1. 82
5.2. O que pensam os profissionais de educação?
Os professores, profissionais de educação sujeitos desta pesquisa,
expressaram suas concepções sobre os motivos de encaminhamento dos aluno
amostrados ao serviço de Psicologia do ARE, sobre os conceitos de “distúrbios
de aprendizagem” e “fracasso escolar”; revelaram o que conhecem e as
expectativas que alimentam a respeito do trabalho desenvolvido pelos
profissionais de saúde, além de manifestarem as concepções sobre a possibilidade
e as maneiras viáveis de integração entre as áreas de saúde e educação no
combate ao fenômeno do fracasso escolar.
5.2.1. Concepções sobre os motivos de encaminhamento dos alunos
Após a análise das respostas dos sujeitos pode-se perceber que, em
relação aos motivos apresentados pelas professoras para o encaminhamento do
aluno ao setor de Psicologia do ARE, configura-se o seguinte quadro de
respostas:
QUADRO 4:
Motivos apresentados pelas professoras
para o encaminhamento dos alunos ao ARE
Motivos de Encaminhamento Professoras
as
problemas específicos (“inquietação”, “dispersão”, prof de Telma, Dalva, Antônio,
“fala ou brinca o tempo todo”, “falta de Eduardo e Marcos
memorização”)
problema geral (“dificuldades de aprendizagem”) profas de Joana e Roberto
problema geral + problemas específicos profa de Vilma
O quadro acima indica que:
- cinco (05) professoras (dos alunos Telma, Dalva, Antônio, Eduardo e
Marcos) indicaram a existência de um problema específico no aluno, que pode
ser assim ilustrado:
2. 83
“... o aluno começou a apresentar problemas sérios (inquietação, fala
o tempo todo, mesmo sozinho, brinca muito fazendo de conta que o material
escolar é brinquedo)”. Professora de Roberto
“... por não ter conseguido acompanhar a primeira série, pelo fato de
ser muito disperso e ter muita dificuldade de memorização”. Professora de
Marcos
- duas (02) professoras (dos alunos Joana e Roberto) indicaram a
existência de um problema geral, sem maiores especificações, como por
exemplo: “dificuldades ou distúrbio de aprendizagem”;
- apenas uma (01) professora (de Vilma) indicou a existência de um
problema geral e um problema específico, quando refere que a aluna apresenta:
“... dificuldades de aprendizagem e dificuldades de relacionar a letra ao som”.
Concluindo esse grupo de respostas, quatro docentes parecem
relacionar a queixa de encaminhamento à observação de um aspecto do
desempenho ou comportamento do aluno encaminhado, o qual percebem como
diferenciado em relação à classe como um todo indicando, em geral, a sua
inadequação ao ritmo da classe.
É possível determinar o responsável pelo encaminhamento do aluno ao
serviço de saúde. Das nove (09) professoras amostradas, duas (02) referem-se às
mães de seus alunos como mediadoras do processo de encaminhamento; uma
(01) docente indica a mãe do aluno como a real responsável pelo
encaminhamento do aluno ao setor de Psicologia do ARE; as cinco professoras
restantes assumem a responsabilidade pelo encaminhamento.
3. 84
A caracterização dos alunos por parte das docentes, quanto à idade,
freqüência ou não à pré escola e história anterior de escolaridade (repetências e
transferências) indicou que, de modo geral, as professoras possuem
conhecimentos superficiais sobre os fatos referentes à história anterior de
escolaridade dos alunos.
Entretanto, mostraram-se bastante atentas ao que foi considerado
como “mau desempenho” dos alunos em séries anteriores, o que pode ser
evidenciado por algumas professoras que revelaram que a principal fonte de
informação a respeito dos “problemas” dos alunos nas séries anteriores foram os
seus próprios professores, assim como suas mães. A partir dessa constatação,
questiona-se: até que ponto o conhecimento das professoras acerca do
desempenho insatisfatório do aluno em séries anteriores não poderia influenciar
seus julgamentos atuais a respeito do desempenho e comportamento do escolar,
configurando um processo de “profecia auto - realizadora”?∗
Quanto aos motivos apontados para enviar o aluno ao ARE, as
professoras, em sua maioria, complementam as análises anteriores e detalham as
queixas ou razões pelas quais julgaram pertinente a avaliação do aluno por um
profissional de saúde. Parece existir uma necessidade por parte das professoras
em justificarem os motivos do encaminhamento de alunos, através da
explicitação das dificuldades observadas no desempenho ou comportamento do
aluno em sala de aula ou da atribuição de uma causa específica para as
dificuldades observadas. Como exemplo, têm-se os depoimentos das professoras
de Marcos e Antônio:
Sobre “profecia auto - realizadora” ver ROSENTHAL, R. & JACOBSON, L. Profecias auto -
realizadoras em sala de aula: as expectativas dos professores como determinantes não intencionais da
competência intelectual. In: PATTO, M.H.S. Introdução à Psicologia Escolar. São Paulo: Cortez, 1991.
4. 85
- “O aluno deve ter passado por algum problema sério.
Desnutrição∗.”
- “O aluno copia mas de repente, escreve de uma maneira elegível
(sic) ou ele se cansa ou quer enganar o professor.”
As justificativas apresentadas para o encaminhamento dos alunos ao
psicólogo parecem indicar a existência de um sentimento de impotência por parte
das professoras em lidar com a problemática dos mesmos. No contato do
pesquisador com as professoras para a entrega do questionário pôde-se perceber
que a decisão de enviar a criança para o profissional de saúde incomodava
algumas delas, provavelmente por significar que a professora não estaria sabendo
como resolver a dificuldade de aprendizagem do aluno. Este parece ser o caso de
uma das professoras amostradas, que justificou o encaminhamento de seu aluno
alegando estar com dúvidas sobre a sua atuação em relação ao aluno e que
poderia estar cometendo algum erro no processo de alfabetização daquela
criança.
Algumas professoras parecem estar encaminhando a criança ao
psicólogo por uma preocupação genuína com o seu bem-estar e não devido ao
fato de se considerarem incapazes de auxiliar o aluno em suas dificuldades
acadêmicas. Através do contato com as escolas, foi possível perceber que o
professor que realiza o encaminhamento de um aluno ao psicólogo torna-se,
muitas vezes, alvo da acusação (por parte de seus próprios pares e dos
profissionais de saúde) de estar escolhendo a solução mais fácil para se “livrar”
de um problema que seria seu; não é possível, entretanto, generalizar essa
situação a todos os professores que, porventura, decidam enviar um de seus
alunos para avaliação com um profissional especializado.
A associação entre problemas de aprendizagem e desnutrição parece ser senso comum no cotidiano
escolar e é analisada profundamente por estudiosos como COLLARES (1982), COLLARES, MOYSÉS e
LIMA (1985) e MOYSÉS e LIMA (1982). Ver pag. 53.
5. 86
5.2.2. Concepções sobre “distúrbios de aprendizagem” e “fracasso
escolar”
5.2.2.1. Distúrbios de Aprendizagem
Ao expressarem o que entendem por “distúrbios de aprendizagem”, os
professores limitaram-se a explicitar os vários tipos de fatores que julgam como
possíveis causas desse conceito.
Observou-se que, na maioria das respostas, os sujeitos atribuíram as
causas dos distúrbios de aprendizagem a fatores pertencentes, teoricamente, à
categorias diferentes entre si, como por exemplo, no caso em que o distúrbio de
aprendizagem é visto como um processo decorrente, simultaneamente, de
aspectos ligados tanto ao indivíduo e sua família, como também a fatores
relacionados ao professor ou ao sistema educacional. No entanto, de modo
semelhante ao utilizado por COLLARES & MOYSÉS (1992b), os fatores foram
classificados e serão apresentados em categorias separadas. Para melhor
visualização das respostas, apresenta-se o quadro abaixo:
QUADRO 5:
Concepções de “distúrbio de aprendizagem” pelas professoras
Concepções de “distúrbio de aprendizagem” Professoras
1. Deficiência devido a fatores localizados na criança profas de Joana, Eduardo, Telma, Marcos,
Vilma, Antônio e Roberto
2. Deficiência devido a fatores localizados na família profa de José
3. Deficiência devido a fatores localizados no sistema de profa de Marcos
ensino
4. Conceitua sem atribuir causalidade profa de Dalva
1. “Distúrbios de aprendizagem” como decorrência de deficiências de
ordem física, mental ou emocional, localizadas na criança:
a) “Uma deficiência física ou mental que impede ou dificulta a
aprendizagem.” (Professora de Joana)
b) “Na minha opinião é quando a criança apresenta problema de
saúde: psíquico, físico e emocional.” (Professora de Eduardo)
6. 87
c) “São distúrbios que a criança possui que não permitem que ela
adquira condições ideais para aprender. Podem ser de ordem emocional.”
(Professora de Telma)
d) “... todos os fatores que levam ao fracasso escolar e que podem ser
relativos ao aluno: falta de atenção, concentração e memorização...”
(Professora de Marcos)
e) “Quando a aprendizagem não ocorre naturalmente e quando o
aluno apresenta dificuldade para aprender.” (Professora de Vilma)
f) “Dificuldade encontrada pelo aluno para compreender e discernir
o contexto.” (Professora de Antônio)
g) “São problemas que a criança apresenta na assimilação,
dominação e integração dos conteúdos na sua vida, que podem ser:
psicológicos, emocionais e sociais.” (Professora de Roberto)
2. “Distúrbio de aprendizagem” como decorrência de fatores
relacionados à família do aluno, como a separação dos pais ou a falta de
incentivo familiar: “... problemas familiares (separação de pais), incentivo de
um modo geral (faltante).” (Professora de José)
3. “Distúrbio de aprendizagem” como decorrência de fatores
localizados na escola como: “... falta de novas técnicas e a dificuldade de se
trabalhar individualmente.” (Professora de Marcos)
4. Conceituação de “distúrbio de aprendizagem, sem atribuição de
causalidade: “Disfunções.” (Professora de Dalva)
Das respostas acima percebe-se que, do total de nove (09) professoras,
sete (07) conceituam “distúrbios de aprendizagem” como uma deficiência,
relativa a fatores de ordem física, mental ou emocional do aluno. A professora de
7. 88
Marcos, além de considerar os fatores relativos ao aluno, também mencionou
aspectos relativos ao professor.
Respostas como as das professoras de Telma e Vilma (1.c. e 1.e.)
sugerem existir entre as docentes, a crença numa “condição ideal ou natural” para
que a aprendizagem ocorra e que o aluno seria o único responsável por não
conseguir alcançar tal condição.
Duas respostas são interessantes pelo uso de termos que não fazem
muito sentido, no caso da professora de Roberto (1.g.) – “assimilação,
dominação e integração de conteúdos” – e o conceito apresentado pela
professora de Antônio (1.f.) – “dificuldade do aluno em compreender e discernir
o contexto” – muito abrangente e assim, difícil de se analisar.
A resposta da professora Dalva (item 4: “disfunções”) não pode ser
classificada nas categorias criadas, já que a docente não especificou o que
considera como causas para o seu conceito de distúrbios de aprendizagem.
Em suma, a apreciação e análise das concepções de “distúrbios de
aprendizagem” apresentadas pelos professores confirma a observação feita por
SCOZ (1994): “Nem sempre as professoras conseguem expressar-se com
clareza a respeito do que entendem por problema de aprendizagem, em parte
por desconhecimento, em parte pela complexidade desta questão”. (p.46)
5.2.2.2. Fracasso Escolar
Os conceitos de “fracasso escolar” foram levantados a partir das
respostas das professoras à questão “Na sua opinião o que é fracasso escolar?” e
podem ser sintetizados da seguinte maneira: o fracasso escolar é visto como
responsabilidade do aluno, mesmo quando não se faz referência explícita a ele.
O quadro abaixo apresenta uma visão geral da classificação das
respostas das professoras sobre o conceito de fracasso escolar:
QUADRO 6:
8. 89
Concepções de “fracasso escolar” apresentada pelas professoras
Concepções de Fracasso Escolar Professoras
1. Fracasso escolar = relação profas de Telma, Antônio,
entre o desempenho do aluno e os Roberto, Eduardo,
critérios/exigências do ensino Marcos, Dalva
2. Fracasso escolar = não ocorrência profa de Joana
de ensino e aprendizagem
3. Não existe fracasso escolar profa de Vilma
4. Não respondeu profa de José
Pode-se classificar as respostas das professoras acerca do conceito de
“fracasso escolar” em:
1. O fracasso escolar decorre da relação entre o desempenho do aluno
e os critérios e/ou exigências escolares:
a) “... é a impossibilidade do aluno conseguir êxito em relação ao
ensino, ficando abaixo dos parâmetros mínimos exigidos.” (Professora de
Telma)
b) “Mau desempenho por parte do aluno em relação às tarefas que
lhe são cabíveis.” (Professora de Antônio)
c) “Fracasso escolar é o momento negativo que o aluno tem e sua
conseqüência são as reprovações sucessivas e ele não responde aos estímulos
apresentados pela escola.” (Professora de Roberto)
d) “É quando o aluno não consegue atingir os objetivos mínimos
propostos, apesar de ter condições.” (Professora de Eduardo)
e) “O fracasso escolar se caracteriza com o fato do aluno não
conseguir atingir o mínimo de pré-requisitos necessários para a série seguinte”.
(Professora de Marcos);
f) “Dificuldade em construir conceitos, formar valores e desenvolver
habilidades.” (Professora de Dalva)
9. 90
2. O fracasso escolar significa a não ocorrência do processo de ensino
e aprendizagem: “É quando não ocorre o ensino e a aprendizagem.” (Professora
de Joana)
3. Não existe fracasso escolar: “Na minha opinião, não existe
fracasso escolar, pois parto do princípio que todos conseguem aprender.”
(Professora de Vilma)
4. Não respondeu. (Professora de José)
Observa-se que nas concepções sobre “fracasso escolar” apresentadas
já estão embutidas as atribuições de causalidade em relação ao fenômeno e, de
maneira semelhante às concepções das professoras sobre “distúrbios de
aprendizagem”, uma determinada resposta poderá apontar causas classificáveis
em categorias diferentes entre si.
Analisando-se o conjunto de respostas das professoras pode-se dizer
que a atribuição de causas em relação ao “fracasso escolar” segue a seguinte
tendência:
1. Causas centradas na criança - a maioria da professoras atribuíram o
fracasso escolar à causas centradas na criança.
Da tendência geral de localizar as causas do insucesso escolar na
criança pode-se dizer que:
- quatro (04) professoras (de Joana, Antônio, Roberto e Eduardo)
atribuíram causas a fatores de ordem física, orgânica ou genética, a problemas de
saúde, subnutrição, imaturidade, gestação ou doenças do indivíduo;
- duas (02) professoras (de Telma e Eduardo) atribuíram a causa do
“fracasso escolar” a problemas psicológicos, emocionais ou intelectuais do aluno;
- duas (02) professoras (de Roberto e Marcos) atribuíram a causa do
“fracasso escolar” à falta de atenção, concentração e memorização e motivação
10. 91
do aluno para aprender, fatores considerados pelos docentes como essenciais para
a ocorrência de aprendizagem;
- duas (02) docentes (dos alunos Roberto e Eduardo) mencionaram as
excessivas faltas ou ausências do aluno como causas para o fracasso escolar.
A tendência das docentes em atribuir o fracasso escolar à causas
centradas no escolar foi encontrada em inúmeras pesquisas, como a de
CARVALHO (1992) que, em seu estudo sobre as concepções de professores
sobre saúde e educação, observou que 90,8% dos professores investigados
atribuíram os problemas de ordem pessoal (desnutrição, preguiça, etc) como os
principais responsáveis pelo fracasso escolar.
2. Causas centradas na família - Algumas professoras (de Joana,
Antônio e Eduardo), além de atribuírem ao aluno o baixo rendimento escolar,
também atribuíram às famílias dos alunos a responsabilidade sobre o fracasso
escolar:
“De maneira geral falta de estímulo da família.”
“Problemas familiares (desestruturação da família); não incentivo
por parte da família.”
“... desajuste familiar, falta de acompanhamento familiar.”
As respostas acima parecem evidenciar a concepção existente entre os
professores de que os alunos com rendimento escolar insatisfatório não recebem
apoio/estimulação adequada ou suficiente de suas famílias, que seus pais não
valorizam o ensino formal e não se esforçam para que seus filhos freqüentem a
escola e tenham bons resultados acadêmicos.
Como foi indicado, análises de dados estatísticos (como RIBEIRO,
1993) sugerem que as crianças que, eventualmente, saem da escola, o fazem após
vários anos de frustrações pelas reprovações sucessivas a que são submetidas, o
que leva à rejeição da idéia de que o aluno e/ou sua família não valorizam o
ensino formal.
Outra idéia concebida entre os profissionais de educação parece ser a
de que as famílias de alunos com problemas escolares é “desestruturada”, termo
11. 92
usado para expressar a crença de que os pais, por algum motivo (alcoolismo de
um dos pais, brigas ou separações conjugais, etc) não conseguem proporcionar
aos seus filhos uma formação nos moldes e padrões considerados socialmente.
3. Causas centradas na escola - Uma terceira classe de respostas,
citada por apenas (02) duas professoras (de Joana e Marcos), é aquela em que se
determina a escola como a causadora do fracasso escolar:
“... metodologia inadequada.” Professora de Joana
“Falta de técnicas diversificadas. Falta de condições para se
trabalhar individualmente.” Professora de Marcos
As respostas dessas professoras apontam os seguintes fatores como os
causadores de fracasso escolar: inadequação da metodologia do ensino e falta de
condições para atuar de maneira satisfatória com o aluno. Estas respostas
parecem se referir a uma situação que tem sido percebida, pela maioria da classe
docente das escolas públicas, como um dos maiores obstáculos para a realização
de um trabalho produtivo: o número excessivo de alunos por classe.
Segundo SCOZ (1994), os professores geralmente atribuem à
superlotação das salas de aula a impossibilidade de atenderem de forma
individualizada os alunos que apresentam mais dificuldades, como também a
“generalização” dos conhecimentos, feita através de mecanismos que acabam
diminuindo a frequência de contato do docente com os alunos, como por exemplo
a condução apressada e superficial das atividades e a correção coletiva e
impessoal das tarefas pedagógicas.
A concepção que atribui a causa do fracasso escolar à metodologia
inadequada parece estar de acordo com a visão adotada por CARRAHER et alii
(1993), no que se refere à incapacidade da escola em lidar efetivamente com seus
alunos.
5.2.3. Concepções sobre o papel dos profissionais de saúde
12. 93
Todos os sujeitos amostrados enfatizaram a especificidade dos
conhecimentos do psicólogo como o motivo principal para o encaminhamento do
aluno a esse profissional do serviço de saúde. Destacam-se as respostas de duas
(02) professoras (de Telma e Marcos):
“O psicólogo possui conhecimentos específicos que podem auxiliar o
professor na solução dos problemas detectados.” Professora de Telma
“O psicólogo se utiliza de técnicas adequadas que na maioria das
vezes, não são do conhecimento do professor.” Professora de Marcos
As respostas fornecidas pelos sujeitos apresentam essa indicação e
sugerem que há no meio educacional (e por que não dizer, na sociedade em geral)
uma visão idealizada e até mesmo romântica de que o psicólogo, assim como o
médico, possuem determinados conhecimentos e técnicas que os habilitam a agir
de modo mágico e eficiente na solução dos problemas de ensino-aprendizagem,
independentemente da atuação docente em relação ao aluno.
Parece que os professores não se dão conta de que psicólogos e
médicos, enquanto profissionais, apesar de possuírem conhecimentos específicos,
são limitados em sua atuação junto aos escolares e outras clientelas e que,
quando inseridos em instituições de saúde pública, estão sujeitos às mesmas
dificuldades (baixos salários, falta de condições mínimas de trabalho, etc) que os
profissionais de educação da rede de ensino público.
Dentre o conjunto de respostas dos sujeitos, percebe-se também que
três (03) professoras (de Vilma, Dalva e Eduardo) enfatizaram a escolha do
psicólogo pela crença em sua especial capacidade de determinar possíveis causas
do(s) problema(s) dos alunos, ou seja, sua habilidade em realizar diagnósticos:
“Detectar o problema quando houver e que o oriente e também à
família e a escola.” Professora de Vilma
“Procurar identificar se ele tem algum problema que seja possível ser
sanado por ele.” Professora de Dalva
13. 94
“Procurar as causas das dificuldades apresentadas e resolver se
possível através de algumas sessões de terapia alguns problemas que o aluno
possa apresentar.” Professora de Eduardo
O estudo realizado por SCOZ (op. cit.) apresenta a fala de um sujeito
que parece expressar bem a motivação das professoras quanto ao processo de
encaminhamento ao psicólogo: “... quando a gente já não sabe o que pode ser,
então a gente encaminha para o psicólogo.” (p.118)
A expectativa das docentes em relação ao serviço de saúde segue a
tendência geral é a de que a instituição se encarregue de atender às necessidades
dos alunos encaminhados à instituição e que resolva os seus problemas escolares.
A professora de Joana, por exemplo, manifestou a expectativa de que
seu aluno seja atendido da melhor maneira possível e sempre que exista tal
necessidade: “Que o atenda [aluno] adequadamente sempre que houver
necessidade.”
Esta resposta parece expressar uma forte idealização das capacidades e
da disponibilidade da instituição em relação às necessidades da professora. Já a
professora de Roberto espera orientação aos professores, porém apenas numa
determinada circunstância: “...que os professores sejam orientados quando o
problema for mais sério.”
Num extremo de desesperança em relação à atuação do ARE, há a
resposta da professora da aluna Vilma:
“Não tenho o costume de esperar nada, normalmente vou em cima do
problema buscando soluções. Muitas vezes essas soluções tem que ser buscadas
fora. É o que estou fazendo, buscando alguma informação que me ajude a
desvendar aquilo que não vejo.”
Apesar de um discurso diferenciado em relação às demais professoras,
a resposta da professora de Vilma mostra-se contraditória, já que a mesma diz
não esperar muito do serviço de saúde, mas mesmo assim decide encaminhar a
criança, ou seja, espera que, pelo menos em parte, a instituição (através de seus
profissionais) resolva a problemática de sua aluna.
14. 95
A dicotomia entre o discurso e a prática dos professores parece ser
bastante comum, pelo menos no tocante ao encaminhamento de alunos aos
serviços de saúde.
A professora de Telma é mais realista e atenta aos limites de atuação
do ARE, na medida em que espera o auxílio ao aluno encaminhado de acordo
com suas possibilidades: “Tudo que estiver dentro de suas possibilidades para
auxiliar o aluno.”
A resposta da professora de Antônio aponta uma perspectiva de
integração, já que inclui em suas expectativas que o trabalho do ARE se dê a
partir da tríade professor - família - profissionais de saúde, ou seja, escola -
comunidade - instituição de saúde, mesmo que tal integração ocorra apenas para
a solução dos problemas que estão localizados nos alunos: “Que num trabalho
de integração, professor, família e profissionais ligados à área de saúde, ajudem
a solucionar os problemas que aparecem nos alunos.”
A resposta da professora de José também é interessante, pois deixa
bem claro que sua maior expectativa em relação ao ARE é que a instituição
desenvolva um trabalho dentro da escola ou, mais diretamente, na sala de aula:
“Procurar dar maior assistência fora do ARE (exemplo - espaço da sala de
aula).”
As professoras parecem não levar em conta que os profissionais de
saúde não poderiam atuar dentro de sala de aula, da maneira como gostariam que
estivessem, ou seja, atuando de forma emergencial e remediativa.
As respostas indicam que as docentes esperam que o ARE ofereça um
atendimento emergencial aos alunos encaminhados, encontrando soluções e que
encontre soluções para a problemática observada nos alunos, também oferecendo
orientações específicas a pais e professores. Esperam ainda que a orientação aos
professores transcenda o espaço do ARE, de forma que o profissional de saúde
passe a freqüentar a escola tendo, assim, um conhecimento maior dos problemas
enfrentados pelos docentes em seu dia a dia. Percebe-se, ainda, que a palavra
“orientação” é freqüentemente utilizada pelas professoras sem haver, no entanto,
15. 96
definição sobre quem deveria ser orientado e em relação a quê, efetivamente, se
daria essa orientação.
As expectativas das docentes sobre a atuação e o tipo de atendimento
realizado pelo psicólogo, coletadas a partir das respostas à questão “O que você
acha que o psicólogo deveria fazer pelo(s) seu(s) aluno(s) como um todo?”
sugerem, de modo geral, estar em consonância com as respostas anteriores, isto é,
as docentes esperam que esse profissional realize o atendimento de problemas
acadêmicos emergenciais, localizados nos alunos.
Algumas professoras (dos alunos Joana, Telma, Antônio e Marcos)
esperam que o psicólogo, primeiramente, diagnostique (detecte, identifique,
constate, procure causas, etc) e, posteriormente, resolva os problemas ou
dificuldades observadas nos alunos, através de tratamento ou orientação a pais e
professores sobre como lidar com o quadro já diagnosticado. A professora de
Roberto não se refere especificamente ao termo “diagnóstico”, mas espera do que
o psicólogo ofereça tratamento “constante” ao aluno e que repasse informações
aos pais a respeito desse tratamento.
As respostas descritas acima parecem mostrar que é bastante intensa
no ideário das professoras a visão da atuação do psicólogo dentro de um modelo
clínico, ou seja, elas esperam que o psicólogo seja capaz de encontrar as causas
dos problemas que afligem o aluno e que, através de um tratamento específico e
restrito ao trabalho psicológico, o aluno seja “curado” de seus problemas ou que,
pelo menos, seus “sintomas” sejam reduzidos de forma a não comprometer a
atuação em sala de aula. Além disso, caberia ainda ao psicólogo a função de
orientar os pais dos alunos, de forma que seus problemas fossem resolvidos em
casa.
Parece existir, ainda, a visão do profissional de Psicologia como o
“psicometrista”, “aconselhador” ou “orientador”, que é bem ilustrada pela
resposta da professora de Antônio: “Aplicar testes para constatar dificuldades,
comunicar aos pais e professores .”
16. 97
A resposta da professora de Marcos é bem ilustrativa da associação
feita entre o modelo clínico ao trabalho do psicólogo: “Procurar as causas das
dificuldades apresentadas e resolver se possível através de algumas sessões de
terapia alguns problemas que o aluno possa apresentar”.
A resposta da professora de José é a que mais se diferencia do quadro
de respostas apresentado:
“Um melhor atendimento interno (escola) ter mais contato direto com
o aluno. Claro, isso tudo seria viável se o próprio Estado custeasse um
profissional desta área para esse atendimento. Mas nós sabemos que é uma
fantasia.”
Esta docente tece críticas ao descaso governamental em relação ao
sistema educacional. No entanto, a proposta da professora para a atuação do
psicólogo é difícil de ser avaliada, na medida em que frusta uma possibilidade de
integração entre saúde - educação no formato do trabalho analisado; evidencia,
igualmente, que a docente vislumbra um lugar para a atuação do profissional
dentro da escola, mesmo que esse reproduza o modelo clínico de atendimento
individualizado, centrado nos possíveis problemas dos alunos.
O conhecimento dos professores sobre as características do trabalho
de cada profissional de saúde responsável pelo atendimento de escolares
encaminhados ao ARE revela que há, no meio educacional, estereótipos
associados ao psicólogo, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo e neurologista. Os
professores parecem não compreender as especificidades dos papéis de cada
profissional, como por exemplo o psicólogo, que pode atuar tanto na área da
saúde como na área da educação.
Questiona-se, portanto, como fica para os professores a configuração
de perfis profissionais, quando se considera a emergência de modelos de
prestação de serviços integrados, no caso serviços onde os profissionais
necessitem ser considerados não somente “da saúde”, mas também “da
educação”.
17. 98
A categorização das respostas sobre o que os docentes sabem a
respeito do trabalho de cada profissional de saúde revela, em geral, que:
- a maioria das professoras amostradas atribuem ao psicólogo a função
de resolver “traumas” ocorridos durante o desenvolvimento do indivíduo, que
estariam interferindo no ajustamento desse consigo mesmo e com o ambiente em
que se insere. Compartilham da concepção de que os comportamentos atuais são
determinados pelo desenvolvimento anterior do indivíduo.
- os sujeitos referem-se ao fonoaudiólogo como o profissional capaz
de tratar ou corrigir distúrbios de fala ou comunicação; alguns docentes também
se referem ao tratamento de distúrbios auditivos, como responsabilidade desse
profissional;
- o terapeuta ocupacional é visto como o profissional que faz uso de
“atividades”, que possuem função terapêutica quando aplicadas no tratamento de
distúrbios ou “desajustes” físicos e mentais.
- a maior parte dos sujeitos relaciona o trabalho do neurologista ao
diagnóstico ou tratamento clínico de distúrbios neurológicos ou do “sistema
nervoso”. É interessante destacar que um sujeito faz interrelação entre o trabalho
do neurologista e o tratamento de problemas ou distúrbios “mentais”, o que
sugere existir uma confusão entre as áreas de psiquiatria e neurologia.
Verificou-se, igualmente, as expectativas que os professores possuem
quanto à atuação dos especialistas em relação aos escolares:
- a atuação do psicólogo seria a realização de diagnósticos e
tratamento dos alunos, oferecendo orientações a pais e professores. Algumas
professoras enfatizam que o psicólogo deve estar presente no ambiente escolar e
na sala de aula.
- o fonoaudiólogo deveria realizar o tratamento e a correção da fala ou
de linguagem do aluno, reduzindo ou eliminando as suas dificuldades de leitura e
escrita.
- o terapeuta ocupacional deveria aplicar atividades para o treinamento
de habilidades ou possibilitar a superação de problemas emocionais dos alunos.
18. 99
- enfatiza-se o caráter clínico da atuação do neurologista, utilizando-se
expressões bem características do discurso médico como por exemplo
“acompanhar clinicamente” a saúde do paciente∗.
O conhecimento da atuação dos profissionais de saúde pelos
profissionais da educação parecem ser originado de um conhecimento individual,
baseado no senso comum e em estereótipos socialmente construídos,
possivelmente reforçados ao longo de suas vidas através de diferentes fontes:
cursos de formação, meios de comunicação, cultura escolar, informações
passadas por outras pessoas, etc.
5.2.4. Concepções sobre “integração saúde e educação”
Investigou-se junto aos professores suas concepções acerca das
possibilidade e formas de implementar a intersecção entre as áreas de saúde e
educação.
Com exceção de três sujeitos, todas os outros afirmaram que o contato
existente com profissionais do ARE somente se deu quando foram procurados
pela pesquisadora.
Em relação às concepções dos sujeitos sobre a integração entre as
áreas de saúde e educação, as respostas fornecidas sugerem que a maioria das
docentes possui um ponto de vista bastante positivo em relação à integração. A
professora de Vilma, por exemplo, acredita que a integração seria ótima por
proporcionar maior apoio aos docentes que, segundo ela, estão sobrecarregados
com os diversos papéis que são obrigados a desempenhar, além da docência
propriamente dita: “Acho necessário, ótimo, excelente. Atualmente o professor é
mãe, babá, orientador, conselheiro e muito mais. Se houvesse essa integração,
estaríamos contando com apoio.”
Chama-se a atenção para a resposta de um dos sujeitos, que acredita que o neurologista tem a função de
“curar”, juntamente com a família e o professor, aquilo a que chama de “distúrbios mentais”, partindo
do pressuposto de que esse tipo de patologia interfere na aprendizagem do aluno.
19. 100
As professoras de Telma, Eduardo e Marcos acham importante e
proveitosa a integração e argumentam que o acesso à educação e saúde garante
um “desenvolvimento pleno e sadio da criança”. A “educação depende da boa
saúde dos alunos”, ou seja, concebem a integração como mais uma maneira de
melhorar a saúde e o desenvolvimento dos alunos.
As professoras de Telma e Eduardo também relacionam a integração a
um bom desenvolvimento da criança, sendo que a última faz uma crítica à falta
de interesse de alguns profissionais em oferecer atendimento aos alunos e ao fato
desses subestimarem a capacidade do professor em colaborar com o tratamento:
“Acho importante já que o acesso à educação e a saúde garante a
criança um desenvolvimento pleno e sadio.” (Professora de Telma)
“Acredito que a integração seja o casamento perfeito para bom
desenvolvimento da criança dentro de todos os aspectos. Apenas acho que nem
todos os profissionais envolvidos realmente se importam em oferecer bom
atendimento as crianças e subestimam a capacidade do professor em auxiliá-lo
dentro do tratamento.” (Professora de Eduardo)
“Muito proveitosa, pois a educação depende em parte da boa saúde
dos alunos.” (Professora de Marcos)
A professora de Roberto considera a integração como uma solução
viável para aquilo que chama de “problemas escolares”. Relaciona a existência de
problemas escolares com o desenvolvimento infantil insatisfatório e faz
referência ao desconhecimento dos pais em relação a estes problemas:
“[A integração seria] uma das soluções viáveis para a solução de
problemas escolares, que pode concorrer para o crescimento da criança.
Também elas podem ter problemas que os próprios pais desconhecem.”
Outras professoras são favoráveis à integração, mas não fazem uso de
adjetivos valorativos, como nas respostas anteriores:
- a professora de Joana acha a integração razoável mesmo
considerando-a incipiente: “Apesar da integração estar no início, acho
razoável.”
20. 101
- a professora de Dalva é bem concisa: acha a integração
“necessária.”
- a professora de José critica a postura de descaso do Estado em
relação à saúde e à educação: “Poderiam até serem melhores se o estado
considerasse bem mais esses setores, mas o mesmo não acha tempo para fazê-
lo.”
As docentes concebem as seguintes maneiras de implementar a
integração entre as áreas de saúde e educação:
- professora de Vilma: sugere um modelo de atuação para a área de
saúde praticamente igual ao que existe atualmente, ou seja, o atendimento dos
alunos considerados portadores de problemas de aprendizagem, inclusive
aumentando o número de casos com a inclusão de crianças com “problemas de
comportamento”: “Seria exatamente o atendimento das crianças com dificuldade
de aprendizagem. Poderíamos incluir as crianças com problemas de
comportamento.”
- professoras dos alunos Joana, Roberto, Eduardo e Marcos: solicitam
maior orientação aos professores, sugerindo a participação dos profissionais em
reuniões de professores. A professora de Joana sugere que a orientação deva ser
oferecida às famílias, prioritariamente, e depois às escolas: “Orientação para as
famílias e também nas escolas.”
Ao priorizar o oferecimento de orientações às famílias dos alunos, a
professora de Vilma parece expressar duas idéias muito comuns entre os
professores: que a família seria a responsável pelos problemas que ocorrem com
os alunos dentro de sala de aula e, em segundo lugar, que caberia aos
profissionais de saúde a função de orientar a família, de modo a agirem
adequadamente em relação à criança. Neste sentido, indica a falta de um apoio
técnico nas escolas, capaz de oferecer orientações, sugestões e pistas de como os
professores devem lidar com situações de pré - disposição dos docentes em
relação às famílias dos alunos.
21. 102
A professora de Roberto também sugere que o serviço profissional
seja oferecido periodicamente nas escolas, através da participação dos
profissionais em reuniões com os docentes:
“Não sei dizer, porque desconheço a disponibilidade do pessoal
dessa área. Talvez, participar de reuniões onde os professores relatam os
problemas que enfrentam; oferecer o serviço do profissional periodicamente na
unidade escolar.”
A professora do aluno Eduardo considera a ação dos profissionais de
saúde insatisfatória e expressa a crença de que o caminho para o “bem estar”
seria possível:
“... fosse oferecido maior orientação ao professor, que é quem tem
maior contato com a criança e a família. Principalmente, que os profissionais
fizessem sua parte e conduzissem professor, aluno e família ao bem estar geral”.
- professora de Telma: solicita maiores informações sobre o
profissional de saúde e sua área de atuação, mas não explicita a quem se deve
oferecer tais informações, se a pais, professores ou a ambos: “uma maior
informação no que diz respeito do profissional da saúde, sua área de atuação.”
- professora de Dalva: mantendo sua tendência em ser excessivamente
objetiva, responde que as ações necessárias seriam: “planejamento e execução.”
- professora de José: parece realmente não ter entendido o que está
sendo considerado como “integração” associando o termo à “integridade” ou em
como fazer com que o serviço nas duas áreas sejam mais íntegros ou
estruturados: “Melhor atendimento por parte do estado com salários dignos
para ambos os setores.”
Nenhuma professora colocou-se como um profissional que possui
função específica dentro do processo de integração. Não foi dito por nenhuma
professora o que poderiam ou deveriam estar fazendo ou ainda qual seria a sua
parte nesta integração, transparecendo uma postura passiva na qual se espera que
apenas os profissionais de saúde realizem algo pela integração entre as duas
áreas.
22. 103
Quando se comenta a respeito dos alunos com dificuldades de
aprendizagem ou sobre fracasso escolar – pano de fundo desta pesquisa – os
professores não percebem sua atuação em relação aos mesmos ou sua
participação nesses processos e atribuem aos profissionais de saúde a
responsabilidade de agir em relação a essas situações. A função primordial do
professor parece ser a de ensinar um aluno “ideal”, que não apresenta
dificuldades de aprendizagem, ou seja, aquele que se sobressai pela presença de
dificuldades – candidato ao fracasso – não seria de sua responsabilidade e,
portanto, não haveria uma função adicional do professor em relação a ele, além
do encaminhamento ao profissional de saúde.
No entanto, deve-se salientar as condições em que essas professoras
realizam sua tarefa diária como docentes. Vários são os obstáculos presentes no
cotidiano de trabalho do professor, como a questão da pouca valorização social
da profissão docente, a posição hierarquicamente inferior que o professor ocupa
dentro da equipe escolar, o assoberbamento de atividades e atribuições,
especialmente burocráticas, a que os professores estão submetidos, sem falar do
eterno problema dos baixos salários.
No entanto, fica o questionamento sobre quem é responsável pelo quê
pois parece que, em relação à temática do fracasso escolar e do atendimento de
alunos considerados portadores de dificuldades de aprendizagem, configura-se
um movimento de deslocamento de responsabilidades. Como as áreas de
competência em relação à demanda de escolares com problemas de aprendizagem
não são claramente definidas, (inclusive para a população que não têm
conhecimento dessas especificidades) sabe-se que os problemas existem, mas não
quem deve efetivamente responder por eles. Da mesma forma, não se sabe o
porquê de se manter, especificamente em relação à clientela de escolares, práticas
profissionais considerada inadequadas, como a rotina da neurologista em solicitar
de exames que, na maioria dos casos, são desnecessários (ver página 59).
É necessário ressaltar que, de modo geral, as concepções das
professoras, levantadas a partir das análise das respostas fornecidas aos
23. 104
questionários, descritas e comentadas neste capítulo, possuem coerência entre si;
por exemplo, a coesão entre discurso e prática quando se faz referência aos
argumentos utilizados pelas professoras para justificar o encaminhamento dos
alunos participantes da pesquisa ao serviço de Psicologia do ARE e as
concepções expressas sobre “distúrbios de aprendizagem” e “fracasso escolar”.
Como também foi possível observar, a maioria das respostas dos
sujeitos em relação aos conceitos de “distúrbios de aprendizagem” e aos
determinantes do “fracasso escolar” leva à atribuição da causa ou da
responsabilidade ao aluno. Partindo-se do pressuposto que “distúrbios de
aprendizagem” são de responsabilidade, direta ou indiretamente, do indivíduo e
que o “fracasso escolar” tende a ser compreendido como atributo do aluno, não
existindo interferência ou influência de qualquer fator relativo à escola, é fácil
entender-se porque um determinado comportamento ou aspecto do desempenho
do aluno no decorrer do processo de ensino-aprendizagem deva ser encarado e
rotulado como um “problema” a ser resolvido por agentes sociais que atuam fora
da instituição escolar.
Se o “distúrbio de aprendizagem” e, principalmente, o “fracasso
escolar” são determinados por desordens orgânicas ou dificuldades de natureza
emocional, parece extremamente aceitável e justificável, podendo significar,
inclusive, um ato de profissionalismo, por parte do docente, enviar ao médico ou
psicólogo uma criança considerada como “candidato” em potencial ao insucesso
acadêmico.
Dito de outra forma, se o problema não é de responsabilidade da
escola, também não é da competência do professor resolvê-lo. Torna-se, portanto,
natural e esperado o encaminhamento do aluno à instituição de saúde, pois o
problema ou dificuldade de aprendizagem pertence a ele e precisa ser
solucionado através de uma intervenção clínica.
O conhecimento que as professoras possuem em relação às
características do trabalho e do tipo de atuação desenvolvido pelos profissionais
de saúde no ARE em relação aos escolares encaminhados com queixa de mau
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rendimento acadêmico, parece vinculado às concepções a respeito de conceitos
mais amplos, como “distúrbios de aprendizagem” e “fracasso escolar”,
principalmente quando se analisa o conhecimento e as expectativas dos
professores a respeito da atuação do psicólogo, da valorização do “diagnóstico”,
onde pode se confirmar ou não a crença da professora de que a causa do
problema de aprendizagem está no aluno.
A coerência entre discurso e ação prática dos sujeitos também se
revela nas concepções sobre “distúrbios de aprendizagem” e “fracasso escolar” e
nas opiniões e sugestões a respeito da viabilidade e de estratégias para integrar as
áreas de saúde e educação.
Na medida em que a maioria não atribui à escola ou a si próprias, uma
parcela de responsabilidade pela ocorrência do insucesso escolar, não há porque
esperar que vislumbrem um projeto de integração entre saúde e educação, onde a
tônica da discussão seja outra além dos “problemas” apresentados pelos alunos.
Seja de modo direto, através do atendimento clínico na escola, ou
indireto, por meio de orientações a docentes e pais, os professores amostrados
manifestaram a expectativa de que as ações de integração entre as duas áreas
dirijam-se à resolução de problemas emergenciais de uma parcela de alunos, num
sentido remediativo.
Não vislumbram a possibilidade de discutirem questões mais
abrangentes como, por exemplo, o papel da escola e do professor no processo de
ensino-aprendizagem, a situação atual do ensino e do sistema educacional e o
papel de um serviço de saúde escolar.
No entanto, as docentes manifestam a necessidade de que os
profissionais de saúde ofereçam o que chamam generalisticamente de
“orientação”; mesmo que a sua expectativa seja de que essas orientações se dêem
em função da discussão da problemática dos alunos, aqueles considerados
portadores de “dificuldades de aprendizagem”, essa prática possibilitaria uma
abertura para a implementação de ações de integração entre as duas áreas.
25. 106
Esta integração, na medida que possibilita a comunicação e a troca de
informações entre os profissionais, auxiliaria a ambos: de um lado, ajudaria o
profissional de saúde a delimitar melhor seu papel, diminuindo a incidência da
patologização dos problemas de aprendizagem e, conseqüentemente, a
proposição de tratamentos inúteis. Os professores, por sua vez, no contato com os
profissionais de saúde teriam, por exemplo, a oportunidade de reavaliarem as
falhas no ensino oferecido aos alunos (SCOZ, op. cit.).