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Foto de capa da revista «Tempo», com Alcinda Honwana na 1ª Conferência da Organização da Juventude Moçambicana, Maputo, 1977                                           Foto: cortesia da Revista «Tempo»




                                                                                                                               TEXTO RAFAEL MARQUES




             Moçambique
                                                                                                                               DATA DA REPORTAGEM 11/2007
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                      Antropologia
                                                                                                                                                            Honwana
                                                                                                                                                                                               p73
Cerimónia de desmobilização de crianças-soldado   Foto: cortesia da UNICEF
Alcinda
Honwana
/ INTERNATIONAL DEVELOPMENT CENTRE, OPEN UNIVERSITY, REINO UNIDO




TEXTO RAFAEL MARQUES



Alcinda Honwana, sentada do outro lado do       dirige o International Development Cen-
balcão, entre a sala e a cozinha, serve-nos     tre. Com uma agenda bastante preenchida
chá e bolo na sua casa em Oxford, Inglater-     e constantes mudanças de continente,
ra. Afável e hospitaleira, a professora não     tendo entretanto passado a residir em Nova
faz cerimónia connosco e fala-nos sobre os      Iorque, a segunda parte desta entrevista
desafios e encantos da sua profissão, e sobre   tem lugar entre o seu gabinete, na OU, e o
si, mulher e académica. No dia anterior,        comboio entre Milton Keynes e Londres.
fizera a sua aula inaugural como professora
catedrática da Open University (OU), onde



Transições                                      reservado aos moçambicanos autóctones,
Ao falar-nos sobre as diversas transições       coincide com a introdução, em 1917,
de identidade social, cultural e religiosa em   da política de assimilação por parte dos
que, no contexto colonial, os habitantes        colonialistas portugueses. Essa política
de Moçambique se viram constantemente           consistia na discriminação das populações
envolvidos, Alcinda Honwana recorda-se          nativas em duas categorias: uma primeira,
da diáspora da sua própria família, recuan-     a de assimilado, atribuída se se reunissem
do até ao tempo do romântico encontro de        requisitos tais como a fluência em portu-
Sumaila Hamad Mulima com Rosa Maria             guês, a adopção dos hábitos do colonizador,
Mapunga, os seus bisavós. O cavalheiro,         a manutenção de um emprego regular, ser
um macua de origem árabe e muçulmana,           cristão e ter abandonado o modo de vida e
proveniente da região da Ilha de Moçam-         os costumes da raça negra; e uma segunda,
bique, encontrou o amor da sua vida numa        a de indígena, atribuída aos nativos que,
mu-ronga, cristã e do Sul. O nortenho,          pela instrução ou pelos costumes, não se
alistado nas forças coloniais portuguesas,      distinguiam do comum da raça negra.
operava na guerra de pacificação contra os         Para a estudiosa moçambicana, o pro-
insurgentes do Sul. Fruto desse cruzamen-       cesso de assimilação representou uma
to de identidades e geografias, vieram ao       ruptura com os valores africanos, porque
mundo três filhos, o segundo dos quais foi      forçou as pessoas a assumirem uma deter-
Mussagy Mulima, o avô da cientista. Tendo       minada forma de ser e de estar. No entanto,
fé na inteligência e na capacidade de estudo    continua a acreditar que o homem tem em
do seu filho, o pai de Mussagy entregou-o à     si uma permanente e natural predisposição
instrução católica, que requeria a sua con-     para incorporar os conhecimentos, ex-
versão ao catolicismo, por via do baptismo,     periências e valores dos outros. Aduz como
tendo assim adoptado o nome do padre            exemplo metafórico dessa adaptação o
José Manuel que o escolarizou.                  facto de que, ao terem sido introduzidas
   A conclusão da quarta classe do avô, o       nas diversas línguas do mundo palavras
grau mais alto de escolaridade até então        de raiz inglesa, cada língua, porém, o fez
ALCINDA HONWANA, ANTROPOLOGIA, p77




                                                                                                             Foto: Joana Barros
Alcinda Honwana durante a sua aula inaugural na Open University, 2007



«com as suas próprias pronúncias, adap-                     identidade a que nos referimos há pouco,
tando as palavras à sua própria mundi-                      Alcinda Honwana aponta como exemplo
vidência». Por isso, não acredita que as                    aqueles grupos de indivíduos que conse-
tradições permaneçam imutáveis ao longo                     guem ter várias «identidades» em simultâ-
dos tempos; porque, segundo afirma, «ne-                    neo. Este tipo de recurso reflecte «a neces-
nhuma tradição é uma réplica da anterior: as                sidade que alguns grupos têm de assimilar
tradições são inventadas e recriadas».                      novos valores como instrumentos para a
   Sempre considerou importante, como                       aquisição de determinados benefícios e para
africana, saber falar as línguas locais, e                  lograr certos objectivos» sem, no entanto,
portanto decidiu aprendê-las. «Não teve                     «deixarem de ser o que são».
nada a ver com o processo de assimilação,                     A cientista sublinha como a história
mas porque a minha mãe pertence a um                        sociopolítica moldou várias transições na
grupo étnico completamente distinto do                      sua própria família, a partir do seu avô,
meu pai. A minha mãe é do Nordeste de                       que passou de muçulmano a cristão, de
Moçambique, e o meu pai é do Sul, e note-                   indígena a assimilado. Refere o paradoxo
-se igualmente que o meu avô era do Norte.                  existente no processo de assimilação,
Neste sentido, a minha família é um caso                    do ponto de vista dos colonizadores: ao
peculiar e, naquela altura, não era fácil                   adoptarem esta política, acabaram por
gerir todas estas diferentes origens. Quan-                 estimular indirectamente a emergência de
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Alcinda Honwana (excerto do livro "Vidas a Descobrir")

  • 1.
  • 2. Foto de capa da revista «Tempo», com Alcinda Honwana na 1ª Conferência da Organização da Juventude Moçambicana, Maputo, 1977 Foto: cortesia da Revista «Tempo» TEXTO RAFAEL MARQUES Moçambique DATA DA REPORTAGEM 11/2007 Alcinda Antropologia Honwana p73
  • 3.
  • 4. Cerimónia de desmobilização de crianças-soldado Foto: cortesia da UNICEF
  • 5. Alcinda Honwana / INTERNATIONAL DEVELOPMENT CENTRE, OPEN UNIVERSITY, REINO UNIDO TEXTO RAFAEL MARQUES Alcinda Honwana, sentada do outro lado do dirige o International Development Cen- balcão, entre a sala e a cozinha, serve-nos tre. Com uma agenda bastante preenchida chá e bolo na sua casa em Oxford, Inglater- e constantes mudanças de continente, ra. Afável e hospitaleira, a professora não tendo entretanto passado a residir em Nova faz cerimónia connosco e fala-nos sobre os Iorque, a segunda parte desta entrevista desafios e encantos da sua profissão, e sobre tem lugar entre o seu gabinete, na OU, e o si, mulher e académica. No dia anterior, comboio entre Milton Keynes e Londres. fizera a sua aula inaugural como professora catedrática da Open University (OU), onde Transições reservado aos moçambicanos autóctones, Ao falar-nos sobre as diversas transições coincide com a introdução, em 1917, de identidade social, cultural e religiosa em da política de assimilação por parte dos que, no contexto colonial, os habitantes colonialistas portugueses. Essa política de Moçambique se viram constantemente consistia na discriminação das populações envolvidos, Alcinda Honwana recorda-se nativas em duas categorias: uma primeira, da diáspora da sua própria família, recuan- a de assimilado, atribuída se se reunissem do até ao tempo do romântico encontro de requisitos tais como a fluência em portu- Sumaila Hamad Mulima com Rosa Maria guês, a adopção dos hábitos do colonizador, Mapunga, os seus bisavós. O cavalheiro, a manutenção de um emprego regular, ser um macua de origem árabe e muçulmana, cristão e ter abandonado o modo de vida e proveniente da região da Ilha de Moçam- os costumes da raça negra; e uma segunda, bique, encontrou o amor da sua vida numa a de indígena, atribuída aos nativos que, mu-ronga, cristã e do Sul. O nortenho, pela instrução ou pelos costumes, não se alistado nas forças coloniais portuguesas, distinguiam do comum da raça negra. operava na guerra de pacificação contra os Para a estudiosa moçambicana, o pro- insurgentes do Sul. Fruto desse cruzamen- cesso de assimilação representou uma to de identidades e geografias, vieram ao ruptura com os valores africanos, porque mundo três filhos, o segundo dos quais foi forçou as pessoas a assumirem uma deter- Mussagy Mulima, o avô da cientista. Tendo minada forma de ser e de estar. No entanto, fé na inteligência e na capacidade de estudo continua a acreditar que o homem tem em do seu filho, o pai de Mussagy entregou-o à si uma permanente e natural predisposição instrução católica, que requeria a sua con- para incorporar os conhecimentos, ex- versão ao catolicismo, por via do baptismo, periências e valores dos outros. Aduz como tendo assim adoptado o nome do padre exemplo metafórico dessa adaptação o José Manuel que o escolarizou. facto de que, ao terem sido introduzidas A conclusão da quarta classe do avô, o nas diversas línguas do mundo palavras grau mais alto de escolaridade até então de raiz inglesa, cada língua, porém, o fez
  • 6. ALCINDA HONWANA, ANTROPOLOGIA, p77 Foto: Joana Barros Alcinda Honwana durante a sua aula inaugural na Open University, 2007 «com as suas próprias pronúncias, adap- identidade a que nos referimos há pouco, tando as palavras à sua própria mundi- Alcinda Honwana aponta como exemplo vidência». Por isso, não acredita que as aqueles grupos de indivíduos que conse- tradições permaneçam imutáveis ao longo guem ter várias «identidades» em simultâ- dos tempos; porque, segundo afirma, «ne- neo. Este tipo de recurso reflecte «a neces- nhuma tradição é uma réplica da anterior: as sidade que alguns grupos têm de assimilar tradições são inventadas e recriadas». novos valores como instrumentos para a Sempre considerou importante, como aquisição de determinados benefícios e para africana, saber falar as línguas locais, e lograr certos objectivos» sem, no entanto, portanto decidiu aprendê-las. «Não teve «deixarem de ser o que são». nada a ver com o processo de assimilação, A cientista sublinha como a história mas porque a minha mãe pertence a um sociopolítica moldou várias transições na grupo étnico completamente distinto do sua própria família, a partir do seu avô, meu pai. A minha mãe é do Nordeste de que passou de muçulmano a cristão, de Moçambique, e o meu pai é do Sul, e note- indígena a assimilado. Refere o paradoxo -se igualmente que o meu avô era do Norte. existente no processo de assimilação, Neste sentido, a minha família é um caso do ponto de vista dos colonizadores: ao peculiar e, naquela altura, não era fácil adoptarem esta política, acabaram por gerir todas estas diferentes origens. Quan- estimular indirectamente a emergência de do o meu pai se casou com a minha mãe, intelectuais e líderes que criaram e dirigi- havia muitos comentários por causa das ram associações cívicas e grupos políticos diferenças de hábitos, costumes e línguas. de pressão. O Instituto Negrófilo, fundado O meu pai, porém, decidiu casar-se com a em 1932, reflecte este aparente paradoxo: mulher que amava: como ambos falavam de facto, foi fundado por indivíduos como línguas diferentes, o contacto entre os dois o seu avô José Manuel (Mussagy Mulima) foi sempre em português, e naturalmente e Raúl Honwana, que viria a ser sogro da era esta a língua que falávamos em casa.» cientista. Nesse processo, que passou pela Em relação às diversas transições de assimilação da cidadania portuguesa e por