O documento discute a representação da fome na literatura brasileira em três frases ou menos:
1) A literatura brasileira expressou a fome de forma realista, retratando-a como uma catástrofe coletiva, como em obras de Teófilo e Queiroz.
2) Graciliano Ramos questionou essa perspectiva em Vidas Secas ao aproximar homem e animal sob a fome, diferenciando-os apenas pela memória.
3) Josué de Castro denunciou um "tabu da fome" na sociedade, en
2. Plano da aula Quais os modos de expressão da fome na literatura? E o que significa representar (ou não) a fome no universo da palavra literária? Romancistas da fome no Brasil – breve panorama, o caso de Graciliano Ramos Do tabu à estética da fome: Josué de Castro e Glauber Rocha
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5. Olhares críticos sobre o romance A Fome A violência imagética e estilística do texto de Teófilo A certeza de que, sob a perspectiva científica e evolucionista, a fome representava uma regressão na escala humana – o homem animal, canibal, a besta, etc. Homem puro instinto da fome X homem da razão – o homem que fala
18. Aprofundamento da lírica moderna (o “eu” se abre e fecha à sociedade e à natureza)IN: Alfredo Bosi, História Concisa da Literatura Brasileira.
19. Olhares críticos sobre a historiografia literária Por que a pregnância ainda hoje do termo regionalismo? Esse termo não isolaria também a problemática levantada pelos romancistas de 30? O Nordeste de 30 não era o Brasil de 30? E hoje?
20. Tópico 1, segunda parte da pergunta E o que significa representar (ou não) a fome no universo da palavra literária? POR UM LADO: tradição de literatura e arte da fome no Brasil enquanto materialização de uma palavra de denúncia, de um engajamento do escritor diante de uma realidade insuportável, porta voz de um real que preferiríamos não lembrar nem conhecer;
21. Sublinhando que essa palavra de denúncia foi realizada no seio da grande tradição literária, que é sempre burguesa, por escritores mais ou menos distantes da vivência da pobreza e da fome; Vejamos como Graciliano Ramos pensou tal questão:
22. TRECHO da CARTA de GRACILIANO RAMOS ao pintor CANDIDO PORTINARI “A sua carta chegou muito atrasada, e receio que esta resposta já não o ache fixando na tela a nossa pobre gente da roça. Não há trabalho mais digno, penso eu. Dizem que somos pessimistas e exibimos deformações; contudo, as deformações e a miséria existem fora da arte e são cultivadas pelos que nos censuram. O que à vezes pergunto a mim mesmo, com angústia, Portinari, é isto: se elas desaparecessem, poderíamos continuar a trabalhar? Desejaremos realmente que elas desapareçam ou seremos também uns exploradores, tão perversos como os outros, quando expomos desgraças?” (RAMOS, 1946, Acervo Projeto Portinari)
24. Essa tradição burguesa de narrar a fome é rompida nos anos sessenta com Carolina Maria de Jesus (Quarto de Despejo) e recentemente com o movimento da “literatura marginal” ou “estéticas da periferia”.
26. POR OUTRO LADO: alguns escritores mesmo distantes da realidade da pobreza deixaram que suas obras se contaminassem mais do que outras pela experiência da fome; Vamos entender que algo da experiência da fome se aproxima do silêncio, daquilo que não encontra palavra, ou do que não se pode falar.
27. Algumas obras literárias mais do que outras sofrem o impacto da fome sobre sua própria construção e são obrigadas a se interrogar sobre a sua possibilidade de representação da fome pela palavra. Tocam o “impoder” da palavra ou como disse minha filha Clara: “como foi que a fome comeu os livros?”
29. Graciliano Ramos 1892-1953 Escritor alagoano Estilo seco anti-sentimental Não consegue ser apreendido pela crítica da época posto que desconstrói as categorias de: Realismo / regionalismo/ ruralismo / romance psicológico e romance social
30. Auto-Retrato Nasceu em 1892, em Quebrangulo, Alagoas / Casado duas vezes, tem sete filhos/Altura 1,75. Sapato n 41. Colarinho n 39 /Prefere não andar / Não gosta de vizinhos /Detesta rádio, telefone e campainhas /Tem horror às pessoas que falam alto /Usa óculos. Meio calvo /Não tem preferência por nenhuma comida/ Não gosta de frutas nem de doces /Indiferente à música/ Sua leitura predileta: a Bíblia/Escreveu Caetés com 34 anos de idade/ Não dá preferência a nenhum de seus livros publicados/ Gosta de beber aguardente/É ateu. Indiferente à Academia/ Odeia a burguesia. Adora crianças/ Romancistas brasileiros que mais lhe agradam: Manoel Antonio de Almeida, Machado de Assis, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz/Gosta de palavrões escritos e falados/ Deseja a morte do capitalismo /Escreveu seus livros pela manhã/ Fuma cigarros Selma (três maços por dia)/ É inspetor de ensino, trabalha no Correio da Manhã/ Apesar de o acharem pessimista, discorda de tudo/ Só tem cinco ternos de roupa, estragados/Refaz seus romances várias vezes/ Esteve preso duas vezes/É-lhe indiferente estar preso ou solto/Escreve à mão/ Seus maiores amigos: Capitão Lobo, Cubano/José Lins do Rego e José Olympio/Tem poucas dívidas /Quando prefeito de uma cidade do interior, Soltava os presos para construírem estradas/Espera morrer com 57 anos.
32. Vidas Secas O livro narra o episódio de uma família de retirantes da seca. A família é composta pelo vaqueiro Fabiano, sua mulher Sinhá Vitória, dois filhos, chamados de “o menino mais velho” e “o menino mais novo” e a cachorra Baleia. Único romance em terceira pessoa escrito pelo autor– o silêncio torna-se grande personagem da narrativa.
33. Ao dar nome tão grandioso à cachorra e não nomear os filhos do casal, Graciliano indica a aspereza desse universo. Como se sabe, o medo de que as crianças não sobrevivessem à fome e à miséria do sertão brasileiro fazia com que inúmeras famílias simplesmente não dessem nome aos seus filhos até uma certa idade.
36. Ao aproximar o homem do animal, o escritor busca, antes de tudo, interrogar quais são os limites que definem o que é ser humano.
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38. Isso pode ser entendido quando do episódio em que o Papagaio da família é comido pelos outros viventes, membros da família.
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40. a cachorra é também mais um entre os viventes e esta sente, como os outros, medo, angústia, fome e sonha, sonha com um mundo cheio de preás. Baleia sente tudo isso mas desconhece a morte do amigo e, por conseguinte, a sua própria morte.
41. Baleia desconhece ter comido ao próprio amigo. Entre a inocência e o horror, somos levados a crer que algo da memória é constitutivo de um horizonte ético e, por conseguinte, mais humano.
44. Convidado oficial de Governos de vários países para estudar problemas de alimentação e nutrição. Entre eles : Argentina (l942), Estados Unidos (l943), República Dominicana (l945) , México (l945), França (l947).
45. Chefe da Comissão que realizou o inquérito sobre as Condições de Vida das Classes Operárias do Recife (primeiro inquérito desta natureza levado a efeito no país), 1933.
46. Presidente do Conselho da Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO), 1952 e 1956.
49. O Tabu da Fome Nesse livro defende que um verdadeiro tabu da fome se deve, por um lado, ao impedimento de ordem político e econômico – é preciso que não se saiba muito sobre esse assunto para que a miséria continue a ser produzida
50. Por outro lado, nos mostra que a fome, tal como o sexo é um instinto, e o homem racional dele tem vergonha, foi “ensinado” a ele esconder os seus instintos: “Trata-se de um silêncio premeditado pela própria alma da cultura. Foram os interesses e os preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica (...) que tornaram a fome um tema proibido”. Josué de Castro.
51. “Será a calamidade da fome um fenômeno natural inerente à própria vida, uma contingência irremovível como a morte? Ou será a fome uma praga social criada pelo próprio homem? Eis o delicado e perigoso assunto debatido nesse livro. (...) tão delicado e perigoso por suas implicações políticas e sociais que até quase os nossos dias permaneceu como um dos tabus da nossa civilização – uma espécie de tema proibido ou pouco aconselhável para ser abordado publicamente” Josué de Castro
52. Pontos para discutir A questão da memória em Graciliano Ramos A questão da memória em Vidas Secas A memória X o tabu da fome A vergonha de nossa fome
53. do tabu à estética da fome Anos sessenta – uma outra cultura marginal Samba, tropicalismo, parangolés Cinema novo – Glauber Rocha 1965 – Estética da fome – texto para ser lido no festival de cinema latino americano em Gênova
54. Trecho de A Estética da Fome de Glauber Rocha “Desse modo nós definimos nossa cultura como uma cultura da fome. Nós compreendemos esta fome que o Europeu e o Brasileiro, em sua maioria, não compreendem. Para o Europeu é um estranho surrealismo tropical. Para o Brasileiro é uma vergonha nacional. Ele não come, mas ele tem vergonha de dizer e, sobretudo, ele não sabe de onde vem essa fome”
56. Glauber e a estética da fome Texto manifesto que participa da divulgação no exterior do movimento cinema novista (1955 – Rio quarenta graus de Nelson Pereira dos Santos) Maior característica do estilo do cinema novo – cinema anti-sentimental, anti drama latino americano Estética da fome amplia as teses de Josué para âmbito cultural
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58. O fim de Glauber e de Josué marcaram tragicamente também o fim de uma época de utopias revolucionárias