabalhavam a serviço da Coroa da Inglaterra eram um aborrecimento. Seguiam-no a toda parte, espionavam-no e o lembravam de que o preço de sua liberdade seria alto. O fato de Maria ter se casado com dois deles poderia ter sido simplesmente por serem homens ricos. Porém, sua missão era descobrir se os dois 35
  • 36. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day casamentos envolviam de alguma forma algum interesse escuso que envolvesse a Coroa. No entanto, havia outras considerações além da luxúria e da agência. Simon Quinn não estava cuidando apropriadamente de Maria. Ao enviá-la para se encontrar sozinha com Templeton, ele a deixara vulnerável e exposta. Enquanto considerava todos os riscos que ela corria, seus dedos se apertaram ao redor dos braços da cadeira. Maria vivia rodeada pelo perigo, fato que o aborreceu mais do que gostaria de admitir. Fechou os olhos ao sentir o criado deslizar a lâmina da navalha em seu queixo. Na verdade, o maior perigo para Maria, naquele momento, era ele próprio. Maria se acomodou na cadeira e olhou ao redor da saleta de jantar que ocupava. Em frente a ela, Simon assistia à camareira coquete com olhar lascivo. A hospedaria que escolheram para passar alguns dias em Dover era confortável e adequada por várias razões, além do fogo crepitando na lareira. Naquela cidade, uma jovem com a mesma idade e características de sua irmã fora vista dias atrás. Depois de quatro dias de procura e de interrogar todos os comerciantes locais, Simon descobrira que uma jovem senhora chamada srta. Pool visitara recentemente uma das modistas. Naquela tarde, conseguira descobrir o endereço, uma propriedade localizada nos arredores da cidade. Ninguém sabia de nada acerca da moça que ficara esperando no coche enquanto a governanta ia às compras, mas esperava desesperadamente que fosse Amélia. — Você trabalhou incansavelmente nesses últimos dias, Simon. Merece um repouso. Já me deu muito do seu tempo, da sua energia e do seu suporte. Não precisa se negar ao prazer e à felicidade por minha causa. — Minha felicidade é ligada invariavelmente a sua. — Então, você deve ser miserável — ela comentou com um sorriso triste. — Desfrute a vida, meu querido amigo. Simon riu e alcançou a mesa para pousar a mão sobre a dela. — Você sabe como fico feliz com sua afeição? Em toda a minha vida, você é a única pessoa que deseja minha felicidade. Tudo o que faço e de tudo que me privo é por gratidão e pelo desejo recíproco de vê-la feliz. — Obrigada, meu amado. Maria sabia como ele se sentia. Simon cumpria papel semelhante na sua vida. Era a única pessoa que a amava incondicionalmente . Ele deu uma palmada suave na mão dela e se instalou na cadeira. — Há dois homens de nossa confiança vigiando a propriedade para onde o coche da srta. Pool se encaminhou. A jovem que está instalada na casa fica reclusa na maior parte do tempo. Amanhã, à luz do dia, nós mesmos iremos até lá. — Está bem. Posso esperar mais algumas horas, já que esperei anos. — Ela sorriu. 36
  • 37. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day — Isso quer dizer que a noite é sua para fazer o que desejar. Naquele momento, a camareira voltou ao aposento com uma bandeja de café. Maria piscou em cumplicidade para Simon, que inclinou a cabeça para trás numa sonora gargalhada. — Perdoe-me, mas vou me recolher — ela disse, afetando um bocejo exagerado. — Estou muito cansada. Simon se pôs de pé e contornou a mesa, puxando a cadeira para que ela se levantasse. Tomou-lhe a mão e pousou um beijo gentil, com o brilho da malícia nos olhos. Maria foi para o quarto anexo, onde Sarah a esperava para ajudá-la a se despir. Embora estivesse feliz por Simon ter companhia naquela noite, estava frustrada pela ausência dele. A presença do fiel amigo a distraía das recordações da voz rouca e das carícias ternas de St. John. Sentia-se tola como uma adolescente por pensar nele com frequência. Justificava-se, dizendo a si mesma que havia se apegado a ele simplesmente pela longa abstinência anterior. — Obrigada, Sarah — murmurou quando a criada retirou seu espartilho. Depois de uma mesura rápida, a moça se preparou para partir, mas uma batida súbita na porta a retardou. —Espere!—Maria levou a mão ao punhal no criado-mudo. Colocou-se ao lado da porta e acenou com a cabeça em permissão para Sarah. — Sim? — a criada indagou, abrindo apenas uma fresta da porta. Ao ouvir a voz de um de seus homens, Maria relaxou e abaixou o punhal. — Vá ver o que John quer — ordenou, recuando um passo. — Ele estava vigiando a casa onde Amélia foi vista. Na certa, tem alguma informação nova. Sarah saiu para o corredor e voltou momentos depois. — Milady, John está preocupado com alguma suposta atividade suspeita na propriedade em que se encontra Amélia. Ele pediu para avisá-la de que a senhora e sr. Quinn devem seguir com ele até lá, pois se deixarem para amanhã, poderá ser tarde demais. — Querido Deus! — As batidas do coração de Maria se aceleraram. — Veja se consegue encontrar o sr. Quinn. Eu duvido, mas temos de tentar. Sarah partiu, e Maria tirou a camisola para mudar de traje. Os pensamentos corriam à frente dela, e considerou vários enredos, assim como a possibilidade de administrá-los. Tinha apenas quatro homens com ela e teria de usá-los para vigiar o perímetro. Poderia contar com, no máximo, dois deles para cuidar da sua segurança pessoal. 37
  • 38. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day Uma batida abafada foi seguida pela entrada de Sarah. — O sr. Quinn não está na recepção da hospedaria. Devo procurá-lo na cidade? — Não. — Maria alisou a barra do casaco. — Mas informe ao criado dele sobre nossa partida. Uma vez mais vestindo culatras, botas e chapéu que escondia a vasta cabeleira, ela passaria por um jovem rapaz, disfarce que permitia viajar sem levantar suspeitas. John e Tom a esperavam à entrada da hospedaria. Saudaram-na com um sorriso tranquilizador e a conduziram na direção dos cavalos escondidos no jardim. Sem dizer nada, Maria cavalgou ao lado de seus homens pela noite escura, rezando para que estivesse na rota certa para finalmente encontrar a irmã desaparecida. A porta do palacete de Maria em Londres se abriu, e St. John entrou em silêncio. Um de seus homens estava lá, estabelecido na residência de inverno há alguns dias sob o disfarce de cavalariço. St. John se aproveitara da ausência de Maria para subornar o antigo criado e colocar um de seus informantes no lugar dele. Com um aceno leve, cumprimentou o rapaz e entregou-lhe as rédeas da montaria. St. John foi para o interior da residência, reconhecendo a opulência da mansão. Dois maridos nobres haviam deixado heranças suficientes para que Maria mantivesse uma existência abundante. Investigara os matrimônios de Maria com homens que haviam sido fonte de grande interesse para ele, e descobrira que lorde Dayton tinha se recolhido com a jovem esposa para a casa de campo, onde permaneceram durante a breve união. Lorde Winter, mais jovem e extravagante, a mantivera em Londres e a ostentava descaradamente como troféu a ser cobiçado pelos homens. O falecimento do primeiro marido levantara especulações na corte, mas fora a inconcebível morte de lorde Winter, homem saudável e vigoroso, que eliciara rumores de assassinato e emprestara a Maria a alcunha de "Anjo da Morte". Os dentes de St. John se apertaram à ideia de que ela já pertencera a outro homem, e repeliu furiosamente o pensamento. Quase uma semana transcorrera desde a noite em que a tivera em seus braços, e não havia um só momento do dia em que ela não ocupasse seus pensamentos. Recebera relatório de um de seus informantes avisando sobre o interesse de Maria a respeito de uma jovem em Dover. Por que desejaria encontrar-se com ela? Quem seria, para que um marginal traiçoeiro como Templeton tivesse sido contratado para encontrá-la? Enquanto percorria os corredores amplos colado às paredes para não ser visto, St. John memorizou o interior da casa e o posicionamento dos quartos. Uma pontada 38
  • 39. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day de ciúme o feriu ao descobrir que Quinn ocupava o apartamento adjacente ao de Maria. O fato de conceder ao rapaz local privilegiado na residência revelava a profundidade da ligação entre eles. Sabia que ela e o irlandês já não estavam compartilhando a mesma cama. Ela própria admitira que o último encontro sexual fora um ano atrás, e a voracidade com que fizera amor confirmava a abstinência. Ainda assim, St. John considerava Quinn seu principal oponente. Entrou no aposento luxuoso e vasculhou as gavetas do quarto de vestir e da sala de banho. Encontrou uma profusão de armas e uma gaveta secreta com artigos de vestuário usados em disfarce, o que indicava que Simon Quinn, muito mais do que amante, também dedicava seus fiéis serviços à sua dama. Atravessou a porta de comunicação entre os aposentos e entrou no apartamento de Maria. De imediato, foi golpeado pelo perfume que permeava no ar revelando a presença dela. Estacou à porta, amaldiçoando seus hormônios. Não era afligido por uma ereção indesejada desde a adolescência. No entanto, o apelo sensual inerente a cada detalhe que dizia respeito àquela mulher estava além do seu controle. Nenhuma dama que conhecera o levara ao nível de satisfação que tivera com Maria, e desejava repeti-lo naquele momento. St. John girou num círculo lento, admirando o discreto aposento. Comparou-o ao restante das câmaras, e notou que a decoração era muito mais suave e feminina. Nada adornava as paredes forradas com papel de parede listrado de azul e branco, com exceção de um quadro a óleo pendurado entre duas janelas. Aproximou-se e estudou o homem retratado. A semelhança com Maria era tal que deduziu ser o pai verdadeiro dela. Por que colocara o primoroso retrato num local onde mais ninguém pudesse vê-lo? Guardando a pergunta na memória, ponderou sobre a diferença entre aquele homem e Welton. Conhecia-o, e sabia que faltava nele o calor e afeto que se irradiavam dos olhos do progenitor de Maria. — Quais são seus segredos? — perguntou ao silêncio antes de vasculhar a cômoda adjacente à cama. Seu homem poderia facilmente investigar a residência de inverno, mas a ideia de que tocasse nos pertences íntimos de Maria o incomodava. Afinal, era o mínimo de respeito que poderia demonstrar pela adorável dama que não saía do seu pensamento... Depois de amarrar os cavalos numa fenda da cerca, Maria e seus dois guardas, John e Tom, moveram-se como sombras na escuridão. Os trajes pretos faziam com 39
  • 40. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day que ficassem invisíveis na noite escura. Tom seguiu à frente e gesticulou indicando que o caminho estava livre antes de sumir em meio ao arvoredo. Maria seguiu com John na retaguarda e atravessou a distância até as imediações da casa em que supostamente sua irmã se instalara. A propriedade modesta revelava certo charme em sua simplicidade acolhedora. A pintura fresca, a limpeza primorosa e o apuro do jardim imaculado denotavam cuidados, apesar da aparente falta de criados. Um livro sobre o banco de mármore no jardim indicava o tempo gasto ao ar livre sem pressa. A cena fez a garganta de Maria se apertar. Como ansiava por viver uma vida despreocupada como a de antes da promessa feita à mãe! Naquela época, seu futuro era repleto de sonhos felizes. A mão firme de John pousou em seu ombro e a empurrou para o chão, distraindo- a dos pensamentos. Assustada, Maria se obrigou a manter o silêncio. Lançou um olhar interrogativo para John, e ele indicou a lateral da casa com o queixo. Ela assistiu enquanto os cavalos eram retirados do estábulo por um vulto misterioso e conduzidos a um coche a poucos passos dali. O pânico a assaltou. Por que haviam decidido viajar àquela hora da noite? Havia algo errado. Naquele momento, surgiram dois vultos encapuzados em meio ao arvoredo que circundava a propriedade. A julgar pelo tamanho e delicadeza dos passos, Maria deduziu que fossem mulheres. —Amélia—a figura mais alta chamou, e a voz atravessou a distância, carregada pela brisa. — Olhe por onde pisa! Por um momento, Maria se esqueceu de respirar. Sentiu a pulsação nos tímpanos, e suas pernas permaneceram imobilizadas, por mais que as obrigasse a se moverem. — John... — Sim, eu ouvi — ele sussurrou, e a espada sibilou no ar quando tirou-a da cintura. — Nós podemos levá-la. — Olhe o que temos aqui... A voz ríspida fez com que se voltassem ao mesmo tempo, e viram-se frente a frente com dois homens armados. Maria não teve tempo de desembainhar o punhal antes que os rodeassem ameaçadoramente. No silêncio da noite, o tilintar das espadas ecoou numa cacofonia metálica. John a defendia com valentia heróica, e os oponentes praguejavam e riam, certos da vitória. Eles lutavam por dinheiro e diversão. Maria estava lutando por algo mais precioso. — Vá atrás dela! — John gritou, defendendo-se dos golpes dos oponentes. — Eu cuido desses amadores! 40
  • 41. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day Sem perder tempo, Maria se projetou entre os dois homens, e seus passos foram impedidos pela muralha humana, enquanto ouvia a carruagem se afastar, levando Amélia. Se não conseguisse se livrar daqueles homens, perderia a irmã novamente. De repente, novos combatentes se uniram a ela e John, não para lutar contra, mas ao lado deles. Maria não sabia quem eram, mas agradeceu-os secretamente. Saltando para trás, ela girou o corpo e correu o mais rápido que pôde na direção da estrada. —Amélia!—gritou, avistando a diligência a poucos passos dali. — Amélia, espere! Ela alcançou a carruagem em movimento e se agarrou à rédea de um dos cavalos, respirando com sofreguidão. Quase sem fôlego, viu quando a porta se abriu para revelar, a princípio, um pé pequeno e delicado. O rosto que emergiu da cabine era emoldurado por longos cabelos escuros e olhos verdes luminosos. Não era a criança que Maria se lembrava, mas não havia dúvida de que se tratava de Amélia. — Maria? Lutando contra a mão possessiva da mulher que tentava segurá-la, Amélia estendeu o pé e tentou saltar do coche em movimento. No entanto, foi puxada com violência, e o cocheiro açoitou os cavalos para que avançassem em disparada. Maria tentou acompanhar a velocidade, buscando dentro de si todas as forças de que dispunha. Porém, uma força poderosa a golpeou por trás e jogou-a ao chão. Esmagada sob o peso de um homem, Maria mal podia respirar. Desesperada, debateu-se e golpeou o ar com as pernas, até que uma dor profunda como jamais sentira antes a fez gritar. Os músculos do ombro se dilaceraram ao serem rasgados por uma lâmina pontiaguda, não uma, mas duas vezes. Então, misericordiosamente, o peso foi aliviado. Ela balbuciou o nome da irmã mais uma vez, em agonia, antes de sentir-se despencar num abismo negro sem fim. CAPÍTULO III 41
  • 42. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day — O navio chega às docas amanhã à noite. St. John fitou a noite através da janela do escritório da mansão, friccionando os músculos doloridos do pescoço. Observou uma carruagem de aluguel sacudir com pressa pela rua deserta. Ninguém desejava passar mais tempo do que o absolutamente necessário na rua em que ele morava. — Está tudo acertado? — indagou com pensamento distante. Seus homens se preparavam para pilhar o carregamento do navio cargueiro no dia seguinte. Então, por que não estava excitado, como sempre ficava às vésperas de uma aventura? — Sim—Phillip assegurou. — Os homens já organizaram os coches e cavalos, e o transporte da pilhagem será rápido. St. John acenou com a cabeça, tentando encontrar ânimo. A falta de sono dos últimos dias contribuía para seu estado, próximo do esgotamento físico. Sabia que a preocupação com a segurança de Maria era a grande responsável pelas noites de insônia. — Ouvi dizer que este carregamento é valioso. O chá vindo das índias é de primeira qualidade—Phillip tentou estimulá-lo. — Ótimo. Conter a tripulação e descarregar os pacotes do chá de contrabando ocuparia algum tempo, mas os homens trabalhariam com a eficiência de sempre, e em pouco tempo, o produto seria infiltrado no mercado de varejo. Batidas à porta o distraíram, e Phillip se levantou para atender. Ao ver um dos homens que ele designara para seguir Maria, o interesse de St. John se reavivou. Sam entrou no escritório e retirou o chapéu, apertando-o de encontro ao tórax em um gesto nervoso. — O que houve? — indagou, preocupado. Sam estremeceu e correu mão pela aba do chapéu. — Ela está ferida? Todos os músculos de St. John se enrijeceram quando o rapaz assentiu sem erguer os olhos. — Sim. Foi atacada duas noites atrás, em Dover. Foi ferida com duas punhaladas no ombro esquerdo. — Sua única missão era mantê-la em segurança! — esbravejou St. John. — Quatro homens, e todos falharam! 42
  • 43. Júlia Histórico 1481 – Interesses Secretos – Sylvia Day — A ação foi mais rápida do que pudemos prever — ele justificou sem encarar o mestre. — Onde Maria está? — Na mansão de inverno, aqui em Londres — Sam respondeu de pronto. St. John relanceou o olhar para Phillip, e ele entendeu a ordem silenciosa. — Vou preparar seu cavalo — o criado anunciou ao sair apressadamente. O olhar de St. John se fixou na face corada de Sam. — Quinn não estava com ela quando o ataque aconteceu? Quando o rapaz negou com um gesto quase imperceptível,St. John se levantou e passou por ele como um furacão, forçando-o a saltar para não ser atropelado. Ao passar pela sala, chamou dois de seus homens e apanhou o casaco e as luvas. Momentos depois, estava a caminho da mansão de Maria. Uma vez que tivesse se assegurado de que ela estava bem, poderia ouvir dos quatro homens designados para protegê-la o relato detalhado do incidente. Ao chegar, ele desmontou e deixou os dois homens guardando a entrada. Mal esperou que o mordomo abrisse a porta para entrar e subir de dois em dois degraus a escada para o andar dos quartos. Bateu à porta do quarto de Maria, e ela se abriu no mesmo instante. — Por Deus! — Quinn rugiu ao vê-lo. — Vá embora, ou vou matá-lo com minhas mãos nuas! St. John empurrou-o e entrou, ignorando a ameaça. — Tomem conta dele — ordenou ao homem que o seguia de perto, e foi obedecido prontamente. O brutamontes imobilizou Simon e o arrastou para fora do quarto. — St. John! Ele sorriu ao som da voz melodiosa. Avistou Maria deitada na cama, com o rosto pálido lívido de dor. — Fique à vontade — ela sussurrou, indicando a cadeira ao lado da cama. — Obrigado. Colocou o casaco sobre o encosto e se sentou, sem deixar de fitá-la. — Não olhe para mim — Maria pediu, desviando o rosto. — Estou horrível! — Tolice. Você ainda é a mais linda das mulheres. — Ele sorriu e alcançou a mão pequenina, prendendo-a entre as dele.— Não se preocupe com mais nada agora. Pense apenas em mim. — É tudo o que tenho feito nos últimos dias. 43