Este documento apresenta informações sobre a literatura e cultura de Angola, Cabo Verde e Moçambique. Discute a consolidação do sistema literário angolano no século XX e a influência do pan-africanismo e da negritude. Também aborda a literatura de resistência contra o colonialismo português e a produção poética pós-independência. Sobre Cabo Verde, destaca o marco do modernismo literário com o lançamento da revista "Claridade" em 1936 e a influência do modernismo brasileiro.
DeClara n.º 75 Abril 2024 - O Jornal digital do Agrupamento de Escolas Clara ...
Ler para encenar: introdução às literaturas de Angola, Cabo Verde e Moçambique
1. PALESTRA: Ler para encenar: introdução às literaturas de Angola, Cabo Verde e Moçambique Por: Ricardo Riso (Ricardo Silva Ramos de Souza)* Dia: 24/11/2009 – às 14h * Autor do blog http://ricardoriso.blogspot.com ; integrante do conselho editorial e colunista da revista acadêmica África e Africanidades – http://www.africaeafricanidades.com ; colunista do jornal cabo-verdiano A Nação . E-mail: [email_address] “ 6º Festival de Teatro de Duque de Caxias" SESC/Duque de Caxias
3. Angola Localização: costa ocidental africana. Área: 1.246.700 km2 Ano de chegada dos portugueses: 1482 Independência: 11/11/1975 Capital: Luanda Subdivisão: 18 províncias – Bengo, Benguela, Bié, Cabinda, Cuando-Cubango, Kwanza-Norte, Kwanza-Sul, Cunene, Huambo, Huíla, Luanda, Lunda-Norte, Lunda-Sul, Malange, Moxico, Namibe, Uíge e Zaire. População: 15.941.000 (2005) Grupos Étnicos: 90% Bantu (Ovimbundo, Ambundo, Bacongo, Quiocos); mestiços; Khoisan (bosquímanos) e 3% descendentes de europeus. Línguas nacionais: mais de 20, destacam-se Umbundo (centro-sul), Quimbundo (centro-sul), Quicongo (norte) e Tchokwe (leste) Clima: árido, úmido e floresta tropical. Recursos naturais: café, cana-de-açúcar, milho, sisal, óleo de coco, algodão, tabaco, borracha, petróleo, diamante, minério de ferro, cobre, feldspato, fosfato, ouro, bauxita e urânio. Indústria: cimento, madeira, refinamento de petróleo. Exportação: petróleo, diamante, café.
4. Trata-se da consolidação do sistema literário angolano, tendo o ano de 1948 como fundamental pois surge a Associação dos Naturais de Angola (ANANGOLA), com o lema Vamos descobrir Angola. Os poetas voltam-se para os problemas da população oprimida, cantam as belezas do país e das raízes africanas. Há um olhar sensível às desigualdades do continente africano, sendo comum a todos os países colonizados. Há um flerte com o pan-africanismo e a negritude. Autores que se destacaram: Agostinho Neto, Viriato da Cruz, António Cardoso e António Jacinto. Espaços de África–Antonio Ole
5. Minha mãe (as mães negras cujo os filhos partiram) Tu me ensinaste a esperar Como esperaste nas horas difíceis Mas a vida Matou em mim essa mística esperança Eu já não espero Sou aquele por quem se espera Sou eu minha Mãe A esperança somos nós Os teus filhos Partidos para uma fé que alimenta [a vida (...) Amanhã Entoaremos hinos à liberdade Quando comemorarmos A data da abolição desta escravatura Nós vamos em busca de luz Os teus filhos mãe (todas as mães negras cujos filhos partiram) Vão em busca de vida (NETO, Agostinho. Adeus à hora da largada . In: Sagrada Esperança . Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1986. p. 13-14)
6. O dia 4/2/1961 marca o início da luta armada contra o colonialismo. O MPLA (Movimento Popular pela Libertação de Angola) assume a liderança dos combates e vários de seus quadros são formados por escritores, dentre eles, o seu líder, Agostinho Neto, que viria a ser o primeiro presidente do país independente. A poesia passa a ser uma arte necessária , engajada aos ideais revolucionários, a um eu coletivo e à conscientização do povo contra o jugo colonial português. Começa a concretizar-se o sonho da pátria livre. Alguns autores que despontaram neste período: Luandino Vieira, Arnaldo Santos, Costa Andrade. Imagem: Avenida dos Combatentes, Luanda
7. Às casas, às nossas lavras às praias, aos nossos campos havemos de voltar Às nossas terras vermelhas do café brancas de algodão verdes dos milharais havemos de voltar Às nossas minas de diamantes ouro, cobre, de petróleo havemos de voltar Aos nossos rios, nossos lagos às montanhas, às florestas havemos de voltar À frescura da mulemba às nossas tradições aos ritmos e às fogueiras havemos de voltar À marimba e ao quissange ao nosso carnaval havemos de voltar À bela pátria angolana nossa terra, nossa mãe havemos de voltar Havemos de voltar À Angola libertada Angola independente (NETO, Agostinho. Havemos de Voltar. In: Sagrada Esperança . Luanda: União dos Escritores Angolanos, 1986. p. 126)
8. A distopia marca a produção poética a partir dos anos 1980. O desencanto com a política e a cruel guerra civil que assolou o país até o ano de 2002 atinge profundamente as letras angolanas, deixando profundas cicatrizes nos textos. Entretanto, nos escritores dessa geração há um cuidado estético rigoroso, elaborado, recheado de experimenta-lismos, metáforas surrealizantes e corporizações plásticas de palavras, sem jamais abandonar a ironia e a denúncia da corrupção e das contradições do poder. Escritores: João Tala, Paula Tavares, Ondjaki, João Melo, entre outros. Sem Título - Fernando Alvim http://www.artafrica.info/html/artistas/artistaficha.php?ida=106
9. KIMPA VITA: O padre diz que as nossas crendices antigas não têm qualquer valor (...). E sei que Deus está a ser traído por aqueles que o trouxeram até nós. Eles não o respeitam e tratam mesmo de usá-lo contra nós, para se apoderarem das nossas terras e dos nossos irmãos... MULHER 2: E fui eu dar ao padre aquela pepita (de ouro) noutro dia. (...) MULHER1: Não vão descansar enquanto não descobrirem de onde veio. KIMPA VITA: Ela tem toda razão. Esses brancos estão (...) cada vez mais insolentes, mais violentos. (...) Muitos estão a ser caçados e levados à força para fora daqui, sabe-se lá para onde. (...) E os padres aprovam. E rezam-lhes missas na hora da partida. Jesus, para ter sofrido tanto, só podia ter sido negro. Só um negro pode sofrer o que ele sofreu. (...) MULHER 1: Tu viste-o na cruz, lá na igreja. É bem branco. KIMPA VITA: Isso é só uma imagem. Feita pelos brancos, é claro. Se fossemos nós a fazê-la, ia ser preta. Dessa nossa madeira escura, dura como ferro. Deus de certeza que é negro. E mesmo Cristo não nasceu em Belém, mas aqui em Mbanza Congo... e foi baptizado no Nsundi, não na Nazaré. E a mãe dele, Nossa Senhora, nasceu de uma escrava do rei Nzinga Mpangu. E foi também aqui que Deus amassou o barro para criar o homem com as suas próprias mãos. MULHER 2: (admirada) As coisas que tu sabes... mas não seria melhor confirmar isso com o senhor padre? KIMPA VITA: O padre é branco e os brancos não sabem nada dessas coisas. Os brancos têm origem numa pedra bruta chamada ‘fuma’ e nós, os negros, nascemos de duas árvores, uma negra e outra vermelha, a ‘nsanda’ e a ‘nkula’, que têm as raízes ligadas aos espíritos da terra, os ‘Nkisi-Nsi’. (ABRANTES, José Mena. Kimpa Vita – a profetisa ardente. In: Elinga-Teatro – performances do teatro angolano. Belo Horizonte: Nandyala, 2009. p. 27-28)
10. “ As mesmas palavras largadas ao chão cheias de [caminhos. As mesmas palavras esquecidas largadas nos [caminhos. Palavras boçais repletas de tempestades. Palavras insatisfeitas repetidas nos comícios febris palavras convulsivas palavras complicadas palavras vazias destemperadas incertezas; o tédio das palavras muitas palavras! Todas essas palavras como nos ofuscaram ninguém mais se lembra. Esquecemo-las nos [comícios. Nunca mais lhe daremos o valor da palavra [humana com nossas vidas lidas nos comícios. Nunca mais.” (TALA, João. Lugar Assim. Luanda: União dos Escritores Angolanos, 2004. p. 29)
11. Desintegrações II – Antonio Ole Técnica mista s/tela. 2004. http://www.artafrica.info/html/artistas/artista.php?ida=143 Nasceu em Luanda em 1951. Trabalhos de desenho, pintura, escultura, colagem, instalação, fotografia, vídeo e cinema. Apropria-se da arte tradicional para recriá-la como estímulo para desenvolver um discurso contemporâneo adequado ao seu tempo e à sua circunstância. Os elementos em sua obra evocam o período colonial, a escravatura, a guerra, a destruição, a pobreza, a capacidade de resistir e sobreviver .
12. O Doutor Chico, em vez de dirigir convenientemente a ELMA, U.E.E., como rezam os manuais de gestão da coisa pública (pelo menos desde que o capitalismo, nos principais centros, se civilizou), utilizou o seu cargo de director-geral, desde o primeiro dia, para resolver os inúmeros problemas pessoais, ou seja, para se safar, como costuma afirmar o já várias vezes mencionado povo em geral. É por isso que, a partir de uma dada altura, quando a roubalheira passou a ser feita às escâncaras, isto é, quando a gestão se transformou, digamos assim, em simples “mamação”, os trabalhadores o apelidaram de “Chico Mamão” (o que, obviamente, não tem nada a ver com a fruta homônima). (...) De igual modo não apontarei o meu dedo acusatório aos variados indícios do seu espantoso, gradual e consistente enriquecimento nos últimos dez anos. (MELO, João. O rabo do chefe. In: The serial killer e outras estórias risíveis ou não. Lisboa: Caminho, 2004. p. 34-35)
13. Phree Style - Instalação. - Yonamine nasceu em Luanda, em 1975. É autodidata, tendo-se iniciado em artes gráficas em Luanda. Apresenta características do neo-expressionismo: pincelada descompromissada em momentos de intensa gestualidade; utiliza-se do grafismo.
14. Acordei com os pingos da chuva a me bombardearem as pernas e as bochechas. De repente, começou a cair uma carga d’água daquelas valentes. Fui pra baixo do telheiro e fiquei a ver a água cair. Lembrei-me imediatamente do Murtala: na casa dele, quando chove, só podem dormir sete de cada vez, os outros cinco esperam todos encostados na parede onde há um tectozinho que lhes protege. Depois é a vez dos outros dormirem, assim mesmo, juro, sete de cada vez. Sempre que chove de noite, o Murtala, no dia seguinte, dorme nos três primeiros tempos. Ao ver aquela tanta água, lembrei-me das redacções que fazíamos sobre a chuva, o solo, a importância da água. Uma camarada professora que tinha a mania que era poeta dizia que a água é que traz todo aquele cheiro que a terra cheira depois de chover, a água é que faz crescer novas coisas na terra, embora também alimente as raízes dela, a água faz “eclodir um novo ciclo”, enfim, ela queria dizer que a água faz o chão dar folhas novas. Então pensei: “Epá... E se chovesse aqui em Angola toda...?” Depois sorri. Sorri só. Ondjaki. Bom dia camaradas. Rio de Janeiro: Agir, 2006. p. 136-137.
15. Kiluanji Kia Henda Nasceu em Luanda em 1979, vive entre Lisboa e Luanda. Preocupa-se em registrar as diferenças sociais do momento neoliberal de Angola, assim como, registrar a população luandense realizando um trabalho com forte viés etnográfico. Integra, com Yonamine, o grupo osinternacionalistas.blogspot.com
16. Cabo Verde: Localização: arquipélago no oceano Atlântico, a oeste do Senegal Área: 4.033 km2 Ano de chegada dos portugueses: 1462 Independência: 05/07/1975 Capital: Praia Subdivisão: 10 ilhas de origem vulcânicas, pequenas e montanhosas. População: 475.948 (2005); emigração maciça, com mais cabo-verdianos no exterior do que no arquipélago. Grupos étnicos: descendentes de africanos escravizados e de senhores portugueses Língua nacional: crioulo cabo-verdiano Clima: quente e seco, árido ou semi-árido Recursos naturais: pouca vegetação, peixes Indústria: alimentos e bebidas, pesca, calçados e roupas, sal, mineração e reparo de navios Exportação: combustível, calçados, roupas, peixes e couro
17. Em 1936, é lançada a revista “Claridade”, marco do modernismo literário e do início da cabo-verdianidade. Seus criadores principais, os “claridosos”: Jorge Barbosa, Manuel Lopes e Baltazar Lopes são fortemente influenciados pelo modernismo brasileiro das gerações de 22 e 30. A renovação estético-cultural das nossas letras, principalmente as de Manuel Bandeira , inspirou os poetas do arquipélago que criaram o Pasargadismo . Além disso, há uma relação ambígua com o mar, que ao mesmo tempo aprisiona e liberta. Apresentam-se os dilemas do ilhéu: o terralongismo e a insularidade ; ou seja, a prisão pela condição de estar ilhado e a vontade de sair das ilhas, uma ânsia de emigração e/ou evasão. Imagem: mulheres em mercado na Cidade da Praia, capital de Cabo Verde.
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19. Eu não te quero mal por esse orgulho que tu trazes; porque este ar de triunfo iluminado com que voltas... ...O mundo não é maior que a pupila dos teus olhos tem a grandeza da tua inquietação e das tuas revoltas. ...Que teu irmão que ficou sonhou coisas maiores ainda, mais belas que aquelas que conheceste... Crispou as mãos à beira do mar e teve saudades estranhas, de terras estranhas, com bosques, com rios, com outras montanhas – bosques de névoas, rios de prata, montanhas de oiro – que nunca viram teus olhos no mundo que percorreste... (LOPES, Manuel. Poema de quem ficou. In: ANDRADE, Mario de. Antologia Temática de Poesia Africana Vol. 1 – Na Noite Grávida de Punhais. Lisboa: Sá da Costa, 1977. 2ª ed. p. 27)
21. Na década seguinte o grande lema é o ficar para resistir que se inicia com a revista “Certeza” (1944), propondo a revalorização da cultura cabo-verdiana, o nacionalismo e a liberdade do sistema colonial português. Os poetas são enfáticos, contestam a postura “claridosa” – não vou para Pasárgada – , acusando-a de evasionista. Autores: Ovídio Martins, Arménio Vieira, Mário Fonseca, Onésimo da Silveira etc. Imagem ao lado: campo de concentração de Tarrafal de Santiago Pedirei Suplicarei Chorarei Não vou para Pasárgada Atirar-me-ei ao chão E prenderei nas mãos convulsas Ervas e pedras de sangue Não vou para Pasárgada Gritarei Berrarei Matarei Não vou para Pasárgada (MARTINS, Ovídio. Anti-evasão. In: ANDRADE, Mario de. Antologia Temática de Poesia Africana Vol. 1 – Na Noite Grávida de Punhais. Lisboa: Sá da Costa, 1977. 2ª ed. p. 27)
22. Estendemos as mãos desesperadamente estendemos as mãos por sobre o mar As ondas não são muros são laços de sargaços que servirão de leite à grande madrugada Nosso amor de liberdade e de justiça será contemplado e nosso povo terá direito ao pão Povo que trabalha Mas não come Povo que sonha e obterá Temos a ternura das nossas ilhas temos as certezas das nossas rochas Estendemos as mãos desesperadamente estendemos as mãos caboverdianamente estendemos as mãos por sobre o mar. (MARTINS, Ovídio. Unidos venceremos. In: ANDRADE, Mario de. Antologia Temática de Poesia Africana Vol. 2 – O canto armado. Lisboa: Sá da Costa, 1979. p. 142)
24. Com o país independente há um momento inicial de cantalutismo , saudando as glórias da nova nação. A partir de meados da década de 1980 a poesia amplia seus temas e busca novas formulações estéticas versando sobre temas universais, existencialistas e metapoéticos. Surge a geração mirabílica, da antologia Mirabilis – de veias ao sol que, além das características citadas, apresenta uma poesia de cariz irônico e distópico por causa das promessas não cumpridas pela revolução. Autores: José Luiz Tavares, Dina Salústio, Mário Lúcio Sousa etc. O Banquete – Tchalê Figueira acrílico s/ tela, 150x250 cm, 2004 http://www.artafrica.info/html/expovirtual/expovirtual.php?ide=4
25. Quero Um canto diferente Para Cabo Verde (...) Já não somos Os flagelado do vento leste Dominamos os ventos Já não somos os contratados Como animais de carga para o Sul Conquistamos a dignidade de [gente (...) Por isso Vou cantar De forma diferente Para esta Pátria do Meio do Mar Vou esquecer, enterrar Os lamentos, as lamúrias A tristeza De quem quer ficar Com o destino de ter de partir Não vou chorar A pobreza, a fraqueza A seca A natureza madrasta (...) Canto Para este povo Um canto de alegria (...) (ALMADA, David Hopffer. Canto a Cabo Verde. Apud: SANTILLI, Maria Aparecida. Literaturas de Língua Portuguesa: marcos e marcas – Cabo Verde: ilhas do Atlântico em prosa e verso. São Paulo: Arte & Ciência, 2007. p.157-160.)
26. Pinturas de Kiki Lima Imagens gentilmente cedidas do acervo digital da Profª Drª Simone Caputo Gomes (USP)
27. O barranco olhava-a, boca aberta, num sorriso irresistível, convidando-a para o encontro final. (...) Atirar-se-ia pelo barranco abaixo. Não perdia nada. Aliás nunca perdeu nada. Nunca teve nada para perder. Disseram-lhe que tinha perdido a virgindade, mas nunca chegou a saber o que aquilo era. À borda do barranco, (...), pensou nos filhos e levou as mãos ao peito. O que tinha a ver os filhos com o coração? Os filhos... Como ela os amava, Nossenhor! Apressou-se a ir ao encontro deles. O mais novito devia estar a chamar por ela. Correu deixando o barranco e o sonho de liberdade para trás. Quando a encontrei na praia, ela esperando a pesca, eu atrás de outros desejos, contou-me aquele pedaço da sua vida, em reposta ao meu comentário de como seria bom montar numa onda e partir rumo a outros destinos, a outros desertos, a outros natais. (SALÚSTIO, Dina. Liberdade adiada. In: Mornas eram as noites. Colecção Lusófona. Lisboa: Instituto Camões, 1999. pp. 7-8)
28. Pintura (1997) de José Maria Barreto http://www.artafrica.info/html/artistas/artistaficha.php?ida=26
29. Os sonhos fedem à chuva e os braços apodrecem ante o frágil tornozelo dos subúrbios (...) os sonhos fedem no aglomerado acocorado de desânimo ante a futilidade dos meses e a inadiável fome de todos os dias e eis-nos, de órbitas alagadas, sem saber o que fazer da turva humidade e do vazio que com os sonhos fenecem (ALMADA, José Luís Hopffer C. Anti-chuva. In: À sombra do sol . Vol I. Cidade da Praia: Voz di Povo, 1990. p. 52)
30. O Profeta dos Bichos – Tchalê Figueira Tchalê Figueira saiu de seu país em direção à Europa ao atingir a idade de alistamento militar para não servir às forças armadas portuguesas, no final do colonialismo. Em sua pintura, temos contato com o expressionismo acentuado nas cores e formas; quebra da perspectiva; caracterização de máscaras nas faces das figuras; formas exageradas da figuração humana; figuras zoomorfas; erotização; certo surrealismo; além de valorizar a representação dos desfavorecidos da sociedade que ambientam a Rua da Praia, local de seu ateliê, que são: contraban-distas, prostitutas, pescadores e ociosos. Segundo Mário Lúcio Sousa, “A pintura de Tchalê é ficção permanente, nua e crua realidade cotidiana. Surrealismo na esquina. Tchalê trouxe um dos mais importantes elementos estéticos da arte caboverdeana do séc. XX: ele cria personagens, (...) mas que têm a virtude de representar toda a gente, de ditadores a mendigos, de proletário (pobretário é um termo do Tchalê) a apaixonado.” acrílico s/ tela, 200x150 cm, 2004 http://www.artafrica.info/html/expovirtual/expovirtual.php?ide=4
31. Moçambique Localização: costa oriental africana. Área: 799.390 km2 Ano de chegada dos portugueses: 1498 Independência: 25/06/1975 Capital: Maputo Subdivisão: 10 províncias – Cabo Delgado, Niassa, Nampula, Tete, Zambézia, Manica, Sofala, Inhambane, Gaza e Maputo. População: 19.420.036 (2005) Grupos Étnicos: macuas, angones, macondes, aianas, tongas muchopes e outros; indianos, árabes e europeus. Línguas nacionais: ronga, changana, macua, sena e outras. Clima: tropical e úmido (norte e costa), tropical seco (interior e sul), chuvas (out. a abril), seca (maio a set.) Recursos naturais: energia hidrelétrica, gás, carvão, algodão, castanha de caju, mandioca; minerais (sal, pedras preciosas e semi-preciosas, bauxita, grafite e outros). Indústria: alimento e bebida, têxtil, vestuário e tabaco. Exportação: camarão, algodão, caju, açúcar.
32. Intensificam-se as primeiras manifestações nacionais e de resistência cultural, valorizam-se a terra e a cultura local a partir dos anos 1950. Apesar da repressão salazarista, surgem os primeiros sentimentos de moçambicanidade e de se assumir africano. Autores: José Craveirinha, Rui Knopfli e Noémia de Sousa. Imagem ao lado: embondeiro, árvore sagrada. No Brasil é conhecido como baobá. (...)
33. Noite morna de Moçambique e sons longínquos de marimbas chegam até mim - certo e constantes – vindos não sei eu donde. Em minha casa de madeira e zinco, abro e deixo-me embalar... Mas vozes da América remexem-me a alma e os nervos. E Robeson e Marian cantam para mim sprituals negros de Harlem. “Let my people go” - oh deixa passar o meu povo! – dizem. E eu abro os olhos e já não posso dormir. Dentro de mim, soam-me Anderson e Paul e não são doces vozes de embalo. “Let my people go”! Nervosamente, eu sento-me à mesa e escrevo... Dentro de mim, deixa passar o meu povo, “oh let my people go…” (...) Escrevo... Na minha mesa, vultos familiares se vêm debruçar. Minha Mãe de mãos rudes e rosto cansado e revoltas, dores, humilhações, tatuando de negro o virgem papel branco. (...) E enquanto me vierem de Harlem vozes de lamentação e meus vultos familiares me visitarem em longas noites de insónia, não poderei deixar-me embalar pela música fútil das valsas de Strauss. Escreverei, escreverei, com Robeson e Marian gritando comigo: Let my people go, OH DEIXA PASSAR O MEU POVO! (SOUSA, Noémia de. Deixa passar o meu povo. In: ANDRADE, Mario de. Antologia Temática de Poesia Africana Vol. 1 – Na Noite Grávida de Punhais. Lisboa: Sá da Costa, 1977. 2ª ed. p. 153-154)
34. Tambor está velho de gritar Oh velho Deus dos homens deixa-me ser tambor corpo e alma só tambor só tambor gritando na noite quente dos trópicos. Nem flor nascida no mato do desespero Nem rio correndo para o mar do desespero Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero. Nem nada! Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra. Eu Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala Só tambor velho de sentar no batuque da minha terra Só tambor perdido na escuridão da noite perdida. Oh velho Deus dos homens eu quero ser tambor e nem rio e nem flor e nem zagaia por enquanto e nem mesmo poesia. Só tambor ecoando como a canção da força e da vida Só tambor noite e dia dia e noite só tambor até à consumação da grande festa do batuque! Oh velho Deus dos homens deixa-me ser tambor só tambor! (CRAVEIRINHA, José. Quero ser tambor. In: Karingana ua Karingana. Maputo: INLD, 1982. p. 123-124)
35. Eclode no decorrer da década de 1950 com a afirmação da poesia da moçambicanidade a valorizar a negritude, a denunciar a discriminação racial e a questionar o passado de submissão. Na década posterior, com o início da luta armada (1964), os escritos do período são incisivos na luta contra o colonialismo. É a poesia de combate que deseja a libertação da nação. José Craveirinha é o grande nome desse período. Autores: Albino Magaia, Sebastião Alba, Calane da Silva etc. Guerrilheiros - momento de decisão Malangatana
36. Eu sou carvão! E tu arrancas-me brutalmente do chão e fazes-me tua mina, patrão. Eu sou carvão! E tu acendes-me, patrão para te servir eternamente como força motriz mas eternamente não, patrão Eu sou carvão e tenho que arder, sim e queimar tudo com a força da minha combustão. Eu sou carvão tenho que arder na exploração arder até as cinzas da maldição arder vivo como alcatrão, meu irmão até não ser mais a tua mina, patrão. Eu sou carvão Tenho que arder queimar tudo com o fogo da minha combustão Sim! Eu serei o teu carvão, patrão! (CRAVEIRINHA, José. Grito Negro. In: Xigubo. Maputo: INLD, 1980. p. 13)
37. Com Luís Carlos Patraquim e Mia Couto a literatura moçambicana liberta-se das temáticas de exaltação do país independente e volta-se para si. Inicia-se uma busca pela “poesia do eu”: intimista, lírica, universal, existencialista. Há também a decepção com a política, a guerra da desestabilização começa nos anos 1970 e só termina em 1992, deixando o país arrasado. Apesar da distopia, o onírico, a beleza e o lirismo persistem na literatura. Autores: Eduardo White, Nelson Saúte entre outros. Sonhando amanhã sem lágrimas. Acrílico s/tela. 1975. ROBERTO CHICHORRO. Lisboa: Caminho, 1998. p. 54.
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39. Musicando sonhos acrílico s/tela. 90 x 100 cm. 1997. ROBERTO CHICHORRO. Lisboa: Caminho, 1998. p. 118. Nascido em 19/09/1941 no bairro de Malhangalene, subúrbio de Lourenço Marques, atual Maputo. Percebemos a influência de Marc Chagall. Pintura de memória, com cenas da infância, os músicos e as mulatas de sua cidade. Universo onírico com alegorias de pássaros representando os vôos da imaginação. Obra multifacetada: geometrização cubista, fundo desproblematizado, elementos em livres associações (surrealismo), domínio das vanguardas européias, todavia não o afastaram de sua raiz moçambicana.
40. Ilha, corpo, mulher. Ilha, encantamento. Primeiro tema para cantar. Primeira aproximação para ver-te, na carne cansada da fortaleza ida, na rugosidade hirta do casario decrépito, a pensar memórias, escravos, coral e açafrão. Minha ilha/vulva de fogo e pedra no Índico esquecida. (...) Foste uma vez a sumptuosidade mercantil, cortesão impossível roçagando-se nas paredes altas dos palácios. Sobre a flor árabe e excisão esboçada com nomes de longe. São Paulo. Fadário quinhentista de “armas e varões assinalados”. São Paulo e rastilho do evangelho nas bombardas dos galeões. (...) Ilha, capulana estampada de soldados e morte. Ilha elegíaca nos monumentos. (...) De oriente a oriente flagelaste o interior da terra. De Callicut a Lisboa a lança que o vento lascivo trilhou em nocturnos, espamódicos duelos (...) Porque ao princípio era o mar e a ilha. Sinbas e Ulisses. Xerazzade e Penélope. Nomes sobre nomes. Língua de línguas em Macua matriciadas. (PATRAQUIM, Luís Carlos. Os barcos elementares. In: O osso côncavo e outros poemas. Lisboa: Caminho, 2007. p. 96-97)
41. Imagem acima: mulheres com máscara m’saho (etnia Macua), Ilha de Moçambique Imagem ao lado: mesquita na Ilha de Moçambique
42. Alquimia de jóias na dança de Ucanho II (2005) acrílico, pintura corporal, digitalização, impressão litográfica e óleo s/ tela 2,01 X 2,49 m Naguib Abdula Artista multifacetado. Além da pintura, que sofre a intervenção de diversos objetos, faz performances e instalações. Inquietante, investiga meios díspares para expressar sua arte. A mulher é representada com exaltação contagiante, onde convive com pássaros, peixes, tartarugas, o embondeiro sagrado, rochas ancestrais e símbolos hieróglifos. Explora a diversidade cultural de sua terra, trabalhando-a de acordo com questões caras à arte contemporânea, instigando o observador à compreensão do universo retratado em suas obras, consequentemente, Moçambique.
43. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AMÂNCIO, Íris Maria da Costa, GOMES, Nilma Lino Gomes, JORGE, Miriam Lúcia dos Santos. Literaturas africanas e afro-brasileira na prática pedagógica. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. CHAVES, Rita, MACEDO, Tania e VECCHIA, Rejane (Orgs.). A Kinda e a Missanga : encontros brasileiros com a literatura angolana. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2007. CHAVES, Rita. Angola e Moçambique : experiência colonial e territórios literários. São Paulo: Ateliê Editorial, 2005. CHAVES, Rita e MACEDO, Tânia. (Orgs.) Marcas da diferença : as literaturas africanas de língua portuguesa. São Paulo: Alameda, 2006. BOSI, Alfredo. O ser e o tempo da poesia . São Paulo: Cultrix, Editora da Universidade de São Paulo, 1977. FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa . São Paulo: Ática, 1987. LARANJEIRA, Pires. Literaturas africanas de expressão portuguesa . Lisboa: Universidade Aberta, 1995. LEITE, Ana Mafalda. Poesia angolana: percursos (des) contínuos. In: Revista Poesia Sempre n° 23. Fundação Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, 2006. MEMMI, Albert. Retrato do colonizado precedido do retrato do colonizador . Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. PADILHA, Laura Cavalcante. Entre voz e letras – o lugar da ancestralidade na ficção angolana do século XX. Niterói: EDUFF, 1995. ROZÁRIO, Denira. Palavra de poeta - Cabo Verde e Angola . Rio de Janeiro: Bertrand Brasil: Fundação Biblioteca Nacional, 1999. SECCO, Carmen L. T. R. (Org.). Antologia do mar na poesia africana de língua portuguesa do século XX: Cabo Verde. Rio de Janeiro: UFRJ, Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em Letras Vernáculas e Setor de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, 1999. v.2. SECCO, Carmen L. T. R. A magia das letras africanas – ensaios escolhidos sobre as literaturas de Angola, Moçambique e alguns outros diálogos. Rio de Janeiro: ABE Graph, 2003. SECCO, Carmen L. T. R. A apoteose da palavra e do canto: a dimensão “neobarroca” da poética de José Craveirinha. In: Revista Via Atlântica n. 5. São Paulo: Universidade de São Paulo, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, 2002. SECCO, Carmen L. T. R. (Org.). Antologia do mar na poesia africana de língua portuguesa do século XX: Moçambique, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau. Rio de Janeiro: UFRJ, Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação em Letras Vernáculas e Setor de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, 1999. v.3. SEPÚLVEDA, M. C. & SALGADO, M. T. (ORGs). África & Brasil : letras em laços. Rio de Janeiro: Atlântica, 2000.
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