O documento resume as principais alterações trazidas pela nova Lei do Mandado de Segurança de 2009, como a possibilidade de emenda à inicial se houver ilegitimidade passiva, a uniformização do tratamento recursal das decisões liminares e a faculdade do Ministério Público opinar no processo sem que sua manifestação seja obrigatória. Também discute pontos problemáticos da lei, como a tipificação do crime de desobediência para autoridades públicas.
1. O NOVO MANDADO DE SEGURANÇA – LEI 12.016 de 07 de agosto de 2009.
Por Edison Santana Santos
Presidente da Comissão de Direito Marítimo & Portuário da OAB/SP;
Professor de Direito Tributário da Escola Superior da Advocacia (ESA);
Idealizador do Curso de Inglês Instrumental Jurídico da Lex Editora.
Santos, 08 de setembro de 2009.
INTRODUÇÃO
Instrumento jurídico de índole constitucional, ação judicial tipicamente mandamental,
especial para proteção contra ato ilegal de autoridade, ou de quem aja como tal,
ofensivo a direito liquido e certo, não amparado por hábeas corpus ou hábeas data.
Trata-se efetivamente de uma forma privilegiada de ingresso em juízo, sendo uma ação
caracterizada pelo seu rito simplificado, acelerado e principalmente pela força especial
das decisões nele proferidas.
Sua origem embrionária remonta a Magna Charta de 1215, documento fundador das
liberdades constitucionais. Irradiou-se através da história, no latim mandamus, no inglês
writ, no espanhol amparo, no português mandado de segurança.
No internacionalmente consagrado BLACK’S LAW DICTIONARY:
A writ issued by a superior court to compel a lower court or a government officer
to perform mandatory or purely ministerial duties correctly.
Um mandado expedido por um Tribunal Superior para compelir um grau de
inferior instância ou um agente (público) governamental a desempenhar de forma
obrigatória ou puramente correta, seus deveres.
No arcabouço jurídico brasileiro, o mandado de segurança nasceu com a CF de 1934,
inspirada no Juicio de Amparo mexicano e no Judicial Review, como os ingleses tratam
o meio através do qual seus tribunais controlam o exercício do poder governamental.
Assim sendo, a nova Lei do Mandado de Segurança sob exame, apenas melhor
sistematizou e estruturou o Instituto que estava disciplinado na antiga Lei de 1951, a
qual, embora recepcionada pela CF de 1988, necessitava de uma nova regulamentação.
DA VACATIO LEGIS
Período entre a publicação da lei e sua entrada em vigor.
2. Em princípio, dúvidas surgiram acerca da interpretação dos artigos 27 e 28 da nova Lei,
que, respectivamente, apontam um prazo de adaptação de 180 dias aos Tribunais, para
logo em seguida comandar que a lei entra em vigor na data da sua publicação.
Logo, se os Tribunais necessitam de 180 dias para adaptação à nova Lei, sendo certo
que estes deverão processar e julgar os mandamus, os impetrantes também
necessitariam?
Também suscitou dúvida, a aplicação do artigo 1º. da Lei de Introdução ao Código
Civil, a qual dispõe que a Lei começa a vigorar 45 dias depois de oficialmente
publicada, “salvo disposição em contrário”. Portanto, sua obrigatoriedade não se inicia
no dia da publicação, salvo se ela própria assim o determinar.
Pode, assim, entrar em vigor na data da sua publicação ou em outra mais remota,
conforme constar expressamente de seu texto. Se, todavia, nada dispuser a esse respeito,
aplica-se a regra do retro-mencionado artigo 1º. da LICC.
Consequentemente, como no seu artigo 28, a própria Lei comandou que sua entrada em
vigor era na data da sua publicação, entendemos que sua vigência é imediata o que vai
ao encontro dos anseios próprios de uma Lei cuja principal característica é a celeridade.
DO DIREITO LIQUIDO E CERTO
Por muitos criticada em doutrina, a expressão “direito liquido e certo”, consagrada no
Mandado de Segurança, foi felizmente mantida pelo legislador atual já no seu artigo 1º.
da Lei, pois não é pequeno o número de operadores do direito que equivocadamente
confundem o direito liquido e certo com o duo fumus boni júris e perculum in mora,
típicos do Processo Cautelar.
No “fumus boni juris” temos a aparência de um direito, isto é, sua provável existência,
situando-se no terreno da plausibilidade.
No “periculum in mora” temos um perigo ou risco existente em razão da demora, isto é,
perigo especial grave e iminente, objetivamente demonstrável, para o êxito de um
processo principal.
Enquanto que no “direito liquido e certo” temos a sua existência provada de plano, ou
seja, documentalmente, sem necessidade de outra prova além daquela que tenha sido
feita com a Petição Inicial.
Destarte, segundo o princípio do livre convencimento do Juiz, sua avaliação ao
despachar o pedido de liminar numa Inicial de Mandado de Segurança, deve ser muito
mais preciso no sentido de concedê-la ou não, sem a oitiva do Impetrado, como muitos
lamentavelmente estão, em nome da ampla defesa, equivocadamente procedendo.
Assim sendo, resta apenas uma de duas alternativas ao Juiz ao examinar o pedido de
liminar advindo da Inicial, comprovado de plano o direito liquido e certo do Impetrante,
deve vinculadamente conceder a medida. Não comprovado, deve denegar, inaudita a
parte (anômala) passiva – autoridade coatora.
3. Nada obstante, estabelecido o contraditório com a vinda das Informações, verdadeira
Contestação, mudar o estado da impetração e sua decisão tornar-se outra, cassando a
liminar concedida ou concedendo-a se negada.
DA CORRETA INDICAÇÃO DA AUTORIDADE COATORA E DA PESSOA
POLÍTICA A QUAL PERTENÇA
O Impetrante passa a ter o ônus da indicação na Inicial não apenas da autoridade dita
coatora, mas também da pessoa jurídica de sua representação (art. 6º. Caput). Tal
inovação se afina com o entendimento doutrinário mais acertado de que a autoridade
coatora não é parte na relação processual do MS, daí chamada de parte anômala, mas
sim a pessoa jurídica de direito público (ou de direito privado, quando delegatária de
atividade pública) a cujo quadro funcional pertença.
Autoridade coatora é aquela que pratica ou ordena a prática do ato impugnado. Não
pode ser considerada autoridade coatora a que tenha apenas executado materialmente o
ato, cumprindo estritas ordens superiores.
DA EMENDA À INICIAL SE SUSCITADA A ILEGITIMIDADE PASSIVA
Sob a égide da Lei anterior, a errônea indicação da autoridade coatora, ensejava a
extinção sumária do processo – ilegitimidade passiva ad causam – sem possibilidade de
reabertura de prazo para a emenda da Inicial.
A atual Lei inova (art. 6º. Parágrafo 4º.) ao conceder tal possibilidade de emenda à
Inicial, nos termos do artigo 284 do CPC, pelo prazo de 10 dias, desde que não expirado
o prazo decadencial da impetração que aliás continua sendo de 120 dias, a partir do
conhecimento por parte do Impetrante do ato coator contra o qual se insurge.
Tal novidade vai ao encontro dos anseios dos Impetrantes muitas vezes incautos ante ao
gigantismo estatal, em apontar erroneamente a autoridade coatora, tendo de plano
indeferidas as suas Exordiais.
Agora, abre-se a possibilidade da emenda à inicial se suscitada pela autoridade
impetrada, sua ilegitimidade passiva, com base em normas gerais do direito processual
civil comum desde que não esteja expirado o prazo decadencial, ademais a nova regra
caminha junto ao princípio da economia processual.
NOTIFICAÇÃO, LIMINAR, INFORMAÇÕES E RECURSOS
A notificação da autoridade coatora, para que cumpra com eventual mandamento de
liminar e preste as informações no decêndio legal, equivale à citação da entidade
pública correlata, que figura no pólo passivo da relação processual, agora também
apontada na Inicial.
4. Agora há a necessidade de se cientificar da impetração, o órgão de representação da
entidade ré - leia-se Procuradorias - a fim de que o mesmo exerça a faculdade de
apresentar defesa técnica em face do ato impugnado, reforçando as informações da
autoridade Impetrada, que continuam possuindo natureza jurídica de contestação (art.
7º. Incisos I e II).
A Lei nova (art. 7º. Parágrafo 1º.) também uniformiza a orientação quanto ao
tratamento recursal relacionado às decisões liminares proferidas em MS, retirando o
obstáculo vislumbrado por aqueles que não admitiam, para esse fim o agravo de
instrumento, embora omissa, frise-se também o total cabimento de embargos
declaratórios, que terão o condão da interrupção do prazo do agravo (art. 538 do CPC).
Interessante notar que foi estendido à autoridade coatora o direito de recorrer (art.14,
parágrafo 2º.), acatando velho entendimento jurisprudencial e doutrinário que não
apenas a pessoa jurídica de direito público possui tal direito, agora também a autoridade
impetrada poderá fazê-lo, especialmente nas hipóteses em que esteja interessada em se
resguardar contra responsabilização futura ou quando tenha prerrogativas a defender.
DA INCONSTITUCIONALIDADE DE PARTE DO PARÁGRAFO 2º. DO
ARTIGO 7º. DA NOVA LEI
O dispositivo sob comento condensou as vedações à concessão de liminar em MS, já
previstas respectivamente no artigo 170-A do CTN, Súmula 212 do STJ, no artigo 1º. da
Lei 2.770/56, no artigo 5º. da Lei 4.348/64 e no artigo 1º. Parágrafo 4º. da Lei 5.021/66.
Essas leis mais antigas já estavam em verdadeiro desuso, mormente depois da
promulgação da CF de 1988.
Há verdadeira preocupação do setor exportador/importador, quanto às vedações
contidas na entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, que ressuscitam
proibições inteiramente superadas, embora as tais leis ainda não estejam revogadas
oficialmente, mas apenas tacitamente.
Em nosso sentir, há verdadeira afronta ao principio do controle judiciário insculpido no
artigo 5º., inciso XXXV da CF, segundo o qual a lei não poderá afastar a possibilidade
de análise do Poder Judiciário de direitos ou de ameaças a direitos.
Vedar portanto concessão de liminar em face de entregas de mercadorias ou bens
provenientes do exterior, como prescreve a nova Lei do MS, além de retrógrado fere de
morte o dispositivo constitucional acima.
DO PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Na Lei anterior, o Ministério Público funcionava como custus legis e sua participação
opinativa sob parecer era de natureza totalmente obrigatória, sob pena de nulidade do
Feito.
5. Contudo era comum nos deparar com longos pareceres ministeriais que motivavam
brilhantemente o total desinteresse do Órgão no Feito, especialmente quando tudo
estava em ordem no processo.
Ademais o Magistrado enquanto presidente do processo, jamais fica adstrito ao parecer
do MP, podendo por óbvio dele discordar.
Entretanto, esse status de custus legis com participação obrigatória no Feito mudou,
segundo o teor do parágrafo único do artigo 12 da nova Lei.
Este dispositivo confere o prazo de dez dias (que antes era de cinco) improrrogáveis
para que o MP opine sobre a impetração. Expirado o decêndio legal, com ou sem a
manifestação do parquet, os autos haverão de ser conclusos ao Juiz, que, a partir de
então, terá 30 dias para a prolação da sentença.
DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
O artigo 26 da nova Lei prevê textualmente o crime de desobediência no qual incorre a
autoridade coatora renitente em cumprir com a ordem contida na medida liminar.
A nosso ver não andou bem o legislador ao tipificar um clássico exemplo de crime
impossível, em certos casos, vejamos:
O artigo 330 do CP prescreve que quem desobedecer a ordem legal de funcionário
publico, incorre no crime de desobediência.
In casu, referimo-nos a autoridade dita coatora que se nega a cumprir a ordem judicial
contida na medida liminar.
O artigo 330 está insculpido no capitulo dos crimes contra a administração pública
cometidos por particular.
Se, contudo, a autoridade coatora impetrada e renitente for agente público, ela jamais
comete o crime de desobediência nos moldes acima transcritos, simplesmente porque
ela não é particular, ela é agente ou igualmente funcionária pública.
Cometeria, em tese, sujeita as investigações de um inquérito policial e do respectivo
processo penal, com cabal aplicação do devido processo legal, o crime de prevaricação,
tipificado no artigo 319 do CP, este sim, crime cometido por agente público contra a
administração pública, mediante interesse pessoal.
A orientação dominante no direito brasileiro é a de que o crime de desobediência não
pode ter como sujeito ativo autoridade pública no exercício de sua função, pois se trata
de delito particular contra a administração pública. Daí a inovação da lei que remodela a
tipificação do crime de desobediência e passa a enquadrar a conduta da autoridade que
descumpre decisão judicial proferida em processo de MS.
Todavia se a autoridade coatora e agora também renitente e obstinada não for agente
público, mas sim alguém exercente de função pública delegada, como por exemplo o
6. diretor de uma concessionária de serviço público, este sim, concordamos que incorre em
desobediência.
A mais eficaz saída para esta questão, sobremodo comum em face do (des)cumprimento
de liminares, são as astreintes previstas no artigo 461, parágrafo 4º. do CPC, isto é,
multa diária e vultosa, que deve ser suportada pela Administração, com direito de
regresso ao agente renitente, inclusive sob inquérito administrativo para apuração de
eventual crime de responsabilidade, como aliás prescreve a parte final do artigo 26 da
nova Lei sob exame, com a qual concordamos inteiramente.
CONCLUSÃO
Há muito os operadores do direito que lidam com a impetração de MS, consideravam
importante uma nova legislação para o tema, mormente após a promulgação da CF de
1988, tendo em vista a antiga Lei ser quase sexagenária.
Importante salientar que o instituto secular do MS é fruto de aprendizado histórico
contra a opressão do Estado em face do cidadão, razão pela qual não se lhe pode
vulgarizar utilizando-o como estamos vendo aos borbotões no Judiciário em geral, em
nome da celeridade do mercado.
Especialmente na seara tributária, é comum a defesa de novas teses através do MS, cuja
índole processual é a estreiteza probatória.
Novas teses jurídicas propostas pelo mercado, devem seguir o caminho das ações de
rito ordinário, em que há total dilação probatória diferentemente do MS.
A nova Lei é positiva e bem-vinda, contudo, deverá sofrer questionamentos,
esperançosamente melhores do que estes propostos neste singelo trabalho.