A crise econômica e financeira mundial é mais profunda e generalizada e seus efeitos serão mais duradouros do que se imaginava. A crise continua a se desenrolar e as suas causas e intervenções serão, sem dúvida, objeto de debate por muitos anos. O cenário atual brasileiro é um dos mais favoráveis do mundo, em praticamente todos os setores de atividade econômica
1. CURRENT ISSUES
Janeiro 2010 volume 10 número 1
Perspectivas Econômicas para 2010
Luiz Nelson Porto Araujo
A crise econômica e financeira mundial é mais profunda e generalizada e seus efeitos serão mais
duradouros do que se imaginava. A crise continua a se desenrolar e as suas causas e intervenções
serão, sem dúvida, objeto de debate por muitos anos. O cenário atual brasileiro é um dos mais
favoráveis do mundo, em praticamente todos os setores de atividade econômica.
Introdução
O Brasil é, hoje, a décima maior economia
do mundo, com previsão de ser a quinta an-
tes do final desta década. É o segundo maior
exportador de produtos alimentícios, um dos
maiores produtores de petróleo e minerais e
o quinto maior mercado automobilístico.
Nossa economia é a principal referência po-
lítica e econômica de toda a América Latina.
Nossa estrutura de governança é cada vez
mais sólida e a democracia parece ter fin-
cado raízes profundas no seio do sistema po-
lítico e social. Recentemente, no âmbito das
discussões sobre a atual crise econômica, foi
promovido a interlocutor privilegiado no FMI,
no G-20 e em outros fóruns mundiais. Sem
dúvida, um conjunto de atributos que sinali-
zam um processo sustentado de crescimento
a taxas elevadas, superiores a 5% a.a. para
os próximos anos.
Economia Mundial
As principais economias, e os seus respecti-
vos mercados financeiros, estão se recupe-
rando lentamente do tumulto iniciado 18
meses atrás nos Estados Unidos. No en-
tanto, os efeitos da desaceleração do cresci-
mento nestas economias devem continuar a
deteriorar as perspectivas de crescimento
global, mesmo considerando a recuperação
econômica dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e
China), ou seja, ela não será capaz de suprir
o hiato de demanda derivado dos Estados
Unidos e das economias da União Europeia.
O funcionamento dos mercados financeiros
ainda é limitado e as restrições aos fluxos de
crédito, decorrentes de incertezas em rela-
ção à estrutura regulatória e à saúde finan-
ceira dos potenciais tomadores de emprésti-
mos, estão impedindo retomada dos financi-
amentos ao consumo e investimentos.
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Neste ano, em continuação ao observado ao
final de 2009, os dois principais temas na
agenda econômica mundial são: i) a des-
montagem dos mecanismos de incentivo –
principalmente, de origem monetária – ado-
tados pelos diversos países (particularmente
os Estados Unidos) para mitigar os efeitos da
crise e ii) a discussão dos possíveis efeitos
inflacionários gerados por ela.
Desde o início da crise, o Federal Reserve
Bank ("Fed") expandiu maciçamente a liqui-
dez do sistema financeiro norte-americano,
injetando mais de US$ 2 trilhões na econo-
mia e suavizando o aperto de crédito. Sua
atuação como emprestador de última instân-
cia contribuiu para mitigar o risco sistêmico,
não apenas nos Estados Unidos, como tam-
bém em outros grandes centros financeiros.
Mais ainda, a partir de setembro de 2007, o
Federal Open Market Committee (FOMC) ini-
ciou um processo de redução da chamada
federal funds rate. Em dezembro de 2008,
esse Comitê tomou uma decisão histórica,
definindo uma meta para o intervalo de zero
a 0,25% e anunciando a sua expectativa de
que a frágil situação econômica manteria a
meta a níveis historicamente baixos por al-
gum tempo. Ao final de 2009 essa meta
mantinha-se inalterada, apesar da fraca si-
nalização de elevação em algum momento
em 2010.
Com relação à estabilidade do patamar infla-
cionário, existe uma possibilidade de o ex-
cesso de liquidez implicar em um surto infla-
cionário, com desdobramentos sobre a des-
valorização do dólar nos próximos anos. Isto
causa apreensão não apenas aos consumi-
dores, mas, particularmente, aos investido-
res com volumes consideráveis de ativos de-
nominados em dólar.
Com o objetivo de minimizar os riscos deste
surto, o Fed anunciou a criação de um fundo
no qual os bancos locais poderão depositar,
como aplicações, o que avaliarem como ex-
cesso de reservas bancárias. A expectativa é
que sejam "enxugados" do sistema mais de
US$ 1 trilhão. O mecanismo deve ser ado-
tado em alguns meses, quando se conside-
rar que a recuperação da atividade econô-
mica nos EUA mostrar sinais mais robustos.
Um terceiro tema, também recorrente, é o
desmonte dos mecanismos de incentivo de
origem fiscal, que foram adotados quando as
perspectivas econômicas eram, literalmente,
sombrias. O custo destes incentivos, muitos
deles ainda não totalmente quantificados,
foram muito inferiores aos efeitos multiplica-
dores positivos que tiveram sobre a produção
e o emprego. No entanto, implicaram em
uma mudança estrutural nas finanças públi-
cas destas economias, cujos efeitos – muito
mais importantes – ainda não foram total-
mente compreendidos. Conhece-se, apenas,
a significativa deterioração da posição de en-
dividamento e, em alguns casos, o eventual
questionamento da condição de solvência
pública.
Economia Brasileira
A análise que se segue trata, inicialmente,
de alguns "desafios estruturais" e, em se-
guida, do desempenho recente e das pers-
pectivas para o crescimento, os investimen-
tos, a inflação e juros, as finanças públicas,
o comércio exterior e a taxa de câmbio.
1 – Desafios Estruturais
O Brasil, como outras economias emergen-
tes, depara-se com uma série de desafios
econômicos, políticos e sociais de natureza
estrutural. Esses desafios estão diretamente
relacionados com a evolução histórica do
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país, a sua inserção no sistema mundial de
governança e os gargalos e disparidades
econômicas e sociais que, há séculos, defi-
nem a nossa sociedade.
A identificação destes desafios é tarefa
muito mais simples do que a decisão política
e a alocação de recursos, físicos e financei-
ros, para a sua superação. Não é objetivo
deste artigo hierarquizar as demandas da so-
ciedade, identificar e caracterizar o processo
decisório, avaliar as estratégias e ações ado-
tadas para superá-los. Mas, é importante ob-
servar, dentre todos aqueles analisados e
discutidos, quatro particularmente relevan-
tes: as eleições majoritárias deste ano, a
Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de
2016 e o bônus demográfico.
Eleições 2010
Neste ano, o Brasil terá eleições majoritárias.
Desde a redemocratização, em 1985, ire-
mos eleger, pela sexta vez consecutiva, o
presidente da República. Desta vez, como
em 2002, o atual mandatário não pode ser
candidato à reeleição. A impossibilidade de
permanência no poder por dois mandatos
sucessivos foi uma das regras mais estáveis
do nosso sistema político, tendo sido man-
tida durante o regime autoritário após o
golpe militar de 1964, e permanecido na
Constituição de 1988.
O sucesso do Plano Real e as mudanças es-
truturais na economia, exigidas para sua ma-
nutenção, levaram à ideia de que quatro
anos é um período curto para a execução de
um programa de governo. Assim, em
04/06/1997, por meio da Emenda Constitu-
cional n° 16, foi aprovado o instituto da ree-
leição para presidente da República, gover-
nadores e prefeitos. Em 1998, foram realiza-
das as primeiras eleições para a Presidência
e para os governos estaduais sob vigência
dessa nova regra. Em 2000, o instituto da
reeleição foi aplicado pela primeira vez em
eleições municipais. Em todos os casos
constatou-se certa tendência de permanên-
cia dos candidatos que já estavam exercendo
o cargo. Assim, o presidente Fernando Hen-
rique foi reeleito, em 1998, e Lula em 2002.
A teoria econômica estuda, há décadas, os
chamados ciclos político-econômicos. Uma
proposição fundamental desta teoria é que
os políticos, conhecedores dos efeitos do
momento econômico sobre os votos dos elei-
tores, manipulam as variáveis macroeconô-
micas, com objetivo de serem eleitos (ou re-
eleitos). Assim, com a proximidade das elei-
ções, os principais instrumentos de política
econômica – fiscais e monetários – são dire-
cionados à expansão da economia. Depois
do período eleitoral, são adotadas medidas
contracionistas, a fim de reverter os efeitos
adversos da política expansionista adotada
anteriormente.
Não há muitas dúvidas de que a disputa nas
eleições deste ano será, particularmente,
muito intensa. Os ativos em jogo – a presi-
dência da República, os governos estaduais
e 2/3 do Senado – irão, com certeza, impac-
tar as estratégias da política econômica ado-
tadas pelos candidatos e seus partidos. Os
efeitos sobre a economia serão, em um pri-
meiro momento, bastante benéficos e – es-
pera-se - estruturantes. O problema é a res-
saca que pode se seguir logo a partir dos pri-
meiros meses de 2011.
Copa do Mundo 2014 e Olimpíadas 2016
Em maio de 2009, a Fifa anunciou que Belo
Horizonte, Brasília, Cuiabá, Curitiba, Forta-
leza, Manaus, Natal, Porto Alegre, Recife, Rio
de Janeiro, São Paulo e Salvador foram es-
colhidas como cidades sede da Copa do
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Mundo de 2014. Sediar a Copa significa hos-
pedar 32 equipes e suas comitivas durante
um mês e criar estrutura para a realização de
64 partidas, que serão transmitidas pra todo
do mundo, no maior evento midiático do pla-
neta (estima-se que durante a Copa de 2014
cerca de três bilhões de telespectadores as-
sistam às transmissões).
A infraestrutura, juntamente com a segu-
rança, devem ser os maiores desafios para o
sucesso destes dois eventos. Estimativas
ainda preliminares apontam que a Copa de-
mandará investimentos superiores a US$ 5
bilhões de dólares. Os valores para as Olim-
píadas são inferiores – e devem ser reduzidos
por aqueles que serão gastos em 2014 –
mas também são relevantes. Os maiores
gastos com infraestrutura nas cidades onde
acontecerão os jogos compreendem: re-
forma e construção de estádios/vilas olímpi-
cas, obras em rodovias, aeroportos, hospi-
tais e sistemas de telecomunicações.
A realização da Copa e das Olimpíadas é uma
grande oportunidade para antecipar e aden-
sar os investimentos necessários para supe-
rar as carências crônicas das cidades sede,
com efeitos multiplicadores sobre toda a
economia. O grande desafio, para que os in-
vestimentos sejam, de fato, estruturantes, é
não repetir os problemas observados quando
da realização do Pan 2007, no Rio de Ja-
neiro: i) orçamentos iniciais superados pelos
custos reais; ii) ajuda emergencial do Estado
para conclusão das obras e iii) não melhorar
a infraestrutura no entorno dos estádios e
das cidades.
Mais ainda, o Brasil não pode perder a opor-
tunidade de se valer destes dois eventos
para alavancar a sua projeção no cenário
mundial, para melhorar as condições de
acessibilidade e mobilidade urbanas e para
expandir as condições de acesso a serviços
de saneamento, energia, transporte e tele-
comunicações.
Bônus Demográfico
A demografia pode ser um dos principais in-
dutores do crescimento do Brasil nas próxi-
mas três décadas. A nossa situação é mais
favorável agora do que foi nas cinco décadas
passadas. De fato, existe um "bônus demo-
gráfico" – que só acontece uma vez e so-
mente uma vez pode ser utilizado – e que,
caso estrategicamente utilizado, pode ala-
vancar as condições socioeconômicas do
país.
O período de crescimento econômico ante-
rior (1950-1980), caracterizado pelo intenso
processo de urbanização e industrialização,
lançou as bases da transição demográfica,
isto é, a redução das taxas brutas de morta-
lidade e natalidade. Como as taxas de mor-
talidade caíram primeiro e em ritmo mais rá-
pido do que as taxas de natalidade, houve
uma aceleração do crescimento populacio-
nal em relação a todos os períodos anterio-
res.
Projeções derivadas do IBGE e das Nações
Unidas mostram que estamos iniciando um
processo de transição demográfica, que se
estende de 1950 a 2030. Nos próximos 20
anos as taxas brutas de mortalidade vão ficar
praticamente estáveis, enquanto as taxas
brutas de natalidade vão continuar caindo, o
que irá reduzir o ritmo de crescimento vege-
tativo da população.
Uma das principais consequências dessa
transição é a alteração da estrutura etária da
população, reduzindo a participação relativa
das crianças e aumentando, inicialmente, a
participação dos adultos e, posteriormente,
a participação dos idosos. Assim, o primeiro
efeito da transição demográfica é reduzir as
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taxas de dependência demográfica. So-
mente a partir de 2025 as taxas de depen-
dência deverão se elevar, ou seja, a "carga
econômica" da dependência é muito menor
nesse início de século, do que foi qualquer
outro momento da nossa história. Essa me-
nor carga tem impactos econômicos relevan-
tes, em particular, o potencial de aumento
da poupança, condição fundamental para a
elevação dos investimentos.
2 - Crescimento
Desde a adoção do Plano Real, em 1994, se
discute o crescimento sustentado da econo-
mia brasileira. A discussão, sem dúvida,
aprofundou-se ao final da década passada e
deve ser um tema recorrente neste início de
século. O cerne dos debates diz respeito aos
condicionantes internos da economia brasi-
leira. Será que as próximas décadas podem
ser tão positivas em termos de crescimento
quanto os "trinta anos de ouro" (1950-1980)
da economia brasileira?
Naquele período nossa economia cresceu,
aproximadamente, 7,0% a.a., enquanto a
população cresceu menos de 3,0% a.a. As-
sim, a renda per capita cresceu 4,2% a.a.
Esses trinta anos marcaram o melhor período
de crescimento de toda a história brasileira,
mesmo levando-se em consideração que o
país partiu de uma base – e uma matriz eco-
nômica – muito baixa e contou com um in-
tenso processo de transformação que impli-
cou na passagem de uma sociedade rural e
agrária para uma sociedade urbana e indus-
trial. Os deslocamentos da população do
campo para as cidades e a importação de
tecnologias avançadas, de países mais de-
senvolvidos, possibilitaram um salto signifi-
cativo do PIB e da produtividade do trabalho,
a despeito da crescente desigualdade na dis-
tribuição da renda e da manutenção das dis-
paridades regionais.
As duas décadas subsequentes (1980-
2000) foram marcadas, principalmente, por
crises econômicas, alta inflação, perda de di-
namismo social e por um agravamento da vi-
olência e da insegurança. O foco estava na
tentativa de estabilização da inflação e do
controle das contas externas. Essas duas
"décadas perdidas" lançaram sérias dúvidas
sobre a capacidade da economia brasileira
retomar o desenvolvimento econômico e me-
lhorar as condições de vida da população,
particularmente o acesso aos bens públicos
mais básicos.
Os resultados obtidos na década passada –
sem dúvida, decorrentes da condução da po-
lítica macroeconômica interna mas, tam-
bém, das excepcionais condições dos mer-
cados externos – resgataram o discurso do
"Brasil potência". O desempenho do país na
recente crise econômica global – que ainda
assola as economias mais desenvolvidas e,
localmente, outras economias –, e as recen-
tes descobertas de óleo e gás no pré-sal ape-
nas contribuiu para o fortalecimento do dis-
curso ufanista.
Mais ainda, o crescimento da economia in-
ternacional tem ajudado a recuperação bra-
sileira e é um fator condicionante do futuro.
Atualmente, existe um otimismo mundial
com o desempenho dos países emergentes,
em especial com os países do BRIC.
Estimativas preliminares indicam que o PIB
real deve ficar próximo de zero no ano de
2009, reduzindo a média observada nos úl-
timos anos, mesmo considerando a expan-
são dos últimos três trimestres do ano. Para
2010 e, ao menos até a metade desta dé-
cada, todas as expectativas são extrema-
mente positivas, com um crescimento espe-
rado superior a 5,0% a.a. Este intervalo,
grande, decorre de incertezas de origem ex-
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ternas e internas. Externamente, a maior in-
certeza decorre, principalmente, da dinâmica
da crise mundial. Ainda não se sabe se os
efeitos associados às restrições de crédito, à
queda da demanda agregada e dos investi-
mentos chegaram ao seu limite inferior nas
economias desenvolvidas e, em consequên-
cia, se os efeitos nas economias emergentes
já se manifestaram na sua totalidade. Inter-
namente, a incerteza decorre dos limites co-
locados pelas medidas de ajuste à crise fi-
nanceira, pela infraestrutura física, pela ele-
vada e regressiva carga tributária, pela pés-
sima distribuição da renda e pelo baixo nível
de escolaridade da população (especial-
mente aquela de baixa renda e das regiões
menos desenvolvidas do país).
Dentre as principais medidas adotadas pelo
executivo federal no enfrentamento da crise
financeira temos as seguintes: i) garantia de
capital de giro às empresas da construção ci-
vil; ii) aumento do capital do BNDES (aporte
de R$ 80 bilhões, que se somou ao crédito
de R$ 100 bilhões ao final de 2008); iii) au-
mento da oferta de crédito com recursos dos
depósitos compulsórios; iv) apoio ao setor
exportador e v) desoneração fiscal de setores
específicos da economia. Todas estas medi-
das, de caráter estritamente conjuntural,
buscaram atender as necessidades e/ou
pressões pontuais. Na verdade, o Brasil
ainda carece da implementação de ajustes
importantes – que só podem ser operaciona-
lizados através de reformas estruturantes (tri-
butária, trabalhista, regulatória e política) – e
de uma estratégia de desenvolvimento que
contemple a intensificação da inovação tec-
nológica, o adensamento das principais ca-
deias produtivas, a internacionalização das
empresas brasileiras de classe mundial, o
aumento dos níveis de escolaridade da po-
pulação (especialmente daquela mais ca-
rente), a redução das disparidades regionais
(a concentração geográfica do PIB, nas regi-
ões sul e sudeste do país, e nos 50 maiores
municípios é particularmente relevante), o
combate à corrupção e o fortalecimento das
estruturas de governança pública.
3 - Investimento
A formação bruta de capital fixo (investi-
mento bruto) é um dos principais componen-
tes da demanda. Um dos efeitos positivos do
investimento é aumentar a capacidade ins-
talada da economia, o que permite um cres-
cimento mais acelerado sem pressões infla-
cionárias. Desde 2003 a participação do in-
vestimento como proporção do PIB corrente
tem crescido e a expectativa é que em 2009
tenha sido de 19% (versus a média de
16,4% entre 2001-2007 e 8,9% em 2008).
A execução do Programa de Aceleração do
Crescimento - PAC, divulgado em jan/07,
teve efeitos importantes sobre o PIB de
2009 – particularmente em face da retração
dos investimentos privados –, mas muito in-
feriores ao esperado (e mesmo inferiores
aqueles associados aos gastos correntes):
atrasos no cronograma de várias obras aca-
baram por limitar os efeitos multiplicadores
destes investimentos. Estes atrasos decorre-
ram, principalmente, de problemas de ges-
tão e da enxurrada de ações judiciais (desa-
propriação, licenciamento ambiental, leilões
de concessão, etc.) contra obras do Pro-
grama.
Com a aceleração do crescimento, o au-
mento da demanda e a diminuição da capa-
cidade ociosa irão contribuir para o aumento
dos investimentos no setor privado que, so-
mados aos investimentos públicos, devem
aumentar não apenas o nível mas também a
participação relativa no PIB (podendo atingir
até 20%).
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O agente mais importante na manutenção de
níveis elevados de investimento é o BNDES.
Esta instituição tem um papel estratégico
cada vez mais relevante no financiamento da
infraestrutura nacional e deve continuar a tê-
lo em 2010, mesmo com o abrandamento
das restrições ao crédito por parte das insti-
tuições financeiras privadas. No ano pas-
sado, o volume de desembolsos do banco
somou R$ 137 bilhões (versus R$ 92,2 bi-
lhões em 2008) e a expectativa é que em-
preste R$ 126 bilhões em 2010 (uma redu-
ção de 8%).
Por fim, a percepção do investidor estran-
geiro sobre o estado da economia e as pers-
pectivas de crescimento estão ainda mais
positivas do que em 2009, apesar do repo-
sicionamento dos investimentos e dos fluxos
de capitais nos mercados globais em decor-
rência da crise financeira. Desde 2003, o
fluxo de investimento direto para o Brasil tem
crescido e em 2008 atingiu o seu pico histó-
rico (US$ 45 bilhões). No ano passado, as
estimativas são de que os investimentos
atingiram US$ 25 bilhões. Para 2010 a ex-
pectativa é que este fluxo seja próximo ao re-
corde observado em 2008, devido à explora-
ção do pré-sal, a Copa de 1014 e as Olimpí-
adas de 2016.
4 - Inflação e Juros
Em 2009, as taxas de inflação medidas por
diversos índices e instituições apresentaram
uma reversão nas suas respectivas trajetó-
rias de ascensão. O IPCA, por exemplo, que
baliza o regime de metas de inflação, foi de
4,5% em 2007, 5,9% em 2008 e, pelas es-
timativas deste início de ano, foi pouco su-
perior a 4% em 2009. O limite superior da
meta é de 6,5% ao ano. Já o IGP-M, que in-
dexa os contratos de serviços públicos (água,
energia elétrica e telefone), foi de 7,8%, em
2007, 9,8% em 2008 e -1,7% em 2009,
apresentando a sua primeira deflação desde
que foi calculado pela primeira vez, pela FGV,
em 1989). Esta trajetória deve implicar em
um resíduo deflacionário importante nas ta-
rifas públicas e aluguéis em 2010. Todos os
resultados do ano encerrado superaram a
maioria das expectativas do mercado.
É importante enfatizar, como temos feito
anualmente neste Guia, que todo processo
de desenvolvimento econômico sustentado
exige uma taxa de inflação baixa e pouco vo-
látil. A conjugação de produção, investi-
mento e geração de emprego com inflação
elevada só existe no mundo da fantasia. Não
existe, na moderna teoria e boa prática eco-
nômica, qualquer argumento plausível para
que a taxa de inflação seja elevada. Pior
ainda, o aumento da taxa de inflação pena-
liza não apenas as decisões de investimento
como também – e principalmente – a popu-
lação mais carente do país.
O comportamento dos índices em 2010 não
deve exigir maior atenção da autoridade mo-
netária, apesar das pressões associadas ao
ciclo econômico-político e a crise nos merca-
dos de crédito internacionais exigirem dela
atenção redobrada. O grande desafio que se
apresenta é uma eventual expansão da eco-
nomia a taxas superiores a 6% a.a. por al-
guns anos, dados os gargalos assombrosos
na capacidade instalada e na infraestrutura
nacional.
Em 2008, a taxa Selic aumentou de 11,25%
para 13,75% a.a., em movimento contrário
ao observado nos dois anos anteriores. Em
2009, ela reduziu-se significativamente,
atingindo apenas 8,75% a.a. Esta foi uma
grande surpresa para a maior parte do mer-
cado, com efeitos muitos positivos sobre as
demais taxas praticadas no mercado. A
grande incógnita de 2010 é a trajetória da
taxa básica de juros. O intervalo para a taxa
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Selic situa-se em 9,5% e 11,75% a.a., con-
trastando com os intervalos bem mais estrei-
tos estimados para outros indicadores ma-
croeconômicos.
A incerteza também diz respeito a trajetória
de ajuste que será adotada pelo Banco Cen-
tral, mas existe consenso de que ao final do
primeiro semestre a taxa deve ser mais ele-
vada do que aquela de dezembro. Dada a de-
fasagem da política monetária (período entre
a redução da taxa e o impacto final sobre os
preços) de pelo menos seis meses, a dúvida
é se o Banco irá aguardar a confirmação da
aceleração do crescimento antes de elevar a
taxa básica.
5 - Finanças Públicas
Os gastos públicos em 2009, nas três esfe-
ras de governo, contribuíram positivamente
para mitigar os efeitos adversos da crise eco-
nômica e devem continuar neste ano. A ex-
pectativa é que as despesas não financeiras
dos governos federal, estadual e municipal
continuarão em alta, mas a um ritmo inferior
ao observado no ano passado. Somadas, es-
tas despesas correspondem a quase um
terço do PIB.
A carga tributária reduziu-se neste ano de-
vido aos efeitos da crise econômica: de um
lado, a atividade econômica contraiu-se for-
temente no primeiro trimestre do ano e, de
outro, as desonerações tributárias adotadas
para diversos setores de atividade. A confu-
são momentânea na estrutura de gover-
nança da Receita Federal do Brasil também
contribuiu para a diminuição da receita. Mais
recentemente, foram anunciadas e imple-
mentadas diversas medidas administrativas
e normativas com o objetivo de diminuir a
evasão e elisão tributária e aumentar a re-
ceita. Os resultados observados a partir do
último trimestre de 2009 são bastante posi-
tivos.
A razão "dívida pública/PIB", que ficou pró-
xima de 45% dezembro de 2009, compa-
rada com 38,8% em 2008, 42,7% em 2007
e 44,7% em 2006. Com a perspectiva de um
crescimento de 5% ou mais e um superávit
primário de 2% a 2,5% do PIB, esta razão
deve voltar a diminuir em 2010, fechando o
ano ao redor de 43%. Outros indicadores,
como a necessidade de financiamento pri-
mária (o chamado superávit/déficit primário)
e a necessidade de financiamento nominal
também foram positivos, mas com um de-
sempenho inferior ao observado em 2008.
Para 2009 a meta do superávit primário foi
de 2,5% do PIB, com permissão de abati-
mento de investimentos de até 0,94% do
PIB. Para 2010 a meta é de 3,3% do PIB,
com possibilidade de desconto de até
0,65%. A expectativa é que a arrecadação
irá aumentar – por conta da expansão da ati-
vidade econômica – e o aumento das despe-
sas correntes não irá ocorrer com a mesma
intensidade do ano passado, na medida em
os efeitos da crise econômica praticamente
já foram dissipados no Brasil.
Apesar do cenário de expansão das despe-
sas e contração das receitas, o risco de in-
solvência do setor público está fora de todos
os cenários traçados para os próximos anos.
Uma âncora importante da solvência fiscal é
a Lei Complementar n° 101 (Lei de Respon-
sabilidade Fiscal), de 04/05/00, que pressu-
põe dos entes federativos uma ação plane-
jada e transparente com vistas ao controle
das contas públicas.
6 - Comércio Exterior e Taxa de Câmbio
O ano de 2009 deve ser uma referência im-
portante na análise das contas externas do
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país. O principal motivo é que estamos pas-
sando por uma mudança estrutural, com
uma tendência de queda dos superávits co-
merciais e um déficit em transações corren-
tes que deve intensificar-se nos próximos
anos. Os efeitos desta mudança são relevan-
tes, com impactos sobre a taxa de câmbio, o
nível das reservas internacionais, a matriz
produtiva e a geração de empregos. Até este
momento não se vislumbra um cenário de
deterioração acentuada que comprometa a
própria estabilização da economia, mas, sem
dúvida, a luz amarela acendeu-se.
Desde o pós-guerra, o saldo do balanço co-
mercial é superavitário (as principais exce-
ções foram nos anos iniciais do Plano Real).
Em 2006, o saldo foi de US$ 46,5 bilhões,
caindo para US$ 40 bilhões em 2007, US$
24,9 bilhões em 2008 e US$ 24,6 bilhões
em 2009. A balança comercial brasileira fe-
chou o ano de 2009 com o pior saldo em
sete anos. Com a crise econômica, as expor-
tações sofreram a maior queda percentual
desde 1950. No ano passado, as exporta-
ções atingiram US$ 152,2 bilhões e as im-
portações US$ 127,6 bilhões (versus US$
197,9 bilhões e US$ 172,9 bilhões no ano
anterior, respectivamente). A redução do
fluxo comercial – de quase 24% – decorreu
diretamente da crise econômica global. No
segundo semestre, com a retomada do cres-
cimento (no mercado local e em alguns mer-
cados internacionais) tanto as exportações
quanto as importações cresceram. Por fim, é
importante observar que a evolução da taxa
de câmbio também teve efeitos negativos so-
bre o saldo comercial.
O fluxo comercial deve crescer neste ano,
mas, não são esperadas variações significa-
tivas no saldo da balança comercial, nova-
mente devido ao câmbio e ao crescimento
mais acelerado do mercado doméstico. De
fato, o saldo comercial em 2010 deve conti-
nuar a cair devido ao crescimento mais rá-
pido das importações (principalmente vo-
lume) e da menor expansão das exportações
(preço e volume): a expectativa é de um
saldo inferior a R$ 10 bilhões, podendo
mesmo ser negativo.
A conta de serviços deve manter seu déficit
estrutural, dadas as despesas com o paga-
mento de empréstimos externos, as remes-
sas de lucros e dividendos, o turismo e os
fretes e seguros. O crescimento da atividade
econômica e a manutenção da taxa de câm-
bio são variáveis explicativas importantes do
saldo desta conta
O saldo em transações correntes (que, do
ponto de vista econômico, corresponde ao
excesso do consumo e investimento sobre o
produto, ou o excesso dos investimentos so-
bre poupança doméstica e, do ponto de vista
contábil, é o excesso importações sobre as
exportações de bens e serviços) continua po-
sitivo, mas em queda: em 2006 foi US$
13,6 bilhões, em 2007 foi US$ 1,7 bilhões
e, em 2008, foi negativo em US$ 33,9 bi-
lhões. Para 2009, a estimativa é que o saldo
negativo tenha piorado ainda mais e que o
mesmo ocorra em 2010.
Com o acirramento da crise cambial, em se-
tembro de 2008, o real iniciou um processo
acelerado de valorização (juntamente com
uma maior volatilidade). Os resultados parci-
ais para 2009 mostram, como no ano ante-
rior, que o Real foi a moeda que mais se va-
lorizou no mundo (seguida do dólar, do rand,
do peso chileno e do dólar neozelandês) e a
moeda mais volátil dentre um conjunto de
países das Américas (Argentina, Bolívia,
Chile, Colômbia, Estados Unidos, México,
Peru e Venezuela).
10. C U R R E N T I S S U E S
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DELTA ECONOMICS & FINANCE 10
O resultado do balanço de pagamentos e,
principalmente, da balança comercial deve
definir a taxa de câmbio R$/US$ no biênio
2010-2011. Desde 2006 a taxa média de
câmbio é decrescente. Para o final de 2010,
espera-se uma taxa pouco superior a R$ 1,7
(algumas estimativas colocam o câmbio a R$
1,6 no final deste ano) e ainda inferior a R$
1,85 em 2011. Esta trajetória é esperada
mesmo com a pressão adicional sobre o
câmbio decorrente da regulamentação do
Fundo Soberano do Brasil (FSB), feita pelo
governo ao final de dezembro do ano pas-
sado.
Por fim, é importante observar na área ex-
terna que, desde 2002, com os saldos co-
merciais em crescimento e a estabilidade
nos mercados internacionais, as reservas in-
ternacionais do Brasil cresceram bastante:
de US$ 32,8 bilhões para US$ 239 bilhões
ao final de 2009. Dentre os países do BRIC
o Brasil foi o que mais aumentou proporcio-
nalmente as suas reservas internacionais,
23,4% (correspondentes a $ 45,2 bilhões).
A expectativa é que as reservas continuem a
aumentar em 2010, podendo atingir mais de
US$ 275 bilhões.
Conclusões
Nossa avaliação e conclusão sobre o desem-
penho recente e as trajetórias esperadas
para a economia mundial e brasileira em
2010 podem ser sumarizadas da seguinte
maneira.
Cenário externo
A crise econômica e financeira mundial é
mais profunda e generalizada e seus efeitos
serão mais duradouros do que se imaginava.
A crise continua a se desenrolar e as suas
causas e intervenções serão, sem dúvida,
objeto de debate por muitos anos. Ainda não
temos respostas para todos os problemas e,
em muitos casos, não sabemos sequer quais
são as perguntas pertinentes. Apesar disso,
já observamos o início da retomada do cres-
cimento econômico – geográfica e setorial-
mente limitada, é claro – ao final do ano pas-
sado.
Cenário interno
A continuidade da política econômica deve
ser assegurada pelo executivo federal, pois
implica no reconhecimento de que a estabi-
lidade macroeconômica é condição funda-
mental para o desenvolvimento e a inserção
social de milhões de brasileiros. Essa estabi-
lidade se resume a controle da inflação, dis-
ciplina fiscal e monetária, gestão pública efi-
ciente e programas sociais focalizados na po-
pulação mais carente. É óbvio que interven-
ções pontuais em determinados setores de
atividade e o uso de políticas anticíclicas in-
teligentes devem ser defendidas. No en-
tanto, isto não implica na generalização de
medidas de ajustes descontínuas, populistas
e de baixa eficiência e eficácia – apesar de
todas as pressões políticas em sentido con-
trário.
O cenário atual brasileiro é um dos mais fa-
voráveis do mundo, em praticamente todos
os setores de atividade econômica. É claro
que a crise financeira mundial deve continuar
limitando a produção e o emprego local. No
entanto, a participação do setor público e a
demanda doméstica mais do que compen-
sam os seus efeitos negativos e asseguram
um crescimento sustentável a taxas eleva-
das.