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PECAUYTA FELISMINO DE CASTRO
OS MORADORES DE RUA DE FORTALEZA SOB A LUZ DA FOTO-
EXPRESSÃO
FORTALEZA
2012
PECAUYTA FELISMINO DE CASTRO
4
OS MORADORES DE RUA DE FORTALEZA SOB A LUZ DA FOTO-
EXPRESSÃO
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Universidade Estácio de Sá - FIC, sob a
orientação da Professora Fernanda Oliveira
Cunha como requisito para obtenção do grau
de Bacharel em Jornalismo.
FORTALEZA
2012
5
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 05
2 A FOTOGRAFIA DOCUMENTO...................................................................... 08
2.1 A fotografia documental................................................................................... 08
2.2 O Real e o Imaginário...................................................................................... 08
2.3 A crise da fotografia documento....................................................................... 10
3 A IMAGEM COMO LINGUAGEM................................................................... 12
3.1 A Fotografia e a etnografia............................................................................... 12
4 A FOTO-EXPRESSÃO........................................................................................ 13
4.1 A Foto-expressão e a Foto-Arte....................................................................... 13
4.2 A foto, o olhar fotográfico................................................................................ 17
4.3 A imagem fotográfica e a subjetividade do autor............................................. 19
5 FACES DA RUA................................................................................................... 20
6 METODOLOGIA................................................................................................. 22
7 ESTRATÉGIAS DE AÇÃO................................................................................. 23
8 CONCLUSÃO....................................................................................................... 24
9 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 25
ANEXOS.................................................................................................................... 26
6
OS MORADORES DE RUA DE FORTALEZA SOB A LUZ DA
FOTO-EXPRESSÃO
Pecauyta Felismino de Castro1
Fernanda Oliveira Cunha2
RESUMO
Este relatório faz referência à fotografia documental, sua crise e o surgimento da fotografia-
expressão. Os moradores de rua de Fortaleza foram entrevistados e fotografados com a
finalidade de obtenção de um documento fotográfico e/ou visual que os identificasse de forma
a transbordar para a fotografia artística. As bases teóricas se encontram em escritos de autores
como André Rouillé, Susan Sontag, José Souza Martins, entre outros. Os elementos da
fotografia documental se unem aos da fotografia artística para gerar a fotografia-expressão, ou
seja, a imagem que se localiza entre o documento e a arte contemporânea, na qual o fotógrafo
insere seu olhar subjetivo, justificando e identificando sua escrita fotográfica. Fatores sociais
foram coletados com os próprios moradores de rua e com órgãos da prefeitura desta cidade
para substanciar o tema e a delimitação ora abordada. Expressar fotograficamente a vida e os
próprios moradores de rua em algumas regiões de Fortaleza evidencia aspectos não apenas
visuais, mas históricos, sociais e econômicos.
Palavras-chave: fotografia documento, fotografia-expressão, foto-arte, moradores de rua.
ABSTRACT
This report refers to documentary photography, its crisis and the emergence of photography-
expression. The homeless people of Fortaleza were interviewed and photographed for the
purpose of obtaining a photographic document and / or visual identify them so as to spill over
into artistic photography. The theoretical bases are found in the writings of authors such as
Andre Rouille, Susan Sontag, Joseph Souza Martins, among others. The elements of
documentary photography to unite artistic photography to generate photo-expression, ie, the
image that lies between the document and contemporary art, in which the photographer inserts
his gaze subjective, identifying and justifying their photographic writing. Social factors were
collected with the homeless themselves and with the mayor of this city agencies to
substantiate the issue addressed herein and demarcation. Life and photographically express
themselves homeless in some regions of Fortaleza shows aspects not only visual, but
historical, social and economic.
Keywords: Photograph Document, Photograph-Expression, Photo-Art, Inhabitants of Street.
1
Aluna do curso de graduação em Jornalismo da Faculdade Integrada do Ceará.
2
Professora orientadora da pesquisa.
7
1 INTRODUÇÃO
Quando surgiu a primeira máquina fotográfica em 1941, construída por Louis
Jacques Mandé Daguerre, já se pensava em reproduzir o mundo exterior tal qual como ele é,
pessoas como elas são, documentar retratos de vida, de família, costumes, política e
acontecimentos históricos de acordo com o olhar do fotógrafo, que detinha toda a informação
da técnica e do uso prático. Sobre o tema, Buitoni (2011, p. 17) ensina que: “A questão da
representação da realidade aparece em todas as formas comunicativas, sejam com finalidades
de registro ou de trabalho com finalidades estéticas e/ou artísticas”.
A fotografia vem sendo aplicada nos vários campos de pesquisa, produzindo imagens
do real para inúmeros fins. Em suma, a fotografia é sempre a figuração de algo ou alguém, um
recorte daquele tempo e daquele espaço que já se foi. Nesse passo, Buitoni (2011, p. 16)
afirma que: “No entanto, o conceito de “real” talvez funcione mais do que o conceito de
“realidade”.
Coadunando com o pensamento da autora anteriormente mencionada, Barthes (1984,
p. 14) afirma que: “A fotografia sempre traz consigo seu referente, ambos atingidos pela
mesma imobilidade amorosa ou fúnebre, no âmago do mundo em movimento: estão colados
um ao outro, membro por membro”. Nesse passo, Ferreira (2011, p. 215) nos ensina que: “Os
primeiros indícios de fotodocumentarismo são as fotografias de viagens e de curiosidades
etnográficas na documentação da conquista do oeste, nos Estados Unidos”.
Em 1862, Thomson publicou Street Life in London (A vida nas ruas de Londres),
uma obra de conteúdo fotográfico e textual que se estreitava com a denúncia social – uma das
características marcantes do fotodocumentarismo. Depois de Thomson vieram, nesta mesma
linha, Jacob Riis e Lewis Hine.
O fotodocumentarismo popularizou-se devido ao surgimento de revistas ilustradas,
como O Cruzeiro e Life – revistas que despertaram a curiosidade de conhecer o alheio, mas
muito dificilmente traziam imagens de cunho social de denúncia que pudessem sensibilizar as
pessoas e transformar o mundo.
As agências de notícias que surgiram (não somente as agências) transgrediram o
fotógrafo preocupado em fazer imagens que pudessem transformar o meio social para o
fotógrafo preocupado em gerar imagens apenas comerciais. Foi a crise do
fotodocumentarismo.
8
Com o fotodocumentarismo, o mundo viria a ser mostrado não somente por palavras,
esculturas e pinturas, mas por imagens do mundo real. Essa modalidade de fotografia foi
muito bem aproveitada depois da II Guerra Mundial e difundiu a informação visual como
nenhuma outra. A fotografia entrou em crise quando a sociedade industrial e todos os seus
valores e paradigmas despontaram no cenário da época. Assim, a fotografia e suas
modalidades enveredaram para um caminho inédito, tecendo uma rede entre o real e o
artístico do objeto fotografado.
O “fazer fotográfico artístico” está mais voltado ao fotógrafo, que eleva sua imagem
técnica para um saber subjetivo, com certa interpretação subliminar dos observadores. Um
dos livros empregados para este relatório tem como autor André Rouillé, “A fotografia – entre
o documento e arte contemporânea”, que discorre sobre a fotografia-expressão, técnica que
transpõe a fotografia também para o campo da arte.
O objetivo deste trabalho é fotografar pessoas que moram e/ou vivem a maioria do
seu tempo nas ruas, usando para tal a fotografia-expressão, aquela arte fotográfica que fica
entre o real e o plástico. Através de trajetórias de vida, de histórias vividas, pretende-se criar
um documento visual da exclusão social referente aos moradores de rua de Fortaleza.
Não analisar tecnicamente, não documentar, mas expressar, como na fotografia-
expressão, a vida dessas pessoas, suas dinâmicas sociais, origens, valores, ideologias, ações,
problemas, enfim, expressar fotograficamente vivências. Elaborar um material visual que
construa um diálogo com o observador e que este possa, de certa forma, sensibilizar-se com
esta realidade que advém já de problemas sociais, políticos e econômicos – tendo como objeto
central moradores das ruas de Fortaleza, Ceará, Brasil.
O presente trabalho surge de uma inquietação pessoal sobre os paradigmas
fotográficos e sobre o objeto que será tomado de instrumento. É possível fazer fotografia
artística e ao mesmo tempo documental que possua uma linha imaginária entre a realidade
atroz dos moradores de rua e a realidade do fotografo?
Segundo o fotógrafo alemão Otto Steinert, a característica mais importante da
Subjektive Fotografie, movimento que fundou em 1951, é expor a personalidade criativa do
fotógrafo, que se opõe à fotografia prática e de ilustração – o fotógrafo é denominado artista e
insere nos elementos da realidade exterior as transformações sugeridas por sua visão pessoal
do mundo.
Para Jacques Aumont, a plasticidade da imagem nasceu agarrada ao pensamento de
uma imagem flexível, transformável, mutável e variável – de uma imagem que aceita e quer
9
ser manipulada para que surja um significado inerente à arte, ou seja, o de estimular as ideias,
a percepeção e as emoções através do dominio da estética pelo artista.
A fotografia entre a arte contemporânea e o documental é um novo conceito que
surge a partir da crise da fotografia-documento – é o toque do fotógrafo em uma imagem real
construindo uma nova realidade sobre aquela imagem captada.
É importante mostrar retratos vivos de moradores de rua, mendigos, adultos,
mulheres, homens, adolescentes, crianças, enfim, de um modo expressivo, através da uma
nova ordem fotográfica para que a sociedade possa compreender melhor a realidade subjetiva
de como vivem estas pessoas que estão à margem da sociedade - o que é um problema do
Estado.
Acredita-se na força icônica e informacional da imagem, com o observador que,
compreendendo aquela imagem/fotografia, se transforma em ator coadjuvante e
coparticipante daquele contexto representado. Por isso, nesse trabalho acadêmico a “imagem”
estará em ênfase.
10
2 A FOTOGRAFIA DOCUMENTO
2.1 A fotografia documental
Segundo André Rouillé (2009), um dos papéis da fotografia-documento foi fazer um
levantamento do real e arquivá-los em seus álbuns.
A fotografia documental surgiu ao lado do fotojornalismo e requer toda uma
preparação e pesquisa antes de o tema ser abordado. Era uma linguagem fotográfica, uma
narrativa fotográfica, contava uma história real através de imagens reais, mas nunca obteve
tanto destaque na imprensa como o fotojornalismo, pois quando surgiu o fotodocumentarismo
o mundo estava virado para a fotografia de guerra.
A utilidade era mostrar o real, apresentá-lo tal qual como ele é, sem manipulação,
sem recursos extrafotográficos, registrando os contextos sociais de cada época, documentando
a história e transmitindo os dados necessários para que pudessem ser auferidas sobre estas
imagens, interpretações e pontos de vistas sobre a realidade ali materializada.
As fotos históricas, de paisagens naturais, urbanas e seus habitantes, acontecimentos,
etnográficas, antropológicas, enfim, multiplicaram-se ao longo dos tempos fazendo dos seus
autores famosos. Pode-se citar John Thomson, Martin Parr, Nan Goldin, Diane Arbus, Jacobe
Riis, Lewis Hine, Sebastião Salgado, entre outros.
O primeiro passo da fotografia documental, que retratou o ser humano e seus
ambientes, mostrando a fome, os conflitos étnicos, as guerras e as desigualdades sociais, deu-
se com John Thomson, em 1862, ao publicar A Vida Nas Ruas De Londres, contextualizando
para as camadas mais favorecidas como era o estilo de vida daqueles que nas ruas estavam.
2.2 O Real e o Imaginário
Para Philippe Dubois (1994) durante o ato da fotografia, a imagem é feita e desfeita,
porque neste momento é que se dá a separação do objeto com o mundo real remetendo-o para
um outro mundo. Ao mesmo tempo que o captado está ali visivel e é real, também é virtual,
pois tempos após não estará mais ali, naquele local e daquele jeito fixado, não estará mais ali
no sentido real – àquela imagem captada passará a ser fantasma do real - caracterização da
distância de espaço e tempo, do longe e perto, transbordando a iamgem para o imaginário.
11
Para José Souza Martins (2011), em Sociologia da fotografia e da imagem, a pintura
e a fotografia se cruzam e desse cruzamento se extrai semelhanças e diferenças. Quem pinta
ou fotografa já conhece qual função social terá o seu objeto final de visualização. Martins
(2011) comenta um pouco sobre as obras de Monet, conseguindo revelar uma separação
visual entre o “verdadeiro” e o “falso” através das cores, da luminosidade e reflexos ali
traçados, exibindo uma “impressão visual”. As primeiras holografias possuem características
incomuns com a pintura, como a imprecisão de contornos, a intensidade da luz, enfim, a base
do Impressionismo, que é a explosão do imaginário.
Segundo Martins (2011, p. 152) “mais do que registar imagens de lugares e pessoas,
a fotografia também inventou e inventa paisagens, cenários e pessoas”. Uma imagem contém
outras imagens que podem ser lidas por um sociólogo, extraindo sempre informações e os
sociólogos devem saber lidar com fotografias absurdas.
As imagens são imagens e objetos ao mesmo tempo, e o ali exposto pode possuir
algo de documental para o etnólogo, mas para o objeto pode não ter nada de documental, pois
ganham-se proporções emocionais e históricas que não são meramente ilustrativas, e sim algo
vivo e integrante de si. Cada fotografia carrega o seu significado, que é diferente para um
antropólogo, sociólogo, etnólogo, psicólogo, enfim …
Para os impressionistas o “único” era o “diverso”, e o diverso se referia aos vários
ângulos e intensidade da luz que relevara as cores, além dos reflexos, o que levava para uma
nova dimensão do belo.
“O quanto há de testemunhal numa fotografia?” Para Martins (2011), a fotografia
fugiu aos poucos do imaginário de imprecisões reais em que nasceu, mas possui ainda
características inerentes à sua genética. Enquanto a pintura impressionaista se caracterizava
pelas possibilidades das imprecisões estéticas, a fotografia as repudiava.
A fotografia chegou à Antropologia à Sociologia como um documento útil. Alguns
sociólogos acreditam que a fotorgafia já está previamente definida na mente de quem vai vê-
la, que a câmera é uma ferramenta para registar uma abstração e que a relevância da fotografia
está no desencontro entre o imaginado, a imagem e seus elementos pertubadores.
O sociólogo Lewis Hine documentou as sombras da sociedade industrial, fazendo
com que suas imagens fossem o próprio símbolo da sociedade daquela época, pois a revelara
como realmente era. Para Hine, a fotografia possui o seu realismo e é cercada pelo
pressuposto de que a imagem não pode ser falsificada, portanto o imaginário é que introduz
12
na fotografia os elementos de sua decodificação visual e de sua compreessão social - parte
inerente desse realismo.
As imagens de Hine eram providas de um elemento socialmente impressionista que
roubava a imagem do interior do seu recorte virtual preciso e propô-lo no âmbito mais do
imaginário do que do visual.
Martins (2011, p. 165) afirma que: “A maior parte das imagens cotidianas que
retemos na memória é imprecisa, fruto da visão fugaz. São manchas e borrões que desenham
formas informes e cores e cenários do nosso viver diário”. O mesmo autor (2011, p. 173),
ainda, assevera que:
As fotografias constituem, no fundo, imagens de uma realidade social cuja
compreessão depende de informações que não estão nelas expressamente
contidas, para que aquilo que contêm possa ser compreendido de maneira
apropriada e para o conjunto da foto possa dizer alguma coisa sociológica e
antropologicamente.
A fotografia revela diferenças de valores e a gama de regras que orienta a sociedade,
assim como a também revela a própria sociedade e sua parte obscura e/ou invisível.
2.3 A crise da fotografia documento
O fotodocumentarismo esteve em voga nas primeiras décadas do século XX, mas
houve transformações latentes. Surgiram as agências de notícias, transformando a fotografia
em objeto mercadológico, a TV, massificando as ideias e a globalização fervente foi uma das
diretrizes para isso. Elucubrando sobre essa temática, Rouillé (2009, p. 135) esclarece que:
Na França, a aventura da fotografia-documento foi marcada por duas
publicações importantes: em 1952, o artigo “L´instant décisif”, de Henri
Cartier-Bresson; e, em 1980, o livro La chambre Claire, de Roland Barthes.
Movidas pela mesma fé no valor referencial da fotografia, e dedicando-se ao
mesmo culto ao referente e à representação, essas publicações se situam em
contextos muitos diversos: a primeira marca o apogeu da fotografia-
documento, enquanto a segunda, intervém – curiosamente, sem parecer notá-
lo – na fase de seu declínio.
A fotografia-documento não só enfrentava uma crise causada pelas tecnologias que
despontavam na época, mas também uma crise de si mesmo, uma crise da sua representação,
do real, da verdade. Essa crise atingiu seu apogeu, segundo Rouillé, nos anos 90 com uma
manifestação de total inadaptação ao real, à sociedade que ali surgia, de informação,
tecnológica e globalizada. A fotografia-documento não conseguiu acompanhar os avanços
tecnológicos, ideológicos e a cybercultura dos tempos.
13
Nos limites de sua crise interior, seus valores são destruídos, a imagem não é mais o
real, não designa mais aquilo que deve designar – confunde-se, está órfã de si mesma - não
sabe mais se é real ou imaginária, falsa ou verdadeira. Destarte, Rouillé (2009, p. 138 - 139)
dissemina os conhecimentos abaixo colacionados. Veja-se:
O declínio histórico de seus usos práticos acelera-se à medida que a
fotografia se revela técnica e economicamente incapaz de responder às novas
necessidades de imagens na indústria, na ciência, na informação, no poder.
[...]. A verdade do documento não é a verdade da expressão. Outras imagens,
outras tecnologias parecem dispor de trunfos mais bem adaptados aos
tempos atuais. […] A perda do elo com o mundo, ou o declínio da imagem
ação, é um dos aspectos da crise da fotografia-documento.
O autor ressalta que a crise da fotografia-documento também está ligada à
subjetividade que as fotografias vinham ganhando, passando a imagem fotográfica por
transformações de verdades perenes. O mesmo autor (2009, p. 156) dita que: “A crise da
verdade manifesta-se no interior mesmo da fotografia-documento, em suas derivas e
disfuncionalidades, na destruição de seus valores fundadores, na distorção dos seus limites”.
Afirma ainda Rouillé que talvez tenha sido no campo da fotografia publicitária e de
moda que a fotografia-documento tenha entrado em declínio total, porque as mesmas abriram
espaços para a subjetividade, para o simulacro, para a semiótica, despontando um mundo
imaginário de uma multiplicidade de interpretações e realidades conotativas. Rouillé (2009, p.
157) aduz que:
Contrariamente ao que se diz, a fotografia-documento não teve como função
principal representar o real, nem mesmo torná-lo crível, mas designá-lo e,
sobretudo, de ordenar o visual (e não mais o visível). A ordem, acima do
verdadeiro e do falso. A fotografia-documento, na realidade, finalizou o
programa metafísico e político de organização do visual iniciado com a
pintura do Quattrocento; ela o finalizou em ambos os sentidos: realizou-o e
colocou-lhe um ponto final.
14
3 A IMAGEM COMO LINGUAGEM
3.1 A Fotografia e a etnografia
A fotografia desde o seu surgimento, em 1826, agregou-se à antropologia e criou
uma possibilidade de registrar o passado e resgatar a história de um modo visual.
Segundo Collier (1973) é no documento visual que se reconhece o valor da câmera
no âmbito da antropologia, rico em linguagem não-verbal, mostra a cultura de um povo
(cores, costumes, vestimentas, acessórios, utensílios e etc.), por exemplo.
As fotografias são registros preciosos da realidade física, produtoras de material para
estudos, são documentos e isso não seria possível sem a câmera. As limitações de uma câmera
estão simultaneamente ligadas às limitações do seu operador.
A contribuição que a imagem traz ao registro etnográfico não se resume a detenção
da técnica que gera imagens similares ao real, mas o fato de que as imagens são produtos de
uma experiência humana. As imagens etnográficas ampliam círculos de diálogos. O uso da
imagem para registros etnográficos não se limitam em documentar, mas atribuem
significados, símbolos produzidos pelos objetos de estudo.
Para fotografar é preciso conhecer níveis psicológicos, valores, cultura de uma dada
região e/ou comunidade, pois as imagens ali recortadas da realidade podem possuir várias
interpretações – por isso os antropólogos usam os recenseamentos, pois servirão de base para
mapear centros urbanos e rurais. O fotógrafo deve ter como foco e ponto de partida o estudo
da comunidade e/ou nicho social que vai retratar, pois ele não vai criar apenas uma memória
do mundo externo, mas uma memória que lhe é inerente. Nas lições de Andrade (2002, p. 110
– 111) tem-se que:
A imagem, hoje, não pode mais estar separada do saber científico. A
Antropologia não dispensa os recursos visuais – e não são recursos apenas
como um suporte de pesquisa, mas imagens que agem como um meio de
comunicação e expressão do comportamento cultural. A Antropologia Visual
não almeja, dentro dos novos padrões de pesquisa, apenas esclarecer o saber
científico, mas humanisticamente compreender melhor o que o outro tem a
dizer para outros que querem ver, ouvir e sentir.
15
4 A FOTO-EXPRESSÃO
4.1 A Foto-expressão e a Foto-Arte
A fotografia-expressão é derivada da fotografia-documental que sofreu um processo
de transformação, portanto carrega características dela - não recusa totalmente a finalidade do
documental, mas apresenta novos caminhos. Rouillé (2009, p. 161) afirma que: “[...] que
caracteriza com exatidão a fotografia-expressão: o elogio da forma, a afirmação da
individualidade do fotógrafo e o dialogismo com os modelos e seus traços principais. A
escrita, o autor, o outro: para uma nova maneira de documento”.
O objeto da fotografia-expressão é “um algo” totalmente diferenciado, fruto de
técnicas, planejamento, pesquisas, familiarização com o objeto fotografado e métodos
específicos. O olhar do fotógrafo é subjetivo, interpretativo, imaginário, não segue
convenções fotográficas e não está preocupado com o fator mercadológico da imagem.
Na fotografia-expressão não há uma fidelidade ao real visível, isto era uma
preocupação documental, aqui a preocupação é construir uma realidade dentro de outra, onde
o fotógrafo coparticipa, intervém com sua criatividade, com seus pontos de vista, utilizando
recursos técnicos, denotando uma linguagem fotográfica contemporânea, exprimindo e não
representando.
Na fotografia de moda nota-se uma desconstrução da técnica, onde não descreve
apenas roupas e tendências, mas exprime um estilo de vida – a tendência trash (lixo) – uma
ruptura com a tradição clássica da fotografia, como em Corinne Day, Mario Sorrenti, Cecil
Beaton, entre outros. Mais uma vez serão colacionados os ensinamentos de Rouillé (2009, p.
166), ipsis litteris:
A tendência trash tira sua força, e suas formas, desse paradoxo, em que a
fotografia parece virar as costas para a razão pela qual é feita – servir a uma
indústria da moda, altamente competitiva -, enquanto, na realidade, se adapta
às atitudes visuais de uma geração, a seus modos de vida, suas formas de
cultura: a dos diretores artísticos, por muitas vezes, pela arte contemporânea,
a dos clientes marcados pelo ritmo do rock, da música tecno ou do rap.
Então, a função da fotografia trash* é migrar da promoção direta para a indireta
através da passagem da fotografia-designação à fotografia-expressão, que vem para dar força
às formas e à escrita fotográfica, tentando dar um sentido na fronteira das imagens e das
coisas. Ela se diferencia assim da fotografia-documento e da fotografia-artística, não
16
confundindo o sentido das coisas que ela representa, não limitando o sentido das imagens,
fazendo a imagem ultrapassar a sua fase de simples registro, de simples documento, saindo da
formalidade e adquirindo novas linhas, novas subjetividades, novas realidades, novas
interpretações – uma fotografia sem domínio, aberta, plural.
Segundo Aumont (1993), a imagem artística é mais forte, original e mais durável e
de inventividade superior a qualquer outra imagem.
A arte abstratada, que afetou no século XX o mundo das imagens, diz respeito a um
tipo de arte/imagem que rompe com a simples representatividade, ou seja, com a imagem
“pura” de função referecial, que apenas mostra a realidade, mas deixa implícito a referência
que a imagem abstrata questiona.
Henri de La Blanchère (1860, p. 84) formulou por volta de 1860 o credo da
fotografia artística: “Menos acuidade, mais efeito; menos detalhes, mais perspectiva aérea;
menos épura, mais quadro: menos máquina, mais arte”.
O fato é que a imagem representativa é também abstrata, pois uma imagem, já por
ser imagem representa o fotografado, e é dentro dessa representatividade que circula
implicitamente um discurso subjetivo sobre aquilo representado.
O trabalho do artista plástico é combinar intercambiando elementos plásticos como a
superfície e a cor, levando em consideração a gama contínua de ideias e valores. É com esses
elementos que se dá um ritmo visual à uma obra, individualizando-a e qualificando-a como
única peça material e imaterial, como única nos valores que prentende e que se quer passar ao
receptor.
A composição é uma divisão da tela ou de uma superfície e deve ser harmoniosa - é a
arte das proporções e foi compreendida durante muito tempo como a arte de dispor
convenientemente as figuras em um quadro. Mencionando pintura e fotografia, foi só devido
o episódio do picturalismo que a fotografia se afirmou para compor elementos plásticos e
geometricamente harmosiosos. Entende-se por harmonioso a composição individual de cada
artista.
Segundo Amount (1993), a imagem abstrata trouxe para as telas atuais a questão da
expressão. A imagem é expressiva quando induz e produz no receptor emoções, quando
exprime o sentido de realidade, quando exprime o sujeito criador (exprimir a si), ou seja,
quando se reconheçe em uma obra seu autor.
Para a filósofa americana Suzanne Langer apud Aumont (1993, p. 279) a
expressividade está presente “em todas as obras de arte: “o que é expresso são sentimentos
17
(feeling), e a expressão é a encarnação de uma forma abstrada, éo que dá forma simbólica ao
feeling”.
O material, a forma, superfície da imagem, a cor, os valores plásticos, o estilo, o
close, a deformação, os efeitos, entre outros, são maneiras implícitas ao receptor de como
manipular uma imagem ou obra para expressar um desejo e/ou sentimento do autor e provocar
emoções nos receptores. Esse também é o sentido da arte que está relacionada com valores
espirituais concedendo o acesso do espectador.
É mais expressivo quanto mais jovem for um estilo, porque inova visualmente. A
deformação parcial de uma imagem, por exemplo, concede-lhe expressividade e originalidade
– em suma, um efeito torna a imagem mais expressiva. A arte responde a uma necessidade
religiosa da sociedade, com o desejo de superar a condição humana, como se a arte nos
permitisse chegar o mais perto do conhecimento transcendental. O estilo expressionista recusa
imitação, transborda os limites da representatividade e da subjetividade.
O autor Aumont (1993, p. 296) revela que: “O expressionismo não tem forma única,
submete sua forma ao duplo desejo de expressão, expressão da alma, expressão do mundo,
indissocialmente”. O mesmo autor usa o termo “aura” para fazer referência à essência de uma
imagem. A “aura” perde-se quando há a multiplicação da obra, porém o seu culto em
exposições remete a imagem ao sagrado – mas sua reprodução cada vez mais massiva torna a
imagem cada vez menos original, sem “aura” e assim influenciam de maneira nefasta os
receptores. (AUMONT, 1993).
A “aura” de uma imagem possui valores volúveis e mutáveis. A imagem artística
quer provocar sentimentos, sensações e impacto, caminhando assim para o culto do Belo.
A fotografia mostra o mundo de uma maneira invisível a olho nú e permite ver
“coisas normalmente não vistas”. Em 1896, o fotógrafo inglês Robinson apud Amont (1993,
p. 307) já esboçava um pensamento fotográfico com base no princípio da foto-expressão:
Os que só tem conhecimento superficial das possibilidades de nossa arte
afirmam que o fotógrafo é um simples realista mecânico, sem nada poder
acrescentar de si à sua produção. No entanto, alguns de noss críticos
declaram com displicência que alguma de nossas imagens não se parecem
em nada com a natureza. Isso trai, pois se podemos acrescentar o não
verídico (untruth), podemos idealizar. Mas vamos mais longe e afirmamos
nossa capacidade de acrescentar a verdade (truth) aos fatos nus.
Para Fraz Roh, , crítico de arte e fotógrafo alemão do século XIX, exprimir a
realidade não é somente fazer uma boa fotografria técnica, mas descobrir os elementos que
são fotogênicos. A fotogenia perpassa pelo dever de revelar algo que não se perceberia sem
18
ela, algo oculto, não algo inexistente ou inventado, mas algo que não se percebe sem a
fotografia.
De acordo com Rouillé (2009), a fotografia está timidamente presente em obras
impressionistas. Quer-se analisar como o paradigma fotográfico perpassa a estética
impressionista.
Desde o seu aparecimento, a fotografia denominou que as imagens iriam passar por
um processo de industrialização, e é nesse processo que o picturalismo sofre suas latências.
Há nessa época uma luta da máquina com a mão. A fotografia concorre com a pintura e os
pintores sofrem bastante com as transformações do seu ofício.
Rouillé (2009) afirma que a pintura moderna se iniciou em Barbizon, no momento
em que os pintores abandonam seus acessórios de ateliê em favor do ar livre, elaborando
assim uma resposta estética para a sua oponente, a fotografia. Esse abondono do ateliê gera o
contato físico com o mundo e também uma nova forma de pintar e expressar o motivo, já que
o artista está ali intrinsecamente na interseção do real com o impresso em tinta. Pode-se falar
de um neopicturalismo que culminaria no impressionismo.
A pintura impressionista deserda elementos da pintura clássica e adota paradigmas da
fotografia, mas não da fotografia ligada ao imaginário, como a de Delacroix, mas da
fotografia documental. O impressionismo reinventa a pintura que retrata o aqui e o agora, a
realidade próxima, o visível, a memória e a presença, onde o elemento luz é sua força maior
assim como para a fotografia.
O que difere a pintura clássica da impressionista é a captura. A primeira baseava-se
nas poses, nos modelos parados e a segunda, assim como a fotografia, capta quaisquer
instantes, ou seja, recorta o real (é o efêmero eternizado), utilizando-se da luz.
Nota-se, então, que a pintura impressionista é uma resposta da pintura à fotografia;
elas se aproximam por algumas características incomuns, mas suas especificadade material,
social e estética as separam. A fotografia por ser algo inovador desterritorializou a pintura.
A fotografia ao passar dos anos, veio acompanhada de elementos não fotográficos,
como textos, mapas e objetos, ficando equivalente a um documento trivial, neutro, ou registro
automático, instrumento, vetor.
Em 1969, na January 5-31, quatro artistas expõem catálogos esboçando uma nova
concepção de arte, mais próxima da arte conceitual. Essa nova arte se destinaria ao
pensamento, além da perceção direta, para o espírito e do corpo.
19
A materialidade da obra se converte em uma ideia, pois entende-se que o físico
prejudica a compreenssão da ideias, levando o artista a economizar nos meios.
4.2 A foto, o olhar fotográfico
A fotografia é importante em muitas áreas e permeia também as famílias, pois existe,
no mínimo, uma câmera fotográfica para cada família. Todos possuem acervo fotográfico de
diversas tipologias. A fotografia serve para provar algo, congelar aquele momento e a partir
dela mostrarmos nossas experiências para todos.
Para aqueles que trabalham demais, como os americanos e os japoneses, a fotografia
imita “o trabalho” em uma viagem de férias e ameniza a angústia sentida por não estarem
trabalhando.
A fotografia se tornou um dos principais expedientes para experimentar alguma
coisa, para dar aparência de participação. Tirar fotos nivela o significado dos acontecimentos,
porque imortaliza o objeto fotografado; após o evento, a foto ainda existira. Diversas famílias
imortalizam parentes que já não estão entre nós através do acervo fotográfico que estes
possuíam enquanto vivos. Sobre fotografia, Sontag (1993, p. 22) dita que:
Fotografar é, em essência, um ato de não-intervenção. Parte do horror de
lances memoráveis do fotojornalismo contemporâneo , como a foto do
monge vietnamita que segura uma lata de gasolina, a de um guerrilheiro
bengali no instante em que golpeia com a baioneta um traidor amarrado,
decorre da consciência de que se tornou aceitável, em situações em que o
fotógrafo tem de escolher entre uma foto e uma vida, opta pela foto.
Segundo Sontag (1993), os fotógrafos profissionais possuem fantasias sexuais e
perversidades, que através de suas lentes voam em suas fantasias. Entre o fotógrafo e seu tema
deve haver certa distância. A câmera não estupra, nem mesmo possui, embora possa atrever-
se, intrometer-se, atravessar, distorcer, explorar e no extremo da metáfora assassinar. Todas
essas atividades que, diferentemente do sexo propriamente dito, podem ser executadas à
distância com certa indiferença.
Uma câmera é vendida como uma arma predatória. A mais automatizada possível,
pronta para disparar. Os fabricantes garantem a seus clientes que tirar fotos não requer
nenhuma habilidade ou conhecimento especializado, que a máquina já sabe tudo e obedece a
mais leve pressão da vontade. Que seria tão simples como girar uma chave ou puxar um
gatilho.
20
Fotografar pessoas seria violá-las, ao vê-las como elas nunca se veem, ao ter delas
um conhecimento que elas nunca podem ter. Fotografar é participar da mortalidade, da
vulnerabilidade e da mutabilidade de outra pessoa (ou coisa). Justamente por cortar uma fatia
desse momento e congelá-la, toda foto testemunha a dissolução implacável do tempo, como,
por exemplo, imagens de parentes já mortos, mas preservados em um álbum de família.
Algumas fotos podem chocar o observador, mas para isso vai depender da
intensidade da imagem, da competência dada ao fotógrafo e da opinião das pessoas. Depende
dele o choque causado ou não na sociedade. Uma fotografia que retrata a miséria pode até não
deixar marcas na opinião pública, mas designará uma posição moral ainda mesmo que
embrionária.
A fotografia é uma experiência conduzida pelo fotógrafo, e este influencia sim na
interpretação do objeto retratado pelo receptor.
A tecnologia minimizou a distância entre o fotografo e o seu tema, por exemplo,
fotografar estrelas ou coisas inatingíveis. Atualmente, tirar fotos independe da própria luz
(fotografia infravermelha), libertou a imagem do confinamento de duas dimensões
(holografia), reduziu o intervalo entre tirar fotos e poder segurá-la nas mãos.
Segundo Sontag (1993) uma “pessoa é um conjunto de aparências, das quais podem
revelar, mediante um foco adequado, infinitas camadas de significação”.
A foto, ao contrário da pintura, era a afirmação de que aquele momento realmente
existiu. E a câmera estabelece uma relação direta com o passado, proporcionando a
retroatividade dos acontecimentos. Fatos cruéis, desastrosos, de guerras, são em parte sanadas
através da fotografia, porque elas representam o sentimento que expressam.
Há fotógrafos com um olhar individual e com um olhar registrador de objetos, isso
separa a fotografia artística da fotografia como documento – o olhar do fotógrafo. Uma
sociedade capitalista apresenta uma cultura baseada nas imagens. As câmeras definem a
realidade de duas maneiras, uma para a massa, com o objetivo de espetáculo, e outra para os
governantes, com objetivo de vigilância. À medida que produzimos imagens, as consumimos
numa escala desenfreada. A posse de uma câmera inspira as pessoas a verem o mundo de
imagens de muitas outras formas até então ainda não vistas.
21
4.3 A imagem fotográfica e a subjetividade do autor
Lissovsky apud Rouille (2009) propõe separar o momento do ato fotográfico livre do
movimento e pensar no instante fotgráfico, porque na fotografia contemporânea se exalta a
fotografia encenada.
A imagem fotográfica não é um corte nem uma captura nem o registro
direto, automático e analógico de um real preexistente. Ao contrário, ela é a
própria produção de um novo real (fotográfico), no decorrer de um conjunto
de registro e de transformação, de alguma coisa do real dado; mas de modo
algum assimilável ao real.
De acordo com o mesmo autor, o instante fotográfico funda portais de tempos
passados, futuros e presentes – tempos descontínuos, que não acontecerão mais. Os instantes
para ele são uma possibilidade de duração do tempo futuro, pois aquilo que a fotografia
congela é o espaço e não o tempo. Aumont (1993, p. 272): “Foi preciso esperar pelo episódio
conhecido sob o nome de picturalismo, no final do século, para que a fotografia – ao copiar a
pincelada pictórica – afirmasse sua vocação para compor, ela também, elementos plásticos”.
Caracteriza-se, assim, a subjetividade do autor no ato fotográfico, os elementos
plásticos são concepções materializades de ideais autorais. A justificativa encontrada para o
surgimento de uma arte fotográfica pictórica reside em Henri Maldiney, que afirma que
devido a “perspectiva demais” o mundo real e o homem moderno é carente de sensações
porque está esmagado pelas percepções, algo que a pintura abstrata já o fazia.
22
5 FACES DA RUA
A exclusão é um todo que se constitui a partir de um amplo processo
histórico determinado que acompanha, em maior ou menor grau, a evolução
da humanidade.
(Pochmann).
Em Fortaleza, no ano de 2008, 1.701 moradores de rua foram identificados pelo
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Isso correspondia a
0,069% da população total da Capital e era um índice superior à média nacional, com
proporção de 0,061%. Os dados foram divulgados pela SEMAS, ao apresentar o perfil de
moradores de rua de Fortaleza, a partir da Pesquisa Nacional sobre a População em Situação
de Rua.
Essas pessoas vivem nos bancos das praças, tomam banho em albergues, bares,
banheiros públicos e se acomodam no chão com restos de papelões e panos. São excluídos
socialmente, muitos não possuem documentos e nem a data de nascimento correta sabem. A
maioria são homens e estão na rua há pelo menos 05 (cinco) anos. Acredita-se que pouco
menos da metade são alfabetizados e a maioria está envolvida com drogas. Para sustentar o
vício, fazem pequenos trabalhos, como cuidar de veículos, descarregar cargas pesadas, pedir
dinheiro, roubar, furtar e é assim que muitos iniciam suas carreiras no submundo do crime e
que são presos pela primeira vez.
Motivos para estar na rua são muitos, mas o principal é o conflito familiar que deriva
do uso de drogas, mas há casos de abusos sexuais, desentendimentos, maus-tratos e péssima
situação econômica.
A cidade de Fortaleza conta, desde dezembro de 2007, com o Centro de Atendimento
à População de Rua (CAPR). Atualmente o CAPR é o Centro de Referência da População de
Rua (CentroPop). Este centro atende não somente a capital, mas a todo o Estado e possui
vínculo com a Coordenadoria da Proteção Especial e Secretaria Municipal de Assistência
Social (SEMAS).
Os habitantes de rua se servem CentroPop para guardar seus pertences, fazer sua
higiene pessoal, lavar roupas e se alimentar. Também são oferecidos ali orientações para a
retirada de documentos, bem como encaminhamentos para cursos que são realizados em
parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).
23
O perfil dos moradores de rua mais atual é do ano de 2008, onde foram identificadas
1.701 pessoas em situação de rua. Os principais motivos pelos quais essas pessoas passaram a
viver e morar nas ruas se referem ao alcoolismo e/ou drogas (13%), problemas com familiares
(12,9%) e desemprego (12,1%):
• Mais da metade (56,3%) das pessoas tem entre 25 e 44 anos.
• 45,4% não concluíram o primeiro grau.
• 53,8% se declararam pardos. Declararam preto 24,8% e brancos 19,8%.
• 66,7% sempre viveram no município em que moram atualmente,
(23,4%, vieram de outros estados).
No tocante à exclusão social, Pochmann (2007, p. 29) ensina que:
A exclusão social, todavia, resultaria de um processo mais amplo e
complexo no tempo, que vai para além da situação singela de não ter. Trata-
se na realidade dos constrangimentos do ter, o que torna o fenômeno da
exclusão social uma temática do ser muito mais do que simplesmente ter.
[…] em síntese, as raízes da exclusão social encontram-se inseridas nos
problemas gerais da sociedade.
Aproximar-se de um objeto assim tão complexo como “o ser humano” e seus
dilemas, ações, ideias, ideais, problemas e expressar isso para outrem é algo totalmente
subjetivo, que compete à fotografia-expressão com todo o seu aparato.
Adultos, adolescentes, crianças, mendigos, marginais da nossa sociedade tendo a rua
como seu espaço privado é um problema com várias visões para quem assiste.
24
6 METODOLOGIA
O objeto de estudo deste trabalho é complexo e muito subjetivo e requer imenso
cuidado. Um ensaio fotográfico de caráter documental foi escolhido por proporcionar um
conhecimento maior sobre o objeto fotografado, ou seja, os moradores de rua, suas rotinas,
atividades, hábitos – onde e como convivem em sociedade e o seu perfil visual.
Aqui, no entanto, a soma de tempo passado com o objeto de estudo nos remete
deliberadamente à presença de um grande esforço de registro e interação com estes.
Trabalhos desse caráter precisam e devem estar fundamentados, para isso alguns
autores relacionados à fotografia, à sociologia e à antropologia foram consultados – com
destaque para André Roiullé, autor que discorre sobre a fotografia-expressão, um dos
“conceitos-base” para que este trabalho pudesse ser realizado.
O fato de partilhar da vida cotidiana, adquirir conhecimentos por participar de
momentos com o objeto de estudo, entrevistá-los, saber a história de cada pessoa escolhida,
idade, orientação sexual, escolaridade, naturalidade, enfim… eleva-nos a uma real observação
participante.
A finalidade do presente trabalho foi construir um documento visual para uma maior
compreensão da vida dos moradores de rua, participar (por menor tempo que fosse) da vida
das pessoas entrevistadas e fotografadas, estando face a face com elas e, simultaneamente,
apanhando os dados em seu próprio ambiente, ou seja, nas ruas.
25
7 ESTRATÉGIAS DE AÇÃO
1. Pesquisa Bibliográfica
Uma pesquisa foi feita com os seguintes autores para fundamentar o presente trabalho:
André Rouillè, Roland Barthes, Júlia Mariano Ferreira, Márcio Pochmann, acques
Aumont, Philippe Dubois, Maurício Lissovsky, Ducília Helena Schoeder Buitoni,
Rosane de Andrade, José de Sousa Martins, Susan Sontag e Rosalind Krauss.
2. Pesquisa Documental
Pesquisa feita em acervos digitais e/ou microfilmados de jornais, revistas, tabloides e
anuários, bem como em documentos institucionais conservados junto aos órgãos da
Prefeitura de Fortaleza, leis e projetos.
3. Visitas a moradores de rua
A abordagem a moradores de rua será feita na cidade de Fortaleza, principalmente no
Centro da cidade, onde supostamente possui maior concentração de pessoas sem lar na
capital cearense.
4. Escolha dos sujeitos fotografados
Os sujeitos serão aqueles autorizarem ser fotografados e ou entrevistados que estão
espalhados nas ruas da cidade de Fortaleza e que possuem características visíveis que
estão à margem da sociedade.
5. Captação de imagens
As fotografias serão concebidas no próprio lugar onde os objetos fotografados estão e
passarão por uma saturação de cores e ênfase dos detalhes expressivos para justificar a
escrita do fotógrafo no que diz respeito à foto-expressão. Esclareço que todas as
imagens serão fotografadas e editadas por mim, usando softwares e equipamentos
particulares de minha propriedade.
6. Entrevistas
Conversas informais realizadas e gravadas simultaneamente durante o ato de colher
fotografias, a fim de que possam dar suporte ao trabalho de conclusão de curso.
7. Pós-produção
Seleção e edição de imagens (preparar as imagens de acordo com as perspectivas
propostas), transcrição das entrevistas realizadas para substanciar o trabalho de
conclusão de curso e posteriormente sua revisão.
26
8 CONCLUSÃO
O presente trabalho teve como princípio observar e expressar visualmente, bem
como entender o cotidiano das pessoas que vivem nos logradouros da cidade de Fortaleza.
Muitos lugares foram abordados, pessoas entrevistadas e fotografias auferidas.
O ensaio fotográfico documental é importante porque mostra a realidade de vidas, de
um grupo social, seus costumes e suas histórias. Esse trabalho, mais do que mostrar e
documentar a realidade dos moradores de rua, tem o intuito de expressar de uma maneira
muito particular tais realidades.
Habituou-se a ver somente aquilo que nos desperta interesse, portanto somos “cegos”
quando voltamos nosso olhar a algo diferente. Para percebermos aquilo que está a nossa volta
precisamos de um auxílio. Esse trabalho se propõe a esclarecer o observador, para que ele se
torne um modificador da compreensão da realidade onde vive.
Algumas informações junto à Prefeitura de Fortaleza foram importantes para abordar
o objeto de estudo, ou seja, os moradores de rua. Alguns trabalhos já abordaram este tema,
mas não com a visão que este projeto escolhe até o momento.
Os obstáculos enfrentados para a materialização deste trabalho se deram devido à
complexidade de abordar, conversar e fotografar os moradores de ruas. Principalmente
fotografar, pois muitos alegaram envolvimento com o sistema judiciário e temem a difusão de
suas imagens. É difícil para o fotógrafo vivenciar e criar um documento visual de histórias de
vida tão lacerantes quanto as que aqui são expressas, todavia foi possível dar continuidade às
saídas fotográficas para a viabilização desse trabalho.
Os moradores de ruas são pessoas que, em sua maioria, saíram de casa ou foram
expulsas devido ao seu envolvimento com entorpecentes - não existe uma droga mais comum,
pois eles usam um pouco de tudo. As relações com seus familiares se perderam na medida em
que se aproximaram do vício e de práticas ilícitas, como roubo e tráfico. Parte deseja sair das
esquinas e voltar ao convívio da família e mesmo afirmando que isto é algo utópico, ainda
desejam e precisam de uma nova oportunidade. Sem condições básicas de higiene ou acesso à
saúde pública, por não possuírem seus documentos pessoais, perambulam maltrapilhos pelas
esquinas das grandes avenidas da cidade, limpando parabrisas de automóveis, atuando como
“flanelinhas”, recicladores ou simplesmente pedindo alimento e dinheiro aos transeuntes que
pouco se importam com a realidade de quem lhe estende a mão no intuito de receber alguma
ajuda.
27
9 REFERÊNCIAS
AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 1993.
ANDRADE, Rosane. Antropologia Visual: olhares fora – dentro. São Paulo: Estação
Liberdade, 2002.
BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BUITONI, Dulcilia Schroeder. Fotografia e jornalismo: a informação pela imagem. São
Paulo: Saraiva, 2011.
COLLIER JUNIOR, John. Antropologia Visual: a fotografia como método de pesquisa. São
Paulo: EPU, 1973.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas: Papirus, 1994.
FERREIRA, J. M. e COSTA, M. H. da. Olhares de pertencimento: novos fotodocumentaristas
sociais. Revista Discursos Fotográficos, Londrina, v.5, n.6, p.213-228, 2009. Disponível em:
<http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/discursosfotograficos/article/view/2952/2563>. Acesso
em: 15 maio 2012.
GUIMARÃES, Yanna. 504 pessoas vivem nas ruas de Fortaleza, segundo estudo. O Povo.
Disponível em: <http://www.opovo.com.br/www/opovo/fortaleza/818272.html >. Acesso em:
01 mar. 2012.
KRAUSS, Rosalind. O fotográfico. Barcelona: Gustavo Gili, 2002.
LISSOVSKY, Maurício. A máquina de esperar: Origem e estética da fotografia moderna.
Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.
MARTINS, José de Souza. Sociologia da Fotografia e da Imagem. 2. ed. São Paulo:
Contexto, 2011.
PEIXOTO, Marcus. 1.701 pessoas moram na rua. Diário do Nordeste. Disponível em:
<http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?Codigo=581265>. Acesso em: 23 maio 2012.
Pesquisa revela Moradores de Rua em Fortaleza. Portal Vermelho. Disponível em:
<http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=40439&id_secao=10>. Acesso em: 23
maio 2012.
POCHMANN, M.; AMORIM, R.. Atlas da Exclusão Social no Brasil. 4. ed. São Paulo:
Cortez, 2007.
ROUILLÉ, André. A fotografia entre documento e arte contemporânea. São Paulo:
SENAC, 2009.
SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
______. Sobre fotografia. São Paulo: Perspectiva, 1993.
28
ANEXOS
29
MATERIAIS USADOS PARA COMPOR O TRABALHO
O material a ser usado para captar áudio, fotografias e editá-los são:
 Celular Nokia e63 usado para gravar áudio em formato wav
(equipamento particular)
 Computador portátil usado para transferência e edição de imagens,
áudio e texto - dotado do software Adobe Photoshop CS4, software
usado para edição de imagens. (equipamento particular)
 Máquina fotográfica Nikon modelo D70 e D5100 dotada de lente
grande-angular 18-70 mm – lente usada pela característica de projetar
um círculo de imagem maior do que seria o comum para uma objetiva
de design padrão de mesma distância focal, permitindo um campo
amplo de visão. Outro fator determinante para a utilização de uma lente
grande-angular é que a mesma dá uma aparente distorção de
perspectiva maior quando a câmera não estiver alinhada
perpendicularmente com o objeto: linhas paralelas convergem na
mesma proporção que uma objetiva normal, mas convergem mais
devido ao campo total mais amplo. Vou ampliar o objeto fotografado, o
foco ficará mais em evidência e os cantos um pouco distorcidos.
(equipamento particular).
30
RELATOS DE MORADORES DE RUA
FORTALEZA, 30 SE SETEMBRO DE 2011
LOCAL: CRUZAMENTO DAS RUAS DR. JOÃO MOREIRA COM
FLORIANO PEIXOTO (CENTRO)
MARCELO, LEONARDO, HAROLDO E DAMIÃO
Neste local, alguns dos garotos abordados não queriam falar sobre suas vidas nem
dizer o nome completo.
Marcelo Moreira Martins, 27 anos de idade, afirma possuir segundo grau completo
e que abandonou, no quarto período, o curso de Relações Públicas na Universidade Federal do
Ceará e que já trabalhou como fiscal na Ecofor. Marcelo tem bom vocabulário e revela que
possui perfil em redes sociais.
O motivo de estar vivendo nas ruas há um mês é ter vivido uma decepção amorosa
que o levou a usar drogas, entre elas, o crack. “Eu ia casar no final do ano!”
Já não tem pai nem mãe, mas um irmão e uma irmã que já não querem contato com
ele. Alega que, com a roupa suja e maltrapilha que usa é impossível ir à procura de um
emprego, também porque perdeu seus documentos.
“Eu não tenho documentos e por isso não posso ir ao hospital público e mesmo que
eu tivesse ,lá eles não atendem a gente que mora rua”, comenta Leonardo, 21 anos de idade.
Leonardo diz ser viciado em drogas e que quase tudo que lhe dão, inclusive alimentos, vende
ou troca por entorpecentes. “Não quero falar da minha vida não, mas eu trabalho capinando,
levando cargas em troca de dinheiro e comida”.
O rapaz do início do texto, Marcelo, já esteve em uma casa de reabilitação no
município de Maranguape, mas afirma que não gostaria de voltar para centros de recuperação
por não suportar ficar trancado realizando atividades rotineiras.
Ao fazer suas fotografias, Marcelo solicita para vê-las e comenta: “– Nossa, olha o
meu estado!”.
“Nós vamos morrer nas drogas”, assegura Haroldo, 22 anos, que pede uma
fotografia posando com o gesto “paz e amor”. O garoto não quer falar de sua vida e chama um
amigo.
Damião Morais de Almeida Bezerra, 24 anos, é também dependente químico e
afirma que mora nas ruas porque quer e porque não gostaria de decepcionar e gerar conflitos
dentro de sua casa, principalmente com sua mãe devido ao uso excessivo de drogas. Saiu de
casa e seus familiares não sabem por onde ele anda nem quer que os mesmos saibam. “Eu
31
vigio carros, não sou ladrão, ganho dinheiro, o povo acha que todo mundo que vive na rua é
marginal, eu não sou não. Se eu uso drogas é um problema meu. Eu queria sair dessa vida,
mas não tem volta.”, afirma o garoto com seus vários anéis, colares e pulseiras.
FORTALEZA, 06 DE MARÇO DE 2012
LOCAL: AV. ANTÔNIO SALES, DEBAIXO DO VIADUTO DA VIA
EXPRESSA (DIONÍSIO TORRES)
FRANCISCA, FRANCISCO (MÃE E FILHO) E LUCAS
Francisca das Chagas Barbosa de Souza, 38 anos, afirma que mora nas ruas há três
anos porque sua casa, doada pelo programa HabitaFor, localizada no Conjunto Palmeiras foi
invadida. Ela tomou as providências necessárias, como ir à delegacia e informar ao programa
HabitaFor do ocorrido, mas nada foi resolvido desde então. “Quem invadiu foi um traficante,
por causa de um filho meu, fiz um B.O, levei no HabitaFor e já tá com 3 anos, 3 anos que
moro nas ruas e meus filhos em abrigos. O meu filho tinha uma dívida de drogas e o
traficante chegou lá e colocou a gente pra fora e foi o jeito sair ou morrer.”
Francisca tem quatro filhos em um abrigo da prefeitura e um deles possui apenas três
meses de idade, dois filhos vivendo nas ruas e outros vivendo em casa de outras pessoas. No
total são 11 filhos com o senhor César Henrique da Silva, reciclador.
“Sempre tem quem ajude, mas a prefeitura nunca ajudou e tem o meu marido que
vende garrafa de plástica (…) faz 3 anos que eu vivo sofrendo nas ruas, sem saber onde
tomar banho nem o que comer, eu só queria minha casa de novo.”
Francisco Barbosa de Souza, 16 anos, filho de Francisca das Chagas Barbosa de
Souza, confirma que sua casa foi dominada por traficantes. Atualmente trabalha no sinal da
Av. Santana Júnior, limpando os vidros de automóveis e pedindo dinheiro para sobreviver.
Estudou até a 1ª série e diz que sabe “ler e escrever mais ou menos”.
Lucas Felipe Barros Vieira, 16 anos, divide o mesmo espaço com Francisca, seu
filho e o marido.
“Minha família mora no Barroso e eu saí de casa por causa de droga. Pelo tráfico
de drogas e pelo uso, mas agora eu só faço vender mesmo. E a minha família não me aceita
mais lá em casa, por causa disso. Eles sabem que eu estou na rua, mas não aqui. E eu nem
posso voltar pra casa porque se eu voltar tem gente que me mata”.
32
FORTALEZA, 23 DE MARÇO DE 2012
LOCAL: PRAÇA DO CENTRO CULTURAL DRAGÃO DO MAR (PRAIA DE
IRACEMA)
José Valderi de Sousa Filho, 32 anos, mora na rua, principalmente na área do
Centro Cultural Dragão do Mar, desde que sua mãe faleceu há 10 anos. Os irmãos que tinha,
na verdade eram filhos somente do marido da sua mãe.
“Sou usuário de drogas, aprendi a usar nas ruas e a me virar. Isso do meu pé foi um
caminhão que passou por cima. Ando sujo porque é difícil encontrar um lugar pra tomar
banho, às vezes a gente vai pro mar. Eu como porque as igrejas vêm deixar comida, pessoas
dão e assim vou vivendo. Não tenho casa pra voltar, mas nunca roubei ninguém, graças a
Deus”.
Os demais moradores de rua daquele espaço, não quiseram falar, mas cederam seus
nomes e autorizaram imagens. Dentre eles, o casal Francisco Roberto da Silva e Monalisa
Carvalho da Silva e Antônio Pereira da Silva.
FORTALEZA, 04 DE ABRIL DE 2012
LOCAL: PRAÇA NA AV. SGT. HERMÍNIO SAMPAIO, ALTURA DO
NÚMERO 2000 (MONTE CASTELO)
Francisco Edilson Serafim de Sousa, 40 anos, trabalha com reciclador recolhendo
material plástico pela cidade. Percorre toda a Av. Bezerra de Menezes e Av. Sgt. Herminio
“Eu não peço nada a ninguém, nunca pedi. Minhas mãos calejadas assim são pra
não pedir nada. Eu morro de vergonha de pedi!” Aquelas pessoas que chegam pedindo
dinheiro, pra viajar, é tudo mentira. Eu viajo a madrugada toda catando coisas. São 40 anos
de reciclador e há 25 anos eu era alcoólatra. Pra vício nenhum existe cura. O cara que usa
droga, não tem juízo, se tivesse não usava. Você pode ir pra igreja e dizer que aceitou Jesus e
se livrou das drogas, mas isso é temporário, você aceitou Jesus pra tirar o vicio de perto. A
recaída é muito pior.”
Sou pai de três filhos com a mesma mulher, mas há muito tempo, ela me deixou
porque eu bebia. Não me lembro de mais das feições dos meus filhos nem da mulher. Não
tenho fotos deles e só sei o primeiro nome da mulher, que é Maria. Eu tinha uma casinha,
deixei pra ela. Na época, eu era paliador na prefeitura. E não tenho mais documentos, perdi.
Já tentei ir atrás do meu registro no cartório e não consegui. O meu maior desgosto é não ter
documento. Sou filho de Serafim de Sousa Neto e de Francisca Raimunda de Sousa, sou de 19
de março de 1972 e natural de Quixeramobim, mas não consegui meu registro.
33
Trabalhador? Sou demais! Honesto também! Nunca peguei o que não fosse meu.
Nunca! Nada! Nunca pedi nem roubei! Fiz essa casinha aqui na praça, antes era num
viaduto, mas me tiraram de lá e eu vivo com os gatos daqui da praça. Eu não tenho do que
reclamar, sou um homem novo e feliz assim.”
FORTALEZA, 16 DE MAIO DE 2012
LOCAL: AV. DOM LUÍS, ALTURA DO NÚMERO 1400 (ALDEOTA)
Gilmar Alves dos Santos, 30 anos, flanelinha e vive nas redondezas das Av. Dom
Luís com Ruas Frederico Borges e Mns. Catão.
Eu vim pra cá nas minhas férias com algum dinheiro, porque minha família tem boas
condições. Aqui gastei muito dinheiro em cocaína e até aí, era só o começo, eu não era
viciado. Foi passando o tempo, fiquei por aqui e me viciei. Perdi praticamente minha família,
porque minha irmã morava aqui em Fortaleza, no centro, não mora mais, foi embora. E aí eu
comecei a “maguear”, que significa pedir. Nunca me envolvi com jogo de roubo.
Em agosto do ano passado fui preso injustamente, me confundiram com um
assaltante. Saí em dezembro e estou até agora tentando uma vida nova. É muita humilhação
você pedir. Precisar de um remédio ou querer comer e não ter. Eu trabalhei com um dos
melhores decoradores de Pernambuco, já fui garçom, chefe de almoxarifado… A gente
precisa não é de uma moeda, é de uma oportunidade. Moro das ruas há sete anos.
Sou operador de máquinas de triturar pedras. Trabalhava numa empresa, mas
cheirava, cheirava e fui me afastando do trabalho. O que me magoa é a família, porque
descobriram somente agora a pouco que eu estou morando na rua e disseram que viriam me
buscar. Mas fica aquilo de enviar passagem pra eu voltar para Recife um dia, e no outro e
nunca enviam. Estou esperando.
Não cobro nada dos meus pais. Educação eles me deram. Nunca tive carinho de pai,
mas de mãe sim. Eu sei que, se eles mandaram vir me buscar, quando eu chegar lá vou pra
uma clínica, só que para o pó e pedra não tem cura. A cura é você querer, se apegar a Deus,
porque clínica nenhuma vai curar você.
Os políticos têm que parar de pensar mais na copa e nas empresas, e pensar em nós,
que somos cidadãos e por causa de nós que eles estão onde estão. Eu já estive em uma casa
de apoio, no CAPS (agora CentroPop), aqui em Fortaleza, mas eu não gostava porque eles
trabalhavam com Amytril e esse remédio me causou também dependência química e é pior
que o Rivotril, e eu já fui viciado em Rivotril. É essa a minha história.
34
Na tentativa de mostrar um olhar diferenciado, proporciono ao receptor este ensaio
fotográfico composto de 30 (trinta) fotografias.
Construir um documento visual dos moradores de rua e seus ambientes sob a luz da foto-
expressão foi uma experiência incomensurável.
As imagens foram tiradas em pontos diversos da cidade de Fortaleza e acredito que revelem
um pouco da realidade de vida de cada indivíduo fotografado.
35
FOTOS
36
37
38
39
40
41
42
43
44
45
46
47
48
49
50
51
52
53
54
55
56
57
58
59
60
61
62
63
64
65

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OS MORADORES DE RUA DE FORTALEZA SOB A LUZ DA FOTO-EXPRESSÃO

  • 1. PECAUYTA FELISMINO DE CASTRO OS MORADORES DE RUA DE FORTALEZA SOB A LUZ DA FOTO- EXPRESSÃO FORTALEZA 2012 PECAUYTA FELISMINO DE CASTRO
  • 2. 4 OS MORADORES DE RUA DE FORTALEZA SOB A LUZ DA FOTO- EXPRESSÃO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estácio de Sá - FIC, sob a orientação da Professora Fernanda Oliveira Cunha como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo. FORTALEZA 2012
  • 3. 5 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................... 05 2 A FOTOGRAFIA DOCUMENTO...................................................................... 08 2.1 A fotografia documental................................................................................... 08 2.2 O Real e o Imaginário...................................................................................... 08 2.3 A crise da fotografia documento....................................................................... 10 3 A IMAGEM COMO LINGUAGEM................................................................... 12 3.1 A Fotografia e a etnografia............................................................................... 12 4 A FOTO-EXPRESSÃO........................................................................................ 13 4.1 A Foto-expressão e a Foto-Arte....................................................................... 13 4.2 A foto, o olhar fotográfico................................................................................ 17 4.3 A imagem fotográfica e a subjetividade do autor............................................. 19 5 FACES DA RUA................................................................................................... 20 6 METODOLOGIA................................................................................................. 22 7 ESTRATÉGIAS DE AÇÃO................................................................................. 23 8 CONCLUSÃO....................................................................................................... 24 9 REFERÊNCIAS.................................................................................................... 25 ANEXOS.................................................................................................................... 26
  • 4. 6 OS MORADORES DE RUA DE FORTALEZA SOB A LUZ DA FOTO-EXPRESSÃO Pecauyta Felismino de Castro1 Fernanda Oliveira Cunha2 RESUMO Este relatório faz referência à fotografia documental, sua crise e o surgimento da fotografia- expressão. Os moradores de rua de Fortaleza foram entrevistados e fotografados com a finalidade de obtenção de um documento fotográfico e/ou visual que os identificasse de forma a transbordar para a fotografia artística. As bases teóricas se encontram em escritos de autores como André Rouillé, Susan Sontag, José Souza Martins, entre outros. Os elementos da fotografia documental se unem aos da fotografia artística para gerar a fotografia-expressão, ou seja, a imagem que se localiza entre o documento e a arte contemporânea, na qual o fotógrafo insere seu olhar subjetivo, justificando e identificando sua escrita fotográfica. Fatores sociais foram coletados com os próprios moradores de rua e com órgãos da prefeitura desta cidade para substanciar o tema e a delimitação ora abordada. Expressar fotograficamente a vida e os próprios moradores de rua em algumas regiões de Fortaleza evidencia aspectos não apenas visuais, mas históricos, sociais e econômicos. Palavras-chave: fotografia documento, fotografia-expressão, foto-arte, moradores de rua. ABSTRACT This report refers to documentary photography, its crisis and the emergence of photography- expression. The homeless people of Fortaleza were interviewed and photographed for the purpose of obtaining a photographic document and / or visual identify them so as to spill over into artistic photography. The theoretical bases are found in the writings of authors such as Andre Rouille, Susan Sontag, Joseph Souza Martins, among others. The elements of documentary photography to unite artistic photography to generate photo-expression, ie, the image that lies between the document and contemporary art, in which the photographer inserts his gaze subjective, identifying and justifying their photographic writing. Social factors were collected with the homeless themselves and with the mayor of this city agencies to substantiate the issue addressed herein and demarcation. Life and photographically express themselves homeless in some regions of Fortaleza shows aspects not only visual, but historical, social and economic. Keywords: Photograph Document, Photograph-Expression, Photo-Art, Inhabitants of Street. 1 Aluna do curso de graduação em Jornalismo da Faculdade Integrada do Ceará. 2 Professora orientadora da pesquisa.
  • 5. 7 1 INTRODUÇÃO Quando surgiu a primeira máquina fotográfica em 1941, construída por Louis Jacques Mandé Daguerre, já se pensava em reproduzir o mundo exterior tal qual como ele é, pessoas como elas são, documentar retratos de vida, de família, costumes, política e acontecimentos históricos de acordo com o olhar do fotógrafo, que detinha toda a informação da técnica e do uso prático. Sobre o tema, Buitoni (2011, p. 17) ensina que: “A questão da representação da realidade aparece em todas as formas comunicativas, sejam com finalidades de registro ou de trabalho com finalidades estéticas e/ou artísticas”. A fotografia vem sendo aplicada nos vários campos de pesquisa, produzindo imagens do real para inúmeros fins. Em suma, a fotografia é sempre a figuração de algo ou alguém, um recorte daquele tempo e daquele espaço que já se foi. Nesse passo, Buitoni (2011, p. 16) afirma que: “No entanto, o conceito de “real” talvez funcione mais do que o conceito de “realidade”. Coadunando com o pensamento da autora anteriormente mencionada, Barthes (1984, p. 14) afirma que: “A fotografia sempre traz consigo seu referente, ambos atingidos pela mesma imobilidade amorosa ou fúnebre, no âmago do mundo em movimento: estão colados um ao outro, membro por membro”. Nesse passo, Ferreira (2011, p. 215) nos ensina que: “Os primeiros indícios de fotodocumentarismo são as fotografias de viagens e de curiosidades etnográficas na documentação da conquista do oeste, nos Estados Unidos”. Em 1862, Thomson publicou Street Life in London (A vida nas ruas de Londres), uma obra de conteúdo fotográfico e textual que se estreitava com a denúncia social – uma das características marcantes do fotodocumentarismo. Depois de Thomson vieram, nesta mesma linha, Jacob Riis e Lewis Hine. O fotodocumentarismo popularizou-se devido ao surgimento de revistas ilustradas, como O Cruzeiro e Life – revistas que despertaram a curiosidade de conhecer o alheio, mas muito dificilmente traziam imagens de cunho social de denúncia que pudessem sensibilizar as pessoas e transformar o mundo. As agências de notícias que surgiram (não somente as agências) transgrediram o fotógrafo preocupado em fazer imagens que pudessem transformar o meio social para o fotógrafo preocupado em gerar imagens apenas comerciais. Foi a crise do fotodocumentarismo.
  • 6. 8 Com o fotodocumentarismo, o mundo viria a ser mostrado não somente por palavras, esculturas e pinturas, mas por imagens do mundo real. Essa modalidade de fotografia foi muito bem aproveitada depois da II Guerra Mundial e difundiu a informação visual como nenhuma outra. A fotografia entrou em crise quando a sociedade industrial e todos os seus valores e paradigmas despontaram no cenário da época. Assim, a fotografia e suas modalidades enveredaram para um caminho inédito, tecendo uma rede entre o real e o artístico do objeto fotografado. O “fazer fotográfico artístico” está mais voltado ao fotógrafo, que eleva sua imagem técnica para um saber subjetivo, com certa interpretação subliminar dos observadores. Um dos livros empregados para este relatório tem como autor André Rouillé, “A fotografia – entre o documento e arte contemporânea”, que discorre sobre a fotografia-expressão, técnica que transpõe a fotografia também para o campo da arte. O objetivo deste trabalho é fotografar pessoas que moram e/ou vivem a maioria do seu tempo nas ruas, usando para tal a fotografia-expressão, aquela arte fotográfica que fica entre o real e o plástico. Através de trajetórias de vida, de histórias vividas, pretende-se criar um documento visual da exclusão social referente aos moradores de rua de Fortaleza. Não analisar tecnicamente, não documentar, mas expressar, como na fotografia- expressão, a vida dessas pessoas, suas dinâmicas sociais, origens, valores, ideologias, ações, problemas, enfim, expressar fotograficamente vivências. Elaborar um material visual que construa um diálogo com o observador e que este possa, de certa forma, sensibilizar-se com esta realidade que advém já de problemas sociais, políticos e econômicos – tendo como objeto central moradores das ruas de Fortaleza, Ceará, Brasil. O presente trabalho surge de uma inquietação pessoal sobre os paradigmas fotográficos e sobre o objeto que será tomado de instrumento. É possível fazer fotografia artística e ao mesmo tempo documental que possua uma linha imaginária entre a realidade atroz dos moradores de rua e a realidade do fotografo? Segundo o fotógrafo alemão Otto Steinert, a característica mais importante da Subjektive Fotografie, movimento que fundou em 1951, é expor a personalidade criativa do fotógrafo, que se opõe à fotografia prática e de ilustração – o fotógrafo é denominado artista e insere nos elementos da realidade exterior as transformações sugeridas por sua visão pessoal do mundo. Para Jacques Aumont, a plasticidade da imagem nasceu agarrada ao pensamento de uma imagem flexível, transformável, mutável e variável – de uma imagem que aceita e quer
  • 7. 9 ser manipulada para que surja um significado inerente à arte, ou seja, o de estimular as ideias, a percepeção e as emoções através do dominio da estética pelo artista. A fotografia entre a arte contemporânea e o documental é um novo conceito que surge a partir da crise da fotografia-documento – é o toque do fotógrafo em uma imagem real construindo uma nova realidade sobre aquela imagem captada. É importante mostrar retratos vivos de moradores de rua, mendigos, adultos, mulheres, homens, adolescentes, crianças, enfim, de um modo expressivo, através da uma nova ordem fotográfica para que a sociedade possa compreender melhor a realidade subjetiva de como vivem estas pessoas que estão à margem da sociedade - o que é um problema do Estado. Acredita-se na força icônica e informacional da imagem, com o observador que, compreendendo aquela imagem/fotografia, se transforma em ator coadjuvante e coparticipante daquele contexto representado. Por isso, nesse trabalho acadêmico a “imagem” estará em ênfase.
  • 8. 10 2 A FOTOGRAFIA DOCUMENTO 2.1 A fotografia documental Segundo André Rouillé (2009), um dos papéis da fotografia-documento foi fazer um levantamento do real e arquivá-los em seus álbuns. A fotografia documental surgiu ao lado do fotojornalismo e requer toda uma preparação e pesquisa antes de o tema ser abordado. Era uma linguagem fotográfica, uma narrativa fotográfica, contava uma história real através de imagens reais, mas nunca obteve tanto destaque na imprensa como o fotojornalismo, pois quando surgiu o fotodocumentarismo o mundo estava virado para a fotografia de guerra. A utilidade era mostrar o real, apresentá-lo tal qual como ele é, sem manipulação, sem recursos extrafotográficos, registrando os contextos sociais de cada época, documentando a história e transmitindo os dados necessários para que pudessem ser auferidas sobre estas imagens, interpretações e pontos de vistas sobre a realidade ali materializada. As fotos históricas, de paisagens naturais, urbanas e seus habitantes, acontecimentos, etnográficas, antropológicas, enfim, multiplicaram-se ao longo dos tempos fazendo dos seus autores famosos. Pode-se citar John Thomson, Martin Parr, Nan Goldin, Diane Arbus, Jacobe Riis, Lewis Hine, Sebastião Salgado, entre outros. O primeiro passo da fotografia documental, que retratou o ser humano e seus ambientes, mostrando a fome, os conflitos étnicos, as guerras e as desigualdades sociais, deu- se com John Thomson, em 1862, ao publicar A Vida Nas Ruas De Londres, contextualizando para as camadas mais favorecidas como era o estilo de vida daqueles que nas ruas estavam. 2.2 O Real e o Imaginário Para Philippe Dubois (1994) durante o ato da fotografia, a imagem é feita e desfeita, porque neste momento é que se dá a separação do objeto com o mundo real remetendo-o para um outro mundo. Ao mesmo tempo que o captado está ali visivel e é real, também é virtual, pois tempos após não estará mais ali, naquele local e daquele jeito fixado, não estará mais ali no sentido real – àquela imagem captada passará a ser fantasma do real - caracterização da distância de espaço e tempo, do longe e perto, transbordando a iamgem para o imaginário.
  • 9. 11 Para José Souza Martins (2011), em Sociologia da fotografia e da imagem, a pintura e a fotografia se cruzam e desse cruzamento se extrai semelhanças e diferenças. Quem pinta ou fotografa já conhece qual função social terá o seu objeto final de visualização. Martins (2011) comenta um pouco sobre as obras de Monet, conseguindo revelar uma separação visual entre o “verdadeiro” e o “falso” através das cores, da luminosidade e reflexos ali traçados, exibindo uma “impressão visual”. As primeiras holografias possuem características incomuns com a pintura, como a imprecisão de contornos, a intensidade da luz, enfim, a base do Impressionismo, que é a explosão do imaginário. Segundo Martins (2011, p. 152) “mais do que registar imagens de lugares e pessoas, a fotografia também inventou e inventa paisagens, cenários e pessoas”. Uma imagem contém outras imagens que podem ser lidas por um sociólogo, extraindo sempre informações e os sociólogos devem saber lidar com fotografias absurdas. As imagens são imagens e objetos ao mesmo tempo, e o ali exposto pode possuir algo de documental para o etnólogo, mas para o objeto pode não ter nada de documental, pois ganham-se proporções emocionais e históricas que não são meramente ilustrativas, e sim algo vivo e integrante de si. Cada fotografia carrega o seu significado, que é diferente para um antropólogo, sociólogo, etnólogo, psicólogo, enfim … Para os impressionistas o “único” era o “diverso”, e o diverso se referia aos vários ângulos e intensidade da luz que relevara as cores, além dos reflexos, o que levava para uma nova dimensão do belo. “O quanto há de testemunhal numa fotografia?” Para Martins (2011), a fotografia fugiu aos poucos do imaginário de imprecisões reais em que nasceu, mas possui ainda características inerentes à sua genética. Enquanto a pintura impressionaista se caracterizava pelas possibilidades das imprecisões estéticas, a fotografia as repudiava. A fotografia chegou à Antropologia à Sociologia como um documento útil. Alguns sociólogos acreditam que a fotorgafia já está previamente definida na mente de quem vai vê- la, que a câmera é uma ferramenta para registar uma abstração e que a relevância da fotografia está no desencontro entre o imaginado, a imagem e seus elementos pertubadores. O sociólogo Lewis Hine documentou as sombras da sociedade industrial, fazendo com que suas imagens fossem o próprio símbolo da sociedade daquela época, pois a revelara como realmente era. Para Hine, a fotografia possui o seu realismo e é cercada pelo pressuposto de que a imagem não pode ser falsificada, portanto o imaginário é que introduz
  • 10. 12 na fotografia os elementos de sua decodificação visual e de sua compreessão social - parte inerente desse realismo. As imagens de Hine eram providas de um elemento socialmente impressionista que roubava a imagem do interior do seu recorte virtual preciso e propô-lo no âmbito mais do imaginário do que do visual. Martins (2011, p. 165) afirma que: “A maior parte das imagens cotidianas que retemos na memória é imprecisa, fruto da visão fugaz. São manchas e borrões que desenham formas informes e cores e cenários do nosso viver diário”. O mesmo autor (2011, p. 173), ainda, assevera que: As fotografias constituem, no fundo, imagens de uma realidade social cuja compreessão depende de informações que não estão nelas expressamente contidas, para que aquilo que contêm possa ser compreendido de maneira apropriada e para o conjunto da foto possa dizer alguma coisa sociológica e antropologicamente. A fotografia revela diferenças de valores e a gama de regras que orienta a sociedade, assim como a também revela a própria sociedade e sua parte obscura e/ou invisível. 2.3 A crise da fotografia documento O fotodocumentarismo esteve em voga nas primeiras décadas do século XX, mas houve transformações latentes. Surgiram as agências de notícias, transformando a fotografia em objeto mercadológico, a TV, massificando as ideias e a globalização fervente foi uma das diretrizes para isso. Elucubrando sobre essa temática, Rouillé (2009, p. 135) esclarece que: Na França, a aventura da fotografia-documento foi marcada por duas publicações importantes: em 1952, o artigo “L´instant décisif”, de Henri Cartier-Bresson; e, em 1980, o livro La chambre Claire, de Roland Barthes. Movidas pela mesma fé no valor referencial da fotografia, e dedicando-se ao mesmo culto ao referente e à representação, essas publicações se situam em contextos muitos diversos: a primeira marca o apogeu da fotografia- documento, enquanto a segunda, intervém – curiosamente, sem parecer notá- lo – na fase de seu declínio. A fotografia-documento não só enfrentava uma crise causada pelas tecnologias que despontavam na época, mas também uma crise de si mesmo, uma crise da sua representação, do real, da verdade. Essa crise atingiu seu apogeu, segundo Rouillé, nos anos 90 com uma manifestação de total inadaptação ao real, à sociedade que ali surgia, de informação, tecnológica e globalizada. A fotografia-documento não conseguiu acompanhar os avanços tecnológicos, ideológicos e a cybercultura dos tempos.
  • 11. 13 Nos limites de sua crise interior, seus valores são destruídos, a imagem não é mais o real, não designa mais aquilo que deve designar – confunde-se, está órfã de si mesma - não sabe mais se é real ou imaginária, falsa ou verdadeira. Destarte, Rouillé (2009, p. 138 - 139) dissemina os conhecimentos abaixo colacionados. Veja-se: O declínio histórico de seus usos práticos acelera-se à medida que a fotografia se revela técnica e economicamente incapaz de responder às novas necessidades de imagens na indústria, na ciência, na informação, no poder. [...]. A verdade do documento não é a verdade da expressão. Outras imagens, outras tecnologias parecem dispor de trunfos mais bem adaptados aos tempos atuais. […] A perda do elo com o mundo, ou o declínio da imagem ação, é um dos aspectos da crise da fotografia-documento. O autor ressalta que a crise da fotografia-documento também está ligada à subjetividade que as fotografias vinham ganhando, passando a imagem fotográfica por transformações de verdades perenes. O mesmo autor (2009, p. 156) dita que: “A crise da verdade manifesta-se no interior mesmo da fotografia-documento, em suas derivas e disfuncionalidades, na destruição de seus valores fundadores, na distorção dos seus limites”. Afirma ainda Rouillé que talvez tenha sido no campo da fotografia publicitária e de moda que a fotografia-documento tenha entrado em declínio total, porque as mesmas abriram espaços para a subjetividade, para o simulacro, para a semiótica, despontando um mundo imaginário de uma multiplicidade de interpretações e realidades conotativas. Rouillé (2009, p. 157) aduz que: Contrariamente ao que se diz, a fotografia-documento não teve como função principal representar o real, nem mesmo torná-lo crível, mas designá-lo e, sobretudo, de ordenar o visual (e não mais o visível). A ordem, acima do verdadeiro e do falso. A fotografia-documento, na realidade, finalizou o programa metafísico e político de organização do visual iniciado com a pintura do Quattrocento; ela o finalizou em ambos os sentidos: realizou-o e colocou-lhe um ponto final.
  • 12. 14 3 A IMAGEM COMO LINGUAGEM 3.1 A Fotografia e a etnografia A fotografia desde o seu surgimento, em 1826, agregou-se à antropologia e criou uma possibilidade de registrar o passado e resgatar a história de um modo visual. Segundo Collier (1973) é no documento visual que se reconhece o valor da câmera no âmbito da antropologia, rico em linguagem não-verbal, mostra a cultura de um povo (cores, costumes, vestimentas, acessórios, utensílios e etc.), por exemplo. As fotografias são registros preciosos da realidade física, produtoras de material para estudos, são documentos e isso não seria possível sem a câmera. As limitações de uma câmera estão simultaneamente ligadas às limitações do seu operador. A contribuição que a imagem traz ao registro etnográfico não se resume a detenção da técnica que gera imagens similares ao real, mas o fato de que as imagens são produtos de uma experiência humana. As imagens etnográficas ampliam círculos de diálogos. O uso da imagem para registros etnográficos não se limitam em documentar, mas atribuem significados, símbolos produzidos pelos objetos de estudo. Para fotografar é preciso conhecer níveis psicológicos, valores, cultura de uma dada região e/ou comunidade, pois as imagens ali recortadas da realidade podem possuir várias interpretações – por isso os antropólogos usam os recenseamentos, pois servirão de base para mapear centros urbanos e rurais. O fotógrafo deve ter como foco e ponto de partida o estudo da comunidade e/ou nicho social que vai retratar, pois ele não vai criar apenas uma memória do mundo externo, mas uma memória que lhe é inerente. Nas lições de Andrade (2002, p. 110 – 111) tem-se que: A imagem, hoje, não pode mais estar separada do saber científico. A Antropologia não dispensa os recursos visuais – e não são recursos apenas como um suporte de pesquisa, mas imagens que agem como um meio de comunicação e expressão do comportamento cultural. A Antropologia Visual não almeja, dentro dos novos padrões de pesquisa, apenas esclarecer o saber científico, mas humanisticamente compreender melhor o que o outro tem a dizer para outros que querem ver, ouvir e sentir.
  • 13. 15 4 A FOTO-EXPRESSÃO 4.1 A Foto-expressão e a Foto-Arte A fotografia-expressão é derivada da fotografia-documental que sofreu um processo de transformação, portanto carrega características dela - não recusa totalmente a finalidade do documental, mas apresenta novos caminhos. Rouillé (2009, p. 161) afirma que: “[...] que caracteriza com exatidão a fotografia-expressão: o elogio da forma, a afirmação da individualidade do fotógrafo e o dialogismo com os modelos e seus traços principais. A escrita, o autor, o outro: para uma nova maneira de documento”. O objeto da fotografia-expressão é “um algo” totalmente diferenciado, fruto de técnicas, planejamento, pesquisas, familiarização com o objeto fotografado e métodos específicos. O olhar do fotógrafo é subjetivo, interpretativo, imaginário, não segue convenções fotográficas e não está preocupado com o fator mercadológico da imagem. Na fotografia-expressão não há uma fidelidade ao real visível, isto era uma preocupação documental, aqui a preocupação é construir uma realidade dentro de outra, onde o fotógrafo coparticipa, intervém com sua criatividade, com seus pontos de vista, utilizando recursos técnicos, denotando uma linguagem fotográfica contemporânea, exprimindo e não representando. Na fotografia de moda nota-se uma desconstrução da técnica, onde não descreve apenas roupas e tendências, mas exprime um estilo de vida – a tendência trash (lixo) – uma ruptura com a tradição clássica da fotografia, como em Corinne Day, Mario Sorrenti, Cecil Beaton, entre outros. Mais uma vez serão colacionados os ensinamentos de Rouillé (2009, p. 166), ipsis litteris: A tendência trash tira sua força, e suas formas, desse paradoxo, em que a fotografia parece virar as costas para a razão pela qual é feita – servir a uma indústria da moda, altamente competitiva -, enquanto, na realidade, se adapta às atitudes visuais de uma geração, a seus modos de vida, suas formas de cultura: a dos diretores artísticos, por muitas vezes, pela arte contemporânea, a dos clientes marcados pelo ritmo do rock, da música tecno ou do rap. Então, a função da fotografia trash* é migrar da promoção direta para a indireta através da passagem da fotografia-designação à fotografia-expressão, que vem para dar força às formas e à escrita fotográfica, tentando dar um sentido na fronteira das imagens e das coisas. Ela se diferencia assim da fotografia-documento e da fotografia-artística, não
  • 14. 16 confundindo o sentido das coisas que ela representa, não limitando o sentido das imagens, fazendo a imagem ultrapassar a sua fase de simples registro, de simples documento, saindo da formalidade e adquirindo novas linhas, novas subjetividades, novas realidades, novas interpretações – uma fotografia sem domínio, aberta, plural. Segundo Aumont (1993), a imagem artística é mais forte, original e mais durável e de inventividade superior a qualquer outra imagem. A arte abstratada, que afetou no século XX o mundo das imagens, diz respeito a um tipo de arte/imagem que rompe com a simples representatividade, ou seja, com a imagem “pura” de função referecial, que apenas mostra a realidade, mas deixa implícito a referência que a imagem abstrata questiona. Henri de La Blanchère (1860, p. 84) formulou por volta de 1860 o credo da fotografia artística: “Menos acuidade, mais efeito; menos detalhes, mais perspectiva aérea; menos épura, mais quadro: menos máquina, mais arte”. O fato é que a imagem representativa é também abstrata, pois uma imagem, já por ser imagem representa o fotografado, e é dentro dessa representatividade que circula implicitamente um discurso subjetivo sobre aquilo representado. O trabalho do artista plástico é combinar intercambiando elementos plásticos como a superfície e a cor, levando em consideração a gama contínua de ideias e valores. É com esses elementos que se dá um ritmo visual à uma obra, individualizando-a e qualificando-a como única peça material e imaterial, como única nos valores que prentende e que se quer passar ao receptor. A composição é uma divisão da tela ou de uma superfície e deve ser harmoniosa - é a arte das proporções e foi compreendida durante muito tempo como a arte de dispor convenientemente as figuras em um quadro. Mencionando pintura e fotografia, foi só devido o episódio do picturalismo que a fotografia se afirmou para compor elementos plásticos e geometricamente harmosiosos. Entende-se por harmonioso a composição individual de cada artista. Segundo Amount (1993), a imagem abstrata trouxe para as telas atuais a questão da expressão. A imagem é expressiva quando induz e produz no receptor emoções, quando exprime o sentido de realidade, quando exprime o sujeito criador (exprimir a si), ou seja, quando se reconheçe em uma obra seu autor. Para a filósofa americana Suzanne Langer apud Aumont (1993, p. 279) a expressividade está presente “em todas as obras de arte: “o que é expresso são sentimentos
  • 15. 17 (feeling), e a expressão é a encarnação de uma forma abstrada, éo que dá forma simbólica ao feeling”. O material, a forma, superfície da imagem, a cor, os valores plásticos, o estilo, o close, a deformação, os efeitos, entre outros, são maneiras implícitas ao receptor de como manipular uma imagem ou obra para expressar um desejo e/ou sentimento do autor e provocar emoções nos receptores. Esse também é o sentido da arte que está relacionada com valores espirituais concedendo o acesso do espectador. É mais expressivo quanto mais jovem for um estilo, porque inova visualmente. A deformação parcial de uma imagem, por exemplo, concede-lhe expressividade e originalidade – em suma, um efeito torna a imagem mais expressiva. A arte responde a uma necessidade religiosa da sociedade, com o desejo de superar a condição humana, como se a arte nos permitisse chegar o mais perto do conhecimento transcendental. O estilo expressionista recusa imitação, transborda os limites da representatividade e da subjetividade. O autor Aumont (1993, p. 296) revela que: “O expressionismo não tem forma única, submete sua forma ao duplo desejo de expressão, expressão da alma, expressão do mundo, indissocialmente”. O mesmo autor usa o termo “aura” para fazer referência à essência de uma imagem. A “aura” perde-se quando há a multiplicação da obra, porém o seu culto em exposições remete a imagem ao sagrado – mas sua reprodução cada vez mais massiva torna a imagem cada vez menos original, sem “aura” e assim influenciam de maneira nefasta os receptores. (AUMONT, 1993). A “aura” de uma imagem possui valores volúveis e mutáveis. A imagem artística quer provocar sentimentos, sensações e impacto, caminhando assim para o culto do Belo. A fotografia mostra o mundo de uma maneira invisível a olho nú e permite ver “coisas normalmente não vistas”. Em 1896, o fotógrafo inglês Robinson apud Amont (1993, p. 307) já esboçava um pensamento fotográfico com base no princípio da foto-expressão: Os que só tem conhecimento superficial das possibilidades de nossa arte afirmam que o fotógrafo é um simples realista mecânico, sem nada poder acrescentar de si à sua produção. No entanto, alguns de noss críticos declaram com displicência que alguma de nossas imagens não se parecem em nada com a natureza. Isso trai, pois se podemos acrescentar o não verídico (untruth), podemos idealizar. Mas vamos mais longe e afirmamos nossa capacidade de acrescentar a verdade (truth) aos fatos nus. Para Fraz Roh, , crítico de arte e fotógrafo alemão do século XIX, exprimir a realidade não é somente fazer uma boa fotografria técnica, mas descobrir os elementos que são fotogênicos. A fotogenia perpassa pelo dever de revelar algo que não se perceberia sem
  • 16. 18 ela, algo oculto, não algo inexistente ou inventado, mas algo que não se percebe sem a fotografia. De acordo com Rouillé (2009), a fotografia está timidamente presente em obras impressionistas. Quer-se analisar como o paradigma fotográfico perpassa a estética impressionista. Desde o seu aparecimento, a fotografia denominou que as imagens iriam passar por um processo de industrialização, e é nesse processo que o picturalismo sofre suas latências. Há nessa época uma luta da máquina com a mão. A fotografia concorre com a pintura e os pintores sofrem bastante com as transformações do seu ofício. Rouillé (2009) afirma que a pintura moderna se iniciou em Barbizon, no momento em que os pintores abandonam seus acessórios de ateliê em favor do ar livre, elaborando assim uma resposta estética para a sua oponente, a fotografia. Esse abondono do ateliê gera o contato físico com o mundo e também uma nova forma de pintar e expressar o motivo, já que o artista está ali intrinsecamente na interseção do real com o impresso em tinta. Pode-se falar de um neopicturalismo que culminaria no impressionismo. A pintura impressionista deserda elementos da pintura clássica e adota paradigmas da fotografia, mas não da fotografia ligada ao imaginário, como a de Delacroix, mas da fotografia documental. O impressionismo reinventa a pintura que retrata o aqui e o agora, a realidade próxima, o visível, a memória e a presença, onde o elemento luz é sua força maior assim como para a fotografia. O que difere a pintura clássica da impressionista é a captura. A primeira baseava-se nas poses, nos modelos parados e a segunda, assim como a fotografia, capta quaisquer instantes, ou seja, recorta o real (é o efêmero eternizado), utilizando-se da luz. Nota-se, então, que a pintura impressionista é uma resposta da pintura à fotografia; elas se aproximam por algumas características incomuns, mas suas especificadade material, social e estética as separam. A fotografia por ser algo inovador desterritorializou a pintura. A fotografia ao passar dos anos, veio acompanhada de elementos não fotográficos, como textos, mapas e objetos, ficando equivalente a um documento trivial, neutro, ou registro automático, instrumento, vetor. Em 1969, na January 5-31, quatro artistas expõem catálogos esboçando uma nova concepção de arte, mais próxima da arte conceitual. Essa nova arte se destinaria ao pensamento, além da perceção direta, para o espírito e do corpo.
  • 17. 19 A materialidade da obra se converte em uma ideia, pois entende-se que o físico prejudica a compreenssão da ideias, levando o artista a economizar nos meios. 4.2 A foto, o olhar fotográfico A fotografia é importante em muitas áreas e permeia também as famílias, pois existe, no mínimo, uma câmera fotográfica para cada família. Todos possuem acervo fotográfico de diversas tipologias. A fotografia serve para provar algo, congelar aquele momento e a partir dela mostrarmos nossas experiências para todos. Para aqueles que trabalham demais, como os americanos e os japoneses, a fotografia imita “o trabalho” em uma viagem de férias e ameniza a angústia sentida por não estarem trabalhando. A fotografia se tornou um dos principais expedientes para experimentar alguma coisa, para dar aparência de participação. Tirar fotos nivela o significado dos acontecimentos, porque imortaliza o objeto fotografado; após o evento, a foto ainda existira. Diversas famílias imortalizam parentes que já não estão entre nós através do acervo fotográfico que estes possuíam enquanto vivos. Sobre fotografia, Sontag (1993, p. 22) dita que: Fotografar é, em essência, um ato de não-intervenção. Parte do horror de lances memoráveis do fotojornalismo contemporâneo , como a foto do monge vietnamita que segura uma lata de gasolina, a de um guerrilheiro bengali no instante em que golpeia com a baioneta um traidor amarrado, decorre da consciência de que se tornou aceitável, em situações em que o fotógrafo tem de escolher entre uma foto e uma vida, opta pela foto. Segundo Sontag (1993), os fotógrafos profissionais possuem fantasias sexuais e perversidades, que através de suas lentes voam em suas fantasias. Entre o fotógrafo e seu tema deve haver certa distância. A câmera não estupra, nem mesmo possui, embora possa atrever- se, intrometer-se, atravessar, distorcer, explorar e no extremo da metáfora assassinar. Todas essas atividades que, diferentemente do sexo propriamente dito, podem ser executadas à distância com certa indiferença. Uma câmera é vendida como uma arma predatória. A mais automatizada possível, pronta para disparar. Os fabricantes garantem a seus clientes que tirar fotos não requer nenhuma habilidade ou conhecimento especializado, que a máquina já sabe tudo e obedece a mais leve pressão da vontade. Que seria tão simples como girar uma chave ou puxar um gatilho.
  • 18. 20 Fotografar pessoas seria violá-las, ao vê-las como elas nunca se veem, ao ter delas um conhecimento que elas nunca podem ter. Fotografar é participar da mortalidade, da vulnerabilidade e da mutabilidade de outra pessoa (ou coisa). Justamente por cortar uma fatia desse momento e congelá-la, toda foto testemunha a dissolução implacável do tempo, como, por exemplo, imagens de parentes já mortos, mas preservados em um álbum de família. Algumas fotos podem chocar o observador, mas para isso vai depender da intensidade da imagem, da competência dada ao fotógrafo e da opinião das pessoas. Depende dele o choque causado ou não na sociedade. Uma fotografia que retrata a miséria pode até não deixar marcas na opinião pública, mas designará uma posição moral ainda mesmo que embrionária. A fotografia é uma experiência conduzida pelo fotógrafo, e este influencia sim na interpretação do objeto retratado pelo receptor. A tecnologia minimizou a distância entre o fotografo e o seu tema, por exemplo, fotografar estrelas ou coisas inatingíveis. Atualmente, tirar fotos independe da própria luz (fotografia infravermelha), libertou a imagem do confinamento de duas dimensões (holografia), reduziu o intervalo entre tirar fotos e poder segurá-la nas mãos. Segundo Sontag (1993) uma “pessoa é um conjunto de aparências, das quais podem revelar, mediante um foco adequado, infinitas camadas de significação”. A foto, ao contrário da pintura, era a afirmação de que aquele momento realmente existiu. E a câmera estabelece uma relação direta com o passado, proporcionando a retroatividade dos acontecimentos. Fatos cruéis, desastrosos, de guerras, são em parte sanadas através da fotografia, porque elas representam o sentimento que expressam. Há fotógrafos com um olhar individual e com um olhar registrador de objetos, isso separa a fotografia artística da fotografia como documento – o olhar do fotógrafo. Uma sociedade capitalista apresenta uma cultura baseada nas imagens. As câmeras definem a realidade de duas maneiras, uma para a massa, com o objetivo de espetáculo, e outra para os governantes, com objetivo de vigilância. À medida que produzimos imagens, as consumimos numa escala desenfreada. A posse de uma câmera inspira as pessoas a verem o mundo de imagens de muitas outras formas até então ainda não vistas.
  • 19. 21 4.3 A imagem fotográfica e a subjetividade do autor Lissovsky apud Rouille (2009) propõe separar o momento do ato fotográfico livre do movimento e pensar no instante fotgráfico, porque na fotografia contemporânea se exalta a fotografia encenada. A imagem fotográfica não é um corte nem uma captura nem o registro direto, automático e analógico de um real preexistente. Ao contrário, ela é a própria produção de um novo real (fotográfico), no decorrer de um conjunto de registro e de transformação, de alguma coisa do real dado; mas de modo algum assimilável ao real. De acordo com o mesmo autor, o instante fotográfico funda portais de tempos passados, futuros e presentes – tempos descontínuos, que não acontecerão mais. Os instantes para ele são uma possibilidade de duração do tempo futuro, pois aquilo que a fotografia congela é o espaço e não o tempo. Aumont (1993, p. 272): “Foi preciso esperar pelo episódio conhecido sob o nome de picturalismo, no final do século, para que a fotografia – ao copiar a pincelada pictórica – afirmasse sua vocação para compor, ela também, elementos plásticos”. Caracteriza-se, assim, a subjetividade do autor no ato fotográfico, os elementos plásticos são concepções materializades de ideais autorais. A justificativa encontrada para o surgimento de uma arte fotográfica pictórica reside em Henri Maldiney, que afirma que devido a “perspectiva demais” o mundo real e o homem moderno é carente de sensações porque está esmagado pelas percepções, algo que a pintura abstrata já o fazia.
  • 20. 22 5 FACES DA RUA A exclusão é um todo que se constitui a partir de um amplo processo histórico determinado que acompanha, em maior ou menor grau, a evolução da humanidade. (Pochmann). Em Fortaleza, no ano de 2008, 1.701 moradores de rua foram identificados pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS). Isso correspondia a 0,069% da população total da Capital e era um índice superior à média nacional, com proporção de 0,061%. Os dados foram divulgados pela SEMAS, ao apresentar o perfil de moradores de rua de Fortaleza, a partir da Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua. Essas pessoas vivem nos bancos das praças, tomam banho em albergues, bares, banheiros públicos e se acomodam no chão com restos de papelões e panos. São excluídos socialmente, muitos não possuem documentos e nem a data de nascimento correta sabem. A maioria são homens e estão na rua há pelo menos 05 (cinco) anos. Acredita-se que pouco menos da metade são alfabetizados e a maioria está envolvida com drogas. Para sustentar o vício, fazem pequenos trabalhos, como cuidar de veículos, descarregar cargas pesadas, pedir dinheiro, roubar, furtar e é assim que muitos iniciam suas carreiras no submundo do crime e que são presos pela primeira vez. Motivos para estar na rua são muitos, mas o principal é o conflito familiar que deriva do uso de drogas, mas há casos de abusos sexuais, desentendimentos, maus-tratos e péssima situação econômica. A cidade de Fortaleza conta, desde dezembro de 2007, com o Centro de Atendimento à População de Rua (CAPR). Atualmente o CAPR é o Centro de Referência da População de Rua (CentroPop). Este centro atende não somente a capital, mas a todo o Estado e possui vínculo com a Coordenadoria da Proteção Especial e Secretaria Municipal de Assistência Social (SEMAS). Os habitantes de rua se servem CentroPop para guardar seus pertences, fazer sua higiene pessoal, lavar roupas e se alimentar. Também são oferecidos ali orientações para a retirada de documentos, bem como encaminhamentos para cursos que são realizados em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac).
  • 21. 23 O perfil dos moradores de rua mais atual é do ano de 2008, onde foram identificadas 1.701 pessoas em situação de rua. Os principais motivos pelos quais essas pessoas passaram a viver e morar nas ruas se referem ao alcoolismo e/ou drogas (13%), problemas com familiares (12,9%) e desemprego (12,1%): • Mais da metade (56,3%) das pessoas tem entre 25 e 44 anos. • 45,4% não concluíram o primeiro grau. • 53,8% se declararam pardos. Declararam preto 24,8% e brancos 19,8%. • 66,7% sempre viveram no município em que moram atualmente, (23,4%, vieram de outros estados). No tocante à exclusão social, Pochmann (2007, p. 29) ensina que: A exclusão social, todavia, resultaria de um processo mais amplo e complexo no tempo, que vai para além da situação singela de não ter. Trata- se na realidade dos constrangimentos do ter, o que torna o fenômeno da exclusão social uma temática do ser muito mais do que simplesmente ter. […] em síntese, as raízes da exclusão social encontram-se inseridas nos problemas gerais da sociedade. Aproximar-se de um objeto assim tão complexo como “o ser humano” e seus dilemas, ações, ideias, ideais, problemas e expressar isso para outrem é algo totalmente subjetivo, que compete à fotografia-expressão com todo o seu aparato. Adultos, adolescentes, crianças, mendigos, marginais da nossa sociedade tendo a rua como seu espaço privado é um problema com várias visões para quem assiste.
  • 22. 24 6 METODOLOGIA O objeto de estudo deste trabalho é complexo e muito subjetivo e requer imenso cuidado. Um ensaio fotográfico de caráter documental foi escolhido por proporcionar um conhecimento maior sobre o objeto fotografado, ou seja, os moradores de rua, suas rotinas, atividades, hábitos – onde e como convivem em sociedade e o seu perfil visual. Aqui, no entanto, a soma de tempo passado com o objeto de estudo nos remete deliberadamente à presença de um grande esforço de registro e interação com estes. Trabalhos desse caráter precisam e devem estar fundamentados, para isso alguns autores relacionados à fotografia, à sociologia e à antropologia foram consultados – com destaque para André Roiullé, autor que discorre sobre a fotografia-expressão, um dos “conceitos-base” para que este trabalho pudesse ser realizado. O fato de partilhar da vida cotidiana, adquirir conhecimentos por participar de momentos com o objeto de estudo, entrevistá-los, saber a história de cada pessoa escolhida, idade, orientação sexual, escolaridade, naturalidade, enfim… eleva-nos a uma real observação participante. A finalidade do presente trabalho foi construir um documento visual para uma maior compreensão da vida dos moradores de rua, participar (por menor tempo que fosse) da vida das pessoas entrevistadas e fotografadas, estando face a face com elas e, simultaneamente, apanhando os dados em seu próprio ambiente, ou seja, nas ruas.
  • 23. 25 7 ESTRATÉGIAS DE AÇÃO 1. Pesquisa Bibliográfica Uma pesquisa foi feita com os seguintes autores para fundamentar o presente trabalho: André Rouillè, Roland Barthes, Júlia Mariano Ferreira, Márcio Pochmann, acques Aumont, Philippe Dubois, Maurício Lissovsky, Ducília Helena Schoeder Buitoni, Rosane de Andrade, José de Sousa Martins, Susan Sontag e Rosalind Krauss. 2. Pesquisa Documental Pesquisa feita em acervos digitais e/ou microfilmados de jornais, revistas, tabloides e anuários, bem como em documentos institucionais conservados junto aos órgãos da Prefeitura de Fortaleza, leis e projetos. 3. Visitas a moradores de rua A abordagem a moradores de rua será feita na cidade de Fortaleza, principalmente no Centro da cidade, onde supostamente possui maior concentração de pessoas sem lar na capital cearense. 4. Escolha dos sujeitos fotografados Os sujeitos serão aqueles autorizarem ser fotografados e ou entrevistados que estão espalhados nas ruas da cidade de Fortaleza e que possuem características visíveis que estão à margem da sociedade. 5. Captação de imagens As fotografias serão concebidas no próprio lugar onde os objetos fotografados estão e passarão por uma saturação de cores e ênfase dos detalhes expressivos para justificar a escrita do fotógrafo no que diz respeito à foto-expressão. Esclareço que todas as imagens serão fotografadas e editadas por mim, usando softwares e equipamentos particulares de minha propriedade. 6. Entrevistas Conversas informais realizadas e gravadas simultaneamente durante o ato de colher fotografias, a fim de que possam dar suporte ao trabalho de conclusão de curso. 7. Pós-produção Seleção e edição de imagens (preparar as imagens de acordo com as perspectivas propostas), transcrição das entrevistas realizadas para substanciar o trabalho de conclusão de curso e posteriormente sua revisão.
  • 24. 26 8 CONCLUSÃO O presente trabalho teve como princípio observar e expressar visualmente, bem como entender o cotidiano das pessoas que vivem nos logradouros da cidade de Fortaleza. Muitos lugares foram abordados, pessoas entrevistadas e fotografias auferidas. O ensaio fotográfico documental é importante porque mostra a realidade de vidas, de um grupo social, seus costumes e suas histórias. Esse trabalho, mais do que mostrar e documentar a realidade dos moradores de rua, tem o intuito de expressar de uma maneira muito particular tais realidades. Habituou-se a ver somente aquilo que nos desperta interesse, portanto somos “cegos” quando voltamos nosso olhar a algo diferente. Para percebermos aquilo que está a nossa volta precisamos de um auxílio. Esse trabalho se propõe a esclarecer o observador, para que ele se torne um modificador da compreensão da realidade onde vive. Algumas informações junto à Prefeitura de Fortaleza foram importantes para abordar o objeto de estudo, ou seja, os moradores de rua. Alguns trabalhos já abordaram este tema, mas não com a visão que este projeto escolhe até o momento. Os obstáculos enfrentados para a materialização deste trabalho se deram devido à complexidade de abordar, conversar e fotografar os moradores de ruas. Principalmente fotografar, pois muitos alegaram envolvimento com o sistema judiciário e temem a difusão de suas imagens. É difícil para o fotógrafo vivenciar e criar um documento visual de histórias de vida tão lacerantes quanto as que aqui são expressas, todavia foi possível dar continuidade às saídas fotográficas para a viabilização desse trabalho. Os moradores de ruas são pessoas que, em sua maioria, saíram de casa ou foram expulsas devido ao seu envolvimento com entorpecentes - não existe uma droga mais comum, pois eles usam um pouco de tudo. As relações com seus familiares se perderam na medida em que se aproximaram do vício e de práticas ilícitas, como roubo e tráfico. Parte deseja sair das esquinas e voltar ao convívio da família e mesmo afirmando que isto é algo utópico, ainda desejam e precisam de uma nova oportunidade. Sem condições básicas de higiene ou acesso à saúde pública, por não possuírem seus documentos pessoais, perambulam maltrapilhos pelas esquinas das grandes avenidas da cidade, limpando parabrisas de automóveis, atuando como “flanelinhas”, recicladores ou simplesmente pedindo alimento e dinheiro aos transeuntes que pouco se importam com a realidade de quem lhe estende a mão no intuito de receber alguma ajuda.
  • 25. 27 9 REFERÊNCIAS AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 1993. ANDRADE, Rosane. Antropologia Visual: olhares fora – dentro. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. BARTHES, Roland. A Câmara Clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. BUITONI, Dulcilia Schroeder. Fotografia e jornalismo: a informação pela imagem. São Paulo: Saraiva, 2011. COLLIER JUNIOR, John. Antropologia Visual: a fotografia como método de pesquisa. São Paulo: EPU, 1973. DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico. Campinas: Papirus, 1994. FERREIRA, J. M. e COSTA, M. H. da. Olhares de pertencimento: novos fotodocumentaristas sociais. Revista Discursos Fotográficos, Londrina, v.5, n.6, p.213-228, 2009. Disponível em: <http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/discursosfotograficos/article/view/2952/2563>. Acesso em: 15 maio 2012. GUIMARÃES, Yanna. 504 pessoas vivem nas ruas de Fortaleza, segundo estudo. O Povo. Disponível em: <http://www.opovo.com.br/www/opovo/fortaleza/818272.html >. Acesso em: 01 mar. 2012. KRAUSS, Rosalind. O fotográfico. Barcelona: Gustavo Gili, 2002. LISSOVSKY, Maurício. A máquina de esperar: Origem e estética da fotografia moderna. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. MARTINS, José de Souza. Sociologia da Fotografia e da Imagem. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2011. PEIXOTO, Marcus. 1.701 pessoas moram na rua. Diário do Nordeste. Disponível em: <http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?Codigo=581265>. Acesso em: 23 maio 2012. Pesquisa revela Moradores de Rua em Fortaleza. Portal Vermelho. Disponível em: <http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=40439&id_secao=10>. Acesso em: 23 maio 2012. POCHMANN, M.; AMORIM, R.. Atlas da Exclusão Social no Brasil. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2007. ROUILLÉ, André. A fotografia entre documento e arte contemporânea. São Paulo: SENAC, 2009. SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. ______. Sobre fotografia. São Paulo: Perspectiva, 1993.
  • 27. 29 MATERIAIS USADOS PARA COMPOR O TRABALHO O material a ser usado para captar áudio, fotografias e editá-los são:  Celular Nokia e63 usado para gravar áudio em formato wav (equipamento particular)  Computador portátil usado para transferência e edição de imagens, áudio e texto - dotado do software Adobe Photoshop CS4, software usado para edição de imagens. (equipamento particular)  Máquina fotográfica Nikon modelo D70 e D5100 dotada de lente grande-angular 18-70 mm – lente usada pela característica de projetar um círculo de imagem maior do que seria o comum para uma objetiva de design padrão de mesma distância focal, permitindo um campo amplo de visão. Outro fator determinante para a utilização de uma lente grande-angular é que a mesma dá uma aparente distorção de perspectiva maior quando a câmera não estiver alinhada perpendicularmente com o objeto: linhas paralelas convergem na mesma proporção que uma objetiva normal, mas convergem mais devido ao campo total mais amplo. Vou ampliar o objeto fotografado, o foco ficará mais em evidência e os cantos um pouco distorcidos. (equipamento particular).
  • 28. 30 RELATOS DE MORADORES DE RUA FORTALEZA, 30 SE SETEMBRO DE 2011 LOCAL: CRUZAMENTO DAS RUAS DR. JOÃO MOREIRA COM FLORIANO PEIXOTO (CENTRO) MARCELO, LEONARDO, HAROLDO E DAMIÃO Neste local, alguns dos garotos abordados não queriam falar sobre suas vidas nem dizer o nome completo. Marcelo Moreira Martins, 27 anos de idade, afirma possuir segundo grau completo e que abandonou, no quarto período, o curso de Relações Públicas na Universidade Federal do Ceará e que já trabalhou como fiscal na Ecofor. Marcelo tem bom vocabulário e revela que possui perfil em redes sociais. O motivo de estar vivendo nas ruas há um mês é ter vivido uma decepção amorosa que o levou a usar drogas, entre elas, o crack. “Eu ia casar no final do ano!” Já não tem pai nem mãe, mas um irmão e uma irmã que já não querem contato com ele. Alega que, com a roupa suja e maltrapilha que usa é impossível ir à procura de um emprego, também porque perdeu seus documentos. “Eu não tenho documentos e por isso não posso ir ao hospital público e mesmo que eu tivesse ,lá eles não atendem a gente que mora rua”, comenta Leonardo, 21 anos de idade. Leonardo diz ser viciado em drogas e que quase tudo que lhe dão, inclusive alimentos, vende ou troca por entorpecentes. “Não quero falar da minha vida não, mas eu trabalho capinando, levando cargas em troca de dinheiro e comida”. O rapaz do início do texto, Marcelo, já esteve em uma casa de reabilitação no município de Maranguape, mas afirma que não gostaria de voltar para centros de recuperação por não suportar ficar trancado realizando atividades rotineiras. Ao fazer suas fotografias, Marcelo solicita para vê-las e comenta: “– Nossa, olha o meu estado!”. “Nós vamos morrer nas drogas”, assegura Haroldo, 22 anos, que pede uma fotografia posando com o gesto “paz e amor”. O garoto não quer falar de sua vida e chama um amigo. Damião Morais de Almeida Bezerra, 24 anos, é também dependente químico e afirma que mora nas ruas porque quer e porque não gostaria de decepcionar e gerar conflitos dentro de sua casa, principalmente com sua mãe devido ao uso excessivo de drogas. Saiu de casa e seus familiares não sabem por onde ele anda nem quer que os mesmos saibam. “Eu
  • 29. 31 vigio carros, não sou ladrão, ganho dinheiro, o povo acha que todo mundo que vive na rua é marginal, eu não sou não. Se eu uso drogas é um problema meu. Eu queria sair dessa vida, mas não tem volta.”, afirma o garoto com seus vários anéis, colares e pulseiras. FORTALEZA, 06 DE MARÇO DE 2012 LOCAL: AV. ANTÔNIO SALES, DEBAIXO DO VIADUTO DA VIA EXPRESSA (DIONÍSIO TORRES) FRANCISCA, FRANCISCO (MÃE E FILHO) E LUCAS Francisca das Chagas Barbosa de Souza, 38 anos, afirma que mora nas ruas há três anos porque sua casa, doada pelo programa HabitaFor, localizada no Conjunto Palmeiras foi invadida. Ela tomou as providências necessárias, como ir à delegacia e informar ao programa HabitaFor do ocorrido, mas nada foi resolvido desde então. “Quem invadiu foi um traficante, por causa de um filho meu, fiz um B.O, levei no HabitaFor e já tá com 3 anos, 3 anos que moro nas ruas e meus filhos em abrigos. O meu filho tinha uma dívida de drogas e o traficante chegou lá e colocou a gente pra fora e foi o jeito sair ou morrer.” Francisca tem quatro filhos em um abrigo da prefeitura e um deles possui apenas três meses de idade, dois filhos vivendo nas ruas e outros vivendo em casa de outras pessoas. No total são 11 filhos com o senhor César Henrique da Silva, reciclador. “Sempre tem quem ajude, mas a prefeitura nunca ajudou e tem o meu marido que vende garrafa de plástica (…) faz 3 anos que eu vivo sofrendo nas ruas, sem saber onde tomar banho nem o que comer, eu só queria minha casa de novo.” Francisco Barbosa de Souza, 16 anos, filho de Francisca das Chagas Barbosa de Souza, confirma que sua casa foi dominada por traficantes. Atualmente trabalha no sinal da Av. Santana Júnior, limpando os vidros de automóveis e pedindo dinheiro para sobreviver. Estudou até a 1ª série e diz que sabe “ler e escrever mais ou menos”. Lucas Felipe Barros Vieira, 16 anos, divide o mesmo espaço com Francisca, seu filho e o marido. “Minha família mora no Barroso e eu saí de casa por causa de droga. Pelo tráfico de drogas e pelo uso, mas agora eu só faço vender mesmo. E a minha família não me aceita mais lá em casa, por causa disso. Eles sabem que eu estou na rua, mas não aqui. E eu nem posso voltar pra casa porque se eu voltar tem gente que me mata”.
  • 30. 32 FORTALEZA, 23 DE MARÇO DE 2012 LOCAL: PRAÇA DO CENTRO CULTURAL DRAGÃO DO MAR (PRAIA DE IRACEMA) José Valderi de Sousa Filho, 32 anos, mora na rua, principalmente na área do Centro Cultural Dragão do Mar, desde que sua mãe faleceu há 10 anos. Os irmãos que tinha, na verdade eram filhos somente do marido da sua mãe. “Sou usuário de drogas, aprendi a usar nas ruas e a me virar. Isso do meu pé foi um caminhão que passou por cima. Ando sujo porque é difícil encontrar um lugar pra tomar banho, às vezes a gente vai pro mar. Eu como porque as igrejas vêm deixar comida, pessoas dão e assim vou vivendo. Não tenho casa pra voltar, mas nunca roubei ninguém, graças a Deus”. Os demais moradores de rua daquele espaço, não quiseram falar, mas cederam seus nomes e autorizaram imagens. Dentre eles, o casal Francisco Roberto da Silva e Monalisa Carvalho da Silva e Antônio Pereira da Silva. FORTALEZA, 04 DE ABRIL DE 2012 LOCAL: PRAÇA NA AV. SGT. HERMÍNIO SAMPAIO, ALTURA DO NÚMERO 2000 (MONTE CASTELO) Francisco Edilson Serafim de Sousa, 40 anos, trabalha com reciclador recolhendo material plástico pela cidade. Percorre toda a Av. Bezerra de Menezes e Av. Sgt. Herminio “Eu não peço nada a ninguém, nunca pedi. Minhas mãos calejadas assim são pra não pedir nada. Eu morro de vergonha de pedi!” Aquelas pessoas que chegam pedindo dinheiro, pra viajar, é tudo mentira. Eu viajo a madrugada toda catando coisas. São 40 anos de reciclador e há 25 anos eu era alcoólatra. Pra vício nenhum existe cura. O cara que usa droga, não tem juízo, se tivesse não usava. Você pode ir pra igreja e dizer que aceitou Jesus e se livrou das drogas, mas isso é temporário, você aceitou Jesus pra tirar o vicio de perto. A recaída é muito pior.” Sou pai de três filhos com a mesma mulher, mas há muito tempo, ela me deixou porque eu bebia. Não me lembro de mais das feições dos meus filhos nem da mulher. Não tenho fotos deles e só sei o primeiro nome da mulher, que é Maria. Eu tinha uma casinha, deixei pra ela. Na época, eu era paliador na prefeitura. E não tenho mais documentos, perdi. Já tentei ir atrás do meu registro no cartório e não consegui. O meu maior desgosto é não ter documento. Sou filho de Serafim de Sousa Neto e de Francisca Raimunda de Sousa, sou de 19 de março de 1972 e natural de Quixeramobim, mas não consegui meu registro.
  • 31. 33 Trabalhador? Sou demais! Honesto também! Nunca peguei o que não fosse meu. Nunca! Nada! Nunca pedi nem roubei! Fiz essa casinha aqui na praça, antes era num viaduto, mas me tiraram de lá e eu vivo com os gatos daqui da praça. Eu não tenho do que reclamar, sou um homem novo e feliz assim.” FORTALEZA, 16 DE MAIO DE 2012 LOCAL: AV. DOM LUÍS, ALTURA DO NÚMERO 1400 (ALDEOTA) Gilmar Alves dos Santos, 30 anos, flanelinha e vive nas redondezas das Av. Dom Luís com Ruas Frederico Borges e Mns. Catão. Eu vim pra cá nas minhas férias com algum dinheiro, porque minha família tem boas condições. Aqui gastei muito dinheiro em cocaína e até aí, era só o começo, eu não era viciado. Foi passando o tempo, fiquei por aqui e me viciei. Perdi praticamente minha família, porque minha irmã morava aqui em Fortaleza, no centro, não mora mais, foi embora. E aí eu comecei a “maguear”, que significa pedir. Nunca me envolvi com jogo de roubo. Em agosto do ano passado fui preso injustamente, me confundiram com um assaltante. Saí em dezembro e estou até agora tentando uma vida nova. É muita humilhação você pedir. Precisar de um remédio ou querer comer e não ter. Eu trabalhei com um dos melhores decoradores de Pernambuco, já fui garçom, chefe de almoxarifado… A gente precisa não é de uma moeda, é de uma oportunidade. Moro das ruas há sete anos. Sou operador de máquinas de triturar pedras. Trabalhava numa empresa, mas cheirava, cheirava e fui me afastando do trabalho. O que me magoa é a família, porque descobriram somente agora a pouco que eu estou morando na rua e disseram que viriam me buscar. Mas fica aquilo de enviar passagem pra eu voltar para Recife um dia, e no outro e nunca enviam. Estou esperando. Não cobro nada dos meus pais. Educação eles me deram. Nunca tive carinho de pai, mas de mãe sim. Eu sei que, se eles mandaram vir me buscar, quando eu chegar lá vou pra uma clínica, só que para o pó e pedra não tem cura. A cura é você querer, se apegar a Deus, porque clínica nenhuma vai curar você. Os políticos têm que parar de pensar mais na copa e nas empresas, e pensar em nós, que somos cidadãos e por causa de nós que eles estão onde estão. Eu já estive em uma casa de apoio, no CAPS (agora CentroPop), aqui em Fortaleza, mas eu não gostava porque eles trabalhavam com Amytril e esse remédio me causou também dependência química e é pior que o Rivotril, e eu já fui viciado em Rivotril. É essa a minha história.
  • 32. 34 Na tentativa de mostrar um olhar diferenciado, proporciono ao receptor este ensaio fotográfico composto de 30 (trinta) fotografias. Construir um documento visual dos moradores de rua e seus ambientes sob a luz da foto- expressão foi uma experiência incomensurável. As imagens foram tiradas em pontos diversos da cidade de Fortaleza e acredito que revelem um pouco da realidade de vida de cada indivíduo fotografado.
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