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Não permitiu o Céu que alguns influxos, que devi às águas do Mondego, se
prosperassem por muito tempo: e destinado a buscar a Pátria, que por espaço de
cinco anos havia deixado, aqui entre a grossaria dos seus gênios, que menos
pudera eu fazer que entregar-me ao ócio, e sepultar-me na ignorância! Que
menos, do que abandonar as fingidas Ninfas destes rios e no centro deles adorar
a preciosidade daqueles metais, que têm atraído a este clima os corações de toda
a Europa! Não são estas as venturosas praias da Arcádia, onde o som das águas
inspirava a harmonia dos versos. Turva, e feia, a corrente destes ribeiros, primeiro
que arrebate as ideias de um Poeta, deixa ponderar a ambiciosa fadiga de
minerar a terra, que lhes tem pervertido as cores.
A desconsolação de não poder substabelecer aqui as delícias do Tejo, do
Lima e do Mondego me fez entorpecer o engenho dentro do meu berço, mas
nada bastou para deixar de confessar a seu respeito a maior paixão. Esta me
persuadiu a invocar muitas vezes e a escrever a Fábula do Ribeirão do Carmo, rio
o mais rico desta Capitania, que corre e dava o nome à Cidade Mariana, minha
pátria, quando era Vila.
VII
Onde estou? Este sítio desconheço:
Quem fez tão diferente aquele prado?
Tudo outra natureza tem tomado,
E em contemplá-lo, tímido, esmoreço.
Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço
De estar a ela um dia reclinado;
Ali em vale um monte está mudado:
Quanto pode dos anos o progresso!
Árvores aqui vi tão florescentes,
Que faziam perpétua a primavera:
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Eu me engano: a região esta não era;
Mas que venho a estranhar, se estão presentes
Meus males, com que tudo degenera!
Sol. Espaço. Vegetação.
Os imóveis são colocados na cidade atrás do rendilhado de árvores.
A natureza está inscrita no arrendamento. O pacto foi assinado com a natureza.
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LXII
Torno a ver-vos, ó montes; o destino
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Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
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Vendo correr os míseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.
Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia
Que da Cidade o lisonjeiro encanto,
Aqui descanse a louca fantasia,
E o que té agora se tornava em pranto
Se converta em afetos de alegria.
XCVIII
Destes penhascos fez a natureza
O berço em que nasci: oh! quem cuidara
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!
Amor, que vence os tigres, por empresa
Tomou logo render-me; ele declara
Contra o meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.
Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,
A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:
Vós, que ostentais a condição mais dura,
Temei, penhas, temei, que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.
[...] a rebeldia
Que vês neste penhasco, essa dureza,
Há de ceder aos golpes algum dia
[Soneto XLVII]
Que mal, ó Sílvio, foi tão penetrante,
Que este penhasco imóvel de constância
Pôde abalar?
[Écloga XIII]
Lembrado estou, ó penhas, que algum dia,
Na muda solidão deste arvoredo,
Comuniquei convosco o meu segredo
[Soneto LIX]
Sentado sobre o tosco de um penedo,
Chorava Fido a sua desvantura
[Soneto XXII]
Disse, e sobre a alta penha
Erguendo-se, da fúria arrebatado,
No rio se despenha
[Écloga VII]
Comigo sepultado
Eu choro o meu despenho
["Fábula"]
Mil vezes no despenho
Me lembra Alfeu rendido, e namorado;
A segui-lo me empenho;
E me impede, não sei, se Amor, se o Fado
[Écloga X]
Aqui te deixo, rústico cajado;
QUe algum tempo, apesar do empenho cego,
De ninguém, só de mim foste logrado
[Écloga XV]
Desempenha o teu gosto; mas, ó bela,
Vê, lhe não guies a fortuna escura
Pelos passos da minha desventura
[Écloga IX]
A vós, canoras Ninfas, que no amado
Berço viveis do plácido Mondego,
Que sois da minha lira doce emprego,
Inda quando de vós mais apartado.
A vós do pátrio Rio em vão cantado
O sucesso infeliz eu vos entrego,
E a vítima estrangeira, com que chego,
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Vede a história infeliz, que Amor ordena,
Jamais de Fauno, ou de Pastor ouvida,
Jamais cantada na silvestre avena.
Se ela vos desagrada, por sentida,
Sabei que outra mais feia em minha pena
Se vê entre estas serras escondida.
Vendo inútil o empenho
De render-lhe a fereza,
Busquei na minha indústria o meu despenho:
Com ingrata destreza
Fiei de um roubo (oh! mísero delito!)
A ventura de um bem, que era infinito.
[...]
Por mais desgraça minha,
Dos tesouros preciosos
Chegou notícia, que eu roubado tinha
Aos homens ambiciosos;
E crendo em mim riquezas tão estranhas,
Me estão rasgando as míseras entranhas.
Polido o ferro duro
Na abrasadora chama,
Sobre os meus ombros bate tão seguro,
Que nem a dor que clama,
Nem o estéril desvelo da porfia
Desengana a ambiciosa tirania.
Daqui vou descobrindo
A fábrica eminente
De uma grande Cidade; aqui polindo
A desgrenhada frente,
Maior espaço ocupo dilatado,
Por dar mais desafogo a meu cuidado.
Competir não pertendo
Contigo, ó cristalino
Tejo, que mansamente vais correndo:
Meu ingrato destino
Me nega a prateada majestade,
Que os muros banha da maior Cidade.
As Ninfas generosas,
Que em tuas praias giram,
Ó plácido Mondego, rigorosas
De ouvir-me se retiram,
Que de sangue a corrente turva, e feia
Teme Ericina, Aglaura e Deiopeia.
Não se escuta a harmonia
Da temperada avena
Nas margens minhas, que a fatal porfia
Da humana sede ordena
Se atenda apenas o ruído horrendo
Do tosco ferro, que me vai rompendo.
Porém se Apolo ingrato
Foi causa deste enleio,
Que muito, que da Musa o belo trato
Se ausente de meu seio,
Se o Deus, que o temperado coro tece,
Me foge, me castiga e me aborrece!
Enfim sou, qual te digo,
O Ribeirão prezado;
De meus Engenhos a fortuna sigo:
Comigo sepultado
Eu choro o meu despenho; eles sem cura
Choram também a sua desventura.

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A dor de um ribeirão ao ver sua natureza destruída

  • 1. Não permitiu o Céu que alguns influxos, que devi às águas do Mondego, se prosperassem por muito tempo: e destinado a buscar a Pátria, que por espaço de cinco anos havia deixado, aqui entre a grossaria dos seus gênios, que menos pudera eu fazer que entregar-me ao ócio, e sepultar-me na ignorância! Que menos, do que abandonar as fingidas Ninfas destes rios e no centro deles adorar a preciosidade daqueles metais, que têm atraído a este clima os corações de toda a Europa! Não são estas as venturosas praias da Arcádia, onde o som das águas inspirava a harmonia dos versos. Turva, e feia, a corrente destes ribeiros, primeiro que arrebate as ideias de um Poeta, deixa ponderar a ambiciosa fadiga de minerar a terra, que lhes tem pervertido as cores. A desconsolação de não poder substabelecer aqui as delícias do Tejo, do Lima e do Mondego me fez entorpecer o engenho dentro do meu berço, mas nada bastou para deixar de confessar a seu respeito a maior paixão. Esta me persuadiu a invocar muitas vezes e a escrever a Fábula do Ribeirão do Carmo, rio o mais rico desta Capitania, que corre e dava o nome à Cidade Mariana, minha pátria, quando era Vila.
  • 2. VII Onde estou? Este sítio desconheço: Quem fez tão diferente aquele prado? Tudo outra natureza tem tomado, E em contemplá-lo, tímido, esmoreço. Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço De estar a ela um dia reclinado; Ali em vale um monte está mudado: Quanto pode dos anos o progresso! Árvores aqui vi tão florescentes, Que faziam perpétua a primavera: Nem troncos vejo agora decadentes. Eu me engano: a região esta não era; Mas que venho a estranhar, se estão presentes Meus males, com que tudo degenera!
  • 3. Sol. Espaço. Vegetação. Os imóveis são colocados na cidade atrás do rendilhado de árvores. A natureza está inscrita no arrendamento. O pacto foi assinado com a natureza. Le Corbusier, Os três estabelecimentos humanos
  • 4. LXII Torno a ver-vos, ó montes; o destino Aqui me torna a pôr nestes oiteiros, Onde um tempo os gabões deixei grosseiros Pelo traje da Corte, rico e fino. Aqui estou entre Almendro, entre Corino, Os meus fiéis, meus doces companheiros, Vendo correr os míseros vaqueiros Atrás de seu cansado desatino. Se o bem desta choupana pode tanto, Que chega a ter mais preço, e mais valia Que da Cidade o lisonjeiro encanto, Aqui descanse a louca fantasia, E o que té agora se tornava em pranto Se converta em afetos de alegria.
  • 5. XCVIII Destes penhascos fez a natureza O berço em que nasci: oh! quem cuidara Que entre penhas tão duras se criara Uma alma terna, um peito sem dureza! Amor, que vence os tigres, por empresa Tomou logo render-me; ele declara Contra o meu coração guerra tão rara, Que não me foi bastante a fortaleza. Por mais que eu mesmo conhecesse o dano, A que dava ocasião minha brandura, Nunca pude fugir ao cego engano: Vós, que ostentais a condição mais dura, Temei, penhas, temei, que Amor tirano, Onde há mais resistência, mais se apura.
  • 6. [...] a rebeldia Que vês neste penhasco, essa dureza, Há de ceder aos golpes algum dia [Soneto XLVII] Que mal, ó Sílvio, foi tão penetrante, Que este penhasco imóvel de constância Pôde abalar? [Écloga XIII] Lembrado estou, ó penhas, que algum dia, Na muda solidão deste arvoredo, Comuniquei convosco o meu segredo [Soneto LIX] Sentado sobre o tosco de um penedo, Chorava Fido a sua desvantura [Soneto XXII]
  • 7. Disse, e sobre a alta penha Erguendo-se, da fúria arrebatado, No rio se despenha [Écloga VII] Comigo sepultado Eu choro o meu despenho ["Fábula"] Mil vezes no despenho Me lembra Alfeu rendido, e namorado; A segui-lo me empenho; E me impede, não sei, se Amor, se o Fado [Écloga X]
  • 8. Aqui te deixo, rústico cajado; QUe algum tempo, apesar do empenho cego, De ninguém, só de mim foste logrado [Écloga XV] Desempenha o teu gosto; mas, ó bela, Vê, lhe não guies a fortuna escura Pelos passos da minha desventura [Écloga IX]
  • 9. A vós, canoras Ninfas, que no amado Berço viveis do plácido Mondego, Que sois da minha lira doce emprego, Inda quando de vós mais apartado. A vós do pátrio Rio em vão cantado O sucesso infeliz eu vos entrego, E a vítima estrangeira, com que chego, Em seus braços acolha o vosso agrado. Vede a história infeliz, que Amor ordena, Jamais de Fauno, ou de Pastor ouvida, Jamais cantada na silvestre avena. Se ela vos desagrada, por sentida, Sabei que outra mais feia em minha pena Se vê entre estas serras escondida.
  • 10. Vendo inútil o empenho De render-lhe a fereza, Busquei na minha indústria o meu despenho: Com ingrata destreza Fiei de um roubo (oh! mísero delito!) A ventura de um bem, que era infinito. [...] Por mais desgraça minha, Dos tesouros preciosos Chegou notícia, que eu roubado tinha Aos homens ambiciosos; E crendo em mim riquezas tão estranhas, Me estão rasgando as míseras entranhas. Polido o ferro duro Na abrasadora chama, Sobre os meus ombros bate tão seguro, Que nem a dor que clama, Nem o estéril desvelo da porfia Desengana a ambiciosa tirania.
  • 11. Daqui vou descobrindo A fábrica eminente De uma grande Cidade; aqui polindo A desgrenhada frente, Maior espaço ocupo dilatado, Por dar mais desafogo a meu cuidado. Competir não pertendo Contigo, ó cristalino Tejo, que mansamente vais correndo: Meu ingrato destino Me nega a prateada majestade, Que os muros banha da maior Cidade. As Ninfas generosas, Que em tuas praias giram, Ó plácido Mondego, rigorosas De ouvir-me se retiram, Que de sangue a corrente turva, e feia Teme Ericina, Aglaura e Deiopeia.
  • 12. Não se escuta a harmonia Da temperada avena Nas margens minhas, que a fatal porfia Da humana sede ordena Se atenda apenas o ruído horrendo Do tosco ferro, que me vai rompendo. Porém se Apolo ingrato Foi causa deste enleio, Que muito, que da Musa o belo trato Se ausente de meu seio, Se o Deus, que o temperado coro tece, Me foge, me castiga e me aborrece! Enfim sou, qual te digo, O Ribeirão prezado; De meus Engenhos a fortuna sigo: Comigo sepultado Eu choro o meu despenho; eles sem cura Choram também a sua desventura.