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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
I. Iniciação à Atividade Filosófica
1. Abordagem introdutória à filosofia e ao filosofar
1.3. A dimensão discursiva do trabalho filosófico
Define-se por vezes as disciplinas em termos de objeto e método:
� O objeto de estudo da aritmética elementar é as principais propriedades da adição, da
subtração, etc. O seu método é a demonstração matemática.
� O objeto de estudo da biologia é as propriedades dos organismos vivos. O seu
método é a observação e a elaboração de teorias que depois são testadas, por vezes em
laboratórios.
Objeto e método da filosofia:
� A filosofia tem como objeto os conceitos mais básicos que usamos nas ciências, nas
artes, nas religiões e no dia a dia. A filosofia estuda conceitos como os seguintes: o bem
moral, a arte, o conhecimento, a verdade, a realidade, etc.
� O seu método é a troca de argumentos, a discussão de ideias.
As definições deste tipo não são muito informativas. Para compreender o que é a
filosofia o melhor é ver alguns exemplos do que se faz em filosofia.
Exemplos de problemas da filosofia:
� Será que tudo é relativo?
� Será que a vida tem sentido? E se tem, qual é?
� Como se justifica a existência do Estado, das Leis, e da Polícia?
� Será que não faz diferença fazer sofrer os animais?
� Será que Deus existe realmente, ou será que os ateus têm razão e os crentes estão
enganados?
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
Estes problemas surgem naturalmente da nossa capacidade para pensar, em contacto
com o mundo. Outros problemas surgem da nossa reflexão sobre as ciências, as
religiões e as artes:
� O que é realmente a arte? E o que é a música?
� Como poderemos conciliar a existência de um Deus bom e sumamente poderoso e
sábio com tanto sofrimento no mundo?
� O que é realmente uma lei da física? E como podemos ter a certeza que essas leis são
verdadeiras?
A filosofia é uma reflexão que surge naturalmente.
Mas nem toda a reflexão que surge naturalmente é filosófica.
� As respostas pessoais às perguntas filosóficas não são respostas filosóficas.
� Podemos e devemos partir das nossas convicções pessoais.
� Mas só começamos a fazer filosofia quando exigimos justificações públicas para
essas convicções.
Características importantes da filosofia:
� A filosofia é uma atividade crítica;
� A filosofia é consequente;
� A filosofia é um estudo conceptual ou a priori;
� A filosofia é diferente da história da filosofia.
O que significa dizer que a filosofia é uma atividade crítica? Significa que temos de
justificar as nossas conclusões. E justificar conclusões é apresentar argumentos.
A importância dos argumentos em filosofia:
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
� Precisamos de argumentos para mostrar que os problemas que estamos a estudar não
são meras ilusões e confusões. Por exemplo, será que o problema do sentido da vida faz
sentido? Porquê?
� Precisamos de argumentos para avaliar as respostas que os filósofos e nós próprios
damos aos problemas da filosofia. Por exemplo, será que a resposta que Platão dá ao
problema da imortalidade da alma é boa?
� E precisamos de saber avaliar argumentos porque os filósofos passam grande parte
do seu tempo a apresentar argumentos a favor das suas ideias e contra as ideias que eles
acham que estão erradas. Por exemplo, será que o argumento de Santo Anselmo a favor
da existência de Deus é bom?
Porque a filosofia é uma atividade critica, avalia cuidadosamente os nossos
preconceitos mais básicos.
O objetivo do estudo da filosofia não é repetir o que diz o professor ou o manual. O
objetivo é aprender a pensar sobre os problemas, as teorias e os argumentos da
filosofia.
Em filosofia, o estudante tem a liberdade de defender o que quiser, mas tem de adotar
uma atitude crítica:
� Tem de sustentar o que defende com bons argumentos;
� Tem de aceitar discutir os seus argumentos.
� Ser crítico não é «dizer mal». Ser crítico é olhar com imparcialidade para todas as
ideias para podermos avaliar se são verdadeiras ou não.
� Ser crítico não é ser extravagante. Ser crítico não é dizer «Não» só para marcar a
diferença. Ser crítico é dizer «Sim», «Não», ou até «Talvez», mas com base em bons
argumentos.
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
A filosofia é uma atividade dialogante: consiste em trocar e discutir ideias. A
diferença entre uma discussão filosófica e uma gritaria, por exemplo, é esta: em
filosofia discutimos para chegar à verdade das coisas, independentemente de saber
quem «ganha» a discussão; numa gritaria discute-se para «ganhar» a discussão,
independentemente de saber de que lado está a verdade.
O pensamento filosófico é consequente. Ser consequente é aceitar as consequências das
nossas ideias.
� Somos livres para defender as posições que queremos; mas teremos de ser
responsáveis pelas consequências do que defendemos. Se defendemos que toda a vida é
sagrada e que isso quer dizer que nunca devemos matar um ser vivo, não podemos ao
mesmo tempo defender que se pode comer salada de alface. Se defendemos que tudo é
relativo e que não há verdades, não podemos defender que esta ideia é verdadeira.
Os três elementos centrais da filosofia:
� Problemas
� Teorias
� Argumentos
Os filósofos, ao longo dos séculos, têm proposto teorias que tentam resolver os
problemas filosóficos. Essas teorias apoiam-se em argumentos.
O nosso papel perante os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia é duplo:
1. Saber formulá-los claramente.
2. Saber discuti-los com rigor.
Os problemas da filosofia não se resolvem olhando para o mundo para recolher
informação. É por isso que dizemos que a filosofia é um estudo a priori ou conceptual.
Queremos dizer que a filosofia se faz unicamente com o pensamento.
� Conhecimento empírico ou a posteriori: baseia-se na experiência.
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
Exemplos: para saber se há vida em Marte é necessário enviar sondas e fazer
observações. Para saber qual é a natureza da SIDA é necessário fazer observações e
experiências laboratoriais.
� Conhecimento conceptual ou a priori: baseia-se no pensamento apenas.
Exemplos: para saber se 7 é um número par basta dividi-lo por dois e ver se o resultado
é um número inteiro. Para saber se todos os objetos verdes têm cor basta pensar no
conceito de verde e de cor.
O estudo filosófico é a priori, mas temos de ter informações sobre tudo o que for
importante para a solução dos problemas que estamos a tratar.
� A filosofia é inevitável porque não é mais do que a procura sistemática de
justificações sensatas para as nossas ideias mais básicas.
� A filosofia opõe-se ao dogmatismo porque nenhuma ideia tem o direito de suplantar
quaisquer outras ideias, enquanto não mostrar que é realmente melhor do que as outras.
A filosofia é diferente da sua história. Em história da filosofia estudamos o que os
filósofos dizem só para saber o que eles dizem. Na filosofia estudamos o que os
filósofos dizem para discutir as suas ideias.
� Estudar filosofia é como estudar música e estudar história da filosofia é como estudar
história da música. Num caso, aprendemos a tocar um instrumento ou a compor peças
musicais; no outro, aprendemos apenas a apreciar a música do passado. Num caso,
aprendemos a discutir ideias e a propor ideias e a defendê-las; no outro, aprendemos
apenas a formular as ideias dos outros.
Para que serve a filosofia?
� A filosofia serve para alargar a nossa compreensão das coisas, como as ciências, as
artes e as religiões.
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
� A filosofia serve para mudar as nossas vidas, como as ciências, as artes e as
religiões.
Exemplos:
� John Stuart Mill, A Submissão das Mulheres (1869)
� Peter Singer, Libertação Animal (1975).
Comparações de utilidade:
� A religião é útil porque fornece orientação e conforto espiritual aos seus crentes. A
filosofia fornece orientação a qualquer pessoa.
� A ciência é útil porque nos ensina a curar a tuberculose, por exemplo. A filosofia
ensina-nos a enfrentar os problemas morais levantados pela ciência.
� As artes são úteis porque produzem obras que nos inspiram e maravilham. A
filosofia produz ideias e argumentos que nos inspiram e maravilham, e põe a descoberto
problemas que nos convidam a dar o nosso melhor para tentar resolvê-los.
As razões pelas quais a filosofia serve para alguma coisa são a razões pelas quais as
artes, as ciências e as religiões servem para alguma coisa.
� Muitos dos problemas, teorias e argumentos da filosofia não têm qualquer utilidade
prática.
� Mas também a maior parte do que constitui as religiões, as artes e as ciências não tem
qualquer utilidade prática.
� E as coisas sem utilidade prática podem ter valor porque o conhecimento é algo
suficientemente importante para ter valor em si.
� Mesmo que só as coisas úteis tivessem valor, nunca poderíamos saber à partida quais
das nossas ideias se viriam a revelar úteis.
� A filosofia é útil para a vida pública de um país porque nos ensina a pensar melhor
sobre qualquer assunto, desde que se disponha da informação adequada.
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
Quem sabe argumentar bem toma melhores decisões, porque as decisões que tomamos
são baseadas em argumentos. A filosofia ajuda a tomar melhores decisões.
Os argumentos
� Um argumento é um conjunto de proposições organizadas de tal modo que uma
delas é a conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam
as premissas.
Nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Só os conjuntos de proposições
organizadas de tal modo que justifiquem ou defendam a conclusão apresentada são
argumentos.
Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram
explicitamente apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso
pensamento é uma parte importante da discussão filosófica.
Perante um texto que defende ideias devemos fazer o seguinte:
1. Descobrir o que o autor quer defender. Isso é a conclusão.
2. Descobrir que razões ele dá para defender essa conclusão. Essas razões são as
premissas.
3. Se o autor omitiu premissas, acrescentá-las.
4. Formular o argumento de maneira completamente explícita.
Definição dos conceitos nucleares
Problema: algo que se pretende resolver;
Conceito: é uma abstração elaborada pela razão, a partir dos dados obtidos na
experiência, e que serve para designar toda uma classe de objetos ou seres;
Tese: é uma proposição que se apresenta para ser defendida, no caso de impugnação.
Tema, assunto a tratar;
Argumento: é um conjunto de proposições organizadas de tal modo que uma delas é a
conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam
premissas.
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As disciplinas da Filosofia e os problemas de que tratam
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II. A ação humana e os valores
1. A ação humana – análise e compreensão do agir
1.1. A rede conceptual da ação
� A Filosofia da Ação é uma área interdisciplinar que colhe contributos da
Metafísica, da Filosofia da Mente, da Psicologia e da moderna Teoria da Decisão.
� O objeto de estudo da Filosofia da Ação é a justificação da crença na racionalidade
da ação humana.
� Distingue-se da Ética por não considerar os aspetos morais do agir, analisando
apenas o que está na base da ação – crenças, desejos, intenções, motivos e causas.
� O seu método consiste na análise das frases de ação, mediante as quais os agentes
descrevem e explicam o que fazem:
«Por que fizeste X?» - «Fiz X porque __________ »
� O problema central da Filosofia da Ação é o de saber:
Como compatibilizar a crença de que somos seres racionais com o facto de agirmos
frequentemente de forma irracional?
� Exemplos de problemas discutidos em Filosofia da Ação:
1. O que são ações? Que acontecimentos contam enquanto ações?
2. Como individuar ou distinguir as ações umas das outras?
3. Como explicar a existência de preferências irracionais?
4. Como compreender o fenómeno da acrasia?
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «O que é uma ação?»,
analisemos o seguinte exemplo:
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
1. João deseja herdar uma fortuna e crê que o melhor a fazer para satisfazer o seu desejo
é matar o seu pai abastado. Mas este pensamento põe-no tão nervoso que, ao conduzir
desajeitadamente o seu carro, mata um peão que é, afinal, o seu pai! Cometeu ou não
um parricídio?
� A atribuição da responsabilidade depende de determinarmos se a morte de seu pai
constitui, ou não, uma ação de João.
Temos, então, de procurar qual é o aspeto que nos permite dizer que um
acontecimento é uma ação.
� Será a sua associação a um ser humano? Mas há acontecimentos que envolvem
pessoas, mas que claramente não são ações – por exemplo, escorregar.
� Será a existência de movimentos corporais? Mas há ações sem movimento
corporal (estar imóvel a estudar) e há movimentos corporais que não são ações
(respirar).
� Uma outra resposta a este problema afirmaria que a intenção é aquilo que distingue
os acontecimentos que contam como ações:
Um acontecimento é uma ação apenas no caso de ser possível descrevê-lo de forma a
exibir a presença de uma intenção no agente.
� O que é uma intenção? É um estado mental mediante o qual se concretiza, se anula
ou se mantém um certo estado de coisas.
Os desejos e as crenças, e o seu discutido papel causal nas ações, são exemplos de
estados mentais intencionais.
� No exemplo 1, existe claramente um desejo (herdar uma fortuna) e uma crença, e
parece que à custa deles João concretiza um acontecimento – a morte de seu pai. Tudo
aponta, pois, que se trate de uma ação de João. Concordas?
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como distinguir as
ações umas das outras?», analisemos o seguinte exemplo:
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
2. Os membros de uma família estão sentados à mesa a comer uma feijoada. Estão
todos a fazer a mesma ação ou ações diferentes?
� Por um lado, podemos dizer que todos os familiares estão a comer a mesma coisa,
no mesmo local e à mesma hora;
� Por outro lado, cada pessoa poderá possuir intenções diferentes ao comer (apenas
matar a fome, regozijar-se com o sabor dos feijões, etc.) e os seus movimentos físicos
não são inteiramente coincidentes nem no espaço nem no tempo.
� Existem, então, duas respostas possíveis para aquela pergunta:
1. Diremos «sim» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como sendo um ato
genérico definido como «ingestão de feijões».
2. Diremos «não» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como algo realizado
concretamente por alguém, nalgum lugar, a alguma hora e com movimentos físicos
individualizados.
� Cada uma destas respostas traduz duas conceções filosóficas diferentes da ação:
1. A ação como uma entidade genérica e abstrata; para os filósofos que, como
Jaegwon Kim, a concebem deste modo, uma ação é algo meramente ideal (tal como a
ideia de Triângulo) e que pode ser exemplificado cada vez que um agente a perfaz (tal
como exemplificamos a ideia de Triângulo ao desenharmos uma figura triangular);
2. A ação como acontecimento concreto; para filósofos que, como Donald Davidson, a
concebem deste modo, as ações são acontecimentos localizados no espaço e no tempo
(têm lugar num certo sítio e a uma dada hora) e são individualmente realizados
(feitas por alguém);
Qual destas conceções consideras correta? Porquê?
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como explicar a
existência de preferências irracionais?», analisemos o seguinte exemplo:
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
3. Uma pessoa afirma que prefere os Limp Bizkit a Norah Jones e esta cantora a Bach.
No entanto, diz preferir Bach aos Limp Bizkit. Como explicar esta irracionalidade das
suas preferências?
� Dizemos que as suas preferências são irracionais porque são não transitivas.
� O que é a transitividade? É uma propriedade de relações: se uma entidade X tem
uma certa relação com uma entidade Y e se esta entidade Y tem o mesmo tipo de
relação com uma entidade Z, então a entidade X está nesse tipo de relação com a
entidade Z. Exemplos:
1. O Zé é mais alto do que o Chico; o Chico é mais alto do que o Quim. Logo, o Zé é
mais alto do que o Quim. A relação ser mais alto do que é transitiva.
2. O Guilherme é o pai do Pedro; o Pedro é o pai da Joana. Mas o Guilherme não é o
pai da Joana! A relação ser pai de é não transitiva.
� Ora, as ações são objeto de preferências e as nossas preferências, se forem
racionais, deverão ser transitivas:
Se preferes comer feijoada a comer filetes de pescada
e se preferes comer filetes de pescada a comer Nestum,
o que será racional que prefiras — feijoada ou Nestum?
� É legítimo pensar que qualquer comportamento racional terá de se conformar à
transitividade das preferências. Mas os estudos empíricos da Psicologia mostram que
isto nem sempre acontece, o que intriga muito os filósofos.
Como explicar a irracionalidade das preferências?
� Chama-se «acrasia» a uma falta de força de vontade. Um agente tem falta de força
de vontade se tiver o desejo de produzir um certo efeito e tiver a crença de que uma
dada ação é a melhor forma de produzir esse efeito e, no entanto, não realizar esta ação.
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
� Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como compreender o
fenómeno da acrasia?», analisemos o seguinte exemplo:
Se desejas verdadeiramente respeitar os direitos dos animais e se acreditas que a melhor
maneira de o fazer é deixando de comer carne, peixe, leite ou ovos, como compreender
que o continues a comer tudo isto?
� Aristóteles refletiu sobre a acrasia e pensou que a explicação das ações acráticas só
poderia ser feita se dispusesse de um modelo de explicação de ações racionais. Esse
modelo explicativo ficou conhecido como «silogismo prático»:
1. O agente tem o desejo de produzir um efeito E.
2. O agente crê que fazer a ação A é o melhor modo de alcançar E.
3. Logo, o agente faz A
� Neste modelo as premissas 1 e 2 são a justificação racional da ação enunciada na
conclusão, em 3. Se os agentes forem racionais, deverão poder explicar as suas ações
com base nos seus desejos e crenças, com os quais as ações devem ser coerentes.
� Numa ação acrática, isto não acontece. Vejamos o exemplo do fumar como
resultado de fraqueza irracional da vontade:
1. O António tem o desejo de ser saudável.
2. O António acredita que não fumar é a melhor maneira de ser saudável.
3. No entanto, o António fuma.
Assim concluímos que para falar de ação, implica falar de um agente, uma intenção e
uma motivação.
Sendo resumido neste quadro:
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
Definição dos conceitos nucleares
Ação: é uma interferência consciente e voluntária de um ser humano (o agente), dotado
de razão e de vontade, no normal decurso das coisas, que sem a sua inferência seguiriam
um caminho distinto;
Agente: é o ser humano que realiza consciente e voluntariamente uma ação;
Intenção: é o para quê, isto é, o propósito que o agente quer atingir;
Motivo: é a razão pela qual ele age.
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Intenção Motivo Agente
� o mesmo que projeto, isto
é, aquilo que nos propomos
fazer ou o propósito da ação
(implica a tomada de
consciência do sentido dos
nossos atos);
� o sentido da ação, isto é, o
significado atribuído a uma
ação, identificado através da
resposta à pergunta «o quê?»;
� o objeto da decisão e a
estratégia escolhida para o
concretizar.
� identifica aquilo que explica e
permite compreender a intenção,
isto é, as suas razões;
� refere-se ao porquê da intenção,
ou seja, «o que é que levou A a
fazer X»;
� distingue-se do conceito de
causa, porque ao identificarmos os
motivos não podemos considerar
que existe sempre entre eles e a
intenção uma relação necessária; há
que ter em conta a intervenção da
vontade. A causa faria ocorrer a
ação independentemente da vontade
do agente.
� o autor da intenção e da
ação ,isto é, o que pratica a
ação;
� identifica aquele que, por
sua iniciativa (livre e
voluntariamente), produz
alterações no decorrer
normal das coisas;
� por ser o autor, isto é,
aquele que pratica uma ação
intencionalmente, é aquele a
quem se atribui a
responsabilidade da ação,
isto é, aquele que responde
por ela.
Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
II.A ação humana e os valores
1. A ação humana – análise e compreensão do agir
1.2. Determinismo e liberdade na ação humana
� A liberdade de ação é um importante tópico discutido em Filosofia. Na tradição
ocidental moral, religiosa e jurídica, conceitos como os de responsabilidade, culpa e
imputabilidade estão vinculados ao de liberdade.
� Nessa tradição, um agente é responsabilizável por uma ação apenas no caso de ter
sido livre para agir como agiu. Por exemplo, um indivíduo é culpado aos olhos de Deus
se tiver pecado quando podia não o ter feito; um criminoso é imputável aos olhos da
Justiça se tiver cometido um crime quando podia evitá-lo.
Mas se alguém é forçado a agir de uma certa forma, será legítimo responsabilizá-lo
pela sua «ação»?
� Que “forças” condicionam as nossas ações? Podemos reconhecer três tipos de
condicionantes da ação:
1. Físicas: as ações dependem da estrutura anatómica e fisiológica do agente e das leis
naturais que regem os fenómenos do mundo;
2. Psicológicas: a personalidade, o caráter, a força de vontade ou a falta dela, os
estímulos e as motivações são aspetos que influenciam o tipo de ações que
empreendemos;
3. Culturais: as vivências, as normas, as tradições, os hábitos e costumes, e todas as
circunstâncias políticas, económicas e sociais que, enquanto agentes, nos relacionam
com outros agentes, condicionam claramente as nossas ações.
� Será que as condicionantes da ação impossibilitam a liberdade de ação? Seremos
realmente livres ou a será a liberdade apenas uma ilusão?
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
Para compreendermos o significado desta pergunta, teremos de dominar uma noção
essencial – a de causalidade.
� Uma cadeia causal é uma sucessão de acontecimentos na qual cada um deles é causa
do acontecimento que lhe sucede e cada um deles é efeito do acontecimento que o
antecede:
� Uma conceção determinista da ação salienta que as ações são acontecimentos que
têm lugar no mundo e que, portanto, estão integradas em cadeias causais: ora são
efeitos de acontecimentos anteriores (mentais ou físicos); ora são causas de
acontecimentos posteriores.
� Por outro lado, pensamos que devemos responder por muitos dos nossos atos, de que
somos responsáveis em consequência da nossa liberdade. Esta é uma visão não
determinista da ação.
� Isto gera um dilema, conhecido como «dilema de Hume»:
Se o determinismo for verdadeiro, então as nossas ações são causadas por
acontecimentos remotos que não controlamos, tornando-se inevitáveis, não sendo nós
responsabilizáveis pelo que fazemos; se o determinismo for falso, então as nossas
ações são aleatórias, pelo que também não somos responsabilizáveis por elas.
Conclusão: em qualquer caso, não há livre arbítrio nem responsabilidade.
� O problema do livre arbítrio pode agora ser precisamente formulado:
Como compatibilizar a crença de que todos os acontecimentos, incluindo as ações, são
causalmente determinados, segundo as leis da natureza, com a crença de que o
Homem é livre e responsável pelas ações?
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
� As respostas tradicionais ao problema do livre-arbítrio podem ser divididas em
teorias compatibilistas e teorias incompatibilistas.
� As primeiras defendem que o livre-arbítrio é compatível com o determinismo; as
segundas defendem que o livre-arbítrio não é compatível com o determinismo.
� Teorias que respondem ao problema do livre-arbítrio:
Exemplo do problema do livre-arbítrio
� O problema do livre-arbítrio, um dos mais antigos e intratáveis da filosofia, começa
com uma certa inadequação terminológica. A expressão portuguesa "livre-arbítrio",
assim como a expressão "liberdade da vontade", que é tradução do inglês "freedom of
the will", são enganosas, pois nem o juízo nem a vontade são os fatores preponderantes.
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
Menos comprometida seria a expressão "liberdade de decisão" ou "liberdade de
escolha" ou, melhor ainda (posto que mais abrangente), "liberdade de ação".
� Feita essa advertência terminológica, passemos à exposição do problema. Ele diz
respeito ao conflito existente entre a liberdade que temos ao agir e o determinismo
causal. Podemos introduzi-lo considerando as três proposições seguintes:
1. Todo o evento é causado.
2. As nossas ações são livres.
3. Ações livres não são causadas.
� A proposição 1 parece geralmente verdadeira: cremos que no mundo em que vivemos
para todo evento deve haver uma causa. A proposição 2 também parece verdadeira:
quando nos observamos a nós mesmos, parece óbvio que as nossas decisões e ações são
frequentemente livres. Também a proposição 3 parece verdadeira: se as nossas ações
fossem causalmente determinadas, elas não poderiam ser livres.
� O problema do livre-arbítrio surge quando percebemos que as três proposições acima
formam um conjunto inconsistente, ou seja: não é possível que todas elas sejam
verdadeiras! Se admitimos que todo evento é causado e que a ação livre não é
causalmente determinada (que as proposições 1 e 3 são verdadeiras), então não somos
livres, posto que as nossas ações são eventos (a proposição 2 é falsa). Se admitimos que
as nossas ações são livres e que como tais elas não são causalmente determinadas (que 2
e 3 são proposições verdadeiras), então não é verdade que todo o evento seja causado (a
proposição 1 é fa1sa). E se admitimos que todo o evento é causado e que somos livres
(que as proposições 1 e 2 são verdadeiras), então deve haver a1go de errado com a ideia
de liberdade expressa na proposição 3.
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
� Cada uma dessas alternativas possui um nome e foi classicamente defendida. A
primeira delas é chamada de determinismo; ela consiste em negar a verdade da
proposição 2, ou seja, que somos realmente livres. Ela foi mantida por filósofos como
Espinosa, Schopenhauer e Henri d'Holbach. A segunda alternativa chama-se libertismo:
ela não tem problemas em admitir que o mundo ao nosso redor é causalmente
determinado, mas abre uma exceção para muitas de nossas decisões e ações, que sendo
livres escapam à determinação causal. Com isso o libertismo rejeita a validade universal
do determinismo expressa pela proposição 1. Essa é a posição de Agostinho, Kant e
Fichte. Finalmente há o compatibilismo, que tenta mostrar que a liberdade de ação é
perfeitamente compatível com o determinismo, rejeitando a ideia de liberdade expressa
na proposição 3. Historicamente, Hobbes, Hume e Mill foram famosos defensores do
compatibilismo. No que se segue, quero considerar isoladamente cada uma dessas
soluções, argumentando finalmente a favor do compatibilismo.
1. Determinismo
� O determinismo parte da consideração de que, da mesma forma que podemos sempre
encontrar causas para os eventos físicos que nos cercam, podemos sempre encontrar
causas para as nossas ações, sejam elas quais forem. Com efeito, sendo como somos
produtos de um processo de evolução natural, seria surpreendente se as nossas ações
não fossem causadas do mesmo modo que o são outros eventos biológicos, tais como a
migração dos pássaros e o fototropismo das plantas. Mesmo que o princípio da
causalidade não seja garantido e que no mundo da microfísica ele tenha sido inclusive
colocado em dúvida, no mundo humano, constituído pelas nossas ações, pensamentos,
decisões, vontades, esse princípio parece manter-se plenamente aceitável. De facto,
admitimos que as decisões ou ações humanas são causadas. Alguns poderão dizer que
Napoleão invadiu a Rússia por livre decisão da sua vontade. Mas os historiadores
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
consideram parte do seu ofício encontrar as causas, procurando esclarecer as motivações
e circunstâncias que o induziram a tomar essa funesta decisão. Na determinação das
nossas ações, as causas imediatas podem ser externas (alguém decide parar o carro
diante de um sinal vermelho) ou internas (alguém resolve tomar um refrigerante), sendo
geralmente múltiplas e por vezes muito difíceis de serem rastreadas. No entanto, teorias
biológicas e psicológicas (especialmente. a psicanálise) sugerem que as nossas ações
são sempre causadas; "Fiz isso sem nenhuma razão" raramente é aceite como desculpa.
� Com base em considerações como essas, a conclusão do filósofo determinista é a de
que o livre-arbítrio na verdade não existe, posto que se a ação fosse realmente livre ela
não seria determinada por outros fatores independentes dela mesma. A liberdade que
parecemos ter ao tomarmos as nossas decisões é pura ilusão, produzida por uma
insuficiente consciência das suas causas. Mesmo quando pensamos que poderíamos ter
agido de outro modo, o que queremos dizer não é que éramos realmente livres para agir
de outro modo, mas simplesmente que teríamos agido de outro modo se o sentimento
mais forte tivesse sido outro, se soubéssemos aquilo que agora sabemos etc. O
argumento a favor do determinismo pode ser assim esquematizado:
1. Todo o evento é causado.
2. As ações humanas são eventos.
3. Portanto, todas as ações humanas são causadas.
4. As ações humanas só são livres quando não são causadas.
5. Portanto, as ações humanas não são livres.
� A posição determinista encontra, porém, dificuldades. Não é só o sentimento de que
somos livres que perde a validade. Também o sentimento de arrependimento ou
remorso parece perder o sentido, pois como se justifica que nós possamos arrepender-
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
nos das nossas ações, se não fomos livres para escolhê-las? Também a responsabilidade
moral perde a validade. Se nas nossas ações somos tão determinados como uma pedra
que cai ao ser solta no ar, faz tão pouco sentido responsabilizar uma pessoa pelos seus
atos quanto faz sentido responsabilizar a pedra por ter caído. Tais dificuldades levam-
nos a considerar a posição oposta.
2. Libertismo
� O libertista rejeita o determinismo por considerar as conclusões acima inaceitáveis.
Ele também rejeita a primeira premissa do argumento determinista. O princípio da
causalidade, enunciável como "Todo o evento tem uma causa", não parece ter a sua
validade universal garantida. Certamente, esse princípio é extremamente útil, valendo
em geral para o mundo que nos circunda e mesmo para muitas de nossas ações. Mas
nada nele garante que a sua validade seja universal. Não podemos pensar que A = ~A
ou que 1 + 1 = 3, mas podemos perfeitamente conceber um evento no universo surgindo
sem nenhuma causa. A isso o libertarista poderá adicionar que nós simplesmente
sabemos que somos livres. Há uma grande diferença entre um comportamento reflexo e
um comportamento resultante da decisão da vontade. Nós sentimos que no último caso
somos livres, que podemos decidir sempre de outro modo.
� Para justificar essa posição, o libertista costuma lançar mão de uma teoria da ação, tal
como foi defendida por Richard Taylor ou por Roderick Chisholm. Segundo essa teoria
às vezes, ao menos, o agente causa os seus atos sem qualquer mudança essencial em si
mesmo, não necessitando de condições antecedentes que sejam suficientes para
justificar a ação. Isso acontece porque o eu é uma entidade peculiar, capaz de iniciar
uma ação sem ser causado por condições antecedentes suficientes! Você poderá
perguntar-se como isso é possível. A resposta geralmente oferecida é que não pode
haver explicação. Para responder a uma pergunta como essa teríamos de interrogar o
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próprio eu, considerando-o objetivamente. Mas, como quem deve considerar
objetivamente o eu só pode ser aqui o próprio eu, isso é impossível. Tentar interrogar o
próprio eu é tentar, como o barão de Münchausen, alçar-se sobre si mesmo pondo os pés
sobre a própria cabeça. O eu da teoria da ação é um eu esquivo [...]. Ele é um eu
autodeterminador, capaz de iniciar ações sem ser causado. Somos, quando agimos,
semelhantes ao deus aristotélico: somos causas não causadas, motores imóveis. O
argumento que conduz à teoria da ação tem a forma:
1. Não é certo que todo o evento é causado.
2. Sabemos que as nossas ações são frequentemente livres.
3. As ações humanas livres não podem ser causadas.
4. Portanto, a ação humana não precisa de ser causada.
� Embora essa solução preserve a noção de livre agência, ela tem o inconveniente de
explicar o obscuro pelo que é mais obscuro ainda, que é um mistério a ser aceite sem
questionamento. A pergunta que permanece é se não há uma solução mais satisfatória.
A solução que veremos a seguir, o compatibilismo, é hoje a mais aceite, sendo uma
maneira de tentar preservar as vantagens das outras duas sem as correspondentes
desvantagens.
3. Compatibilismo: definições
� Segundo o compatibilismo, também chamado de determinismo moderado ou
reconciliatório, nós permanecemos livres e responsáveis, mesmo sendo causalmente
determinados nas nossas ações. O raciocínio que conduz ao compatibilismo tem a
forma:
1. Todo o evento é causado.
2. As ações humanas são eventos.
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3. Portanto, todas as ações humanas são causadas.
4. Sabemos que as nossas ações são às vezes livres.
5. Portanto, as ações livres são causadas.
� Um bom exemplo de argumento em defesa do compatibilismo é o de Walter Stace,
para quem nós confundimos o significado da noção de liberdade na sua conexão com o
determinismo. Segundo Stace, o determinista acredita que a liberdade da vontade é o
mesmo que a capacidade de produzir ações sem que elas sejam determinadas por causas.
Mas isso é falso. Se assim fosse, uma pessoa que se comportasse arbitrariamente,
mesmo que contra a sua própria vontade, seria um exemplo de pessoa livre. Mas o
comportamento arbitrário não é visto como um comportamento livre. A diferença entre
a vontade livre e a vontade não-livre não deve residir, pois, no facto de a segunda ser
causalmente determinada e a primeira não. Além disso, tanto no caso de ações livres
como no caso de ações não-livres, nós costumamos encontrar determinações causais,
como mostram os seguintes exemplos, os três primeiros tomados do texto de Stace:
A. Atos livres B. Atos não-livres
1. Gandi passa fome porque quer libertar
a Índia.
Um homem passa fome num deserto
porque não há comida.
2. Uma pessoa rouba um pão porque está
com fome.
Uma pessoa rouba porque o seu patrão a
obrigou.
3. Uma pessoa assina uma confissão
porque quer dizer a verdade.
Uma pessoa assina uma confissão porque
foi submetida a tortura.
4. Uma pessoa decide abrir uma garrafa
de champanhe porque quer brindar ao
Ano Novo.
Uma pessoa toma uma dose de aguardente,
mesmo contra a sua vontade, porque é
alcoólica.
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
� Note-se que a palavra "porque", que denota causalidade, é comum a ambas as
colunas. Assim, a coluna A não difere da coluna B pelo facto de não podermos
encontrar causas das ações, decisões e volições dos agentes. E às causas apresentadas
podemos adicionar ainda outras, como razões psicológicas e biográficas de Gandi, o
costume de brindar ao Ano Novo abrindo uma garrafa de champanhe etc. Mesmo nos
casos de decisões arbitrárias (como quando alguém decide lançar uma moeda no ar para
que a sorte decida o que deve fazer), a decisão de escolher arbitrariamente também
possui alguma causa.
� A diferença notada por Stace entre as ações livres da coluna A e as não-livres da
coluna B é que as primeiras são voluntárias, enquanto as segundas não. Daí que ele
defina a diferença entre a vontade livre e não-livre como residindo no facto de que as
ações derivadas da vontade livre são voluntárias, enquanto as ações derivadas da
vontade não-livre são involuntárias, no sentido de se oporem à nossa vontade ou de
serem independentes dela. Se Gandi passa fome para libertar a Índia, se alguém rouba
um pão por estar com fome, essas são ações livres, posto que voluntárias; mas se uma
pessoa assina uma confissão sob tortura ou toma uma dose de aguardente contra a sua
vontade, essas são ações que se opõem à vontade dos agentes, por isso mesmo não são
livres.
� Embora a explicação de Stace seja geralmente bem-sucedida, ela não se aplica
satisfatoriamente a alguns casos. Considere os seguintes:
A. Atos livres B. Atos não-livres
5. Uma pessoa abre a janela porque faz
calor.
Uma pessoa abre a janela por efeito de
sugestão pós-hipnótica.
6. Um membro de uma equipa de Um psicopata explode uma bomba porque
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cinema explode uma bomba para efeitos
de filmagem.
ouve vozes que o convenceram a realizar
essa ação.
� No exemplo B-5 a pessoa abre a janela porque o hipnotizador lhe disse que meia hora
após ser acordada da hipnose deveria abrir a janela, sem se lembrar de que faz isso por
decisão do hipnotizador (curiosamente, se interrogada, a pessoa submetida a esse tipo de
experiência costuma fornecer uma razão qualquer, como a de que está sentindo calor).
� Nesse caso a pessoa realiza a ação voluntariamente, pensando que o faz por livre e
espontânea vontade, embora na verdade o faça seguindo a instrução de quem a
hipnotizou. No exemplo B-6, o psicopata também age voluntariamente, e o mesmo
poderíamos dizer de casos de fanáticos, de neuróticos e, em geral, de pessoas presas a
valores e padrões de conduta excessivamente rígidos, que sofrem por isso limitações na
capacidade de livre deliberação, apesar de agirem voluntariamente. A ação livre deve
aproximar-se de um ideal de racionalidade plena, o que aqui está longe de ser o caso.
� Na minha opinião a diferença mais importante entre os casos apresentados, nas
colunas A e B é que em B, em que a ação não é livre, o agente age sob restrição,
coerção ou limitação externa (exemplos 1, 2, 3 e 5) ou interna (exemplos 4 e 6),
enquanto nos casos da coluna A, em que a ação é livre, o agente age motivado por
razões não-limitadoras ou "plenas". É difícil explicar o que sejam razões não-
limitadoras, mas a ideia é intuitiva: considere a diferença entre as razões de Gandi e as
razões de quem age por sugestão pós-hipnótica, por força de um delírio psicótico ou de
uma crença fanática; mesmo não-admiradores de Gandi admitiriam que as suas razões
são comparativamente menos limitadoras, menos restritivas, mais legítimas. Admitindo
essa distinção de grau entre razões limitadoras e não-limitadoras, chegamos a uma
definição inerentemente negativa da ação livre, que é mais abrangente do que a de
Stace:
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A ação livre é aquela em que o agente não é restringido fisicamente, nem
coagido na sua vontade, nem limitado na sua racionalidade ao realizá-la.
Livre-arbítrio versus determinismo
� O problema do livre-arbítrio versus determinismo surge devido a uma aparente
contradição entre duas ideias plausíveis. A primeira é a ideia de que os seres humanos
têm liberdade para fazer ou não fazer o que queiram (obviamente, dentro de certos
limites ― ninguém acredita que possamos voar apenas por querermos fazê-lo). Esta é a
ideia de que os seres humanos têm vontade livre ― ou livre-arbítrio. A segunda é a
ideia (...) de que tudo o que acontece neste universo é causado, ou determinado, por
acontecimentos ou circunstâncias anteriores. Diz-se de aqueles que aceitam esta ideia
que acreditam no princípio do determinismo e chama-se-lhes deterministas. (De
aqueles que negam esta segunda ideia diz-se que são indeterministas.)
� Pensa-se frequentemente que estas duas ideias conflituam porque parece que não
podemos ter livre-arbítrio ― as nossas escolhas não podem ser livres ― se são
determinadas por acontecimentos ou circunstâncias anteriores.
Definição dos conceitos nucleares
Determinismo: princípio segundo o qual todo o fenómeno é rigorosamente
determinado por aqueles que o precederam ou acompanham, (leis da natureza: físicas e
biológicas) ou (plano sobrenatural: vontade de Deus, força do destino) sendo a sua
ocorrência necessária e não dependente da vontade do agente;
Liberdade: é ter a possibilidade de escolher e de decidir o que fazer de nós próprios,
que tipo de pessoa nos propomos construir tendo em conta todos os fatores e
condicionalismos circunstanciais que o contexto vivencial nos proporciona e que são
simultaneamente limitações e desafios;
Liberdade humana: capacidade de autodeterminação, ou seja, a possibilidade e a
necessidade de sermos nós a orientar a nossa ação e, desse modo, a definir e a moldar a
nossa personalidade, tendo em conta as condicionantes da ação;
Causalidade: acontecimento que sucede à cadeia causal;
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Finalidade: acontecimento que antecede à cadeia causal.
II.A ação humana e os valores
2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa
2.1. Valores e valoração – a questão dos critérios valorativos
Os valores são qualidades que se atribuem aos objetos. Estes orientam a nossa ação, isto
é, a nossa ação é determinada pelos valores; pelo que é considerado justo/injusto;
correto/incorreto pelo sujeito.
Os valores não existem efetivamente nos objetos, ou seja, não são características dos
objetos. Orientam as nossas ações; agimos em função daquilo que gostamos e achamos
correto.
Características dos valores
Os valores são:
� Subjetivos – quando dependem do sujeito, isto é, dois sujeitos perante um objeto
podem ter opiniões diferentes acerca do mesmo. (Ex.: uma pessoa pode achar o objeto
bonito e outra feio).
� Não são coisas nem características sensíveis dessas mesmas coisas
� São hierarquizáveis – não têm todos a mesma importância, cada sujeito tem a sua
própria hierarquia.
� Existem em pólos opostos – existem valores positivos e valores negativos. (Ex.:
beleza ≠ fealdade).
� Valor-fim e valores-meio:
• Valor-fim – são aqueles que valem por si mesmo (encontram-se no topo da
hierarquia);
• Valores-meio – são aqueles que nos permitem alcançar o valor-fim.
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� Valores espirituais e valores materiais – produzem prazer sensível
• Valores éticos/morais
• Valores religiosos produzem prazer espiritual
• Valores estéticos
� São relativos – variam de época para época; de cultura para cultura, não quer dizer
que uns sejam mais corretos que outros.
� São perenes – não morrem, apesar da sua subjetividade e da sua relatividade estes
continuarão a determinar a visão que o homem tem do mundo e as suas ações.
Critério Valorativo: Juízos e Factos
� Facto é o aspeto da realidade, aspeto esse que pode ser descrito de uma forma
objetiva. Quando queremos descrever objetivamente um facto, elaboramos os juízos de
facto.
� Juízo é enunciado onde se afirma ou nega uma coisa de outra coisa.
� Os Juízos de facto são proposições onde se descrevem objetivamente os aspetos da
realidade (factos). Descrevem a realidade tal como ela é, fornecendo assim informação
sobre o mundo. São objetivos pois não dependem da perspetiva do sujeito que os
enuncia, dependendo exclusivamente do objeto ou do facto.
� Pelo facto de eles serem objetivos possuem valor de verdade. Quando o conteúdo do
juízo corresponde verdadeiramente aos factos, é verdadeiro; quando, pelo contrário, não
corresponde, é falso.
� Os juízos de facto são os únicos que aparecem nas ciências (Ex.: leis científicas)
� Estes são descritivos, descrevendo certos aspetos da realidade.
� Os Juízos de valor servem para expressar/traduzir/mostrar a avaliação, positiva ou
negativa, que cada um de nós faz da realidade.
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Contrariamente aos juízos de facto que são objetivos, os juízos de valor são subjetivos,
porque dependem exclusivamente da avaliação que cada sujeito faz da realidade.
Ao fazer a sua avaliação, o sujeito pretende influenciar os outros, levando-os a fazer o
mesmo tipo de avaliação de um acontecimento sendo, por isso, parcialmente,
normativos.
� Assim temos:
Exemplos:
� Os juízos morais são os juízos de valor mais discutidos pelos filósofos.
Estas são duas questões importantes sobre a natureza desses juízos:
1. Os juízos morais têm valor de verdade?
2. Se têm valor de verdade, são verdadeiros ou falsos independentemente da perspetiva
de quaisquer sujeitos?
� As teorias objetivistas respondem afirmativamente a ambas as questões.
� Vamos examinar apenas teorias que não são objetivistas.
Subjetivismo
� Subjetivismo: Os juízos morais têm valor de verdade, mas o seu valor de verdade
depende da perspetiva do sujeito que faz o juízo.
� Existem factos morais, mas estes são subjetivos, pois só dizem respeito às atitudes de
aprovação ou reprovação das pessoas.
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
Duas razões para ser subjetivista:
� Se as distinções entre o certo e o errado não forem fruto dos sentimentos de cada
pessoa, então serão imposições exteriores que limitam as possibilidades de ação de cada
indivíduo. O subjetivismo preserva a liberdade individual.
� Quando percebemos que as distinções entre o certo e o errado dependem dos
sentimentos de cada pessoa e que os sentimentos de uma não são melhores nem piores
que os de outra, tornamo-nos mais capazes de aceitar as ações contrárias às nossas
preferências.
O subjetivismo promove a tolerância entre indivíduos.
Objeções ao subjetivismo:
� O subjetivismo permite que qualquer juízo moral seja verdadeiro.
Por exemplo, se uma pessoa pensa que devemos torturar inocentes, então para essa
pessoa é verdade que devemos torturar inocentes.
� O subjetivismo compromete-nos com uma educação moral que consiste apenas em
ensinar que devemos agir de acordo com os nossos sentimentos.
� O subjetivismo tira todo o sentido ao debate moral. Torna absurdo qualquer esforço
racional para encontrar os melhores princípios éticos e fundamentá-los perante os
outros.
Para aprofundar esta última objeção, vejamos como o subjetivista entende os casos de
desacordo moral:
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
� Se a tradução do subjetivista é correta, então não há qualquer desacordo genuíno
entre o João e a Maria. Mas há um desacordo genuíno entre o João e a Maria. Logo, a
tradução do subjetivista não é correta. (Portanto, o subjetivismo é falso.)
Emotivismo
� Emotivismo: Os juízos morais são apenas frases em que as pessoas exprimem os
seus sentimentos de aprovação ou reprovação ou tentam suscitar esses mesmos
sentimentos nos outros.
� Os juízos morais não têm valor de verdade. Não são proposições.
Vantagens do emotivismo sobre o subjetivismo:
� Não implica que qualquer juízo moral pode ser verdadeiro.
� Proporciona um modelo mais aceitável da educação moral: esta pode ser vista como
a tentativa de influenciar os sentimentos das crianças de várias maneiras.
� Não implica que não há desacordos genuínos e, portanto, não exclui totalmente a
possibilidade do debate moral.
Duas objeções emotivismo:
� Os juízos morais nem sempre estão de acordo com os nossos sentimentos de
aprovação ou reprovação.
� Os juízos morais nem sempre exprimem emoções.
Definição dos conceitos nucleares
Valor: não é uma propriedade dos objetos em si, mas uma propriedade adquirida por
esse objetos graças à sua relação dom o Homem como ser social, embora os objetos,
para poderem valer, tenham de possuir realmente certas propriedades objetivas.
Juízo de facto: são juízos que descrevem a realidade, sendo por isso considerados
objetivos, verificáveis e suscetíveis de serem considerados verdadeiros ou falsos.
Juízo de valor: Expressam uma apreciação de alguém a respeito de algo, traduzindo
uma opção de natureza emotiva e afetiva; são subjetivos, discutíveis e relativos.
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II.A ação humana e os valores
2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa
2.2. Valores e cultura – a diversidade e o dialogo de culturas
Relativismo moral
� Relativismo moral: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, são verdadeiros
ou falsos. Por isso, existem factos morais.
� A verdade ou falsidade dos juízos morais é sempre relativa a uma determinada
sociedade.
� Um juízo moral é verdadeiro numa sociedade quando os seus elementos acreditam
que ele é verdadeiro, falso quando acreditam que ele é falso.
� O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas dentro de
cada sociedade.
Podemos chamar «relativismo cultural» à ideia de que muitos costumes e práticas que
variam de sociedade para sociedade, como os hábitos alimentares, as cerimónias de
casamento ou o estilo de vestuário, são relativos à cultura: não há uma maneira de
comer, casar ou vestir que seja universalmente melhor do que todas as outras.
O relativista moral estende esta ideia quase trivial à ética. Aplicada à ética, no entanto, a
ideia deixa de ser trivial.
Duas razões para ser relativista moral:
� O relativismo promove a coesão social. Esta coesão é fundamental para a
sobrevivência da sociedade e assim para o nosso bem-estar.
� O relativismo promove a tolerância entre sociedades diferentes.
Leva-nos a não ter qualquer impulso violento e destrutivo em relação aos outros povos e
culturas.
Objeções ao relativismo moral:
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
� O relativismo moral conduz ao conformismo. Um conformista limita-se a agir de
acordo com as ideias dominantes na sociedade. Na ausência de algum inconformismo,
não pode haver qualquer progresso moral.
� O relativismo moral só aparentemente promove a tolerância entre culturas diferentes:
• A afirmação do valor universal da tolerância é incompatível com o relativismo.
• Um relativista teria de aprovar atitudes de extrema intolerância se estas fossem
consideradas boas no interior de uma dada sociedade.
A teoria dos mandamentos divinos
� Teoria dos mandamentos divinos: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja,
são verdadeiros ou falsos. Por isso, existem factos morais.
� A verdade ou falsidade dos juízos morais depende da vontade de
Deus.
� O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas por Deus.
O dilema de Êutifron
A relação entre a diversidade cultural, o relativismo e a tolerância
� Os valores são simultaneamente absolutos e relativos. São absolutos porque existem
em todas as sociedades e porque há valores universalmente aceites, tais como os valores
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consignados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. São relativos porque
variam as qualidades que têm de possuir para poderem ser consideradas bens. De facto,
todas as sociedades distinguem o bem do mal, considerando o bem um valor positivo e
o mal um valor negativo ou contra valor. Porem, o conceito de bem e de mal é definido
culturalmente; os valores têm um caráter histórico e mudam à medida que a sociedade e
a cultura se transformam (dependem da época, da geografia, dos regimes políticos, das
classes sociais, da cultura, etc.); por outro lado, a par dos valores universais como o
valor da vida ou da liberdade, há valores em que a subjetividade é predominante,
dependendo dos gostos e das preferências pessoais como é o caso dos valores estéticos,
por exemplo.
� A evolução e progresso social acarretam o aparecimento de novos problemas e novas
mentalidades e a necessária transformação dos valores. Hoje, o relativismo cultural é
um valor positivo e nega-se a existência de padrões axiológicos absolutos. Isto não
significa que não deva haver valores universais a preservar para além desse relativismo
como é o caso do valor da vida e da dignidade da pessoa, qualquer que seja a sua
condição (cultura que adotou, classe social, sexo, religião, cor da pele, etnia, etc.). A
todos os seres humanos, pelo facto de seres humanos, é devida igualdade de direitos e
de deveres, por isso, não podemos tolerar praticas culturais atentatórias da dignidade
humana e devemos usar todos os meios para garantir o respeito pelos direitos humanos
fundamentais em todos os países do mundo.
Definição dos conceitos nucleares
Absoluto (etnocentrismo): uma tendência para colocar no centro a nossa cultura,
considerando os seus valores e os seus padrões culturais como medida daquilo que é
desejável e estimável para todos.
Relativo (relativismo): aceita que comportamentos socialmente aprovados e os
sistemas de valores dos povos com os quais se entra em contacto sejam julgados e
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avaliados sem referencia a padrões absolutos, a necessidade de tolerância pelas
diferenças (raciais, étnicas, religiosas, sexuais) e o valor do respeito mútuo.
Cultura: em sentido amplo, pode ser definida como os aspetos de ordem material e de
ordem espiritual que, em relação com uma sociedade ou grupo, foram adquiridos com
base em formas de vida ancestrais comuns. Pode-se afirmar “Sem homem não há
cultura. Mas sem cultura não há homem.”
II.A ação humana e os valores
3. Dimensões da ação humana e dos valores
3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial
3.1.1. Intenção ética e norma moral
� Os conceitos de ética e moral são usualmente utilizados indiferentemente, para nos
referirmos a um código ou a um conjunto de princípios que as pessoas seguem na sua
vida.
� A ética, deriva do grego ethos, que designava os comportamentos habituais, os
costumes, aquilo que permite ao ser humano construir uma segunda natureza, referindo-
se, pois, à sua interioridade.
� Assim a Ética, mantendo o significado mais próximo daquele que o próprio conceito
grego de ethos, remete mais para uma reflexão acerca dos princípios que devem orientar
a ação humana, para uma fundamentação das normas do agir, e também para a definição
dos fins orientadores da existência de cada um, tendo em vista a autoconstrução de si na
prossecução duma vida boa e feliz. Interroga-se sobre o que dá sentido ou valor à
existência humana. A Ética remete, portanto, para uma sabedoria de vida, algo que
aponta já para uma certa espiritualidade e realização pessoal autónoma.
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� A moral utiliza-se hoje para designar o âmbito da formação das normas obrigatórias,
da sua hierarquização e aplicação a casos concretos no interior duma comunidade
humana.
� Assim a Moral constitui, portanto, um conjunto de imperativos e de interditos,
traduzindo o sentido de obrigatoriedade, o conjunto dos deveres do ser humano, isto é,
uma deontologia, as normas validas no interior de um grupo. Desenvolve-se na pratica
social, no contexto de uma cultura, no seio da qual os valores, os hábitos e os costume
geram as leis ou códigos que definem o que é desejável e o que é permitido ou proibido,
distinguindo o bem do mal. Apresenta-se, portanto, com uma função normativa, isto é,
de institucionalização de normas que regulam a conduta. A Moral responde-nos, pois, às
questões: Que devo fazer? Como é correto agir em tal circunstância?
� Apesar desta distinção, quer a Ética quer a Moral são importantes guias da ação
humana, no sentido em que relacionam com uma vida com projetos e ideais a alcançar.
O sentido da palavra «desmoralizado» ajuda-nos a compreender bem, embora pela
negativa, a sua importância: diz-se «desmoralizado» de alguém a que perdeu a
orientação e o interesse pela vida ou pelos seus objetivos. E a Moral e a Ética apelam
exatamente para a realização pessoal do indivíduo. Apesar desta distinção conceptual,
muitos autores continuam a usar os dois conceitos como sinónimos.
Definição dos conceitos nucleares
Ética: (do conceito grego “ethos”) é o domínio da reflexão teórica sobre esses
princípios e normas tendo em vista a sua definição e, sobretudo, a sua justificação
racional. À ética diz ainda respeito a definição dos fins universais que deverão orientar a
ação humana na autoconstrução de cada indivíduo tendo em vista tornar-se pessoa. A
ética pode então ser entendida como fundamentação das normas morais do agir ou como
definição dos fins orientadores da existência de cada um.
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
Moral: (do latim “mores”) designa o âmbito da formação das normas, da
hierarquização e aplicação a casos concretos, traduzindo o conjunto dos deveres do ser
humano.
II.A ação humana e os valores
3. Dimensões da ação humana e dos valores
3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial
3.1.2. A dimensão pessoal e social da ética – o si mesmo, o outro e as instituições
� A responsabilidade é a capacidade de responder e prestar contas pelos atos
praticados. A responsabilidade tem duas vertentes: a responsabilidade civil, prestar
contas pelas consequências perante terceiros, e a responsabilidade moral, prestar conta
perante a nossa consciência pelos atos e intenções dos mesmos.
� A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos atos praticados; assumir esta
autoria implica uma reflexão prévia que pode e deve conduzir a uma opção livre de
constrangimentos, isto é, autónoma; esta autonomia ou liberdade é condição para se ser
pessoa. A responsabilidade implica maturidade moral.
� A existência humana é uma existência partilhada, isto é, vivida em coexistência com
os outros ou, dito de outro modo, o ser humano é um ser eminentemente social. Como
nos diz F. Savater «ninguém chega a tornar-se humano se está só: tornamo-nos
humanos uns aos outros».
� Os Gregos foram os primeiros a salientar a importância desta dimensão social e
politica do ser humano, como é vísivel na definição apresentada por Aristóteles ao
afirmar «o Homem é um animal político; aquele que vive só ou é um deus ou um
louco», sendo por isso que a pena mais cruel infligida a um indivíduo era a condenação
ao ostracismo, isto é, a condenação a viver isolado dos outros.
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� Sendo assim, a dimensão ética implica que não se considerem exclusivamente os
interesses individuais e se avaliem as situações tendo em conta também os interesses
dos outros.
� A relação eu-outro implica, portanto, que os nossos juízos avaliativos adotem um
ponto de vista no qual considerem igualmente os interesses de todos os que são afetados
pelas nossas ações, isto é, implica que nos coloquemos numa perspetiva de
universalidade do agir. A ação ética exige que ultrapassemos o nosso ponto de vista
pessoal e nos coloquemos, na medida do possível, no lugar do outro (entendendo-se por
outro todos os seres com quem nos relacionamos). Em vez do egoísmo a Ética valoriza
o altruísmo e a solidariedade. Em vez do benefício pessoal, a Ética promove, elogia e
estimula a consideração de valores comuns aos membros duma comunidade.
� Valorizando os comportamentos comuns, a Ética procura assim promover a
realização da vida social, em que a existência individual ganha sentido na vivência
partilhada com os outros.
� A relação com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstrução,
evidenciando que a realização de cada um supõe também a realização dos outros, numa
convergência de vontades particulares tendo em vista a realização de fins comuns. Mas
o antagonismo e a conflituosidade entre os interesses individuais nem sempre se
conseguem compatibilizar e, por isso, as diferentes formas de relacionamento social
expressas quer em competição/solidariedade, que em cooperação/hostilidade, exigem o
estabelecimento de regras de conduta, de normas e leis que definam os direitos e
deveres de cada um num espaço de convivência.
� Esta convivência com os outros não deve ser determinada por uma força instintiva ou
biológica, antes se estabelece no interior duma comunidade, em função de objetivos,
valores e opções livremente definidos por cada sociedade. É esta convergência de ideais
que procura dar sentido à existência da sociedade e de cada indivíduo.
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� Nesta interação social forma-se em cada um de nós uma instância interior de
orientação e de critica do nosso agir, a que chamamos consciência moral.
� Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciência moral,
costumamos compará-la a uma espécie de «juiz interior» que julga o que fazemos,
provocando-nos, em certas situações, aquilo a que chamamos remorsos por termos
praticado uma ação considerada má (ter a consciência pesada, ou ter um peso na
consciência), ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos
bem (estar de consciência tranquila).
� O conceito de consciência moral inclui, então:
• Um sentido apelativo, para valores e normas ideais a que não devemos renunciar
(uma «bússola» orientadora do sentido da ação);
• Um sentido imperativo (obrigação), que nos ordena uma ação compatível com os
valores que defendemos (index);
• Um sentido judicativo, pois assume-se como instância julgadora dos nossos atos e das
próprias intenções do agente, conforme estão ou não de acordo com os valores e ideais
a que aderimos (judex);
• Um sentido de censura e de remorso, ou de elogio e satisfação, conforme a nossa
vivência obedece ou não aos ideais e valores assumidos (vindex).
� Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos,
a consciência moral constitui-se na conjugação de duas orientações:
CONSCIÊNCIA MORAL
• Por um lado, cresce à medida que o
indivíduo interioriza as regras e padrões
do grupo (heteronomia).
• Por outro, amadurece e assume-se como
uma dimensão pessoal no sentido em
que cada um se autodetermina por
princípios racionalmente justificados
(autonomia).
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� Há pois, uma interação entre as estruturas do indivíduo e as influencias do meio
social, uma articulação do querer individual com os padrões sociais, que conduz à
transformação do indivíduo em pessoa.
Noção de pessoa
� Por pessoa entende-se o individuo humano que:
• Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigações, para consigo mesmo,
para com os outros e para com as instituições;
• Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social;
• Assume o caráter racional da sua autonomia e, portanto, a capacidade de agir livre e
responsavelmente, isto é, em nome próprio;
• Tem consciência do caráter inter-relacional da sua autonomia, uma vez que autonomia
não significa autossuficiência nem indiferença pelos outros;
• Assume a dignidade como atributo essencial do Homem, dignidade que se expressa
numa exigência perante si mesmo, perante os outros e perante as instituições.
� Podemos dizer então que ser pessoa exige viver em sociedade, reconhecer e respeitar
princípios universais de relação com os outros, reconhecer-se como sujeito de direitos e
deveres, estar aberto aos outros.
Neste sentido foram fundadas, ao longo dos tempos, instituições políticas e sociais que
visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e
que demonstram a aceitação pelas sociedades da personalidade humana.
Definição dos conceitos nucleares
Responsabilidade: deriva etimologicamente da palavra latina «respondere», que
significa responder pelos atos e ter a obrigação de prestar contas pelos atos praticados.
A responsabilidade pode assumir diferentes formas: responsabilidade civil – referindo-
se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social; responsabilidade
moral – referindo-se à obrigação de responder perante a nossa própria consciência.
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II.A ação humana e os valores
3. Dimensões da ação humana e dos valores
3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial
3.1.3. A necessidade de fundamentação da moral – análise comparativa de duas
perspetivas filosóficas
Ética utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 d.C)
� Filósofo e economista, considerado o mais importante representante do utilitarismo
inglês. Embora mantenha a identificação base do utilitarismo da felicidade com prazer,
Stuart Mill classifica os prazeres segundo um critério qualitativo, considerando em
primeiro lugar a dignidade do Homem, e defende que o fim das nossas ações deve ser
uma utilidade altruísta e não meramente egoísta.
Duas objeções ao utilitarismo
� O utilitarismo não funciona na prática, pois exige que estejamos sempre a calcular as
consequências das nossas ações.
� O utilitarismo, como não leva em conta as normas ou regras morais comuns,
predispõe-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir, roubar ou matar.
Uma resposta às objeções
O utilitarismo é primariamente uma teoria sobre o que torna as ações certas ou erradas.
O utilitarismo não é uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisões.
Por isso, o utilitarismo não implica que:
1. Temos de tomar todas as decisões calculando as consequências prováveis dos nossos
atos.
2. Temos de ser indiferentes às normas morais comuns quando decidimos o que fazer.
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O utilitarista dirá que se tomássemos todas as decisões calculando as suas
consequências acabaríamos por não promover o bem.
O utilitarista dirá que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisões que,
de uma maneira geral, serão boas.
Dois níveis de pensamento moral
� Nível intuitivo: Como o nosso conhecimento é muito limitado, tomamos as nossas
decisões quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos, obedecendo às
inclinações do nosso caráter, sem aplicar o princípio utilitarista.
� Nível crítico: Aplicamos o princípio utilitarista para (1) tomar decisões em situações
em que as regras morais comuns não nos permitem saber o que fazer, (2) avaliar
criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou não o bem-estar.
Duas objeções ao utilitarismo que não afetam as teorias deontológicas:
1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que não são moralmente obrigatórios.
É por isso, em certos aspetos, uma teoria moral demasiado exigente.
2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que não são moralmente permissíveis.
É por isso, noutros aspetos, uma teoria moral demasiado permissiva.
Integridade
A excessiva exigência do utilitarismo ameaça a nossa integridade pessoal: para agir em
conformidade com o utilitarismo, teríamos que abdicar de quase todos os nossos
projetos e compromissos pessoais.
Respeito e direitos
A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos
morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviço do fim
do bem geral.
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Dois egoísmos
� Egoísmo psicológico: As pessoas agem sempre apenas em função do seu interesse
pessoal.
� Egoísmo ético: As pessoas devem agir sempre apenas em função do seu interesse
pessoal.
Somos todos egoístas?
Dois argumentos a favor do egoísmo psicológico:
1. Quando agimos voluntariamente, fazemos sempre aquilo que mais desejamos. Por
isso, somos todos egoístas.
2. Sempre que fazemos bem aos outros, isso dá-nos prazer. Por isso, só fazemos bem
aos outros para sentirmos prazer. Ora, isso é o mesmo que dizer que somos todos
egoístas.
Em ambos os argumentos, a premissa não sustenta a conclusão:
� Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntários as pessoas se limitam a
fazer aquilo que mais desejam, daí não se segue que todos esses atos sejam egoístas.
� Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros, isso não quer dizer que a
expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da ação.
Devemos ser egoístas?
Três objeções ao egoísmo ético:
� O egoísmo ético tira todo o sentido a uma parte importante da ética, que consiste na
atividade de aconselhar e julgar.
� O egoísmo ético é moralmente inconsistente: não pode ser adotado universalmente.
� O egoísmo ético derrota-se a si próprio: se uma pessoa optar por agir de forma
egoísta, terá uma vida pior do que teria se não fosse egoísta.
Utilitarismo
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J. S. Mill defendeu o princípio utilitarista da maior felicidade: «As ações estão certas
na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a
produzir o reverso da felicidade.»
� O utilitarismo, tal como o egoísmo ético, é uma perspetiva consequencialista.
� Segundo o consequencialismo, agir moralmente é apenas uma questão de produzir
bons resultados.
� O egoísta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si próprio.
� O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles
que poderão ser afetados pela sua conduta.
� Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de ação é aquele que apresentada a
maior utilidade esperada.
� Para determinar a utilidade esperada de um curso de ação, temos de pensar nas suas
várias consequências possíveis e na probabilidade de essas consequências se
verificarem.
Hedonismo
Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa?
� Hedonismo: O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausência de dor.
� Hedonismo quantitativo de Bentham: Cada um dos diversos prazeres e dores da
vida das pessoas tem um certo valor, que em última análise é determinado apenas pela
duração e intensidade.
� Hedonismo quantitativo de Mill: Alguns tipos de prazeres são, em virtude da sua
natureza, intrinsecamente superiores a outros. Para vivermos melhor devemos dar uma
forte preferência aos prazeres superiores, recusando-nos a trocá-los por uma quantidade
idêntica ou mesmo maior de prazeres inferiores.
O argumento da máquina de experiências contra o hedonismo:
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� A máquina de experiências é um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma
vida insuperavelmente aprazível.
� Se o hedonismo é verdadeiro, então seria melhor ligarmo-nos para sempre à máquina
de experiências. Mas é melhor não nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real.
Logo, o hedonismo é falso.
Satisfação de preferências
Uma perspetiva alternativa ao hedonismo:
� O bem-estar consiste unicamente na satisfação dos desejos ou preferências.
Os utilitaristas de preferências defendem esta teoria do bem-estar.
Sustentam que a melhor maneira de agir é maximizar a satisfação das preferências
daqueles que poderão ser afetados pela nossa conduta.
O argumento da maioria fanática contra o utilitarismo de preferências:
� Uma maioria fanática deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva.
� Se o utilitarismo de preferências é verdadeiro, seria bom exterminar a minoria
inofensiva. Mas é profundamente errado exterminar minorias inofensivas. Logo, o
utilitarismo de preferências é falso.
Ética deontológica de Kant
Célebre filósofo alemão, um dos mais importantes filósofos da época moderna europeia.
As mais notáveis das suas obras são a Crítica da Razão Pura (sobre gnoseologia), a
Crítica da Razão Prática (sobre ética) e a Crítica da Faculdade de Julgar (sobre
estética).
Teorias deontológicas
Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontológicas colocando duas questões:
1. O que torna as nossas ações certas ou erradas?
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2. Quando é que nossas ações são certas ou erradas?
No que diz respeito à primeira questão, temos estas respostas:
� Utilitarismo: Apenas as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas.
As nossas ações são certas ou erradas apenas em virtude de promoverem
imparcialmente o bem-estar.
� Deontologia: Nem só as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas.
Muitas ações são intrinsecamente erradas, ou seja, erradas independentemente das suas
consequências. Podemos dizer, aliás, que todos temos de respeitar certos deveres que
proíbem a realização dessas ações.
No que diz respeito à segunda questão, temos estas respostas:
� Utilitarismo: Uma ação é certa apenas quando maximiza o bem-estar, ou seja,
quando promove tanto quanto possível o bem-estar. Qualquer ação que não maximize o
bem-estar é errada.
� Deontologia: Uma ação é errada quando com ela infringimos intencionalmente
algum dos nossos deveres. Qualquer ação que não seja contrária a esses deveres não tem
nada de errado.
Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas:
� Fidelidade: Mantém as tuas promessas.
� Reparação: Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito.
� Gratidão: Retribui fazendo bem àqueles que te fizeram bem.
� Justiça: Opõe-te às distribuições de felicidade que não estejam de acordo com o
mérito.
� Desenvolvimento pessoal: Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento.
� Beneficência: Faz bem aos outros.
� Não-maleficência: Não prejudiques os outros.
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Deontologia
� É na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática, que
Kant procura esclarecer as bases teóricas em que assenta a ação moral.
� Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant afirma a necessidade de se
estabelecer uma filosofia moral pura, isto é, estabelecida a partir da análise da própria
racionalidade humana e, deste modo, independentemente de tudo o que seja baseado na
experiência. A razão é a autoridade final para a moralidade e esta não pode ter
fundamento, isto é, não pode ser estabelecida e justificada, na observação dos costumes
ou modos habituais e culturais de agir com os humanos. Todas as ações precisam ser
determinadas por um sentido de dever ditado pela razão, e nenhuma ação realizada por
interesse ou somente por obediência a uma lei exterior ou costume pode ser considerada
como moral. A ação moralmente boa é a que obedece exclusivamente à lei moral em si
mesma. A moral Kantiana é, assim concebida como independente de todos os impulsos
e tendências naturais ou sensíveis e está centrada sobre a noção de dever e não na noção
de virtude e felicidade como em Aristóteles.
� Kant faz distinção entre o bem e o agradável. O bem é função da lei moral, não deve,
pois, ser determinado antes da lei moral, mas só depois dela e mediante ela.
� Além disso, para classificar uma ação como moralmente boa não basta observar o que
o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer. Por isso, se diz que a moral
Kantiana é uma moral de intenção. Assim, nada é bom ou mau em si mesmo; Kant
afirma que a única coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo é a vontade
humana.
� A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem não é simplesmente racional.
Ele é, simultaneamente, racional e natural/sensível, espírito e corpo, razão e desejo, por
isso, a vida moral é uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma
obrigação, como uma certa coação, que a sua parte racional terá de exercer sobre a sua
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parte sensível. O dever obriga, força-nos a fazer o que talvez não quiséssemos ou que
pelo menos não nos agradaria, porque o homem não é perfeito e sim dual. Assim, a
moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma, uma lei
cuja autoridade não está fora do Homem mas representa a voz da razão, a que o sujeito
moral deve obedecer. Então, para que cumpra integralmente a lei moral, é preciso que o
domínio da vontade livre (vontade não submetida a nenhuma lei a não ser a sua própria)
sobre a vontade psicológica seja cada vez mais íntegro e completo. Kant chama vontade
santa à vontade que dominou por completo toda a influência e determinação oriunda
dos fenómenos concretos, físicos, fisiológicos e psicológicos, para sujeitá-la à lei moral.
� Para uma vontade desse tipo não haveria distinção entre razão e inclinação. Um ser
possuído de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e não haveria
lugar para o conceito de dever e de obrigação moral, os quais somente têm sentido e
existência porque o Homem é dual, razão e desejo, e estes encontram-se em oposição. É
por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento – um
imperativo categórico (categórico porque ordena incondicionalmente): “Age de tal
modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como
princípio de uma legislação universal”. – Kant reconhece que esta é apenas uma
fórmula e a única regra segura para podermos agir.
� Como imperativo categórico, Kant forneceu-nos, na prática, um critério para o agir
moral.
� Se queres agir moralmente, (isto é, para Kant, racionalmente) – o que aliás tu tens de
fazer – age então de uma maneira realmente universalizável. A universalização das
nossas máximas (em si subjetivas) é o critério moral. O imperativo categórico afirma a
autonomia da vontade porque fornece o único princípio de todas as leis morais.
A liberdade é condição da moralidade
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� A condição necessária para que seja possível apenas a razão determinar a ação é a
liberdade. A vida moral somente é possível, para Kant, na medida em que a razão
estabeleça, por si só, aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral, o que
só é possível pressupondo que o Homem é um ser dotado de liberdade.
� As ideias éticas de Kant são um resultado lógico da sua crença na liberdade
fundamental do indivíduo. Esta liberdade não é sinónimo de ausência de leis ou de
anarquia; significa, antes, autogoverno, a liberdade de poder realizar o que a razão
ordena, isto é, obedecer ao imperativo categórico.
� Poder realizar significa: causar por vontade própria um efeito no mundo, tal como as
causas naturais produzem um efeito na natureza. O homem, neste sentido, é livre,
legislador e membro de uma sociedade ética: é legislador porque é ele que determina o
que deve ser feito, e é membro ou súbdito porque obedece aos deveres que a sua própria
razão fórmula. Neste sentido, ele não tem um preço, mas uma dignidade, e é por isso
que a segunda fórmula do imperativo categórico diz para agirmos de modo a não tratar
jamais a humanidade, em nós ou nos outros, como um meio, mas sempre como um fim
em si. A ética Kantiana é uma ética do respeito à pessoa. A ética Kantiana é moderna
porque confia no homem, na sua razão e na sua liberdade, condena todas as situações
sociais de instrumentalização do Homem (a escravatura, a prostituição, o trafico de
pessoas, etc.) e reconhece à sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que
sejam expressão da lei moral racional.
A felicidade não é o bem supremo
� Kant também reflete sobre a felicidade e a virtude, mas subordina-as ao dever. Para
Kant a felicidade é do domínio do sensível; é um desejo que está presente em todos os
seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente. Ora se a lei
moral tem origem na razão (a condição da sua objetividade e universalidade) e se cada
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ser humano não concebe sempre do mesmo modo aquilo que é ser feliz, alcançar a
felicidade não pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificação. A
moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a
virtude são apenas as consequências do esforço humano para praticar atos moralmente
bons. A felicidade de que Kant fala é a da consciência do dever cumprido, a
tranquilidade da boa consciência. Temos obrigação de fazermos tudo para sermos
felizes. A única condição é que tudo o que fizermos possa ser universalizável. Não é a
felicidade a qualquer preço.
� Ser feliz é, assim, uma aspiração que o homem concretiza através do seu mérito, mas
mesmo que esse aspiração existisse ou a felicidade não fosse concretizável e atingível
através da moralidade, mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigação moral ou o
dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categórico.
Em conclusão de Kant:
Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres morais podem ser
inferidos de um princípio ético fundamental.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que sabemos por simples intuição quais são
os nossos deveres.
Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres são absolutos: nunca
podemos desrespeitá-los.
Outros deontologistas, como Ross, pensam que os nossos deveres são prima facie: por
vezes podemos desrespeitá-los.
Duas distinções
Alguns deontologistas, por oposição aos utilitaristas, atribuem relevância moral às
distinções ato/omissão e intenção/previsão, defendendo o seguinte:
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� Atos e omissões: É pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra. Por
exemplo, é pior matar uma pessoa que deixá-la morrer.
� Intenção e previsão: É pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem
a um mal que não pretendemos produzir, ainda que saibamos que o mesmo resultará da
nossa conduta. Por exemplo, é pior torturar alguém que fazer algo que resulte em
sofrimento como efeito colateral.
Quadro síntese da Ética utilitarista de Stuart Mill e a Ética deontológica de Kant
Fundamentação da Moral
Kant (deontológica) Stuart Mill (utilitarista)
• A felicidade é algo exterior à razão, é
subjetiva;
• A ação moral tem por base a boa
vontade;
• Só as ações por dever têm valor moral;
• As ações por dever impõem-se-nos pelo
imperativo categórico;
• O imperativo categórico, ao impor leis
universais, constitui o fundamento da
autonomia humana;
• O agir moral autónomo confere-nos
dignidade.
• O valor moral das ações está nas suas
consequências e nos seus efeitos
práticos;
• Bem é aquilo que trouxer mais
felicidade global;
• O utilitarismo adota um relativismo
ético face à perca de critérios absolutos
e universais;
• O utilitarismo é um reflexo da
tecnicização da produção e da sociedade
pós – moderna.
II.A ação humana e os valores
3. Dimensões da ação humana e dos valores
3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial
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3.1.4. Ética, direito e politica – liberdade e justiça social; igualdade e diferenças;
justiça e equidade
O que legitima a autoridade do estado – Respostas de Aristóteles e de Locke
A justificação aristotélica do estado
� Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristóteles
(384-322 a. C.) num livro intitulado Política. Neste livro, Aristóteles estuda os
fundamentos e a organização da cidade (polis, em grego, que deu origem ao termo
«política»). Naquele tempo, as principais cidades gregas eram estados independentes –
tinham os seus próprios governos e exércitos, além de leis e tribunais próprios. Por isso
lhes chamamos cidades-estado.
� Assim, ao falar da origem da cidade, Aristóteles está a falar da origem do estado.
Aristóteles defende que a cidade-estado existe por natureza. Os seres humanos sempre
procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado é simplesmente
impensável. Viver numa sociedade governada pelo poder político faz parte da natureza
humana. Quem conseguir viver à margem da cidade-estado não é um ser humano: «é
uma besta ou um deus», diz Aristóteles. Por isso se diz que a sua teoria da origem e
justificação do estado é naturalista.
� O argumento central de Aristóteles é o seguinte:
Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades.
Essas faculdades só poderão ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma
comunidade (cidade-estado).
Logo, faz parte da natureza humana viver na cidade-estado.
Fora da cidade-estado seríamos, pois, incapazes de desenvolver a nossa natureza. Isso
torna-se claro, pensa Aristóteles, quando verificamos que os seres humanos não se
limitaram a formar pares de macho e fêmea para procriar, ao contrário dos outros
animais.
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Constituíram também comunidades de famílias (as aldeias) e estabeleceram a divisão
entre governantes e súbditos, com vista à autopreservação. Mas a comunidade mais
completa, que contém todas as outras, é a cidade-estado. Esta é autossuficiente e não
existe apenas para preservar a vida, mas sobretudo para assegurar a vida boa, que é o
desejo de todos os seres racionais. É por isso que a cidade-estado é a comunidade mais
perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos têm tendência para se
tornarem estados.
� Ou seja, a finalidade de todas as comunidades é tornarem-se estados.
Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristóteles: que a
natureza de uma coisa é a sua finalidade. Assim, a finalidade dos seres humanos é viver
na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que há um impulso
natural dos seres humanos para passar da vida em família para a vida em pequenas
comunidades de lares, e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da
cidade-estado. Daí Aristóteles afirmar que «o homem é, por natureza, um animal
político».
� Outra ideia importante para Aristóteles é que o todo é anterior à parte, no sentido em
que fora do todo orgânico a que pertence, a parte não seria o que é. O que o leva a dizer
que a cidade estado é por natureza anterior ao indivíduo, pois não há indivíduos auto-
-suficientes e, portanto, nem sequer existiriam fora dela. Tal como uma mão não
funciona separada do resto do corpo, também não há realmente seres humanos isolados
da comunidade.
Alguém que viva fora da sociedade sem estado não chega a ser um ser humano
(é uma besta) ou é mais do que um ser humano (é um deus).
� Assim, submetemo-nos à autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos
tornamos adultos. Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si. Daí que, para
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Aristóteles, o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado é melhor
para garantir a vida boa.
Críticas ao naturalismo aristotélico
� A principal crítica ao naturalismo é que a noção aristotélica de «natureza» é
incoerente e enganadora. Aristóteles encara a natureza das coisas como uma espécie de
princípio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas. Neste sentido, a
natureza da cidade-estado seria comparável à natureza das plantas e de outros
organismos vivos, que se desenvolvem a partir do embrião até atingirem a maturidade.
� Este desenvolvimento é meramente biológico, sem qualquer intervenção da
racionalidade.
� Contudo, a finalidade da vida na cidade é permitir uma vida boa. Mas o desejo de ter
uma vida boa é um desejo racional, na medida em que é uma aspiração de seres
racionais como nós – até porque não se verifica nos outros animais. Assim, este desejo é
fruto da deliberação racional dos seres humanos e não simplesmente de um impulso
biológico ou natural.
A justificação contratualista de Locke
� Uma justificação do estado bastante mais influente do que a de Aristóteles é dada por
John Locke (1632-1704). Este filósofo defende que o estado tem origem numa espécie
de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se à autoridade de
um governo civil. Locke considera que esse contrato dá origem à transição do estado de
natureza para a sociedade civil. Por isso se diz que a teoria da justificação do estado de
Locke é contratualista.
� Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato? Vejamos, em primeiro
lugar, como eram as coisas antes do contrato, isto é, como eram as coisas antes de haver
estado – quando ninguém detinha o poder político e não havia governo nem tribunais
nem polícias.
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A lei natural e o estado de natureza
� No estado de natureza as pessoas viviam, segundo Locke, em perfeita liberdade: cada
um era «senhor absoluto da sua pessoa e bens», não tendo de prestar contas nem
depender da vontade de seja quem for. As pessoas viviam também num estado de
completa igualdade, não havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra. Além
disso, viviam segundo a lei natural, a qual dispõe que ninguém infrinja os direitos de
outrem e que as pessoas não se ofendam mutuamente.
� Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razão natural, pelo que é
comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenções humanas. Deste
modo, Locke distinguia a lei natural das chamadas «leis positivas» da sociedade civil. �
� As leis positivas são leis que resultam das convenções humanas; são as leis que
realmente existem nas sociedades organizadas em estados.
Enquanto no estado de natureza as pessoas nada têm acima de si a não ser a lei natural,
na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se à autoridade de um governo. A
única lei que vigora no estado de natureza é, pois, a lei natural. Locke distingue a lei
natural da lei positiva, mas também da lei divina:
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� Locke não encara a lei natural como uma lei científica que descreve o funcionamento
efetivo da natureza. Locke defende que a lei natural é normativa: determina como as
pessoas racionais devem agir e não como de facto agem. Por outro lado, a lei natural e a
lei divina, apesar de não serem a mesma coisa, não podem ser incompatíveis, pois Deus
é a origem de ambas.
� Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural, têm os
direitos decorrentes da aplicação dessa lei. Assim:
1. Todas as pessoas são iguais, pois têm exatamente o mesmo conjunto de direitos
naturais;
2. Todas as pessoas têm o direito de ajuizar por si que ações estão ou não de acordo com
a lei natural, pois ninguém tem acesso privilegiado à lei natural nem autoridade especial
para julgar pelos outros;
3. Todas as pessoas têm individualmente o direito de se defender – usando a força, se
necessário – daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural, pois
esta existiria em vão se ninguém a fizesse cumprir;
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
4. Todas as pessoas têm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a
lei natural, assim como direito de aplicar essa pena, dado que num estado de perfeita
igualdade a legitimidade para fazê-lo é rigorosamente a mesma para todos.
� O estado de natureza é não só diferente da sociedade civil como, segundo Locke, do
estado de guerra, pois neste não há lei que vigore e as pessoas não têm direitos.
Locke caracteriza o estado de natureza como uma situação de abundância de recursos e
em que cada pessoa é livre de se apropriar das terras e bens disponíveis, através do seu
trabalho e esforço. Sendo assim, que razões teriam as pessoas para abandonar o estado
de natureza, aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual têm de se
submeter?
O contrato social e a origem do governo
� Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas – excetuando os casos de
autodefesa ou de execução da lei natural – só é legítimo se tiver o seu consentimento.
Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos
naturais.
� Assim, a existência de um poder político só pode ter tido origem num acordo, ou
contrato, entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil. E
esse acordo só faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso.
� Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase
perfeito, não deixa de reconhecer alguns inconvenientes que, mais cedo ou mais tarde,
iriam tornar a vida demasiado instável e insegura. Isto porque há sempre quem, movido
pelo interesse, pela ganância ou pela ignorância, se recuse a observar a lei natural,
ameaçando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia. Locke dá o
nome genérico de «propriedade» não apenas aos bens materiais das pessoas, mas a tudo
o que lhes pertence, incluindo as suas vidas e liberdades.
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Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos
� Assim, parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteção e
estabilidade que só o governo pode garantir. Locke torna esta ideia mais precisa
indicando três coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder
político está em condições de garantir:
1. Falta uma lei estabelecida, conhecida e aceite por consentimento, que sirva de padrão
comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicação da lei natural.
Isto porque, apesar de a lei natural ser clara, as pessoas podem compreendê-la mal e
divergir quando se trata da sua aplicação a casos concretos.
2. Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei, evitando que haja
juízes em causa própria. Isto porque quando as pessoas julgam em causa própria têm
tendência para ser parciais e injustas.
3. Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenças
justas, evitando que aqueles que são fisicamente mais fracos ou em menor número
sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior número.
� É para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir mão dos
privilégios do estado de natureza, cedendo o poder de executar a lei àqueles que forem
escolhidos segundo as regras da comunidade. E ainda que se possa dizer que ninguém
nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil, Locke defende
que, a partir do momento em que usufruímos das suas vantagens, estamos a dar o nosso
consentimento tácito. Caso contrário, teríamos de recusar os benefícios do estado e de
viver à margem da sociedade.
Críticas ao contratualismo de Locke
� Têm sido feitas várias críticas ao contratualismo de Locke. Vamos estudar
brevemente algumas das mais importantes.
O consentimento tácito é uma ficção
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Exame Filosofia 10o/11o anos

  • 1. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos I. Iniciação à Atividade Filosófica 1. Abordagem introdutória à filosofia e ao filosofar 1.3. A dimensão discursiva do trabalho filosófico Define-se por vezes as disciplinas em termos de objeto e método: � O objeto de estudo da aritmética elementar é as principais propriedades da adição, da subtração, etc. O seu método é a demonstração matemática. � O objeto de estudo da biologia é as propriedades dos organismos vivos. O seu método é a observação e a elaboração de teorias que depois são testadas, por vezes em laboratórios. Objeto e método da filosofia: � A filosofia tem como objeto os conceitos mais básicos que usamos nas ciências, nas artes, nas religiões e no dia a dia. A filosofia estuda conceitos como os seguintes: o bem moral, a arte, o conhecimento, a verdade, a realidade, etc. � O seu método é a troca de argumentos, a discussão de ideias. As definições deste tipo não são muito informativas. Para compreender o que é a filosofia o melhor é ver alguns exemplos do que se faz em filosofia. Exemplos de problemas da filosofia: � Será que tudo é relativo? � Será que a vida tem sentido? E se tem, qual é? � Como se justifica a existência do Estado, das Leis, e da Polícia? � Será que não faz diferença fazer sofrer os animais? � Será que Deus existe realmente, ou será que os ateus têm razão e os crentes estão enganados? Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 1 de 206
  • 2. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Estes problemas surgem naturalmente da nossa capacidade para pensar, em contacto com o mundo. Outros problemas surgem da nossa reflexão sobre as ciências, as religiões e as artes: � O que é realmente a arte? E o que é a música? � Como poderemos conciliar a existência de um Deus bom e sumamente poderoso e sábio com tanto sofrimento no mundo? � O que é realmente uma lei da física? E como podemos ter a certeza que essas leis são verdadeiras? A filosofia é uma reflexão que surge naturalmente. Mas nem toda a reflexão que surge naturalmente é filosófica. � As respostas pessoais às perguntas filosóficas não são respostas filosóficas. � Podemos e devemos partir das nossas convicções pessoais. � Mas só começamos a fazer filosofia quando exigimos justificações públicas para essas convicções. Características importantes da filosofia: � A filosofia é uma atividade crítica; � A filosofia é consequente; � A filosofia é um estudo conceptual ou a priori; � A filosofia é diferente da história da filosofia. O que significa dizer que a filosofia é uma atividade crítica? Significa que temos de justificar as nossas conclusões. E justificar conclusões é apresentar argumentos. A importância dos argumentos em filosofia: Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 2 de 206
  • 3. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Precisamos de argumentos para mostrar que os problemas que estamos a estudar não são meras ilusões e confusões. Por exemplo, será que o problema do sentido da vida faz sentido? Porquê? � Precisamos de argumentos para avaliar as respostas que os filósofos e nós próprios damos aos problemas da filosofia. Por exemplo, será que a resposta que Platão dá ao problema da imortalidade da alma é boa? � E precisamos de saber avaliar argumentos porque os filósofos passam grande parte do seu tempo a apresentar argumentos a favor das suas ideias e contra as ideias que eles acham que estão erradas. Por exemplo, será que o argumento de Santo Anselmo a favor da existência de Deus é bom? Porque a filosofia é uma atividade critica, avalia cuidadosamente os nossos preconceitos mais básicos. O objetivo do estudo da filosofia não é repetir o que diz o professor ou o manual. O objetivo é aprender a pensar sobre os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia. Em filosofia, o estudante tem a liberdade de defender o que quiser, mas tem de adotar uma atitude crítica: � Tem de sustentar o que defende com bons argumentos; � Tem de aceitar discutir os seus argumentos. � Ser crítico não é «dizer mal». Ser crítico é olhar com imparcialidade para todas as ideias para podermos avaliar se são verdadeiras ou não. � Ser crítico não é ser extravagante. Ser crítico não é dizer «Não» só para marcar a diferença. Ser crítico é dizer «Sim», «Não», ou até «Talvez», mas com base em bons argumentos. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 3 de 206
  • 4. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos A filosofia é uma atividade dialogante: consiste em trocar e discutir ideias. A diferença entre uma discussão filosófica e uma gritaria, por exemplo, é esta: em filosofia discutimos para chegar à verdade das coisas, independentemente de saber quem «ganha» a discussão; numa gritaria discute-se para «ganhar» a discussão, independentemente de saber de que lado está a verdade. O pensamento filosófico é consequente. Ser consequente é aceitar as consequências das nossas ideias. � Somos livres para defender as posições que queremos; mas teremos de ser responsáveis pelas consequências do que defendemos. Se defendemos que toda a vida é sagrada e que isso quer dizer que nunca devemos matar um ser vivo, não podemos ao mesmo tempo defender que se pode comer salada de alface. Se defendemos que tudo é relativo e que não há verdades, não podemos defender que esta ideia é verdadeira. Os três elementos centrais da filosofia: � Problemas � Teorias � Argumentos Os filósofos, ao longo dos séculos, têm proposto teorias que tentam resolver os problemas filosóficos. Essas teorias apoiam-se em argumentos. O nosso papel perante os problemas, as teorias e os argumentos da filosofia é duplo: 1. Saber formulá-los claramente. 2. Saber discuti-los com rigor. Os problemas da filosofia não se resolvem olhando para o mundo para recolher informação. É por isso que dizemos que a filosofia é um estudo a priori ou conceptual. Queremos dizer que a filosofia se faz unicamente com o pensamento. � Conhecimento empírico ou a posteriori: baseia-se na experiência. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 4 de 206
  • 5. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Exemplos: para saber se há vida em Marte é necessário enviar sondas e fazer observações. Para saber qual é a natureza da SIDA é necessário fazer observações e experiências laboratoriais. � Conhecimento conceptual ou a priori: baseia-se no pensamento apenas. Exemplos: para saber se 7 é um número par basta dividi-lo por dois e ver se o resultado é um número inteiro. Para saber se todos os objetos verdes têm cor basta pensar no conceito de verde e de cor. O estudo filosófico é a priori, mas temos de ter informações sobre tudo o que for importante para a solução dos problemas que estamos a tratar. � A filosofia é inevitável porque não é mais do que a procura sistemática de justificações sensatas para as nossas ideias mais básicas. � A filosofia opõe-se ao dogmatismo porque nenhuma ideia tem o direito de suplantar quaisquer outras ideias, enquanto não mostrar que é realmente melhor do que as outras. A filosofia é diferente da sua história. Em história da filosofia estudamos o que os filósofos dizem só para saber o que eles dizem. Na filosofia estudamos o que os filósofos dizem para discutir as suas ideias. � Estudar filosofia é como estudar música e estudar história da filosofia é como estudar história da música. Num caso, aprendemos a tocar um instrumento ou a compor peças musicais; no outro, aprendemos apenas a apreciar a música do passado. Num caso, aprendemos a discutir ideias e a propor ideias e a defendê-las; no outro, aprendemos apenas a formular as ideias dos outros. Para que serve a filosofia? � A filosofia serve para alargar a nossa compreensão das coisas, como as ciências, as artes e as religiões. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 5 de 206
  • 6. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � A filosofia serve para mudar as nossas vidas, como as ciências, as artes e as religiões. Exemplos: � John Stuart Mill, A Submissão das Mulheres (1869) � Peter Singer, Libertação Animal (1975). Comparações de utilidade: � A religião é útil porque fornece orientação e conforto espiritual aos seus crentes. A filosofia fornece orientação a qualquer pessoa. � A ciência é útil porque nos ensina a curar a tuberculose, por exemplo. A filosofia ensina-nos a enfrentar os problemas morais levantados pela ciência. � As artes são úteis porque produzem obras que nos inspiram e maravilham. A filosofia produz ideias e argumentos que nos inspiram e maravilham, e põe a descoberto problemas que nos convidam a dar o nosso melhor para tentar resolvê-los. As razões pelas quais a filosofia serve para alguma coisa são a razões pelas quais as artes, as ciências e as religiões servem para alguma coisa. � Muitos dos problemas, teorias e argumentos da filosofia não têm qualquer utilidade prática. � Mas também a maior parte do que constitui as religiões, as artes e as ciências não tem qualquer utilidade prática. � E as coisas sem utilidade prática podem ter valor porque o conhecimento é algo suficientemente importante para ter valor em si. � Mesmo que só as coisas úteis tivessem valor, nunca poderíamos saber à partida quais das nossas ideias se viriam a revelar úteis. � A filosofia é útil para a vida pública de um país porque nos ensina a pensar melhor sobre qualquer assunto, desde que se disponha da informação adequada. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 6 de 206
  • 7. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Quem sabe argumentar bem toma melhores decisões, porque as decisões que tomamos são baseadas em argumentos. A filosofia ajuda a tomar melhores decisões. Os argumentos � Um argumento é um conjunto de proposições organizadas de tal modo que uma delas é a conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam as premissas. Nem todos os conjuntos de proposições são argumentos. Só os conjuntos de proposições organizadas de tal modo que justifiquem ou defendam a conclusão apresentada são argumentos. Chama-se entimema a um argumento em que uma ou mais premissas não foram explicitamente apresentadas. Tentar encontrar as premissas ocultas do nosso pensamento é uma parte importante da discussão filosófica. Perante um texto que defende ideias devemos fazer o seguinte: 1. Descobrir o que o autor quer defender. Isso é a conclusão. 2. Descobrir que razões ele dá para defender essa conclusão. Essas razões são as premissas. 3. Se o autor omitiu premissas, acrescentá-las. 4. Formular o argumento de maneira completamente explícita. Definição dos conceitos nucleares Problema: algo que se pretende resolver; Conceito: é uma abstração elaborada pela razão, a partir dos dados obtidos na experiência, e que serve para designar toda uma classe de objetos ou seres; Tese: é uma proposição que se apresenta para ser defendida, no caso de impugnação. Tema, assunto a tratar; Argumento: é um conjunto de proposições organizadas de tal modo que uma delas é a conclusão que defendemos com base na outra ou nas outras, a que se chamam premissas. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 7 de 206
  • 8. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos As disciplinas da Filosofia e os problemas de que tratam Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 8 de 206
  • 9. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos II. A ação humana e os valores 1. A ação humana – análise e compreensão do agir 1.1. A rede conceptual da ação � A Filosofia da Ação é uma área interdisciplinar que colhe contributos da Metafísica, da Filosofia da Mente, da Psicologia e da moderna Teoria da Decisão. � O objeto de estudo da Filosofia da Ação é a justificação da crença na racionalidade da ação humana. � Distingue-se da Ética por não considerar os aspetos morais do agir, analisando apenas o que está na base da ação – crenças, desejos, intenções, motivos e causas. � O seu método consiste na análise das frases de ação, mediante as quais os agentes descrevem e explicam o que fazem: «Por que fizeste X?» - «Fiz X porque __________ » � O problema central da Filosofia da Ação é o de saber: Como compatibilizar a crença de que somos seres racionais com o facto de agirmos frequentemente de forma irracional? � Exemplos de problemas discutidos em Filosofia da Ação: 1. O que são ações? Que acontecimentos contam enquanto ações? 2. Como individuar ou distinguir as ações umas das outras? 3. Como explicar a existência de preferências irracionais? 4. Como compreender o fenómeno da acrasia? � Para compreender o que está em causa quando perguntamos «O que é uma ação?», analisemos o seguinte exemplo: Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 9 de 206
  • 10. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos 1. João deseja herdar uma fortuna e crê que o melhor a fazer para satisfazer o seu desejo é matar o seu pai abastado. Mas este pensamento põe-no tão nervoso que, ao conduzir desajeitadamente o seu carro, mata um peão que é, afinal, o seu pai! Cometeu ou não um parricídio? � A atribuição da responsabilidade depende de determinarmos se a morte de seu pai constitui, ou não, uma ação de João. Temos, então, de procurar qual é o aspeto que nos permite dizer que um acontecimento é uma ação. � Será a sua associação a um ser humano? Mas há acontecimentos que envolvem pessoas, mas que claramente não são ações – por exemplo, escorregar. � Será a existência de movimentos corporais? Mas há ações sem movimento corporal (estar imóvel a estudar) e há movimentos corporais que não são ações (respirar). � Uma outra resposta a este problema afirmaria que a intenção é aquilo que distingue os acontecimentos que contam como ações: Um acontecimento é uma ação apenas no caso de ser possível descrevê-lo de forma a exibir a presença de uma intenção no agente. � O que é uma intenção? É um estado mental mediante o qual se concretiza, se anula ou se mantém um certo estado de coisas. Os desejos e as crenças, e o seu discutido papel causal nas ações, são exemplos de estados mentais intencionais. � No exemplo 1, existe claramente um desejo (herdar uma fortuna) e uma crença, e parece que à custa deles João concretiza um acontecimento – a morte de seu pai. Tudo aponta, pois, que se trate de uma ação de João. Concordas? � Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como distinguir as ações umas das outras?», analisemos o seguinte exemplo: Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 10 de 206
  • 11. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos 2. Os membros de uma família estão sentados à mesa a comer uma feijoada. Estão todos a fazer a mesma ação ou ações diferentes? � Por um lado, podemos dizer que todos os familiares estão a comer a mesma coisa, no mesmo local e à mesma hora; � Por outro lado, cada pessoa poderá possuir intenções diferentes ao comer (apenas matar a fome, regozijar-se com o sabor dos feijões, etc.) e os seus movimentos físicos não são inteiramente coincidentes nem no espaço nem no tempo. � Existem, então, duas respostas possíveis para aquela pergunta: 1. Diremos «sim» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como sendo um ato genérico definido como «ingestão de feijões». 2. Diremos «não» se considerarmos a ação «comer uma feijoada» como algo realizado concretamente por alguém, nalgum lugar, a alguma hora e com movimentos físicos individualizados. � Cada uma destas respostas traduz duas conceções filosóficas diferentes da ação: 1. A ação como uma entidade genérica e abstrata; para os filósofos que, como Jaegwon Kim, a concebem deste modo, uma ação é algo meramente ideal (tal como a ideia de Triângulo) e que pode ser exemplificado cada vez que um agente a perfaz (tal como exemplificamos a ideia de Triângulo ao desenharmos uma figura triangular); 2. A ação como acontecimento concreto; para filósofos que, como Donald Davidson, a concebem deste modo, as ações são acontecimentos localizados no espaço e no tempo (têm lugar num certo sítio e a uma dada hora) e são individualmente realizados (feitas por alguém); Qual destas conceções consideras correta? Porquê? � Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como explicar a existência de preferências irracionais?», analisemos o seguinte exemplo: Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 11 de 206
  • 12. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos 3. Uma pessoa afirma que prefere os Limp Bizkit a Norah Jones e esta cantora a Bach. No entanto, diz preferir Bach aos Limp Bizkit. Como explicar esta irracionalidade das suas preferências? � Dizemos que as suas preferências são irracionais porque são não transitivas. � O que é a transitividade? É uma propriedade de relações: se uma entidade X tem uma certa relação com uma entidade Y e se esta entidade Y tem o mesmo tipo de relação com uma entidade Z, então a entidade X está nesse tipo de relação com a entidade Z. Exemplos: 1. O Zé é mais alto do que o Chico; o Chico é mais alto do que o Quim. Logo, o Zé é mais alto do que o Quim. A relação ser mais alto do que é transitiva. 2. O Guilherme é o pai do Pedro; o Pedro é o pai da Joana. Mas o Guilherme não é o pai da Joana! A relação ser pai de é não transitiva. � Ora, as ações são objeto de preferências e as nossas preferências, se forem racionais, deverão ser transitivas: Se preferes comer feijoada a comer filetes de pescada e se preferes comer filetes de pescada a comer Nestum, o que será racional que prefiras — feijoada ou Nestum? � É legítimo pensar que qualquer comportamento racional terá de se conformar à transitividade das preferências. Mas os estudos empíricos da Psicologia mostram que isto nem sempre acontece, o que intriga muito os filósofos. Como explicar a irracionalidade das preferências? � Chama-se «acrasia» a uma falta de força de vontade. Um agente tem falta de força de vontade se tiver o desejo de produzir um certo efeito e tiver a crença de que uma dada ação é a melhor forma de produzir esse efeito e, no entanto, não realizar esta ação. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 12 de 206
  • 13. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Para compreender o que está em causa quando perguntamos «Como compreender o fenómeno da acrasia?», analisemos o seguinte exemplo: Se desejas verdadeiramente respeitar os direitos dos animais e se acreditas que a melhor maneira de o fazer é deixando de comer carne, peixe, leite ou ovos, como compreender que o continues a comer tudo isto? � Aristóteles refletiu sobre a acrasia e pensou que a explicação das ações acráticas só poderia ser feita se dispusesse de um modelo de explicação de ações racionais. Esse modelo explicativo ficou conhecido como «silogismo prático»: 1. O agente tem o desejo de produzir um efeito E. 2. O agente crê que fazer a ação A é o melhor modo de alcançar E. 3. Logo, o agente faz A � Neste modelo as premissas 1 e 2 são a justificação racional da ação enunciada na conclusão, em 3. Se os agentes forem racionais, deverão poder explicar as suas ações com base nos seus desejos e crenças, com os quais as ações devem ser coerentes. � Numa ação acrática, isto não acontece. Vejamos o exemplo do fumar como resultado de fraqueza irracional da vontade: 1. O António tem o desejo de ser saudável. 2. O António acredita que não fumar é a melhor maneira de ser saudável. 3. No entanto, o António fuma. Assim concluímos que para falar de ação, implica falar de um agente, uma intenção e uma motivação. Sendo resumido neste quadro: Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 13 de 206
  • 14. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Definição dos conceitos nucleares Ação: é uma interferência consciente e voluntária de um ser humano (o agente), dotado de razão e de vontade, no normal decurso das coisas, que sem a sua inferência seguiriam um caminho distinto; Agente: é o ser humano que realiza consciente e voluntariamente uma ação; Intenção: é o para quê, isto é, o propósito que o agente quer atingir; Motivo: é a razão pela qual ele age. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 14 de 206 Intenção Motivo Agente � o mesmo que projeto, isto é, aquilo que nos propomos fazer ou o propósito da ação (implica a tomada de consciência do sentido dos nossos atos); � o sentido da ação, isto é, o significado atribuído a uma ação, identificado através da resposta à pergunta «o quê?»; � o objeto da decisão e a estratégia escolhida para o concretizar. � identifica aquilo que explica e permite compreender a intenção, isto é, as suas razões; � refere-se ao porquê da intenção, ou seja, «o que é que levou A a fazer X»; � distingue-se do conceito de causa, porque ao identificarmos os motivos não podemos considerar que existe sempre entre eles e a intenção uma relação necessária; há que ter em conta a intervenção da vontade. A causa faria ocorrer a ação independentemente da vontade do agente. � o autor da intenção e da ação ,isto é, o que pratica a ação; � identifica aquele que, por sua iniciativa (livre e voluntariamente), produz alterações no decorrer normal das coisas; � por ser o autor, isto é, aquele que pratica uma ação intencionalmente, é aquele a quem se atribui a responsabilidade da ação, isto é, aquele que responde por ela.
  • 15. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos II.A ação humana e os valores 1. A ação humana – análise e compreensão do agir 1.2. Determinismo e liberdade na ação humana � A liberdade de ação é um importante tópico discutido em Filosofia. Na tradição ocidental moral, religiosa e jurídica, conceitos como os de responsabilidade, culpa e imputabilidade estão vinculados ao de liberdade. � Nessa tradição, um agente é responsabilizável por uma ação apenas no caso de ter sido livre para agir como agiu. Por exemplo, um indivíduo é culpado aos olhos de Deus se tiver pecado quando podia não o ter feito; um criminoso é imputável aos olhos da Justiça se tiver cometido um crime quando podia evitá-lo. Mas se alguém é forçado a agir de uma certa forma, será legítimo responsabilizá-lo pela sua «ação»? � Que “forças” condicionam as nossas ações? Podemos reconhecer três tipos de condicionantes da ação: 1. Físicas: as ações dependem da estrutura anatómica e fisiológica do agente e das leis naturais que regem os fenómenos do mundo; 2. Psicológicas: a personalidade, o caráter, a força de vontade ou a falta dela, os estímulos e as motivações são aspetos que influenciam o tipo de ações que empreendemos; 3. Culturais: as vivências, as normas, as tradições, os hábitos e costumes, e todas as circunstâncias políticas, económicas e sociais que, enquanto agentes, nos relacionam com outros agentes, condicionam claramente as nossas ações. � Será que as condicionantes da ação impossibilitam a liberdade de ação? Seremos realmente livres ou a será a liberdade apenas uma ilusão? Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 15 de 206
  • 16. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Para compreendermos o significado desta pergunta, teremos de dominar uma noção essencial – a de causalidade. � Uma cadeia causal é uma sucessão de acontecimentos na qual cada um deles é causa do acontecimento que lhe sucede e cada um deles é efeito do acontecimento que o antecede: � Uma conceção determinista da ação salienta que as ações são acontecimentos que têm lugar no mundo e que, portanto, estão integradas em cadeias causais: ora são efeitos de acontecimentos anteriores (mentais ou físicos); ora são causas de acontecimentos posteriores. � Por outro lado, pensamos que devemos responder por muitos dos nossos atos, de que somos responsáveis em consequência da nossa liberdade. Esta é uma visão não determinista da ação. � Isto gera um dilema, conhecido como «dilema de Hume»: Se o determinismo for verdadeiro, então as nossas ações são causadas por acontecimentos remotos que não controlamos, tornando-se inevitáveis, não sendo nós responsabilizáveis pelo que fazemos; se o determinismo for falso, então as nossas ações são aleatórias, pelo que também não somos responsabilizáveis por elas. Conclusão: em qualquer caso, não há livre arbítrio nem responsabilidade. � O problema do livre arbítrio pode agora ser precisamente formulado: Como compatibilizar a crença de que todos os acontecimentos, incluindo as ações, são causalmente determinados, segundo as leis da natureza, com a crença de que o Homem é livre e responsável pelas ações? Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 16 de 206
  • 17. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � As respostas tradicionais ao problema do livre-arbítrio podem ser divididas em teorias compatibilistas e teorias incompatibilistas. � As primeiras defendem que o livre-arbítrio é compatível com o determinismo; as segundas defendem que o livre-arbítrio não é compatível com o determinismo. � Teorias que respondem ao problema do livre-arbítrio: Exemplo do problema do livre-arbítrio � O problema do livre-arbítrio, um dos mais antigos e intratáveis da filosofia, começa com uma certa inadequação terminológica. A expressão portuguesa "livre-arbítrio", assim como a expressão "liberdade da vontade", que é tradução do inglês "freedom of the will", são enganosas, pois nem o juízo nem a vontade são os fatores preponderantes. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 17 de 206
  • 18. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Menos comprometida seria a expressão "liberdade de decisão" ou "liberdade de escolha" ou, melhor ainda (posto que mais abrangente), "liberdade de ação". � Feita essa advertência terminológica, passemos à exposição do problema. Ele diz respeito ao conflito existente entre a liberdade que temos ao agir e o determinismo causal. Podemos introduzi-lo considerando as três proposições seguintes: 1. Todo o evento é causado. 2. As nossas ações são livres. 3. Ações livres não são causadas. � A proposição 1 parece geralmente verdadeira: cremos que no mundo em que vivemos para todo evento deve haver uma causa. A proposição 2 também parece verdadeira: quando nos observamos a nós mesmos, parece óbvio que as nossas decisões e ações são frequentemente livres. Também a proposição 3 parece verdadeira: se as nossas ações fossem causalmente determinadas, elas não poderiam ser livres. � O problema do livre-arbítrio surge quando percebemos que as três proposições acima formam um conjunto inconsistente, ou seja: não é possível que todas elas sejam verdadeiras! Se admitimos que todo evento é causado e que a ação livre não é causalmente determinada (que as proposições 1 e 3 são verdadeiras), então não somos livres, posto que as nossas ações são eventos (a proposição 2 é falsa). Se admitimos que as nossas ações são livres e que como tais elas não são causalmente determinadas (que 2 e 3 são proposições verdadeiras), então não é verdade que todo o evento seja causado (a proposição 1 é fa1sa). E se admitimos que todo o evento é causado e que somos livres (que as proposições 1 e 2 são verdadeiras), então deve haver a1go de errado com a ideia de liberdade expressa na proposição 3. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 18 de 206
  • 19. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Cada uma dessas alternativas possui um nome e foi classicamente defendida. A primeira delas é chamada de determinismo; ela consiste em negar a verdade da proposição 2, ou seja, que somos realmente livres. Ela foi mantida por filósofos como Espinosa, Schopenhauer e Henri d'Holbach. A segunda alternativa chama-se libertismo: ela não tem problemas em admitir que o mundo ao nosso redor é causalmente determinado, mas abre uma exceção para muitas de nossas decisões e ações, que sendo livres escapam à determinação causal. Com isso o libertismo rejeita a validade universal do determinismo expressa pela proposição 1. Essa é a posição de Agostinho, Kant e Fichte. Finalmente há o compatibilismo, que tenta mostrar que a liberdade de ação é perfeitamente compatível com o determinismo, rejeitando a ideia de liberdade expressa na proposição 3. Historicamente, Hobbes, Hume e Mill foram famosos defensores do compatibilismo. No que se segue, quero considerar isoladamente cada uma dessas soluções, argumentando finalmente a favor do compatibilismo. 1. Determinismo � O determinismo parte da consideração de que, da mesma forma que podemos sempre encontrar causas para os eventos físicos que nos cercam, podemos sempre encontrar causas para as nossas ações, sejam elas quais forem. Com efeito, sendo como somos produtos de um processo de evolução natural, seria surpreendente se as nossas ações não fossem causadas do mesmo modo que o são outros eventos biológicos, tais como a migração dos pássaros e o fototropismo das plantas. Mesmo que o princípio da causalidade não seja garantido e que no mundo da microfísica ele tenha sido inclusive colocado em dúvida, no mundo humano, constituído pelas nossas ações, pensamentos, decisões, vontades, esse princípio parece manter-se plenamente aceitável. De facto, admitimos que as decisões ou ações humanas são causadas. Alguns poderão dizer que Napoleão invadiu a Rússia por livre decisão da sua vontade. Mas os historiadores Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 19 de 206
  • 20. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos consideram parte do seu ofício encontrar as causas, procurando esclarecer as motivações e circunstâncias que o induziram a tomar essa funesta decisão. Na determinação das nossas ações, as causas imediatas podem ser externas (alguém decide parar o carro diante de um sinal vermelho) ou internas (alguém resolve tomar um refrigerante), sendo geralmente múltiplas e por vezes muito difíceis de serem rastreadas. No entanto, teorias biológicas e psicológicas (especialmente. a psicanálise) sugerem que as nossas ações são sempre causadas; "Fiz isso sem nenhuma razão" raramente é aceite como desculpa. � Com base em considerações como essas, a conclusão do filósofo determinista é a de que o livre-arbítrio na verdade não existe, posto que se a ação fosse realmente livre ela não seria determinada por outros fatores independentes dela mesma. A liberdade que parecemos ter ao tomarmos as nossas decisões é pura ilusão, produzida por uma insuficiente consciência das suas causas. Mesmo quando pensamos que poderíamos ter agido de outro modo, o que queremos dizer não é que éramos realmente livres para agir de outro modo, mas simplesmente que teríamos agido de outro modo se o sentimento mais forte tivesse sido outro, se soubéssemos aquilo que agora sabemos etc. O argumento a favor do determinismo pode ser assim esquematizado: 1. Todo o evento é causado. 2. As ações humanas são eventos. 3. Portanto, todas as ações humanas são causadas. 4. As ações humanas só são livres quando não são causadas. 5. Portanto, as ações humanas não são livres. � A posição determinista encontra, porém, dificuldades. Não é só o sentimento de que somos livres que perde a validade. Também o sentimento de arrependimento ou remorso parece perder o sentido, pois como se justifica que nós possamos arrepender- Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 20 de 206
  • 21. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos nos das nossas ações, se não fomos livres para escolhê-las? Também a responsabilidade moral perde a validade. Se nas nossas ações somos tão determinados como uma pedra que cai ao ser solta no ar, faz tão pouco sentido responsabilizar uma pessoa pelos seus atos quanto faz sentido responsabilizar a pedra por ter caído. Tais dificuldades levam- nos a considerar a posição oposta. 2. Libertismo � O libertista rejeita o determinismo por considerar as conclusões acima inaceitáveis. Ele também rejeita a primeira premissa do argumento determinista. O princípio da causalidade, enunciável como "Todo o evento tem uma causa", não parece ter a sua validade universal garantida. Certamente, esse princípio é extremamente útil, valendo em geral para o mundo que nos circunda e mesmo para muitas de nossas ações. Mas nada nele garante que a sua validade seja universal. Não podemos pensar que A = ~A ou que 1 + 1 = 3, mas podemos perfeitamente conceber um evento no universo surgindo sem nenhuma causa. A isso o libertarista poderá adicionar que nós simplesmente sabemos que somos livres. Há uma grande diferença entre um comportamento reflexo e um comportamento resultante da decisão da vontade. Nós sentimos que no último caso somos livres, que podemos decidir sempre de outro modo. � Para justificar essa posição, o libertista costuma lançar mão de uma teoria da ação, tal como foi defendida por Richard Taylor ou por Roderick Chisholm. Segundo essa teoria às vezes, ao menos, o agente causa os seus atos sem qualquer mudança essencial em si mesmo, não necessitando de condições antecedentes que sejam suficientes para justificar a ação. Isso acontece porque o eu é uma entidade peculiar, capaz de iniciar uma ação sem ser causado por condições antecedentes suficientes! Você poderá perguntar-se como isso é possível. A resposta geralmente oferecida é que não pode haver explicação. Para responder a uma pergunta como essa teríamos de interrogar o Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 21 de 206
  • 22. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos próprio eu, considerando-o objetivamente. Mas, como quem deve considerar objetivamente o eu só pode ser aqui o próprio eu, isso é impossível. Tentar interrogar o próprio eu é tentar, como o barão de Münchausen, alçar-se sobre si mesmo pondo os pés sobre a própria cabeça. O eu da teoria da ação é um eu esquivo [...]. Ele é um eu autodeterminador, capaz de iniciar ações sem ser causado. Somos, quando agimos, semelhantes ao deus aristotélico: somos causas não causadas, motores imóveis. O argumento que conduz à teoria da ação tem a forma: 1. Não é certo que todo o evento é causado. 2. Sabemos que as nossas ações são frequentemente livres. 3. As ações humanas livres não podem ser causadas. 4. Portanto, a ação humana não precisa de ser causada. � Embora essa solução preserve a noção de livre agência, ela tem o inconveniente de explicar o obscuro pelo que é mais obscuro ainda, que é um mistério a ser aceite sem questionamento. A pergunta que permanece é se não há uma solução mais satisfatória. A solução que veremos a seguir, o compatibilismo, é hoje a mais aceite, sendo uma maneira de tentar preservar as vantagens das outras duas sem as correspondentes desvantagens. 3. Compatibilismo: definições � Segundo o compatibilismo, também chamado de determinismo moderado ou reconciliatório, nós permanecemos livres e responsáveis, mesmo sendo causalmente determinados nas nossas ações. O raciocínio que conduz ao compatibilismo tem a forma: 1. Todo o evento é causado. 2. As ações humanas são eventos. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 22 de 206
  • 23. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos 3. Portanto, todas as ações humanas são causadas. 4. Sabemos que as nossas ações são às vezes livres. 5. Portanto, as ações livres são causadas. � Um bom exemplo de argumento em defesa do compatibilismo é o de Walter Stace, para quem nós confundimos o significado da noção de liberdade na sua conexão com o determinismo. Segundo Stace, o determinista acredita que a liberdade da vontade é o mesmo que a capacidade de produzir ações sem que elas sejam determinadas por causas. Mas isso é falso. Se assim fosse, uma pessoa que se comportasse arbitrariamente, mesmo que contra a sua própria vontade, seria um exemplo de pessoa livre. Mas o comportamento arbitrário não é visto como um comportamento livre. A diferença entre a vontade livre e a vontade não-livre não deve residir, pois, no facto de a segunda ser causalmente determinada e a primeira não. Além disso, tanto no caso de ações livres como no caso de ações não-livres, nós costumamos encontrar determinações causais, como mostram os seguintes exemplos, os três primeiros tomados do texto de Stace: A. Atos livres B. Atos não-livres 1. Gandi passa fome porque quer libertar a Índia. Um homem passa fome num deserto porque não há comida. 2. Uma pessoa rouba um pão porque está com fome. Uma pessoa rouba porque o seu patrão a obrigou. 3. Uma pessoa assina uma confissão porque quer dizer a verdade. Uma pessoa assina uma confissão porque foi submetida a tortura. 4. Uma pessoa decide abrir uma garrafa de champanhe porque quer brindar ao Ano Novo. Uma pessoa toma uma dose de aguardente, mesmo contra a sua vontade, porque é alcoólica. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 23 de 206
  • 24. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Note-se que a palavra "porque", que denota causalidade, é comum a ambas as colunas. Assim, a coluna A não difere da coluna B pelo facto de não podermos encontrar causas das ações, decisões e volições dos agentes. E às causas apresentadas podemos adicionar ainda outras, como razões psicológicas e biográficas de Gandi, o costume de brindar ao Ano Novo abrindo uma garrafa de champanhe etc. Mesmo nos casos de decisões arbitrárias (como quando alguém decide lançar uma moeda no ar para que a sorte decida o que deve fazer), a decisão de escolher arbitrariamente também possui alguma causa. � A diferença notada por Stace entre as ações livres da coluna A e as não-livres da coluna B é que as primeiras são voluntárias, enquanto as segundas não. Daí que ele defina a diferença entre a vontade livre e não-livre como residindo no facto de que as ações derivadas da vontade livre são voluntárias, enquanto as ações derivadas da vontade não-livre são involuntárias, no sentido de se oporem à nossa vontade ou de serem independentes dela. Se Gandi passa fome para libertar a Índia, se alguém rouba um pão por estar com fome, essas são ações livres, posto que voluntárias; mas se uma pessoa assina uma confissão sob tortura ou toma uma dose de aguardente contra a sua vontade, essas são ações que se opõem à vontade dos agentes, por isso mesmo não são livres. � Embora a explicação de Stace seja geralmente bem-sucedida, ela não se aplica satisfatoriamente a alguns casos. Considere os seguintes: A. Atos livres B. Atos não-livres 5. Uma pessoa abre a janela porque faz calor. Uma pessoa abre a janela por efeito de sugestão pós-hipnótica. 6. Um membro de uma equipa de Um psicopata explode uma bomba porque Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 24 de 206
  • 25. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos cinema explode uma bomba para efeitos de filmagem. ouve vozes que o convenceram a realizar essa ação. � No exemplo B-5 a pessoa abre a janela porque o hipnotizador lhe disse que meia hora após ser acordada da hipnose deveria abrir a janela, sem se lembrar de que faz isso por decisão do hipnotizador (curiosamente, se interrogada, a pessoa submetida a esse tipo de experiência costuma fornecer uma razão qualquer, como a de que está sentindo calor). � Nesse caso a pessoa realiza a ação voluntariamente, pensando que o faz por livre e espontânea vontade, embora na verdade o faça seguindo a instrução de quem a hipnotizou. No exemplo B-6, o psicopata também age voluntariamente, e o mesmo poderíamos dizer de casos de fanáticos, de neuróticos e, em geral, de pessoas presas a valores e padrões de conduta excessivamente rígidos, que sofrem por isso limitações na capacidade de livre deliberação, apesar de agirem voluntariamente. A ação livre deve aproximar-se de um ideal de racionalidade plena, o que aqui está longe de ser o caso. � Na minha opinião a diferença mais importante entre os casos apresentados, nas colunas A e B é que em B, em que a ação não é livre, o agente age sob restrição, coerção ou limitação externa (exemplos 1, 2, 3 e 5) ou interna (exemplos 4 e 6), enquanto nos casos da coluna A, em que a ação é livre, o agente age motivado por razões não-limitadoras ou "plenas". É difícil explicar o que sejam razões não- limitadoras, mas a ideia é intuitiva: considere a diferença entre as razões de Gandi e as razões de quem age por sugestão pós-hipnótica, por força de um delírio psicótico ou de uma crença fanática; mesmo não-admiradores de Gandi admitiriam que as suas razões são comparativamente menos limitadoras, menos restritivas, mais legítimas. Admitindo essa distinção de grau entre razões limitadoras e não-limitadoras, chegamos a uma definição inerentemente negativa da ação livre, que é mais abrangente do que a de Stace: Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 25 de 206
  • 26. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos A ação livre é aquela em que o agente não é restringido fisicamente, nem coagido na sua vontade, nem limitado na sua racionalidade ao realizá-la. Livre-arbítrio versus determinismo � O problema do livre-arbítrio versus determinismo surge devido a uma aparente contradição entre duas ideias plausíveis. A primeira é a ideia de que os seres humanos têm liberdade para fazer ou não fazer o que queiram (obviamente, dentro de certos limites ― ninguém acredita que possamos voar apenas por querermos fazê-lo). Esta é a ideia de que os seres humanos têm vontade livre ― ou livre-arbítrio. A segunda é a ideia (...) de que tudo o que acontece neste universo é causado, ou determinado, por acontecimentos ou circunstâncias anteriores. Diz-se de aqueles que aceitam esta ideia que acreditam no princípio do determinismo e chama-se-lhes deterministas. (De aqueles que negam esta segunda ideia diz-se que são indeterministas.) � Pensa-se frequentemente que estas duas ideias conflituam porque parece que não podemos ter livre-arbítrio ― as nossas escolhas não podem ser livres ― se são determinadas por acontecimentos ou circunstâncias anteriores. Definição dos conceitos nucleares Determinismo: princípio segundo o qual todo o fenómeno é rigorosamente determinado por aqueles que o precederam ou acompanham, (leis da natureza: físicas e biológicas) ou (plano sobrenatural: vontade de Deus, força do destino) sendo a sua ocorrência necessária e não dependente da vontade do agente; Liberdade: é ter a possibilidade de escolher e de decidir o que fazer de nós próprios, que tipo de pessoa nos propomos construir tendo em conta todos os fatores e condicionalismos circunstanciais que o contexto vivencial nos proporciona e que são simultaneamente limitações e desafios; Liberdade humana: capacidade de autodeterminação, ou seja, a possibilidade e a necessidade de sermos nós a orientar a nossa ação e, desse modo, a definir e a moldar a nossa personalidade, tendo em conta as condicionantes da ação; Causalidade: acontecimento que sucede à cadeia causal; Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 26 de 206
  • 27. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Finalidade: acontecimento que antecede à cadeia causal. II.A ação humana e os valores 2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa 2.1. Valores e valoração – a questão dos critérios valorativos Os valores são qualidades que se atribuem aos objetos. Estes orientam a nossa ação, isto é, a nossa ação é determinada pelos valores; pelo que é considerado justo/injusto; correto/incorreto pelo sujeito. Os valores não existem efetivamente nos objetos, ou seja, não são características dos objetos. Orientam as nossas ações; agimos em função daquilo que gostamos e achamos correto. Características dos valores Os valores são: � Subjetivos – quando dependem do sujeito, isto é, dois sujeitos perante um objeto podem ter opiniões diferentes acerca do mesmo. (Ex.: uma pessoa pode achar o objeto bonito e outra feio). � Não são coisas nem características sensíveis dessas mesmas coisas � São hierarquizáveis – não têm todos a mesma importância, cada sujeito tem a sua própria hierarquia. � Existem em pólos opostos – existem valores positivos e valores negativos. (Ex.: beleza ≠ fealdade). � Valor-fim e valores-meio: • Valor-fim – são aqueles que valem por si mesmo (encontram-se no topo da hierarquia); • Valores-meio – são aqueles que nos permitem alcançar o valor-fim. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 27 de 206
  • 28. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Valores espirituais e valores materiais – produzem prazer sensível • Valores éticos/morais • Valores religiosos produzem prazer espiritual • Valores estéticos � São relativos – variam de época para época; de cultura para cultura, não quer dizer que uns sejam mais corretos que outros. � São perenes – não morrem, apesar da sua subjetividade e da sua relatividade estes continuarão a determinar a visão que o homem tem do mundo e as suas ações. Critério Valorativo: Juízos e Factos � Facto é o aspeto da realidade, aspeto esse que pode ser descrito de uma forma objetiva. Quando queremos descrever objetivamente um facto, elaboramos os juízos de facto. � Juízo é enunciado onde se afirma ou nega uma coisa de outra coisa. � Os Juízos de facto são proposições onde se descrevem objetivamente os aspetos da realidade (factos). Descrevem a realidade tal como ela é, fornecendo assim informação sobre o mundo. São objetivos pois não dependem da perspetiva do sujeito que os enuncia, dependendo exclusivamente do objeto ou do facto. � Pelo facto de eles serem objetivos possuem valor de verdade. Quando o conteúdo do juízo corresponde verdadeiramente aos factos, é verdadeiro; quando, pelo contrário, não corresponde, é falso. � Os juízos de facto são os únicos que aparecem nas ciências (Ex.: leis científicas) � Estes são descritivos, descrevendo certos aspetos da realidade. � Os Juízos de valor servem para expressar/traduzir/mostrar a avaliação, positiva ou negativa, que cada um de nós faz da realidade. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 28 de 206
  • 29. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Contrariamente aos juízos de facto que são objetivos, os juízos de valor são subjetivos, porque dependem exclusivamente da avaliação que cada sujeito faz da realidade. Ao fazer a sua avaliação, o sujeito pretende influenciar os outros, levando-os a fazer o mesmo tipo de avaliação de um acontecimento sendo, por isso, parcialmente, normativos. � Assim temos: Exemplos: � Os juízos morais são os juízos de valor mais discutidos pelos filósofos. Estas são duas questões importantes sobre a natureza desses juízos: 1. Os juízos morais têm valor de verdade? 2. Se têm valor de verdade, são verdadeiros ou falsos independentemente da perspetiva de quaisquer sujeitos? � As teorias objetivistas respondem afirmativamente a ambas as questões. � Vamos examinar apenas teorias que não são objetivistas. Subjetivismo � Subjetivismo: Os juízos morais têm valor de verdade, mas o seu valor de verdade depende da perspetiva do sujeito que faz o juízo. � Existem factos morais, mas estes são subjetivos, pois só dizem respeito às atitudes de aprovação ou reprovação das pessoas. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 29 de 206
  • 30. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Duas razões para ser subjetivista: � Se as distinções entre o certo e o errado não forem fruto dos sentimentos de cada pessoa, então serão imposições exteriores que limitam as possibilidades de ação de cada indivíduo. O subjetivismo preserva a liberdade individual. � Quando percebemos que as distinções entre o certo e o errado dependem dos sentimentos de cada pessoa e que os sentimentos de uma não são melhores nem piores que os de outra, tornamo-nos mais capazes de aceitar as ações contrárias às nossas preferências. O subjetivismo promove a tolerância entre indivíduos. Objeções ao subjetivismo: � O subjetivismo permite que qualquer juízo moral seja verdadeiro. Por exemplo, se uma pessoa pensa que devemos torturar inocentes, então para essa pessoa é verdade que devemos torturar inocentes. � O subjetivismo compromete-nos com uma educação moral que consiste apenas em ensinar que devemos agir de acordo com os nossos sentimentos. � O subjetivismo tira todo o sentido ao debate moral. Torna absurdo qualquer esforço racional para encontrar os melhores princípios éticos e fundamentá-los perante os outros. Para aprofundar esta última objeção, vejamos como o subjetivista entende os casos de desacordo moral: Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 30 de 206
  • 31. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Se a tradução do subjetivista é correta, então não há qualquer desacordo genuíno entre o João e a Maria. Mas há um desacordo genuíno entre o João e a Maria. Logo, a tradução do subjetivista não é correta. (Portanto, o subjetivismo é falso.) Emotivismo � Emotivismo: Os juízos morais são apenas frases em que as pessoas exprimem os seus sentimentos de aprovação ou reprovação ou tentam suscitar esses mesmos sentimentos nos outros. � Os juízos morais não têm valor de verdade. Não são proposições. Vantagens do emotivismo sobre o subjetivismo: � Não implica que qualquer juízo moral pode ser verdadeiro. � Proporciona um modelo mais aceitável da educação moral: esta pode ser vista como a tentativa de influenciar os sentimentos das crianças de várias maneiras. � Não implica que não há desacordos genuínos e, portanto, não exclui totalmente a possibilidade do debate moral. Duas objeções emotivismo: � Os juízos morais nem sempre estão de acordo com os nossos sentimentos de aprovação ou reprovação. � Os juízos morais nem sempre exprimem emoções. Definição dos conceitos nucleares Valor: não é uma propriedade dos objetos em si, mas uma propriedade adquirida por esse objetos graças à sua relação dom o Homem como ser social, embora os objetos, para poderem valer, tenham de possuir realmente certas propriedades objetivas. Juízo de facto: são juízos que descrevem a realidade, sendo por isso considerados objetivos, verificáveis e suscetíveis de serem considerados verdadeiros ou falsos. Juízo de valor: Expressam uma apreciação de alguém a respeito de algo, traduzindo uma opção de natureza emotiva e afetiva; são subjetivos, discutíveis e relativos. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 31 de 206
  • 32. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos II.A ação humana e os valores 2. Os valores – Analise e compreensão da experiência valorativa 2.2. Valores e cultura – a diversidade e o dialogo de culturas Relativismo moral � Relativismo moral: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, são verdadeiros ou falsos. Por isso, existem factos morais. � A verdade ou falsidade dos juízos morais é sempre relativa a uma determinada sociedade. � Um juízo moral é verdadeiro numa sociedade quando os seus elementos acreditam que ele é verdadeiro, falso quando acreditam que ele é falso. � O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas dentro de cada sociedade. Podemos chamar «relativismo cultural» à ideia de que muitos costumes e práticas que variam de sociedade para sociedade, como os hábitos alimentares, as cerimónias de casamento ou o estilo de vestuário, são relativos à cultura: não há uma maneira de comer, casar ou vestir que seja universalmente melhor do que todas as outras. O relativista moral estende esta ideia quase trivial à ética. Aplicada à ética, no entanto, a ideia deixa de ser trivial. Duas razões para ser relativista moral: � O relativismo promove a coesão social. Esta coesão é fundamental para a sobrevivência da sociedade e assim para o nosso bem-estar. � O relativismo promove a tolerância entre sociedades diferentes. Leva-nos a não ter qualquer impulso violento e destrutivo em relação aos outros povos e culturas. Objeções ao relativismo moral: Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 32 de 206
  • 33. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � O relativismo moral conduz ao conformismo. Um conformista limita-se a agir de acordo com as ideias dominantes na sociedade. Na ausência de algum inconformismo, não pode haver qualquer progresso moral. � O relativismo moral só aparentemente promove a tolerância entre culturas diferentes: • A afirmação do valor universal da tolerância é incompatível com o relativismo. • Um relativista teria de aprovar atitudes de extrema intolerância se estas fossem consideradas boas no interior de uma dada sociedade. A teoria dos mandamentos divinos � Teoria dos mandamentos divinos: Os juízos morais têm valor de verdade, ou seja, são verdadeiros ou falsos. Por isso, existem factos morais. � A verdade ou falsidade dos juízos morais depende da vontade de Deus. � O certo e o errado, o bem e o mal morais, são convenções estabelecidas por Deus. O dilema de Êutifron A relação entre a diversidade cultural, o relativismo e a tolerância � Os valores são simultaneamente absolutos e relativos. São absolutos porque existem em todas as sociedades e porque há valores universalmente aceites, tais como os valores Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 33 de 206
  • 34. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos consignados na Declaração Universal dos Direitos do Homem. São relativos porque variam as qualidades que têm de possuir para poderem ser consideradas bens. De facto, todas as sociedades distinguem o bem do mal, considerando o bem um valor positivo e o mal um valor negativo ou contra valor. Porem, o conceito de bem e de mal é definido culturalmente; os valores têm um caráter histórico e mudam à medida que a sociedade e a cultura se transformam (dependem da época, da geografia, dos regimes políticos, das classes sociais, da cultura, etc.); por outro lado, a par dos valores universais como o valor da vida ou da liberdade, há valores em que a subjetividade é predominante, dependendo dos gostos e das preferências pessoais como é o caso dos valores estéticos, por exemplo. � A evolução e progresso social acarretam o aparecimento de novos problemas e novas mentalidades e a necessária transformação dos valores. Hoje, o relativismo cultural é um valor positivo e nega-se a existência de padrões axiológicos absolutos. Isto não significa que não deva haver valores universais a preservar para além desse relativismo como é o caso do valor da vida e da dignidade da pessoa, qualquer que seja a sua condição (cultura que adotou, classe social, sexo, religião, cor da pele, etnia, etc.). A todos os seres humanos, pelo facto de seres humanos, é devida igualdade de direitos e de deveres, por isso, não podemos tolerar praticas culturais atentatórias da dignidade humana e devemos usar todos os meios para garantir o respeito pelos direitos humanos fundamentais em todos os países do mundo. Definição dos conceitos nucleares Absoluto (etnocentrismo): uma tendência para colocar no centro a nossa cultura, considerando os seus valores e os seus padrões culturais como medida daquilo que é desejável e estimável para todos. Relativo (relativismo): aceita que comportamentos socialmente aprovados e os sistemas de valores dos povos com os quais se entra em contacto sejam julgados e Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 34 de 206
  • 35. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos avaliados sem referencia a padrões absolutos, a necessidade de tolerância pelas diferenças (raciais, étnicas, religiosas, sexuais) e o valor do respeito mútuo. Cultura: em sentido amplo, pode ser definida como os aspetos de ordem material e de ordem espiritual que, em relação com uma sociedade ou grupo, foram adquiridos com base em formas de vida ancestrais comuns. Pode-se afirmar “Sem homem não há cultura. Mas sem cultura não há homem.” II.A ação humana e os valores 3. Dimensões da ação humana e dos valores 3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial 3.1.1. Intenção ética e norma moral � Os conceitos de ética e moral são usualmente utilizados indiferentemente, para nos referirmos a um código ou a um conjunto de princípios que as pessoas seguem na sua vida. � A ética, deriva do grego ethos, que designava os comportamentos habituais, os costumes, aquilo que permite ao ser humano construir uma segunda natureza, referindo- se, pois, à sua interioridade. � Assim a Ética, mantendo o significado mais próximo daquele que o próprio conceito grego de ethos, remete mais para uma reflexão acerca dos princípios que devem orientar a ação humana, para uma fundamentação das normas do agir, e também para a definição dos fins orientadores da existência de cada um, tendo em vista a autoconstrução de si na prossecução duma vida boa e feliz. Interroga-se sobre o que dá sentido ou valor à existência humana. A Ética remete, portanto, para uma sabedoria de vida, algo que aponta já para uma certa espiritualidade e realização pessoal autónoma. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 35 de 206
  • 36. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � A moral utiliza-se hoje para designar o âmbito da formação das normas obrigatórias, da sua hierarquização e aplicação a casos concretos no interior duma comunidade humana. � Assim a Moral constitui, portanto, um conjunto de imperativos e de interditos, traduzindo o sentido de obrigatoriedade, o conjunto dos deveres do ser humano, isto é, uma deontologia, as normas validas no interior de um grupo. Desenvolve-se na pratica social, no contexto de uma cultura, no seio da qual os valores, os hábitos e os costume geram as leis ou códigos que definem o que é desejável e o que é permitido ou proibido, distinguindo o bem do mal. Apresenta-se, portanto, com uma função normativa, isto é, de institucionalização de normas que regulam a conduta. A Moral responde-nos, pois, às questões: Que devo fazer? Como é correto agir em tal circunstância? � Apesar desta distinção, quer a Ética quer a Moral são importantes guias da ação humana, no sentido em que relacionam com uma vida com projetos e ideais a alcançar. O sentido da palavra «desmoralizado» ajuda-nos a compreender bem, embora pela negativa, a sua importância: diz-se «desmoralizado» de alguém a que perdeu a orientação e o interesse pela vida ou pelos seus objetivos. E a Moral e a Ética apelam exatamente para a realização pessoal do indivíduo. Apesar desta distinção conceptual, muitos autores continuam a usar os dois conceitos como sinónimos. Definição dos conceitos nucleares Ética: (do conceito grego “ethos”) é o domínio da reflexão teórica sobre esses princípios e normas tendo em vista a sua definição e, sobretudo, a sua justificação racional. À ética diz ainda respeito a definição dos fins universais que deverão orientar a ação humana na autoconstrução de cada indivíduo tendo em vista tornar-se pessoa. A ética pode então ser entendida como fundamentação das normas morais do agir ou como definição dos fins orientadores da existência de cada um. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 36 de 206
  • 37. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Moral: (do latim “mores”) designa o âmbito da formação das normas, da hierarquização e aplicação a casos concretos, traduzindo o conjunto dos deveres do ser humano. II.A ação humana e os valores 3. Dimensões da ação humana e dos valores 3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial 3.1.2. A dimensão pessoal e social da ética – o si mesmo, o outro e as instituições � A responsabilidade é a capacidade de responder e prestar contas pelos atos praticados. A responsabilidade tem duas vertentes: a responsabilidade civil, prestar contas pelas consequências perante terceiros, e a responsabilidade moral, prestar conta perante a nossa consciência pelos atos e intenções dos mesmos. � A responsabilidade exige que se assuma esta autoria dos atos praticados; assumir esta autoria implica uma reflexão prévia que pode e deve conduzir a uma opção livre de constrangimentos, isto é, autónoma; esta autonomia ou liberdade é condição para se ser pessoa. A responsabilidade implica maturidade moral. � A existência humana é uma existência partilhada, isto é, vivida em coexistência com os outros ou, dito de outro modo, o ser humano é um ser eminentemente social. Como nos diz F. Savater «ninguém chega a tornar-se humano se está só: tornamo-nos humanos uns aos outros». � Os Gregos foram os primeiros a salientar a importância desta dimensão social e politica do ser humano, como é vísivel na definição apresentada por Aristóteles ao afirmar «o Homem é um animal político; aquele que vive só ou é um deus ou um louco», sendo por isso que a pena mais cruel infligida a um indivíduo era a condenação ao ostracismo, isto é, a condenação a viver isolado dos outros. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 37 de 206
  • 38. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Sendo assim, a dimensão ética implica que não se considerem exclusivamente os interesses individuais e se avaliem as situações tendo em conta também os interesses dos outros. � A relação eu-outro implica, portanto, que os nossos juízos avaliativos adotem um ponto de vista no qual considerem igualmente os interesses de todos os que são afetados pelas nossas ações, isto é, implica que nos coloquemos numa perspetiva de universalidade do agir. A ação ética exige que ultrapassemos o nosso ponto de vista pessoal e nos coloquemos, na medida do possível, no lugar do outro (entendendo-se por outro todos os seres com quem nos relacionamos). Em vez do egoísmo a Ética valoriza o altruísmo e a solidariedade. Em vez do benefício pessoal, a Ética promove, elogia e estimula a consideração de valores comuns aos membros duma comunidade. � Valorizando os comportamentos comuns, a Ética procura assim promover a realização da vida social, em que a existência individual ganha sentido na vivência partilhada com os outros. � A relação com os outros coloca-nos perante o desafio da nossa autoconstrução, evidenciando que a realização de cada um supõe também a realização dos outros, numa convergência de vontades particulares tendo em vista a realização de fins comuns. Mas o antagonismo e a conflituosidade entre os interesses individuais nem sempre se conseguem compatibilizar e, por isso, as diferentes formas de relacionamento social expressas quer em competição/solidariedade, que em cooperação/hostilidade, exigem o estabelecimento de regras de conduta, de normas e leis que definam os direitos e deveres de cada um num espaço de convivência. � Esta convivência com os outros não deve ser determinada por uma força instintiva ou biológica, antes se estabelece no interior duma comunidade, em função de objetivos, valores e opções livremente definidos por cada sociedade. É esta convergência de ideais que procura dar sentido à existência da sociedade e de cada indivíduo. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 38 de 206
  • 39. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Nesta interação social forma-se em cada um de nós uma instância interior de orientação e de critica do nosso agir, a que chamamos consciência moral. � Para podermos compreender melhor a natureza e o papel da consciência moral, costumamos compará-la a uma espécie de «juiz interior» que julga o que fazemos, provocando-nos, em certas situações, aquilo a que chamamos remorsos por termos praticado uma ação considerada má (ter a consciência pesada, ou ter um peso na consciência), ou dando-nos um sentimento de bem-estar e paz interior quando agimos bem (estar de consciência tranquila). � O conceito de consciência moral inclui, então: • Um sentido apelativo, para valores e normas ideais a que não devemos renunciar (uma «bússola» orientadora do sentido da ação); • Um sentido imperativo (obrigação), que nos ordena uma ação compatível com os valores que defendemos (index); • Um sentido judicativo, pois assume-se como instância julgadora dos nossos atos e das próprias intenções do agente, conforme estão ou não de acordo com os valores e ideais a que aderimos (judex); • Um sentido de censura e de remorso, ou de elogio e satisfação, conforme a nossa vivência obedece ou não aos ideais e valores assumidos (vindex). � Embora formando-se e modelando-se no interior do grupo social a que pertencemos, a consciência moral constitui-se na conjugação de duas orientações: CONSCIÊNCIA MORAL • Por um lado, cresce à medida que o indivíduo interioriza as regras e padrões do grupo (heteronomia). • Por outro, amadurece e assume-se como uma dimensão pessoal no sentido em que cada um se autodetermina por princípios racionalmente justificados (autonomia). Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 39 de 206
  • 40. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Há pois, uma interação entre as estruturas do indivíduo e as influencias do meio social, uma articulação do querer individual com os padrões sociais, que conduz à transformação do indivíduo em pessoa. Noção de pessoa � Por pessoa entende-se o individuo humano que: • Se reconhece como sujeito de direitos e deveres ou obrigações, para consigo mesmo, para com os outros e para com as instituições; • Assimilou de forma consciente os ideais e a sua responsabilidade social; • Assume o caráter racional da sua autonomia e, portanto, a capacidade de agir livre e responsavelmente, isto é, em nome próprio; • Tem consciência do caráter inter-relacional da sua autonomia, uma vez que autonomia não significa autossuficiência nem indiferença pelos outros; • Assume a dignidade como atributo essencial do Homem, dignidade que se expressa numa exigência perante si mesmo, perante os outros e perante as instituições. � Podemos dizer então que ser pessoa exige viver em sociedade, reconhecer e respeitar princípios universais de relação com os outros, reconhecer-se como sujeito de direitos e deveres, estar aberto aos outros. Neste sentido foram fundadas, ao longo dos tempos, instituições políticas e sociais que visam justamente assegurar ao Homem a possibilidade de se desenvolver como pessoa e que demonstram a aceitação pelas sociedades da personalidade humana. Definição dos conceitos nucleares Responsabilidade: deriva etimologicamente da palavra latina «respondere», que significa responder pelos atos e ter a obrigação de prestar contas pelos atos praticados. A responsabilidade pode assumir diferentes formas: responsabilidade civil – referindo- se ao compromisso de ter de responder perante a autoridade social; responsabilidade moral – referindo-se à obrigação de responder perante a nossa própria consciência. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 40 de 206
  • 41. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos II.A ação humana e os valores 3. Dimensões da ação humana e dos valores 3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial 3.1.3. A necessidade de fundamentação da moral – análise comparativa de duas perspetivas filosóficas Ética utilitarista de Stuart Mill (1806-1873 d.C) � Filósofo e economista, considerado o mais importante representante do utilitarismo inglês. Embora mantenha a identificação base do utilitarismo da felicidade com prazer, Stuart Mill classifica os prazeres segundo um critério qualitativo, considerando em primeiro lugar a dignidade do Homem, e defende que o fim das nossas ações deve ser uma utilidade altruísta e não meramente egoísta. Duas objeções ao utilitarismo � O utilitarismo não funciona na prática, pois exige que estejamos sempre a calcular as consequências das nossas ações. � O utilitarismo, como não leva em conta as normas ou regras morais comuns, predispõe-nos a fazer frequentemente coisas erradas como mentir, roubar ou matar. Uma resposta às objeções O utilitarismo é primariamente uma teoria sobre o que torna as ações certas ou erradas. O utilitarismo não é uma teoria sobre como devemos tomar as nossas decisões. Por isso, o utilitarismo não implica que: 1. Temos de tomar todas as decisões calculando as consequências prováveis dos nossos atos. 2. Temos de ser indiferentes às normas morais comuns quando decidimos o que fazer. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 41 de 206
  • 42. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos O utilitarista dirá que se tomássemos todas as decisões calculando as suas consequências acabaríamos por não promover o bem. O utilitarista dirá que muitas regras morais comuns nos auxiliam a tomar decisões que, de uma maneira geral, serão boas. Dois níveis de pensamento moral � Nível intuitivo: Como o nosso conhecimento é muito limitado, tomamos as nossas decisões quotidianas segundo as regras morais simples que aceitamos, obedecendo às inclinações do nosso caráter, sem aplicar o princípio utilitarista. � Nível crítico: Aplicamos o princípio utilitarista para (1) tomar decisões em situações em que as regras morais comuns não nos permitem saber o que fazer, (2) avaliar criticamente essas regras de modo a determinar se elas promovem ou não o bem-estar. Duas objeções ao utilitarismo que não afetam as teorias deontológicas: 1) O utilitarismo obriga-nos a realizar certos atos que não são moralmente obrigatórios. É por isso, em certos aspetos, uma teoria moral demasiado exigente. 2) O utilitarismo permite ou consente certos atos que não são moralmente permissíveis. É por isso, noutros aspetos, uma teoria moral demasiado permissiva. Integridade A excessiva exigência do utilitarismo ameaça a nossa integridade pessoal: para agir em conformidade com o utilitarismo, teríamos que abdicar de quase todos os nossos projetos e compromissos pessoais. Respeito e direitos A excessiva permissividade do utilitarismo consiste no facto de este ignorar os direitos morais das pessoas e autorizar que as tratemos como simples meios ao serviço do fim do bem geral. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 42 de 206
  • 43. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Dois egoísmos � Egoísmo psicológico: As pessoas agem sempre apenas em função do seu interesse pessoal. � Egoísmo ético: As pessoas devem agir sempre apenas em função do seu interesse pessoal. Somos todos egoístas? Dois argumentos a favor do egoísmo psicológico: 1. Quando agimos voluntariamente, fazemos sempre aquilo que mais desejamos. Por isso, somos todos egoístas. 2. Sempre que fazemos bem aos outros, isso dá-nos prazer. Por isso, só fazemos bem aos outros para sentirmos prazer. Ora, isso é o mesmo que dizer que somos todos egoístas. Em ambos os argumentos, a premissa não sustenta a conclusão: � Mesmo que seja verdade que em todos os atos voluntários as pessoas se limitam a fazer aquilo que mais desejam, daí não se segue que todos esses atos sejam egoístas. � Mesmo que sintamos prazer a fazer bem aos outros, isso não quer dizer que a expectativa desse prazer tenha sido a causa ou motivo da ação. Devemos ser egoístas? Três objeções ao egoísmo ético: � O egoísmo ético tira todo o sentido a uma parte importante da ética, que consiste na atividade de aconselhar e julgar. � O egoísmo ético é moralmente inconsistente: não pode ser adotado universalmente. � O egoísmo ético derrota-se a si próprio: se uma pessoa optar por agir de forma egoísta, terá uma vida pior do que teria se não fosse egoísta. Utilitarismo Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 43 de 206
  • 44. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos J. S. Mill defendeu o princípio utilitarista da maior felicidade: «As ações estão certas na medida em que tendem a promover a felicidade, erradas na medida em que tendem a produzir o reverso da felicidade.» � O utilitarismo, tal como o egoísmo ético, é uma perspetiva consequencialista. � Segundo o consequencialismo, agir moralmente é apenas uma questão de produzir bons resultados. � O egoísta defende que o agente deve produzir bons resultados apenas para si próprio. � O utilitarista defende que o agente deve produzir bons resultados para todos aqueles que poderão ser afetados pela sua conduta. � Muitos utilitaristas defendem que o melhor curso de ação é aquele que apresentada a maior utilidade esperada. � Para determinar a utilidade esperada de um curso de ação, temos de pensar nas suas várias consequências possíveis e na probabilidade de essas consequências se verificarem. Hedonismo Em que consiste um bem-estar ou felicidade de uma pessoa? � Hedonismo: O bem-estar consiste unicamente no prazer e na ausência de dor. � Hedonismo quantitativo de Bentham: Cada um dos diversos prazeres e dores da vida das pessoas tem um certo valor, que em última análise é determinado apenas pela duração e intensidade. � Hedonismo quantitativo de Mill: Alguns tipos de prazeres são, em virtude da sua natureza, intrinsecamente superiores a outros. Para vivermos melhor devemos dar uma forte preferência aos prazeres superiores, recusando-nos a trocá-los por uma quantidade idêntica ou mesmo maior de prazeres inferiores. O argumento da máquina de experiências contra o hedonismo: Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 44 de 206
  • 45. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � A máquina de experiências é um dispositivo de realidade virtual que proporciona uma vida insuperavelmente aprazível. � Se o hedonismo é verdadeiro, então seria melhor ligarmo-nos para sempre à máquina de experiências. Mas é melhor não nos ligarmos e continuarmos a ter uma vida real. Logo, o hedonismo é falso. Satisfação de preferências Uma perspetiva alternativa ao hedonismo: � O bem-estar consiste unicamente na satisfação dos desejos ou preferências. Os utilitaristas de preferências defendem esta teoria do bem-estar. Sustentam que a melhor maneira de agir é maximizar a satisfação das preferências daqueles que poderão ser afetados pela nossa conduta. O argumento da maioria fanática contra o utilitarismo de preferências: � Uma maioria fanática deseja intensamente exterminar uma minoria inofensiva. � Se o utilitarismo de preferências é verdadeiro, seria bom exterminar a minoria inofensiva. Mas é profundamente errado exterminar minorias inofensivas. Logo, o utilitarismo de preferências é falso. Ética deontológica de Kant Célebre filósofo alemão, um dos mais importantes filósofos da época moderna europeia. As mais notáveis das suas obras são a Crítica da Razão Pura (sobre gnoseologia), a Crítica da Razão Prática (sobre ética) e a Crítica da Faculdade de Julgar (sobre estética). Teorias deontológicas Podemos distinguir utilitarismo das teorias deontológicas colocando duas questões: 1. O que torna as nossas ações certas ou erradas? Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 45 de 206
  • 46. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos 2. Quando é que nossas ações são certas ou erradas? No que diz respeito à primeira questão, temos estas respostas: � Utilitarismo: Apenas as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas. As nossas ações são certas ou erradas apenas em virtude de promoverem imparcialmente o bem-estar. � Deontologia: Nem só as consequências das nossas ações as tornam certas ou erradas. Muitas ações são intrinsecamente erradas, ou seja, erradas independentemente das suas consequências. Podemos dizer, aliás, que todos temos de respeitar certos deveres que proíbem a realização dessas ações. No que diz respeito à segunda questão, temos estas respostas: � Utilitarismo: Uma ação é certa apenas quando maximiza o bem-estar, ou seja, quando promove tanto quanto possível o bem-estar. Qualquer ação que não maximize o bem-estar é errada. � Deontologia: Uma ação é errada quando com ela infringimos intencionalmente algum dos nossos deveres. Qualquer ação que não seja contrária a esses deveres não tem nada de errado. Exemplos de deveres habitualmente reconhecidos pelos deontologistas: � Fidelidade: Mantém as tuas promessas. � Reparação: Compensa os outros por qualquer mal que lhes tenhas feito. � Gratidão: Retribui fazendo bem àqueles que te fizeram bem. � Justiça: Opõe-te às distribuições de felicidade que não estejam de acordo com o mérito. � Desenvolvimento pessoal: Desenvolve a tua virtude e o teu conhecimento. � Beneficência: Faz bem aos outros. � Não-maleficência: Não prejudiques os outros. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 46 de 206
  • 47. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Deontologia � É na Fundamentação da Metafísica dos Costumes e na Crítica da Razão Prática, que Kant procura esclarecer as bases teóricas em que assenta a ação moral. � Na Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Kant afirma a necessidade de se estabelecer uma filosofia moral pura, isto é, estabelecida a partir da análise da própria racionalidade humana e, deste modo, independentemente de tudo o que seja baseado na experiência. A razão é a autoridade final para a moralidade e esta não pode ter fundamento, isto é, não pode ser estabelecida e justificada, na observação dos costumes ou modos habituais e culturais de agir com os humanos. Todas as ações precisam ser determinadas por um sentido de dever ditado pela razão, e nenhuma ação realizada por interesse ou somente por obediência a uma lei exterior ou costume pode ser considerada como moral. A ação moralmente boa é a que obedece exclusivamente à lei moral em si mesma. A moral Kantiana é, assim concebida como independente de todos os impulsos e tendências naturais ou sensíveis e está centrada sobre a noção de dever e não na noção de virtude e felicidade como em Aristóteles. � Kant faz distinção entre o bem e o agradável. O bem é função da lei moral, não deve, pois, ser determinado antes da lei moral, mas só depois dela e mediante ela. � Além disso, para classificar uma ação como moralmente boa não basta observar o que o Homem faz efetivamente mas aquilo que ele quer fazer. Por isso, se diz que a moral Kantiana é uma moral de intenção. Assim, nada é bom ou mau em si mesmo; Kant afirma que a única coisa que verdadeiramente pode ser boa em si mesmo é a vontade humana. � A moral Kantiana parte do pressuposto que o Homem não é simplesmente racional. Ele é, simultaneamente, racional e natural/sensível, espírito e corpo, razão e desejo, por isso, a vida moral é uma luta continua e o agir bem apresenta-se-lhe como uma obrigação, como uma certa coação, que a sua parte racional terá de exercer sobre a sua Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 47 de 206
  • 48. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos parte sensível. O dever obriga, força-nos a fazer o que talvez não quiséssemos ou que pelo menos não nos agradaria, porque o homem não é perfeito e sim dual. Assim, a moralidade aparece na forma de uma lei que exige ser obedecida por si mesma, uma lei cuja autoridade não está fora do Homem mas representa a voz da razão, a que o sujeito moral deve obedecer. Então, para que cumpra integralmente a lei moral, é preciso que o domínio da vontade livre (vontade não submetida a nenhuma lei a não ser a sua própria) sobre a vontade psicológica seja cada vez mais íntegro e completo. Kant chama vontade santa à vontade que dominou por completo toda a influência e determinação oriunda dos fenómenos concretos, físicos, fisiológicos e psicológicos, para sujeitá-la à lei moral. � Para uma vontade desse tipo não haveria distinção entre razão e inclinação. Um ser possuído de uma vontade santa agiria sempre da forma que devia agir e não haveria lugar para o conceito de dever e de obrigação moral, os quais somente têm sentido e existência porque o Homem é dual, razão e desejo, e estes encontram-se em oposição. É por isso que o dever nos surge sob a forma de uma ordem ou de um mandamento – um imperativo categórico (categórico porque ordena incondicionalmente): “Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. – Kant reconhece que esta é apenas uma fórmula e a única regra segura para podermos agir. � Como imperativo categórico, Kant forneceu-nos, na prática, um critério para o agir moral. � Se queres agir moralmente, (isto é, para Kant, racionalmente) – o que aliás tu tens de fazer – age então de uma maneira realmente universalizável. A universalização das nossas máximas (em si subjetivas) é o critério moral. O imperativo categórico afirma a autonomia da vontade porque fornece o único princípio de todas as leis morais. A liberdade é condição da moralidade Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 48 de 206
  • 49. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � A condição necessária para que seja possível apenas a razão determinar a ação é a liberdade. A vida moral somente é possível, para Kant, na medida em que a razão estabeleça, por si só, aquilo a que se deve obedecer no terreno da conduta moral, o que só é possível pressupondo que o Homem é um ser dotado de liberdade. � As ideias éticas de Kant são um resultado lógico da sua crença na liberdade fundamental do indivíduo. Esta liberdade não é sinónimo de ausência de leis ou de anarquia; significa, antes, autogoverno, a liberdade de poder realizar o que a razão ordena, isto é, obedecer ao imperativo categórico. � Poder realizar significa: causar por vontade própria um efeito no mundo, tal como as causas naturais produzem um efeito na natureza. O homem, neste sentido, é livre, legislador e membro de uma sociedade ética: é legislador porque é ele que determina o que deve ser feito, e é membro ou súbdito porque obedece aos deveres que a sua própria razão fórmula. Neste sentido, ele não tem um preço, mas uma dignidade, e é por isso que a segunda fórmula do imperativo categórico diz para agirmos de modo a não tratar jamais a humanidade, em nós ou nos outros, como um meio, mas sempre como um fim em si. A ética Kantiana é uma ética do respeito à pessoa. A ética Kantiana é moderna porque confia no homem, na sua razão e na sua liberdade, condena todas as situações sociais de instrumentalização do Homem (a escravatura, a prostituição, o trafico de pessoas, etc.) e reconhece à sociedade civil o direito de estabelecer leis universais que sejam expressão da lei moral racional. A felicidade não é o bem supremo � Kant também reflete sobre a felicidade e a virtude, mas subordina-as ao dever. Para Kant a felicidade é do domínio do sensível; é um desejo que está presente em todos os seres humanos mas que cada qual concebe a seu modo ou subjetivamente. Ora se a lei moral tem origem na razão (a condição da sua objetividade e universalidade) e se cada Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 49 de 206
  • 50. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos ser humano não concebe sempre do mesmo modo aquilo que é ser feliz, alcançar a felicidade não pode ser o fim supremo da moralidade nem a sua justificação. A moralidade auto-justificasse na natureza racional do ser humano e a felicidade e a virtude são apenas as consequências do esforço humano para praticar atos moralmente bons. A felicidade de que Kant fala é a da consciência do dever cumprido, a tranquilidade da boa consciência. Temos obrigação de fazermos tudo para sermos felizes. A única condição é que tudo o que fizermos possa ser universalizável. Não é a felicidade a qualquer preço. � Ser feliz é, assim, uma aspiração que o homem concretiza através do seu mérito, mas mesmo que esse aspiração existisse ou a felicidade não fosse concretizável e atingível através da moralidade, mesmo assim o ser humano ainda teria a obrigação moral ou o dever de agir respeitando unicamente a lei moral ou o imperativo categórico. Em conclusão de Kant: Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres morais podem ser inferidos de um princípio ético fundamental. Outros deontologistas, como Ross, pensam que sabemos por simples intuição quais são os nossos deveres. Alguns deontologistas, como Kant, pensam que os nossos deveres são absolutos: nunca podemos desrespeitá-los. Outros deontologistas, como Ross, pensam que os nossos deveres são prima facie: por vezes podemos desrespeitá-los. Duas distinções Alguns deontologistas, por oposição aos utilitaristas, atribuem relevância moral às distinções ato/omissão e intenção/previsão, defendendo o seguinte: Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 50 de 206
  • 51. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Atos e omissões: É pior provocar um mal que permitir que um mal ocorra. Por exemplo, é pior matar uma pessoa que deixá-la morrer. � Intenção e previsão: É pior dar origem a um mal intencionalmente que dar a origem a um mal que não pretendemos produzir, ainda que saibamos que o mesmo resultará da nossa conduta. Por exemplo, é pior torturar alguém que fazer algo que resulte em sofrimento como efeito colateral. Quadro síntese da Ética utilitarista de Stuart Mill e a Ética deontológica de Kant Fundamentação da Moral Kant (deontológica) Stuart Mill (utilitarista) • A felicidade é algo exterior à razão, é subjetiva; • A ação moral tem por base a boa vontade; • Só as ações por dever têm valor moral; • As ações por dever impõem-se-nos pelo imperativo categórico; • O imperativo categórico, ao impor leis universais, constitui o fundamento da autonomia humana; • O agir moral autónomo confere-nos dignidade. • O valor moral das ações está nas suas consequências e nos seus efeitos práticos; • Bem é aquilo que trouxer mais felicidade global; • O utilitarismo adota um relativismo ético face à perca de critérios absolutos e universais; • O utilitarismo é um reflexo da tecnicização da produção e da sociedade pós – moderna. II.A ação humana e os valores 3. Dimensões da ação humana e dos valores 3.1. A dimensão ético-politica – Análise e compreensão da experiência vivencial Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 51 de 206
  • 52. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos 3.1.4. Ética, direito e politica – liberdade e justiça social; igualdade e diferenças; justiça e equidade O que legitima a autoridade do estado – Respostas de Aristóteles e de Locke A justificação aristotélica do estado � Uma das respostas mais antigas para este problema foi apresentada por Aristóteles (384-322 a. C.) num livro intitulado Política. Neste livro, Aristóteles estuda os fundamentos e a organização da cidade (polis, em grego, que deu origem ao termo «política»). Naquele tempo, as principais cidades gregas eram estados independentes – tinham os seus próprios governos e exércitos, além de leis e tribunais próprios. Por isso lhes chamamos cidades-estado. � Assim, ao falar da origem da cidade, Aristóteles está a falar da origem do estado. Aristóteles defende que a cidade-estado existe por natureza. Os seres humanos sempre procuraram viver sob um estado porque a vida fora do estado é simplesmente impensável. Viver numa sociedade governada pelo poder político faz parte da natureza humana. Quem conseguir viver à margem da cidade-estado não é um ser humano: «é uma besta ou um deus», diz Aristóteles. Por isso se diz que a sua teoria da origem e justificação do estado é naturalista. � O argumento central de Aristóteles é o seguinte: Faz parte da natureza dos seres humanos desenvolver as suas faculdades. Essas faculdades só poderão ser plenamente desenvolvidas vivendo no seio de uma comunidade (cidade-estado). Logo, faz parte da natureza humana viver na cidade-estado. Fora da cidade-estado seríamos, pois, incapazes de desenvolver a nossa natureza. Isso torna-se claro, pensa Aristóteles, quando verificamos que os seres humanos não se limitaram a formar pares de macho e fêmea para procriar, ao contrário dos outros animais. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 52 de 206
  • 53. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Constituíram também comunidades de famílias (as aldeias) e estabeleceram a divisão entre governantes e súbditos, com vista à autopreservação. Mas a comunidade mais completa, que contém todas as outras, é a cidade-estado. Esta é autossuficiente e não existe apenas para preservar a vida, mas sobretudo para assegurar a vida boa, que é o desejo de todos os seres racionais. É por isso que a cidade-estado é a comunidade mais perfeita e todas as outras comunidades de seres humanos têm tendência para se tornarem estados. � Ou seja, a finalidade de todas as comunidades é tornarem-se estados. Este argumento relaciona-se com uma ideia muito importante para Aristóteles: que a natureza de uma coisa é a sua finalidade. Assim, a finalidade dos seres humanos é viver na cidade estado porque ao estudarmos a origem destas verificamos que há um impulso natural dos seres humanos para passar da vida em família para a vida em pequenas comunidades de lares, e destas para a comunidade mais alargada e autossuficiente da cidade-estado. Daí Aristóteles afirmar que «o homem é, por natureza, um animal político». � Outra ideia importante para Aristóteles é que o todo é anterior à parte, no sentido em que fora do todo orgânico a que pertence, a parte não seria o que é. O que o leva a dizer que a cidade estado é por natureza anterior ao indivíduo, pois não há indivíduos auto- -suficientes e, portanto, nem sequer existiriam fora dela. Tal como uma mão não funciona separada do resto do corpo, também não há realmente seres humanos isolados da comunidade. Alguém que viva fora da sociedade sem estado não chega a ser um ser humano (é uma besta) ou é mais do que um ser humano (é um deus). � Assim, submetemo-nos à autoridade do estado com a mesma naturalidade que nos tornamos adultos. Isto equivale a dizer que o estado se justifica por si. Daí que, para Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 53 de 206
  • 54. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos Aristóteles, o mais importante seja saber que tipo de governo da cidade-estado é melhor para garantir a vida boa. Críticas ao naturalismo aristotélico � A principal crítica ao naturalismo é que a noção aristotélica de «natureza» é incoerente e enganadora. Aristóteles encara a natureza das coisas como uma espécie de princípio interno de movimento ou repouso que se encontra nelas. Neste sentido, a natureza da cidade-estado seria comparável à natureza das plantas e de outros organismos vivos, que se desenvolvem a partir do embrião até atingirem a maturidade. � Este desenvolvimento é meramente biológico, sem qualquer intervenção da racionalidade. � Contudo, a finalidade da vida na cidade é permitir uma vida boa. Mas o desejo de ter uma vida boa é um desejo racional, na medida em que é uma aspiração de seres racionais como nós – até porque não se verifica nos outros animais. Assim, este desejo é fruto da deliberação racional dos seres humanos e não simplesmente de um impulso biológico ou natural. A justificação contratualista de Locke � Uma justificação do estado bastante mais influente do que a de Aristóteles é dada por John Locke (1632-1704). Este filósofo defende que o estado tem origem numa espécie de contrato social em que as pessoas aceitam livremente submeter-se à autoridade de um governo civil. Locke considera que esse contrato dá origem à transição do estado de natureza para a sociedade civil. Por isso se diz que a teoria da justificação do estado de Locke é contratualista. � Mas o que levou as pessoas a celebrar entre si esse contrato? Vejamos, em primeiro lugar, como eram as coisas antes do contrato, isto é, como eram as coisas antes de haver estado – quando ninguém detinha o poder político e não havia governo nem tribunais nem polícias. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 54 de 206
  • 55. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos A lei natural e o estado de natureza � No estado de natureza as pessoas viviam, segundo Locke, em perfeita liberdade: cada um era «senhor absoluto da sua pessoa e bens», não tendo de prestar contas nem depender da vontade de seja quem for. As pessoas viviam também num estado de completa igualdade, não havendo qualquer tipo de hierarquia social ou outra. Além disso, viviam segundo a lei natural, a qual dispõe que ninguém infrinja os direitos de outrem e que as pessoas não se ofendam mutuamente. � Locke defendia que esta lei natural se descobre usando a razão natural, pelo que é comum a todas as pessoas e independente de quaisquer convenções humanas. Deste modo, Locke distinguia a lei natural das chamadas «leis positivas» da sociedade civil. � � As leis positivas são leis que resultam das convenções humanas; são as leis que realmente existem nas sociedades organizadas em estados. Enquanto no estado de natureza as pessoas nada têm acima de si a não ser a lei natural, na sociedade civil as pessoas consentem em submeter-se à autoridade de um governo. A única lei que vigora no estado de natureza é, pois, a lei natural. Locke distingue a lei natural da lei positiva, mas também da lei divina: Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 55 de 206
  • 56. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Locke não encara a lei natural como uma lei científica que descreve o funcionamento efetivo da natureza. Locke defende que a lei natural é normativa: determina como as pessoas racionais devem agir e não como de facto agem. Por outro lado, a lei natural e a lei divina, apesar de não serem a mesma coisa, não podem ser incompatíveis, pois Deus é a origem de ambas. � Dado que no estado de natureza as pessoas vivem de acordo com a lei natural, têm os direitos decorrentes da aplicação dessa lei. Assim: 1. Todas as pessoas são iguais, pois têm exatamente o mesmo conjunto de direitos naturais; 2. Todas as pessoas têm o direito de ajuizar por si que ações estão ou não de acordo com a lei natural, pois ninguém tem acesso privilegiado à lei natural nem autoridade especial para julgar pelos outros; 3. Todas as pessoas têm individualmente o direito de se defender – usando a força, se necessário – daqueles que tentarem interferir nos seus direitos e violar a lei natural, pois esta existiria em vão se ninguém a fizesse cumprir; Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 56 de 206
  • 57. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos 4. Todas as pessoas têm o direito de decidir a pena apropriada para aqueles que violam a lei natural, assim como direito de aplicar essa pena, dado que num estado de perfeita igualdade a legitimidade para fazê-lo é rigorosamente a mesma para todos. � O estado de natureza é não só diferente da sociedade civil como, segundo Locke, do estado de guerra, pois neste não há lei que vigore e as pessoas não têm direitos. Locke caracteriza o estado de natureza como uma situação de abundância de recursos e em que cada pessoa é livre de se apropriar das terras e bens disponíveis, através do seu trabalho e esforço. Sendo assim, que razões teriam as pessoas para abandonar o estado de natureza, aceitando limitar a sua liberdade a favor de um governo ao qual têm de se submeter? O contrato social e a origem do governo � Locke pensa que qualquer poder exercido sobre as pessoas – excetuando os casos de autodefesa ou de execução da lei natural – só é legítimo se tiver o seu consentimento. Nem outra coisa seria de esperar entre pessoas iguais e com os mesmos direitos naturais. � Assim, a existência de um poder político só pode ter tido origem num acordo, ou contrato, entre pessoas livres que decidem unir-se para constituir a sociedade civil. E esse acordo só faz sentido se aqueles que o aceitam virem alguma vantagem nisso. � Apesar de parecer que Locke caracteriza o estado de natureza como um estado quase perfeito, não deixa de reconhecer alguns inconvenientes que, mais cedo ou mais tarde, iriam tornar a vida demasiado instável e insegura. Isto porque há sempre quem, movido pelo interesse, pela ganância ou pela ignorância, se recuse a observar a lei natural, ameaçando constantemente os direitos das pessoas e a propriedade alheia. Locke dá o nome genérico de «propriedade» não apenas aos bens materiais das pessoas, mas a tudo o que lhes pertence, incluindo as suas vidas e liberdades. Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 57 de 206
  • 58. Apontamentos para o exame nacional 2007 Filosofia 10º/ 11º anos � Assim, parece justificar-se o abandono do estado de natureza em troca da proteção e estabilidade que só o governo pode garantir. Locke torna esta ideia mais precisa indicando três coisas importantes que faltam no estado de natureza e que o poder político está em condições de garantir: 1. Falta uma lei estabelecida, conhecida e aceite por consentimento, que sirva de padrão comum para decidir os desacordos sobre aspetos particulares de aplicação da lei natural. Isto porque, apesar de a lei natural ser clara, as pessoas podem compreendê-la mal e divergir quando se trata da sua aplicação a casos concretos. 2. Falta um juiz imparcial com autoridade para decidir segundo a lei, evitando que haja juízes em causa própria. Isto porque quando as pessoas julgam em causa própria têm tendência para ser parciais e injustas. 3. Falta um poder suficientemente forte para executar a lei e fazer cumprir as sentenças justas, evitando que aqueles que são fisicamente mais fracos ou em menor número sejam injustamente submetidos pelos mais fortes ou em maior número. � É para fazer frente a estas dificuldades que as pessoas decidem abrir mão dos privilégios do estado de natureza, cedendo o poder de executar a lei àqueles que forem escolhidos segundo as regras da comunidade. E ainda que se possa dizer que ninguém nos perguntou expressamente se aceitamos viver numa sociedade civil, Locke defende que, a partir do momento em que usufruímos das suas vantagens, estamos a dar o nosso consentimento tácito. Caso contrário, teríamos de recusar os benefícios do estado e de viver à margem da sociedade. Críticas ao contratualismo de Locke � Têm sido feitas várias críticas ao contratualismo de Locke. Vamos estudar brevemente algumas das mais importantes. O consentimento tácito é uma ficção Junho 2007 -Hugo Araújo- Página 58 de 206