Boas práticas de programação com Object Calisthenics
V20n3a14
1. Análise Psicológica (2002), 3 (XX): 401-406
A Escola Inclusiva e a igualdade de
oportunidades
PAULA ZÊZERE (*)
Sócrates dizia que o fim último da educação Goffman, em 1975 dizia-nos que: «Na Amé-
era tornar as crianças inteligentes e boas. rica, existia apenas um tipo de homem adulto
Hoje a questão colocada na Escola é encon- que não corava,
trar, e para isso precisa procurar incessantemen-
- O jovem pai de família, casado, branco, ci-
te, quais as estratégias, as novas formas, de con-
tadino, nórdico, heterossexual, protestante,
seguir alcançar esse objectivo.
diplomado por uma Universidade, empre-
Tanto Freud como Ferenczi consideram o co-
nhecimento como uma fonte central de progresso gado a tempo inteiro, de boa saúde, com
e de humanização, e a ignorância como uma fon- um bom peso, uma altura suficiente e pra-
te da doença e da paixão irracional. Para eles o ticante de um desporto.»
conhecimento equivalia à compreensão e o recal- Actualmente, no início deste 3.º milénio, exis-
camento à ignorância. tem até palavras que os mais jovens têm pudor
A realidade socio-económica e cultural de em referenciar. Palavras com «amor», «felicida-
Portugal e do Mundo está definitivamente alte- de», «amizade», «crer», «escolher», «acreditar»,
rada. ou «optar» são hoje consideradas palavras com-
O sistema de valores mudou radicalmente. prometedoras e difusas no seu significado.
Actualmente há uma enorme e generalizada Só modificando atitudes, será possível, talvez,
dificuldade em encontrar normas, padrões e mo- percorrer o caminho do desenvolvimento de for-
delos reguladores do comportamento. Poucos ma mais consistente.
se arriscam a compromissos, por isso compro- É neste contexto que me fará sentido tentar
metedores, que impliquem indicadores de acção analisar, a preocupação tida ao longo da História,
e de pensamento que possam constituir-se como dada ao atendimento às pessoas portadoras de
modelos de referência, ainda mais, quando, po- deficiência.
derão ser apelidados de «não correctos social- É com o Cristianismo que a pessoa se eleva a
mente» ou de «politicamente incorrectos». uma categoria absoluta e, é também nesta época
que se iniciam as tentativas de compreensão,
diria o trabalho de dar significado à diferença.
Esta procura – dar significado à diferença –
(*) Instituto Superior de Psicologia Aplicada, Lis- ainda hoje se mantêm como uma procura inces-
boa. sante.
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2. Aquando do nascimento de uma criança defi- Afinal todos nós, de uma forma ou de outra,
ciente no seu de uma família, a questão posta de apresentamos necessidades específicas ao longo
imediato pelos pais é «Porquê a nós» «O que fi- da vida, tendo por base contextos e acessibilida-
zemos de errado para merecer tal punição?». des na informação recebida, nos inputs, proces-
Existe um trabalho cognitivo e emocional in- samento e outputs que realizamos, fundamenta-
tenso, no sentido de tentar perceber o que falhou dos num suporte afectivo mais ou menos con-
e deu origem a esta «catástrofe humana». tentor das angústias e dos medos, das alegrias e
Percorrendo a história da História também ve- das paixões, poderia dizer da forma como viven-
rificamos que a preocupação tida no atendimento ciamos, aprendemos a experimentar e a sentir a
à diferença é, em si mesma, operadora de mu- VIDA.
danças irreversíveis e que contribui, inequivoca- Podemos então dizer que a Instituição Escola
mente, para melhorar o atendimento a todos. demorou, mas acabou finalmente por assumir,
Quem se lembra, hoje, como e porquê foi in- pelo menos no plano formal, aquilo a que se pro-
ventado o isqueiro? pôs desde o início do século XX, ser ela a pro-
Afinal teve como objectivo, permitir aos mu- motora da tão clamada «IGUALDADE DE
tilados, da 2.ª Guerra Mundial, poderem conti- OPORTUNIDADES».
nuar a acender os seus cigarros sem ajuda! A Constituição Portuguesa estabelece, no seu
Os novos olhares sobre os velhos problemas Artigo n.º 74 que:
são fonte de novas respostas, com base e susten- «O ensino deve contribuir para a superação de
tadas na criatividade e na vontade de mudar. desigualdades económicas, sociais e culturais.»
Exemplo do que acabo de expor é o Relatório Promover a igualdades de oportunidades não
Warnock, datado de 1978, que veio incrementar, é, de facto, dar o mesmo a todos, mas antes, dar
definitivamente, mudanças sociais irreversíveis, a cada um aquilo que lhe faz falta.
no atendimento às crianças com necessidades Este termo, tão mal compreendido e tão mal
educativas especiais. interpretado, é um dos pilares fundamentais da
Neste relatório enfatizam-se o tipo e o grau de construção do Estado que se quer Democrático,
problemas de aprendizagem ao nível psicopeda- fundado em princípios consignados nos Direitos
gógico e não ao nível médico, como até aí se fa- Humanos, Civis, Políticos, Religiosos e Sociais.
zia. No Documento das Nações Unidas sobre a
A mudança de paradigma poderá e virá, com IGUALDADE DE OPORTUNIDADES PARA
certeza, a transcender e a transpôr o seu âmbito PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, e datada de
de actuação, ou seja, não será apenas aplicável às 1998, define-se este conceito da seguinte forma:
crianças com deficiências comprovadas ou não,
mas sim a todas as crianças incluídas no sistema - «Processo pelo qual os diversos sistemas
regular de ensino, mais que não seja, a presença da sociedade e o meio envolvente (servi-
física de alunos com características especiais ços, actividades, informação, etc.) se tor-
obriga a alterações na forma e conteúdos progra- nem ACESSÍVEIS a todos.
máticos de todo o Plano Educativo e, por isso, na - Implica ainda que as necessidades de todos
própria dinâmica da Escola. e de cada um tenham igual importância,
A Escola passou a atender APENAS ALU- que sejam essas necessidades a base de pla-
NOS e não crianças com determinadas caracte- neamento das sociedades e que todos os re-
rísticas, excluindo, por isso, outras. cursos sejam utilizados de forma a garantir
Haverá algo mais injusto e desumano do que a cada pessoa uma igual oportunidade de
restringir a partilha entre pares? participação.
A escolaridade obrigatória passou a abranger - As pessoas com deficiência, quando atin-
TODOS os que tivessem idades compreendidas gem a igualdade de oportunidades, passam
entre os 6 e os 14 anos de idade, independente- também a ter iguais obrigações.
mente das suas competências ou limitações. - À medida que os direitos forem atingidos
Esta determinação está consagrada sob a for- as sociedades devem aumentar as suas ex-
ma de Decreto-Lei no n.º 319/ 91, onde se pro- pectativas face às pessoas com deficiên-
clama a «ESCOLA PARA TODOS». cia.»
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3. A tomada de consciência das noções funda- sado, para predizer, antecipar, planificar e orde-
mentais contidas neste conceito obriga-nos a nar os factos de um futuro imediato e/ou distan-
empreender esforços no sentido de tentarmos te.
responder, da forma mais eficaz possível e em As diferenças individuais de percepção tem-
tempo real (atempadamente), às necessidades poral podem estar relacionadas com factores
dos alunos abrangidos por esta medida. fisiológicos (reguladores internos) e com facto-
Outra noção fundamental é o conceito de res psicológicos, estes relacionados com o fenó-
ACESSIBILIDADE. meno da percepção de um aumento relativo, no
Hoje questionamos de forma, que considero aspecto qualitativo do tempo, com a diminuição
pertinente as questões da acessibilidade. real do intervalo de tempo, ou o fenómeno con-
Desde as questões arquitectónicas, as altera- trário.
ções programáticas, revistas sem conta e refor- Se anteriormente falámos de acessibilidade,
madas sem tempo de serem avaliadas (!), dão aqui o tempo é uma variável incontornável.
ênfase ao processo de ensino-aprendizagem fun- Hoje reconhecemos ritmos diferenciados nos
damentando-o em processos onde aprendizagens processos de adaptação cognitiva, no desenvolvi-
sem significado e, por isso, mais facilmente mento humano em geral e nos ritmos de aprendi-
aprendidas e apreendidas, para serem reutiliza- zagem.
das noutro contexto. Variáveis fundamentais quando preconizamos
Se não servem este objectivo, então para que percursos «o menos restritivos possíveis».
servem efectivamente? O estudo sobre literacia em Portugal, coorde-
Acessibilidade aos conteúdos programáticos, nado por Ana Benavente e editado pela Funda-
aos Serviços às actividades, aos locais e à infor- ção Calouste Gulbenkian em 1996 refere que o
mação são premissas fundamentais para que a insucesso prolongado e a renúncia à escolaridade
igualdade de oportunidades se incremente defini- obrigatória constituem um dos correntes fenóme-
tivamente, pelo menos, nunca seja esquecida no nos de exclusão.
plano dos princípios. Por este motivo a preocupação em encontrar
O TEMPO outra noção fundamental. as variáveis que tornam a Escola um local pouco
Questionado sobre o que era efectivamente o sugestivo e pouco agradável, tantas vezes refe-
TEMPO, Einstein dizia que: renciado como hostil e desinteressante, onde o
processo de ensino-aprendizagem, que deveria
- Tempo era aquilo que o relógio marcava.
ser de Descoberta constante e de encontro se
A percepção do tempo está condicionada por transforma num deserto afectivo de onde é ne-
diferenças individuais e culturais, nos seus as- cessário fugir a todo o custo!
pectos quantitativos e qualitativos, na orientação Muitos pais e professores querem que os seus
do passado, presente, futuro e, ainda, no ensino filhos e alunos aprendam muito e depressa. Este
da importância dada ao tempo na organização da convite à impulsividade, passagens rápidas à
experiência. acção, relembrando Pedro Strecht, na pág. 149
Há sociedades em que a importância dada ao do seu livro, a propósito da violência:
tempo é insignificante, contrastando com outras,
«os comportamentos são essencialmente
que se orgulham da pontualidade dos seus horá-
descargas de pulsões relativamente primá-
rios e que programam actividades com grande
rias, isto é, o comboio que leva a agir nun-
precisão.
ca parou no apeadeiro do pensar.»
As crianças, por norma, olham o futuro, an-
seiam «ser crescidos». Sabemos que passagens ao acto e comporta-
Os adultos gostam de olhar o passado, mas o mentos impulsivos, são em larga escala factores
adolescente típico, move-se à frente e activa- determinantes na origem do erro, promotores por
mente no tempo, interessado, principalmente, em isso do insucesso que se inicia, ou amplia na es-
viver o presente. cola, transformando-se em insucesso pessoal e
Sem consciência da continuidade e sucessão que se vai alastrar a vida profissional.
ordenada do tempo e do ritmo dos factos, a cri- O conflito pode ser a origem, e por isso o pon-
ança faz poucas tentativas para utilizar o pas- to de partida, da exclusão.
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4. A Escola deverá ser o local, de passagem é O Movimento preconizado pela Escola Inclu-
verdade, mas parte integrante de um percurso siva tem como meta atingir, e alicerçar, a cons-
pessoal e social que se quer o mais harmonioso trução de uma nova forma de Estar e Ser social,
possível, para possa ser construído à semelhança a Sociedade Inclusiva.
das expectativas individuais. Uma sociedade que se quer mais justa e, por
Para os jovens, trabalho deverá significar isso, obrigatoriamente mais solidária.
uma das portas de entrada na vida adulta e, con- O percurso escolar, tal como o nome indica,
sequentemente, a conquista da autonomia só faz sentido enquanto uma fase, uma etapa,
pessoal e social, afinal é para isso que se cresce! tem, por isso, de servir como instrumento pro-
A Escola, como a entendo, deveria ser um lo- motor do desenvolvimento pessoal e social, logo
cal de passagem, é verdade, mas, acima de tudo o veículo facilitador da inserção social, servindo
um local de VERDADE. efectivamente para tornar mais acessível a tran-
Por outro lado constatamos, segundo dados sição para a vida adulta, promovendo o senti-
oficiais, que o desemprego atinge fundamental- mento de competência, a eficácia, o bem-estar,
mente, preferencialmente e, diria, cirurgicamente ser um veículo promotor da efectiva melhoria da
os grupos específicos de jovens e mulheres com qualidade de vida.
baixas qualificações académicas ou baixas quali-
ficações profissionais (ex. recém-licenciados), Se não é esse um dos seus objectivos, então
paradoxal, já que sendo detentores de altas quali- para que serve?
ficações académicas não lhes são reconhecidas
competências profissionais, então para que ser- Pretende-se que o adulto, a PESSOA, seja de-
vem os estudos superiores? Supostamente, ou se- tentora da sua vida e as possibilidades de opção
rá tradicionalmente, as faculdades davam com- existam efectivamente.
petência profissional... Que a escola cumpra a sua missão, funcione
Na companhia da falta de rendimentos, o de- como um «operador» da inserção social, a vários
semprego traz a frustração social e pessoal. níveis.
Os processos de exclusão ancoram nos elos de Por um lado promova a aquisição efectiva de
cadeia de «negatividades», como por exemplo: competências de literacia (ao nível da leitura, da
- Redes familiares fragilizadas escrita e do cálculo), mas também a capacitação
- Insucesso escolar e definição de possibilidades de localização no
- Desemprego mundo do trabalho, mais precisamente do em-
- Isolamento social prego e de acesso às hipóteses de ascenção de
- Dificuldades de acesso a bens de consumo. classe social.
Segundo Garcia (2000), outra constatação,
Um ciclo difícil de quebrar mas ainda mais «aterradora», digo eu, é verificarmos que a Es-
difícil de suportar! cola acolhe melhor os que não precisam, do pon-
to de vista social, de ser tão bem acolhidos e
Outra noção fundamental é o conceito de acolhe pior aqueles que mais precisariam de si.
NEE – Necessidade Educativa Especial. Sabemos ainda que são os pais mais esclare-
A sua maior virtude é assentar sobre a funcio- cidos, logo os que precisariam menos, os que
nalidade do próprio conceito. Hoje importa, aci- mais vezes se deslocam e participam na vida es-
ma de tudo, o ESTADO FUNCIONAL, reme- colar, mas também os mais ouvidos.
tendo a sua análise para aquilo que todos os alu- São os professores mais atentos aqueles que,
nos esperam do sistema educativo, enquanto normalmente, procuram e solicitam mais infor-
frequentam a Escola, ou seja, que efectivamente mação, enfim, um rol de constatações preocu-
o atendimento pedagógico percepcionado tenha pantes, que nos obrigam a reflectir e a tentar per-
em atenção as características e particularidades e ceber os porquês!
que os apoios e serviços se organizem de forma a Também verificamos que são os alunos que
chegarem onde são necessários. apresentam padrões mais reguladores, tanto em
Esperam que a Escola os reconheça indivi- termos cognitivos como sociais os que da Escola
dualmente, enquanto PESSOAS. recebem maior gratificação.
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5. Diria que me sinto a «jogar» um jogo viciado - Todas as crianças têm direito a tentarem
e por isso sem validade! manter-se acordadas até tarde numa noite
Assim não vale! de Verão, na esperança de verem uma es-
Vou agora transcrever um texto que considero trela cadente e pedirem três desejos (a jus-
magnífico e, que contem em si tudo aquilo que tiça devia fazer acontecer sempre pelo me-
quero dizer. nos um).
O texto é de Pedro Strecht, conhecido pedo- - Todas as crianças têm direito a escrever ou
psiquiatra que não precisa de apresentações. a falar uma linguagem inventada por elas
Este texto pertence ao livro da sua autoria in- (ou que julgam inventada por elas), como
titulado «CRESCER VAZIO», 3.ª edição, 1998: por exemplo a «linguagem dos pês»: «apa
linpingupuapagempem dospos pêspês».
ALGUNS DIREITOS/MUITAS INGENUI- - Todas as crianças têm direito a imaginar o
DADES que vão querer fazer quando forem grandes
- Todas as crianças com mais de cinco anos (habitualmente coisas extravagantes) e a
têm direito a desabafar. perguntar aos adultos «o que queres ser
- Todas as crianças até aos onze ou doze quando fores pequenino?».
anos têm direito a andar grátis no Carrocel - Todas as crianças têm direito a dormir nu-
quando estão de férias. ma cama sua, sentindo o cheiro da roupa
- Todas as crianças que andam na Escola têm lavada, e a terem um espaço próprio na ca-
direito a serem alegres, terem amigos e a sa, pelo menos a partir do ano de idade.
brincarem com os outros. Têm direito a ter - Todas as crianças têm direito a passear na
uma Professora que não grite com elas. rua tentando pisar apenas o empedrado
- Todas as crianças têm direito a ver o mar branco (ou só o preto); em opção, têm di-
verdadeiro, especialmente em dia de maré reito a fazer uma viagem contando quantos
vazia. carros vermelhos passam na faixa contrária.
- Todas as crianças têm direito a, pelo menos - Todas as crianças meninos têm direito a,
uma vez na vida, escolher um chocolate pelo menos uma vez na vida, perguntar a
que lhes apeteça. uma menina «queres ser a minha namora-
- Todas as crianças têm direito a terem or- da?» e todas as meninas têm direito a, pelo
gulho na sua existência. menos uma vez na vida, responder, «sim,
- Todas as crianças têm direito a pensar e a quero».
sentir como lhes manda o coração, até se- - Todas as crianças têm direito a ouvir um
rem velhas, aí com uns vinte anos. adulto contar pelo menos uma destas histó-
- Todas as crianças têm direito a terem em rias: Peter Pan, o Principezinho ou o Prín-
casa o Pai e a Mãe, os irmãos, se houver, e cipe Feliz.
comida. Se o Pai e Mãe não conseguirem - Todas as crianças têm direito a ter alegria
viver juntos têm direito a que cada um de- suficiente para imaginar coisas boas antes
les respeite o outro. de dormirem e depois, a sonhar com elas.
- Todas as crianças têm direito a deitarem-se - Todas as crianças têm direito a ter um bo-
no chão para ver as nuvens passar, imagi- neco de peluche preferido, especialmente
nando formas de todos os bichos do Mundo quando velho, já lavado e mesmo com um
combinadas com as coisas que quiserem olho a menos.
(por exemplo, um cão a andar de patins ou - Todas as crianças (especialmente se já ado-
uma girafa de orelhas compridas). lescentes) têm direito a usar os ténis prefe-
- Todas as crianças têm direito a começarem ridos, mesmo que rotos e com cheiro tóxi-
uma colecção não interessa de quê. co.
- Todas as crianças têm direito a chupar o - Todas as crianças têm direito a poder tomar
dedo indicador que espetaram num bolo banho sozinhas e a experimentar mergulhar
acabado de fazer ou então lamber a colher na banheira contando o tempo que aguen-
com que raparam a taça em que ele foi tam sem respirar.
feito. - Todas as crianças têm direito a jogar aos
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6. polícias e ladrões, preferindo inevitavel- Quero ainda aqui relembrar Bertolt Brecht
mente serem ladrões. (1930), que nos deixou, entre outras, estas reco-
- Todas as crianças têm direito a ter um colo mendações essenciais:
onde se possam sentar, enroscar como nu- «Devem desconfiar de tudo
ma concha e receber mimos. até do mais pequeno pormenor,
- Todas as crianças têm direito a nascer mesmo que lhes pareça insignificante.
iguais em direitos. Procurem ver se está certo,
- Todas as crianças têm direito a conhecer o principalmente se é como de costume!
sítio onde nasceram e a visitá-lo livremen- Pedimos expressamente que não achem natu-
te. ral!
- Todas as crianças têm direito a não ficarem Aquilo que acontece sempre! (...)
sozinhas a chorar. Devem estranhá-lo embora não seja estranho,
- Todas as crianças têm direito a viver num
achá-lo inexplicável embora seja usual,
País que tenha um Ministério da Infância e
incompreensível embora seja a regra (...)»
Juventude, que olhe verdadeiramente pelo
crescimento afectivo e bem-estar interior
(sem preconceitos adultocênticos ou hipo- UM VIVA À VIDA.
crisias com ares de cromo abrilhantado).
- Todas as crianças têm direito a acreditar
RESUMO
que têm um adulto que olha por elas e as
ama sem condição prévia (nem que seja
A autora faz uma reflexão sobre a nova ordem so-
Nosso Senhor). cio-económica e cultural e a sua influência sobre a ela-
- Todas as crianças têm direito a viver felizes boração de normas, padrões e modelos que regulam os
e a ter paz nos seus pensamentos e senti- comportamentos.
mentos. É feita referência às respostas acessíveis às pessoas
com necessidades especiais nomeadamente nos planos
Pelo que apresentei, considero muito impor- legal e educativo.
tante tomar consciência que no plano formal É ainda destacada a Escola Inclusiva, paradigma
muito está feito. que permitiu deslocar o enfoque da intervenção do
domínio estritamente médico para o âmbito psicopeda-
A disparidade existe, fundamentalmente, no
gógico.
confronto absurdo entre o que a Lei consagra e o Palavras-chave: Pessoas com necessidades especi-
que efectivamente se pratica, passando sistema- ais, educação, Escola Inclusiva.
ticamente por cima de enunciados importantes,
sem respeito, que pelos actos ninguém se respon-
sabilize. ABSTRACT
Habitualmente refiro, que a última invenção
foi a pólvora, hoje o importante é recriar mode- The author reflects on the new social-economic and
los, reinventar soluções, mudar pontos de refe- cultural order and its influence on norms, patterns and
rência, confrontar pontos de vista e, talvez assim, models that regulate behaviours.
encontrar novas respostas para velhos proble- A reference is made to the answers available to
mas. people with special needs, namely on the legal and
educational level.
Acreditar, crer, escolher melhor, saber dizer
Inclusive School, the paradigm that allowed inter-
sim e também não, ter convicções e não ser faná- vention to move from the medical domain into the psy-
tico, ter valores mesmo quando parecem ridí- chopedagogical domain, is emphasised.
culos, no fundo, creio, TORNARMO-NOS PES- Key words: People with special needs, education,
SOAS. Inclusive School.
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