Nesta terça-feira, dia 28 de maio, os diretores da ABEAD, Carlos Salgado e Sérgio de Paula Ramos, foram recebidos pelo Secretário do Senad, Vitore André Zílio Maximiano. No evento, a Associação Brasileira do Estudo do álcool e Outras Drogas (ABEAD) em audiência na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça (Senad/MJ) formalizou seu posicionamento sobre a descriminalização da maconha no Brasil.
1. ABEAD - Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas
POSICIONAMENTO QUANTO À DESCRIMINALIZAÇÃO DA MACONHA NO BRASIL.
Caracterizando a Abead
AABEAD conta 35 anos. É uma associação de profissionais que atuam em pesquisa, ensino,
prevenção, assistência e formação de Políticas Públicas na área das dependências químicas e de
outros comportamentos aditivos. Não tem fins lucrativos e sua missão principal é manter o debate
permanente e subsidiar tecnicamente ações acerca dos problemas decorrentes do uso de substâncias
em nossa sociedade.
Descrição do processo que gerou o presente manifesto
AABEAD organizou um comitê de especialistas para debater o tema da descriminalização do uso
de drogas. O comitê elaborou um posicionamento cientificamente embasado, que será oferecido
para ampla divulgação à comunidade e também será apresentado ao Poder Público como subsídio
para a formação de nova legislação. Nesta edição o foco recaiu sobre a maconha.
O comitê reuniu-se em 19 de abril de 2013, na cidade de São Paulo, com o objetivo de revisar
políticas de alta tolerância, onde se aplicou a descriminalização da maconha. Foram examinados
históricos recentes do processo de descriminalização em 7 países, representando as duas Américas,
Oceania e a Europa.
Dados epidemiológicos e oficiais de Portugal, Holanda, Reino Unido, Espanha, Estados Unidos da
América, Uruguai e Austrália.
Os dados utilizados são limitados e pouco comparáveis em função da variabilidade dos métodos
utilizados. A cultura e a geopolítica, assim como a ideologia, e principalmente a dificuldade de
detalhar aspectos históricos que permeiam as publicações consultadas devem ser levadas em
consideração na leitura dos achados aqui relatados.
As conclusões mais relevantes de cada país relativos à descriminalização da maconha são
apresentadas a seguir.
Austrália
Medidas de descriminalização têm produzido aumento de consumo e também de problemas
relacionados ao uso de maconha.
Espanha
Percebe-se aumento de consumo de maconha e também de outras drogas. Maior experimentação
entre jovens do sexo masculino. Cresceu a disponibilidade e reduziu-se a percepção de risco do uso
de maconha e de outras drogas. As taxas de encarceramento permaneceram estáveis. Houve
aumento das denúncias e das taxas de apreensão. A produção de maconha dispersou-se pelo país,
tendo aumentado o plantio "indoor", e associado a ele o surgimento das "redes" de clubes de
cultivo, desvirtuando a proposta de autogestão do consumo em novas modalidades de tráfico.
Estados Unidos da América
O custo relacionado às drogas diminuiu. Quanto aos índices de consumo, ainda não se têm dados
2. consistentes.
Holanda
Constata-se aumento do consumo da ordem de 5%, não necessariamente relacionado à
descriminalização, pois observou-se que a onda de aumento também acontecia em países vizinhos
não submetidos à mudança legislativa.
Portugal
Sua legislação tornou-se mais permissiva em 2001 e desde então há poucos estudos
epidemiológicos e os mesmos apresentam dados díspares. Em geral, quando os levantamentos
foram conduzidos nacionalmente demostraram resultados mais otimistas do que os conduzido por
pesquisadores independentes.
Esses evidenciaram que o consumo de todas as drogas aumentou sensivelmente no período (Uso na
vida relatado de "qualquer droga ilícita" aumentou de 7,8% para 12%. Uso na vida de maconha
aumentou de 7,6% para 11,7%. Uso na vida de cocaína mais que dobrou (de 0,9% para 1,9%) o
mesmo acontecendo com ecstasy (de 0,7% para 1,3%) e heroína de 0,7% para 1,1%). Por outro
lado, aumentou a busca por tratamento e diminuiu a criminalidade.
Reino Unido
Ocorreu aumento de todos os tipos de consumo (na vida, no ano, no mês), incluindo a zona rural
(10:1000) e entre mulheres, principalmente adolescentes (29% dos estudantes usavam o que
representou um aumento de 48% nos < 16 anos) (1,2). Reduziu-se a idade de experimentação,
atingindo crianças (11% aos 11 anos e até 15, 45%) e aumentou o número de crianças com uso
problemático e dependente e os problemas relacionados (abandono escolar, institucionalização,
crime, etc) (3,4,5). A taxa de usuários problemáticos atingiu 10 em cada 1000 e houve aumento do
consumo de outras drogas (6,7). Aumentou em quatro vezes a busca pela emergência, e aumentou o
número de adolescentes com transtorno mental e sua hospitalização (8,9,10,11).
Ficou evidente a redução das taxas de encarceramento e apreensões no período (2003-2008), dentro
de uma onda de diminuição já desencadeada anteriormente à reclassificação da maconha,
provavelmente, em função da adoção de uma política de Redução de Danos em 2000 (12,13).
Diminuiu o preço da maconha no mercado (13).
Uruguai
Embora presente na pauta governamental e social, o debate sobre descriminalização e maior
liberalidade para com a maconha ainda não produziu ações efetivas que permitam medir impacto.
Perspectivas para o Brasil diante da possibilidade de Plena Descriminalização do uso de
maconha
Com base nas experiências examinadas provindas de sete países e de três continentes, mesmo
considerando-se marcadas diferenças culturais, o comitê produziu algumas recomendações.
Na eventual vigência de plena oficialização da descriminalização do uso de maconha, visto que a lei
atual pune os usuários com medidas não restritivas de liberdade, deve a sociedade brasileira avaliar
3. as possibilidades abaixo relacionadas:
1. aumento do consumo de maconha e como consequência dos problemas a ele relacionados;
2. redução da idade de experimentação;
3. aumento do consumo de outras drogas e dos problemas a elas relacionados;
4. redução das taxas de encarceramento;
5. redução das taxas de apreensão da droga,
6. redução do preço da maconha.
7. surgimento de um movimento turístico ligado ao consumo de maconha.
Recomendações do Comitê da Abead sobre Legislação e Políticas Públicas relativas à
maconha
Considerando-se todos os achados apresentados e peculiaridades de nosso país, ressaltando-se que o
Brasil tem grande território e largas fronteiras, grande variabilidade socioeconômica e cultural,
densidade populacional bastante variável, além da fragilidade das políticas de drogas. O Comitê
sugere então as ações a seguir listadas.
- Adiamento da eventual mudança legislativa relativa à maconha para qualquer novo viés,
liberalizante ou restritivo, até que um mais pleno debate se configure como satisfatório para todas as
forças sociais que se dele se ocupam.
- Acompanhamento e divulgação imparcial dos resultados das mudanças legislativas sendo colhidos
em outros países, quer positivos, quer preocupantes.
- Realização de levantamentos (ou estudos epidemiológicos) nacionais sistemáticos e seriados sobre
a prevalência do uso de todas as drogas e dos seus diferentes tipos de usuários;
- Organização de parcerias com organizações internacionais para a realização de levantamentos por
meio de grupos independentes e não sujeitos a pressões locais;
- Revisão prioritária da política brasileira para drogas, visto que a simples mudança da lei não só
não resolve o problema como deverá impactar a população como foi descrito acima, se outras
medidas não puderem ser acionadas de forma concomitante.
- Instrumentação e ampliação do debate, dentro do Poder Público e na sociedade em geral, sobre o
potencial impacto de mudanças legislativas sobre a política para drogas.
- Divulgação permanente da situação brasileira, por meio de programa educativo sobre todos os
capítulos do tema.
- Financiamento permanente de pesquisas para produzir dados sobre as necessidades brasileiras,
principalmente relacionadas ao DALYS (índice da OMS para o impacto de doenças expresso em
número de anos perdidos por adoecimento) e seu custo para a população.
- Criação de um comitê de especialistas nacionais e internacionais para monitorar as pesquisas
brasileiras sobre o tema, os resultados e sua divulgação.
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Para a inicial redução do número de mortes que agora retornou a patamares anteriores à
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