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Revisão de Literatura
Abordagem Sócio-Técnica




                          Dora Cristina Moreira Martins
                                     Novembro de 2006
1. Introdução
Para a revisão da literatura à Abordagem Sócio-Técnica o ponto de partida centrou-se no artigo
de E. Trist (1978) On Socio-Technical Systems, publicado na colectânea Human Relations –
Theory and Developments, da Colecção History of Management Thought.
Trist propõe neste artigo oferecer uma contribuição no sentido de desenvolver uma teoria geral
da empresa como um sistema sócio-técnico aberto capaz de compreender um grande número de
problemas industriais específicos.
O ponto fulcral no artigo de Trist é o de considerar que as organizações, como sistemas sócio-
técnicos abertos, ajudam a dar uma imagem mais realista de como ambos os subsistemas podem
influenciar e ser capazes de actuar de novo no seu ambiente circundante.
On Socio-Technical Systems é, portanto, uma leitura actual e prospectiva das organizações
contemporâneas, na qual o autor desenvolve uma perspectiva teórica mas partindo da observação
empírica a partir da metodologia pesquisa-acção.
A partir das hipóteses teóricas da teoria geral dos sistemas, o Tavistock Institute of Human
Relations, institucionalizado em Londres, em 1946, inicia um conjunto de investigações nos
campos relacional e organizacional. Com uma identidade de trabalho orientada para o
desenvolvimento de métodos de pesquisa-acção vai ter um importante papel na difusão dos
sistemas sociotécnicos, com vista a uma intervenção centrada no desenvolvimento e mudança
organizacionais.


2. A Abordagem Sócio-Técnica das organizações
2.1. As origens da Abordagem Sócio-Técnica
Após a Segunda Guerra Mundial, as fortes mudanças económicas, sociais, políticas e culturais
nos países mais desenvolvidos (E.U.A. e Europa Ocidental) tiveram implicações determinantes
no funcionamento das organizações, fazendo emergir a abordagem sócio-técnica.
A abordagem sócio-técnica privilegiou nos seus estudos uma intervenção centrada na
participação democrática dos trabalhadores nas organizações e, por outro lado, desenvolveu um
modelo de análise baseado no equilíbrio e optimização dos subsistemas técnico e social no
funcionamento das organizações.
Sob forte influência da Teoria Geral dos Sistemas, com particular ênfase para a perspectiva de
Bertalanffy (1973), as organizações das décadas de 1940-1950 teriam que ser observadas
enquanto sistemas abertos, isto é, como realidades integradas e universais. Pela primeira vez, são
criticados os modelos taylorista e burocrático de organização do trabalho caracterizados



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enquanto modelos fechados, isolados do ambiente externo circundante e seguindo o imperativo
tecnológico.
Os sistemas abertos, pelo contrário, apresentam relações de intercâmbio com o ambiente através
da troca de informação, recursos, matéria e energia. São eminentemente adaptativos para
sobreviverem e reajustam-se constantemente às condições do meio, de forma a produzirem a
ordem e a organização do sistema, ao mesmo tempo que contrariam a desintegração da entropia
positiva que é produzida internamente.
As organizações, segundo a teoria geral dos sistemas, são analisadas como sistemas abertos, cujo
funcionamento incide em três premissas específicas:
   1. Serem interdependentes (a mudança numa das partes do sistema afecta todas as outras
       partes do sistema organizacional);
   2. Serem totais (há que encarar a organização do ponto de vista do seu funcionamento
       global);
   3. Serem sinergéticas (compreendendo o sistema interactivo das partes da organização e
       explicar que o todo é maior que a soma das partes).
Na medida em que existe interdependência entre as diferentes partes da organização enquanto
sistema, a teoria geral dos sistemas ajuda a estabelecer as fronteiras específicas da organização,
dando-nos a perceber a sua localização, identificação social, os seus objectivos, as suas
estruturas, os seus valores, as suas funções específicas e de que forma importam e exportam
energia, recursos, informação e matérias do meio ambiente.
Na perspectiva sociológica da teoria geral dos sistemas, H. Spencer e T. Parsons reflectiram
sobre a organização enquanto sistema aberto e organismo social defendendo que as organizações
tendem a evoluir de formas simples e homogéneas para formas complexas, heterogéneas e
mutuamente dependentes umas das outras, funcionando no sentido da produção de resultados
comuns. Tal exige modelos institucionalizados de cultura normativa (valores, normas, papéis,
colectividades) que definem e orientam a ordem social das organizações da sociedade, bem
como, do comportamento dos grupos e dos indivíduos, onde passam a ser formalizados os níveis
hierárquicos da autoridade e papéis inerentes, seja dentro dos grupos, das organizações ou da
própria sociedade.
No domínio da psicossociologia das organizações destacam-se Kartz e Kahn que no seu modelo
teórico dão especial atenção aos problemas das relações, das estruturas e da interdependência
que enformam o funcionamento das organizações. As organizações são, para estes autores,
sistemas abertos porque dependem do meio ambiente circundante ao mesmo tempo que são
sistemas sociais com cultura, valores, estruturas, normas e regras. Funcionam como um sistema
de papéis com características específicas, dado serem constituídos por seres humanos, recursos

                                                                                                3
materiais e tecnológicos que não interagem de forma natural mas humana, resultado das atitudes,
percepções, motivações, crenças, hábitos e expectativas dos seres humanos, razão pela qual
necessitam de utilizar forças de controlo, coordenação e planeamento para reduzir a variabilidade
do comportamento humano e tornar possível alcançar os mesmos resultados para o sistema social
(por parte dos fundadores, líderes e restantes membros da organização).
Ambas as perspectivas (sociológica e psicológica) da teoria geral dos sistemas constituem-se e
desenvolvem-se como resposta a um paradigma científico que pretende explicar e compreender
as organizações enquanto sistemas abertos numa relação de troca de inputs e outputs com o meio
ambiente envolvente.

2.2. Interacção entre o sistema técnico e o sistema social na organização do trabalho

Vulgarizado na Europa do Norte, o modelo conceptual da abordagem sócio-técnica obdece a
uma lógica completamente distinta do taylorismo, afirmando cientificamente a ruptura com os
princípios da Organização Científica do Trabalho: percelarização, especialização, imposição de
tempos, individualização, separação controlo/execução a favor da criação de grupos semi-
autónomos de produção caracterizados pelos princípios de aprendizagem, autonomia, iniciativa,
flexibilidade e envolvimento dos trabalhadores.
Os principais representantes desta nova abordagem organizacional (Trist, Emery, Rice,
Banforth), ao defenderem a empresa enquanto sistema sócio-técnico aberto onde há dois grandes
subsistemas que se interpenetram (o técnico e o social), rompem com 1) o postulado do
determinismo tecnológico, segundo o qual era a aplicação do sistema técnico que garantia a
distribuição por postos de trabalho, individuais e não qualificados e com 2) o postulado de que o
indivíduo devia ser o elemento base sobre o qual era organizado o trabalho. No essencial, são
estas duas rupturas que marcam a originalidade da corrente sócio-técnica, difundida pelo
Tavistock Institute.
O Tavistock Institute concebe a organização como um sistema sócio-técnico resultante da
interacção entre o sistema tecnológico e o sistema social. Enquanto o sistema tecnológico é
determinado pelas exigências típicas das tarefas que são executadas em cada organização, quer
em termos de competências quer dos conhecimentos exigidos pelo tipo de equipamento,
estruturas físicas e matérias-primas, o sistema social é constituído pelas pessoas e respectivas
interacções.   Ambos    os   subsistemas    são   mutuamente     dependentes,    influenciando-se
reciprocamente, isto é, a natureza da tarefa influencia a forma de dispor e organizar as pessoas e
a características psicossociais determinam cada posto de trabalho.
A premissa de equacionar a organização como um sistema aberto em permanente
interdependência com o meio envolvente torna necessário o desenvolvimento de modos

                                                                                                4
colaborativos de acção, cabendo ao sistema técnico o controlo das ferramentas e técnicas
adequadas às tarefas de conversão dos inputs em outputs, sendo responsável pela eficiência
potencial das organizações e ao sistema social a responsabilidade pela divisão do trabalho e sua
coordenação, quer ao nível das pessoas quer da própria estrutura de trabalho, estando-lhe
atribuída como principal função a transformação da eficiência potencial em eficiência real.
Importa, portanto, à abordagem sócio-técnica analisar o sistema de trabalho como um todo –
tarefas, tecnologias, pessoas e estruturas – assumindo-se estas como variáveis básicas e
interdependentes para a mudança organizacional.
Pela primeira vez, a organização é descrita como uma realidade sistémica, onde o indivíduo mais
do que extensão da máquina, complementa-a, onde a importância do grupo de trabalho se
sobrepõe ao indivíduo, valorizando-se a supervisão interna pelo grupo e não a supervisão do
indivíduo pelo supervisor.


3. O Modelo de Análise proposto por Emery e Trist para diagnóstico fabril
Reconhecidos como os principais autores da abordagem sócio-técnica, Frederic Emery (1925-
1997) e Eric Trist (1911-1993) consideraram que as empresas são compostas por um subsistema
técnico e por um subsistema social. Defendiam que embora sejam dois subsistemas distintos, a
sua dinâmica funcionamento interno é fundamentalmente interdependente e interactiva. Daqui
resulta uma actividade sistémica com capacidade de produzir a auto-regulação do sistema
organizacional e optimizar o conhecimento técnico das relações existentes entre a componente
técnica e a organização. Simultaneamente, ambos os psicossociólogos, ao conceberem as
empresas como sistemas abertos, propunham estudar a relação entre os sistemas tecnológico e
social a quatro níveis: 1) individual; 2) grupos de trabalho primários; 3) unidades internas
alargadas envolvendo vários níveis de gestão e; 4) a empresa como um todo.
Para Emery e Trist existe o primado do estudo dos sistemas e dos subsistemas de produção das
organizações, das interdependências existentes entre a execução das tarefas e as formas reais da
organização do trabalho, isto é, consoante as formas de organização do trabalho adoptadas, assim
se pode medir a sua produtividade, absentismo, qualidade, rotatividade e acidentes. Por essa
razão, para a abordagem sócio-técnica, existem formas variadas de ajustamento do sistema social
relativamente às contingências do sistema técnico e em que medida este é determinante da
dinâmica do sistema social.
“O sistema tecnológico funciona como uma das condições limitativas determinantes do sistema
social da empresa e tem um papel intermédio entre os fins de uma empresa e o seu ambiente
exterior…a componente tecnológica não somente estabelece os limites nos quais se pode agir,



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mas também, pelo processo de adaptação, cria as necessidades que devem ser tomadas em linha
de conta pela organização interna e os objectivos da empresa” (Emery et al., 1963).


    Pesquisa-acção
Foi um conceito metodológico desenvolvido por Kurt Lewin (1965) que defende que a utilização
deste método implica construir uma teoria e, a partir desta, estudar um grupo ou organização
com o objectivo de modificá-lo. Centra-se numa abordagem de resolução de problemas. Para
isso há que considerá-la uma metodologia que processualmente se desenvolve em 6 principais
fases sequenciais e cíclicas: “Diagnóstico, recolha de dados, feedback ao cliente, a discussão dos
dados pelo cliente, o plano de acção e a acção”.
Na abordagem sócio-técnica das organizações, ao privilegiarem-se os subsistemas técnico e
social, Emery e Trist utilizaram o método de pesquisa-acção. Tinham como intenção provocar a
mudança e o desenvolvimento organizacionais no sentido oposto ao que era desenvolvido pelas
correntes tecnocratas e mecanicistas (onde havia uma sobreposição das forças causais sobre os
valores e normas dinamizadas pelos indivíduos e grupos) a favor de uma abordagem por via da
interacção e interdependência entre o sistema social e técnico.
Esta intervenção metodológica implicava a colaboração entre os investigadores externos e as
diferentes categorias de pessoal que procuravam solucionar problemas sociais e técnicos que
inviabilizassem os processos de mudança e de desenvolvimento organizacionais. Logo, a
adopção desta metodologia pressupunha um programa de estudos, experimentação e acções que
visavam resolver os problemas existentes nas organizações através de uma aprendizagem
sistemática dos investigadores externos e dos membros da organização que intervieram nesses
processos. Tal, exigia que todos os membros interagissem de forma a socializar a percepção e a
superação dos problemas existentes na organização.


    Experiências de intervenção
Este contexto histórico Pós Segunda Guerra Mundial foi propício ao desenvolvimento dos
trabalhos de investigação da abordagem sócio-técnica, porque as suas hipótese teóricas e
métodos de intervenção eram manifestamente positivos para superar os efeitos nefastos dos
princípios e práticas tayloristas e burocráticas institucionalizados na organização do trabalho.
Acresce a esse elemento favorável de desenvolvimento, o clima de diálogo gerado entre
sindicatos, associações patronais e o Estado, no quadro institucional da negociação, participação
e contratação colectiva, inscritas nos princípios da democracia industrial e da co-gestão que se
estava a desenvolver em certos países (Trist, 1981).



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São conhecidas algumas experiências emblemáticas desta abordagem realizadas por
investigadores do Tavistock Institute em Inglaterra, Suécia, Índia, Noruega.
Por ordem histórica e cronológica destacam-se as experiências da “Glacier Metal Company” e
das minas de carvão, na Grã-Bretanha e a democracia industrial, na Noruega. Outros estudos
foram feitos por ex. na Shell inglesa, na SAAB-Scania e na Volvo, na Suécia bem como na
empresa têxtil de Ahmedabad, na Índia, corporizando mudanças importantíssimas na
organização do trabalho, nomeadamente na maior participação dos trabalhadores nos aspectos
relacionados com a execução de tarefas, gerando-se uma melhor ambiência social e um aumento
da produtividade do trabalho.


3.2.1. A Experiência da “Glacier Metal Company”
Este estudo experimental foi liderado por Elliot Jacques (consultor-investigador e médico) desde
1948 até 1970, numa empresa metalúrgica situada com 1300 trabalhadores, situada nos arredores
de Londres. Inspirado nos métodos de intervenção da pesquisa-acção teve a oportunidade de
fazer uma investigação baseada nos postulados teóricos e práticas psicanalíticas e
socioanalíticas, com a finalidade de ajudar a resolver problemas humanos na organização. Os
problemas eram sobretudo provenientes das tensões entre pessoas e grupos ou entre os
indivíduos e a organização. Pretendia, através do seu desbloqueamento, viabilizar o
restabelecimento de relações sociais construtivas conducentes ao bom funcionamento da
empresa.
A sua intervenção foi muito importante, sobretudo nas soluções apresentadas para resolver as
tensões e conflitos interpessoais e intergrupais gerados pelos processos de mudança
desenvolvidos pela empresa entre 1948 e 1951, devidos ao despedimento de cerca de 250
trabalhadores, provocado pela crise da indústria mecânica.
Esta intervenção processou-se a 3 níveis básicos:
- Na estrutura social da empresa (Rede de posições dos indivíduos e grupos distribuídos por um
conjunto de papéis, determinando as relações sociais formais na organização);
- Na cultura da organização (modo tradicional de pensamento e acção que é partilhado pelos
diferentes membros na empresa que se manifestam directamente nos diferentes comportamentos
adoptados) e;
- Na personalidade dos membros da organização (atitudes, crenças, desejos ambições, simpatias
e antipatias, aptidões para estabelecer relações e liderar pessoas, conhecimentos e inteligência).
Para o autor, era importante estudar estes três níveis de forma articulada porque qualquer
organização só pode ser estudada correctamente se for vista como um processo de interacção



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constante entre a estrutura, a cultura e a personalidade, dado uma mudança num destes níveis
repercutir-se no funcionamento global da organização.
Uma das principais causas de problemas que afectou negativamente o funcionamento da empresa
e criou situações de resistência ao processo de mudança, resultou de ansiedades derivadas das
contradições entre a personalidade dos indivíduos e as exigências do papel que eram obrigados a
assumir e, por outro lado, das situações de stress nos grupos. Tudo isto provocado pela
multiplicidade de papéis que um mesmo indivíduo é obrigado a assumir dentro da organização
levando a uma indefinição do seu comportamento na relação com os membros com quem
interage ao mesmo tempo que começam a surgir distorções no processo comunicacional devido
às situações de ambiguidade criadas nas relações entre papéis, gerando stress, conflito e
ansiedade no grupo. Para Jacques, para superar essas contradições, havia que mudar as funções
atribuídas aos papéis de liderança sobre os indivíduos e grupos e identificar o sistema de
remuneração salarial com períodos de autonomia de trabalho, uma vez que esta multiplicidade de
papéis dava lugar à falta de responsabilização e indefinição relacional. Logo a solução passava
por dar aos grupos maior responsabilidade e autonomia na execução das suas tarefas. Interessava
ainda instituir um sistema de remuneração justo e equitativo, de modo a identificar a
personalidade, o papel, o salário e o tempo de trabalho para todos os membros da organização ao
mesmo tempo que se dava maior autonomia aos subordinados para potenciar a sua liberdade de
acção, as suas faculdades e iniciativas pessoais face ao trabalho estipulado pelas suas chefias.


3.2.2. A Intervenção nas Minas de Carvão na Grã-Bretanha

Em finais da década de 1940 os investigadores do Tavistock Institute, Trist e Bantorth actuam ao
nível dos problemas sociopsicológicos das minas de carvão da Grã-Bretanha.
Verificava-se que existia um estado de espírito negativo no seio dos mineiros e, por outro lado, a
organização do trabalho em algumas minas de carvão tinha efeitos negativos na produtividade,
na satisfação do trabalho e no absentismo do local de trabalho. Esta situação levou a que Trist e
Banforth liderassem uma equipa de investigadores para fazerem um estudo, em duas fases
distintas:
Numa primeira fase foi feito um estudo histórico comparativo sobre a organização do trabalho
nas minas de carvão na Grã-Bretanha, antes e depois da introdução da mecanização no processo
de trabalho. Numa segunda fase foram observadas mudanças na organização do trabalho em
algumas dessas minas.
Verificaram que, antes da introdução da mecanização, o trabalho era realizado em equipa. As
diferentes operações eram executadas de forma interdependente e autónoma por cada equipa de
mineiros. Existia rotação na execução das diferentes tarefas, os salários eram iguais e estavam

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dependentes da produtividade de cada equipa de trabalho. Existia um conjunto de estímulos e
motivações que se expressava na concorrência entre as diferentes equipas de trabalho de forma a
produzirem o máximo e a receberem a maior massa salarial possível. Para conseguir estes
objectivos cada equipa de trabalho possuía autonomia para escolher a sua equipa de mineiros,
dando-lhe uma grande coesão e identidade social. Esta autonomia, a satisfação no trabalho e a
amizade entre os diferentes membros das equipas levava a que a produtividade do trabalho
atingisse altos índices e o absentismo e os conflitos laborais fossem quase inexistentes.
Com a introdução da mecanização, os princípios e práticas do taylorismo ganham força. Desde
então cada mineiro fica encarregado de um único posto de trabalho e de executar uma só parte
das tarefas que antes eram distribuídas rotativamente por toda a equipa. A nova organização do
trabalho introduzida pela mecanização das tarefas traduziu-se na formação de um sistema de
remuneração diferenciado, no desenvolvimento da especialização do trabalho e no aumento do
número de qualificações que estavam relacionadas com a execução das tarefas. Contudo,
verifica-se que, com a mecanização, a produtividade aumenta mas também aumentam o
absentismo e os conflitos sociais. Esta realidade resultava dos efeitos perversos criados pela
especialização do trabalho na execução das tarefas, na divisão social do trabalho e na
diferenciação dos sistemas de remuneração. Estas mudanças destruíram as bases da fraternidade
e da cooperação que fundamentavam a interacção e a interdependência no seu seio,
desencadeando o aumento da conflitualidade interpessoal e diminuição da motivação e satisfação
em relação ao trabalho.
Os investigadores Trist e Banforth tiveram oportunidade de observar outras minas de carvão
como Haighmoor, em 1959 e Durham, depois de 1954, verificando que embora utilizando a
mesma tecnologia adoptaram uma organização diferente do trabalho. Nestas minas cada grupo
era suficientemente autónomo para desenvolver as suas tarefas não necessitando de qualquer
supervisão, onde o sistema de remuneração e os prémios de produtividade resultavam do
trabalho de cada grupo e não das qualificações e produtividade do trabalho específico de cada
trabalhador. Todos participavam e decidiam sobre as formas mais adequadas de organização do
trabalho. Como resultado, a moral, a coesão, a identidade social dos mineiros e a produtividade
do trabalho aumentaram extraordinariamente, ao mesmo tempo que o absentismo e os conflitos
laborais decresceram significativamente.

3.2.3. A Democracia Industrial na Noruega
Este projecto esteve a cargo de uma equipa de investigadores liderada por Torsrud e Emery nos
finais da década de 1950. Procuraram articular o impacto das novas tecnologias sobre a



                                                                                             9
organização do trabalho a nível do funcionamento primário das empresas à escala global da
sociedade, realizando um total de quatro importantes experiências em empresas da Noruega.
Predominava neste país nórdico uma excessiva centralização nos processos de tomada de decisão
e as associações sindicais transformaram-se em grandes organizações burocráticas. Neste
contexto tornava-se difícil operacionalizar a participação e a decisão dos trabalhadores no
processo de trabalho relacionado com a execução das tarefas e o funcionamento da organização
em geral. Tal levou à adopção de uma nova organização do trabalho identificada com a
resolução dos problemas de ineficácia dos Recursos Humanos e à difusão dos princípios e
práticas da democracia industrial na Noruega.
Este projecto procurou, portanto, estudar as possibilidades de representação operária nos
conselhos de administração das empresas. Chegou-se à conclusão que para o projecto da
democracia industrial avançar na Noruega tornava-se necessário reestruturar toda a organização
do trabalho, no plano das estruturas e autoridade vertical e horizontal, de forma a permitir que
todos os trabalhadores pudessem participar e decidir democraticamente sobre o funcionamento e
consecução dos objectivos das empresas. A segunda fase consistiu na formação de grupos semi-
autónomos em várias empresas, com o objectivo de equacionar as possíveis modalidades de
reestruturação da organização social do trabalho.
As quatro experiências realizadas em empresas norueguesas permitiram constatar que:
1ª. Numa fábrica metalúrgica com princípios e práticas tayloristas foram criados grupos semi-
autónomos. Como resultado, aumentou a produtividade mas verificou-se uma série de conflitos
resultantes da exigência de um aumento salarial.
2ª. Numa fábrica de papel que utilizava um método de produção contínua foi feito um estudo
sobre as relações interpessoais e o processo comunicacional na empresa. Esta experiência
permitiu verificar que a eficiência da empresa passava pela descentralização da informação, o
que exigia a mudança no papel da chefia e da liderança relativamente aos seus subordinados,
permitindo assim uma maior participação dos trabalhadores no acesso e gestão da informação.
3ª. No departamento da produção de caloríferos da fábrica Nobo, reorganizou-se o trabalho em
grupos semi-autónomos sendo da sua responsabilidade o controlo e coordenação das tarefas; o
desenvolvimento de formação a todos os trabalhadores para executarem as diferentes tarefas,
incentivou-se a rotatividade dos postos de trabalho e tarefas consoante as conveniências do
grupo; introduziu-se a supervisão apenas no final do produto e o sistema de remuneração
assentava num salário baseado na antiguidade e na experiência, assim como um prémio de
grupo.
Esta experiência foi considerada muito positiva porque permitiu observar que a constituição dos
grupos semi-autónomos, identificados com os princípios da democracia industrial, aumentava a

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produtividade do trabalho. Por outro lado, a rotatividade do pessoal e o absentismo diminuíram,
enquanto a motivação e satisfação no trabalho aumentaram.
4ª. Numa fábrica de adubos foram criadas 5 equipas de trabalho com 12 pessoas cada. Em cada
equipa existiam 3 grupos, sendo cada grupo constituído por 4 pessoas. Cada elemento da equipa
podia participar integralmente nas tarefas da equipa e todos tinham o conhecimento necessário
da globalidade do processo de trabalho. O grupo de trabalho passou a ter a responsabilidade pela
coordenação da execução das tarefas (que anteriormente faziam parte da supervisão). Esta
mudança obrigou à existência de uma grande formação e polivalência profissional para todos os
membros dos grupos, instituindo-se a aprendizagem como rotina no seio de cada grupo. Os
resultados foram francamente animadores. O absentismo diminuiu, a produtividade do trabalho
aumentou significativamente, ao mesmo tempo que a moral e a satisfação dos operários era
grande.
Destas experiências foram extraídos alguns ensinamentos que passaram a corporizar os
pressupostos teóricos e metodológicos da abordagem sócio-técnica. Trist (1978:57) sintetiza
algumas dessas principais diferenças, com o objectivo de alertar para os grandes problemas da
gestão de topo bem como dos problemas primários dos departamentos e grupos de trabalho:

             Antes da Mudança                               Depois da mudança
 Separação entre supervisão e execução.          Grupos organizados por grupos de trabalho
                                                 semi-autónomos.

 Cada trabalhador desempenha uma única Os trabalhadores rodam sistematicamente entre
 tarefa.                               tarefas.

 Cada posto de trabalho tem um trabalhador Os postos de trabalho não estão associados a
 particular.                               trabalhadores particulares.

 Não há movimentação de trabalhadores de um Os trabalhadores movem-se livremente de um
 grupo de trabalho para outro.              grupo de trabalho para outro.



4. Súmula conclusiva e análise crítica à abordagem sócio-técnica
As organizações são entendidas como sistemas sociais assentes na interdependência e na
interacção entre os seus subsistemas estruturais e funcionais, nomeadamente na execução de
tarefas, no processo de tomada de decisão e na organização do trabalho.
Na abordagem sócio-técnica, para uma mesma tecnologia, é possível estruturar uma organização
do trabalho baseada nas decisões e participação do trabalho em grupo. É o grupo, através do seu
funcionamento interno, que coordena e controla a execução das tarefas, não existindo uma
supervisão externa. As relações entre os diferentes trabalhadores passam a ser dominadas pela


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cooperação e solidariedade, fomentando a coesão e a integração sociais, imprescindíveis para a
consecução dos objectivos do grupo e da organização.
Outro pressuposto norteador da corrente sócio-técnica está em defender que o trabalho enquanto
acção humana e social relacionada com qualquer tecnologia, atinge uma maior eficiência em
grupo do que circunscrito a uma função polarizada do trabalho individual centrada na
especialização e na competição entre os diferentes indivíduos que executam uma determinada
tarefa.
Os diferentes estudos de intervenção da corrente sócio-técnica nas empresas da Noruega, Grã-
Bretanha, índia, Suécia demonstram várias virtualidades nas novas formas de organização do
trabalho adoptadas após as décadas de 1940-1950:
a) sendo os trabalhadores a decidir e participar na organização do trabalho, a sua criatividade e
responsabilidade de execução das tarefas aumentam substancialmente;
b) aumentando a motivação e a identidade em relação ao trabalho, desenvolve-se a coesão
social e a eficiência nas empresas;
c) uma mudança organizacional positiva exige um diálogo profundo e sistemático entre
investigadores e organização, por forma a permitir uma intervenção baseada na pesquisa-acção,
que tem por intenção não só realizar diagnósticos aprofundados ao problemas que afectam o
funcionamento interno da empresa como também permitir a sua superação através de condutas
humanas assentes em relações interpessoais dialógicas e democráticas.
Numa perspectiva geral das correntes do pensamento em gestão, a abordagem sócio-técnica,
impulsionada pelo Tavistock Institute, mais do que a criação de formas inteiramente novas de
organização do trabalho deve ser vista como parte de uma metodologia capaz de repensar a
organização do trabalho na empresa paralelamente ao modelo da Organização Científica do
Trabalho pois, num ambiente económico global e competitivo, torna-se imperioso não
equacionar um único caminho em matéria de organização do trabalho e gestão de empresas.
Segundo o modelo conceptual da abordagem sócio-técnica constatamos que era sua intenção
dinamizar a aprendizagem, a participação activa dos diferentes actores na empresa (desde a
direcção aos trabalhadores) e o desenvolvimento da autonomia e responsabilidade dos
colaboradores com o objectivo de contribuir para a melhoria da qualidade de vida no trabalho
bem como da performance sócio-económica da empresa.
Neste sentido, a abordagem sócio-técnica revela-se muito actual, nomeadamente no contexto
empresarial português onde, para a análise e melhoria da produtividade, teremos que ter em
conta não apenas variáveis ligadas ao capital físico, tecnológico e humano da empresa mas
também incluir o desenho organizacional da empresa e a maneira como ela organiza o trabalho,



                                                                                              12
preocupações estas preconizadas pela primeira vez pelos autores da abordagem sócio-técnica na
teoria das organizações.
Contudo, hoje continuamos a verificar que a maioria das empresas nacionais ainda segue uma
linha muito mais tecnológica do que humana, o que pode ser explicado pela falta de recursos
humanos qualificados e acentuado défice de participação do pessoal nas mudanças técnicas,
tecnológicas e organizacionais introduzidas nas e pelas empresas. Portugal revela ainda uma
cultura empresarial fortemente enraizada nos princípios tecnocratas e burocráticos da
Organização Científica do Trabalho, valorizando o lucro em detrimento do desenvolvimento do
seu capital intelectual. As empresas tendem a inovar, na maior parte dos casos, ao nível dos
processos tecnológicos e só muito raramente essa inovação é ao nível sócio-organizacional, o
que pode explicar o insucesso empresarial e produtivo da nossa realidade económica actual. Este
pressuposto leva-nos a concluir da necessidade de colocar ao mesmo nível quer a inovação
tecnológica quer a inovação organizacional e social da empresa como dois pólos igualmente
importantes para melhoria da viabilidade e competitividade empresarial.
Se tomarmos como exemplo o caso japonês, constatamos que eles, ao contrário das empresas
portuguesas, explicam o seu sucesso organizacional mais pela eficácia na gestão de pessoas, na
motivação de comportamentos e na gestão de uma cultura organizacional congruente com o meio
ambiente do que na eficácia dos equipamentos tecnológicos. Investiram, nos últimos anos,
sobretudo no enriquecimento do conteúdo de trabalho, na iniciativa, responsabilidade e
autonomia funcionais bem como em modelos de gestão assentes na polivalência e empowerment
para fazer face aos desafios colocados pela evolução do meio em que operam.
Ainda que a abordagem sócio-técnica assentasse em ideias inteiramente novas e diferentes face
ao paradigma taylorista elas foram alvo de forte oposição por parte das organizações
contemporâneas, uma vez que ameaçavam as estruturas de poder. Contudo também se reconhece
a sua influência nas mudanças trazidas ao nível dos valores sociais e seus efeitos nas
organizações e indivíduos, nomeadamente na alteração da sua performance produtiva, nas
oportunidades de aprendizagem, na variedade funcional, no apoio organizacional e no maior
poder de decisão e responsabilidade, capazes de incentivar a flexibilidade e a aquisição de novas
competências tornando as empresas mais competitivas e facilitando a sua constante
adaptabilidade às variações do meio envolvente, muito características da sociedade económica
actual.




                                                                                              13
Principais Referências

Emery, F.E. (1959), Characteristics of Socio-technical Systems, Tavistock, London.

Emery, F.E. e Trist, E.L. (1964), “Social-technical Systems”, Management Sciences: Models and
Techniques, Churchman, C.W. e Verhulst, M. (Eds.), New York, Pergamon.

Ferreira, J.M.C. (2001) “Teoria Geral dos Sistemas e Abordagem Sociotécnica”, in Ferreira
J.M.C., Neves, J. e Caetano, A. (Eds) Manual de Psicossociologia das Organizações, Amadora,
McGraw-Hill Portugal, pp.49-75.

Trist, E.L.; Higgin, G.; Murray, H. e Pollock, A. (1963), Organisational Choise, London,
Tavistock.

Trist, E. L. (1978) “On Socio-technical Systems”, in William A. Pasmore and John J. Sherwood
(eds), Socio- Technical Systems: A Sourcebook, LaJolla CA:University Associates Inc., pp. 43-
57.

Trist, E.L. (1981) “The evolution of socio-tecnical systems, Issus in the quality of working life”,
ocasional papers, June, Canada, Ontário Ministry of Labour.




                                                                                                14

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Abordagem sociotecnica

  • 1. Revisão de Literatura Abordagem Sócio-Técnica Dora Cristina Moreira Martins Novembro de 2006
  • 2. 1. Introdução Para a revisão da literatura à Abordagem Sócio-Técnica o ponto de partida centrou-se no artigo de E. Trist (1978) On Socio-Technical Systems, publicado na colectânea Human Relations – Theory and Developments, da Colecção History of Management Thought. Trist propõe neste artigo oferecer uma contribuição no sentido de desenvolver uma teoria geral da empresa como um sistema sócio-técnico aberto capaz de compreender um grande número de problemas industriais específicos. O ponto fulcral no artigo de Trist é o de considerar que as organizações, como sistemas sócio- técnicos abertos, ajudam a dar uma imagem mais realista de como ambos os subsistemas podem influenciar e ser capazes de actuar de novo no seu ambiente circundante. On Socio-Technical Systems é, portanto, uma leitura actual e prospectiva das organizações contemporâneas, na qual o autor desenvolve uma perspectiva teórica mas partindo da observação empírica a partir da metodologia pesquisa-acção. A partir das hipóteses teóricas da teoria geral dos sistemas, o Tavistock Institute of Human Relations, institucionalizado em Londres, em 1946, inicia um conjunto de investigações nos campos relacional e organizacional. Com uma identidade de trabalho orientada para o desenvolvimento de métodos de pesquisa-acção vai ter um importante papel na difusão dos sistemas sociotécnicos, com vista a uma intervenção centrada no desenvolvimento e mudança organizacionais. 2. A Abordagem Sócio-Técnica das organizações 2.1. As origens da Abordagem Sócio-Técnica Após a Segunda Guerra Mundial, as fortes mudanças económicas, sociais, políticas e culturais nos países mais desenvolvidos (E.U.A. e Europa Ocidental) tiveram implicações determinantes no funcionamento das organizações, fazendo emergir a abordagem sócio-técnica. A abordagem sócio-técnica privilegiou nos seus estudos uma intervenção centrada na participação democrática dos trabalhadores nas organizações e, por outro lado, desenvolveu um modelo de análise baseado no equilíbrio e optimização dos subsistemas técnico e social no funcionamento das organizações. Sob forte influência da Teoria Geral dos Sistemas, com particular ênfase para a perspectiva de Bertalanffy (1973), as organizações das décadas de 1940-1950 teriam que ser observadas enquanto sistemas abertos, isto é, como realidades integradas e universais. Pela primeira vez, são criticados os modelos taylorista e burocrático de organização do trabalho caracterizados 2
  • 3. enquanto modelos fechados, isolados do ambiente externo circundante e seguindo o imperativo tecnológico. Os sistemas abertos, pelo contrário, apresentam relações de intercâmbio com o ambiente através da troca de informação, recursos, matéria e energia. São eminentemente adaptativos para sobreviverem e reajustam-se constantemente às condições do meio, de forma a produzirem a ordem e a organização do sistema, ao mesmo tempo que contrariam a desintegração da entropia positiva que é produzida internamente. As organizações, segundo a teoria geral dos sistemas, são analisadas como sistemas abertos, cujo funcionamento incide em três premissas específicas: 1. Serem interdependentes (a mudança numa das partes do sistema afecta todas as outras partes do sistema organizacional); 2. Serem totais (há que encarar a organização do ponto de vista do seu funcionamento global); 3. Serem sinergéticas (compreendendo o sistema interactivo das partes da organização e explicar que o todo é maior que a soma das partes). Na medida em que existe interdependência entre as diferentes partes da organização enquanto sistema, a teoria geral dos sistemas ajuda a estabelecer as fronteiras específicas da organização, dando-nos a perceber a sua localização, identificação social, os seus objectivos, as suas estruturas, os seus valores, as suas funções específicas e de que forma importam e exportam energia, recursos, informação e matérias do meio ambiente. Na perspectiva sociológica da teoria geral dos sistemas, H. Spencer e T. Parsons reflectiram sobre a organização enquanto sistema aberto e organismo social defendendo que as organizações tendem a evoluir de formas simples e homogéneas para formas complexas, heterogéneas e mutuamente dependentes umas das outras, funcionando no sentido da produção de resultados comuns. Tal exige modelos institucionalizados de cultura normativa (valores, normas, papéis, colectividades) que definem e orientam a ordem social das organizações da sociedade, bem como, do comportamento dos grupos e dos indivíduos, onde passam a ser formalizados os níveis hierárquicos da autoridade e papéis inerentes, seja dentro dos grupos, das organizações ou da própria sociedade. No domínio da psicossociologia das organizações destacam-se Kartz e Kahn que no seu modelo teórico dão especial atenção aos problemas das relações, das estruturas e da interdependência que enformam o funcionamento das organizações. As organizações são, para estes autores, sistemas abertos porque dependem do meio ambiente circundante ao mesmo tempo que são sistemas sociais com cultura, valores, estruturas, normas e regras. Funcionam como um sistema de papéis com características específicas, dado serem constituídos por seres humanos, recursos 3
  • 4. materiais e tecnológicos que não interagem de forma natural mas humana, resultado das atitudes, percepções, motivações, crenças, hábitos e expectativas dos seres humanos, razão pela qual necessitam de utilizar forças de controlo, coordenação e planeamento para reduzir a variabilidade do comportamento humano e tornar possível alcançar os mesmos resultados para o sistema social (por parte dos fundadores, líderes e restantes membros da organização). Ambas as perspectivas (sociológica e psicológica) da teoria geral dos sistemas constituem-se e desenvolvem-se como resposta a um paradigma científico que pretende explicar e compreender as organizações enquanto sistemas abertos numa relação de troca de inputs e outputs com o meio ambiente envolvente. 2.2. Interacção entre o sistema técnico e o sistema social na organização do trabalho Vulgarizado na Europa do Norte, o modelo conceptual da abordagem sócio-técnica obdece a uma lógica completamente distinta do taylorismo, afirmando cientificamente a ruptura com os princípios da Organização Científica do Trabalho: percelarização, especialização, imposição de tempos, individualização, separação controlo/execução a favor da criação de grupos semi- autónomos de produção caracterizados pelos princípios de aprendizagem, autonomia, iniciativa, flexibilidade e envolvimento dos trabalhadores. Os principais representantes desta nova abordagem organizacional (Trist, Emery, Rice, Banforth), ao defenderem a empresa enquanto sistema sócio-técnico aberto onde há dois grandes subsistemas que se interpenetram (o técnico e o social), rompem com 1) o postulado do determinismo tecnológico, segundo o qual era a aplicação do sistema técnico que garantia a distribuição por postos de trabalho, individuais e não qualificados e com 2) o postulado de que o indivíduo devia ser o elemento base sobre o qual era organizado o trabalho. No essencial, são estas duas rupturas que marcam a originalidade da corrente sócio-técnica, difundida pelo Tavistock Institute. O Tavistock Institute concebe a organização como um sistema sócio-técnico resultante da interacção entre o sistema tecnológico e o sistema social. Enquanto o sistema tecnológico é determinado pelas exigências típicas das tarefas que são executadas em cada organização, quer em termos de competências quer dos conhecimentos exigidos pelo tipo de equipamento, estruturas físicas e matérias-primas, o sistema social é constituído pelas pessoas e respectivas interacções. Ambos os subsistemas são mutuamente dependentes, influenciando-se reciprocamente, isto é, a natureza da tarefa influencia a forma de dispor e organizar as pessoas e a características psicossociais determinam cada posto de trabalho. A premissa de equacionar a organização como um sistema aberto em permanente interdependência com o meio envolvente torna necessário o desenvolvimento de modos 4
  • 5. colaborativos de acção, cabendo ao sistema técnico o controlo das ferramentas e técnicas adequadas às tarefas de conversão dos inputs em outputs, sendo responsável pela eficiência potencial das organizações e ao sistema social a responsabilidade pela divisão do trabalho e sua coordenação, quer ao nível das pessoas quer da própria estrutura de trabalho, estando-lhe atribuída como principal função a transformação da eficiência potencial em eficiência real. Importa, portanto, à abordagem sócio-técnica analisar o sistema de trabalho como um todo – tarefas, tecnologias, pessoas e estruturas – assumindo-se estas como variáveis básicas e interdependentes para a mudança organizacional. Pela primeira vez, a organização é descrita como uma realidade sistémica, onde o indivíduo mais do que extensão da máquina, complementa-a, onde a importância do grupo de trabalho se sobrepõe ao indivíduo, valorizando-se a supervisão interna pelo grupo e não a supervisão do indivíduo pelo supervisor. 3. O Modelo de Análise proposto por Emery e Trist para diagnóstico fabril Reconhecidos como os principais autores da abordagem sócio-técnica, Frederic Emery (1925- 1997) e Eric Trist (1911-1993) consideraram que as empresas são compostas por um subsistema técnico e por um subsistema social. Defendiam que embora sejam dois subsistemas distintos, a sua dinâmica funcionamento interno é fundamentalmente interdependente e interactiva. Daqui resulta uma actividade sistémica com capacidade de produzir a auto-regulação do sistema organizacional e optimizar o conhecimento técnico das relações existentes entre a componente técnica e a organização. Simultaneamente, ambos os psicossociólogos, ao conceberem as empresas como sistemas abertos, propunham estudar a relação entre os sistemas tecnológico e social a quatro níveis: 1) individual; 2) grupos de trabalho primários; 3) unidades internas alargadas envolvendo vários níveis de gestão e; 4) a empresa como um todo. Para Emery e Trist existe o primado do estudo dos sistemas e dos subsistemas de produção das organizações, das interdependências existentes entre a execução das tarefas e as formas reais da organização do trabalho, isto é, consoante as formas de organização do trabalho adoptadas, assim se pode medir a sua produtividade, absentismo, qualidade, rotatividade e acidentes. Por essa razão, para a abordagem sócio-técnica, existem formas variadas de ajustamento do sistema social relativamente às contingências do sistema técnico e em que medida este é determinante da dinâmica do sistema social. “O sistema tecnológico funciona como uma das condições limitativas determinantes do sistema social da empresa e tem um papel intermédio entre os fins de uma empresa e o seu ambiente exterior…a componente tecnológica não somente estabelece os limites nos quais se pode agir, 5
  • 6. mas também, pelo processo de adaptação, cria as necessidades que devem ser tomadas em linha de conta pela organização interna e os objectivos da empresa” (Emery et al., 1963). Pesquisa-acção Foi um conceito metodológico desenvolvido por Kurt Lewin (1965) que defende que a utilização deste método implica construir uma teoria e, a partir desta, estudar um grupo ou organização com o objectivo de modificá-lo. Centra-se numa abordagem de resolução de problemas. Para isso há que considerá-la uma metodologia que processualmente se desenvolve em 6 principais fases sequenciais e cíclicas: “Diagnóstico, recolha de dados, feedback ao cliente, a discussão dos dados pelo cliente, o plano de acção e a acção”. Na abordagem sócio-técnica das organizações, ao privilegiarem-se os subsistemas técnico e social, Emery e Trist utilizaram o método de pesquisa-acção. Tinham como intenção provocar a mudança e o desenvolvimento organizacionais no sentido oposto ao que era desenvolvido pelas correntes tecnocratas e mecanicistas (onde havia uma sobreposição das forças causais sobre os valores e normas dinamizadas pelos indivíduos e grupos) a favor de uma abordagem por via da interacção e interdependência entre o sistema social e técnico. Esta intervenção metodológica implicava a colaboração entre os investigadores externos e as diferentes categorias de pessoal que procuravam solucionar problemas sociais e técnicos que inviabilizassem os processos de mudança e de desenvolvimento organizacionais. Logo, a adopção desta metodologia pressupunha um programa de estudos, experimentação e acções que visavam resolver os problemas existentes nas organizações através de uma aprendizagem sistemática dos investigadores externos e dos membros da organização que intervieram nesses processos. Tal, exigia que todos os membros interagissem de forma a socializar a percepção e a superação dos problemas existentes na organização. Experiências de intervenção Este contexto histórico Pós Segunda Guerra Mundial foi propício ao desenvolvimento dos trabalhos de investigação da abordagem sócio-técnica, porque as suas hipótese teóricas e métodos de intervenção eram manifestamente positivos para superar os efeitos nefastos dos princípios e práticas tayloristas e burocráticas institucionalizados na organização do trabalho. Acresce a esse elemento favorável de desenvolvimento, o clima de diálogo gerado entre sindicatos, associações patronais e o Estado, no quadro institucional da negociação, participação e contratação colectiva, inscritas nos princípios da democracia industrial e da co-gestão que se estava a desenvolver em certos países (Trist, 1981). 6
  • 7. São conhecidas algumas experiências emblemáticas desta abordagem realizadas por investigadores do Tavistock Institute em Inglaterra, Suécia, Índia, Noruega. Por ordem histórica e cronológica destacam-se as experiências da “Glacier Metal Company” e das minas de carvão, na Grã-Bretanha e a democracia industrial, na Noruega. Outros estudos foram feitos por ex. na Shell inglesa, na SAAB-Scania e na Volvo, na Suécia bem como na empresa têxtil de Ahmedabad, na Índia, corporizando mudanças importantíssimas na organização do trabalho, nomeadamente na maior participação dos trabalhadores nos aspectos relacionados com a execução de tarefas, gerando-se uma melhor ambiência social e um aumento da produtividade do trabalho. 3.2.1. A Experiência da “Glacier Metal Company” Este estudo experimental foi liderado por Elliot Jacques (consultor-investigador e médico) desde 1948 até 1970, numa empresa metalúrgica situada com 1300 trabalhadores, situada nos arredores de Londres. Inspirado nos métodos de intervenção da pesquisa-acção teve a oportunidade de fazer uma investigação baseada nos postulados teóricos e práticas psicanalíticas e socioanalíticas, com a finalidade de ajudar a resolver problemas humanos na organização. Os problemas eram sobretudo provenientes das tensões entre pessoas e grupos ou entre os indivíduos e a organização. Pretendia, através do seu desbloqueamento, viabilizar o restabelecimento de relações sociais construtivas conducentes ao bom funcionamento da empresa. A sua intervenção foi muito importante, sobretudo nas soluções apresentadas para resolver as tensões e conflitos interpessoais e intergrupais gerados pelos processos de mudança desenvolvidos pela empresa entre 1948 e 1951, devidos ao despedimento de cerca de 250 trabalhadores, provocado pela crise da indústria mecânica. Esta intervenção processou-se a 3 níveis básicos: - Na estrutura social da empresa (Rede de posições dos indivíduos e grupos distribuídos por um conjunto de papéis, determinando as relações sociais formais na organização); - Na cultura da organização (modo tradicional de pensamento e acção que é partilhado pelos diferentes membros na empresa que se manifestam directamente nos diferentes comportamentos adoptados) e; - Na personalidade dos membros da organização (atitudes, crenças, desejos ambições, simpatias e antipatias, aptidões para estabelecer relações e liderar pessoas, conhecimentos e inteligência). Para o autor, era importante estudar estes três níveis de forma articulada porque qualquer organização só pode ser estudada correctamente se for vista como um processo de interacção 7
  • 8. constante entre a estrutura, a cultura e a personalidade, dado uma mudança num destes níveis repercutir-se no funcionamento global da organização. Uma das principais causas de problemas que afectou negativamente o funcionamento da empresa e criou situações de resistência ao processo de mudança, resultou de ansiedades derivadas das contradições entre a personalidade dos indivíduos e as exigências do papel que eram obrigados a assumir e, por outro lado, das situações de stress nos grupos. Tudo isto provocado pela multiplicidade de papéis que um mesmo indivíduo é obrigado a assumir dentro da organização levando a uma indefinição do seu comportamento na relação com os membros com quem interage ao mesmo tempo que começam a surgir distorções no processo comunicacional devido às situações de ambiguidade criadas nas relações entre papéis, gerando stress, conflito e ansiedade no grupo. Para Jacques, para superar essas contradições, havia que mudar as funções atribuídas aos papéis de liderança sobre os indivíduos e grupos e identificar o sistema de remuneração salarial com períodos de autonomia de trabalho, uma vez que esta multiplicidade de papéis dava lugar à falta de responsabilização e indefinição relacional. Logo a solução passava por dar aos grupos maior responsabilidade e autonomia na execução das suas tarefas. Interessava ainda instituir um sistema de remuneração justo e equitativo, de modo a identificar a personalidade, o papel, o salário e o tempo de trabalho para todos os membros da organização ao mesmo tempo que se dava maior autonomia aos subordinados para potenciar a sua liberdade de acção, as suas faculdades e iniciativas pessoais face ao trabalho estipulado pelas suas chefias. 3.2.2. A Intervenção nas Minas de Carvão na Grã-Bretanha Em finais da década de 1940 os investigadores do Tavistock Institute, Trist e Bantorth actuam ao nível dos problemas sociopsicológicos das minas de carvão da Grã-Bretanha. Verificava-se que existia um estado de espírito negativo no seio dos mineiros e, por outro lado, a organização do trabalho em algumas minas de carvão tinha efeitos negativos na produtividade, na satisfação do trabalho e no absentismo do local de trabalho. Esta situação levou a que Trist e Banforth liderassem uma equipa de investigadores para fazerem um estudo, em duas fases distintas: Numa primeira fase foi feito um estudo histórico comparativo sobre a organização do trabalho nas minas de carvão na Grã-Bretanha, antes e depois da introdução da mecanização no processo de trabalho. Numa segunda fase foram observadas mudanças na organização do trabalho em algumas dessas minas. Verificaram que, antes da introdução da mecanização, o trabalho era realizado em equipa. As diferentes operações eram executadas de forma interdependente e autónoma por cada equipa de mineiros. Existia rotação na execução das diferentes tarefas, os salários eram iguais e estavam 8
  • 9. dependentes da produtividade de cada equipa de trabalho. Existia um conjunto de estímulos e motivações que se expressava na concorrência entre as diferentes equipas de trabalho de forma a produzirem o máximo e a receberem a maior massa salarial possível. Para conseguir estes objectivos cada equipa de trabalho possuía autonomia para escolher a sua equipa de mineiros, dando-lhe uma grande coesão e identidade social. Esta autonomia, a satisfação no trabalho e a amizade entre os diferentes membros das equipas levava a que a produtividade do trabalho atingisse altos índices e o absentismo e os conflitos laborais fossem quase inexistentes. Com a introdução da mecanização, os princípios e práticas do taylorismo ganham força. Desde então cada mineiro fica encarregado de um único posto de trabalho e de executar uma só parte das tarefas que antes eram distribuídas rotativamente por toda a equipa. A nova organização do trabalho introduzida pela mecanização das tarefas traduziu-se na formação de um sistema de remuneração diferenciado, no desenvolvimento da especialização do trabalho e no aumento do número de qualificações que estavam relacionadas com a execução das tarefas. Contudo, verifica-se que, com a mecanização, a produtividade aumenta mas também aumentam o absentismo e os conflitos sociais. Esta realidade resultava dos efeitos perversos criados pela especialização do trabalho na execução das tarefas, na divisão social do trabalho e na diferenciação dos sistemas de remuneração. Estas mudanças destruíram as bases da fraternidade e da cooperação que fundamentavam a interacção e a interdependência no seu seio, desencadeando o aumento da conflitualidade interpessoal e diminuição da motivação e satisfação em relação ao trabalho. Os investigadores Trist e Banforth tiveram oportunidade de observar outras minas de carvão como Haighmoor, em 1959 e Durham, depois de 1954, verificando que embora utilizando a mesma tecnologia adoptaram uma organização diferente do trabalho. Nestas minas cada grupo era suficientemente autónomo para desenvolver as suas tarefas não necessitando de qualquer supervisão, onde o sistema de remuneração e os prémios de produtividade resultavam do trabalho de cada grupo e não das qualificações e produtividade do trabalho específico de cada trabalhador. Todos participavam e decidiam sobre as formas mais adequadas de organização do trabalho. Como resultado, a moral, a coesão, a identidade social dos mineiros e a produtividade do trabalho aumentaram extraordinariamente, ao mesmo tempo que o absentismo e os conflitos laborais decresceram significativamente. 3.2.3. A Democracia Industrial na Noruega Este projecto esteve a cargo de uma equipa de investigadores liderada por Torsrud e Emery nos finais da década de 1950. Procuraram articular o impacto das novas tecnologias sobre a 9
  • 10. organização do trabalho a nível do funcionamento primário das empresas à escala global da sociedade, realizando um total de quatro importantes experiências em empresas da Noruega. Predominava neste país nórdico uma excessiva centralização nos processos de tomada de decisão e as associações sindicais transformaram-se em grandes organizações burocráticas. Neste contexto tornava-se difícil operacionalizar a participação e a decisão dos trabalhadores no processo de trabalho relacionado com a execução das tarefas e o funcionamento da organização em geral. Tal levou à adopção de uma nova organização do trabalho identificada com a resolução dos problemas de ineficácia dos Recursos Humanos e à difusão dos princípios e práticas da democracia industrial na Noruega. Este projecto procurou, portanto, estudar as possibilidades de representação operária nos conselhos de administração das empresas. Chegou-se à conclusão que para o projecto da democracia industrial avançar na Noruega tornava-se necessário reestruturar toda a organização do trabalho, no plano das estruturas e autoridade vertical e horizontal, de forma a permitir que todos os trabalhadores pudessem participar e decidir democraticamente sobre o funcionamento e consecução dos objectivos das empresas. A segunda fase consistiu na formação de grupos semi- autónomos em várias empresas, com o objectivo de equacionar as possíveis modalidades de reestruturação da organização social do trabalho. As quatro experiências realizadas em empresas norueguesas permitiram constatar que: 1ª. Numa fábrica metalúrgica com princípios e práticas tayloristas foram criados grupos semi- autónomos. Como resultado, aumentou a produtividade mas verificou-se uma série de conflitos resultantes da exigência de um aumento salarial. 2ª. Numa fábrica de papel que utilizava um método de produção contínua foi feito um estudo sobre as relações interpessoais e o processo comunicacional na empresa. Esta experiência permitiu verificar que a eficiência da empresa passava pela descentralização da informação, o que exigia a mudança no papel da chefia e da liderança relativamente aos seus subordinados, permitindo assim uma maior participação dos trabalhadores no acesso e gestão da informação. 3ª. No departamento da produção de caloríferos da fábrica Nobo, reorganizou-se o trabalho em grupos semi-autónomos sendo da sua responsabilidade o controlo e coordenação das tarefas; o desenvolvimento de formação a todos os trabalhadores para executarem as diferentes tarefas, incentivou-se a rotatividade dos postos de trabalho e tarefas consoante as conveniências do grupo; introduziu-se a supervisão apenas no final do produto e o sistema de remuneração assentava num salário baseado na antiguidade e na experiência, assim como um prémio de grupo. Esta experiência foi considerada muito positiva porque permitiu observar que a constituição dos grupos semi-autónomos, identificados com os princípios da democracia industrial, aumentava a 10
  • 11. produtividade do trabalho. Por outro lado, a rotatividade do pessoal e o absentismo diminuíram, enquanto a motivação e satisfação no trabalho aumentaram. 4ª. Numa fábrica de adubos foram criadas 5 equipas de trabalho com 12 pessoas cada. Em cada equipa existiam 3 grupos, sendo cada grupo constituído por 4 pessoas. Cada elemento da equipa podia participar integralmente nas tarefas da equipa e todos tinham o conhecimento necessário da globalidade do processo de trabalho. O grupo de trabalho passou a ter a responsabilidade pela coordenação da execução das tarefas (que anteriormente faziam parte da supervisão). Esta mudança obrigou à existência de uma grande formação e polivalência profissional para todos os membros dos grupos, instituindo-se a aprendizagem como rotina no seio de cada grupo. Os resultados foram francamente animadores. O absentismo diminuiu, a produtividade do trabalho aumentou significativamente, ao mesmo tempo que a moral e a satisfação dos operários era grande. Destas experiências foram extraídos alguns ensinamentos que passaram a corporizar os pressupostos teóricos e metodológicos da abordagem sócio-técnica. Trist (1978:57) sintetiza algumas dessas principais diferenças, com o objectivo de alertar para os grandes problemas da gestão de topo bem como dos problemas primários dos departamentos e grupos de trabalho: Antes da Mudança Depois da mudança Separação entre supervisão e execução. Grupos organizados por grupos de trabalho semi-autónomos. Cada trabalhador desempenha uma única Os trabalhadores rodam sistematicamente entre tarefa. tarefas. Cada posto de trabalho tem um trabalhador Os postos de trabalho não estão associados a particular. trabalhadores particulares. Não há movimentação de trabalhadores de um Os trabalhadores movem-se livremente de um grupo de trabalho para outro. grupo de trabalho para outro. 4. Súmula conclusiva e análise crítica à abordagem sócio-técnica As organizações são entendidas como sistemas sociais assentes na interdependência e na interacção entre os seus subsistemas estruturais e funcionais, nomeadamente na execução de tarefas, no processo de tomada de decisão e na organização do trabalho. Na abordagem sócio-técnica, para uma mesma tecnologia, é possível estruturar uma organização do trabalho baseada nas decisões e participação do trabalho em grupo. É o grupo, através do seu funcionamento interno, que coordena e controla a execução das tarefas, não existindo uma supervisão externa. As relações entre os diferentes trabalhadores passam a ser dominadas pela 11
  • 12. cooperação e solidariedade, fomentando a coesão e a integração sociais, imprescindíveis para a consecução dos objectivos do grupo e da organização. Outro pressuposto norteador da corrente sócio-técnica está em defender que o trabalho enquanto acção humana e social relacionada com qualquer tecnologia, atinge uma maior eficiência em grupo do que circunscrito a uma função polarizada do trabalho individual centrada na especialização e na competição entre os diferentes indivíduos que executam uma determinada tarefa. Os diferentes estudos de intervenção da corrente sócio-técnica nas empresas da Noruega, Grã- Bretanha, índia, Suécia demonstram várias virtualidades nas novas formas de organização do trabalho adoptadas após as décadas de 1940-1950: a) sendo os trabalhadores a decidir e participar na organização do trabalho, a sua criatividade e responsabilidade de execução das tarefas aumentam substancialmente; b) aumentando a motivação e a identidade em relação ao trabalho, desenvolve-se a coesão social e a eficiência nas empresas; c) uma mudança organizacional positiva exige um diálogo profundo e sistemático entre investigadores e organização, por forma a permitir uma intervenção baseada na pesquisa-acção, que tem por intenção não só realizar diagnósticos aprofundados ao problemas que afectam o funcionamento interno da empresa como também permitir a sua superação através de condutas humanas assentes em relações interpessoais dialógicas e democráticas. Numa perspectiva geral das correntes do pensamento em gestão, a abordagem sócio-técnica, impulsionada pelo Tavistock Institute, mais do que a criação de formas inteiramente novas de organização do trabalho deve ser vista como parte de uma metodologia capaz de repensar a organização do trabalho na empresa paralelamente ao modelo da Organização Científica do Trabalho pois, num ambiente económico global e competitivo, torna-se imperioso não equacionar um único caminho em matéria de organização do trabalho e gestão de empresas. Segundo o modelo conceptual da abordagem sócio-técnica constatamos que era sua intenção dinamizar a aprendizagem, a participação activa dos diferentes actores na empresa (desde a direcção aos trabalhadores) e o desenvolvimento da autonomia e responsabilidade dos colaboradores com o objectivo de contribuir para a melhoria da qualidade de vida no trabalho bem como da performance sócio-económica da empresa. Neste sentido, a abordagem sócio-técnica revela-se muito actual, nomeadamente no contexto empresarial português onde, para a análise e melhoria da produtividade, teremos que ter em conta não apenas variáveis ligadas ao capital físico, tecnológico e humano da empresa mas também incluir o desenho organizacional da empresa e a maneira como ela organiza o trabalho, 12
  • 13. preocupações estas preconizadas pela primeira vez pelos autores da abordagem sócio-técnica na teoria das organizações. Contudo, hoje continuamos a verificar que a maioria das empresas nacionais ainda segue uma linha muito mais tecnológica do que humana, o que pode ser explicado pela falta de recursos humanos qualificados e acentuado défice de participação do pessoal nas mudanças técnicas, tecnológicas e organizacionais introduzidas nas e pelas empresas. Portugal revela ainda uma cultura empresarial fortemente enraizada nos princípios tecnocratas e burocráticos da Organização Científica do Trabalho, valorizando o lucro em detrimento do desenvolvimento do seu capital intelectual. As empresas tendem a inovar, na maior parte dos casos, ao nível dos processos tecnológicos e só muito raramente essa inovação é ao nível sócio-organizacional, o que pode explicar o insucesso empresarial e produtivo da nossa realidade económica actual. Este pressuposto leva-nos a concluir da necessidade de colocar ao mesmo nível quer a inovação tecnológica quer a inovação organizacional e social da empresa como dois pólos igualmente importantes para melhoria da viabilidade e competitividade empresarial. Se tomarmos como exemplo o caso japonês, constatamos que eles, ao contrário das empresas portuguesas, explicam o seu sucesso organizacional mais pela eficácia na gestão de pessoas, na motivação de comportamentos e na gestão de uma cultura organizacional congruente com o meio ambiente do que na eficácia dos equipamentos tecnológicos. Investiram, nos últimos anos, sobretudo no enriquecimento do conteúdo de trabalho, na iniciativa, responsabilidade e autonomia funcionais bem como em modelos de gestão assentes na polivalência e empowerment para fazer face aos desafios colocados pela evolução do meio em que operam. Ainda que a abordagem sócio-técnica assentasse em ideias inteiramente novas e diferentes face ao paradigma taylorista elas foram alvo de forte oposição por parte das organizações contemporâneas, uma vez que ameaçavam as estruturas de poder. Contudo também se reconhece a sua influência nas mudanças trazidas ao nível dos valores sociais e seus efeitos nas organizações e indivíduos, nomeadamente na alteração da sua performance produtiva, nas oportunidades de aprendizagem, na variedade funcional, no apoio organizacional e no maior poder de decisão e responsabilidade, capazes de incentivar a flexibilidade e a aquisição de novas competências tornando as empresas mais competitivas e facilitando a sua constante adaptabilidade às variações do meio envolvente, muito características da sociedade económica actual. 13
  • 14. Principais Referências Emery, F.E. (1959), Characteristics of Socio-technical Systems, Tavistock, London. Emery, F.E. e Trist, E.L. (1964), “Social-technical Systems”, Management Sciences: Models and Techniques, Churchman, C.W. e Verhulst, M. (Eds.), New York, Pergamon. Ferreira, J.M.C. (2001) “Teoria Geral dos Sistemas e Abordagem Sociotécnica”, in Ferreira J.M.C., Neves, J. e Caetano, A. (Eds) Manual de Psicossociologia das Organizações, Amadora, McGraw-Hill Portugal, pp.49-75. Trist, E.L.; Higgin, G.; Murray, H. e Pollock, A. (1963), Organisational Choise, London, Tavistock. Trist, E. L. (1978) “On Socio-technical Systems”, in William A. Pasmore and John J. Sherwood (eds), Socio- Technical Systems: A Sourcebook, LaJolla CA:University Associates Inc., pp. 43- 57. Trist, E.L. (1981) “The evolution of socio-tecnical systems, Issus in the quality of working life”, ocasional papers, June, Canada, Ontário Ministry of Labour. 14