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1
0814261-21.2007.4.02.5101 (2007.51.01.814261-1)
AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
REU: JOAQUIM RIBEIRO FILHO E OUTROS
CONCLUSÃO
Nesta data, faço estes autos conclusos
a(o) MM(a)
. Juiz(a) da 3ª Vara Federal Criminal/RJ.
Rio de Janeiro, 07 de março de 2013
ANDREIA AZEVEDO
Diretor(a) de Secretaria
(Sigla usuário da movimentação: JRJIZD)
SENTENÇA D2 - ABSOLUTÓRIAS
1- Relatório:
Trata-se de ação penal promovida pelo Ministério Público Federal em
face de Joaquim Ribeiro Filho, Eduardo de Souza Martins Fernandes, Giuliano
Ancelmo Bento, João Ricardo Ribas Júnior e Samanta Teixeira Basto, qualificados nos
autos.
A punibilidade dos réus Eduardo de Souza Martins Fernandes, Giuliano
Ancelmo Bento, João Ricardo Ribas Júnior e Samanta Teixeira Basto foi extinta, por
sentença, em virtude do cumprimento das condições impostas nas respectivas propostas
de suspensão do processo, remanescendo a ação penal em face de Joaquim Ribeiro
Filho a quem, na qualidade de médico-cirurgião, o MPF imputa responsabilidade
criminal por supostas preterições em fila de espera por transplantes de fígado.
A denúncia foi recebida em 29/07/2008, conforme decisão de fls.
2364/2365, ocasião em que foi, ainda, decretada a prisão preventiva de Joaquim Ribeiro
Filho e parcialmente deferido o pleito de busca e apreensão.
FAC de Joaquim Ribeiro Filho às fls. 2434/2435 e 2519/2521.
Audiência realizada em 06/08/2008, conforme fls. 2488/2489, na qual foi
oferecida pelo MPF proposta de suspensão condicional do processo aos acusados
Giuliano Ancelmo Bento, João Ricardo Ribas Júnior e Samanta Teixeira Basto, a qual
restou aceita.
Audiência realizada em 13/08/2008, conforme fls. 2532/2534, na qual o
Juízo julgou improcedente, em parte, a pretensão punitiva em relação a Eduardo de
Souza Martins Fernandes, no que tange à imputação de peculato consumado, no caso do
transplante de fígado realizado em Carlos Augusto de Alencar Arraes. Em seguida, o
MPF ofereceu proposta de suspensão condicional do processo ao referido acusado, com
relação à segunda imputação (peculato tentado), a qual restou aceita. Por fim, foram
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interrogados os réus Joaquim Ribeiro Filho, às fls. 2535/2539, e Eduardo de Souza
Martins Fernandes, às fls. 2540/2542.
O réu Joaquim Ribeiro Filho foi reinterrogado à fl. 3540, na modalidade
audiovisual.
Ofício da Polícia Federal de apresentação do material apreendido na
“operação fura-fila”, às fls. 2561/2562, cujos termos de acautelamento se encontram às
fls. 2639/2645.
Defesa prévia de Joaquim Ribeiro Filho, às fls. 2653/2677, acerca da
qual se manifestou o MPF às fls. 2692/2695.
Decisão proferida pelo TRF-2ª Região, nos autos do HC nº
2008.02.01.012261-3, para declarar que a restrição quanto à comunicação com corréus
ou testemunhas, imposta pela decisão que deferiu a liminar a Joaquim Ribeiro Filho,
cuja cópia se encontra às fls. 2726/2734, não diz respeito a Eduardo de Souza Martins
Fernandes nem a Carlos Augusto Arraes (fls. 2711/2712).
Fl. 2716. Decisão proferida nos autos do HC nº 2008.02.01.012261-3,
concedendo a ordem para confirmar a liminar anteriormente deferida, no que toca à
prisão preventiva de Joaquim Ribeiro Filho, e determinando que seu afastamento das
funções no Hospital Clementino Fraga Filho se dê apenas em relação aos procedimentos
cirúrgicos relativos a transplantes hepáticos, devendo retornar às atividades inerentes à
atividade de médico e professor.
Fl. 2752. Decisão de indeferimento, pelo Juízo, de pedido da defesa de
Joaquim Ribeiro Filho para a apresentação de resposta à acusação, na forma da Lei
11.719/2008.
Fl. 2795. Decisão determinando a autuação em apartado do traslado das
alegações preliminares de Joaquim Ribeiro Filho, nas quais havia menção à exceção de
suspeição do Juízo, a qual fora julgada improcedente pela 2ª Turma Especializada do
TRF-2ª Região.
Acórdão nos autos do HC nº 2008.02.01.012261-3, em embargos de
declaração, declarando que a restrição imposta ao paciente quanto à realização de
transplantes hepáticos diz respeito apenas à sua atuação na rede pública de saúde (fl.
2867).
Oitiva das testemunhas de acusação Itamar Coppio (carta precatória),
Edílson Duarte dos Santos (carta precatória), Ellen Elizabeth Macedo Barroso
(audiovisual), Lúcio Filgueiras Pacheco Moreira (audiovisual), Luiz Claudio Lerner
(audiovisual), Maria do Socorro Z. Dutra (audiovisual), Rodrigo Martinez (audiovisual),
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Rafael Ferreira da Costa (audiovisual), Henrique Sérgio Moraes Coelho (audiovisual),
Ricardo Antônio Refinettti (audiovisual), Carlos Roberto Cabral (audiovisual) e
Vinicius Gomes da Silveira (audiovisual), às fls. 2934/2935, 2968/2969, 3335, 3336,
3343, 3344, 3345, 3353, 3354, 3365, 3366 e 3367, respectivamente.
Decisão de fls. 3017/3019, na qual foi afastada a preliminar de inépcia da
denúncia, rejeitados os pleitos de anulação do feito e de degravação dos áudios do
monitoramento e deferido o pedido de empréstimo da prova colhida nos autos (petição
do MPF às fls. 2991/2998).
Ofício nº 211/2009 da Coordenação Geral da Central Estadual de
Transplantes, encaminhando a lista completa dos transplantes de fígado cadavéricos
incluindo as modalidades “dominó” e “split”, e indicando a instituição transplantadora,
às fls. 3293/3301.
Ofício nº 07/2010 da Coordenação Geral do Sistema Nacional de
Transplantes, encaminhando as listagens de doações de fígado enviadas pelas Centrais
de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) dos Estados de Minas
Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, de 2002 a 2008, bem como planilha contendo o
quantitativo de doações ocorridas no Brasil, no período de 2002 a 2010, e o número de
transplantes efetivamente realizados a partir dessas doações, às fls. 3315/3331.
Oitiva das testemunhas de defesa Rui Hadad (audiovisual), Silvio José de
Souza Martins (audiovisual), José Benvindo de Faria Neto (audiovisual), Marcos
Oliveira de Sousa (audiovisual), Regina Maria da Veiga Pereira (audiovisual), Adriana
Penha da Silva Riscado (audiovisual), Luiz Roberto Soares Londres (audiovisual),
Alexandre Pinto Cardoso (audiovisual), Pedro Túlio Monteiro de Castro e Abreu Rocha
(audiovisual), Juraci Ghiaroni de Albuquerque e Silva (audiovisual), Ricardo Miguel
Gomes Carvalho (audiovisual), Denise Carvalho da Costa (audiovisual), Adriana
Therezinha C. Souto Castanho de Carvalho (audiovisual), Miguel Arraes de Alencar
Filho (audiovisual), Wagner Cordeiro Marujo e Luiz Augusto Carneiro D’Albuquerque
(carta precatória com audiovisual), às fls. 3372, 3373, 3374, 3377, 3378, 3379, 3380,
3386, 3387, 3388, 3402, 3403, 3406, 3407 e 3344/3445, respectivamente.
Em diligências, o MPF requereu, à fl. 3470, a requisição de envio do
relatório da auditoria nº 6202.
Em diligências, a defesa de Joaquim Ribeiro Filho requereu, às fls.
3476/3479, o encaminhamento, pela Central Estadual de Transplantes do Rio de
Janeiro, de cópia de seu livro de ocorrências referentes aos períodos de 01/09/2006 a
31/12/2006 e de 17/05/2007 a 17/09/2007, o que foi deferido pelo Juízo.
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Certidão à fl. 3484, dando conta da abertura dos anexos 1 (para juntada
das cópias do livro de ocorrências da Coordenação Geral da Central Estadual de
Transplantes), 2 (para juntada da cópia do Processo Ético Disciplinar nº 1561 do
Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) e 3 (para juntada de documentos
apresentados pela defesa em petição de fls. 3483 e 3487).
Certidão à fl. 3517, dando conta da abertura do apenso 4 (para juntada do
Relatório de Auditoria nº 6202).
Alegações finais do MPF, às fls. 3571/3623, requerendo a condenação do
réu Joaquim Ribeiro Filho, em concurso material, nas penas dos arts: a) 312, caput, c/c
327, § 2º, ambos do CP – desvio de órgão para a realização de transplante em Jaime
Ariston; b) 312, caput, do CP – desvio de órgão para a realização de transplante em
Carlos Augusto de Alencar Arraes; c) 299, parágrafo único, do CP – inserção de
declaração falsa na ficha de inscrição do paciente Carlos Augusto Arraes, com o fim de
habilitá-lo a figurar na lista única nacional de receptores de enxerto hepático; d) 299,
caput, do CP – inserção de declaração falsa em laudo médico, com o fim de induzir a
erro o Poder Judiciário no caso Arraes; e) 312, caput c/c art. 14, II, do CP, com a
aplicação da agravante prevista no art. 62, I, do CP – tentativa de desvio de órgão para
realização de transplante em favor de Frederico Sattelmeyer Junior.
Alegações finais da defesa de Joaquim Ribeiro Filho, às fls. 3635/3893,
requerendo a absolvição do réu.
Certidão de traslado de decisão em exceção de suspeição
(2009.51.01.800454-5), à fl. 3894.
Carta de fiscalização de Eduardo de Souza Martins Fernandes, às fls.
3912/3949.
Carta de fiscalização de João Ricardo Ribas Júnior, às fls. 3951/3984.
Carta de fiscalização de Samanta Teixeira Basto, às fls. 3986/4010.
Carta de fiscalização de Giuliano Ancelmo Bento, às fls. 4037/4069.
O MPF manifestou-se pela extinção da punibilidade dos réus Eduardo de
Souza Martins Fernandes, João Ricardo Ribas Júnior, Samanta Teixeira Basto e
Giuliano Ancelmo Bento, devido ao cumprimento das condições impostas e ao decurso
do prazo do sursis processual, sem revogação (fl. 4125). Às fls. 4130/4131, foi proferida
sentença, declarando extinta a punibilidade dos referidos réus, com fundamento no art.
89, § 5º, da Lei 9.099/95.
Às fls. 4113/4413, foi requerida pelo MPF a juntada do pedido de
extensão do sigilo telefônico apresentado pelo Procurador da República responsável
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pela ação civil pública nº 2009.51.01.023884-1, ajuizada contra os réus Joaquim Ribeiro
Filho e Eduardo de Souza Martins Fernandes, de maneira a permitir a utilização da
transcrição do monitoramento telefônico perante o Juízo cível, o que foi deferido à fl.
4119.
É o relatório. Decido.
2- Fundamentação:
2.1- Preliminares:
A defesa arguiu a incompetência do Juízo, sob o argumento de que o
inquérito policial que gerou esta ação penal foi distribuído a esta 3ª Vara Federal
Criminal por dependência aos autos do inquérito policial nº 2004.51.01.502233-2, sem
que houvesse conexão.
A defesa arguiu ainda, a suspeição do MM. Juiz Federal Lafredo Lisboa
Vieira Lopes, sustentando que o referido magistrado teria antecipado juízo de valor
sobre o mérito da ação penal, além de haver participado ativamente da investigação
policial.
Por fim, a defesa alegou nulidade da prova decorrente da interceptação
telefônica, uma vez que a decisão que determinou a realização da medida não teria
demonstrado sua imprescindibilidade, conforme determina a lei de regência, e não teria
sido fundamentada.
Inicialmente, afasto a preliminar de incompetência do Juízo, renovada
pela defesa em sede de alegações finais, por já haver sido apreciada na exceção de
incompetência nº 0811862-82.2008.4.02.5101, cujo teor reproduzo a seguir:
“Por despacho de 5.12.2007, esse MM Juízo determinou a
distribuição do IPL n. 2386/2007 (2007.51.01.814261-1) por
dependência ao IPL 1826/2003 (2004.51.01.502233-2), ambos da
DELEFAZ, em atenção a ofício da autoridade policial que assim
sugeria, com base em unidade de autoria, semelhança de condutas e
unicidade de linha investigatória. Referido despacho está às fls.727
dos autos do IPL n. 2386/2007 no ofício, imediatamente antes.
O excipiente alega que esse MM. Juízo errou ao determinar a
distribuição nesses moldes, com invocação de dois argumentos
consecutivos: (1) esse MM Juízo não teria competência específica
para os crimes narrados na denúncia, e (2) não haveria conexão entre o
transplante apurado no IPL n. 1286/2003 e os transplantes apurados
no IPL 2386/2007.
A conexão probatória é, contudo, evidente. O modo de
execução dos desvios de órgão narrados na denúncia é amplamente
semelhante, em especial nos casos de Jaime Ariston e Frederico
Satelmeyer, cada qual apurado em um dos inquéritos policiais. Esses
dois casos envolvem atividade probatória relativa aos critérios de
utilização de fígado marginal, tanto os gerais quanto os concretamente
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aplicados, bem como ao funcionamento e à administração da lista
única e à dispensa de pacientes que já estavam internados em
preparação para a cirurgia de transplante.
O caso de Carlos Augusto Arraes, embora não tenha envolvido
a temática do fígado marginal, envolve, de todo modo, atividade
probatória relativa ao funcionamento e à administração da lista única,
imbricando-se com os outros dois por essa vertente.
A prova relativa à utilização do fígado marginal e ao
funcionamento e à administração da lista única nacional aproveita aos
fatos apurados em um e outro inquérito policial. Exemplifico com a
ata de reunião, objeto de referência na denúncia, que revela a adoção,
pela Câmara Técnica do Fígado deste Estado, de critérios de
qualificação de fígados como marginais. Essa ata constitui prova
documental produzida no caso de Jaime Ariston, apurado no primeiro
inquérito policial, mas inteiramente influente na prova do caso de
Frederico Sattelmeyer, apurado no segundo inquérito policial.
Exemplifico, ademais, com o interrogatório em juízo de Eduardo de
Souza Martins Fernandes, que, embora limitado ao caso de Frederico
Sattelmeyer, elucida relevantes aspectos do modo de preterição da
lista única e influi na prova do caso de Jaime Ariston.
É induvidosa, desse modo, a conexão probatória entre os fatos
apurados em um e outro inquérito, a atrair a aplicabilidade do art. 76,
III, do Código de Processo Penal e ensejar a reunião dos feitos.
(...)
Oficio, ante o exposto, pela improcedência da exceção.”
E penso que S. Exª deu a resposta adequada à pretensão do
excipiente, esgotando a matéria.
Daí porque, adotando como razões de decidir os dizeres do
douto representante do Ministério Público, REJEITO a presente
exceção de incompetência.”
Quanto à alegada suspeição do MM. Juiz Federal Lafredo Lisboa Vieira
Lopes, que instruiu o feito, também renovada em sede de alegações finais, rejeito-a,
uma vez que a matéria restou decidida, em definitivo, pelo TRF-2ª Região, conforme
decisão de fls. 2943/2945.
Rejeito, por fim, a alegação de nulidade da prova decorrente da
interceptação telefônica, uma vez que as decisões judiciais que autorizaram a quebra do
sigilo das comunicações telefônicas foram devidamente fundamentadas.
Afastadas as preliminares arguidas, passo ao exame do mérito.
2.2- Mérito:
2.2.1- Dos fatos narrados na denúncia e da correta classificação do tipo penal:
Conforme narra a denúncia, entre setembro de 2003 e agosto de 2007,
Joaquim Ribeiro Filho, médico-cirurgião lotado no Hospital Universitário Clementino
Fraga Filho, vinculado à UFRJ, e coordenador da equipe médico-cirúrgica autorizada
pelo Ministério da Saúde a realizar transplantes hepáticos – o que lhe conferia o poder
de inscrever receptores na lista única nacional –, teria realizado ao menos dois
transplantes e teria tentado ao menos mais um, sem observar, de forma dolosa, a ordem
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de prioridades estabelecida em lista única nacional, instrumento do Sistema Nacional de
Transplantes, organizado pelo Ministério da Saúde.
Ainda segundo a denúncia, o réu Joaquim Ribeiro Filho teria destinado
fígados a pacientes internados em estabelecimento hospitalar privado, mediante o
pagamento de vantagem pecuniária, falseando os critérios legais e regulamentares sobre
a classificação e a destinação dos órgãos, classificando-os como marginais, fora do
padrão ou sub-ótimos, classificação então inexistente na legislação brasileira, e que não
desobrigaria a Administração Pública de oferecê-los à lista única nacional.
Os pacientes então beneficiados pelo transplante de fígado realizado pelo
réu Joaquim Ribeiro Filho seriam Jaime Ariston de Araújo Sobrinho (caso 1) e Carlos
Augusto de Alencar Arraes (caso 2). O paciente Frederico Sattelmey Júnior (caso 3) não
teria sido transplantado por circunstâncias alheias à vontade do réu.
Em síntese, nos termos do descrito na denúncia, o réu Joaquim Ribeiro
Filho, médico-cirurgião, teria inobservado a lista única para transplante de fígado, cuja
matéria se encontra disciplinada na Lei 9.434/1997 e no Decreto 2.268/1997, que a
regulamentou, razão pela qual estaria incurso, em tese, nas penas do art. 312 do Código
Penal (peculato) ou, alternativamente, nas penas do art. 16 da referida Lei 9.434/1997.
Reproduzo, a seguir, os dispositivos legais:
Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou
qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse
em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
Art. 16 - Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgão ou
partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em
desacordo com os dispositivos desta Lei.
Pena: reclusão, de um a seis anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa.
O art. 16 da Lei 9.434/1997 referencia norma do próprio texto legal, no
caso, o art. 10:
Art. 10 - O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento
expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após
aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do
procedimento. (grifei)
(...)
Cotejando a leitura dos dispositivos legais mencionados e os casos
narrados na denúncia, verifico que a conduta do réu Joaquim Ribeiro Filho, de,
supostamente, não haver observado a lista única para a realização dos transplantes de
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fígado, estaria, em tese, tipificada no art. 16 da Lei 9.434/1997, que, por sua vez, é
regulamentado pelo art. 24, § 4º, do Decreto 2.268/1997, e, não, no art. 312 do Código
Penal.
Isso porque a equiparação de parte do corpo humano a bem móvel, ainda
que post mortem e doada para o Poder Público com o fim de transplante terapêutico,
visando ao enquadramento no art. 312 do CP, constituiria interpretação extensiva
desarrazoada e não admitida no âmbito do direito penal, além de ir de encontro ao
princípio da especialidade, uma vez que a matéria se encontra regulada em lei
específica.
Em 1997, o Ministério da Saúde elaborou lista única abrangendo todos os
pacientes inscritos na Central de Transplantes (CT) da Secretaria Estadual de Saúde,
obedecendo a um critério constante que determina quem deve ser transplantado, ou seja,
quem deve ser o receptor do enxerto. Assim, durante dez anos, a lista obedeceu a um
critério cronológico de prioridade, objetivo e de fácil controle, pelo qual eram
transplantados os inscritos conforme sua data de inscrição. Todavia, pacientes menos
graves eram transplantados antes de outros mais graves os quais faleciam durante a
espera.
A partir de 15/07/2006, após ampla discussão, o critério adotado passou a
ser a gravidade, ou seja, transplantavam-se, primeiro, os mais graves, já que os menos
graves poderiam, em tese, aguardar devido à sua maior reserva funcional. Para tanto,
adotou-se o critério MELD/PELD (Model for End-Stage Liver Disease) que calcula a
gravidade de cada caso por fórmula matemática baseada em resultados numéricos de
exames laboratoriais.
Nesta ação penal, o primeiro caso descrito na denúncia, relativo ao
paciente Jaime Ariston de Araújo Sobrinho, trataria de situação especial em que o
fígado enxertado não se encontrava em estado ideal, porém apto a ser transplantado e
salvar vida, sendo classificado, no meio médico, como “fígado marginal”, nomenclatura
hoje conhecida como fígado limítrofe.
O segundo caso, relativo ao paciente Carlos Augusto de Alencar Arraes,
referir-se-ia a transplante de fígado normal, em desacordo com os critérios adotados na
lista de inscritos.
O terceiro caso, relativo ao paciente Frederico Sattelmeyer Júnior,
também trataria de enxerto de fígado supostamente marginal, o qual não chegou a ser
implantado.
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É de ressaltar a relevância do bem jurídico tutelado, consubstanciado na
moralidade da doação de órgãos do corpo humano, com vistas à preservação da
integridade física, da dignidade e da vida humanas.
Assim, toda vez que, em assistência médica, a demanda é maior que a
possibilidade de atendimento, é necessário estabelecer um critério de prioridade, ou
seja, a quem atender primeiro. Essa situação mostra-se concreta e de grande importância
no caso dos transplantes, uma vez que, para deles se beneficiar, são inscritos somente
pacientes sem outra forma de tratamento capaz de evitar sua morte em curto prazo.
Cabe, então, ao médico-cirurgião avaliar o estado do órgão e
compatibilizar o receptor adequado de acordo com a lista de transplante. Contudo, a
destinação do órgão mostra-se controvertida quando se trata de fígado marginal, não
havendo lei ou norma reguladora específica para o caso concreto, sendo certo que, na
prática médica, situações especiais e não reguladas anteriormente podem proporcionar a
não observância dos preceitos médicos e éticos, e até legais, no caso, a Lei 9.434/1997
que, especificamente em seu art. 16, tutela o bem jurídico no contexto da doação de
tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano, bem como a preservação da
integridade física e da vida humana.
Feitas essas considerações iniciais e firmada a classificação do crime,
subsumindo os fatos descritos na denúncia ao tipo previsto no art. 16 da Lei 9.434/1997,
passo à análise individualizada de cada caso.
2.2.2- Transplante realizado no paciente Jaime Ariston de Araújo Sobrinho:
Segundo o MPF, Joaquim Ribeiro Filho, na condição de médico-
cirurgião especializado em transplantes hepáticos com notório conhecimento da
legislação que regula a captação e a distribuição de fígados a serem implantados em
doentes graves inscritos na lista única nacional, teria ocupado diversos cargos de chefia
e, sobretudo, o de coordenador da Central de Notificação, Captação e Distribuição de
Órgãos do Estado do Rio de Janeiro, por quase quatro anos, e, por estas razões,
dominaria a regulamentação legal pertinente aos transplantes no Brasil.
Além do exercício de cargos na Administração Pública Federal e
Estadual, Joaquim Ribeiro Filho possuiria uma clínica particular – Centro
Hepatobiliopancreático do Rio de Janeiro –, a qual contaria com a mesma equipe
médica por ele chefiada no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho.
O réu teria, ainda, permissão para inscrever, na lista única de receptores,
pacientes públicos ou particulares que reunissem os requisitos previstos na legislação
para receberem o transplante de fígado, bem como para captar órgãos e realizar
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cirurgias, caso os pacientes inscritos por ele ou por sua equipe gozassem de prioridade
na lista única nacional.
Segundo o MPF, não haveria irregularidade na realização de transplantes,
mediante a cobrança pelos serviços médicos prestados, em pacientes tratados em
estabelecimento particular, porém seria imprescindível a observância da lista única
nacional para que o paciente recebesse o órgão, fosse ele da rede pública ou da rede
particular de saúde.
O réu Joaquim Ribeiro Filho, porém, ao menos em três episódios, teria se
valido de expedientes ardilosos para desviar, dolosamente, órgãos que deveriam ter sido
destinados a pacientes com preferência na fila.
No caso Jaime Ariston de Araújo Sobrinho, o MPF afirma que, a partir
dos prontuários médicos, relatórios, depoimentos e circunstâncias que envolveram o
transplante de fígado realizado em favor do referido paciente, no Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho, em 24/07/2003, não haveria dúvidas de que o réu, na qualidade
de chefe da equipe de transplantes hepáticos do HUCFF e de coordenador da
CNCDO/RJ, desviou, dolosamente, órgão da lista única nacional, em detrimento de
pacientes que precediam Jaime Ariston na fila de espera por um transplante de fígado.
Lembrou, o MPF, que Jaime Ariston de Araújo Sobrinho seria irmão do
então Secretário de Transportes do Estado do Rio de Janeiro, Augusto Ariston, e que o
réu teria determinado à sua equipe a realização do transplante em favor de Jaime
Ariston, mesmo ciente de que ele não ostantava prioridade na lista única nacional, tanto
que ocupava a 32ª posição.
Ressaltou, ainda, que, conforme depoimentos colhidos às fls. 1055/1064,
ratificados às fls. 3336/3337, fls. 1179/1189 e 1551/1556, o anterior coordenador da
Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos do Rio de Janeiro
(CNCDO/RJ), Dr. Roberto Chabo, viria sofrendo pressão do então Secretário de Saúde
Gilson Cantarino O’Dwyer, para furar a fila de transplantes hepáticos em favor de Jaime
Ariston. Todavia, diante de sua recusa, o médico Roberto Chabo teria sido substituído
pelo réu na coordenação do CNCDO/RJ, após nomeação efetivada em desacordo com o
Estatuto do Rio Transplante. Ademais, apenas dois dias após sua nomeação, o réu teria
consentido na realização do transplante hepático em favor de Jaime Ariston no HUCFF,
com inobservância dolosa da lista única nacional, a qual, à época, possuía o critério
cronológico de inscrição para ordenar os pacientes.
Com o fim de justificar sua conduta, o réu teria classificado o fígado
transplantado em Jaime Ariston como marginal, por, supostamente, apresentar “bordas
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rombas”, o qual, embora apresente características não ideais e não tenha previsão na
legislação brasileira, seria amplamente aceito pela comunidade médica no Brasil e no
exterior.
Ocorre que a caracterização do fígado como marginal não autorizaria a
inobservância da ordem de precedência da lista única nacional, razão por que deveria o
órgão ser oferecido à lista única para que fosse aproveitado com observância da ordem
de prioridade da fila de espera nacional.
Ainda segundo o MPF, no boletim operatório elaborado pela Dra. Inary
Bueres, o fígado transplantado em Jaime Ariston seria descrito como normal, conforme
fls. 353/354 do anexo 2, volume 2. A médica teria, ainda, declarado que o fígado seria
utilizável e sem alterações significativas, conforme fls. 298/299 do apenso 1 do IPL
1826/2003. Todavia, ao prestar declarações no procedimento administrativo instaurado
no CREMERJ, teria ventilado a possibilidade de o órgão apresentar “bordas rombas”.
Da mesma forma, o cirurgião que realizou o transplante em Jaime
Ariston, Dr. Vinícius Gomes da Silveira, teria afirmado que o fígado utilizado seria
normal (fls. 3367/3368 – áudio KT_248~560_VIDEO ’03:14/04:00’).
Assim, se se tratasse de fígado marginal, no prontuário médico de Jaime
Ariston deveria haver menção à anormalidade do fígado nele implantado, para fins de
registro e do aumentado risco de não funcionamento ou de complicações pós-
transplante.
Conforme depoimento prestado à fl. 1058 e ratificado em Juízo, a
testemunha Lúcio Pacheco, cirurgião integrante da equipe de transplantes de fígado do
Hospital Geral de Bonsucesso (HGB), afirmou que a equipe do HUCFF, chefiada pelo
acusado, comumente descrevia os órgãos captados de forma a concluir por sua
imprestabilidade e implantá-los em pacientes particulares, com preterição da lista única
nacional. Isso teria instado os cirurgiões de transplantes hepáticos do HGB, indignados
com as “furadas de fila”, a formularem pedido à CNCDO/RJ, para acompanhar a
captação de órgãos pela equipe chefiada pelo réu (fl. 1065).
Para o MPF, o réu não teria comprovado a alegação de que os pacientes
que precediam Jaime Ariston na lista única não estariam dispostos a receber o fígado
marginal, conforme declaração prestada na sindicância instaurada junto ao CREMERJ –
fls. 147/148 do anexo 3 e em reinterrogatório – fls. 3540/3541, ou não poderiam ser
consultados a tempo (conforme versão apresentada em seu interrogatório à fl. 2536).
Nesse ponto, as testemunhas Rodrigo Martinez e Henrique Sérgio
Moraes Coelho, integrantes da equipe chefiada pelo réu, teriam declarado em Juízo, às
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fls. 3346 e 3355, que os pacientes assinavam termos tanto no caso de aceitação quanto
no caso de recusa e que incumbiria ao acusado comprovar que Jaime Ariston seria o
primeiro paciente da lista disposto e apto a receber o fígado supostamente considerado
marginal.
A ordem cronológica dos acontecimentos estaria, também, em desfavor
do réu, uma vez que o paciente Jaime Ariston fora internado às 16 horas do dia
24/07/2003, para a realização de procedimentos pré-operatórios ao transplante no
HUCFF, e o procedimento de captação e preparação do órgão se encerrara às 18 horas,
o que revelaria que o réu já havia deliberado pelo favorecimento do paciente ao menos
duas horas antes de finalizada a preparação do órgão.
Por fim, a Equipe do Departamento Nacional de Auditoria do SUS, no
Relatório de nº 6.202, teria concluído pela efetiva violação à lista de espera, quando do
transplante de fígado realizado em Jaime Ariston, conforme fl. 93, apenso 4, aduzindo
que o próprio DENASUS, em relatório preliminar referente à auditoria levada a cabo na
Central de Notificação, Captação e Distribuição de órgãos no Rio de Janeiro (nº 1257,
apenso 5), já teria registrado a existência de vários pacientes em acompanhamento no
Hospital do Fundão que teriam falecido até cerca de um mês após o transplante e que
poderiam ter optado por receber o enxerto.
A defesa, por sua vez, alegou que a equipe de transplante de fígado do
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho teria transplantado em Jaime Ariston
fígado marginal, motivo pelo qual não teria havido desrespeito à ordem cronológica,
sobretudo porque Jaime, considerados o seu peso e o seu tamanho, seria o primeiro
paciente do referido hospital para o recebimento do enxerto.
Ainda segundo a defesa, as equipes de transplante do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) e do Hospital Geral de Bonsucesso
(HGB) usavam fígado marginal em pacientes que não se encontravam nos primeiros
lugares da fila de espera. A própria Coordenação-Geral do Sistema Nacional de
Transplantes reconhece que o fígado marginal é utilizado e que seu uso fica a critério
das equipes transplantadoras (fl. 1933 – vol. 7).
O fígado transplantado em Jaime Ariston seria marginal, conforme a
conclusão da Comissão de Sindicância instaurada no Hospital Clementino Fraga Filho e
o depoimento da Dra. Inary Bueres, médica que procedeu à captação do órgão (fl. 153
do Anexo 3).
Segundo a Comissão de Sindicância, “A soma de dados clínicos e
patológicos levaram-na a considerar que o fígado deveria ser classificado como
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‘marginal’ e, de acordo com os procedimentos anteriores previstos pela correspondente
Câmara Técnica do CREMERJ, deveria ser utilizado em um dos pacientes inscritos na
listagem de espera do próprio hospital”.
Considerando que Jaime Ariston seria o primeiro paciente da fila de
espera de transplante de fígado marginal no Hospital Universitário Clementino Fraga
Filho, os pacientes do Hospital Geral de Bonsucesso não teriam sido preteridos. Isso é
corroborado pela Câmara Técnica do Conselho Regional de Medicina, consoante a qual,
quando um fígado não pudesse, por qualquer intercorrência, ser implantado no primeiro
paciente da equipe que fazia a captação, o órgão, por questão de logística, ficava com a
própria equipe transplantadora e era implantado no primeiro paciente daquela equipe em
condições de receber o órgão: “Ficou estabelecido que o fígado captado e que não pôde
ser transplantado para o primeiro paciente da fila por qualquer razão permanecerá com a
Equipe que o captou para transplantá-lo, de acordo com a Lei.” (fl. 522, vol. 2).
Ainda segundo a defesa, o próprio órgão acusador, às fls. 415/426 do
Anexo 3, concluiu, ao determinar o arquivamento do inquérito civil instaurado em face
do médico Vinicius da Silveira Gomes, arrolado como testemunha de acusação e
investigado por fato análogo ao presente caso, que a denúncia seria improcedente, pois
os pacientes inscritos em classificação inferior ao do paciente transplantado e inscritos
no Hospital Clementino Fraga Filho não apresentavam condições clínicas imediatas
para a realização do transplante, ou outras intercorrências.
No que toca aos pacientes inscritos no Hospital Geral de Bonsucesso,
segundo decisão proferida pela Câmara Técnica de Transplante de Fígado do Rio de
Janeiro, a prioridade seria para convocar receptores inscritos na mesma unidade, caso
houvesse uma intercorrência com o 1º receptor (fls. 424/425 do Anexo 3). Ocorre que a
própria auditoria do DENASUS/MS informou que, no mesmo dia e horário daquela
captação, a equipe do Hospital Geral de Bonsucesso estava realizando transplante inter-
vivos, de modo que não poderia, simultaneamente, realizar outro transplante de órgão
(fl. 70 do Apenso 5 ao IPL 1.826/2003).
Ademais, o Conselho Regional de Medicina (fls. 107/108 do anexo 3)
teria, à unanimidade, absolvido o réu: “O paciente Jayme Ariston já estava inscrito
desde 2002 e ocupava a 32ª posição na fila. Encontrava-se com o estado geral agravado,
comprovado tanto pelo médico assistente quanto pela análise do prontuário. Ora, caso o
denunciado resolvesse favorecer o paciente de alguma maneira, teria realizado o
transplante em data anterior, já que dispunha de condições para realizá-lo, bem como
faria o transplante pessoalmente.”
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A aludida decisão do Conselho Regional de Medicina teria sido proferida
no mesmo sentido do que veio a ser definido pelo TRF-2ª Região, nos autos de ação
civil pública ajuizada contra o réu na 21ª Vara Federal, cujo pedido foi julgado
improcedente.
A defesa considerou, pois, provado que os fígados marginais são
utilizados por todas as equipes do Brasil em pacientes que não se encontram nos
primeiros lugares da fila, tanto que, antes de ter ciência de que se tratava de fígado
marginal, o réu determinou a internação dos dois pacientes que se encontravam nos
primeiros lugares da fila.
Ademais, a própria Coordenação Nacional de Transplantes teria
declarado que a utilização de tais órgãos ficava a critério das equipes transplantadoras.
E a médica que procedeu à captação do órgão declarou em documento
oficial que o fígado possuía "bordas rombas" e que solicitara a realização de exames
patológicos de urgência, os quais não foram realizados a tempo por patologistas do
Hospital do Fundão, o que contribuiu para a elevação do tempo de isquemia do órgão, o
que configuraria outra hipótese de caracterização de marginalidade do fígado.
O transplante de fígado autorizado pelo réu no paciente Jaime Ariston,
tal como narrado na denúncia, foi objeto de ação civil pública ajuizada pelo Ministério
Público Federal, por suposto ato de improbidade administrativa, com fundamento no art.
12, III, da Lei 8.429/1992.
Nos autos da referida ação civil pública de improbidade administrativa,
protegiam-se a probidade e a moralidade administrativas, bens jurídicos também
tutelados pelo art. 16 da Lei 9.434/1997, que rege o transplante de órgãos, tecidos e
partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento.
Guilherme de Souza Nucci1
assim definiu os objetos material e jurídico
da Lei 9.434/1997:
“Objetos material e jurídico: o objeto material é composto pelos
tecidos, órgãos ou partes do corpo humano. O objeto jurídico é a ética
e a moralidade no contexto da doação de tecidos, órgãos ou partes do
corpo humano, bem como a preservação da integridade física e da
vida das pessoas. O controle estatal em relação aos transplantes em
geral, cuidando de organizar uma fila para a recepção das doações,
realizadas de modo gratuito, impõe respeito à dignidade da pessoa
humana, proibindo-se o comércio de partes do corpo humano, algo
1
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 6ª Ed. 2012, vol 1, pg. 534.
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naturalmente degradante. Não se poderia pensar em civilidade, ética e
bons costumes, caso fosse permitido o mercantilismo nesse cenário,
tão delicado, envolvendo, diretamente, a vida humana.”
Por incontestável pertinência, reproduzo abaixo a decisão proferida pelo
TRF-2ª Região, da relatoria do Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da
Gama, em apelação cível interposta em face da sentença prolatada nos autos da ação
civil pública nº 2003.51.01.023256-3, pelo Juízo da 21ª Vara Federal desta Seção
Judiciária.
Relatório: 1. Trata-se de remessa necessária e apelação cível
interposta pelo Ministério Público Federal em face da sentença de fls.
1819/1827, originária do Juízo da 21ª Vara Federal da Seção
Judiciária do Rio de Janeiro, proferida nos autos de ação civil pública
de responsabilidade pela prática de atos de improbidade
administrativa, com pedido de afastamento cautelar, proposta pelo ora
apelante em face de Joaquim Ribeiro Filho, objetivando a condenação
do réu nas sanções previstas no inciso III, art. 12, da Lei nº 8.429/92.
O autor fundamenta seu pedido alegando que o réu, na condição de
Coordenador da Central Estadual de Notificação e Captação de
Órgãos – CNCDO, autorizou o transplante hepático de paciente fora
da ordem cronológica da lista única de potenciais receptores e sem
amparo na legislação pertinente, favorecendo irmão do então
Secretário Estadual de Transportes, bem como determinou a
inutilização de fígado que seria viável para transplante.
2. A sentença julgou o pedido improcedente, reconsiderando o
despacho que deferiu a produção de prova pericial e indeferindo as
demais, por entender que os elementos carreados aos autos seriam
suficientes ao deslinde do feito. No que concerne à estrita observância
da fila única de espera, considerou que seria “incontestável que a
transplantação não deve ater-se somente à ordem cronológica,
cabendo ser apreciados, dentre outros, critérios como
compatibilidade sanguínea e peso corporal”. Considerou ainda que o
fígado transplantado se caracterizaria como “fígado marginal” e,
sendo assim, deveria ser destinado ao primeiro paciente que aceitasse
o risco, evitando-se perder o órgão, diante do limite temporal em que
este sobrevive sem a circulação sanguínea. No tocante ao fígado
inutilizado, reputou que “a decisão do réu no sentido de descartar o
fígado teve por base relatório proferido pela médica responsável pela
captação do órgão, pelo que não pode ser a ele imputada tal
responsabilidade”. Acrescentou ainda que a utilização da Solução de
Collins na realização de perfusão no fígado, conforme determinado
pelo réu, não seria contra-indicada, pois a solução “pode ser utilizada
para fluxo hipotérmico e acondicionamento de órgãos incluindo rins,
fígado e pâncreas para transporte e preservação antes do transplante”.
3. O apelante, em seu recurso, sustenta a nulidade da sentença, com o
cerceamento do direito de defesa. Isto porque, posteriormente ao
despacho saneador que havia deferido a produção de perícia médica e
sem análise do pedido de produção de prova testemunhal, foi
proferida a sentença. Aduz que, nos termos da Súmula nº 424 do STF,
o despacho saneador transita em julgado se não for impugnado através
de recurso e, sendo assim, não poderia ser modificado pelo juízo.
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Defende que o direito de produzir provas é corolário do direito de
ação. Acrescenta que a lide não poderia ser julgada antecipadamente,
pois se fazia necessária a produção de prova pericial, no sentido de
aferir se o fígado transplantado seria ou não um “fígado marginal”.
Argumenta que existiriam depoimentos produzidos no âmbito de ação
criminal movida pelo MPF contra o réu, que influenciariam o
convencimento do julgador sobre a questão, e que o indeferimento de
provas não foi fundamentado.
No mérito, alega que a preterição da lista de espera foi “ilícita e
ímproba”, à luz da legislação aplicável ao caso, qual seja, Lei nº
9.434/97, Decreto nº 2.268/97 e Portaria nº 3.407/GM/MS, de
05/08/98. Neste ponto, ressalta que três aspectos merecem análise: (i)
a preterição de pelo menos 31 (trinta e um) pacientes contrariou a
legislação em vigor; (ii) o fígado transplantado não era marginal; (iii)
ainda que o enxerto fosse marginal, tal fato não desobrigava o réu de
observar a legislação.
Em relação ao fígado inutilizado no Hospital Geral de Bonsucesso –
HGB, sustenta que a perfusão determinada pelo réu, utilizando
Solução de Collins, tornou o órgão inutilizável para transplante,
conforme restou comprovado nos autos. Neste aspecto, aduz que a
sentença alude à “pesquisa” que demonstraria que a utilização da
referida solução é aconselhada, sem, entretanto, indicar a fonte desta
pesquisa.
Por fim, acrescenta que a lista única nacional é instrumento de justiça,
invocando os arts. 196, 197 e 198 da CF, o art. 2º, caput e § 1º da Lei
nº 8.080/90 e os princípios da isonomia, legalidade, impessoalidade e
moralidade (art. 37 CF).
4. Recebido o recurso e oferecidas contrarrazões (fls. 1871/1920),
subiram os autos para este Tribunal, onde, oficiando, o Ministério
Público Federal exarou o parecer de fls. 1925/1929, pugnando pelo
provimento do apelo.
5. Os autos retornaram ao juízo de origem para intimação pessoal da
União Federal, admitida no feito como litisconsorte ativa às fls. 1745.
É o relatório. Peço dia para julgamento.
Voto:
1. Conheço da remessa necessária e da apelação, porque presentes
seus requisitos de admissibilidade.
2. Conforme relatado, trata-se de remessa necessária e apelação cível
interposta pelo Ministério Público Federal em face de sentença
proferida nos autos de ação civil pública de responsabilidade pela
prática de atos de improbidade administrativa, com pedido de
afastamento cautelar, proposta pelo ora apelante em face de Joaquim
Ribeiro Filho, objetivando a condenação do réu nas sanções previstas
no inciso III, art. 12, da Lei nº 8.429/92. O autor fundamenta seu
pedido alegando que o réu, na condição de Coordenador da Central
Estadual de Notificação e Captação de Órgãos – CNCDO, autorizou o
transplante hepático de paciente fora da ordem cronológica da lista
única de potenciais receptores e sem amparo na legislação pertinente,
favorecendo irmão do então Secretário Estadual de Transportes, bem
como determinou a inutilização de fígado que seria viável para
transplante.
3. A irresignação do apelante não merece prosperar, senão vejamos.
4. Inexiste o alegado cerceamento de defesa. Veja-se que, inobstante a
prova pericial ter sido anteriormente deferida, inexiste preclusão para
o juiz, que pode, a qualquer momento, rever seu posicionamento,
considerando desnecessária a prova já deferida, diante do princípio do
livre convencimento, previsto no art. 130 do CPC.
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A preclusão a que alude a Súmula nº 424 do STF diz respeito às
partes, e não ao juiz. Neste sentido, confira-se os seguintes arestos dos
Tribunais superiores:
(...)
5. Por outro lado, considero que os elementos carreados aos autos são
suficientes ao deslinde do feito, não sendo necessária, portanto, a
produção de prova pericial e testemunhal, sendo caso de julgamento
conforme o estado do processo, conforme passo a expor.
Saliento ainda, em relação à prova pericial, que foi realizada biópsia,
tanto no fígado transplantado quanto naquele que foi descartado. No
fígado que foi transplantado, o exame concluiu que este apresentava
“tecido hepático com alterações histopatológicas mínimas” (fls. 351).
Já o fígado descartado apresentou o seguinte resultado: “múltiplos
micro-hamartomas biliares (complexos de Von Meyenburg); necrose
isquêmica focal” (fls. 838). Desta forma, mostra-se despicienda
realização de novo exame, com o mesmo objetivo.
6. No mérito, são dois os pontos nodais que merecem análise.
Primeiramente, o MPF alega que o réu praticou ato de improbidade ao
permitir o transplante de fígado, em 24 de julho de 2003, fora da
ordem cronológica da lista única de potenciais receptores, favorecendo
irmão do então Secretário Estadual de Transportes, que estava no 32º
lugar da referida lista.
7. A biópsia realizada no fígado, conforme visto acima, concluiu que
este apresentava “alterações histopatológicas mínimas”. Em um
primeiro momento, este exame parece descartar a avaliação do réu, no
sentido de que o fígado seria marginal, apresentando “bordas
rombas”. Entretanto, da leitura do relatório do Departamento Nacional
de Auditoria do SUS – DENASUS, conclui-se que o principal fator
para classificação do fígado como “de bordas rombas” é a
macroscopia do mesmo, ou seja, a análise feita, a olho nu, pelo
médico que está presente na retirada do órgão (fls. 1420). Este
procedimento é confirmado ainda, no mesmo relatório, no item 13,
que trata dos “mecanismo e formalidades para rejeição de um fígado
tido como marginal”, afirmando-se que “A avaliação do fígado é
baseada no aspecto macroscópico do mesmo no momento da cirurgia
de retirada”. Em outras palavras: é a análise do médico, e não a
biópsia, que classificará o órgão como marginal ou não. Isto porque o
transplante deverá ocorrer dentro de um prazo exíguo, não sendo
possível, portanto, aguardar-se o resultado da biópsia.
Veja-se ainda que o referido relatório determina que a
responsabilidade pela definição da possibilidade ou não da utilização
do órgão doado e quais os critérios que norteiam tal definição cabe à
equipe transplantadora, sendo que os critérios são estabelecidos por
protocolo das câmaras técnicas de cada tipo de transplante (fls. 1417).
Neste aspecto, existe a Ata da reunião da Câmara Técnica de
transplante de fígado de 04/11/2002, onde se fixou que “o fígado
captado e que não pôde ser transplantado para o primeiro paciente
da fila por qualquer razão, permanecerá com a equipe que o captou
para transplantá-lo, de acordo com a Lei” (fls. 820).
8. Há situações excepcionais que, como tais, devem ser tratadas, daí a
possibilidade de haver lacunas ou claros normativos para hipóteses
que a realidade apresenta. Há elementos que indicavam que nenhuma
das pessoas anteriores àquela que estava posicionada no n 32 da fila
de transplantes de fígado seria candidato a ser receptor de “enxerto
marginal”, como se pensou tratar o caso envolvendo o órgão corporal
da pessoa que faleceu.
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9. Em relação ao fígado transplantado, ainda que marginal, urge
examinar se houve burla da lista de transplantes. A lista dos
receptores, com as devidas anotações sobre a possibilidade de receber
o fígado marginal, consta às fls. 846/850. Destes, dois faleceram antes
do transplante em questão, sendo que dez eram pacientes de outros
hospitais e, portanto, excluídos do transplante de fígado marginal, nos
termos do Protocolo da Câmara Técnica acima citado. Em relação aos
demais foram apresentadas, às fls. 851/905, declarações de próprio
punho, com data posterior ao transplante, de que não seriam
candidatos a fígado marginal. Restam, portanto, os pacientes nº 6 –
Marcia Cristina S. do Nascimento, nº 13 – Renato Malvino Siqueira e
nº 18 - Antonio Silva. Em relação ao paciente nº 13, afirma o réu que
este não estava respondendo a chamadas telefônicas e que, caso a
situação persistisse, seria excluído da lista. A paciente nº 6, por sua
vez, seria portadora de doença que a impediria de receber enxerto
marginal, assim como o paciente nº 18, portador de câncer gástrico.
Diversamente do que consta do relatório do Sistema de Auditoria do
Ministério da Saúde (fl. 1.453), não há como se presumir a ocorrência
de burla ou descumprimento da ordem em razão de alguma das
declarações datar de época posterior à data do transplante do fígado.
Não houve qualquer referência por parte dos integrantes da fila em
posição anterior à do n. 32 a respeito de não ter havido consulta prévia
para fins de realização do transplante.
10. Como bem registrou a Juíza Federal sentenciante, “no que
concerne à estrita observância da fila única de espera, tornou-se
incontestável que a transplantação não deve ater-se somente à ordem
cronológica, cabendo ser apreciados, dentre outros, critérios como
compatibilidade sanguínea e peso corporal” (fl. 1.823), bem como o
próprio estado do órgão a ser transplantado.
Sabe-se que, em matéria de realização de transplante de determinados
órgãos do corpo humano, há urgência nos procedimentos a serem
empregados e, por isso, eventual demora ou atraso pode ser fatal para
a inviabilidade da utilização do órgão.
11. Ademais, não havia legislação específica à época sobre a
utilização do denominado fígado marginal, a desnaturar a
argumentação do MPF, ora Apelante, quanto à eventual violação da
ordem para realização do transplante.
Não há como desconsiderar, neste contexto, a decisão do Conselho
Regional de Medicina a respeito do caso concreto em questão que,
neste ponto, merece ser transcrita:
“(...) O paciente Jayme Ariston já estava inscrito desde 2002 e
ocupava a 32ª posição na filha. Encontrava-se com o estado geral
agravado, comprovado tanto pelo médico assistente quanto pela
análise do prontuário.
Ora, caso o denunciado resolvesse favorecer o paciente de alguma
maneira, teria realizado o transplante em data anterior, já que dispunha
de condições para realizá-lo, bem como faria o transplante
pessoalmente.
Quanto à qualidade do enxerto, acompanhamos a opinião da
testemunha arrolada, Dr. Luis Augusto Carneiro D’Albuquerque, que
a ordem cronológica pode deixar de ser aplicada em situações
especiais. Bordas rombas e tempo de isquemia são fatores
importantes, bastando uma das características estar presente para o
órgão ser considerado marginal. Em relação ao valor da biópsia,
acompanho a opinião do mesmo médico”
(...)
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19
15. Ante o exposto, nego provimento à remessa necessária e à
apelação, mantendo integralmente a sentença.
É como voto. (grifei)
Nos autos da ação civil pública de improbidade administrativa ajuizada
em face de Joaquim Ribeiro Filho, ora réu, o MPF destacou: a) a preterição, em
desrespeito à legislação regente da matéria, de pelo menos 31 (trinta e um) pacientes,
uma vez que Jaime Ariston ocupava o 32º lugar na fila de espera; b) que o fígado
transplantado em Jaime Ariston não era marginal; c) que, ainda que o fígado fosse
considerado marginal, isso não desobrigava o réu de observar a legislação.
Na sentença proferida em primeira instância, o magistrado, julgando
improcedente o pedido, considerou que a realização do transplante não se deve ater tão
somente à ordem cronológica, mas também aos critérios de compatibilidade sanguínea e
peso corporal, acrescentando que, sendo tido como marginal, o fígado deveria ser
destinado ao primeiro paciente que aceitasse o risco, a fim de evitar a perda e a
inviabilização do órgão.
No julgamento de apelação cível, o TRF-2ª Região registrou que o
Departamento Nacional de Auditoria do SUS concluiu que o principal fator para a
classificação do fígado como marginal é a realização de macroscopia, ou seja, a análise
do órgão, pelo médico, a olho nu, até porque o transplante deve ocorrer em prazo
exíguo, o que torna inviável a espera por eventual resultado de biópsia nele realizada.
O TRF-2ª Região, acertadamente e com razoabilidade, entendeu que há
situações excepcionais que, como tais, devem ser tratadas. No caso, nenhuma das
pessoas anteriores ao paciente Jaime Ariston seria candidato a receber um fígado
marginal. E ainda que o fígado fosse marginal, não teria havido burla na lista de
transplantes. Isso porque, dos potenciais candidatos, dois haviam falecido e dez eram
pacientes de outro hospital, o que, por esta razão, os excluía da fila. Outros três também
teriam sido desconsiderados, porque, em razão de doença que os acometia, não estariam
aptos a receber o órgão.
O TRF-2ª Região destacou, ainda, a decisão do Conselho Regional de
Medicina, segundo a qual o paciente Jaime Ariston ocupava a 32ª posição na fila de
espera por transplante de fígado e se encontrava em estado geral agravado. Assim, caso
o réu desejasse favorecer o paciente de alguma forma, poderia ter realizado o
transplante em data anterior.
Nos autos da comissão de sindicância instaurada no Hospital Clementino
Fraga Filho (fl. 153 do anexo 3), Dra. Irany Bueres, médica que realizou a captação do
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fígado transplantado no paciente Jaime Ariston, era quem detinha condições de atestar
sobre a saúde do fígado captado. A referida médica prestou depoimento no dia
03/01/2004 à Comissão de Sindicância (processo nº 23079.026196/03-13), cujos termos
transcrevo abaixo, declarando que o fígado era considerado marginal, o que, à luz da
Câmara Técnica do CREMERJ, impunha a obediência da fila para transplante por
paciente do próprio hospital, e não da fila nacional.
“que foi ela quem fez a captação do fígado no Hospital Pedro II, sendo
verificado que o doador era um homem de 44 anos, com sobrepeso,
que estava há 5 (cinco) dias na UTI e mostrava elevação de AGT e
leucocitose; que não havia história de alcoolismo; que o fígado
captado tinha pouca esteatose, mas tinha borda romba; que ela fez
então uma biópsia do fígado antes de iniciar a perfusão de solução
conservadora (Belzer), sendo o fragmento enviado ao Serviço de
Patologia do HUCFF, juntamente com 1 gânglio; que, duas horas e
meia após, a depoente procurou o Serviço de Patologia e foi
informada que o material não estava sendo localizado, possivelmente,
tendo sido encaminhado para a rotina de exames; que ela decidiu fazer
então nova biópsia no fígado já perfundido e que, não havendo
ninguém disponível no Serviço de Patologia para examinar o corte de
congelação, ela própria avaliou o fragmento com intuito de afastar
lesões grosseiras que inviabilizassem o uso do órgão, tendo ela
concluído que o órgão não apresentava lesões que o inviabilizassem
para o transplante; que, até esse momento, já havia transcorrido 5
horas desde o início da captação do órgão, supondo-se, ainda, que
seriam necessárias aproximadamente mais de 8 horas para a remoção
do fígado nativo do paciente e colocação do enxerto; que a soma de
dados clínicos e patológicos levaram-na a considerar que o fígado
deveria ser classificado como “marginal” e, de acordo com os
procedimentos anteriores previstos pela correspondente Câmara
Técnica do CREMERJ, deveria ser utilizado em um dos pacientes
inscritos na listagem de espera do próprio hospital; que se comunicou
então telefonicamente com o Dr. Joaquim Ribeiro Filho, que
concordou com isto, sendo o fígado implantado no paciente Jaime
Ariston de Araújo Sobrinho pela equipe cirúrgica chefiada pelo
Professor Vinícius da Silveira.”
Assim, superada a questão de ser ou não marginal o fígado transplantado,
bastando, para sua caracterização como tal, que o órgão apresente "bordas rombas" e
tempo de isquemia, verifico que o CREMERJ confirmou a marginalidade do órgão e o
TRF-2ª Região reconheceu, no julgado acima reproduzido, que o paciente Jaime Ariston
se encontrava com o estado geral agravado, comprovado tanto pelo médico assistente
quanto pela análise do prontuário, o que autorizaria a não obediência à ordem
cronológica, em situações especiais, principalmente à época dos fatos, cujo critério
vigente era o da ordem cronológica de inscrição.
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No caso, porém, em se tratando de fígado marginal, não teria havido
preterição de pacientes, uma vez que, desconsiderada a fila única nacional por decisão
da Câmara Técnica do CREMERJ, aqueles que precediam Jaime no próprio hospital em
que estava internado não se mostraram aptos a recebê-lo.
Assim, pelas providas colhidas nos autos, mas, sobretudo, com respaldo
no julgado do TRF-2ª Região, e independentemente de se considerar obrigatória, no
caso, a obediência à fila única nacional de inscritos, entendo que o réu Joaquim Ribeiro
Filho, na condição de Coordenador da Central Estadual de Notificação e Captação de
Órgãos – CNCDO, autorizou o transplante hepático no paciente Jaime Ariston por
motivo de força maior, o que, na seara penal, traduz inexigibilidade de conduta diversa.
Tudo isso com suporte no estado extremamente grave em que se
encontrava o paciente, na marginalidade do órgão e na inexistência, à época, de norma
legal reguladora desta hipótese, na obediência à fila de inscritos do próprio hospital e na
iminência de perda ou inviabilização do órgão.
Ou seja, o paciente Jaime Ariston era quem, à época, detinha condições
físicas de receber o fígado considerado marginal, tendo havido obediência à fila de
espera do próprio hospital no qual estava internado. Ademais, em se tratando de caso
excepcional, devido ao quadro de saúde agravado do paciente e à possibilidade de
inviabilização do fígado, aliado à ausência de regra específica acerca da destinação de
órgão considerado marginal, entendo não ter havido ilegalidade na realização do
transplante, pelo réu, em Jaime Ariston, razão pela qual deverá ser absolvido.
2.2.3- Transplante realizado no paciente Carlos Augusto de Alencar Arraes:
Segundo o MPF, o réu, na qualidade de coordenador da equipe de
transplante hepático do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, teria desviado
órgão da lista única nacional, para a realização de transplante em favor de Carlos
Augusto de Alencar Arraes, que ocupava o 65º lugar na fila de espera nacional,
conforme listagem de fls. 69/73.
O transplante teria sido realizado em 18/07/2007, na Clínica São Vicente
da Gávea, pela equipe chefiada pelo réu Joaquim Ribeiro Filho, em troca de honorários
médicos no valor de R$ 90.000,00 (noventa mil reais).
O referido paciente seria parente do então governador de Pernambuco e
irmão do diretor da Rede Globo, Guel Arraes, conforme depoimento às fls. 548/550. O
fígado nele implantado teria sido captado no Hospital São Francisco, em Minas Gerais,
e trazido para o Rio de Janeiro em avião fretado pelo irmão do paciente, Guel Arraes
(fls. 483/487).
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O plantonista Rafael Ferreira da Costa teria dito, em seu depoimento, que
o acusado entrou em contato com a Central de Notificação, Captação e Distribuição de
Órgãos do Rio de Janeiro, demonstrando interesse na captação do fígado
disponibilizado pela CNCDO/RJ antes mesmo de o plantonista entrar em contato com
as equipes responsáveis pelos pacientes com prioridade na lista única. Destacou que a
Central Nacional de Transplantes teria recebido informações sobre a disponibilização do
fígado proveniente de Minas Gerais apenas às 20 horas do dia 17/07/2007, ocasião em
que foi consignado que, dada a instabilidade hemodinâmica do doador, o fígado deveria
ser retirado com urgência até a meia-noite. A Central constatou, porém, que não havia
voos disponíveis para o transporte naquele dia (fls. 75/76).
Diante da recusa do órgão pelo chefe da equipe do Hospital Geral de
Bonsucesso, cujos pacientes ocupavam os primeiros lugares na lista única, por não
conseguirem o voo, Rafael Ferreira da Costa teria informado ao plantonista da Central
Nacional que o réu faria a captação e obedeceria à lista única (fls. 76, 490/492 e
3353/3355).
O réu teria, então, acionado os integrantes de sua equipe os quais teriam
utilizado avião fretado por Guel Arraes até Minas Gerais para captar o órgão e retornado
ao Rio de Janeiro para a realização da intervenção cirúrgica em seu paciente particular,
Carlos Augusto Arraes, efetivada em 18/07/2007, com preterição, segundo o MPF, da
ordem de prioridade estabelecida na lista única (fls. 69/73).
Somente após a realização do transplante, o réu teria informado à
CNCDO/RJ que havia destinado o órgão ao paciente Carlos Augusto Arraes, com
respaldo em decisão judicial que se baseara em suposto laudo ideologicamente falso
fornecido pelo próprio réu (fls. 771, 1153 e 3345/3346, 3354/3355).
Em seu interrogatório, o réu afirmou ter recebido ofício por fax de um
desembargador do Estado de Pernambuco, no dia 14 ou 15 de julho de 2007,
determinando a realização de transplante hepático no paciente Carlos Augusto Arraes,
com prioridade, em todo o território nacional.
Para o órgão acusador, porém, o referido ofício não seria destinado ao
réu, mas, sim, aos chefes das Centrais de Transplante dos Estados do Rio de Janeiro,
Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Norte, Paraná, Paraíba e do Distrito Federal.
Além disso, a CNCDO/RJ somente teria tomado ciência da decisão judicial em
18/07/2007, após realizado o transplante, por intermédio de pessoa não identificada e
por meios não oficiais (conforme fls. 62/65 e 41 e declarações de fls. 498/506,
ratificadas em Juízo, fls. 581/582 e 493/497).
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Para o MPF, a decisão judicial seria ilegal, porque proferida em regime
de plantão por Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco para
ser cumprida no Rio de Janeiro, não tendo sido objeto de intimação oficial e
comunicação imediata a todos os destinatários, inclusive à CNCDO, mas enviada
somente ao réu (fls. 97, 98, 254). O ofício teria se prestado apenas a conferir aparência
de legalidade ao desvio do órgão da lista única, e Joaquim, na qualidade de chefe da
equipe de transplante hepático do HUCFF, teria obtido autorização junto à CNCDO/RJ
para a captação do fígado disponibilizado pela CNCDO/MG, em 17/07/2007,
declarando falsamente à Central que destinaria o enxerto a paciente daquele hospital
universitário, Selma Almeida Peixoto, com prioridade na fila de espera, embora ciente
de que o favorecido seria Carlos Augusto Arraes.
Ainda segundo o MPF, a Lei 9.434/1997 determina que os órgãos objeto
de doação post mortem sejam oferecidos aos pacientes de acordo com lista única de
receptores, sob a coordenação da Central Nacional de Notificação, Captação e
Distribuição de Órgãos, o que revela que seriam, no mínimo, inapropriadas as
solicitações do réu, porque contrárias ao espírito da legislação, e que, menos de dez dias
após os contatos de Joaquim, uma das Centrais, a de Minas Gerais, disponibilizou o
fígado que foi transplantado em Carlos Augusto Arraes (fl. 261).
Antes que a Central Nacional de Transplantes fosse informada sobre a
disponibilização do fígado, a família de Carlos Augusto Arraes e o médico, ora réu, já
teriam providenciado o desvio do órgão da lista única (fl. 75, depoimento de fl. 1049 e
de fl. 1184).
Conforme documentos de fls. 483/487, o avião que transportou a equipe
de transplantes do Rio de Janeiro até Minas Gerais teria sido fretado por Guel Arraes
em 17/07/2007, a partir de 12 horas, antes mesmo da confirmação da morte encefálica
da doadora (12:52h, conforme fls. 976/977) e antes da disponibilização do fígado à
CNCDO/RJ (20:00h, conforme fl. 76), sendo que o próprio Arraes afirmou em sede
policial que contratara o avião na parte da tarde (fls. 1085 e 3407/3408).
Ressalta que a CNCDO/MG foi comunicada da doação de órgãos da
paciente Ângela às 9:30h da manhã de 17/07/2007 (fl. 980) e que sua morte encefálica
foi confirmada às 12:52h (fl. 977), causando estranheza que somente às 18:00h tenha
sido feito o registro da doação no livro de plantão da CNCDO/MG, o que indicaria que
pode ter sido criada uma situação de urgência de modo que a utilização do enxerto por
outra Central estadual só fosse viável, caso providenciado transporte por jato particular,
tal como ocorrera.
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Apesar de a CNCDO/MG ter informado que a doadora apresentava
quadro de instabilidade hemodinâmica, o que justificaria a urgência na captação, não
haveria registro sobre tal circunstância; ao contrário, no plantão noturno de 16/07/2007,
constaria que Ângela estava hemodinamicamente estável (fl. 982).
O DENASUS, no Relatório nº 6.202, também teria entendido pela
violação da lista de espera quando do transplante de fígado realizado no paciente Carlos
Augusto Arraes (fl. 93, apenso 4).
O réu teria, ainda, omitido informação, na ficha de inscrição de Carlos
Augusto Arraes, de que o referido paciente era portador de hepatocarcinoma, com
diâmetro de 6 cm (fls. 134 e 535). E, embora Carlos Augusto Arraes fosse paciente
particular, o réu teria usado formulários do Hospital Universitário Clementino Fraga
Filho para inscrevê-lo na lista única nacional de receptores de fígado, nos quais omitira
a doença que o acometia, valendo-se do cargo de chefe da equipe de transplante
hepático daquele hospital.
Ainda segundo a denúncia, especialistas teriam concluído que Carlos
Augusto Arraes não era elegível para receber transplante com doador falecido, por não
se enquadrar nos critérios estabelecidos pela legislação brasileira (declarações de fls.
1000/1001, 1009 e 1184), considerando que o critério adotado no Brasil para inscrição
em fila única de transplante hepático com doador cadáver é o de Milão (um nódulo de
até 5 cm, três nódulos inferiores a 2 cm, ausência de invasão vascular), tendo sido
previsto inclusive pela portaria que adotou o critério MELD (Portaria nº 1.160/2006, às
fls. 123/127), conforme fl. 2537.
Interrogado, o réu teria afirmado que “o diagnóstico de cirrose hepática
por vírus C garante a sua inscrição independentemente de complicações que possa ter” e
que “aliás o mesmo foi inscrito para realizar transplante inter vivos”, conforme fl. 2537.
No entanto, tais afirmações seriam falsas, porque em desconformidade com o critério de
Milão adotado no Brasil.
Ademais, a ficha de inscrição de Carlos Augusto Arraes para a fila única
de transplantes não faria ressalva de que o paciente seria inscrito apenas para concorrer
a órgãos por doação inter vivos. A Lei 9.434/1997, no art. 9º, não exige inscrição em
lista única para esse tipo de doação, que depende da compatibilidade e aceitação
expressa do doador, além de decisão judicial, em certos casos.
Carlos Augusto Arraes, porém, ocupava a 65ª posição na lista, pontuação
atribuída pelo sistema MELD/PELD, diante da omissão, pelo réu, da informação acerca
da presença de tumor de 6 cm (fls. 69/73).
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Assim, no dia 12/07/2007, o acusado teria subscrito laudo médico
ideologicamente falso, com a finalidade de instruir ação judicial objetivando a imediata
realização de transplante com doador cadáver em favor de Carlos Augusto Arraes,
embora ciente de que o critério adotado era o de Milão: “apresentava um
hepatocarcinoma em fígado cirrótico de 6 cm de diâmetro, não podendo pontuar pelo
sistema MELD, ou seja, sem chance de receber enxerto hepático atualmente”,
acrescentando que “a doença está restrita ao fígado e encontra-se dentro dos critérios
de São Francisco, amplamente utilizado, tornando-o hábil a receber qualquer órgão
disponibilizado em território nacional”.
A defesa, por sua vez, sustentou que Carlos Augusto Arraes se
encontrava em estado gravíssimo, vitima de câncer no fígado, e que, mesmo inscrito na
fila de transplantes, não alcançava os primeiros lugares da fila, em razão de estar fora do
chamado critério de Milão, de acordo com o qual só receberia pontos por critério de
gravidade o paciente que possuísse tumor no fígado de até 5 cm.
Assim, tendo em vista que Carlos Arraes não se enquadrava neste
critério, por apresentar tumor de 6 cm, considerado inconstitucional pela defesa, sua
família teria ajuizado ação buscando prioridade na fila e obtido liminar junto ao
Tribunal de Justiça de Pernambuco, dirigida a todas as Centrais de Transplantes do
Brasil e ao próprio Sistema Nacional de Transplantes.
A defesa ressaltou, ainda, que o órgão implantado em Carlos Augusto
Arraes seria descartado, uma vez que nem o Hospital do Fundão nem o Hospital Geral
de Bonsucesso possuíam transporte para captar o órgão em Minas Gerais. Ademais, o
Sistema Nacional de Transplantes informou que só dispunha de transporte para o dia
seguinte, devido a acidente aéreo ocorrido com avião da TAM, o que inviabilizaria a
captação.
O fígado implantado em Carlos Augusto Arraes foi captado no Hospital
São Francisco em Minas Gerais e trazido para o Rio de Janeiro em avião fretado pela
família do paciente (fls. 483/487).
No dia 17/07/2007, a Central Nacional de Transplantes recebeu
informações sobre a disponibilização de fígado proveniente de Minas Gerais. Todavia, a
Central constatou que não havia voos disponíveis para transporte naquele dia, uma vez
que o tráfego aéreo enfrentava problemas devido a grave acidente com um avião da
TAM no Rio de Janeiro.
Os pacientes que ocupavam os primeiros lugares na lista única se
encontravam no Hospital de Bonsucesso, mas o chefe da equipe daquele hospital
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recusou o órgão por não haver voo para captá-lo. Em virtude disso, o réu Joaquim
demonstrou interesse no fígado, responsabilizando-se por sua captação, com respaldo
em liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco.
No caso, há que se observar que o fígado oferecido pela Central de
Transplante encontrava-se em Minas Gerais e não havia meio de transportá-lo para o
Rio de Janeiro por meio de voo comercial, devido à interrupção do tráfego aéreo
naquele dia.
Trata-se, portanto, de situação excepcional e, como tal, deve ser tratada.
O paciente Carlos Augusto Arraes foi inscrito na lista única regional do
Estado do Rio de Janeiro com data de 28 de maio de 2007 e obteve judicialmente uma
antecipação de tutela para ter o fígado transplantado.
Interrogado em Juízo, sob o crivo do contraditório, o réu Joaquim
afirmou “que no caso Arraes o mesmo se encontrava ocupando a primeira posição da
clinica São Vicente da Gávea no ranqueamento feito pela CNNCDO e que não se
tratava de fígado marginal nem de doação marginal; que não é verdade que o paciente
não poderia estar na lista, pois fora inscrito pela equipe com a assinatura do
interrogando, com diagnóstico de cirrose hepática por vírus C, Child – Pugh 7, o que
garante a sua inscrição independente de complicações que possa ter, aliás o mesmo foi
inscrito para realizar transplante inter vivos; que o critério conhecido como de Milão
(um nódulo de até 5 cm, três nódulos inferiores a 2 cm, ausência de invasão vascular)
foi o incluído pela portaria que adotou o critério MELD, datado de 1995, extremamente
restritivo e que foi expandido pela Universidade de São Francisco para 6,5 cm, sendo
adotado no Brasil o de Milão; que no caso de Arraes o tumor era de 6 cm, que foi
inscrito somente pela perda de função da cirrose (Child-Pugh 7, conforme já referido) e
em momento algum observou pontuação que lhe seria devida caso fosse inscrito com
diagnóstico de hepatocarcinoma (CHC) e que o mesmo encontrava-se em tratamento
quimioterápico para se conseguir a redução do mesmo para 5 cm para aí sim ser
pontuado pelo critério MELD; que no dia 14 ou 15 de julho o interrogando recebeu por
FAX um ofício de um desembargador de Pernambuco informando ao interrogando
haver decisão liminar priorizando o paciente Arraes em todo o território nacional; que o
interrogando, quando da oferta do enxerto em 17 de julho, comunicou a existência dessa
decisão às 08:00 horas da noite ao enfermeiro Rafael, plantonista da CNCDO-RJ; que,
no caso do paciente Frederico, o interrogando tem conhecimento que a retirada foi
presenciada pela equipe do CNCDO-RJ que constatou três paradas cardíacas do doador
tornando-o marginal; que o interrogando não tem conhecimento de que a equipe tenha
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relatado qualquer tipo de lesão existente no fígado; que, no caso do paciente Arraes, o
interrogando recebeu um telefonema do enfermeiro Rafael comunicando haver
disponibilização de enxerto em Minas Gerais; que o ranqueamento feito pela CNNCDO
apresentava como primeiros três pacientes do HGB e que, em seguida, havia a paciente
Selma (HU); que, neste momento, o interrogando comunicou ciência da decisão liminar
para paciente que era da clinica São Vicente da Gávea; que Rafael demonstrou não ter
ciência da mesma; que o interrogando então aceitou o órgão para a paciente Selma; que
pouco tempo depois o interrogando foi comunicado pelo Rafael de que a CNNCDO
havia cancelado a disponibilização porque a única passagem possível seria para 10:00
horas do dia seguinte, e que não seria possível esperar pois a cirurgia do doador era em
hospital privado, prevista para 23:00 horas, não havendo equipe disponível para a
retirada de fígado em Minas Gerais; que o interrogando solicitou ao enfermeiro Rafael
que perguntasse ao Dr. Lucio Pacheco se o mesmo teria algum paciente do HGB ou da
Clinica São Vicente com possibilidade de ir buscar esse órgão em Minas Gerais; que
pouco tempo depois o Rafael informou ao interrogando da negativa do Dr. Lucio
Pacheco e liberou que a equipe fosse para Belo Horizonte para proceder a cirurgia para
a Clinica São Vicente da Gávea em meio de transporte particular; que o interrogando
não mais falou com o Rafael; que o transporte foi contratado pela família do paciente;
que a morte cerebral do doador de Minas Gerais ocorreu às 13:52 h e que a
disponibilização por Brasília foi por volta das 20:00 h; que o interrogando não tem
conhecimento dos trâmites feitos pela família para alugar o avião; que o interrogando
não tinha conhecimento, no momento, do acidente com o avião da TAM; que sempre
houve comunicação entre as diversas equipes do Brasil, sempre no sentido de aproveitar
órgãos que seriam jogados no lixo, salvando vidas, entretanto a disponibilização desses
enxertos obrigatoriamente é feita pela CNNCDO a partir de ranqueamentos feitos
primeiramente no Estado, depois na região e finalmente em todo o território nacional;
que o interrogando discorda da opinião do Dr. Paulo Chap-Chap; que o paciente Arraes
poderia ser inscrito na lista nacional, o que não poderia era pontuar pelo critério MELD
e que a inscrição foi referendada pela CNCDO-RJ e portanto pela CNNCDO; (...); que o
paciente Carlos Augusto Arraes encontra-se no 13º mês de pós transplante de fígado,
em pleno gozo de saúde, sem apresentar recidiva da lesão, trabalhando e convivendo
com a sua família, inclusive com seus dois filhos menores de idade.”
Ou seja, o réu Joaquim, médico-cirurgião, diante de situação
extremamente difícil e ciente do estado grave de seu paciente Carlos Augusto Arraes,
tomou conhecimento da disponibilidade de um fígado que iria se perder em razão da
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indisponibilidade de transporte para a captação do órgão e da dificuldade de transporte
aéreo naquele dia, agravada pelo acidente aéreo da TAM.
Portanto, neste caso pontual, a decisão do médico, ora réu, de requerer o
órgão captado deveria ser tomada de imediato, mormente porque ciente da decisão
judicial que autorizava o transplante e por ela legitimado. Assim, outra não foi a atitude
do réu senão a de optar pela captação do fígado doado, ainda que sabedor de que o
paciente Arraes não se encontrava entre os primeiros da lista. Não há dúvida de que a
quebra da fila se deu por cumprimento de ordem judicial, em situação excepcional de
extrema urgência.
Nesse sentido, assiste razão à defesa quando, em sede de alegações
finais, aduziu que o enfermeiro Rafael tinha conhecimento de que o órgão seria
destinado a paciente beneficiado por ordem judicial. Na verdade, na manhã do dia 18 de
julho de 2007, o Rio-Transplante já sabia que o fígado fora implantado em razão de
ordem judicial (fl. 579, vol 2 e fl. 165 do Vol 1).
E mais, tanto o Hospital Clementino Fraga Filho, por ausência de
transporte aéreo para se deslocar para Minas Gerais, quanto o Hospital Geral de
Bonsucesso não poderiam realizar o transplante do órgão disponibilizado pela Central
de Minas Gerais. Note-se que o Chefe da equipe do Hospital Geral de Bonsucesso
reconheceu que o fígado implantado em Carlos Augusto Arraes lhe foi oferecido e que
ele o recusou, dada a dificuldade natural de transporte e que não havia voo direto
naquele período (fl. 1062, Vol 4).
Reconhece, a defesa, ainda, que Carlos Augusto Arraes, de fato, jamais
alcançaria os primeiros lugares na lista, uma vez que, pelo critério “MELD” adotado no
Brasil, o paciente, por estar acometido de tumor superior a 5 cm, não receberia os
pontos para ser considerado um paciente grave e merecedor de um transplante; grave
seria, mas não apto a receber o transplante, porque suas chances de sobrevivência
seriam mínimas.
Com razão a defesa ao esclarecer, ainda, que, na Portaria 1.160/2006 (fls.
124/127 do vol. 1), não há referência à proibição de se inscrever na lista, tese defendida
pelo órgão acusador, apenas de ser pontuado pelo critério MELD, sendo certo que o
paciente possuía pontuação número 12 (fl. 201, vol. 1) e o MELD mínimo para
inscrição é 6 (seis).
Ademais, não prospera a alegação do MPF de que a liminar concedida
pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco teria eficácia somente no âmbito e em face do
Estado de Pernambuco. Não vislumbro, também, nenhuma ilegalidade no recebimento
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do ofício expedido pelo Tribunal e recebido pelo réu, uma vez que a decisão judicial
deve ser cumprida independentemente de constar o seu destinatário específico,
sobretudo em se tratando de proteção à saúde e garantia de sobrevida. Ao contrário do
sustentado pelo MPF, o réu não poderia se escusar ao cumprimento da decisão que
deferiu a liminar ao paciente para a realização do transplante.
Pouco importa, ainda, se o paciente beneficiado pelo transplante era
irmão de diretor da Rede Globo de Televisão ou parente do então Governador do Estado
de Pernambuco. O fato é que, diante da liminar concedida e com risco de o órgão se
perder ou colocar em risco a vida do paciente, uma vez que não havia, naquele dia, voo
disponível para a captação do órgão de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, o réu, na
qualidade de médico e na posse da decisão judicial, aliado à disposição da família do
paciente de captar o fígado por meios próprios, não poderia deixar de cumpri-la.
A denúncia trata de casos relevantes em que estavam em jogo três vidas à
espera do recebimento de órgãos, não sendo razoável presumir que tenha havido algum
tipo de ilegalidade ou imoralidade na conduta do réu por se tratar de paciente abastado e
de família inserida na política ou na mídia televisiva.
Ressalto que, ao contrário do que pretendeu fazer crer o MPF, a situação
abastada da família do paciente Carlos Augusto Arraes não serviu para a ultrapassagem
da fila de transplantes, mas, sim, para a captação e o aproveitamento de órgão que seria
perdido por não haver, à época, viabilidade de transporte aéreo com destino a Minas
Gerais, em virtude de grave acidente com um avião da companhia aérea TAM.
Dessa forma, pelas provas dos autos, entendo que o paciente Carlos
Augusto Arraes poderia estar inscrito na lista, como de fato estava, e beneficiar-se do
órgão captado no Estado de Minas Gerais, uma vez que ninguém na lista do Rio de
Janeiro teria condições de aproveitá-lo, devido à inviabilidade de transporte do referido
fígado, naquele dia.
Logo, a rigor, não houve ultrapassagem de paciente na lista, tendo sido a
realização do transplante respaldada em ordem judicial que se tornou exequível graças
aos recursos pessoais disponibilizados pela família do paciente para captar o fígado de
Minas Gerais para o Rio de Janeiro, evitando que se perdesse e, consequentemente, que
o doente deixasse de dele se beneficiar. O réu deverá ser, pois, absolvido.
2.2.4- Fato nº 3: Caso Frederico Sattelmeyer Junior:
Segundo a inicial acusatória, o réu teria tentado desviar órgão da lista
única nacional para realizar transplante no paciente Frederico Sattelmeyer Junior na
162
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Clínica São Vicente, em preterição à lista única nacional e mediante remuneração de R$
80.000,00 (oitenta mil reais).
Frederico Sattelmeyer Junior teria sido inscrito pelo réu Joaquim na lista
de receptores do Rio de Janeiro em 22/05/2007, apesar de morar em São Paulo, onde
também teria se inscrito, na mesma data, para a lista de espera daquele Estado, tendo
solicitado transferência da CNCDO/SP para a CNCDO/RJ, declarando estar sob os
cuidados de Joaquim e da equipe da Clínica São Vicente (fl. 824).
Narra o MPF que, em 05/08/2007, a equipe do HUCFF, chefiada pelo
acusado, fora avisada pela CNCDO/RJ sobre a existência de fígado objeto de doação
post mortem disponível no Hospital Copa D’Or, que deveria ser destinado ao paciente
Dimas Alves Pereira, do HUCFF, segundo a lista única. Porém, a enfermeira Denise, da
referida equipe de transplantes, teria informado que o hospital não tinha estoque de
sangue tipo O fator Rh negativo para a realização da cirurgia. A coordenadora da
CNCDO/RJ Ellen Barroso, por volta de 15 horas, ao tomar conhecimento dos fatos,
teria entrado em contato com Denise, que lhe teria dito ter conseguido o sangue
emprestado com o Banco da Clínica São Vicente, conforme fls. 526/532, liberando,
assim, o CNCDO/RJ, o órgão para captação pela equipe do HUCFF, responsável pelo
paciente com prioridade na fila.
Em torno das 19 horas, a coordenadora Ellen teria sido comunicada pela
enfermeira Eliane, plantonista da CNCDO/RJ, que a captação no Hospital Copa D’Or
estava difícil por condições físicas do doador e que aquele órgão estava sendo
considerado pela equipe como marginal (áudio às fls. 3335 e 3357). Ellen teria entrado
em contato às 19:45 horas com a enfermeira Flávia, que acompanhava a captação no
Copa D’Or, e confirmado a consideração do fígado como marginal. Flávia teria
informado, ainda, que havia oferecido o fígado à equipe do Hospital Geral de
Bonsucesso e o Dr. Marcelo Enne teria dito que, conforme descrito, as condições não
seriam adequadas para implante do órgão em nenhum paciente (fls. 1179/1189). Ter-se-
ia, então, avisado à Coordenadora da CNCDO/RJ que a equipe do HUCFF iria
aproveitar o órgão em paciente particular, da Clínica São Vicente, que estaria vindo de
São Paulo (áudio 1:08:47, fls. 3335 e 3357). Ellen teria questionado sobre o nome do
receptor, pois deveria estar na lista única nacional, mas a enfermeira não soube dizer. O
cirurgião da equipe, Dr. Eduardo Fernandes, teria entrado em contato com a
coordenadora dizendo que mandou alocar o órgão em paciente que estava vindo de São
Paulo, cujo nome não recordava, mas que, pela pontuação MELD, não tinha boa
163
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31
colocação na lista única. A coordenadora da CNCDO/RJ teria informado, então, que
não autorizava a realização do transplante.
Ressalta que Ellen já havia entrado em contato com o coordenador
nacional de transplante, Roberto Schillindwein, o qual teria dito não concordar com esse
tipo de conduta, e que, se o órgão não servia para quem está na fila pelo critério MELD,
não deveria ser implantado em nenhum outro paciente, razão pela qual determinou o
encaminhamento do fígado para avaliação histopatológica, não autorizando o
procedimento, conforme fls. 526/532.
Assim, diante da recusa, Joaquim teria ligado para Ellen, na tentativa de
obter a liberação do órgão para Frederico, ocasião em que afirmou que a alocação do
fígado marginal era um “vício” da equipe.
Segundo o MPF, embora o denunciado Joaquim tivesse pleno
conhecimento de que o órgão seria implantado em Frederico Sattelmeyer, não informou,
dolosamente, o nome do paciente à coordenadora da CNCDO/RJ, já que ele sequer
figurava na lista única de receptores aptos a receber o enxerto, conforme fls. 136/137 e
146/181.
Conforme relatado no livro de plantão da Clínica São Vicente, o
cirurgião Eduardo ligou para marcar o transplante de Frederico às 19:35h, enquanto
ainda era realizada a captação do órgão no Hospital Copa D’Or (fl. 1360),
depreendendo-se que os contatos com o paciente para a cirurgia teriam sido realizados
antes de a CNCDO/RJ ser informada sobre a suposta condição “marginal” do enxerto, a
qual o impediria de ser destinado ao primeiro da fila.
Conforme declarações da testemunha Itamar Cóppio, médico e cunhado
de Frederico, em julho, o depoente teria recebido ligação informando a respeito de um
fígado marginal disponível para transplante, mas que sua durabilidade era de 10 ou 15
anos, razão pela qual a família não teria aceito, e que, no final de julho ou início de
agosto, recebeu outra ligação informando que havia outro fígado marginal, proveniente
de parada cardíaca, e que esse fígado estaria em bom estado, sendo então aceito pela
família.
Segundo a denúncia, não seria a primeira vez que a equipe do HUCFF,
sob a chefia de Joaquim, tentava desviar órgão da lista única para favorecer Frederico
Sattelmayer, e que o fígado captado não poderia ser considerado como marginal, visto
que se encontrava em melhor estado que aquele antes oferecido, sendo aceito pela
família.
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O réu teria, pois, prestado declarações falsas para marginalizar órgão
sadio captado, o que redundou em seu descarte devido à não implantação no paciente
que ocupava a primeira posição na fila (Dimas Alves Pereira). O órgão teria sido, então,
oferecido ao paciente Frederico Sattelmayer, que veio de São Paulo para o Rio de
Janeiro para realizar o transplante, tendo sido internado na Clínica São Vicente, local
em que a equipe chefiada por Joaquim teria conduzido todos os procedimentos pré-
operatórios, conforme fl. 1360.
Para o MPF, não haveria dúvidas de que Joaquim teria tentado desviar,
dolosamente, órgão da lista única nacional para a realização de transplante no paciente
Frederico Sattelmayer, em detrimento dos pacientes que figuravam na referida lista.
De acordo com o já relatado, o réu Joaquim, supostamente, teria tentado
realizar transplante no paciente Frederico Sattelmeyer, que se encontrava em estado
grave, embora não constasse como o primeiro da lista a receber o fígado. De fato, o
referido paciente não constava entre os primeiros da lista, o que restou esclarecido pela
Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes (IPL 1286/2003, apenso 5),
segundo a qual a inscrição do paciente Frederico Sattelmayer Junior remonta a 22 de
maio de 2007, com diagnóstico de Hepatite Viral C.
Segundo a defesa, durante o procedimento de captação, o doador sofreu
três paradas cardíacas, o que tornou o órgão marginal, segundo demonstrado por provas
testemunhais e documentais, e inviabilizou sua destinação aos primeiros pacientes da
fila. A própria Coordenação estadual e a Coordenação nacional de transplantes
proibiram a implantação do órgão em qualquer paciente, pois entenderam pela
imprestabilidade do órgão.
Ademais, o paciente teria sido inscrito inicialmente para ser
transplantado com a utilização de órgão oriundo de doador vivo, mas os testes de
incompatibilidade demonstraram a impossibilidade do procedimento nessas condições,
razão pela qual se optou pela utilização do órgão que seria descartado. E, ao contrário
do ventilado pela acusação, o tumor hepático que extrapola o critério de Milão não
impediria a inscrição na lista de transplantes.
A Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes, em
procedimento administrativo (IPL 1826/2006, apenso 5), ratificou a condição de órgão
marginal:
“Tendo em vista o explicitado acima esta Coordenação-Geral do
Sistema Nacional de Transplante não entende a razão pela qual tal
paciente foi chamado pela equipe para receber este órgão, uma vez
165
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33
que segundo os próprios médicos era um órgão limítrofe e não tinha
indicação de ser transplantado em nenhum dos 530 pacientes do Rio
de Janeiro que foram selecionados.”
Assim, segundo o depoimento da testemunha Dra. Ellen Elizabeth
Macedo Barroso, então Coordenadora da Central de Transplantes do Rio de Janeiro, o
paciente selecionado para receber o órgão captado no Hospital Copa-Dor em
decorrência de Hemorragia Subaracnóidea por Aneurisma Cerebral do paciente Enes
Godoy Pereira, 51 anos, sexo masculino, grupo sanguíneo Rh positivo, o qual sofreu
três paradas cardíacas, seria o paciente Dimas Alves Pereira, inscrito no cadastro técnico
de receptores (RGCT 3745735) pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
(HUCFF), com MELD estimado de 29. Contudo, por questões de segurança, o órgão foi
considerado inadequado para o implante em qualquer receptor, tendo o Dr. Roberto
Schillindwein (fl. 529) definido pelo cancelamento do procedimento (fls. 529/530).
Assim, não procede a acusação de que o réu Joaquim teria determinado
que o órgão fosse falsamente caracterizado como marginal, pois o órgão, de fato, era
marginal. Ademais, de acordo com todos os depoimentos colhidos no curso da
instrução, a marginalidade do órgão deve ser aferida no momento da captação,
considerado o exame macroscópico e o estado do paciente doador, não havendo como
se esperar por exames conclusivos no momento do transplante.
É o que consta no relatório da auditoria do DENASUS/MS (apenso 5 ao
IPL 1826/2003 – fl. 1158):
“A macroscopia do fígado na hora da retirada é o principal fator de
descarte para utilização do enxerto, bordas rombas indicam sofrimento
do enxerto, que pode ser decorrente de instabilidade hemodinâmica do
doador. Parada cardio-respiratória revertida, má perfusão e outros
fatores, levando à necrose, balonização de hepáticos, apopitose,
congestão e à comissão”.
Portanto, no caso, era inexigível conduta diversa do médico, ora réu, que
só tomou conhecimento dos fatos quando já se havia se chegado à conclusão de se tratar
de fígado marginal.
Nesse sentido, trago à colação o depoimento da testemunha arrolada pela
acusação Lúcio Pacheco Moreira:
“A decisão de transplantar um fígado marginal é uma decisão limite,
não é uma decisão fácil em Medicina, é uma decisão muito difícil. No
Rio de Janeiro o fígado marginal é utilizado em 85% dos casos.”
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34
E mais: tendo em vista que a Coordenação do Rio-Transplante não
concordou com o transplante do fígado considerado marginal, a equipe médica do
acusado decidiu implantá-lo em Frederico Sattelmeyer, tendo a família do paciente
ajuizado ação em que a liminar foi indeferida. Assim, independentemente da discussão
acerca da condição de marginalidade do fígado que seria transplantado no paciente
Frederico, note-se que o transplante não aconteceu e sequer foi iniciado.
3- Dispositivo:
Diante de todo o exposto, julgo improcedente a pretensão punitiva estatal
e absolvo Joaquim Ribeiro Filho, qualificado nos autos, dos fatos que lhe foram
imputados na denúncia, o primeiro, ocorrido em 24/07/2003, com fulcro no art. 386, VI,
o segundo, ocorrido em 14/07/2007, com fulcro no art. 386, III, e o terceiro, ocorrido
em 05/08/2007, com fulcro no art. 386, VI, todos do CPP.
Sem custas processuais.
Juntem-se em apenso os documentos e mídias acauteladas, conforme
certificado nos autos.
Transitada em julgado esta sentença, proceda-se às comunicações de
praxe e arquivem-se os autos com baixa.
Oficie-se, ainda, ao Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de
Janeiro, dando-lhe ciência desta sentença.
Publique-se. Registre-se. Ciência ao MPF.
Rio de Janeiro/RJ, 11 de setembro de 2013.
(ASSINATURA ELETRÔNICA)
FABRÍCIO ANTONIO SOARES
Juiz Federal Titular
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Sentença absolvição médico transplantes fígado

  • 1. 1 0814261-21.2007.4.02.5101 (2007.51.01.814261-1) AUTOR: MINISTERIO PUBLICO FEDERAL REU: JOAQUIM RIBEIRO FILHO E OUTROS CONCLUSÃO Nesta data, faço estes autos conclusos a(o) MM(a) . Juiz(a) da 3ª Vara Federal Criminal/RJ. Rio de Janeiro, 07 de março de 2013 ANDREIA AZEVEDO Diretor(a) de Secretaria (Sigla usuário da movimentação: JRJIZD) SENTENÇA D2 - ABSOLUTÓRIAS 1- Relatório: Trata-se de ação penal promovida pelo Ministério Público Federal em face de Joaquim Ribeiro Filho, Eduardo de Souza Martins Fernandes, Giuliano Ancelmo Bento, João Ricardo Ribas Júnior e Samanta Teixeira Basto, qualificados nos autos. A punibilidade dos réus Eduardo de Souza Martins Fernandes, Giuliano Ancelmo Bento, João Ricardo Ribas Júnior e Samanta Teixeira Basto foi extinta, por sentença, em virtude do cumprimento das condições impostas nas respectivas propostas de suspensão do processo, remanescendo a ação penal em face de Joaquim Ribeiro Filho a quem, na qualidade de médico-cirurgião, o MPF imputa responsabilidade criminal por supostas preterições em fila de espera por transplantes de fígado. A denúncia foi recebida em 29/07/2008, conforme decisão de fls. 2364/2365, ocasião em que foi, ainda, decretada a prisão preventiva de Joaquim Ribeiro Filho e parcialmente deferido o pleito de busca e apreensão. FAC de Joaquim Ribeiro Filho às fls. 2434/2435 e 2519/2521. Audiência realizada em 06/08/2008, conforme fls. 2488/2489, na qual foi oferecida pelo MPF proposta de suspensão condicional do processo aos acusados Giuliano Ancelmo Bento, João Ricardo Ribas Júnior e Samanta Teixeira Basto, a qual restou aceita. Audiência realizada em 13/08/2008, conforme fls. 2532/2534, na qual o Juízo julgou improcedente, em parte, a pretensão punitiva em relação a Eduardo de Souza Martins Fernandes, no que tange à imputação de peculato consumado, no caso do transplante de fígado realizado em Carlos Augusto de Alencar Arraes. Em seguida, o MPF ofereceu proposta de suspensão condicional do processo ao referido acusado, com relação à segunda imputação (peculato tentado), a qual restou aceita. Por fim, foram 134 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 2. 2 interrogados os réus Joaquim Ribeiro Filho, às fls. 2535/2539, e Eduardo de Souza Martins Fernandes, às fls. 2540/2542. O réu Joaquim Ribeiro Filho foi reinterrogado à fl. 3540, na modalidade audiovisual. Ofício da Polícia Federal de apresentação do material apreendido na “operação fura-fila”, às fls. 2561/2562, cujos termos de acautelamento se encontram às fls. 2639/2645. Defesa prévia de Joaquim Ribeiro Filho, às fls. 2653/2677, acerca da qual se manifestou o MPF às fls. 2692/2695. Decisão proferida pelo TRF-2ª Região, nos autos do HC nº 2008.02.01.012261-3, para declarar que a restrição quanto à comunicação com corréus ou testemunhas, imposta pela decisão que deferiu a liminar a Joaquim Ribeiro Filho, cuja cópia se encontra às fls. 2726/2734, não diz respeito a Eduardo de Souza Martins Fernandes nem a Carlos Augusto Arraes (fls. 2711/2712). Fl. 2716. Decisão proferida nos autos do HC nº 2008.02.01.012261-3, concedendo a ordem para confirmar a liminar anteriormente deferida, no que toca à prisão preventiva de Joaquim Ribeiro Filho, e determinando que seu afastamento das funções no Hospital Clementino Fraga Filho se dê apenas em relação aos procedimentos cirúrgicos relativos a transplantes hepáticos, devendo retornar às atividades inerentes à atividade de médico e professor. Fl. 2752. Decisão de indeferimento, pelo Juízo, de pedido da defesa de Joaquim Ribeiro Filho para a apresentação de resposta à acusação, na forma da Lei 11.719/2008. Fl. 2795. Decisão determinando a autuação em apartado do traslado das alegações preliminares de Joaquim Ribeiro Filho, nas quais havia menção à exceção de suspeição do Juízo, a qual fora julgada improcedente pela 2ª Turma Especializada do TRF-2ª Região. Acórdão nos autos do HC nº 2008.02.01.012261-3, em embargos de declaração, declarando que a restrição imposta ao paciente quanto à realização de transplantes hepáticos diz respeito apenas à sua atuação na rede pública de saúde (fl. 2867). Oitiva das testemunhas de acusação Itamar Coppio (carta precatória), Edílson Duarte dos Santos (carta precatória), Ellen Elizabeth Macedo Barroso (audiovisual), Lúcio Filgueiras Pacheco Moreira (audiovisual), Luiz Claudio Lerner (audiovisual), Maria do Socorro Z. Dutra (audiovisual), Rodrigo Martinez (audiovisual), 135 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 3. 3 Rafael Ferreira da Costa (audiovisual), Henrique Sérgio Moraes Coelho (audiovisual), Ricardo Antônio Refinettti (audiovisual), Carlos Roberto Cabral (audiovisual) e Vinicius Gomes da Silveira (audiovisual), às fls. 2934/2935, 2968/2969, 3335, 3336, 3343, 3344, 3345, 3353, 3354, 3365, 3366 e 3367, respectivamente. Decisão de fls. 3017/3019, na qual foi afastada a preliminar de inépcia da denúncia, rejeitados os pleitos de anulação do feito e de degravação dos áudios do monitoramento e deferido o pedido de empréstimo da prova colhida nos autos (petição do MPF às fls. 2991/2998). Ofício nº 211/2009 da Coordenação Geral da Central Estadual de Transplantes, encaminhando a lista completa dos transplantes de fígado cadavéricos incluindo as modalidades “dominó” e “split”, e indicando a instituição transplantadora, às fls. 3293/3301. Ofício nº 07/2010 da Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplantes, encaminhando as listagens de doações de fígado enviadas pelas Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO) dos Estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo, de 2002 a 2008, bem como planilha contendo o quantitativo de doações ocorridas no Brasil, no período de 2002 a 2010, e o número de transplantes efetivamente realizados a partir dessas doações, às fls. 3315/3331. Oitiva das testemunhas de defesa Rui Hadad (audiovisual), Silvio José de Souza Martins (audiovisual), José Benvindo de Faria Neto (audiovisual), Marcos Oliveira de Sousa (audiovisual), Regina Maria da Veiga Pereira (audiovisual), Adriana Penha da Silva Riscado (audiovisual), Luiz Roberto Soares Londres (audiovisual), Alexandre Pinto Cardoso (audiovisual), Pedro Túlio Monteiro de Castro e Abreu Rocha (audiovisual), Juraci Ghiaroni de Albuquerque e Silva (audiovisual), Ricardo Miguel Gomes Carvalho (audiovisual), Denise Carvalho da Costa (audiovisual), Adriana Therezinha C. Souto Castanho de Carvalho (audiovisual), Miguel Arraes de Alencar Filho (audiovisual), Wagner Cordeiro Marujo e Luiz Augusto Carneiro D’Albuquerque (carta precatória com audiovisual), às fls. 3372, 3373, 3374, 3377, 3378, 3379, 3380, 3386, 3387, 3388, 3402, 3403, 3406, 3407 e 3344/3445, respectivamente. Em diligências, o MPF requereu, à fl. 3470, a requisição de envio do relatório da auditoria nº 6202. Em diligências, a defesa de Joaquim Ribeiro Filho requereu, às fls. 3476/3479, o encaminhamento, pela Central Estadual de Transplantes do Rio de Janeiro, de cópia de seu livro de ocorrências referentes aos períodos de 01/09/2006 a 31/12/2006 e de 17/05/2007 a 17/09/2007, o que foi deferido pelo Juízo. 136 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 4. 4 Certidão à fl. 3484, dando conta da abertura dos anexos 1 (para juntada das cópias do livro de ocorrências da Coordenação Geral da Central Estadual de Transplantes), 2 (para juntada da cópia do Processo Ético Disciplinar nº 1561 do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro) e 3 (para juntada de documentos apresentados pela defesa em petição de fls. 3483 e 3487). Certidão à fl. 3517, dando conta da abertura do apenso 4 (para juntada do Relatório de Auditoria nº 6202). Alegações finais do MPF, às fls. 3571/3623, requerendo a condenação do réu Joaquim Ribeiro Filho, em concurso material, nas penas dos arts: a) 312, caput, c/c 327, § 2º, ambos do CP – desvio de órgão para a realização de transplante em Jaime Ariston; b) 312, caput, do CP – desvio de órgão para a realização de transplante em Carlos Augusto de Alencar Arraes; c) 299, parágrafo único, do CP – inserção de declaração falsa na ficha de inscrição do paciente Carlos Augusto Arraes, com o fim de habilitá-lo a figurar na lista única nacional de receptores de enxerto hepático; d) 299, caput, do CP – inserção de declaração falsa em laudo médico, com o fim de induzir a erro o Poder Judiciário no caso Arraes; e) 312, caput c/c art. 14, II, do CP, com a aplicação da agravante prevista no art. 62, I, do CP – tentativa de desvio de órgão para realização de transplante em favor de Frederico Sattelmeyer Junior. Alegações finais da defesa de Joaquim Ribeiro Filho, às fls. 3635/3893, requerendo a absolvição do réu. Certidão de traslado de decisão em exceção de suspeição (2009.51.01.800454-5), à fl. 3894. Carta de fiscalização de Eduardo de Souza Martins Fernandes, às fls. 3912/3949. Carta de fiscalização de João Ricardo Ribas Júnior, às fls. 3951/3984. Carta de fiscalização de Samanta Teixeira Basto, às fls. 3986/4010. Carta de fiscalização de Giuliano Ancelmo Bento, às fls. 4037/4069. O MPF manifestou-se pela extinção da punibilidade dos réus Eduardo de Souza Martins Fernandes, João Ricardo Ribas Júnior, Samanta Teixeira Basto e Giuliano Ancelmo Bento, devido ao cumprimento das condições impostas e ao decurso do prazo do sursis processual, sem revogação (fl. 4125). Às fls. 4130/4131, foi proferida sentença, declarando extinta a punibilidade dos referidos réus, com fundamento no art. 89, § 5º, da Lei 9.099/95. Às fls. 4113/4413, foi requerida pelo MPF a juntada do pedido de extensão do sigilo telefônico apresentado pelo Procurador da República responsável 137 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 5. 5 pela ação civil pública nº 2009.51.01.023884-1, ajuizada contra os réus Joaquim Ribeiro Filho e Eduardo de Souza Martins Fernandes, de maneira a permitir a utilização da transcrição do monitoramento telefônico perante o Juízo cível, o que foi deferido à fl. 4119. É o relatório. Decido. 2- Fundamentação: 2.1- Preliminares: A defesa arguiu a incompetência do Juízo, sob o argumento de que o inquérito policial que gerou esta ação penal foi distribuído a esta 3ª Vara Federal Criminal por dependência aos autos do inquérito policial nº 2004.51.01.502233-2, sem que houvesse conexão. A defesa arguiu ainda, a suspeição do MM. Juiz Federal Lafredo Lisboa Vieira Lopes, sustentando que o referido magistrado teria antecipado juízo de valor sobre o mérito da ação penal, além de haver participado ativamente da investigação policial. Por fim, a defesa alegou nulidade da prova decorrente da interceptação telefônica, uma vez que a decisão que determinou a realização da medida não teria demonstrado sua imprescindibilidade, conforme determina a lei de regência, e não teria sido fundamentada. Inicialmente, afasto a preliminar de incompetência do Juízo, renovada pela defesa em sede de alegações finais, por já haver sido apreciada na exceção de incompetência nº 0811862-82.2008.4.02.5101, cujo teor reproduzo a seguir: “Por despacho de 5.12.2007, esse MM Juízo determinou a distribuição do IPL n. 2386/2007 (2007.51.01.814261-1) por dependência ao IPL 1826/2003 (2004.51.01.502233-2), ambos da DELEFAZ, em atenção a ofício da autoridade policial que assim sugeria, com base em unidade de autoria, semelhança de condutas e unicidade de linha investigatória. Referido despacho está às fls.727 dos autos do IPL n. 2386/2007 no ofício, imediatamente antes. O excipiente alega que esse MM. Juízo errou ao determinar a distribuição nesses moldes, com invocação de dois argumentos consecutivos: (1) esse MM Juízo não teria competência específica para os crimes narrados na denúncia, e (2) não haveria conexão entre o transplante apurado no IPL n. 1286/2003 e os transplantes apurados no IPL 2386/2007. A conexão probatória é, contudo, evidente. O modo de execução dos desvios de órgão narrados na denúncia é amplamente semelhante, em especial nos casos de Jaime Ariston e Frederico Satelmeyer, cada qual apurado em um dos inquéritos policiais. Esses dois casos envolvem atividade probatória relativa aos critérios de utilização de fígado marginal, tanto os gerais quanto os concretamente 138 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 6. 6 aplicados, bem como ao funcionamento e à administração da lista única e à dispensa de pacientes que já estavam internados em preparação para a cirurgia de transplante. O caso de Carlos Augusto Arraes, embora não tenha envolvido a temática do fígado marginal, envolve, de todo modo, atividade probatória relativa ao funcionamento e à administração da lista única, imbricando-se com os outros dois por essa vertente. A prova relativa à utilização do fígado marginal e ao funcionamento e à administração da lista única nacional aproveita aos fatos apurados em um e outro inquérito policial. Exemplifico com a ata de reunião, objeto de referência na denúncia, que revela a adoção, pela Câmara Técnica do Fígado deste Estado, de critérios de qualificação de fígados como marginais. Essa ata constitui prova documental produzida no caso de Jaime Ariston, apurado no primeiro inquérito policial, mas inteiramente influente na prova do caso de Frederico Sattelmeyer, apurado no segundo inquérito policial. Exemplifico, ademais, com o interrogatório em juízo de Eduardo de Souza Martins Fernandes, que, embora limitado ao caso de Frederico Sattelmeyer, elucida relevantes aspectos do modo de preterição da lista única e influi na prova do caso de Jaime Ariston. É induvidosa, desse modo, a conexão probatória entre os fatos apurados em um e outro inquérito, a atrair a aplicabilidade do art. 76, III, do Código de Processo Penal e ensejar a reunião dos feitos. (...) Oficio, ante o exposto, pela improcedência da exceção.” E penso que S. Exª deu a resposta adequada à pretensão do excipiente, esgotando a matéria. Daí porque, adotando como razões de decidir os dizeres do douto representante do Ministério Público, REJEITO a presente exceção de incompetência.” Quanto à alegada suspeição do MM. Juiz Federal Lafredo Lisboa Vieira Lopes, que instruiu o feito, também renovada em sede de alegações finais, rejeito-a, uma vez que a matéria restou decidida, em definitivo, pelo TRF-2ª Região, conforme decisão de fls. 2943/2945. Rejeito, por fim, a alegação de nulidade da prova decorrente da interceptação telefônica, uma vez que as decisões judiciais que autorizaram a quebra do sigilo das comunicações telefônicas foram devidamente fundamentadas. Afastadas as preliminares arguidas, passo ao exame do mérito. 2.2- Mérito: 2.2.1- Dos fatos narrados na denúncia e da correta classificação do tipo penal: Conforme narra a denúncia, entre setembro de 2003 e agosto de 2007, Joaquim Ribeiro Filho, médico-cirurgião lotado no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, vinculado à UFRJ, e coordenador da equipe médico-cirúrgica autorizada pelo Ministério da Saúde a realizar transplantes hepáticos – o que lhe conferia o poder de inscrever receptores na lista única nacional –, teria realizado ao menos dois transplantes e teria tentado ao menos mais um, sem observar, de forma dolosa, a ordem 139 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 7. 7 de prioridades estabelecida em lista única nacional, instrumento do Sistema Nacional de Transplantes, organizado pelo Ministério da Saúde. Ainda segundo a denúncia, o réu Joaquim Ribeiro Filho teria destinado fígados a pacientes internados em estabelecimento hospitalar privado, mediante o pagamento de vantagem pecuniária, falseando os critérios legais e regulamentares sobre a classificação e a destinação dos órgãos, classificando-os como marginais, fora do padrão ou sub-ótimos, classificação então inexistente na legislação brasileira, e que não desobrigaria a Administração Pública de oferecê-los à lista única nacional. Os pacientes então beneficiados pelo transplante de fígado realizado pelo réu Joaquim Ribeiro Filho seriam Jaime Ariston de Araújo Sobrinho (caso 1) e Carlos Augusto de Alencar Arraes (caso 2). O paciente Frederico Sattelmey Júnior (caso 3) não teria sido transplantado por circunstâncias alheias à vontade do réu. Em síntese, nos termos do descrito na denúncia, o réu Joaquim Ribeiro Filho, médico-cirurgião, teria inobservado a lista única para transplante de fígado, cuja matéria se encontra disciplinada na Lei 9.434/1997 e no Decreto 2.268/1997, que a regulamentou, razão pela qual estaria incurso, em tese, nas penas do art. 312 do Código Penal (peculato) ou, alternativamente, nas penas do art. 16 da referida Lei 9.434/1997. Reproduzo, a seguir, os dispositivos legais: Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa. Art. 16 - Realizar transplante ou enxerto utilizando tecidos, órgão ou partes do corpo humano de que se tem ciência terem sido obtidos em desacordo com os dispositivos desta Lei. Pena: reclusão, de um a seis anos, e multa, de 150 a 300 dias-multa. O art. 16 da Lei 9.434/1997 referencia norma do próprio texto legal, no caso, o art. 10: Art. 10 - O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento. (grifei) (...) Cotejando a leitura dos dispositivos legais mencionados e os casos narrados na denúncia, verifico que a conduta do réu Joaquim Ribeiro Filho, de, supostamente, não haver observado a lista única para a realização dos transplantes de 140 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 8. 8 fígado, estaria, em tese, tipificada no art. 16 da Lei 9.434/1997, que, por sua vez, é regulamentado pelo art. 24, § 4º, do Decreto 2.268/1997, e, não, no art. 312 do Código Penal. Isso porque a equiparação de parte do corpo humano a bem móvel, ainda que post mortem e doada para o Poder Público com o fim de transplante terapêutico, visando ao enquadramento no art. 312 do CP, constituiria interpretação extensiva desarrazoada e não admitida no âmbito do direito penal, além de ir de encontro ao princípio da especialidade, uma vez que a matéria se encontra regulada em lei específica. Em 1997, o Ministério da Saúde elaborou lista única abrangendo todos os pacientes inscritos na Central de Transplantes (CT) da Secretaria Estadual de Saúde, obedecendo a um critério constante que determina quem deve ser transplantado, ou seja, quem deve ser o receptor do enxerto. Assim, durante dez anos, a lista obedeceu a um critério cronológico de prioridade, objetivo e de fácil controle, pelo qual eram transplantados os inscritos conforme sua data de inscrição. Todavia, pacientes menos graves eram transplantados antes de outros mais graves os quais faleciam durante a espera. A partir de 15/07/2006, após ampla discussão, o critério adotado passou a ser a gravidade, ou seja, transplantavam-se, primeiro, os mais graves, já que os menos graves poderiam, em tese, aguardar devido à sua maior reserva funcional. Para tanto, adotou-se o critério MELD/PELD (Model for End-Stage Liver Disease) que calcula a gravidade de cada caso por fórmula matemática baseada em resultados numéricos de exames laboratoriais. Nesta ação penal, o primeiro caso descrito na denúncia, relativo ao paciente Jaime Ariston de Araújo Sobrinho, trataria de situação especial em que o fígado enxertado não se encontrava em estado ideal, porém apto a ser transplantado e salvar vida, sendo classificado, no meio médico, como “fígado marginal”, nomenclatura hoje conhecida como fígado limítrofe. O segundo caso, relativo ao paciente Carlos Augusto de Alencar Arraes, referir-se-ia a transplante de fígado normal, em desacordo com os critérios adotados na lista de inscritos. O terceiro caso, relativo ao paciente Frederico Sattelmeyer Júnior, também trataria de enxerto de fígado supostamente marginal, o qual não chegou a ser implantado. 141 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 9. 9 É de ressaltar a relevância do bem jurídico tutelado, consubstanciado na moralidade da doação de órgãos do corpo humano, com vistas à preservação da integridade física, da dignidade e da vida humanas. Assim, toda vez que, em assistência médica, a demanda é maior que a possibilidade de atendimento, é necessário estabelecer um critério de prioridade, ou seja, a quem atender primeiro. Essa situação mostra-se concreta e de grande importância no caso dos transplantes, uma vez que, para deles se beneficiar, são inscritos somente pacientes sem outra forma de tratamento capaz de evitar sua morte em curto prazo. Cabe, então, ao médico-cirurgião avaliar o estado do órgão e compatibilizar o receptor adequado de acordo com a lista de transplante. Contudo, a destinação do órgão mostra-se controvertida quando se trata de fígado marginal, não havendo lei ou norma reguladora específica para o caso concreto, sendo certo que, na prática médica, situações especiais e não reguladas anteriormente podem proporcionar a não observância dos preceitos médicos e éticos, e até legais, no caso, a Lei 9.434/1997 que, especificamente em seu art. 16, tutela o bem jurídico no contexto da doação de tecidos, órgãos e outras partes do corpo humano, bem como a preservação da integridade física e da vida humana. Feitas essas considerações iniciais e firmada a classificação do crime, subsumindo os fatos descritos na denúncia ao tipo previsto no art. 16 da Lei 9.434/1997, passo à análise individualizada de cada caso. 2.2.2- Transplante realizado no paciente Jaime Ariston de Araújo Sobrinho: Segundo o MPF, Joaquim Ribeiro Filho, na condição de médico- cirurgião especializado em transplantes hepáticos com notório conhecimento da legislação que regula a captação e a distribuição de fígados a serem implantados em doentes graves inscritos na lista única nacional, teria ocupado diversos cargos de chefia e, sobretudo, o de coordenador da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos do Estado do Rio de Janeiro, por quase quatro anos, e, por estas razões, dominaria a regulamentação legal pertinente aos transplantes no Brasil. Além do exercício de cargos na Administração Pública Federal e Estadual, Joaquim Ribeiro Filho possuiria uma clínica particular – Centro Hepatobiliopancreático do Rio de Janeiro –, a qual contaria com a mesma equipe médica por ele chefiada no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho. O réu teria, ainda, permissão para inscrever, na lista única de receptores, pacientes públicos ou particulares que reunissem os requisitos previstos na legislação para receberem o transplante de fígado, bem como para captar órgãos e realizar 142 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 10. 10 cirurgias, caso os pacientes inscritos por ele ou por sua equipe gozassem de prioridade na lista única nacional. Segundo o MPF, não haveria irregularidade na realização de transplantes, mediante a cobrança pelos serviços médicos prestados, em pacientes tratados em estabelecimento particular, porém seria imprescindível a observância da lista única nacional para que o paciente recebesse o órgão, fosse ele da rede pública ou da rede particular de saúde. O réu Joaquim Ribeiro Filho, porém, ao menos em três episódios, teria se valido de expedientes ardilosos para desviar, dolosamente, órgãos que deveriam ter sido destinados a pacientes com preferência na fila. No caso Jaime Ariston de Araújo Sobrinho, o MPF afirma que, a partir dos prontuários médicos, relatórios, depoimentos e circunstâncias que envolveram o transplante de fígado realizado em favor do referido paciente, no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, em 24/07/2003, não haveria dúvidas de que o réu, na qualidade de chefe da equipe de transplantes hepáticos do HUCFF e de coordenador da CNCDO/RJ, desviou, dolosamente, órgão da lista única nacional, em detrimento de pacientes que precediam Jaime Ariston na fila de espera por um transplante de fígado. Lembrou, o MPF, que Jaime Ariston de Araújo Sobrinho seria irmão do então Secretário de Transportes do Estado do Rio de Janeiro, Augusto Ariston, e que o réu teria determinado à sua equipe a realização do transplante em favor de Jaime Ariston, mesmo ciente de que ele não ostantava prioridade na lista única nacional, tanto que ocupava a 32ª posição. Ressaltou, ainda, que, conforme depoimentos colhidos às fls. 1055/1064, ratificados às fls. 3336/3337, fls. 1179/1189 e 1551/1556, o anterior coordenador da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos do Rio de Janeiro (CNCDO/RJ), Dr. Roberto Chabo, viria sofrendo pressão do então Secretário de Saúde Gilson Cantarino O’Dwyer, para furar a fila de transplantes hepáticos em favor de Jaime Ariston. Todavia, diante de sua recusa, o médico Roberto Chabo teria sido substituído pelo réu na coordenação do CNCDO/RJ, após nomeação efetivada em desacordo com o Estatuto do Rio Transplante. Ademais, apenas dois dias após sua nomeação, o réu teria consentido na realização do transplante hepático em favor de Jaime Ariston no HUCFF, com inobservância dolosa da lista única nacional, a qual, à época, possuía o critério cronológico de inscrição para ordenar os pacientes. Com o fim de justificar sua conduta, o réu teria classificado o fígado transplantado em Jaime Ariston como marginal, por, supostamente, apresentar “bordas 143 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 11. 11 rombas”, o qual, embora apresente características não ideais e não tenha previsão na legislação brasileira, seria amplamente aceito pela comunidade médica no Brasil e no exterior. Ocorre que a caracterização do fígado como marginal não autorizaria a inobservância da ordem de precedência da lista única nacional, razão por que deveria o órgão ser oferecido à lista única para que fosse aproveitado com observância da ordem de prioridade da fila de espera nacional. Ainda segundo o MPF, no boletim operatório elaborado pela Dra. Inary Bueres, o fígado transplantado em Jaime Ariston seria descrito como normal, conforme fls. 353/354 do anexo 2, volume 2. A médica teria, ainda, declarado que o fígado seria utilizável e sem alterações significativas, conforme fls. 298/299 do apenso 1 do IPL 1826/2003. Todavia, ao prestar declarações no procedimento administrativo instaurado no CREMERJ, teria ventilado a possibilidade de o órgão apresentar “bordas rombas”. Da mesma forma, o cirurgião que realizou o transplante em Jaime Ariston, Dr. Vinícius Gomes da Silveira, teria afirmado que o fígado utilizado seria normal (fls. 3367/3368 – áudio KT_248~560_VIDEO ’03:14/04:00’). Assim, se se tratasse de fígado marginal, no prontuário médico de Jaime Ariston deveria haver menção à anormalidade do fígado nele implantado, para fins de registro e do aumentado risco de não funcionamento ou de complicações pós- transplante. Conforme depoimento prestado à fl. 1058 e ratificado em Juízo, a testemunha Lúcio Pacheco, cirurgião integrante da equipe de transplantes de fígado do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB), afirmou que a equipe do HUCFF, chefiada pelo acusado, comumente descrevia os órgãos captados de forma a concluir por sua imprestabilidade e implantá-los em pacientes particulares, com preterição da lista única nacional. Isso teria instado os cirurgiões de transplantes hepáticos do HGB, indignados com as “furadas de fila”, a formularem pedido à CNCDO/RJ, para acompanhar a captação de órgãos pela equipe chefiada pelo réu (fl. 1065). Para o MPF, o réu não teria comprovado a alegação de que os pacientes que precediam Jaime Ariston na lista única não estariam dispostos a receber o fígado marginal, conforme declaração prestada na sindicância instaurada junto ao CREMERJ – fls. 147/148 do anexo 3 e em reinterrogatório – fls. 3540/3541, ou não poderiam ser consultados a tempo (conforme versão apresentada em seu interrogatório à fl. 2536). Nesse ponto, as testemunhas Rodrigo Martinez e Henrique Sérgio Moraes Coelho, integrantes da equipe chefiada pelo réu, teriam declarado em Juízo, às 144 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 12. 12 fls. 3346 e 3355, que os pacientes assinavam termos tanto no caso de aceitação quanto no caso de recusa e que incumbiria ao acusado comprovar que Jaime Ariston seria o primeiro paciente da lista disposto e apto a receber o fígado supostamente considerado marginal. A ordem cronológica dos acontecimentos estaria, também, em desfavor do réu, uma vez que o paciente Jaime Ariston fora internado às 16 horas do dia 24/07/2003, para a realização de procedimentos pré-operatórios ao transplante no HUCFF, e o procedimento de captação e preparação do órgão se encerrara às 18 horas, o que revelaria que o réu já havia deliberado pelo favorecimento do paciente ao menos duas horas antes de finalizada a preparação do órgão. Por fim, a Equipe do Departamento Nacional de Auditoria do SUS, no Relatório de nº 6.202, teria concluído pela efetiva violação à lista de espera, quando do transplante de fígado realizado em Jaime Ariston, conforme fl. 93, apenso 4, aduzindo que o próprio DENASUS, em relatório preliminar referente à auditoria levada a cabo na Central de Notificação, Captação e Distribuição de órgãos no Rio de Janeiro (nº 1257, apenso 5), já teria registrado a existência de vários pacientes em acompanhamento no Hospital do Fundão que teriam falecido até cerca de um mês após o transplante e que poderiam ter optado por receber o enxerto. A defesa, por sua vez, alegou que a equipe de transplante de fígado do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho teria transplantado em Jaime Ariston fígado marginal, motivo pelo qual não teria havido desrespeito à ordem cronológica, sobretudo porque Jaime, considerados o seu peso e o seu tamanho, seria o primeiro paciente do referido hospital para o recebimento do enxerto. Ainda segundo a defesa, as equipes de transplante do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) e do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB) usavam fígado marginal em pacientes que não se encontravam nos primeiros lugares da fila de espera. A própria Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes reconhece que o fígado marginal é utilizado e que seu uso fica a critério das equipes transplantadoras (fl. 1933 – vol. 7). O fígado transplantado em Jaime Ariston seria marginal, conforme a conclusão da Comissão de Sindicância instaurada no Hospital Clementino Fraga Filho e o depoimento da Dra. Inary Bueres, médica que procedeu à captação do órgão (fl. 153 do Anexo 3). Segundo a Comissão de Sindicância, “A soma de dados clínicos e patológicos levaram-na a considerar que o fígado deveria ser classificado como 145 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 13. 13 ‘marginal’ e, de acordo com os procedimentos anteriores previstos pela correspondente Câmara Técnica do CREMERJ, deveria ser utilizado em um dos pacientes inscritos na listagem de espera do próprio hospital”. Considerando que Jaime Ariston seria o primeiro paciente da fila de espera de transplante de fígado marginal no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, os pacientes do Hospital Geral de Bonsucesso não teriam sido preteridos. Isso é corroborado pela Câmara Técnica do Conselho Regional de Medicina, consoante a qual, quando um fígado não pudesse, por qualquer intercorrência, ser implantado no primeiro paciente da equipe que fazia a captação, o órgão, por questão de logística, ficava com a própria equipe transplantadora e era implantado no primeiro paciente daquela equipe em condições de receber o órgão: “Ficou estabelecido que o fígado captado e que não pôde ser transplantado para o primeiro paciente da fila por qualquer razão permanecerá com a Equipe que o captou para transplantá-lo, de acordo com a Lei.” (fl. 522, vol. 2). Ainda segundo a defesa, o próprio órgão acusador, às fls. 415/426 do Anexo 3, concluiu, ao determinar o arquivamento do inquérito civil instaurado em face do médico Vinicius da Silveira Gomes, arrolado como testemunha de acusação e investigado por fato análogo ao presente caso, que a denúncia seria improcedente, pois os pacientes inscritos em classificação inferior ao do paciente transplantado e inscritos no Hospital Clementino Fraga Filho não apresentavam condições clínicas imediatas para a realização do transplante, ou outras intercorrências. No que toca aos pacientes inscritos no Hospital Geral de Bonsucesso, segundo decisão proferida pela Câmara Técnica de Transplante de Fígado do Rio de Janeiro, a prioridade seria para convocar receptores inscritos na mesma unidade, caso houvesse uma intercorrência com o 1º receptor (fls. 424/425 do Anexo 3). Ocorre que a própria auditoria do DENASUS/MS informou que, no mesmo dia e horário daquela captação, a equipe do Hospital Geral de Bonsucesso estava realizando transplante inter- vivos, de modo que não poderia, simultaneamente, realizar outro transplante de órgão (fl. 70 do Apenso 5 ao IPL 1.826/2003). Ademais, o Conselho Regional de Medicina (fls. 107/108 do anexo 3) teria, à unanimidade, absolvido o réu: “O paciente Jayme Ariston já estava inscrito desde 2002 e ocupava a 32ª posição na fila. Encontrava-se com o estado geral agravado, comprovado tanto pelo médico assistente quanto pela análise do prontuário. Ora, caso o denunciado resolvesse favorecer o paciente de alguma maneira, teria realizado o transplante em data anterior, já que dispunha de condições para realizá-lo, bem como faria o transplante pessoalmente.” 146 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 14. 14 A aludida decisão do Conselho Regional de Medicina teria sido proferida no mesmo sentido do que veio a ser definido pelo TRF-2ª Região, nos autos de ação civil pública ajuizada contra o réu na 21ª Vara Federal, cujo pedido foi julgado improcedente. A defesa considerou, pois, provado que os fígados marginais são utilizados por todas as equipes do Brasil em pacientes que não se encontram nos primeiros lugares da fila, tanto que, antes de ter ciência de que se tratava de fígado marginal, o réu determinou a internação dos dois pacientes que se encontravam nos primeiros lugares da fila. Ademais, a própria Coordenação Nacional de Transplantes teria declarado que a utilização de tais órgãos ficava a critério das equipes transplantadoras. E a médica que procedeu à captação do órgão declarou em documento oficial que o fígado possuía "bordas rombas" e que solicitara a realização de exames patológicos de urgência, os quais não foram realizados a tempo por patologistas do Hospital do Fundão, o que contribuiu para a elevação do tempo de isquemia do órgão, o que configuraria outra hipótese de caracterização de marginalidade do fígado. O transplante de fígado autorizado pelo réu no paciente Jaime Ariston, tal como narrado na denúncia, foi objeto de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, por suposto ato de improbidade administrativa, com fundamento no art. 12, III, da Lei 8.429/1992. Nos autos da referida ação civil pública de improbidade administrativa, protegiam-se a probidade e a moralidade administrativas, bens jurídicos também tutelados pelo art. 16 da Lei 9.434/1997, que rege o transplante de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento. Guilherme de Souza Nucci1 assim definiu os objetos material e jurídico da Lei 9.434/1997: “Objetos material e jurídico: o objeto material é composto pelos tecidos, órgãos ou partes do corpo humano. O objeto jurídico é a ética e a moralidade no contexto da doação de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, bem como a preservação da integridade física e da vida das pessoas. O controle estatal em relação aos transplantes em geral, cuidando de organizar uma fila para a recepção das doações, realizadas de modo gratuito, impõe respeito à dignidade da pessoa humana, proibindo-se o comércio de partes do corpo humano, algo 1 NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. 6ª Ed. 2012, vol 1, pg. 534. 147 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 15. 15 naturalmente degradante. Não se poderia pensar em civilidade, ética e bons costumes, caso fosse permitido o mercantilismo nesse cenário, tão delicado, envolvendo, diretamente, a vida humana.” Por incontestável pertinência, reproduzo abaixo a decisão proferida pelo TRF-2ª Região, da relatoria do Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama, em apelação cível interposta em face da sentença prolatada nos autos da ação civil pública nº 2003.51.01.023256-3, pelo Juízo da 21ª Vara Federal desta Seção Judiciária. Relatório: 1. Trata-se de remessa necessária e apelação cível interposta pelo Ministério Público Federal em face da sentença de fls. 1819/1827, originária do Juízo da 21ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, proferida nos autos de ação civil pública de responsabilidade pela prática de atos de improbidade administrativa, com pedido de afastamento cautelar, proposta pelo ora apelante em face de Joaquim Ribeiro Filho, objetivando a condenação do réu nas sanções previstas no inciso III, art. 12, da Lei nº 8.429/92. O autor fundamenta seu pedido alegando que o réu, na condição de Coordenador da Central Estadual de Notificação e Captação de Órgãos – CNCDO, autorizou o transplante hepático de paciente fora da ordem cronológica da lista única de potenciais receptores e sem amparo na legislação pertinente, favorecendo irmão do então Secretário Estadual de Transportes, bem como determinou a inutilização de fígado que seria viável para transplante. 2. A sentença julgou o pedido improcedente, reconsiderando o despacho que deferiu a produção de prova pericial e indeferindo as demais, por entender que os elementos carreados aos autos seriam suficientes ao deslinde do feito. No que concerne à estrita observância da fila única de espera, considerou que seria “incontestável que a transplantação não deve ater-se somente à ordem cronológica, cabendo ser apreciados, dentre outros, critérios como compatibilidade sanguínea e peso corporal”. Considerou ainda que o fígado transplantado se caracterizaria como “fígado marginal” e, sendo assim, deveria ser destinado ao primeiro paciente que aceitasse o risco, evitando-se perder o órgão, diante do limite temporal em que este sobrevive sem a circulação sanguínea. No tocante ao fígado inutilizado, reputou que “a decisão do réu no sentido de descartar o fígado teve por base relatório proferido pela médica responsável pela captação do órgão, pelo que não pode ser a ele imputada tal responsabilidade”. Acrescentou ainda que a utilização da Solução de Collins na realização de perfusão no fígado, conforme determinado pelo réu, não seria contra-indicada, pois a solução “pode ser utilizada para fluxo hipotérmico e acondicionamento de órgãos incluindo rins, fígado e pâncreas para transporte e preservação antes do transplante”. 3. O apelante, em seu recurso, sustenta a nulidade da sentença, com o cerceamento do direito de defesa. Isto porque, posteriormente ao despacho saneador que havia deferido a produção de perícia médica e sem análise do pedido de produção de prova testemunhal, foi proferida a sentença. Aduz que, nos termos da Súmula nº 424 do STF, o despacho saneador transita em julgado se não for impugnado através de recurso e, sendo assim, não poderia ser modificado pelo juízo. 148 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 16. 16 Defende que o direito de produzir provas é corolário do direito de ação. Acrescenta que a lide não poderia ser julgada antecipadamente, pois se fazia necessária a produção de prova pericial, no sentido de aferir se o fígado transplantado seria ou não um “fígado marginal”. Argumenta que existiriam depoimentos produzidos no âmbito de ação criminal movida pelo MPF contra o réu, que influenciariam o convencimento do julgador sobre a questão, e que o indeferimento de provas não foi fundamentado. No mérito, alega que a preterição da lista de espera foi “ilícita e ímproba”, à luz da legislação aplicável ao caso, qual seja, Lei nº 9.434/97, Decreto nº 2.268/97 e Portaria nº 3.407/GM/MS, de 05/08/98. Neste ponto, ressalta que três aspectos merecem análise: (i) a preterição de pelo menos 31 (trinta e um) pacientes contrariou a legislação em vigor; (ii) o fígado transplantado não era marginal; (iii) ainda que o enxerto fosse marginal, tal fato não desobrigava o réu de observar a legislação. Em relação ao fígado inutilizado no Hospital Geral de Bonsucesso – HGB, sustenta que a perfusão determinada pelo réu, utilizando Solução de Collins, tornou o órgão inutilizável para transplante, conforme restou comprovado nos autos. Neste aspecto, aduz que a sentença alude à “pesquisa” que demonstraria que a utilização da referida solução é aconselhada, sem, entretanto, indicar a fonte desta pesquisa. Por fim, acrescenta que a lista única nacional é instrumento de justiça, invocando os arts. 196, 197 e 198 da CF, o art. 2º, caput e § 1º da Lei nº 8.080/90 e os princípios da isonomia, legalidade, impessoalidade e moralidade (art. 37 CF). 4. Recebido o recurso e oferecidas contrarrazões (fls. 1871/1920), subiram os autos para este Tribunal, onde, oficiando, o Ministério Público Federal exarou o parecer de fls. 1925/1929, pugnando pelo provimento do apelo. 5. Os autos retornaram ao juízo de origem para intimação pessoal da União Federal, admitida no feito como litisconsorte ativa às fls. 1745. É o relatório. Peço dia para julgamento. Voto: 1. Conheço da remessa necessária e da apelação, porque presentes seus requisitos de admissibilidade. 2. Conforme relatado, trata-se de remessa necessária e apelação cível interposta pelo Ministério Público Federal em face de sentença proferida nos autos de ação civil pública de responsabilidade pela prática de atos de improbidade administrativa, com pedido de afastamento cautelar, proposta pelo ora apelante em face de Joaquim Ribeiro Filho, objetivando a condenação do réu nas sanções previstas no inciso III, art. 12, da Lei nº 8.429/92. O autor fundamenta seu pedido alegando que o réu, na condição de Coordenador da Central Estadual de Notificação e Captação de Órgãos – CNCDO, autorizou o transplante hepático de paciente fora da ordem cronológica da lista única de potenciais receptores e sem amparo na legislação pertinente, favorecendo irmão do então Secretário Estadual de Transportes, bem como determinou a inutilização de fígado que seria viável para transplante. 3. A irresignação do apelante não merece prosperar, senão vejamos. 4. Inexiste o alegado cerceamento de defesa. Veja-se que, inobstante a prova pericial ter sido anteriormente deferida, inexiste preclusão para o juiz, que pode, a qualquer momento, rever seu posicionamento, considerando desnecessária a prova já deferida, diante do princípio do livre convencimento, previsto no art. 130 do CPC. 149 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 17. 17 A preclusão a que alude a Súmula nº 424 do STF diz respeito às partes, e não ao juiz. Neste sentido, confira-se os seguintes arestos dos Tribunais superiores: (...) 5. Por outro lado, considero que os elementos carreados aos autos são suficientes ao deslinde do feito, não sendo necessária, portanto, a produção de prova pericial e testemunhal, sendo caso de julgamento conforme o estado do processo, conforme passo a expor. Saliento ainda, em relação à prova pericial, que foi realizada biópsia, tanto no fígado transplantado quanto naquele que foi descartado. No fígado que foi transplantado, o exame concluiu que este apresentava “tecido hepático com alterações histopatológicas mínimas” (fls. 351). Já o fígado descartado apresentou o seguinte resultado: “múltiplos micro-hamartomas biliares (complexos de Von Meyenburg); necrose isquêmica focal” (fls. 838). Desta forma, mostra-se despicienda realização de novo exame, com o mesmo objetivo. 6. No mérito, são dois os pontos nodais que merecem análise. Primeiramente, o MPF alega que o réu praticou ato de improbidade ao permitir o transplante de fígado, em 24 de julho de 2003, fora da ordem cronológica da lista única de potenciais receptores, favorecendo irmão do então Secretário Estadual de Transportes, que estava no 32º lugar da referida lista. 7. A biópsia realizada no fígado, conforme visto acima, concluiu que este apresentava “alterações histopatológicas mínimas”. Em um primeiro momento, este exame parece descartar a avaliação do réu, no sentido de que o fígado seria marginal, apresentando “bordas rombas”. Entretanto, da leitura do relatório do Departamento Nacional de Auditoria do SUS – DENASUS, conclui-se que o principal fator para classificação do fígado como “de bordas rombas” é a macroscopia do mesmo, ou seja, a análise feita, a olho nu, pelo médico que está presente na retirada do órgão (fls. 1420). Este procedimento é confirmado ainda, no mesmo relatório, no item 13, que trata dos “mecanismo e formalidades para rejeição de um fígado tido como marginal”, afirmando-se que “A avaliação do fígado é baseada no aspecto macroscópico do mesmo no momento da cirurgia de retirada”. Em outras palavras: é a análise do médico, e não a biópsia, que classificará o órgão como marginal ou não. Isto porque o transplante deverá ocorrer dentro de um prazo exíguo, não sendo possível, portanto, aguardar-se o resultado da biópsia. Veja-se ainda que o referido relatório determina que a responsabilidade pela definição da possibilidade ou não da utilização do órgão doado e quais os critérios que norteiam tal definição cabe à equipe transplantadora, sendo que os critérios são estabelecidos por protocolo das câmaras técnicas de cada tipo de transplante (fls. 1417). Neste aspecto, existe a Ata da reunião da Câmara Técnica de transplante de fígado de 04/11/2002, onde se fixou que “o fígado captado e que não pôde ser transplantado para o primeiro paciente da fila por qualquer razão, permanecerá com a equipe que o captou para transplantá-lo, de acordo com a Lei” (fls. 820). 8. Há situações excepcionais que, como tais, devem ser tratadas, daí a possibilidade de haver lacunas ou claros normativos para hipóteses que a realidade apresenta. Há elementos que indicavam que nenhuma das pessoas anteriores àquela que estava posicionada no n 32 da fila de transplantes de fígado seria candidato a ser receptor de “enxerto marginal”, como se pensou tratar o caso envolvendo o órgão corporal da pessoa que faleceu. 150 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 18. 18 9. Em relação ao fígado transplantado, ainda que marginal, urge examinar se houve burla da lista de transplantes. A lista dos receptores, com as devidas anotações sobre a possibilidade de receber o fígado marginal, consta às fls. 846/850. Destes, dois faleceram antes do transplante em questão, sendo que dez eram pacientes de outros hospitais e, portanto, excluídos do transplante de fígado marginal, nos termos do Protocolo da Câmara Técnica acima citado. Em relação aos demais foram apresentadas, às fls. 851/905, declarações de próprio punho, com data posterior ao transplante, de que não seriam candidatos a fígado marginal. Restam, portanto, os pacientes nº 6 – Marcia Cristina S. do Nascimento, nº 13 – Renato Malvino Siqueira e nº 18 - Antonio Silva. Em relação ao paciente nº 13, afirma o réu que este não estava respondendo a chamadas telefônicas e que, caso a situação persistisse, seria excluído da lista. A paciente nº 6, por sua vez, seria portadora de doença que a impediria de receber enxerto marginal, assim como o paciente nº 18, portador de câncer gástrico. Diversamente do que consta do relatório do Sistema de Auditoria do Ministério da Saúde (fl. 1.453), não há como se presumir a ocorrência de burla ou descumprimento da ordem em razão de alguma das declarações datar de época posterior à data do transplante do fígado. Não houve qualquer referência por parte dos integrantes da fila em posição anterior à do n. 32 a respeito de não ter havido consulta prévia para fins de realização do transplante. 10. Como bem registrou a Juíza Federal sentenciante, “no que concerne à estrita observância da fila única de espera, tornou-se incontestável que a transplantação não deve ater-se somente à ordem cronológica, cabendo ser apreciados, dentre outros, critérios como compatibilidade sanguínea e peso corporal” (fl. 1.823), bem como o próprio estado do órgão a ser transplantado. Sabe-se que, em matéria de realização de transplante de determinados órgãos do corpo humano, há urgência nos procedimentos a serem empregados e, por isso, eventual demora ou atraso pode ser fatal para a inviabilidade da utilização do órgão. 11. Ademais, não havia legislação específica à época sobre a utilização do denominado fígado marginal, a desnaturar a argumentação do MPF, ora Apelante, quanto à eventual violação da ordem para realização do transplante. Não há como desconsiderar, neste contexto, a decisão do Conselho Regional de Medicina a respeito do caso concreto em questão que, neste ponto, merece ser transcrita: “(...) O paciente Jayme Ariston já estava inscrito desde 2002 e ocupava a 32ª posição na filha. Encontrava-se com o estado geral agravado, comprovado tanto pelo médico assistente quanto pela análise do prontuário. Ora, caso o denunciado resolvesse favorecer o paciente de alguma maneira, teria realizado o transplante em data anterior, já que dispunha de condições para realizá-lo, bem como faria o transplante pessoalmente. Quanto à qualidade do enxerto, acompanhamos a opinião da testemunha arrolada, Dr. Luis Augusto Carneiro D’Albuquerque, que a ordem cronológica pode deixar de ser aplicada em situações especiais. Bordas rombas e tempo de isquemia são fatores importantes, bastando uma das características estar presente para o órgão ser considerado marginal. Em relação ao valor da biópsia, acompanho a opinião do mesmo médico” (...) 151 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 19. 19 15. Ante o exposto, nego provimento à remessa necessária e à apelação, mantendo integralmente a sentença. É como voto. (grifei) Nos autos da ação civil pública de improbidade administrativa ajuizada em face de Joaquim Ribeiro Filho, ora réu, o MPF destacou: a) a preterição, em desrespeito à legislação regente da matéria, de pelo menos 31 (trinta e um) pacientes, uma vez que Jaime Ariston ocupava o 32º lugar na fila de espera; b) que o fígado transplantado em Jaime Ariston não era marginal; c) que, ainda que o fígado fosse considerado marginal, isso não desobrigava o réu de observar a legislação. Na sentença proferida em primeira instância, o magistrado, julgando improcedente o pedido, considerou que a realização do transplante não se deve ater tão somente à ordem cronológica, mas também aos critérios de compatibilidade sanguínea e peso corporal, acrescentando que, sendo tido como marginal, o fígado deveria ser destinado ao primeiro paciente que aceitasse o risco, a fim de evitar a perda e a inviabilização do órgão. No julgamento de apelação cível, o TRF-2ª Região registrou que o Departamento Nacional de Auditoria do SUS concluiu que o principal fator para a classificação do fígado como marginal é a realização de macroscopia, ou seja, a análise do órgão, pelo médico, a olho nu, até porque o transplante deve ocorrer em prazo exíguo, o que torna inviável a espera por eventual resultado de biópsia nele realizada. O TRF-2ª Região, acertadamente e com razoabilidade, entendeu que há situações excepcionais que, como tais, devem ser tratadas. No caso, nenhuma das pessoas anteriores ao paciente Jaime Ariston seria candidato a receber um fígado marginal. E ainda que o fígado fosse marginal, não teria havido burla na lista de transplantes. Isso porque, dos potenciais candidatos, dois haviam falecido e dez eram pacientes de outro hospital, o que, por esta razão, os excluía da fila. Outros três também teriam sido desconsiderados, porque, em razão de doença que os acometia, não estariam aptos a receber o órgão. O TRF-2ª Região destacou, ainda, a decisão do Conselho Regional de Medicina, segundo a qual o paciente Jaime Ariston ocupava a 32ª posição na fila de espera por transplante de fígado e se encontrava em estado geral agravado. Assim, caso o réu desejasse favorecer o paciente de alguma forma, poderia ter realizado o transplante em data anterior. Nos autos da comissão de sindicância instaurada no Hospital Clementino Fraga Filho (fl. 153 do anexo 3), Dra. Irany Bueres, médica que realizou a captação do 152 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 20. 20 fígado transplantado no paciente Jaime Ariston, era quem detinha condições de atestar sobre a saúde do fígado captado. A referida médica prestou depoimento no dia 03/01/2004 à Comissão de Sindicância (processo nº 23079.026196/03-13), cujos termos transcrevo abaixo, declarando que o fígado era considerado marginal, o que, à luz da Câmara Técnica do CREMERJ, impunha a obediência da fila para transplante por paciente do próprio hospital, e não da fila nacional. “que foi ela quem fez a captação do fígado no Hospital Pedro II, sendo verificado que o doador era um homem de 44 anos, com sobrepeso, que estava há 5 (cinco) dias na UTI e mostrava elevação de AGT e leucocitose; que não havia história de alcoolismo; que o fígado captado tinha pouca esteatose, mas tinha borda romba; que ela fez então uma biópsia do fígado antes de iniciar a perfusão de solução conservadora (Belzer), sendo o fragmento enviado ao Serviço de Patologia do HUCFF, juntamente com 1 gânglio; que, duas horas e meia após, a depoente procurou o Serviço de Patologia e foi informada que o material não estava sendo localizado, possivelmente, tendo sido encaminhado para a rotina de exames; que ela decidiu fazer então nova biópsia no fígado já perfundido e que, não havendo ninguém disponível no Serviço de Patologia para examinar o corte de congelação, ela própria avaliou o fragmento com intuito de afastar lesões grosseiras que inviabilizassem o uso do órgão, tendo ela concluído que o órgão não apresentava lesões que o inviabilizassem para o transplante; que, até esse momento, já havia transcorrido 5 horas desde o início da captação do órgão, supondo-se, ainda, que seriam necessárias aproximadamente mais de 8 horas para a remoção do fígado nativo do paciente e colocação do enxerto; que a soma de dados clínicos e patológicos levaram-na a considerar que o fígado deveria ser classificado como “marginal” e, de acordo com os procedimentos anteriores previstos pela correspondente Câmara Técnica do CREMERJ, deveria ser utilizado em um dos pacientes inscritos na listagem de espera do próprio hospital; que se comunicou então telefonicamente com o Dr. Joaquim Ribeiro Filho, que concordou com isto, sendo o fígado implantado no paciente Jaime Ariston de Araújo Sobrinho pela equipe cirúrgica chefiada pelo Professor Vinícius da Silveira.” Assim, superada a questão de ser ou não marginal o fígado transplantado, bastando, para sua caracterização como tal, que o órgão apresente "bordas rombas" e tempo de isquemia, verifico que o CREMERJ confirmou a marginalidade do órgão e o TRF-2ª Região reconheceu, no julgado acima reproduzido, que o paciente Jaime Ariston se encontrava com o estado geral agravado, comprovado tanto pelo médico assistente quanto pela análise do prontuário, o que autorizaria a não obediência à ordem cronológica, em situações especiais, principalmente à época dos fatos, cujo critério vigente era o da ordem cronológica de inscrição. 153 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 21. 21 No caso, porém, em se tratando de fígado marginal, não teria havido preterição de pacientes, uma vez que, desconsiderada a fila única nacional por decisão da Câmara Técnica do CREMERJ, aqueles que precediam Jaime no próprio hospital em que estava internado não se mostraram aptos a recebê-lo. Assim, pelas providas colhidas nos autos, mas, sobretudo, com respaldo no julgado do TRF-2ª Região, e independentemente de se considerar obrigatória, no caso, a obediência à fila única nacional de inscritos, entendo que o réu Joaquim Ribeiro Filho, na condição de Coordenador da Central Estadual de Notificação e Captação de Órgãos – CNCDO, autorizou o transplante hepático no paciente Jaime Ariston por motivo de força maior, o que, na seara penal, traduz inexigibilidade de conduta diversa. Tudo isso com suporte no estado extremamente grave em que se encontrava o paciente, na marginalidade do órgão e na inexistência, à época, de norma legal reguladora desta hipótese, na obediência à fila de inscritos do próprio hospital e na iminência de perda ou inviabilização do órgão. Ou seja, o paciente Jaime Ariston era quem, à época, detinha condições físicas de receber o fígado considerado marginal, tendo havido obediência à fila de espera do próprio hospital no qual estava internado. Ademais, em se tratando de caso excepcional, devido ao quadro de saúde agravado do paciente e à possibilidade de inviabilização do fígado, aliado à ausência de regra específica acerca da destinação de órgão considerado marginal, entendo não ter havido ilegalidade na realização do transplante, pelo réu, em Jaime Ariston, razão pela qual deverá ser absolvido. 2.2.3- Transplante realizado no paciente Carlos Augusto de Alencar Arraes: Segundo o MPF, o réu, na qualidade de coordenador da equipe de transplante hepático do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, teria desviado órgão da lista única nacional, para a realização de transplante em favor de Carlos Augusto de Alencar Arraes, que ocupava o 65º lugar na fila de espera nacional, conforme listagem de fls. 69/73. O transplante teria sido realizado em 18/07/2007, na Clínica São Vicente da Gávea, pela equipe chefiada pelo réu Joaquim Ribeiro Filho, em troca de honorários médicos no valor de R$ 90.000,00 (noventa mil reais). O referido paciente seria parente do então governador de Pernambuco e irmão do diretor da Rede Globo, Guel Arraes, conforme depoimento às fls. 548/550. O fígado nele implantado teria sido captado no Hospital São Francisco, em Minas Gerais, e trazido para o Rio de Janeiro em avião fretado pelo irmão do paciente, Guel Arraes (fls. 483/487). 154 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 22. 22 O plantonista Rafael Ferreira da Costa teria dito, em seu depoimento, que o acusado entrou em contato com a Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos do Rio de Janeiro, demonstrando interesse na captação do fígado disponibilizado pela CNCDO/RJ antes mesmo de o plantonista entrar em contato com as equipes responsáveis pelos pacientes com prioridade na lista única. Destacou que a Central Nacional de Transplantes teria recebido informações sobre a disponibilização do fígado proveniente de Minas Gerais apenas às 20 horas do dia 17/07/2007, ocasião em que foi consignado que, dada a instabilidade hemodinâmica do doador, o fígado deveria ser retirado com urgência até a meia-noite. A Central constatou, porém, que não havia voos disponíveis para o transporte naquele dia (fls. 75/76). Diante da recusa do órgão pelo chefe da equipe do Hospital Geral de Bonsucesso, cujos pacientes ocupavam os primeiros lugares na lista única, por não conseguirem o voo, Rafael Ferreira da Costa teria informado ao plantonista da Central Nacional que o réu faria a captação e obedeceria à lista única (fls. 76, 490/492 e 3353/3355). O réu teria, então, acionado os integrantes de sua equipe os quais teriam utilizado avião fretado por Guel Arraes até Minas Gerais para captar o órgão e retornado ao Rio de Janeiro para a realização da intervenção cirúrgica em seu paciente particular, Carlos Augusto Arraes, efetivada em 18/07/2007, com preterição, segundo o MPF, da ordem de prioridade estabelecida na lista única (fls. 69/73). Somente após a realização do transplante, o réu teria informado à CNCDO/RJ que havia destinado o órgão ao paciente Carlos Augusto Arraes, com respaldo em decisão judicial que se baseara em suposto laudo ideologicamente falso fornecido pelo próprio réu (fls. 771, 1153 e 3345/3346, 3354/3355). Em seu interrogatório, o réu afirmou ter recebido ofício por fax de um desembargador do Estado de Pernambuco, no dia 14 ou 15 de julho de 2007, determinando a realização de transplante hepático no paciente Carlos Augusto Arraes, com prioridade, em todo o território nacional. Para o órgão acusador, porém, o referido ofício não seria destinado ao réu, mas, sim, aos chefes das Centrais de Transplante dos Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Norte, Paraná, Paraíba e do Distrito Federal. Além disso, a CNCDO/RJ somente teria tomado ciência da decisão judicial em 18/07/2007, após realizado o transplante, por intermédio de pessoa não identificada e por meios não oficiais (conforme fls. 62/65 e 41 e declarações de fls. 498/506, ratificadas em Juízo, fls. 581/582 e 493/497). 155 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 23. 23 Para o MPF, a decisão judicial seria ilegal, porque proferida em regime de plantão por Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco para ser cumprida no Rio de Janeiro, não tendo sido objeto de intimação oficial e comunicação imediata a todos os destinatários, inclusive à CNCDO, mas enviada somente ao réu (fls. 97, 98, 254). O ofício teria se prestado apenas a conferir aparência de legalidade ao desvio do órgão da lista única, e Joaquim, na qualidade de chefe da equipe de transplante hepático do HUCFF, teria obtido autorização junto à CNCDO/RJ para a captação do fígado disponibilizado pela CNCDO/MG, em 17/07/2007, declarando falsamente à Central que destinaria o enxerto a paciente daquele hospital universitário, Selma Almeida Peixoto, com prioridade na fila de espera, embora ciente de que o favorecido seria Carlos Augusto Arraes. Ainda segundo o MPF, a Lei 9.434/1997 determina que os órgãos objeto de doação post mortem sejam oferecidos aos pacientes de acordo com lista única de receptores, sob a coordenação da Central Nacional de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos, o que revela que seriam, no mínimo, inapropriadas as solicitações do réu, porque contrárias ao espírito da legislação, e que, menos de dez dias após os contatos de Joaquim, uma das Centrais, a de Minas Gerais, disponibilizou o fígado que foi transplantado em Carlos Augusto Arraes (fl. 261). Antes que a Central Nacional de Transplantes fosse informada sobre a disponibilização do fígado, a família de Carlos Augusto Arraes e o médico, ora réu, já teriam providenciado o desvio do órgão da lista única (fl. 75, depoimento de fl. 1049 e de fl. 1184). Conforme documentos de fls. 483/487, o avião que transportou a equipe de transplantes do Rio de Janeiro até Minas Gerais teria sido fretado por Guel Arraes em 17/07/2007, a partir de 12 horas, antes mesmo da confirmação da morte encefálica da doadora (12:52h, conforme fls. 976/977) e antes da disponibilização do fígado à CNCDO/RJ (20:00h, conforme fl. 76), sendo que o próprio Arraes afirmou em sede policial que contratara o avião na parte da tarde (fls. 1085 e 3407/3408). Ressalta que a CNCDO/MG foi comunicada da doação de órgãos da paciente Ângela às 9:30h da manhã de 17/07/2007 (fl. 980) e que sua morte encefálica foi confirmada às 12:52h (fl. 977), causando estranheza que somente às 18:00h tenha sido feito o registro da doação no livro de plantão da CNCDO/MG, o que indicaria que pode ter sido criada uma situação de urgência de modo que a utilização do enxerto por outra Central estadual só fosse viável, caso providenciado transporte por jato particular, tal como ocorrera. 156 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 24. 24 Apesar de a CNCDO/MG ter informado que a doadora apresentava quadro de instabilidade hemodinâmica, o que justificaria a urgência na captação, não haveria registro sobre tal circunstância; ao contrário, no plantão noturno de 16/07/2007, constaria que Ângela estava hemodinamicamente estável (fl. 982). O DENASUS, no Relatório nº 6.202, também teria entendido pela violação da lista de espera quando do transplante de fígado realizado no paciente Carlos Augusto Arraes (fl. 93, apenso 4). O réu teria, ainda, omitido informação, na ficha de inscrição de Carlos Augusto Arraes, de que o referido paciente era portador de hepatocarcinoma, com diâmetro de 6 cm (fls. 134 e 535). E, embora Carlos Augusto Arraes fosse paciente particular, o réu teria usado formulários do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho para inscrevê-lo na lista única nacional de receptores de fígado, nos quais omitira a doença que o acometia, valendo-se do cargo de chefe da equipe de transplante hepático daquele hospital. Ainda segundo a denúncia, especialistas teriam concluído que Carlos Augusto Arraes não era elegível para receber transplante com doador falecido, por não se enquadrar nos critérios estabelecidos pela legislação brasileira (declarações de fls. 1000/1001, 1009 e 1184), considerando que o critério adotado no Brasil para inscrição em fila única de transplante hepático com doador cadáver é o de Milão (um nódulo de até 5 cm, três nódulos inferiores a 2 cm, ausência de invasão vascular), tendo sido previsto inclusive pela portaria que adotou o critério MELD (Portaria nº 1.160/2006, às fls. 123/127), conforme fl. 2537. Interrogado, o réu teria afirmado que “o diagnóstico de cirrose hepática por vírus C garante a sua inscrição independentemente de complicações que possa ter” e que “aliás o mesmo foi inscrito para realizar transplante inter vivos”, conforme fl. 2537. No entanto, tais afirmações seriam falsas, porque em desconformidade com o critério de Milão adotado no Brasil. Ademais, a ficha de inscrição de Carlos Augusto Arraes para a fila única de transplantes não faria ressalva de que o paciente seria inscrito apenas para concorrer a órgãos por doação inter vivos. A Lei 9.434/1997, no art. 9º, não exige inscrição em lista única para esse tipo de doação, que depende da compatibilidade e aceitação expressa do doador, além de decisão judicial, em certos casos. Carlos Augusto Arraes, porém, ocupava a 65ª posição na lista, pontuação atribuída pelo sistema MELD/PELD, diante da omissão, pelo réu, da informação acerca da presença de tumor de 6 cm (fls. 69/73). 157 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 25. 25 Assim, no dia 12/07/2007, o acusado teria subscrito laudo médico ideologicamente falso, com a finalidade de instruir ação judicial objetivando a imediata realização de transplante com doador cadáver em favor de Carlos Augusto Arraes, embora ciente de que o critério adotado era o de Milão: “apresentava um hepatocarcinoma em fígado cirrótico de 6 cm de diâmetro, não podendo pontuar pelo sistema MELD, ou seja, sem chance de receber enxerto hepático atualmente”, acrescentando que “a doença está restrita ao fígado e encontra-se dentro dos critérios de São Francisco, amplamente utilizado, tornando-o hábil a receber qualquer órgão disponibilizado em território nacional”. A defesa, por sua vez, sustentou que Carlos Augusto Arraes se encontrava em estado gravíssimo, vitima de câncer no fígado, e que, mesmo inscrito na fila de transplantes, não alcançava os primeiros lugares da fila, em razão de estar fora do chamado critério de Milão, de acordo com o qual só receberia pontos por critério de gravidade o paciente que possuísse tumor no fígado de até 5 cm. Assim, tendo em vista que Carlos Arraes não se enquadrava neste critério, por apresentar tumor de 6 cm, considerado inconstitucional pela defesa, sua família teria ajuizado ação buscando prioridade na fila e obtido liminar junto ao Tribunal de Justiça de Pernambuco, dirigida a todas as Centrais de Transplantes do Brasil e ao próprio Sistema Nacional de Transplantes. A defesa ressaltou, ainda, que o órgão implantado em Carlos Augusto Arraes seria descartado, uma vez que nem o Hospital do Fundão nem o Hospital Geral de Bonsucesso possuíam transporte para captar o órgão em Minas Gerais. Ademais, o Sistema Nacional de Transplantes informou que só dispunha de transporte para o dia seguinte, devido a acidente aéreo ocorrido com avião da TAM, o que inviabilizaria a captação. O fígado implantado em Carlos Augusto Arraes foi captado no Hospital São Francisco em Minas Gerais e trazido para o Rio de Janeiro em avião fretado pela família do paciente (fls. 483/487). No dia 17/07/2007, a Central Nacional de Transplantes recebeu informações sobre a disponibilização de fígado proveniente de Minas Gerais. Todavia, a Central constatou que não havia voos disponíveis para transporte naquele dia, uma vez que o tráfego aéreo enfrentava problemas devido a grave acidente com um avião da TAM no Rio de Janeiro. Os pacientes que ocupavam os primeiros lugares na lista única se encontravam no Hospital de Bonsucesso, mas o chefe da equipe daquele hospital 158 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 26. 26 recusou o órgão por não haver voo para captá-lo. Em virtude disso, o réu Joaquim demonstrou interesse no fígado, responsabilizando-se por sua captação, com respaldo em liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco. No caso, há que se observar que o fígado oferecido pela Central de Transplante encontrava-se em Minas Gerais e não havia meio de transportá-lo para o Rio de Janeiro por meio de voo comercial, devido à interrupção do tráfego aéreo naquele dia. Trata-se, portanto, de situação excepcional e, como tal, deve ser tratada. O paciente Carlos Augusto Arraes foi inscrito na lista única regional do Estado do Rio de Janeiro com data de 28 de maio de 2007 e obteve judicialmente uma antecipação de tutela para ter o fígado transplantado. Interrogado em Juízo, sob o crivo do contraditório, o réu Joaquim afirmou “que no caso Arraes o mesmo se encontrava ocupando a primeira posição da clinica São Vicente da Gávea no ranqueamento feito pela CNNCDO e que não se tratava de fígado marginal nem de doação marginal; que não é verdade que o paciente não poderia estar na lista, pois fora inscrito pela equipe com a assinatura do interrogando, com diagnóstico de cirrose hepática por vírus C, Child – Pugh 7, o que garante a sua inscrição independente de complicações que possa ter, aliás o mesmo foi inscrito para realizar transplante inter vivos; que o critério conhecido como de Milão (um nódulo de até 5 cm, três nódulos inferiores a 2 cm, ausência de invasão vascular) foi o incluído pela portaria que adotou o critério MELD, datado de 1995, extremamente restritivo e que foi expandido pela Universidade de São Francisco para 6,5 cm, sendo adotado no Brasil o de Milão; que no caso de Arraes o tumor era de 6 cm, que foi inscrito somente pela perda de função da cirrose (Child-Pugh 7, conforme já referido) e em momento algum observou pontuação que lhe seria devida caso fosse inscrito com diagnóstico de hepatocarcinoma (CHC) e que o mesmo encontrava-se em tratamento quimioterápico para se conseguir a redução do mesmo para 5 cm para aí sim ser pontuado pelo critério MELD; que no dia 14 ou 15 de julho o interrogando recebeu por FAX um ofício de um desembargador de Pernambuco informando ao interrogando haver decisão liminar priorizando o paciente Arraes em todo o território nacional; que o interrogando, quando da oferta do enxerto em 17 de julho, comunicou a existência dessa decisão às 08:00 horas da noite ao enfermeiro Rafael, plantonista da CNCDO-RJ; que, no caso do paciente Frederico, o interrogando tem conhecimento que a retirada foi presenciada pela equipe do CNCDO-RJ que constatou três paradas cardíacas do doador tornando-o marginal; que o interrogando não tem conhecimento de que a equipe tenha 159 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 27. 27 relatado qualquer tipo de lesão existente no fígado; que, no caso do paciente Arraes, o interrogando recebeu um telefonema do enfermeiro Rafael comunicando haver disponibilização de enxerto em Minas Gerais; que o ranqueamento feito pela CNNCDO apresentava como primeiros três pacientes do HGB e que, em seguida, havia a paciente Selma (HU); que, neste momento, o interrogando comunicou ciência da decisão liminar para paciente que era da clinica São Vicente da Gávea; que Rafael demonstrou não ter ciência da mesma; que o interrogando então aceitou o órgão para a paciente Selma; que pouco tempo depois o interrogando foi comunicado pelo Rafael de que a CNNCDO havia cancelado a disponibilização porque a única passagem possível seria para 10:00 horas do dia seguinte, e que não seria possível esperar pois a cirurgia do doador era em hospital privado, prevista para 23:00 horas, não havendo equipe disponível para a retirada de fígado em Minas Gerais; que o interrogando solicitou ao enfermeiro Rafael que perguntasse ao Dr. Lucio Pacheco se o mesmo teria algum paciente do HGB ou da Clinica São Vicente com possibilidade de ir buscar esse órgão em Minas Gerais; que pouco tempo depois o Rafael informou ao interrogando da negativa do Dr. Lucio Pacheco e liberou que a equipe fosse para Belo Horizonte para proceder a cirurgia para a Clinica São Vicente da Gávea em meio de transporte particular; que o interrogando não mais falou com o Rafael; que o transporte foi contratado pela família do paciente; que a morte cerebral do doador de Minas Gerais ocorreu às 13:52 h e que a disponibilização por Brasília foi por volta das 20:00 h; que o interrogando não tem conhecimento dos trâmites feitos pela família para alugar o avião; que o interrogando não tinha conhecimento, no momento, do acidente com o avião da TAM; que sempre houve comunicação entre as diversas equipes do Brasil, sempre no sentido de aproveitar órgãos que seriam jogados no lixo, salvando vidas, entretanto a disponibilização desses enxertos obrigatoriamente é feita pela CNNCDO a partir de ranqueamentos feitos primeiramente no Estado, depois na região e finalmente em todo o território nacional; que o interrogando discorda da opinião do Dr. Paulo Chap-Chap; que o paciente Arraes poderia ser inscrito na lista nacional, o que não poderia era pontuar pelo critério MELD e que a inscrição foi referendada pela CNCDO-RJ e portanto pela CNNCDO; (...); que o paciente Carlos Augusto Arraes encontra-se no 13º mês de pós transplante de fígado, em pleno gozo de saúde, sem apresentar recidiva da lesão, trabalhando e convivendo com a sua família, inclusive com seus dois filhos menores de idade.” Ou seja, o réu Joaquim, médico-cirurgião, diante de situação extremamente difícil e ciente do estado grave de seu paciente Carlos Augusto Arraes, tomou conhecimento da disponibilidade de um fígado que iria se perder em razão da 160 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 28. 28 indisponibilidade de transporte para a captação do órgão e da dificuldade de transporte aéreo naquele dia, agravada pelo acidente aéreo da TAM. Portanto, neste caso pontual, a decisão do médico, ora réu, de requerer o órgão captado deveria ser tomada de imediato, mormente porque ciente da decisão judicial que autorizava o transplante e por ela legitimado. Assim, outra não foi a atitude do réu senão a de optar pela captação do fígado doado, ainda que sabedor de que o paciente Arraes não se encontrava entre os primeiros da lista. Não há dúvida de que a quebra da fila se deu por cumprimento de ordem judicial, em situação excepcional de extrema urgência. Nesse sentido, assiste razão à defesa quando, em sede de alegações finais, aduziu que o enfermeiro Rafael tinha conhecimento de que o órgão seria destinado a paciente beneficiado por ordem judicial. Na verdade, na manhã do dia 18 de julho de 2007, o Rio-Transplante já sabia que o fígado fora implantado em razão de ordem judicial (fl. 579, vol 2 e fl. 165 do Vol 1). E mais, tanto o Hospital Clementino Fraga Filho, por ausência de transporte aéreo para se deslocar para Minas Gerais, quanto o Hospital Geral de Bonsucesso não poderiam realizar o transplante do órgão disponibilizado pela Central de Minas Gerais. Note-se que o Chefe da equipe do Hospital Geral de Bonsucesso reconheceu que o fígado implantado em Carlos Augusto Arraes lhe foi oferecido e que ele o recusou, dada a dificuldade natural de transporte e que não havia voo direto naquele período (fl. 1062, Vol 4). Reconhece, a defesa, ainda, que Carlos Augusto Arraes, de fato, jamais alcançaria os primeiros lugares na lista, uma vez que, pelo critério “MELD” adotado no Brasil, o paciente, por estar acometido de tumor superior a 5 cm, não receberia os pontos para ser considerado um paciente grave e merecedor de um transplante; grave seria, mas não apto a receber o transplante, porque suas chances de sobrevivência seriam mínimas. Com razão a defesa ao esclarecer, ainda, que, na Portaria 1.160/2006 (fls. 124/127 do vol. 1), não há referência à proibição de se inscrever na lista, tese defendida pelo órgão acusador, apenas de ser pontuado pelo critério MELD, sendo certo que o paciente possuía pontuação número 12 (fl. 201, vol. 1) e o MELD mínimo para inscrição é 6 (seis). Ademais, não prospera a alegação do MPF de que a liminar concedida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco teria eficácia somente no âmbito e em face do Estado de Pernambuco. Não vislumbro, também, nenhuma ilegalidade no recebimento 161 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 29. 29 do ofício expedido pelo Tribunal e recebido pelo réu, uma vez que a decisão judicial deve ser cumprida independentemente de constar o seu destinatário específico, sobretudo em se tratando de proteção à saúde e garantia de sobrevida. Ao contrário do sustentado pelo MPF, o réu não poderia se escusar ao cumprimento da decisão que deferiu a liminar ao paciente para a realização do transplante. Pouco importa, ainda, se o paciente beneficiado pelo transplante era irmão de diretor da Rede Globo de Televisão ou parente do então Governador do Estado de Pernambuco. O fato é que, diante da liminar concedida e com risco de o órgão se perder ou colocar em risco a vida do paciente, uma vez que não havia, naquele dia, voo disponível para a captação do órgão de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, o réu, na qualidade de médico e na posse da decisão judicial, aliado à disposição da família do paciente de captar o fígado por meios próprios, não poderia deixar de cumpri-la. A denúncia trata de casos relevantes em que estavam em jogo três vidas à espera do recebimento de órgãos, não sendo razoável presumir que tenha havido algum tipo de ilegalidade ou imoralidade na conduta do réu por se tratar de paciente abastado e de família inserida na política ou na mídia televisiva. Ressalto que, ao contrário do que pretendeu fazer crer o MPF, a situação abastada da família do paciente Carlos Augusto Arraes não serviu para a ultrapassagem da fila de transplantes, mas, sim, para a captação e o aproveitamento de órgão que seria perdido por não haver, à época, viabilidade de transporte aéreo com destino a Minas Gerais, em virtude de grave acidente com um avião da companhia aérea TAM. Dessa forma, pelas provas dos autos, entendo que o paciente Carlos Augusto Arraes poderia estar inscrito na lista, como de fato estava, e beneficiar-se do órgão captado no Estado de Minas Gerais, uma vez que ninguém na lista do Rio de Janeiro teria condições de aproveitá-lo, devido à inviabilidade de transporte do referido fígado, naquele dia. Logo, a rigor, não houve ultrapassagem de paciente na lista, tendo sido a realização do transplante respaldada em ordem judicial que se tornou exequível graças aos recursos pessoais disponibilizados pela família do paciente para captar o fígado de Minas Gerais para o Rio de Janeiro, evitando que se perdesse e, consequentemente, que o doente deixasse de dele se beneficiar. O réu deverá ser, pois, absolvido. 2.2.4- Fato nº 3: Caso Frederico Sattelmeyer Junior: Segundo a inicial acusatória, o réu teria tentado desviar órgão da lista única nacional para realizar transplante no paciente Frederico Sattelmeyer Junior na 162 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 30. 30 Clínica São Vicente, em preterição à lista única nacional e mediante remuneração de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Frederico Sattelmeyer Junior teria sido inscrito pelo réu Joaquim na lista de receptores do Rio de Janeiro em 22/05/2007, apesar de morar em São Paulo, onde também teria se inscrito, na mesma data, para a lista de espera daquele Estado, tendo solicitado transferência da CNCDO/SP para a CNCDO/RJ, declarando estar sob os cuidados de Joaquim e da equipe da Clínica São Vicente (fl. 824). Narra o MPF que, em 05/08/2007, a equipe do HUCFF, chefiada pelo acusado, fora avisada pela CNCDO/RJ sobre a existência de fígado objeto de doação post mortem disponível no Hospital Copa D’Or, que deveria ser destinado ao paciente Dimas Alves Pereira, do HUCFF, segundo a lista única. Porém, a enfermeira Denise, da referida equipe de transplantes, teria informado que o hospital não tinha estoque de sangue tipo O fator Rh negativo para a realização da cirurgia. A coordenadora da CNCDO/RJ Ellen Barroso, por volta de 15 horas, ao tomar conhecimento dos fatos, teria entrado em contato com Denise, que lhe teria dito ter conseguido o sangue emprestado com o Banco da Clínica São Vicente, conforme fls. 526/532, liberando, assim, o CNCDO/RJ, o órgão para captação pela equipe do HUCFF, responsável pelo paciente com prioridade na fila. Em torno das 19 horas, a coordenadora Ellen teria sido comunicada pela enfermeira Eliane, plantonista da CNCDO/RJ, que a captação no Hospital Copa D’Or estava difícil por condições físicas do doador e que aquele órgão estava sendo considerado pela equipe como marginal (áudio às fls. 3335 e 3357). Ellen teria entrado em contato às 19:45 horas com a enfermeira Flávia, que acompanhava a captação no Copa D’Or, e confirmado a consideração do fígado como marginal. Flávia teria informado, ainda, que havia oferecido o fígado à equipe do Hospital Geral de Bonsucesso e o Dr. Marcelo Enne teria dito que, conforme descrito, as condições não seriam adequadas para implante do órgão em nenhum paciente (fls. 1179/1189). Ter-se- ia, então, avisado à Coordenadora da CNCDO/RJ que a equipe do HUCFF iria aproveitar o órgão em paciente particular, da Clínica São Vicente, que estaria vindo de São Paulo (áudio 1:08:47, fls. 3335 e 3357). Ellen teria questionado sobre o nome do receptor, pois deveria estar na lista única nacional, mas a enfermeira não soube dizer. O cirurgião da equipe, Dr. Eduardo Fernandes, teria entrado em contato com a coordenadora dizendo que mandou alocar o órgão em paciente que estava vindo de São Paulo, cujo nome não recordava, mas que, pela pontuação MELD, não tinha boa 163 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 31. 31 colocação na lista única. A coordenadora da CNCDO/RJ teria informado, então, que não autorizava a realização do transplante. Ressalta que Ellen já havia entrado em contato com o coordenador nacional de transplante, Roberto Schillindwein, o qual teria dito não concordar com esse tipo de conduta, e que, se o órgão não servia para quem está na fila pelo critério MELD, não deveria ser implantado em nenhum outro paciente, razão pela qual determinou o encaminhamento do fígado para avaliação histopatológica, não autorizando o procedimento, conforme fls. 526/532. Assim, diante da recusa, Joaquim teria ligado para Ellen, na tentativa de obter a liberação do órgão para Frederico, ocasião em que afirmou que a alocação do fígado marginal era um “vício” da equipe. Segundo o MPF, embora o denunciado Joaquim tivesse pleno conhecimento de que o órgão seria implantado em Frederico Sattelmeyer, não informou, dolosamente, o nome do paciente à coordenadora da CNCDO/RJ, já que ele sequer figurava na lista única de receptores aptos a receber o enxerto, conforme fls. 136/137 e 146/181. Conforme relatado no livro de plantão da Clínica São Vicente, o cirurgião Eduardo ligou para marcar o transplante de Frederico às 19:35h, enquanto ainda era realizada a captação do órgão no Hospital Copa D’Or (fl. 1360), depreendendo-se que os contatos com o paciente para a cirurgia teriam sido realizados antes de a CNCDO/RJ ser informada sobre a suposta condição “marginal” do enxerto, a qual o impediria de ser destinado ao primeiro da fila. Conforme declarações da testemunha Itamar Cóppio, médico e cunhado de Frederico, em julho, o depoente teria recebido ligação informando a respeito de um fígado marginal disponível para transplante, mas que sua durabilidade era de 10 ou 15 anos, razão pela qual a família não teria aceito, e que, no final de julho ou início de agosto, recebeu outra ligação informando que havia outro fígado marginal, proveniente de parada cardíaca, e que esse fígado estaria em bom estado, sendo então aceito pela família. Segundo a denúncia, não seria a primeira vez que a equipe do HUCFF, sob a chefia de Joaquim, tentava desviar órgão da lista única para favorecer Frederico Sattelmayer, e que o fígado captado não poderia ser considerado como marginal, visto que se encontrava em melhor estado que aquele antes oferecido, sendo aceito pela família. 164 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 32. 32 O réu teria, pois, prestado declarações falsas para marginalizar órgão sadio captado, o que redundou em seu descarte devido à não implantação no paciente que ocupava a primeira posição na fila (Dimas Alves Pereira). O órgão teria sido, então, oferecido ao paciente Frederico Sattelmayer, que veio de São Paulo para o Rio de Janeiro para realizar o transplante, tendo sido internado na Clínica São Vicente, local em que a equipe chefiada por Joaquim teria conduzido todos os procedimentos pré- operatórios, conforme fl. 1360. Para o MPF, não haveria dúvidas de que Joaquim teria tentado desviar, dolosamente, órgão da lista única nacional para a realização de transplante no paciente Frederico Sattelmayer, em detrimento dos pacientes que figuravam na referida lista. De acordo com o já relatado, o réu Joaquim, supostamente, teria tentado realizar transplante no paciente Frederico Sattelmeyer, que se encontrava em estado grave, embora não constasse como o primeiro da lista a receber o fígado. De fato, o referido paciente não constava entre os primeiros da lista, o que restou esclarecido pela Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes (IPL 1286/2003, apenso 5), segundo a qual a inscrição do paciente Frederico Sattelmayer Junior remonta a 22 de maio de 2007, com diagnóstico de Hepatite Viral C. Segundo a defesa, durante o procedimento de captação, o doador sofreu três paradas cardíacas, o que tornou o órgão marginal, segundo demonstrado por provas testemunhais e documentais, e inviabilizou sua destinação aos primeiros pacientes da fila. A própria Coordenação estadual e a Coordenação nacional de transplantes proibiram a implantação do órgão em qualquer paciente, pois entenderam pela imprestabilidade do órgão. Ademais, o paciente teria sido inscrito inicialmente para ser transplantado com a utilização de órgão oriundo de doador vivo, mas os testes de incompatibilidade demonstraram a impossibilidade do procedimento nessas condições, razão pela qual se optou pela utilização do órgão que seria descartado. E, ao contrário do ventilado pela acusação, o tumor hepático que extrapola o critério de Milão não impediria a inscrição na lista de transplantes. A Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplantes, em procedimento administrativo (IPL 1826/2006, apenso 5), ratificou a condição de órgão marginal: “Tendo em vista o explicitado acima esta Coordenação-Geral do Sistema Nacional de Transplante não entende a razão pela qual tal paciente foi chamado pela equipe para receber este órgão, uma vez 165 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 33. 33 que segundo os próprios médicos era um órgão limítrofe e não tinha indicação de ser transplantado em nenhum dos 530 pacientes do Rio de Janeiro que foram selecionados.” Assim, segundo o depoimento da testemunha Dra. Ellen Elizabeth Macedo Barroso, então Coordenadora da Central de Transplantes do Rio de Janeiro, o paciente selecionado para receber o órgão captado no Hospital Copa-Dor em decorrência de Hemorragia Subaracnóidea por Aneurisma Cerebral do paciente Enes Godoy Pereira, 51 anos, sexo masculino, grupo sanguíneo Rh positivo, o qual sofreu três paradas cardíacas, seria o paciente Dimas Alves Pereira, inscrito no cadastro técnico de receptores (RGCT 3745735) pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF), com MELD estimado de 29. Contudo, por questões de segurança, o órgão foi considerado inadequado para o implante em qualquer receptor, tendo o Dr. Roberto Schillindwein (fl. 529) definido pelo cancelamento do procedimento (fls. 529/530). Assim, não procede a acusação de que o réu Joaquim teria determinado que o órgão fosse falsamente caracterizado como marginal, pois o órgão, de fato, era marginal. Ademais, de acordo com todos os depoimentos colhidos no curso da instrução, a marginalidade do órgão deve ser aferida no momento da captação, considerado o exame macroscópico e o estado do paciente doador, não havendo como se esperar por exames conclusivos no momento do transplante. É o que consta no relatório da auditoria do DENASUS/MS (apenso 5 ao IPL 1826/2003 – fl. 1158): “A macroscopia do fígado na hora da retirada é o principal fator de descarte para utilização do enxerto, bordas rombas indicam sofrimento do enxerto, que pode ser decorrente de instabilidade hemodinâmica do doador. Parada cardio-respiratória revertida, má perfusão e outros fatores, levando à necrose, balonização de hepáticos, apopitose, congestão e à comissão”. Portanto, no caso, era inexigível conduta diversa do médico, ora réu, que só tomou conhecimento dos fatos quando já se havia se chegado à conclusão de se tratar de fígado marginal. Nesse sentido, trago à colação o depoimento da testemunha arrolada pela acusação Lúcio Pacheco Moreira: “A decisão de transplantar um fígado marginal é uma decisão limite, não é uma decisão fácil em Medicina, é uma decisão muito difícil. No Rio de Janeiro o fígado marginal é utilizado em 85% dos casos.” 166 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade
  • 34. 34 E mais: tendo em vista que a Coordenação do Rio-Transplante não concordou com o transplante do fígado considerado marginal, a equipe médica do acusado decidiu implantá-lo em Frederico Sattelmeyer, tendo a família do paciente ajuizado ação em que a liminar foi indeferida. Assim, independentemente da discussão acerca da condição de marginalidade do fígado que seria transplantado no paciente Frederico, note-se que o transplante não aconteceu e sequer foi iniciado. 3- Dispositivo: Diante de todo o exposto, julgo improcedente a pretensão punitiva estatal e absolvo Joaquim Ribeiro Filho, qualificado nos autos, dos fatos que lhe foram imputados na denúncia, o primeiro, ocorrido em 24/07/2003, com fulcro no art. 386, VI, o segundo, ocorrido em 14/07/2007, com fulcro no art. 386, III, e o terceiro, ocorrido em 05/08/2007, com fulcro no art. 386, VI, todos do CPP. Sem custas processuais. Juntem-se em apenso os documentos e mídias acauteladas, conforme certificado nos autos. Transitada em julgado esta sentença, proceda-se às comunicações de praxe e arquivem-se os autos com baixa. Oficie-se, ainda, ao Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro, dando-lhe ciência desta sentença. Publique-se. Registre-se. Ciência ao MPF. Rio de Janeiro/RJ, 11 de setembro de 2013. (ASSINATURA ELETRÔNICA) FABRÍCIO ANTONIO SOARES Juiz Federal Titular 167 Assinado eletronicamente. Certificação digital pertencente a Fabricio Antonio Soares. Documento No: 15502477-101-0-134-34-470821 - consulta à autenticidade do documento através do site www.jfrj.jus.br/autenticidade