Música asa branca e livro vidas secas Intertextualidade, Antropofagia e Tropicália, Intertextualidade Manuel Bandeira e Millôr Fernandes (Pasárgada), Resenha Sociedade dos Poetas Mortos e carpe diem,
Similaire à Música asa branca e livro vidas secas Intertextualidade, Antropofagia e Tropicália, Intertextualidade Manuel Bandeira e Millôr Fernandes (Pasárgada), Resenha Sociedade dos Poetas Mortos e carpe diem,
Similaire à Música asa branca e livro vidas secas Intertextualidade, Antropofagia e Tropicália, Intertextualidade Manuel Bandeira e Millôr Fernandes (Pasárgada), Resenha Sociedade dos Poetas Mortos e carpe diem, (20)
Música asa branca e livro vidas secas Intertextualidade, Antropofagia e Tropicália, Intertextualidade Manuel Bandeira e Millôr Fernandes (Pasárgada), Resenha Sociedade dos Poetas Mortos e carpe diem,
1. Escola Estadual Professora Beathris Caixeiro Del Cistia
Trabalhos de Língua Portuguesa
Nome: Wesley Germano Otávio Nº 41 Série: 3ºB
2. Música Asa Branca e livro Vidas Secas abordam
o contexto da seca no Nordeste
Ser forte não significa apenas resistir, representa também a sabedoria
de escolher a hora certa para se retirar em um momento de perigo. Muito
conhecida é a seca que castiga o nordestino, fazendo com que esse povo deixe
sua região em busca de condições de sobrevivência. O momento de retirada
dessas pessoas inspira a arte brasileira. Entre elas a canção de Luiz Gonzaga,
''Asa Branca'' e a literatura de Graciliano Ramos, no livro ''Vidas Secas.''
A música foi lançada no ano de 1.947 e o livro em 1.938. Atualmente o
êxodo diminuiu, mas ainda acontece. Como a natureza tem seus caprichos ''O
sertão continuaria a mandar para a cidade homens fortes, brutos como Fabiano,
Sinhá Vitória e os dois meninos. '' A família inteira sai a procura de um abrigo
salvador. Na canção o personagem faz seu percurso sozinho, mas promete
voltar, com o verde da plantação.
Já em ''Vidas secas'', o receio do contato com uma cultura desconhecida
e a tentativa de criar esperanças para vencer o caminho faz os personagens se
dividirem entre a saudade da terra natal e a promessa de nunca mais voltar.
Figuras presentes nas duas obras são os animais que também sofrem
com a estiagem. A ave que dá nome a música Asa Branca partiu em busca de
refúgio. Enquanto em ''Vidas secas'' a cachorra Baleia sofre e sonha com um
osso cheio de tutano. A morte do gado serve como alerta para que os sertanejos
consigam perceber o momento desfavorável.
Tanto na música como na obra literária são apresentadas características
da seca. Em ''Asa branca'' a terra é comparada com a fogueira, quente e
vermelha, a mesma de ''Vidas secas'' , que logo no início apresenta como cenário
uma planície avermelhada. O braseiro e o fornalho dão a dimensão do calor que
Luiz Gonzaga quis retratar e Graciliano Ramos fala de uma manhã, sem
pássaros, sem folhas e sem ventos.
Asa Branca é um baião, que foi composto por Luiz Gonzaga e Humberto
Teixeira. Na voz de Luiz Gonzaga, a música fez e ainda faz sucesso nacional e
internacional. ''Vidas Secas'', de autoria de Graciliano Ramos, fala sobre a seca
3. do nordeste e também da secura nos atos dos personagens, que precisam
dessas atitudes para resistir aos muitos obstáculos, impostos pela natureza.
Antropofagia e Tropicália
Contra a realidade social, vestida e opressora,
cadastrada por Freud – a realidade sem complexos,
sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias
do matriarcado de Pindorama.
Oswald de Andrade – Manifesto antropófago
a alegria é a prova dos nove
e a tristeza é teu porto seguro
minha terra é onde o sol é mais limpo
e mangueira é onde o samba é mais puro
tumbadora na selva selvagem
pindorama – país do futuro
Gilberto Gil & Torquato Neto – Geléia geral
“O Tropicalismo é um neoantropofagismo”: assim definiu Caetano
Veloso, em entrevista concedida a Augusto de Campos , o movimento que
ajudara a fundar e deflagrar.A explosão do Tropicalismo (ou Tropicália), se deu
nos Festivais da Música Brasileira, no fim da década de 60, quando “Alegria,
Alegria”, de Caetano Veloso e “Domingo no Parque” de Gilberto Gil chamaram a
atenção da mídia e do público por trazerem uma proposta inovadora em suas
letras e arranjos, misturando Rock’n’roll, música experimental de vanguarda e
ritmos brasileiros. Pouco depois, seria lançado o LP Tropicália, do qual
participaram Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Torquato Neto, Rogério
Duprat, Os Mutantes, etc.
Neste texto, procuraremos investigar mais afundo esse que é “antes de
tudo um movimento dessacralizador. Irônico e parodístico” (SANTANA, 1977, p.
4. 233), segundo nos diz Afonso Romano de Santana. Observar a importância
deste movimento para a formação da (contra-) cultura brasileira no que se chama
modernismo tardio ou pós-modernismo, e sua poética dessacralizadora que
mescla o popular e o erudito, que incorpora o “canônico” a “cultura de massa”
(ou vice-versa), que deglute os monumentos de cultura das fontes irradiadoras
(seja do colonialismo ou neoimperialismo), carnavaliza-as e descentra sua
influência.
A partir daí, podemos observar as origens imediatas e remotas da
Tropicália, que busca desde a tradição barroca, do já antropófago Gregório de
Matos, retoma as propostas do modernismo de 22, principalmente as lançadas
no “Manifesto Antropofágico” de Oswald de Andrade (“Tupy, or not Tupy...”) e,
dessa forma, se relaciona com outros movimentos de vanguarda de sua época,
como o Cinema Novo e o Cinema Marginal, o Poema-Processo, a Poesia
Marginal, a psicodelia hippie, todos marcados pelo seu aspecto experimental e
iconoclasta, que mescla elementos heteróclitos, de diferentes linguagens e
contextos, para criar uma arte autêntica de caráter híbrido. É importante ressaltar
que tudo isto se deu em plena ditadura militar, e a estética arrojada da Tropicália
era também uma forma de velar uma crítica, dessa forma, o protesto social
adquiria caráter estético, de maneira que forma e conteúdo se uniam em uma
proposta revolucionária que extrapolava para o comportamento: as cores,
roupas e danças, a libertação dos instintos e o caráter muitas vezes andrógino
dos artistas dialogavam em um sistema de signos constituindo uma mensagem
subversiva.
O grupo Secos e Molhados surge pouco depois da deflagração da
Tropicália. Formado por Ney Matogrosso, João Ricardo e Gerson Conrad,
lançaram dois discos, o primeiro em 1973 e o outro em 1974, trazendo ainda as
concepções estéticas do movimento, evidenciadas nas performances e visual
pitorescas e na musicalização de poemas de Fernando Pessoa, Manuel
Bandeira, Oswald de Andrade, Julio Cortázar resinificando estes textos
transpondo-os para outra realidade histórico–social e retomando, ainda, a
proposta de Mallarmé, de [re]junção entre música e poesia.
Dessa forma, o Secos e Molhados talvez refine ainda mais a proposta
tropicalista de transgressão estética e comportamental, trazendo em suas letras
5. críticas veladas através de jogos intertextuais, confirmando em suas canções a
equivalência entre os termos “antropofagia”, de Oswald de Andrade,
“intertextualidade” de Kristeva e “dialogismo” ou “carnavalização” de Bakhtim, e
o poder subversivo que essas práticas textuais assumem por meio da paródia,
quando o dominado assume a força do discurso dominante para denunciar as
próprias instituições de poder, onde o nivelamento da arte dita “elevada” e a arte
“baixa”, popular, é uma forma de provocar e atacar a cultura oficial, elitista e
colonizada, colocando a expressão da margem no centro da discussão e
derrubando as hierarquias. Isto é, antropofagia e carnavalização são meios de
inversão e resistência.
Para melhor ilustrarmos essas afirmações, cabe partirmos para a análise
de uma letra dos Secos e Molhados. Trata-se de “El Rey”, canção composta por
Gerson Conrad e João Ricardo e lançada no disco de 1973:
“Eu vi El Rey andar de quatro
De quatro caras diferentes
De quatrocentas celas
Cheias de gente
“Eu vi El Rey andar de quatro
De quatro patas reluzentes
De quatrocentas mortes...
“Eu vi El Rey andar de quatro
De quatro poses atraentes
De quatrocentas velas
Feitas duendes”
Devemos observar, primeiramente, que o texto é permeado pela relação
entre três ideias: Poder — decadência — resistência. El Rey é o signo do poder.
A forma castelhana nos remete ao poder colonial: opulência, riqueza e
dominação. Entretanto, o primeiro verso da canção diz: “Eu vi El Rey andar de
quatro”. Neste verso entra também o elemento da decadência. O rei de quatro é
a ridicularizarão do grandioso, e, quando no verso seguinte, lemos “quatro caras
diferentes”, observamos que a palavra “cara” traz um sentido diferente de “face”
ou “rosto”, pois, apesar de serem aparentemente sinônimos, a forma utilizada no
6. texto é cotidiana, uma gíria comum em contextos informais e referente ao que é
baixo, sem apresentar qualquer reverência ou respeito, então aqui a palavra
“cara” aparece como índice se dessacralização.
Quatro caras: o poder se apresenta de várias formas, muda as máscaras
(as personas, como no teatro grego), transforma o discurso. Assim como em um
teatro, o poder muda de máscaras, e, assim como em um carnaval, suas
máscaras trazem o brilho da riqueza na forma de extravagância. E, como bem
traduz o barroco, o grandioso e o grotesco — a opulência e a decadência —
andam juntos. O índice do despotismo surge no verso seguinte: “De
quatrocentas celas cheias de gente”. Aqui vemos que o poder se despersonaliza,
muda de máscaras e de discursos, mas, seja o discurso colonial imperialista,
seja o neoliberal pretensamente democrático, vemos as história dos vencedores
marchando sobre os corpos dos vencidos, e a tirania aparece no fim desta
primeira estrofe na forma da supressão da liberdade do outro.
A estrutura da primeira estrofe se repete na seguinte, isto é, o estribilho
inicial, no segundo verso, “patas reluzentes” aparece no lugar de “caras
diferentes”, apresentando, contudo, a mesma estrutura morfológica: caras/patas,
assim como diferentes/reluzentes, apresentam o mesmo número de sílabas, as
silabas tônicas na mesma posição e as mesmas terminações, mantendo a
cadência e a melodia do texto. Além disso, essa correspondência estrutural
anuncia que também será mantida as relações de ideias, pios, “quatro patas
reluzentes” podem referir-se tanto à imagem de uma montaria, símbolo de altivez
cavalheiresca, ou às quatro patas do próprio rei. O reluzente da riqueza vem
novamente associado ao rebaixamento da imagem grotesca do “rei de quatro”.
Cabe aqui enfocarmos a peculiaridade da palavra “morte” dentro do
texto. Como podemos observar, o poema é dividido em três estrofes, duas de
quatro versos, e uma, à qual nos reportamos agora, de três. Porém, na cadência
da música, o lugar do quarto verso da segunda estrofe fica vazio, ou melhor, é
preenchido pelo silêncio. Silêncio expressivo. Os três pontos que seguem a
palavra “morte” corroboram essa ideia. Assim, podemos compreender a morte
como forma maior de violência e coação, a pena capital empreendida pelo poder,
sobre a qual não se faz necessário o uso de nenhum adjetivo: diante da (ameaça
7. de) morte, o coagido deve calar, não por respeito à autoridade, mas por medo
de sua força.
A terceira estrofe traz a mesma estrutura das anteriores: após o
estribilho, surge, no segundo verso, “poses atraentes”, que se relaciona
morfologicamente a “caras diferentes” e “patas reluzentes” reiteram a idéia da
elegância atrativa ligada à imagem de riqueza ostentada pelo rei se relacionando
à extravagância humorística, por meio da imagem caricatural atribuída à
elegância e à riqueza na paródia carnavalizante. E nos dois últimos versos temos
novamente o índice da dominação em “quatrocentas velas”. Num primeiro
momento, o vocábulo “velas” pode ser visto como índice da dominação
colonizadora se associado metonimicamente às caravelas que cruzaram o
oceano subjugando povos. Por outro lado, “velas” pode também ser relacionado
metonimicamente à morte. Visto por essa segunda perspectiva, a palavra
“duentes”, presente no último verso, apresenta-se como uma chave de leitura
por ilustrar como a resistência se integra no texto.
Este ente fantástico, muito comum na mitologia céltica, é um símbolo de
travessuras, de caráter semelhante aos sátiros da mitologia grega. Dessa forma,
o duende é o que satiriza, ironiza, parodia, ridiculariza, ou seja, uma figura
carnavalizante. As quatrocentas velas, quatrocentos mortos — políticos,
culturais, etc. —, os vencidos e marginalizados dos centros de poder, erguem-se
para novamente se opor, utilizando da carnavalização como instrumento de
resistência. A carnavalização, apresentando-se como paródia, isto é, reescritura
e transformação de outro texto, torna-se antropofagia quando o autor imerso em
uma situação desfavorável, ou subdesenvolvida, como diz Antonio Candido, isto
é, na situação de dominado, assume o texto do outro, do dominador, e o
transforma. Dessa forma, como diz Robert Stam:
O artista não pode ignorar a presença da arte estrangeira; tem de engoli -
la, carnavalizá-la e fazer uma reciclagem para objetivos nacionais.
‘Antropofagia’, nesse sentido, é um outro nome para o que Kristeva, traduzindo
Bakhtin, chamou de ‘intertextualidade’ e que o próprio Bakhtin chama de
‘dialogismo’ e carnavalização. (STAM, 1992, p. 49)
Nesse sentido, a carnavalização como resistência apresenta-se no plano
estético e textual assim como no plano social:
8. [O carnaval é] uma celebração coletiva que funciona como um modo de
resistência simbólica, da parte da maioria marginalizada dos brasileiros, às
hegemonias internas de classe, raça e gênero. Para Da Matta, o carnaval é o
lócus privilegiado da inversão. Todos os que foram socialmente marginalizados
invadem o centro simbólico da cidade (Idem, Ibidem, p. 50.)
E, mais adiante, afirma que “A lógica do carnaval é a do mundo de
pernas para o ar, onde se zomba dos poderosos e onde reis são entronizados e
depostos” (Idem, Ibidem. p. 52)
A carnavalização é a principal forma de subversão do oprimido contra o
discurso oficial do dominador e é amplamente utilizada pela Tropicália e, mais
especificamente, pelos Secos e Molhados.
Nesse ponto, cabe ainda ressaltar o diálogo do texto com a tradição
literária colonial, marcadamente o Barroco. Esse diálogo é já evidente na
linguagem medievalista do texto, mas pode ser aprofundado observando-se
algumas características barrocas dentro do poema em análise. Uma delas é o
exagero das imagens. Tal característica é evidenciada não só nas imagens
exóticas e grotescas, mas também com a utilização do conceptismo, recurso que
cria um jogo verbal, o qual se estende a um jogo de idéias antitéticas. Assim, os
números quatro e quatrocentos se referem ao exagero do poder: o quatro a
riqueza que atrai, o quatrocentos a tirania que oprime. E, desse jogo de idéias
antitéticas que desvela a decadência daquilo que é grandioso através da ironia
e da paródia, resulta a resistência. Gregório de Matos é um baluarte dessa
prática, com suas elaboradas sátiras ao governo colonial antecipou a
Antropofagia oswaldiana, quando parafraseou o poema “Triste Tejo” do
português Francisco Rodrigues Lobo em seu ácido “Triste Bahia”.
Dessa forma, nota-se também, o aspecto metalinguístico de “El Rey,
pois evidencia a atitude do artista Latino Americano, que, ao tomar consciência
de seu subdesenvolvimento, não se isola da cultura dominante, símbolo do poder
colonial outrora, e neo colonial atualmente, e sim devora-a, parodia e
dessacraliza, impondo sua resistência.
9. Intertextualidade Manuel Bandeira e Millôr
Fernandes (Pasárgada)
Vou-me embora de Pasárgada
Sou inimigo do rei
Não tenho nada que quero
Não tenho e nunca terei
Vou-me embora de Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
A existência é tão dura
As elites tão senis
Que Joana, a louca da Espanha
Ainda é mais coerente
Do que os donos do país.
(Millôr Fernandes. Folha de S. Paulo,
março/2001)
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive.
(Manuel Bandeira. “Bandeira a Vida Inteira”.
Editora Alumbramento – Rio
de Janeiro, 1986, pág. 90)
Pasárgada, poesia de Manuel Bandeira (que é um poema conhecido,
consagrado, um cânone) e uma releitura do mesmo poema realizada por Millôr
Fernandes. Manuel Bandeira é da Primeira Geração Modernista e sua
característica é uma linguagem renovada ao falar do cotidiano. As lentes líricas
de Manuel Bandeira transformam cenas banais do dia-dia em poesia "é o olhar
terno para o cotidiano". Segundo o próprio autor, o poema "veio" na sua primeira
vez, na adolescência quando traduzia textos em latim e nestes textos Ciro estava
construindo uma casa de veraneio e o nome era Pasárgada, que significa campo
dos persas. Então sua imaginação começou a tentar criar este lugar, como seria
Pasárgada. Mas foi na vida adulta, cansado da vida, vindo do trabalho que o
autor falou: "Vou-me embora pra Pasárgada!" e o poema veio inteiro. A
Pasárgada de Manuel Bandeira é uma cidade imaginária que o eu- poético
idealiza como um lugar perfeito e onde tudo pode ser realizado. A voz que fala
está desapontada, sem esperanças e cansada da sua realidade e usa a fuga
para o seu imaginário onde fica uma cidade em que todos os seus desejos serão
realizados. Em Pasárgada o eu poético é amigo do rei, a autoridade maior do
10. lugar e consequentemente tudo que quiser ou que desejar estará ao seu dispor,
pois no verso "Aqui eu não sou feliz" fala claramente que no mundo real é infeliz.
A ausência de leis ou regras a cumprir, a liberdade sexual para ter a mulher que
quiser e "um processo seguro contra concepção" refletem o desejo de realizar
coisas que no seu "mundo" real não são possíveis. Bem como o uso de drogas
"à vontade", é mais um desejo que só em Pasárgada pode ser realizado. E ainda
há a referência dos contraceptivos que funcionam e portanto não há motivos
para preocupação com gravidez indesejada em Pasárgada. Outro fato
interessante é o fato do eu poético tratar de forma idílica as prostitutas no verso
"pra gente namorar", termo só usado para as "moças de família", é como se
fosse uma forma de respeito também. Tudo é tão subversivo em Pasárgada, que
o parentesco também "quebra sua ordem" e Joana a Louca da Espanha é a
contraparente da nora que ele nunca teve! A rainha espanhola Joana, era uma
mulher a frente de seu tempo, inteligente, ousada, que não se conformava em
ficar sem fazer nada, queria governar, realizar coisas...E ainda amava seu
marido, o rei Felipe "O Belo", e demonstrava isso em uma época de casamentos
arranjados para juntar fortunas, não era comum e até "loucura" demonstrar amor.
Outra "imagem" existente no poema é a infância do autor que foi privado da
liberdade das brincadeiras infantis e em Pasárgada ele realiza o sonho de tomar
banho de rio, banho de mar, subir em pau-de-sebo, montar à cavalo e ouvir as
histórias de Rosa, sua babá, que é homenageada no poema. E quando estiver
triste, com vontade de se "matar", há a fuga para Pasárgada, lá tudo é possível,
lá "sou amigo do rei". A Pasárgada de Millôr Fernandes é o retrato do desencanto
com a situação política e econômica brasileira, pode-se afirmar que o autor fala
do Brasil devido a semelhança dos fatos narrados com os problemas do nosso
país. No primeiro verso do poema, que também é o título, em vez do eu poético
ir para Pasárgada, seu desejo é de ir embora de Pasárgada. E então se inicia o
poema com a crítica social a esta cidade imaginária que é a representação do
pessimismo diante da realidade da vida. Após o primeiro verso, que é a repetição
do título do poema, o eu lírico afirma que é inimigo do rei, informação contrária
ao poema de Manuel Bandeira. E ser inimigo do rei significa também não aprovar
as atitudes desta pessoa, no caso, pode-se entender que a referência é feita ao
presidente do país, que é a nossa autoridade máxima. Nos versos seguintes em
que o eu poético afirma que a existência é dura, as elites são senis e que não
11. tem e nem nunca terá nada do que deseja, podemos confirmar o seu sentimento
de revolta e pessimismo diante da situação caótica de Pasárgada. No verso
"Aqui não sou feliz" que é o mesmo verso de Manuel Bandeira em Pasárgada,
mas há a diferença de sentido atribuído que para um significa a realidade com a
perspectiva de ser feliz em Pasárgada e para o outro o eu poético é a realidade
do seu sentimento e sem ter nenhuma opção de fuga para a felicidade. A rainha
espanhola Joana, no verso de Millôr Fernandes, mesmo com toda sua "loucura"
é mais "coerente do que os donos do país". O contexto social brasileiro é
denunciado no poema ao se referir, também, na forma como a polícia age
"baixando o pau", ou seja, com violência, o exercício que o trabalhador tem
tempo para fazer é nos velhos trens, lotados, a caminho e na volta do trabalho.
A voz que fala está angustiada que fala está cansada do país em que tudo a
revolta, sem esperança, que já comprou ida sem volta e diz "Aqui não quero
ficar", não tem nada, nem mesmo a recordação. Está muito claro seu sentimento
e o que quer dizer, não há metáforas ou outro meio de disfarçar o que quer
transmitir, o poema é muito objetivo. E a outra crítica social que há no texto
poético é sobre a alta taxa de natalidade, a falta de planejamento familiar que é
uma das causas do aumento desordenado da população. O Estado não
consegue alimentar, abrigar e educar tanta gente. E é nos versos "Nem a fome
e doença, Impedem a concepção" que estes fatos podem ser relacionados. E
ainda fazendo uma comparação entre o poema e a realidade brasileira e até
mundial, o telefone não telefona: como está sendo o serviço prestado pelas
operadoras de telefone fixo e móvel?
Não é atual esse tema? E preços altos, linhas cruzadas, clonadas, fora
de área...
No verso "A droga é falsificada" é também um fato contemporâneo que
se confirmava imprensa escrita, televisiva e outras fontes que atualmente
falsifica-se inclusive drogas, que são misturadas com produtos químicos para
render, não há mais droga pura.
Em se falando de prostitutas aidéticas é outro retrato atual.
A expansão do vírus da AIDS, que embora não tenha mais tanta vez na
mídia, está aí e é preocupante. E mesmo assim, a "geração do ficar" não parece
preocupada com isso.
12. Finalizando, a tentativa de interpretar um poema claro como este,
percebemos as características contemporâneas no texto de Millôr Fernandes,
com a presença da crítica social e humor sarcástico para denunciar os problemas
sociais e políticos que presenciamos nessa época de mensalão, juízes presos,
memórias de Bruna Surfistinha, cracolândia, chacinas...
O autor está ou não está falando da realidade?
Resenha Sociedade dos Poetas Mortos
O filme sociedade dos poetas mortos, dirigido por Peter Weir é um drama
vivido na Academia Welton no ano 1959, nos Estados Unidos. Uma escola
tradicional de segundo grau, que aplica um ensino rígido como na academia
militar e adota uma concepção didática racionalizada com prospecção para
formação superior.
No início do filme, uma solenidade de abertura do ano letivo, onde os
alunos adentram o auditório com trajes formais exibindo os brasões, a farda e o
comportamento sisudo exigido pela escola. Na plateia, os pais e funcionários
acompanham o hino exaltando a herança histórica e os legados da colonização.
O discurso formal do diretor Nolan(Norman Lioyd), enfatizando os cem anos da
escola e o orgulho estribado nos quatro pilares, que ainda garantiam o sucesso
daquela instituição: Tradição; Honra; Disciplina; Excelência. A menção desses
princípios empolga muito os pais de alunos no auditório, pois sabem que ali as
chances são bem maiores de seus filhos ingressarem em curso superior e a
garantia de um futuro promissor.
A apresentação do novo professor John Keating (Robin Willins) que já
fora aluno dessa escola.
Na sua primeira aula, o professor Keating inicia a leitura com uma frase
de um poema de Walt Whitman a respeito de Abraham Lincoln: “Meu Capitão,
Meu Capitão”, o que se pode entender teria chamado assim também seu mestre
que o inspirou. Pede aos alunos que leiam o primeiro verso do poema “Às virgens
para aproveitar o tempo” da página 542 do livro de hinos:
13. “Pegue seus botões de rosas enquanto podem...”. O professor explica
que o termo em latim para esse termo é Carpe Diem - Aproveite o dia. Viver cada
dia intensamente como se fosse o último.
Na aula seguinte, solicita a leitura da introdução do livro: “Entendendo a
Poesia”. O texto diz que a poesia pode ser demonstrada com gráfico matemático,
não parece ser aplicação da interdisciplinaridade, mas apenas um método
antiquado de olhar a poesia. Keating pede que arranquem essa e outras páginas
semelhantes. Diz ele: “Poesia é para ser vivida e não calculada”. Que não
pensem como são mandados, mas pensem por si mesmos. Com certa
dificuldade consegue convencê-los. O professor sobe na mesa, pede aos alunos
que subam também e vejam de forma diferente. Ver de outro ângulo, por si
mesmos e não apenas como são induzidos.
O professor Keating é do tipo que entra na sala assoviando; Descontrai
os alunos; Leva-os para aulas ao ar livre; Pede que façam poesias espontâneas;
Incute neles o desejo de viver cada momento intensamente. Adota um estilo
divergente da escola tradicional. Leva os alunos a uma nova forma de ver as
coisas.
Os alunos começam a tomar gosto pela literatura e a perceberem a
sensação de viver a poesia. Sentem o ambiente, que aliás é propício para aulas
ao ar livre. O ambiente evoca a tradição inglesa: Árvores altas, extensos jardins,
a exuberância da natureza, espaços bem definidos. Os alunos se sentem à
vontade com o professor Keating, deixam fluir suas inspirações. As aulas
começam a produzir efeitos.
Neil Perry (Robert Sean) um dos alunos, descobre o anuário do
professor Keating e o questiona sobre o que seria a Sociedade dos Poetas
Mortos, da qual ele fazia parte. O professor hesita, mas fala dos hábitos e do
local secreto onde costumavam se reunir para ler poesia. Isso foi o bastante para
aguçar a curiosidade no grupo, que nas horas de folga com facilidade
conseguiam chegar até a caverna onde principiaram suas primeiras leituras
ainda tímidas.Tomaram gosto e as idas até lá viraram o hobby preferido deles,
às vezes até as garotas também participavam.
Essa nova sensação despertou em Neil o gosto pela dramatização e
resolveu se inscrever para uma peça de teatro, onde concorreu e conseguiu o
14. papel principal. Empolgado contou aos colegas, mas não conseguiu o apoio do
pai. Ficou muito triste. Pediu a opinião do professor Keating, que o aconselhou
a ser aberto com seu pai. Neil não tem liberdade para se expressar. Seu pai, é
um linha dura, que não abre mão dos seus princípios e lhe nega o
consentimento. Neil forja uma autorização da escola com assinatura falsa do
diretor. Saiu-se bem na peça. Festejou o sucesso da apresentação. Recebeu os
aplausos do auditório. O abraço dos colegas e amigos, mas teve de suportar a
dura chamada do pai. A gota d’água para sua decepção com relação à futura
carreira. Desanimou totalmente. Desistiu de viver. A arma do próprio pai foi seu
carrasco. Aquela noite de glória foi também de caos. Entrou definitivamente para
a sociedade dos poetas mortos, mas de forma trágica. O tão entusiasmado Neil,
agora deixa tristeza na família, na escola, nos colegas e amigos. É a notícia do
momento. Assunto dos corredores. A escola não iria perder sua reputação. O
diretor tem de punir alguém. Não poderia ser outro: O professor Keating, seria
demitido. Convoca os alunos do professor Keating e interroga-os, quer saber
quem faz parte da sociedade. Terão de renunciar e assinar o termo de
responsabilidade. Os pais estão presentes e certificam-se de que tal professor
não lecionará mais ali. Os jovens não têm escolha. Grande é a sua dor em ter
de separar-se do professor. As aulas voltarão a ser com antes dele. O diretor
assume a sala. Todos terão de pagar as matérias atrasadas. Rever o assunto
antes refutado.
O professor Keating entra na sala para pegar suas coisas no armário.
Será o último encontro com aqueles alunos. Ao sair, mesmo sem se despedir,
Anderson um dos alunos, com uma atitude inusitada, sobe na carteira, e
exclama: Meu capitão! Esse era o apelido carinhoso que lhe deram. Os outros
imitam. O diretor que está lecionando perde o domínio da sala. O professor
keating agradece, pois sabe, mesmo não podendo mais continuar ali, leva a
certeza de que algo ficou marcado naqueles garotos.
A conclusão desse episódio é que o filme Sociedade dos Poetas Mortos
mostra uma crítica à educação tradicional, onde o aprendizado acontece de
forma mecânica: O professor fala, o aluno ouve. O discente não inclui suas
experiências do dia-a-dia no processo de aprendizagem. O professor Keating
rompe com o tradicional e mostra um novo ideal pedagógico no qual a relação
15. entre professor e aluno deve ter uma vivência democrática e interativa de forma
espontânea, permitindo ao aluno poder extrair o melhor de si.
Carpem Die Sociedade dos Poetas Mortos
“Mas se você escutar bem de perto, você pode ouvi-los sussurrar o seu
legado. Vá em frente, abaixe-se. Escute, está ouvindo? - Carpe - ouve? - Carpe,
carpe diem, colham o dia garotos, tornem extraordinárias as suas vidas."
Nesta cena do filme o Prof. Keating está em frente a uma galeria de fotos
de ex-alunos que formaram na tradicional escola Welton, ele pede para que os
alunos se aproximem da galeria para ouvirem o espirito de seus predecessores
a dizer: "carpe diem"1.
1 Carpe diem é uma expressão em latim que significa "aproveite o dia". Essa é a tradução literal, e não
significa aproveitar um dia específico, mas tem o sentido de aproveitar ao máximo o agora, apreciar o
presente.
16. Intertextualidade Triste Bahia! Ó quão dessemelhante (Gregório de
Matos) e Triste Bahia (Caetano Veloso)
Triste Bahia
Caetano Veloso
*A primeira estrofe da música é parte do
poema homônimo de Gregório de
Mattos
Triste Bahia, oh, quão dessemelhante
estás
E estou do nosso antigo estado
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado
Rico te vejo eu, já tu a mim abundante
Triste Bahia, oh, quão dessemelhante
A ti tocou-te a máquina mercante
Quem tua larga barra tem entrado
A mim vem me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante
Triste, oh, quão dessemelhante, triste...
Pastinha já foi à África
Pastinha já foi à África
Pra mostrar capoeira do Brasil
Eu já vivo tão cansado
De viver aqui na Terra
Minha mãe, eu vou pra lua
Eu mais a minha mulher
Vamos fazer um ranchinho
Tudo feito de sapê, minha mãe eu vou
pra lua
E seja o que Deus quiser
Triste, oh, quão dessemelhante
Ê, ô, galo canta
O galo cantou, camará
Ê, cocorocô, ô cocorocô, camará
Ê, vamo-nos embora, ê vamo-nos
embora camará
Ê, pelo mundo afora, ê pelo mundo afora
camará
Ê, triste Bahia, ê triste Bahia, camará
Bandeira branca enfiada em pau forte
Afoxé leî, leî, leô
Bandeira branca, bandeira branca
enfiada em pau forte
O vapor da cachoeira não navega mais
no mar
Triste recôncavo, oh, quão
dessemelhante
Maria pegue o mato é hora, arriba a saia
e vamo-nos embora
Pé dentro, pé fora, quem tiver pé
pequeno vai embora
Oh, virgem mãe puríssima
Bandeira branca enfiada em pau forte
Trago no peito a estrela do norte
Bandeira branca enfiada em pau forte
17. Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Gregório de Matos
Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
No soneto, Gregório de Matos lamenta o estado de sua cidade, outrora
rica, agora pobre. Há a personificação da cidade, por o eu-lírico se identificar
com sua condição/a ti trocou-te e a mim foi me trocando. A condição de miséria
da cidade se deve ao fato de ela se dar ao estrangeiro/brichote. O desfecho do
poema possui teor moralizante, já que o poeta propõe como saída o retorno da
cidade á condição de humildade, desejando – por Deus! – vê-la em simples
capote de algodão, desprovida da sedutora seda.
Gravado integralmente em Londres, em1972, Transa é o terceiro
trabalho solo de Caetano Veloso. Marcante pela mistura de ritmos e de
referências culturais e literárias, o disco traz em Triste Bahia uma analogia do
compositor com o Boca do Inferno – ambos perseguidos. Na letra, Caetano
Veloso destaca aspectos culturais – Mestre Pastinha, responsável pela difusão
da capoeira na África e perseguido pelos militares - musicais e literárias – para
lamentar a perda da identidade de sua terra.
A música inicia com alguns versos de Triste Bahia (Gregório de Mattos).
Apesar da grande diferença de épocas entre Gregório e Caetano, ambos criticam
a Bahia com o mesmo poema: Gregório num cenário econômico, quando itens
de necessidade eram trocados por especiarias europeias e Caetano no cenário
político da Ditadura Militar.
Máquina mercante na música de Caetano refere-se à Ditadura.
A partir do trecho "Pastinha já foi à África", Caetano adiciona seus
próprios versos à música.
18. Durante a Ditadura Militar, a capoeira foi marginalizada e perseguida.
Caetano faz uma citação ao mestre Pastinha, capoeirista que visitou a África
para mostrar a capoeira brasileira. Caetano faz um jogo com o acontecimento e
a época dizendo que Pastinha preferiu ir à África à ficar no Brasil.
Caetano sempre cita uma fuga da Ditadura, como quando diz querer ir
morar na lua e "Vamo-nos embora pelo mundo afora, camará. Triste Bahia
camará" ou "Maria pegue o mato é hora, Arriba a saia e vamo-nos embora". E
"Bandeira branca enfiada em pau forte" significa um pedido de paz, de fim da
Ditadura Militar.
Da poesia barroca, identifica-se o hipérbato, ou seja, a troca da ordem
direta dos termos da oração, a antítese, que consiste na exposição de ideias
opostas e a obsessão pela linguagem culta, característica barroca.
Sermão de Santo Antônio aos Peixes
Resumo
O sermão foi proferido em São Luís do Maranhão em 13 de junho de
1654, dia de Santo Antônio e três dias antes da partida de Vieira para Portugal,
onde pretendia interceder em favor dos índios diante das autoridades
portuguesas. O sermão é construído em forma de alegoria, dirige-se aos peixes
mas, na verdade, fala aos homens.
O texto está dividido em seis partes. A primeira delas é o exórdio, ou
introdução, na qual faz o chamamento "Vós sois o sal da terra". Os pregadores
são o sal da terra, cabendo ao sal impedir a corrupção. Mas na terra não lhes
dão ouvidos, por isso voltam-se para o mar, onde estão os peixes. Há também
a invocação da Virgem Maria.
Nas partes II a V temos o desenvolvimento do sermão. Antônio Vieira
exalta as qualidades dos peixes, como a obediência, e repreende os vícios, como
a soberba e o oportunismo. Deve-se destacar aí a citação de diversos tipos de
peixes. As virtudes são descritas nos peixes de Tobias, Rémora, Torpedo e
Quatro-Olhos. Já os defeitos estão nos seguintes peixes: Roncadores,
Pegadores, Voadores e no Polvo. O principal defeito apontado é a voracidade,
19. já que os peixes devoram uns aos outros, e, pior ainda, os maiores devoram os
menores.
A última parte é a peroração, ou conclusão, na qual Vieira exalta os
peixes que, por sua natureza, não podem ser sacrificados vivos a Deus e
sacrificam-se então, em respeito e reverência. Confessando-se pecador, o
orador se despede com uma oração de louvor a Deus.
Contexto
Sobre o autor
Antônio Vieira é o maior representante da prosa barroca no Brasil e o
maior orador sacro do Brasil-Colônia. Nascido em Portugal, veio para o Brasil
ainda criança e estudou no Colégio dos Jesuítas, em Salvador.
Importância do livro
Os sermões do Padre Vieira são o melhor exemplo do Barroco
Conceptista no Brasil. São textos que usam a retórica, com jogos de ideias e
palavras, para convencer os leitores (no caso, os assistentes) pelo raciocínio,
mais que pela emoção. No Sermão de Santo Antônio aos Peixes, além de exaltar
a necessidade da pregação, Vieira usa a alegoria dos peixes para criticar a
exploração do homem pelo homem e, mais especificamente, para condenar a
escravidão indígena.
Período histórico
Na época em que o sermão foi escrito, 1654, Padre Antônio Vieira lutava
contra a escravidão indígena e contra a exploração portuguesa. Logo depois do
sermão, o Padre foi para Portugal interceder pelos índios.
Análise
No Sermão de Santo Antônio aos Peixes, Vieira junta sua devoção ao
santo à preocupação que o levaria, dias depois da pregação, a fugir
secretamente para Portugal: a questão da escravidão e dos maus tratos contra
20. os indígenas. A alegoria e a ironia são a chave de um discurso argumentativo
que quer levar o ouvinte à reflexão. Ao mesmo tempo, a saudação inicial “Vós
sois o sal da terra” é um chamamento à participação ativa na sociedade.
A discussão sobre as virtudes e os vícios humanos passa
necessariamente por uma preocupação social. A ideia de que peixes maiores
comem os peixes menores, ou seja, que a grandeza de cada um na sociedade
tem valor relativo, surge espantosamente à frente do seu tempo. Em plena era
mercantil, o texto de Vieira, por meio da alegoria, desvenda para os colonos do
Maranhão a realidade da competição proto-capitalista: são peixes grandes na
colônia, pois escravizam os nativos, que consideram inferiores, porém, uma vez
na metrópole, serviriam de alimento para outros peixes maiores, contra os quais
não teriam defesa.
Portanto, o texto de Vieira, datado do século XVII, traz para nós uma
inquietante contemporaneidade, pois seus temas principais são a ganância
humana e a corrupção da sociedade, assuntos mais do que presentes em nosso
cotidiano. Por meio de sua linguagem finamente elaborada, Vieira nos faz refletir
sobre os desafios da sociedade de seu tempo, nos ajudando também a pensar
sobre a nossa realidade.
Morte e Vida Severina
RESUMO
Na abertura da peça, o retirante Severino se apresenta à plateia e se
dispõe a narrar sua trajetória. Sai do sertão nordestino em direção ao litoral, em
busca da vida que escasseava em sua terra. Ao longo do caminho, mantém uma
série de encontros com tipos nordestinos. Logo de saída encontra os irmãos das
almas, lavradores encarregados de conduzir a um cemitério distante o corpo de
um colega, assassinado a mando de latifundiários. Aos poucos, assiste à seca
do rio Capiberibe, que Severino segue em sua viagem ao litoral. Passa por um
lugarejo e ouve uma cantoria vinda de uma casa. Trata-se do canto de
excelências, isto é, fúnebre, em honra a outro Severino morto.
Com a morte definitiva do rio, Severino pensa em desistir de sua viagem,
mas acaba por optar pelo prosseguimento. Assim, planeja instalar-se naquele
21. mesmo lugar. Conversando com uma moradora, percebe que nenhuma das
atividades que poderia desempenhar – agricultura e pecuária – encontraria
espaço ali, mas apenas aquelas ligadas à morte, como rezadeira e coveiro.
Severino continua sua jornada e passa pela Zona da Mata, região de
relativa prosperidade no interior do sertão. Encanta-se com a natureza
verdejante do lugar, mas percebe ainda a presença da morte ao testemunhar o
funeral de um lavrador que se realiza no cemitério local. Abandona o
pensamento inicial de encerrar ali a busca que mantinha pela vida e continua
sua viagem.
Por fim, chega ao Recife, onde resolve descansar ao pé de um muro.
Trata-se de um cemitério, e Severino escuta então o diálogo entre dois coveiros.
Os trabalhadores conversam sobre o trabalho que lhes dão os retirantes que
saem de suas casas sertanejas para morrer ali, fazendo-o ademais no seco e
não no rio – o que lhes daria menos serviço e mais sossego. Diante desse novo
encontro com a morte, Severino resolve entregar-se a ela e se matar, atirando-se
em um dos rios que cortam a cidade.
Ao se aproximar do rio, inicia um diálogo com José, mestre carpina
(carpinteiro), morador ribeirinho. Pergunta-lhe se aquele ponto do rio era propício
ao suicídio. O mestre responde positivamente, mas tenta convencer o retirante
a não se atirar. Severino pede então que lhe dê uma única razão para não fazê-lo.
A resposta do mestre é interrompida pelo anúncio do nascimento de seu
filho. José o celebra com vizinhos e conhecidos, recebe os presentes pobres que
lhe trazem, ouve as previsões pessimistas de duas ciganas a respeito do futuro
da criança e, por fim, recordando-se da pergunta de Severino, dispõe-se a
respondê-la. Afirma então que ele, José, não tem a resposta para a questão de
saber se a vida vale ou não a pena, mas que o nascimento de seu filho funciona
como resposta, representando a reafirmação da vida diante da morte.
CONTEXTO
Sobre o autor
João Cabral é o maior poeta da terceira fase modernista. Mais do que
isso: forma, ao lado de Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira o trio
de poetas mais importantes da nossa história. É o poeta da pesquisa formal, da
22. exatidão, da linguagem enxuta cuja matriz está, reconhecidamente, em
Graciliano Ramos.
Importância do livro
Em Morte e Vida Severina, sem abrir mão do rigor imagético e da síntese
expressiva, João Cabral alcança uma comunicabilidade maior, talvez em função
do fato de ter sido desafiado a escrever uma peça de teatro – destinada,
portanto, a um público mais amplo do que aquele que sua poesia poderia
alcançar. A abordagem do drama da seca é feita de tal forma a dialogar com o
romance Vidas Secas, de Graciliano Ramos, do qual funciona quase como
continuação.
Período histórico
Os anos 1950 se caracterizam na história brasileira pelo
desenvolvimentismo do governo de Juscelino Kubitscheck. Trata-se de um
período de grande entusiasmo cultural e intelectual, que atinge o campo da
literatura em autores como Guimarães Rosa e Clarice Lispector, além do próprio
João Cabral.
ANÁLISE
João Cabral classificou sua peça de auto de natal pernambucano,
levando em conta tanto a forma popular dos versos curtos, comuns nos autos
medievais, quanto a circunstância de tratar de um nascimento (natal) e de
ambientar-se no sertão pernambucano. O título promove uma proposital
inversão entre vida e morte, colocando esta em primeiro lugar. Essa troca da
ordem natural indica os encontros com a morte e a vitória da vida, no final.
LEMBRETE
Morte e Vida Severina é uma peça de teatro em versos. O autor resgata
uma forma popular – os versos curtos – para tratar de um assunto que atingia
particularmente o povo nordestino: a seca.
Além disso, o nome próprio Severina é usado como adjetivo no título,
sugerindo uma ampliação de sentido que é confirmada logo nas primeiras
palavras do retirante, que, ao tentar se apresentar, evidencia que sua situação
particular é, na verdade, uma metonímia do que ocorre com outros sertanejos,
igualmente vítimas da seca.
Em seu caminho em direção ao litoral, Severino alterna diálogos e
monólogos. Os primeiros representam os encontros sucessivos com figuras
23. simbólicas da morte – irmãos de almas, carpideiras, rezadeiras, funeral –,
inseridas no fundo social da peça, que é a disputa pela terra. Já os monólogos
mostram as reflexões do retirante, que tenta redefinir seus rumos depois de cada
diálogo.
Os pontos culminantes da trajetória fatalista do retirante são a morte do
rio cujo percurso ele acompanha até o litoral – representação de um meio que
se rende à morte como o morador instalado nele – e o paradoxo do contato com
ofícios que demonstram vitalidade justamente porque associados à morte –
rezadeira, coveiro, farmacêutico etc.
A chegada à cidade é a desilusão final do retirante. O diálogo travado
entre os coveiros funciona como sua sentença de rendição à morte, ato máximo
de seu desespero. Por outro lado, o nascimento de uma criança instala a
contradição entre a opção de saltar fora da vida, desistindo dela e a alternativa
de agarrar-se à existência e resistir à morte opressora. Nesse sentido, a
simbologia da criança – para além de figurar o nascimento de Cristo, em sua
condição de filho de carpinteiro – abarca a ideia da purificação, da limpeza de
toda a podridão associada à morte.
A peça não resolve a contradição, já que sua última fala é a do carpina
propondo a vida a Severino, sem que se saiba a opção feita por este. No entanto,
o título da peça, que propõe o encontro final com a vida, parece sugerir a vitória
da resistência e da insistência na esperança.
O que é uma vida severina?
'Vida severina' é uma vida dura, de labuta, dissabores, coragem, força e
fé.
O que é morte severina?
A história começa com um homem chamado Severino que, ao percorrer
todo o sertão, em busca de trabalho só se depara com funerais de pessoas que
morreram de fome, caracterizando a "morte severina", pois eram todos iguais,
tanto na vida, como na morte, morrem sempre da mesma causa: a fome,
provocada pela falta de recursos em decorrência da seca. Uma passagem do
24. livro que exemplifica bem a morte severino é quando o personagem Severino
diz:
Somos muitos Severinos
iguais em tudo na vida:
na mesma cabeça grande
que a custo é que se equilibra,
no mesmo ventre crescido
sobre as mesmas pernas finas
e iguais também porque o sangue,
que usamos tem pouca tinta.
E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia
(de fraqueza e de doença
é que a morte severina
ataca em qualquer idade,
e até gente não nascida).
O que ser severino?
Severino é uma metáfora para nordestino, que na maioria das vezes sai
do sertão acreditando que no Recife, ou outras cidades nas quais a seca é mais
branda, a vida pode ser melhor, mas em todo percurso ele vai percebendo que
a vida Severina, independe do lugar, ou das condições climáticas.
Se a vida dos severinos é tão sofrida, com tantas dificuldades
deve continuar sendo vivida?
José, não tem a resposta para a questão de saber se a vida vale ou não
a pena, mas que o nascimento de seu filho funciona como resposta,
representando a reafirmação da vida diante da morte.
25. Resenha Filme "Xica da Silva" 1976
O filme Xica da Silva (1976) foi dirigido por Cacá Diegues, grande
cineasta brasileiro. Formou-se em Direito na Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-RJ), mas seu amor pelo cinema falou mais alto. Dirigiu
filmes como Ganga Zumba (1964), Bye Bye Brasil (1979) e Deus é Brasileiro
(2003). Venceu inúmeros prêmios em variados festivais pelo mundo, como o
Festival de Londres e de Cartagena.
Xica da Silva é um filme de comédia baseado no livro homônimo de João
Felício dos Santos. Narra a estória da escrava Francisca da Silva, mais
conhecida como Xica, que se envolve com o contratador português João
Fernandes, e causa grande alvoroço na cidade e até em Portugal.
Xica da Silva é uma esperta escrava que serve ao Sargento-Mor e a seu
filho, José, um rapaz rebelde que sonha com o fim da exploração. O maior desejo
de Xica é ter a liberdade e ser tratada como “gente”, mas nunca é levada a sério,
e sempre é vista como objeto sexual.
Chega à cidade o Contratador João Fernandes de Oliveira, enviado pela
Coroa para liderar a busca por diamantes. É tratado como um rei pela população
e pelo interesseiro Intendente. Xica é outra que se interessa por ele, e consegue
chamar sua atenção usando seu exotismo e sensualidade. Logo, vira amante de
João Fernandes e tem todos os seus desejos realizados, até os mais
extravagantes, sentindo-se uma rainha. A relação entre escrava e comendador
é vista por maus olhos entre a “elite” da cidade, que acha uma grande burrice
um homem rico e prestigiado gastar fortunas com uma escrava.
Como passo final para sentir-se tratada como “gente”, Xica consegue
sua carta de alforria, mas ao tentar entrar na igreja, é barrada por conta de sua
cor da pele, o que a deixa furiosa. João Fernandes lhe dá um palácio e um navio
para ratificar que ela é uma rainha, e tais atitudes são denunciadas ao rei de
Portugal.
O rei de Portugal envia o Conde de Valadares para inspecionar o
trabalho do Contratador. Sua chegada causa medo em João Fernandes, que
teme ter que voltar a Portugal, e por isso, enche o Conde de presentes como
26. meio de “amansá-lo”. Logo, Xica percebe que presentear Valadares não está
funcionando e tenta criar um exército, com ajuda de Teodoro, um garimpeiro
ilegal, mas ele acaba sendo pego por Valadares e seus capangas. Como última
cartada, a dama do contratador oferece um banquete africano ao Conde, que
fica furioso. João Fernandes é obrigado a voltar a Portugal, deixando sua amante
na colônia. Xica vê seu prestígio e poder se diluir com a partida forçada de seu
companheiro. Volta a ser anônima.
O filme de Cacá Diegues é comédia de forte apelo popularesco com
personagens estereotipados e até exagerados. Na primeira cena, um dos
personagens diz ao Contratador “Somos artistas e não nos metemos com
política”. Tal fala parece ser um recado para a censura militar da época com o
intuito de frisar que o filme ali produzido não tocará no assunto política. Mas,
claro que Diegues não deixaria de fazer sua crítica, para tanto, usa o
personagem José, interpretado por Stepan Nercessian, um jovem que é contra
a exploração vivida pela colônia. Em um momento, diz “O povo gosta de quem
os explora”. José é da era colonial, mas suas ideias são atuais. Ele, como
muitos, lutam contra a exploração do sistema.
Zezé Motta foi feliz em sua interpretação como Xica da Silva, que, no
filme, veio buscando sua liberdade e reconhecimento. Xica viu em João
Fernandes o meio mais rápido de atingir seus objetivos. Ela queria ser
reconhecida como um branco era reconhecido na sociedade, para isso, passou
a se vestir, comer e frequentar os mesmos lugares que os brancos, mas não
importava o que ela fizesse, sua cor de pele sempre estaria a frente na hora de
ser julgada. Assim é a realidade, não importa o que as pessoas façam, sempre
serão julgadas pela cor da pele, opção sexual, peso... Ao final do filme, quando
seu amante vai embora, Xica, mesmo livre, é ainda tratada como escrava.
Xica da Silva se passa na metade do Séc. XVIII e trata de questões como
escravidão e extração de diamantes, além de ser uma adaptação de um livro de
grande sucesso. Portanto é uma boa pedida para quem se interesse em estudar
o período colonial do Brasil.
27. Romanceiro da Inconfidência de Cecília Meireles
RESUMO
Na Idade Média, romance era o nome que se atribuía a uma obra poética
de caráter narrativo. Uma reunião de romances formava um romanceiro. O
Romanceiro da Inconfidência narra a história da Conjuração Mineira, movimento
revoltoso de 1789 promovido por colonos brasileiros que pretendiam tornar a
região de Vila Rica (Minas Gerais) independente do domínio português. O
sucesso poderia levar à utilização da riqueza produzida pelo ouro na própria
região, acabando com a sangria monetária promovida pelos interesses
metropolitanos.
Em uma “Fala inicial”, o narrador, assumindo a primeira pessoa,
manifesta a sensação imperativa de tornar pública a revolta que toma conta da
colônia, o que funciona como justificativa para a própria obra. A partir daí, a
história narrada é dividida em “Cenários”, obedecendo à ordem cronológica dos
acontecimentos.
Assim, o primeiro Cenário enquadra o desenrolar da febre do ouro na
região: a busca enlouquecida pelo metal, a crescente intervenção das
autoridades, a consequente luta dos colonos contra o poder instituído (como a
Revolução de 1720, liderada por Felipe dos Santos), a prática do contrabando e,
por fim, a presença ativa dos escravos na mineração. A atuação dos negros
acabou por gerar a lenda do Chico-Rei, lendário negro que, enriquecido,
dedicava-se a comprar a liberdade de outros, e a de Chica da Silva, a sedutora
namorada de um rico minerador. Essa primeira parte da narrativa se encerra com
o nascimento de Tiradentes (1746).
O segundo Cenário é a cidade de Vila Rica. Esta parte retrata a vida
local: a bucólica e pacífica poesia dos árcades convive com o crescimento do
espírito de rebelião, que envolve um número cada vez maior de colonos. Surge
o herói Tiradentes, o “animoso alferes”, e, ao mesmo tempo, aquele que viria a
ser o traidor, Joaquim Silvério dos Reis. Espalha-se o terror, com a prisão dos
envolvidos.
Uma “Fala aos pusilânimes” serve como página de acusação aos
traidores de todos os tempos e trata da consequência das prisões: a morte
28. suspeita do inconfidente e poeta Claudio Manuel da Costa, os padecimentos de
Tomás Antônio Gonzaga, autor dos versos de Marília de Dirceu e o abandono a
que é relegado Tiradentes, que acaba por assumir a culpa solitariamente.
O Cenário seguinte mostra os desdobramentos da Inconfidência para
seus participantes, destacando a relação de Gonzaga com Maria Joaquina, a
Marília de seus poemas: ele se casa no exílio africano, enquanto ela sofre em
terras brasileiras.
O último Cenário relata as atitudes das autoridades portuguesas
responsáveis pela punição dos revoltosos. Narra-se aqui ainda a morte de
Marília. A obra termina com uma homenagem aos rebeldes (“Fala aos
inconfidentes mortos”).
CONTEXTO
Sobre o autor
Cecília Meireles é bem o retrato da poesia de seu tempo. Tendo se
destacado no resgate de recursos da estética simbolista, criando uma atmosfera
difusa para explorar temas abstratos – como fizeram muitos poetas da época –
também enveredou por caminhos mais concretos, como aqueles pertinentes à
temática social – que atravessa igualmente a obra de muitos de seus
contemporâneos.
Importância do livro
Mesmo que destoe um pouco do sentido geral que a autora imprimiu à
sua obra, o fato é que o Romanceiro da Inconfidência se tornou a obra mais
conhecida de Cecília Meireles. De um lado, por apresentar uma linguagem mais
clara e comunicativa; de outro, por tratar de um assunto familiar a muitos leitores.
Seja como for, trata-se de grande poesia.
ANÁLISE
A fala que abre o livro, tratando da necessidade imperativa do canto,
sugere uma concepção da arte como instrumento de eternização da ação
humana. O Romanceiro assume, com essa proposição, uma postura de
combate, opondo-se aos relatos produzidos pela história oficial – pelo menos
aquela construída no período da Conjura. Essa oposição se dá de duas
maneiras: em primeiro lugar, porque aqueles que a história oficial poderia
conceber como traidores são vistos aqui como heróis; segundo, porque a
narrativa de seus atos será feita de uma perspectiva lírica e não apenas factual
29. – como ocorre no “Romance X”, no qual a Inconfidência é vista da perspectiva
de uma donzela: “Donzelinha, donzelinha / dos grandes olhos sombrios, / teus
parentes andam longe, / pelas serras, pelos rios, / tentando a sorte nas catas, /
em barrancos já vazios!”.
LEMBRETE
Um evento histórico conhecido é abordado sob um prisma subjetivo, no
qual a voz lírica se confunde com atores ou testemunhas do fato. Muitas vezes,
explora-se a função apelativa da linguagem, isto é, aquela que é centrada no
receptor da mensagem. Destacam-se ainda as analogias criadas pela autora.
No entanto, é curioso verificar certa persistência de concepções
maniqueístas – as mesmas que costumam fundamentar algumas produções da
historiografia oficial, pródiga em criar heróis da pátria. Assim, no Romanceiro,
reforça-se a imagem dos inconfidentes como vítimas de perseguições políticas
e indivíduos antecipadores da independência brasileira. Particularmente, a figura
de Tiradentes ganha destaque: mesmo com sua morte, a ideia libertária
permanece, o que sugere o triunfo do heroísmo. Por outro lado, temos o
estereótipo do vilão em Joaquim Silvério dos Reis, o traidor da causa
inconfidente, que merece do Romanceiro a mesma verve acusatória que
acabaria por receber da própria história.
Embora essas ressalvas possam – e devam – ser feitas, é preciso
sempre lembrar que a proposta da autora nunca foi produzir uma obra
documental, mas lírica. Tal característica é comprovada pela insistência com que
a voz poética assume a primeira pessoa, explicitando um olhar subjetivo mais
próprio da poesia que da historiografia. Dessa forma, o livro conduz a um
envolvimento mais lírico que ideológico.
A própria linguagem da obra parece confirmar esse viés: Cecília resgata
algumas expressões árcades, como ocorre no “Romance LIV ou Do enxova l
interrompido”: “Sabeis, ó pastora, / daquele zagal / que andava num prado /
sobrenatural?”. Convém lembrar que muitos poetas do arcadismo brasileiro se
envolveram diretamente com a Inconfidência, como foi o caso de Claudio Manuel
da Costa e Tomás Antônio Gonzaga – ambos referidos no Romanceiro.
Por fim, é importante notar que a força dos versos do texto de Cecília
Meireles é transcendental, isto é, vai além do tempo e do espaço referidos ali.
Na obra, passado e presente dialogam de forma produtiva, de maneira a iluminar
30. questões que não dizem respeito apenas ao século XVIII da Inconfidência. Afinal,
o livro trata de assuntos bastante atuais, como a ambição humana, a ação de
traidores e a necessidade de se continuar lutando contra ambos. A “Fala aos
pusilânimes”, por exemplo, que encerra uma das partes do livro, é dirigida aos
traidores de todos os tempos, tratados ali por “vós”, o que sugere um olhar
voltado para o presente. Assim, o Romanceiro aponta para um fato histórico
isolado, mas estende suas reflexões para toda a história humana.
Contexto político que deu origem à Inconfidência
(o plano e porque fracassou)
Na segunda metade do século XVIII, Minas Gerais entrou em fase de
decadência econômica (jazidas de ouro esgotadas, mineiros empobrecidos,
altos impostos sobre os mineradores).
Em 1788, a Coroa Portuguesa nomeou o Visconde de Barbacena.
Objetivo: aplicar a Derrama (cobrança dos impostos atrasados).
Movidos pela revolta, importantes membros da elite econômica e cultural
de Minas planejaram um movimento contra as autoridades portuguesas: a
Inconfidência Mineira.
Os planos dos inconfidentes eram:
1) Libertar o Brasil de Portugal, criando uma república com capital em
São João Del Rei.
2) Adotar uma nova bandeira que teria um triângulo no centro com a
frase latina: Libertas quae sera tamen (liberdade ainda que tardia).
3) Desenvolver indústrias no País.
4) Criar uma universidade em Vila Rica.
Sem tropas, sem armas, sem a participação do povo, sem intenção de
libertar os negros, sem o mínimo de organização, bastou que o coronel Joaquim
Silvério dos Reis denunciasse os planos dos inconfidentes ao Governador de
Minas Gerais para que o movimento fracassasse.
Todos os participantes foram presos, julgados e condenados. Só
Tiradentes (o mais pobre, o mais entusiasmado) teve sua pena de morte
31. mantida: na manhã de 21 de abril de 1792, numa cerimônia pública no Rio de
Janeiro, foi executado. Em seguida, teve a cabeça cortada e o corpo
esquartejado.
Intertextualidade Cláudio Manuel da Costa e
Vladmir Herzog
Cláudio Manuel da Costa
Sua morte está cercada de detalhes obscuros. Há mais de duzentos
anos que o assunto suscita debates e há argumentos de peso tanto a favor como
contra a tese do suicídio. Os partidários da crença de que Cláudio Manuel da
Costa tenha se suicidado se baseiam no fato de que ele estava profundamente
deprimido na véspera da sua morte.
Isso está estampado no seu próprio depoimento, registrado na Devassa.
Além disso, seu padre confessor teria confirmando seu estado depressivo a um
frade que trouxe o registro à luz. Os partidários da tese de que Cláudio tenha
sido assassinado, contestam tanto a autenticidade do depoimento apensado aos
autos da Devassa, quanto a honestidade do registro do frade.
Quem acredita na tese do assassinato se baseia em um argumento
principal: o próprio laudo pericial que concluiu pelo suicídio. Pelo laudo, o
indigitado poeta teria se enforcado usando os cadarços do calção, amarrados
numa prateleira, contra a qual ele teria apertado o laço, forçando com um braço
e um joelho. Muitos acreditam ser impossível alguém conseguir se enforcar em
tais circunstâncias.
O historiador Ivo Porto de Menezes relata que ao organizar antigos
documentos relativos à Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto,
em 1957 ou 1958, encontrou no livro de assentos dos integrantes da Irmandade
de São Miguel e Almas, a anotação da admissão de Cláudio Manuel e à margem
a observação de que havia "sufragado com 30 missas" a alma do falecido, e
"pago tudo pela fazenda real". De igual forma procedera a Irmandade de Santo
Antônio, que lançou em seu livro: "falecido em julho de 1789. E feitos os
sufrágios." Relembra que havia à época proibição de missas pelos suicidas.
32. Também Jarbas Sertório de Carvalho, em ensaio publicado na Revista
do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, defende com boa
documentação a tese do assassinato.
Há ainda quem acredite que o próprio governador, Visconde de
Barbacena, esteve envolvido na conspiração e Cláudio teria sido eliminado por
estar disposto a revelar isso. Mas o fato é que somente a tese do suicídio pôde
se lastrear em documentos, ainda que duvidosos quanto a sua honestidade e
veracidade, como bem salientam os adeptos da tese de assassinato.
Júlio José Chiavenato lança um dado que reforça a tese da farsa
montada do "suicídio" de Cláudio Manuel da Costa. Na tarde do mesmo dia em
que o advogado é preso, são assassinados no sítio da Vargem a sua filha, o
genro e outros familiares, bem como alguns escravos e roubados todos os seus
bens. O Visconde de Barbacena só informou Lisboa da morte de Cláudio Manuel
da Costa a 15 de julho, onze dias depois de ter ocorrido e quando dera
conhecimento a Lisboa do seu interrogatório a 11 de Julho, sem nunca referir o
facto. Se a morte do alferes (Tiradentes) não causaria embaraços em Lisboa a
de Cláudio e da sua família poderia causar, daí a necessidade da farsa ser
montada.
Dez dias depois da sua morte, a população de Paris tomava a fortaleza
da Bastilha, marcando o início do fim da dinastia dos gloriosos Luíses de França.
Começava a tomar corpo então, um projeto político, sonhado pelo próprio
Cláudio Manuel da Costa para seu país. Demoraria, no entanto, mais trinta anos
para que o Brasil se tornasse liberto de Portugal. Cem anos a mais seriam
necessários para a realização da segunda parte do sonho, a implantação do
regime republicano no Brasil.
Vladmir Herzog
O Serviço Nacional de Informações recebeu uma mensagem em Brasília
de que naquele dia 25 de outubro: "cerca de 15h, o jornalista Vladimir Herzog
suicidou-se no DOI/CODI/II Exército". Na época, era comum que o governo
militar divulgasse que as vítimas de suas torturas e assassinatos haviam
perecido por "suicídio", fuga ou atropelamento, o que gerou comentários irônicos
de que Herzog e outras vítimas haviam sido "suicidados" pela ditadura. O
33. jornalista Elio Gaspari comenta que "suicídios desse tipo são possíveis, porém
raros. No porão da ditadura, tornaram-se comuns, maioria até."
Conforme o Laudo de Encontro de Cadáver expedido pela Polícia
Técnica de São Paulo, Herzog se enforcara com uma tira de pano - a "cinta do
macacão que o preso usava" - amarrada a uma grade a 1,63 metro de altura.
Ocorre que o macacão dos prisioneiros do DOI-CODI não tinha cinto, o qual era
retirado, juntamente com os cordões dos sapatos, segundo a praxe naquele
órgão. No laudo, foram anexadas fotos que mostravam os pés do prisioneiro
tocando o chão, com os joelhos fletidos - posição em que o enforcamento era
impossível. Foi também constatada a existência de duas marcas no pescoço,
típicas de estrangulamento.
Vladimir era judeu, e a tradição judaica manda que suicidas sejam
sepultados em local separado. Mas quando os membros da Chevra kadisha –
responsáveis pela preparação dos corpos dos mortos segundo os preceitos do
judaísmo – preparavam o corpo para o funeral, o rabino Henry Sobel, líder da
comunidade, viu as marcas da tortura. "Vi o corpo de Herzog. Não havia dúvidas
de que ele tinha sido torturado e assassinado", declarou. Assim, foi decidido que
Vlado seria enterrado no centro do Cemitério Israelita do Butantã, o que
significava desmentir publicamente a versão oficial de suicídio. As notícias sobre
a morte de Vlado se espalharam, atropelando a censura à imprensa então
vigente. Sobel diria mais tarde: "O assassinato de Herzog foi o catalisador da
volta da democracia".
Anos depois, em outubro de 1978, o juiz federal Márcio Moraes, em
sentença histórica, responsabilizou o governo federal pela morte de Herzog e
pediu a apuração da sua autoria e das condições em que ocorrera. Entretanto
nada foi feito. Em 24 de setembro de 2012, o registro de óbito de Vladimir Herzog
foi retificado, passando a constar que a "morte decorreu de lesões e maus-tratos
sofridos em dependência do II Exército – SP (Doi-Codi)", conforme havia sido
solicitado pela Comissão Nacional da Verdade.
34. Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
Gregório de Matos