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ETNICIDADES, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
ANO 1, VOL. 2, JUL./DEZ. 2013
Opará
REVISTA DO CENTRO DE PESQUISAS EM ETNICIDADES, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
ISSN: 2317-9465
ETNICIDADES, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
OPARÁ - REVISTA CIENTÍFICA DO CENTRO DE PESQUISAS EM
ETNICIDADES, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
ANO 1, V.2,JUL ./DEZ. 2013.
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
REITOR: LOURISVALDO VALENTIM DA SILVA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – DEDC VIII
DIRETOR: PROFº M.E DORIVAL PEREIRA OLIVEIRA
CENTRO DE PESQUISAS EM ETNICIDADES, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
COORDENADOR: PROFº M.E KÁRPIO MÁRCIO DE SIQUEIRA
COMITÊ EDITORIAL
DORISVAN DE LIRA OLIVEIRA
FLORIZA MARIA SENA FERNANDES
JAILMA MARIA DA SILVA
KÁRPIO MÁRCIO DE SIQUEIRA
MÁRCIO NICORY COSTA SOUZA
COMITÊ CIENTÍFICO-CULTURAL
PROFª DRª CARLA LIANE NASCIMENTO SANTOS - UNEB–CAMPUS I
PROFº M.E CARLOS ALBERTO BATISTA – UNEB CAMPUS II
PROFª DRª ELIANE DE SOUZA NOGUEIRA - UNEB–CAMPUS VIII
PROFª DRª ÉRIKA DOS SANTOS NUNES – UNEB CAMPUS VIII
PROFºDRº JOSÉ AUGUSTO LARANJEIRAS – UNEB–CAMPUS I
PROFº DRº JURACY MARQUES – UNEB- CAMPUS II
PROFª DRª LÍDIA MARIA PIRES SOARES CARDEL – UFBA
PROFª DRª MARIA ANÓRIA DE JESUS OLIVEIRA – UNEB - CAMPUS II
PROFª DRª MARIA CLEONICE DE SOUZA VERGNE– UNEB/FASETE
PROFº M.E MARCELO POLITANO - UNEB
PROFº DRº MARCOS LUCIANO MESSEDER - UNEB
PROFº DRº SÉRGIO L. MALTA DE AZEVEDO – UFCG/FASETE
PROFª DRª VANUSA SOUSA ALMEIDA – UEFS
ALZENI TOMÁZ -NECTAS/UNEB
EDVALDA LINS AROUCHA– AGENDHA
MAURÍCIO LINS AROUCHA – AGENDHA
OSWALDO DE CAMARGO – JORNALISTA E COORDENADOR DE LITERATURA DO MUSEU AFRO-BRASIL
EDITORAÇÃO
COMITÊ EDITORIAL
MONITORES
CAMILA GABRIELLE DA SILVA
JÉSSICA NAYARA ANDRADE DOS SANTOS
MILENA ANDRADE DOS SANTOS
PAOLA DE MORI
SANTIAGO MOZART
COLABORAÇÃO
PROFª M.A JAILMA MARIA DA SILVA
PROFº M.E KÁRPIO MÁRCIO DE SIQUEIRA
PROFº M.E MÁRCIO NICORY COSTA SOUZA
PROFº DRº SÉRGIO GONÇALVES RAMALHO
CRÉDITOS DA FOTO DE CAPA:
JOÃO ZINCLAR (1957-2013)
Sobre a Revista
OPARÁ: Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação é um periódico, em
formato eletrônico, voltado à publicização de artigos científicos e pesquisas em variadas
áreas do conhecimento (tais como: História, Educação, Sociologia, Ciência Política,
Antropologia, Geografia Humana e Cultural, Direito, Ecologia Humana, Letras, Pedagogia),
bem como a divulgação de produções culturais. Tem como objetivo a elaboração de edições
temáticas visando contribuir com análises e estudos nas áreas de educação, cultura, política,
dinâmicas sociais, ecologia, etnicidades, movimentos sociais etc.
Política da Revista
A Opará: Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação é uma publicação semestral em
várias áreas do conhecimento (tais como: História, Educação, Sociologia, Ciência Política,
Antropologia, Geografia Humana e Cultura, Direito, Ecologia Humana, Letras, Pedagogia),
do Centro de Pesquisas em Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação – Opará, situado no
campus VIII – Paulo Afonso da Universidade do Estado da Bahia – UNEB.
Aberta ao debate científico, a Opará:Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação é um
veículo plural de divulgação dos resultados de pesquisas científicas em diversas áreas do
saber. Publica, preferencialmente em português, artigos originais, resenhas críticas, crônicas
e outras produções culturais.
Serão bem-vindas todas as contribuições e colaborações versadas nas diversas disciplinas das
Humanidades, bem como as produções artístico-culturais, sejam sob a forma de resultados
de pesquisas teóricas ou empíricas ou estudos, ensaios, investigações-reflexões históricas
e/ou filosóficas.
A responsabilidade sobre as afirmações e conceitos apresentados nos textos assinados é dos
seus autores.
Comitê Editorial
Editorial
No mundo contemporâneo a realidade e o cotidiano tornam-se cada vez mais reféns da
mídia, de sua espetacularização e capacidade de produzir o isolamento e a introspecção das
pessoas e de seus sentidos de existência, simplificando e esvaziando os conteúdos da
realidade. Neste cenário, dominado pela ciência e pela técnica, o passado e o futuro parecem
desaparecer frequentemente, cedendo lugar para a sedução do imediatismo, do aqui e do
agora, de um presente eterno e sem memória quando em muitos casos os acontecimentos
parecem anular o pensamento. Há uma certa acomodação e rejeição velada e consciente do
ato de pensar. Nesse contexto, como escrever criticamente de forma tradicional no papel
impresso? Como ter a ousadia de manter uma revista na chamada “periferia” do fazer
cientifico? E o sertão produz ciência? Sem querer a vitimização como forma de identidade,
ainda prevalece uma certa construção histórica do sertão como lugar nenhum e sem vida,
visão que vem se rompendo de dentro pra fora e de fora para dentro. Se a tecnociência
desumaniza os processos e a ação isola os sujeitos no vazio da máquina, teremos leitores para
este tipo de comunicação? Mais perguntas do que pretensas respostas.
A tecnologia e seus avanços configuram o cotidiano de parcelas significativas da população.
Contudo, tem gente que ainda não está conectado nem com o ato de ler e escrever, mas
consegue entender o mundo com outras linguagens, sentidos e significados. A revista Opará
continua neste circuito da teimosia criativa da alma humana que não se nega ao novo,
entretanto, não despreza velozmente os saberes, as construções reais e populares de produzir,
problematizar as formas de conhecimento. Textos, frutos da experiência de pesquisadores,
educadores e educadoras, a 2ª edição da Revista Opará vem confirmar que, apesar do
pretenso vazio mediático, ainda persistem os sujeitos da historia, cujos sonhos e
pensamentos, encarnados no sertão, falam do povo, de classes, de resistência, de educação
contextualizada, de tecnologia, saberes e conhecimentos tradicionais e populares. Sem
saudosismo romântico, ufanismo endeusador dos modernos produtos informacionais, a
revista segue do sertão, do litoral, com seus limites, mas com o anúncio que a vida de grupos
tradicionais e considerados minoritários e suas lutas não podem ser esvaziados e
desqualificados pela comunicação mercadológica. A revista revela uma postura política de
governança científica e popular da comunicação. Ela é um valioso e amoroso esforço de
socializar o conhecimento construído e alimentado pela sociedade. Tudo tem sua trajetória e
memória.Nada de fatalismo, do acaso. Apesar de um certo pragmatismo, os sonhos humanos
ainda alimentam e pulsam com luz discreta do sol e da lua, e estes refletem os mistérios e
encantos das águas do rio e do povo que alimenta a esperança encarnada nas ações as quais
suavemente pemeiam a brisa, o quão misteriosamente anuncia o novo que teima em nascer.
Dorival Pereira Oliveira
Diretor do Departamento de Educação de Paulo Afonso – BAHIA – campus VIII
Apresentação
É com grande satisfação que lançamos o volume 2 da Opará. Depois de muitas submissões e de
um laborioso esforço da equipe de seleção, revisão e editoração, apresentamos a todos os
interessados o resultado deste trabalho sob a forma de uma compilação de artigos. As contribuições
são diversas, como no primeiro volume, versando sobre variadas temáticas: literatura negra,
letramento e alfabetização, ensino e aprendizagem, formação docente, economia solidária,
movimentos sociais e religiosidade, sociologia/antropologia rural e urbana etc.
Assim, escrevendo sobre o poeta Cruz e Souza, os autores Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza
de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira, em trabalho intitulado Cruz e Souza: o negro como
sujeito encurralado – um diálogo de resistência em ‘emparedado’, propõem uma análise
de parte da obra desse poeta, procurando elucidar suas concepções e discursos de resistência e
autoafirmação dos afro-brasileiros.
Analisando uma canção de MV BILL, o artigo de autoria de Maria Adaljiza Xavier Santos, Rodrigo
Reis Carvalho e Kárpio Márcio de Siqueira, Resistência negra em A voz do Excluído de MV
Bill: o hip hop na cultura brasileira, procura mostrar, a partir de um esboço sobre a difusão
do negro no espaço social brasileiro, que os discursos presentes nos raps brasileiros estão
associados a questões históricas e sociais.
Em seguida, apresentamos neste volume também uma contribuição de Sérgio Gonçalves Ramalho,
intitulado Alfabetização e letramento: (re)descobrindo conceitos, que tem a intenção de
tecer breves considerações, a partir da discussão dos conceitos de alfabetização e letramento, sobre
a importância destes para o ensino-aprendizagem.
Somam-se também os artigos de Natalina Assis de Carvalho, Narrativas de professores
rurais: trajetórias e fazer pedagógico no município de Baixa Grande Bahia, e de Edilma
Cavalcante Santos Menezes e Clécia Simone Gonçalves Rosa Pacheco, intitulado A arte de
educar as crianças do povo Entre Serras Pankararu: uma discussão no ensino e
aprendizagem. Aquele, como recorte de pesquisa, apresenta uma discussão sobre a profissão
docente em espaços rurais, destacando a questão da formação de professores e suas práticas
pedagógicas; o segundo, a partir de uma investigação de cunho exploratório e qualitativo sobre o
povo Entre Serras Pankararu, tem como objetivo apresentar o modo de ensinar e aprender das
crianças indígenas, a importância dos conhecimentos tradicionais e o reconhecimento identitário
associado a estes.
O artigo Do singular ao plural: indicadores de sustentabilidade na economia solidária,
da autoria de Vinícius Gonçalves dos Santos, João Matos Filho, Marilia Medeiros de Araujo,
Débora Chaves Meirelles e José Aldenir da Silva, a partir de uma análise bibliográfica, procura
propor parâmetros de compreensão da dinâmica da sustentabilidade na economia solidária.
No âmbito das discussões realizadas pela Sociologia/Antropologia rural e urbana, apresentamos os
artigos de Márcio Nicory Costa Souza, Nos rastros para pensar a cidade: de metáforas à
reflexão sobre a condição urbana, e o de autoria de Floriza Maria Sena Fernandes,
Memória, fé e movimentos sociais em Canudos. O primeiro tece considerações sobre a
cidade e o urbano, a partir de análise da obra de João do Rio, “A alma encantadora das ruas”, e de
um aporte teórico sobre as urbanidades. O segundo apresenta uma breve análise do catolicismo
popular vivenciado em Canudos, antes e depois da experiência de Belo Monte de Antônio
Conselheiro na segunda metade do século XIX.
Na interface da História e da Sociologia do trabalho, completa esta discussão sobre as experiências
no/do urbano, discutindo a categoria “vendedor ambulante”, o trabalho de Pablo Mateus dos
Santos Jacinto e Carla Liane do Nascimento dos Santos, Contribuição histórica para a
representação social da categoria dos vendedores ambulantes pela população de
Salvador.
Encerram este volume os trabalhos de Geórgia de Castro Machado Ferreira, Uma abordagem do
rastafarismo nos moldes da psicologia social, e o de Joelma Boaventura da Silva Bomfim,
Casamento realizado em terreiro de Candomblé. Aquele tem como objetivo uma análise
sobre movimento urdido nas favelas de Kingston, Jamaica, o rastafarismo, a partir dos discursos
veiculados nas letras de Reggae; o segundo, procura discutir o reconhecimento dos efeitos civis do
casamento realizado em cerimônias de Umbanda e Candomblé.
Neste volume, renovamos os votos de boas leituras, reiterando o quanto estes artigos refletem
diversidade e o quanto esta diversidade se amalgama nos esforços do trabalho coletivo aqui
materializado.
Comitê Editorial.
Sumário
Sobre a revista / Política da Revista 3
Editorial 4
Apresentação 5
Artigos:
1 Cruz e Souza: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de
resistência em ‘emparedado’
Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira
9
2 Resistência negra em ‘A voz do Excluído de MV Bill: o hip hop na
cultura brasileira’
Maria Adaljiza Xavier Santos, Rodrigo Reis Carvalho e Kárpio Márcio de Siqueira
25
3 Alfabetização e letramento: (re)descobrindo conceitos
Sérgio Gonçalves Ramalho
39
4 Yêda Pessoa de Castro e a sua contribuição para a inclusão dos estudos
africanos nos currículos escolares da Bahia: a experiência da década
1980.
Cristiane Copque da Cruz Santos de Santana
5 Narrativas de professores rurais: trajetórias e fazer pedagógico no
município de Baixa Grande Bahia
Natalina Assis de Carvalho
51
71
6 A arte de educar as crianças do povo Entre Serras Pankararu: uma
discussão no ensino e aprendizagem
Edilma Cavalcante Santos Menezes e Clécia Simone Gonçalves Rosa Pacheco
80
7 Do singular ao plural: indicadores de sustentabilidade na economia
solidária
Débora Chaves Meirelles, João Matos Filho, José Aldenir da Silva, Marilia Medeiros
de Araujo e Vinícius Gonçalves dos Santos
8 Nos rastros para pensar a cidade: de metáforas à reflexão sobre a
condição urbana
Márcio Nicory Costa Souza
9 Memória, fé e movimentos sociais em Canudos
Floriza Maria Sena Fernandes
10 Contribuição histórica para a representação social da categoria dos
vendedores ambulantes pela população de Salvador
Pablo Mateus dos Santos Jacinto e Carla Liane do Nascimento dos Santos
96
108
124
140
11 Uma abordagem do rastafarismo nos moldes da psicologia social
Geórgia de Castro Machado Ferreira
13 Casamento realizado em terreiro de Candomblé
Joelma Boaventura da Silva Bomfim
Normas para submissão na Opará
150
170
184
CRUZ E SOUSA: O NEGRO COMO SUJEITO
ENCURRALADO – UM DIÁLOGO DE
RESISTÊNCIA EM “EMPAREDADO”
Arlete Miranda Amancio1
Joanna Souza de Miranda2
Kárpio Márcio de Siqueira3
RESUMO
Essa tessitura tem por intuito elucidar concepções acerca do poeta Cruz e Sousa e seu discurso de
resistência em ―Emparedado‖, última parte do livro Evocações (publicado em 1898), que adentra em
seu poema em prosa o discurso pioneiro de autoafirmação e/ou resistência às agruras sofridas pelos
afro-brasileiros. Pretendeu-se, ainda, realçar que o autor negro abriu mão de seu discurso individual
para exteriorizar um discurso coletivo, além de enfatizar que o poeta utilizou-se de um discurso de
defesa do grupo, ao qual pertenceu, abalando o mascaramento de uma identidade una e coesa. Para
tanto, o trabalho perpassou por estudo historiográfico/literário para revelar uma sociedade omissa
que, durante séculos, tentou apagar e/ou desqualificar as múltiplas vozes oriundas das margens do
tecido social. E, em sua consequência, mantém-se, com a teoria do branqueamento intacta, a cortina
de silêncio que cala as vozes manifestantes e/ou reveladoras da outorgação dos direitos dessa cultura
racial. Neste sentido, nosso trabalho se pautou, inicialmente, por um levantamento bibliográfico,
através de um olhar literário, seguido pela análise do poema em prosa ―Emparedado‖. Para tanto,
foram utilizados, como base teórica, trabalhos conceituais sobre identidade negra e literatura afro-
brasileira, sob a luz dos estudos de: Cuti (2009; 2010), para fazer um percurso da literatura negra no
Brasil, pelas teorias do branqueamento e pelo discurso de resistência dos afrodescendentes;
Cesco(2011), que traz importante análise do poema ―Emparedado‖; Fonseca (2002), por fazer relação
entre literatura e raça na obra de Cruz e Sousa; Souza (2004), por tratar de espaços de divulgação e
expansão da literatura produzida por negros e Correia (2010), que teoriza sobre subalternidade e (in)
visibilidade do homem negro. Dentre outros teóricos que nos ajudaram a compor esse artigo. Desse
modo, através desses estudos, pudemos comprovar que o poeta se apropriou de suas vivências
individuais para produzir um discurso de luta coletiva em prol dos afrodescendentes, tornando, por
conseguinte, seu poema em obra singular e instrumento de desmascaramento do preconceito velado
da sociedade elitista.
Palavras-chave: Literatura afro-brasileira. Cruz e Sousa. ―Emparedado‖. Vozes de resistência.
ABSTRACT
This contexture is meant to elucidate conceptions of the poet Cruz e Sousa and his discourse of
resistance in "walled" Evocations last part of the book (published in 1898), which enters in his prose
poem speech pioneer of self-affirmation and / or resistance to the hardships suffered by African-
Brazilian. It was intended to also highlight that the author gave up his black individual speech to
externalize a collective discourse, and emphasize that the poet used the discourse of defense of the
group to which he belonged shaking masking the identity of a united and cohesive. Therefore, the work
1
Graduanda do Curso de Letras Vernáculas, participante do grupo de pesquisa ‘Literatura e Diversidade
Cultural: imaginário, linguagens e imagens’ – liderado pela Professora Andréa do N. Mascarenhas Silva –
UNEB/Campus XXII, e cadastrado no CNPq.
2
Graduanda do curso de Letras Vernáculas.
3
Professor da UNEB, Coordenador do Centro de Pesquisas em Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação –
OPARÁ, Mestrado em Crítica Cultural, pela UNEB. Graduação em Letras com Inglês, pela Faculdade de
Formação de Professores de Arcoverde.
10 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
pervaded by historiographical study / literature to reveal a silent society that for centuries tried to
delete and / or disqualify multiple voices coming from the margins of the social. And in its
consequence, keeps up with the theory of bleaching intact the curtain of silence that silences the voices
protesters and / or revealing the outorgação rights that racial culture. In this sense, our work is guided
initially by a literature through a literary look, followed by analysis of the prose poem "bricked". So,
were used as theoretical base conceptual works about black identity and African-Brazilian literature, in
light of studies: Cuti, (2009, 2010), to make a journey of dark literature in Brazil, the theories and the
bleaching discourse of resistance of African descent; Cesco (2011), which brings important analysis of
the poem "bricked"; Fonseca (2002), by making race relationship between literature and the work of
Cruz e Sousa, Souza (2004), for dealing with spaces expansion and dissemination of literature
produced by black and Correia (2010), which theorizes about subalternity and (in) visibility of the
black man, among other theorists who have helped us make this article . Thus, through these studies
we can prove that the poet has appropriated their individual experiences to produce a discourse of
collective struggle in favor of African descent, making therefore work in his poem and natural tool for
unmasking of prejudice veiled elitist society.
Keywords: African-Brazilian Literature. Cruz e Sousa.―Immured‖.Voices of resistance.
INTRODUÇÃO
Assim como a fronteira compartilha
um lado e outro, o processo indiviso
da vida inclui tanto a situação de
estar confinado quanto a de estar
ultrapassando o confim (Georg
Simmel)
Esse trabalho tem como intuito
analisar uma temática bastante polêmica da
literatura brasileira: os afro-brasileiros e seu
discurso de resistência e/ou enfrentamento à
sociedade ―brancocêntrica4‖ que sempre
estiveram presentes em nossa literatura, mas
sem gozar de visibilidade.
A análise tem como corpus o poema
em prosa ―Emparedado‖, publicado em 1898,
poema que compõe o livro Evocações, de Cruz
e Sousa. Este, com seu discurso pioneiro pelos
ideais libertários de seus descendentes, se
configura como personagem responsável pela
formação do paradigma atual, validando o
espaço e a identidade social, racial e cultural do
discurso pós-moderno. Vale enfatizar que tudo
isso acontece num espaço sem saídas, onde o
―poeta‖ e o ―eu-lírico‖ ―encontram-se presos
entre quatro paredes, emparedados dentro dos
4
Cf. conceito expresso por Cuti (2010).
seus sonhos‖ (CESCO, 2011, p. 2 - grifos
nossos).
Dessa maneira, faz-se saber: João da
Cruz e Sousa nasceu na cidade de Desterro,
atual Florianópolis, no estado de Santa
Catarina, em 24 de novembro de 1862, era
filho de ex-escravos, mas por ter vivido sobre a
proteção dos antigos proprietários de seus pais
(os quais demonstravam-lhe apreço), acabou
tendo uma educação de qualidade, no entanto,
Cruz e Sousa sofreu diversos preconceitos por
ser negro, mas esse fato não o fez desistir de
seus ideais e seus desejos pessoais e
profissionais. Veio a falecer em Sítio, uma vila
do interior do Estado de Minas Gerais, em 19
de março de 1898 (VILARINHO, 2012).
Nesse sentido, pretende-se ratificar que
no poema ouve-se o grito de libertação que
surge, não da voz de um branco que fala do
negro e se coloca como o libertário dos
afrodescendentes, mas, sim, de um negro que
abre mão de seu discurso individual para
exteriorizar um discurso coletivo. Assim, no
âmbito poético e ficcional, o poeta explora e
expõe sua consciência do trauma coletivo e de
suas consequências na vida cotidiana.
Com base na transformação da literatura
como objeto simbólico de luta dos grupos de
minoria, que visa legitimar uma mescla entre
11 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado”
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
as culturas África-Brasil, analisaremos nosso
corpus escolhido, bem como os recursos
utilizados pelo poeta para, através de seu
discurso individual, outorgar o discurso social,
colocando a ―mãe‖ África como berço da
formação do povo brasileiro, mas que teve sua
identidade subjugada com a teoria de
inferioridade das raças.
O que nos levou a debruçar sobre essa
temática foi a priori a afinidade com o tema e
por nos possibilitar adentrar as zonas de
contato de raças, cultura e sociedade,
intimamente vinculadas ao contexto de África-
Brasil que penetra nos discursos atuais, para
visibilizar uma cultura há tempos silenciada e
desprestigiada pela cultura europeia. Além
disso, nosso interesse com o tema foi
despertado ao longo do componente curricular
―Literatura Afro-Brasileira5‖.
A importância desse trabalho se dá em
podermos mostrar como ocorreu a luta dos
grupos afrodescendentes pela legitimação de
seus direitos, os quais utilizaram para
viabilizar através da força de expressão que é a
literatura. Não obstante, o Campus não possuir
muitos trabalhos voltados para a temática,
sobretudo, sobre nosso grande poeta
simbolista Cruz e Sousa, podendo, então, ser
usado como referência bibliográfica para
futuros trabalhos.
O procedimento metodológico utilizado
foi o levantamento de obras que tratassem da
vertente literária denominada literatura afro-
brasileira. Nesse caso, a pesquisa bibliográfica
consiste basicamente na ―recuperação dos
dados impressos (‗de papel‘) ou dos arquivos
eletrônicos (‗bits de informação‘)
desenvolvendo uma investigação científica,
5
Disciplina presente na grade curricular do curso de Letras
Vernáculas, ministrada pelo professor Ms.: Orlando Freire
Júnior, o qual agradecemos pelo compromisso e entusiasmo
com que ministrou essa disciplina.
desde a preparação à execução do trabalho‖
(KOCHE, 1997, p. 48).
Seguida da escolha e análise do poema
em prosa Emparedado disponível no livro
Evocações, bem como o levantamento
bibliográfico que nos auxiliaram em tal análise.
Para tanto,ao longo desse artigo utilizaremos
os estudos realizados pelos críticos literários
Cuti (2009), que nos servirão como um tripé
para mostrar o percurso do negro na literatura
brasileira, enfatizando que as obras literárias
que surgiram no Brasil com a temática do
negro, estão intimamente ligadas à política e ao
contexto de produção em que foram criadas.
Ainda na visão de Cuti(2010), o negro é
retratado como desonesto e, principalmente
submisso ao poderio do branco – bom e justo –
, ou quando se refere à mulher negra, essa é
tratada como objeto sexual que serve apenas
para agradar e satisfazer as necessidades
sexuais dos brancos. Assinalando,
consequentemente, a invisibilidade do negro,
não somente na literatura, mas também nos
espaços elitistas da sociedade.
Correia (2010) com a leitura sobre as
vozes e subalternidade do afro-brasileiro no
poema e a reafirmação da África como espaço
de riqueza cultural e, com isso, o negro se
firma como sujeito de seu próprio discurso.
Souza (2004) dialoga sobre as brigas
travadas pelos grupos de minoria para garantir
representações nas diversas esferas da
sociedade, frente as suas manifestações
discursivas sobre: ―cultura, arte, comunicação
e identidade‖ e, sobretudo, nos espaços para
divulgação de suas produções literárias. Dentre
outros, que passearão pela composição desse
trabalho.
O estudo está estruturado em três
partes. A Parte I, literatura afro-brasileira –
um discurso de resistência trará à baila a
trajetória do afrodescendente nos espaços
12 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
sociais e literários, bem como um breve
contexto histórico sobre a escola literária na
qual o poema está imerso. A Parte II,
emparedado: a ambiência da história -galgará
sobre análise do título do poema em estudo,
bem como a relação existente entre o poema e
o autor, representado alegoricamente pelo
título da obra. A Parte III, Eu-poético e eu-
lírico – um sujeito emparedado - tratará da
África como cenário de reconstrução de um
imaginário estereotipado, traçando uma
relação entre artista e obra como faces da
mesma moeda. E a não aceitação de um
afrodescendente como artista e homem, por
ser filho da África escravizada.
1.Literatura afro-brasileira – um
discurso de resistência
Perdido o lugar de origem, o lugar de
produção de sua palavra também é
transferido: o outro, o branco, tem o
domínio do lugar de produção
linguística. E esse poder significa
transformar a palavra africana não só
no silêncio, mas na ausência da
palavra, da palavra enquanto criação
ideológica (MOYSÉS, 1998, p. 97).
Ancorado nesse discurso de Moysés
(Ibidem), faz-se importante incutir nessa
tessitura o processo de produção e divulgação
da cultura negra, enquanto instrumento de (re)
definição da identidade brasileira
estigmatizada; da relação de poder desses
grupos de minorias, e como estes são ou
passaram a ser vistos pelos intelectuais no
mundo acadêmico. Tematizando, ainda, a
memória afrodescendente em suas produções e
trazendo à tona a memória de uma cultura
invisibilizada, apagada e/ou desprestigiada
pela história oficial brasileira das escritas de
cultura branca.
A presença das vozes do negro na
literatura brasileira não escapa ao tratamento
marginalizado que, desde sua gênese, marca a
etnia no processo de construção da nossa
sociedade (PROENÇA FILHO, 2004). No
entanto, essa voz silenciada vem ao longo do
tempo buscando as mais diversas formas e
alternativas para sair dessa (in) visibilidade
clandestina. Ao passo que se faz ouvida –
rasgando o véu da submissão – vai, também,
saindo dos calabouços da dominação e
exclusão. Nesse sentido, evidenciam-se na
trajetória do discurso literário dois
posicionamentos: o negro tratado como objeto
– resultando em sua invisibilidade –, e o negro
como sujeito – que causa o embranquecimento
–. Trajetórias essas, legitimadas pelo reflexo da
sociedade ―brancocêntrica‖ (CORREIA, 2010).
A Literatura Afro-Brasileira foi moldada,
desde seu princípio, sobre o olhar sistemático
das ideias capitalistas e dominantes. Com esse
olhar observa-se que o texto literário do século
XIX, com o intuito de apresentar um símbolo
da identidade nacional, acaba fazendo da
literatura um espaço de divisão de raças em cor
– cultura – condição social, prevalecendo o
olhar do outro – branco europeu com grau de
superioridade, beneficiando, assim, a herança
do sistema escravocrata brasileiro. Desde
meados do século XIX, o negro é estereotipado
como um ser inferior, modelado com caráteres
oriundos de uma estética branca dominante
que o caracteriza como personagem e mero
objeto (CUTI, 2010).
Quando o Brasil necessitou de um
símbolo que representasse o país, Alencar
buscou essa representação na figura do índio.
Ao olhar do branco, o negro seria
impossibilitado de contribuir para o
desenvolvimento da nação por ser considerado
incapaz e necessitar constantemente da
vigilância do branco. Nota-se que a dialética
entre branco e negro no Brasil não teve a
mesma dimensão. O índio será caracterizado
13 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado”
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
como símbolo nacional e permeará o
Romantismo até o Modernismo. Já o negro é
apresentando apenas no âmbito da escravidão
e gera, por conseguinte a subalternidade
africana (Idem, 2010).
No entanto, este mesmo negro que teve
sua voz silenciada, passou também a subverter
as ordens elitistas, utilizando os recursos
literários para exteriorizar sua voz como
instrumento de luta, e, em consequência,
revelar suas dores, sua história, sua cultura.
A literatura, assim como o discurso, é
espaço de poder. Desse modo, munidos dos
argumentos da teoria de inferioridade das
raças, ―os detentores de poder social e
cultural‖, não achando suficiente a
transformação do negro em objeto, a tentativa
de apagar uma cultura e os direitos de um
povo, roubaram desse homem trabalhador
braçal, – pertencente ao grupo de minoria – a
palavra, o direito de expressar-se, pois manter
silenciada a voz do oprimido significa a
perpetuação de um regime desumano, visto
que se essa ordem fosse rebaixada, seria o fim
de um importante sustentáculo do mito da
superioridade das raças.
Partindo desse viés, pode-se atrelar à
vertente da invisibilidade afro, intimamente
vinculada ao viés do embranquecimento. O
negro, que outrora não era visível nos espaços
sociais, ao ocupar ―lugares antes destinados
aos brancos‖ torna-se notável. Passa a ser visto
porque passou a incomodar, mas, como numa
sociedade eurocêntrica um negro não pode ser
sujeito impunemente, esse ―precisa‖ passar
pelo estágio mutatório da ―mudança de cor‖.
Todavia, como não é possível a negação total
da cor, cria-se uma falsa ilusão de brancura. ―O
negro de cor‖, que conquistou espaços sociais,
torna-se ―branco‖ e, ao passo que a ilusão do
embranquecimento invade as pessoas, o negro,
mais uma vez, torna-se invisível diante do
olhar da sociedade.
Desse modo, esse mesmo olhar da
invisibilidade perpassa, também, e/ou
principalmente, pelo campo da literatura,
porquanto, é latente a escolha excludente do
que deve ou não ser lido. Além de exteriorizar
uma visão estereotipada da literatura feita por
e/ou para o negro, trazemos à baila a
importância das publicações de textos de
autoria negra, uma vez que no momento que o
afro começa a fazer suas publicações falando
sobre sua identidade, sua cultura ameaça,
consequentemente, o pedestal do branco bom e
superior. O homem afro-brasileiro incomoda
ao passo que se coloca não mais como objeto e
sim como sujeito.
Ancorado nesse discurso, Cruz e Sousa
abala o mascaramento de uma identidade una
e coesa, bem como da cordialidade e harmonia
enraizada sob o manto da ―pátria amada mãe
gentil‖ do Hino Nacional.
E assim, temos com essa
insubordinação negra a desconstrução do que
se conhece de identidade hoje. Para Hall
(2006) a compreensão de identidade unificada
vem ao longo do tempo se desmitificando e
ganhando outras concepções, uma vez que a
identidade de um povo é marcada não somente
pela construção individual, mas também social.
Partindo desse viés entende-se que se têm
identidade heterogênea, múltipla e
fragmentada. Dessa forma, com o olhar de
Munanga (2003) a identidade negra não pode
ser moldada pela diferenciação da pigmentação
da pele, mas sim através de uma construção
cultural que teve origem com o processo de
colonização resultando nas ―relações
mercantilistas com a África, ao tráfico
negreiro, à escravização e enfim à colonização
do continente africano e de seus povos‖
(MUNANGA, Ibidem, p. 37). Sendo assim, esse
14 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
fato histórico resultou na divisão das raças
através da cor da pele marcando a acepção de
identidade negra difundida na literatura.
Essa distinção de raças é reafirmada na
literatura elitista e em contrapartida negada
nos poemas e obras produzidas por negros. ―O
protesto negro contra o ‗mito da democracia
racial‘ funcionou como um grande diapasão
para afinar o toque de reunir dos tambores
através do encontro cuja senha era a
indignação‖ (CORREIA, 2010, p. 20). Dessa
forma, percebe-se que Cruz e Sousa no poema
em prosa em estudo, utiliza essa ―senha‖ para
expor sua indignação, transformar o seu eu-
coletivo em sujeitos e o mesmo aparelho de
opressão e massacre servirá, ainda, como
instrumento de libertação e afirmação de um
grupo de minoria, que na verdade é maioria.
Aquele mesmo afro-brasileiro que
tinha recebido o status de objeto, não
corresponde à realidade individual de um
poeta negro que sabia e se fazia capaz de
confrontar os argumentos da ideologia
dominante, do discurso antropológico e da
ciência oficial, assim como qualquer branco
intelectual. ―Mas, que importa tudo isso?! Qual
é a cor da minha forma, do meu sentir? Qual é
a cor da tempestade de dilacerações que me
abala? Qual a dos meus sonhos e gritos? Qual a
dos meus desejos e febre?‖ (CRUZ E SOUSA,
1995, p. 381). Discursos como esses, fizeram do
Emparedado, um fenômeno de resistência
cultural e um importante instrumento de
demonstração da força do homem negro.
Atitudes como as do ―Cisne Negro‖,
como ficou conhecido, fortalecem a certeza de
que a literatura, do mesmo jeito que pode ser
perversa e desconstruir a imagem e/ou
imaginário de um sujeito, pode estigmatizar os
conceitos do bem e do mal, do negro e do
branco, como também é capaz de ajudar a
formar e/ou resgatar identidade, de
desmitificar as teorias científicas. Nessa visão
bidimensional da literatura Cândido (2004)
autentica:
A respeito destes dois lados da
literatura, convém lembrar: ela não é
uma experiência inofensiva, mas uma
aventura que pode causar problemas
psíquicos e morais, como acontece
com a própria vida, da qual é imagem
e transfiguração. Isto significa que ela
tem papel formador da personalidade,
mas não segundo as convenções, seria
antes segundo a força indiscriminada
e poderosa da própria realidade (p.
175).
Durante anos na história da literatura
propagou-se que o afrodescendente não
escrevia porque era desprovido de suas
capacidades intelectuais, não sabia ler nem
escrever, por isso a literatura negra acabava
ficando no campo da oralidade, sendo
repassada de pai para filho, de geração a
geração, ao longo do tempo (CUTI, 2010). E,
ainda, quando iam à casa grande para escutar
as histórias feitas por seus senhores, ficavam
apenas ouvindo-as, sem delas participar.
Assim, o escravizado ―Configura-se um leitor
ouvinte, ou um leitor que escuta uma
oralização de uma escrita, mas que sabe que
essa leitura não é feita para ele‖ (MOYSÉS,
1998, p. 103). Desse modo, não se fazia uma
literatura genuinamente negra, o afro era
apenas tema de uma obra e não vida dela
(obra), falavam sobre o negro e não do negro,
porque quem escrevia não fazia isso com o
conhecimento de causa, e acabavam
escrevendo sob a ótica elitista.
Nesse sentido, o negro só foi de fato
representado na literatura no momento em que
passou a difundir sua voz através da literatura
negra, feita por e para o negro. Quanto a esse
aspecto o escritor Cuti (Ibidem) legitima:
A literatura negro-brasileira nasce na
e da população negra que se formou
fora da África, e de sua experiência no
15 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado”
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
Brasil. A singularidade é negra e, ao
mesmo tempo, brasileira, pois a
palavra negro aponta para um
processo de luta participativa nos
destinos da nação e não se presta ao
reducionismo contribucionista a uma
pretensa brancura que a engloba
como um todo a receber daqui e dali,
elementos negros e indígenas para se
fortalecer (p. 44-45).
Em outras palavras, Cuti (2010) afirma
que a literatura negra ou afro-brasileira só
passou a existir ao passo que o negro começou
a ser autor de suas próprias histórias, sendo
assim, o que se tinha antes era meramente
literatura. ―Isolada ou coletivamente, os afro-
brasileiros, por seu turno, tentam forjar e
divulgar outras imagens de si, contrariando os
estereótipos vigentes‖ (SOUZA, 2004, p. 31).
―Emparedado‖, apesar de passado
pouco mais de um século de sua publicação,
consegue permanecer atual. Sua linguagem é,
em todos os aspectos, inovadora e
denunciadora. O poeta mescla assuntos desde
o sofrimento do homem negro, o preconceito
velado da sociedade brasileira, até a não
aceitação dos artistas de sua época com seus
escritos, os quais consideravam a literatura
negra como de inferioridade, por isso, o poeta
Dante é peça imprescindível para as formas
que se discute negritude e os conceitos de raça
hoje.
2.“Emparedado”: a ambiência da
história
Desde as últimas décadas do século
XIX, sobretudo no finalzinho de 1880, surgem
no Brasil, as primeiras influências do
Simbolismo francês. O início do movimento só
é de fato considerado oficial e aceito após a
publicação de dois livros do poeta Cruz e Sousa
em 1893: Missal (1893), poemas em prosa,
Broquéis (1893), versos. O jovem intelectual
passou a escrever poemas em prosas e poesias,
sendo considerado o precursor do Simbolismo
no Brasil e até hoje, consagrado como o mais
importante escritor simbolista brasileiro
(BOSI, 1999).
Transportado para o Brasil, o
Simbolismo foi considerado um movimento
hesitante, ambíguo em suas formulações.
Segundo Brandão (2010) ao se referir ao
pensamento de Edmundo informa que, afora o
entusiasmo com que Roger Bastide e Nestor
Vítor saudaram o merecido talento literário de
Cruz e Sousa, as primeiras manifestações
simbolistas nacionais não obtiveram, no
momento de seu surgimento, uma acolhida
afável por parte dos historiadores de nossa
literatura.
Com novas ideias e novas roupagens,
começou a urgir no campo das artes e das
ciências o simbolismo, que vai se opor tanto ao
Realismo quanto ao Parnasianismo, situando-
se muito próximo das orientações românticas,
que será de certa forma uma renascença. Desse
desejo surgem, por conseguinte, os artistas que
estavam descontentes com a mentalidade
racional que não eram capazes de traduzir
questões relacionadas à condição e existência
humana (BOSI, Ibidem).
Partindo desse viés, passamos a
compreender os escritos de defesa do poeta,
pois não era possível separar o artista do
assunto, já que para o autor, subjetivo e
objetivo se fundem, espírito e objeto se
constituem. Assim, afirma Edmundo sobre o
olhar de Brandão (Ibidem):
O movimento simbolista, meus
senhores [disse João do Rio] não será
jamais um movimento popular.
Literatura de casaca, luvas, gravata
branca e peitilhos em goma é apenas
um gostoso recreio, um desafio para
refinados espíritos, para privilegiadas
elites de uma estouvada geração.
Literatura de estufa, planta para vaso
em aquecidos salões (p. 120).
16 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
O poeta catarinense ainda faz uma
crítica (in) direta não somente aos poetas da
escola literária anterior, mas também aos
poetas de modo geral que fazem da arte um
instrumento de ostentação de poder, por isso
optam por fazer um discurso leve e
descompromissado com a sociedade.
Era uma politicazinha engenhosa de
medíocres, de estreitos, de tacanhos,
de perfeitos imbecilizados ou cínicos,
que faziam da Arte um jogo capcioso,
maneiroso, para arranjar relações e
prestígio no meio, de jeito a não
ofender, a não fazer corar o
diletantismo das suas idéias.
Rebeldias e intransigências em casa,
sob o teto protetor, assim uma espécie
de ateísmo acadêmico, muito
demolidor e feroz, com ladainhas e
amuletos em certa hora para livrar da
trovoada e dos celestes castigos
imponderáveis! (CRUZ E
SOUSA,1995, p. 371).
Poetas que não comungavam desse
discurso de ostentação de poder e
mediocridade, como define Sousa, não eram
dignos de serem lidos. Por outro lado, os que
adotavam esse mesmo discurso, eram dignos
de aplausos. Assim, observemos que um artista
é reconhecido não pelo seu talento, mas pela
cor de sua pele, pelo tipo de argumentos que
usa para defender sua criação. Sobre esse
aspecto Cruz e Sousa afirma: ―[...] não pertenço
à velha árvore genealógica das
intelectualidades medidas, dos produtos
anêmicos dos meios lutulentos, espécies
exóticas de altas e curiosas girafas verdes e
spleenéticas de algum maravilhoso e
babilônico jardim de lendas...‖! (CRUZ E
SOUSA, 1995, p. 387).
Com esse mesmo olhar o poeta dirige-
se não somente aos artistas da época, mas
também ao público, a todos que não o
compreendem como artista, pois, sobre sua
ótica, a sociedade da época não estava
preparada para lê-lo, por isso o poeta sente-se
emparedado.
Partindo da terminologia da palavra,
segundo o dicionário Aurélio online (2008)
―emparedado significa adj (parte de
emparedar) 1 Que se emparedou; ladeado de
paredes. 2 Encerrado entre paredes;
enclausurado. sm Pessoa que, por castigo ou
penitência, era encerrada entre paredes, ou
totalmente, ou recebendo ar e alimento por
uma fresta‖ (2008, online).
Compreendendo o vocábulo que dá
nome ao poema do artista catarinense, pode-se
pensar inicialmente que ―Emparedado‖ seriam
as paredes que cercam o autor. Alegorias que
poderiam se referir a tudo que seria
correspondente a restringir ou até mesmo
extinguir a liberdade e limitar, talvez, as
capacidades criativas que lhe são dadas por
uma condição racial visceral.
Segundo Fonseca (2002), o
emparedado de Cruz e Sousa revela as paredes
que o cercavam, paredes essas que são
representadas pelos: ‗Egoísmos e preconceitos‘,
‗Ciências e Críticas‘, ‗Despeito e Impotências‘,
‗Imbecilidade e Ignorância‘ de uma sociedade
que o aniquila.
Se caminhares para a direita baterás e
esbarrarás ansioso, aflito, numa
parede horrendamente
incomensurável de Egoísmos e
Preconceitos! Se caminhares para a
esquerda, outra parede, de Ciências e
Críticas, mais alta do que a primeira,
te mergulhará profundamente no
espanto! Se caminhares para a frente,
ainda nova parede, feita de Despeitos
e Impotências, tremenda, de granito,
broncamente se elevará ao alto! Se
caminhares, enfim, para trás, ah!
ainda, uma derradeira parede,
fechando tudo, fechando tudo —
horrível! — parede de Imbecilidade e
Ignorância, te deixará num frio
espasmo de terror absoluto... (CRUZ
E SOUSA, 1995, p. 390 – grifos
nossos).
Cruz e Sousa foi um poeta à frente de
seu tempo, seja nos vocábulos usados, seja na
temática apresentada em seu poema. Pois,
17 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado”
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mesmo tendo vivido na qualidade de branco,
não permite ser manipulado pela
―branquitude‖ que o rodeia, mas, sim, utiliza-
se dessa condição para denunciar e orgulhar-se
de seus antecedentes. Contudo, com seu
discurso de resistência, enuncia as paredes que
cercam todos os afrodescendentes. Desse
modo, essas paredes que o emparedam são
formadas por dados hipotéticos de conceitos
infundados de superioridade e inferioridade
das raças humanas, dos preconceitos, racismos
e escravismos da sociedade do século XX.
Assim, o poeta pode estar
―emparedado‖ em seu sonho como podemos
ver no próprio poema. Assinala-se, ainda,
nessa leitura simbólica, que essas paredes que
o cercam podem ser também sua própria pele,
esta emparedada em seu corpo. Em seguida,
vai assinalar e expor sua raça, entrando em
confronto com as outras raças vistas fora de
sua pele, portanto, sofre, por não poder
enfrentar os embates de sua vida social, já que
está emparedado e sublimado em suas próprias
paredes. Nas esteiras de Fonseca (2002),
compreende-se que o fato de entrar em
confronto, seria um tipo de violência, aquela
que sofre o poeta, física e metafisicamente,
emparedado em sua pele negra e em sua poesia
(máscara) branca. É o que podemos perceber
no seguinte trecho do poema: ―Não! Não! Não!
Não transporás os pórticos milenários da vasta
edificação do Mundo, porque atrás de ti e
adiante de ti não sei quantas gerações foram
acumulando, acumulando, pedra sobre pedra,
pedra sobre pedra, que para aí estás agora o
verdadeiro emparedado de uma raça‖ (CRUZ E
SOUSA, 1995, p. 390).
Para fazer-se ouvido, o poeta ―veste-se‖
de elite branca. Como não pode mudar sua cor
exterior e nem mesmo o seu discurso, porque
este faz parte dele, então muda sua maneira de
falar. O próprio poeta vivencia o preconceito
velado, camuflado. Um grande poeta negro
falando do negro como negro jamais seria
ouvido, mas um negro falando
mascaradamente do negro como um branco
havia uma esperança de ser percebido. Por isso
o poeta Dante, se sente o tempo todo
emparedado, encurralado, tendo que negar sua
cor, sua identidade afro para poder, através de
sua arte, denunciar a elite branca . O negro não
podia ser pacífico para ter seus direitos
legitimados, mas deveria e/ou foi obrigado a
utilizar-se das mesmas armas de seu opressor,
para outorgar um direito constituído. Cruz e
Sousa, aqui, mostra-se encurralado vivendo
nesse constante conflito entre a natureza e
identidade negra e o meio que o oprime, que
mais tarde configura-se como um embate
social.
3. Eu-poético e eu-lírico – um sujeito
emparedado
É mister salientar que ―Emparedado‖
refere-se a um poema em prosa do poeta Cruz
e Sousa, o último poema que compõe a obra
Evocações. Como se fosse a conclusão do livro,
poema quase que autobiográfico, o poeta
Dante mostra para o leitor não somente sua
indignação com a maneira que os brancos
tratavam o negro, mas, também, a
aceitabilidade da arte produzida por negros. O
poeta ao escrever esse poema em prosa, não
obedece inteiramente às regras – regras essas,
impostas pela elite branca -, uma vez que no
Simbolismo o artista busca suas
individualidades para expor sua arte. Neste, o
escritor faz do seu ―eu‖ uma defesa de classe,
portanto, coletivo. Concernente a esses
aspectos, percebe-se que ―Emparedado‖ é de
uma riqueza de expressão e estilo, no qual
poderia ser título de uma obra. Sobre essa
ótica, Cesco nas esteiras de Coutinho salienta:
18 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
―esse soluço que não é apenas um soluço de
revolta pessoal, mas a revolta de toda uma raça
condenada pela civilização inteira‖ (CESCO,
2011, p. 2).
Sobre esse aspecto, é válido ressaltar
que mesmo Cruz e Sousa não afirmando
claramente que ―Emparedado‖ é um poema
autobiográfico, muitos estudiosos defendem
que se trata de um testamento de homem e
poeta (COUTINHO, 1979). No entanto, em
umas das partes do poema o poeta deixa
reluzir o termo como também hoje é conhecido
―Dante Negro‖: ―A África virgem, inviolada no
Sentimento, avalanche humana amassada com
argilas funestas e secretas para fundir a
Epopéia suprema da Dor do Futuro, para
fecundar talvez os grandes tercetos tremendos
de algum novo e majestoso Dante negro!‖
(CRUZ E SOUSA, 1995, p. 389). Sendo
perceptível que Dante Negro ao elaborar seus
poemas em prosa, vale-se de suas dores não
somente as artísticas, mas, também, as
pessoais, e essas são as temáticas que refletem
na prosa em estudo. Para tanto, o poeta com
uma linguagem erudita e envolvente busca
transformar suas dores oriundas do
preconceito racial sofrido por ele, em criações
artísticas, que o representam todo o grupo
marginalizado pela elite da época,
simbolizando a cor da noite e a cor da África
escravizada. Vejamos o seguinte trecho: ―Eu
trazia, como cadáveres que me andassem
funambulescamente amarrados às costas, num
inquietante e interminável apodrecimento,
todos os empirismos preconceituosos e não sei
quanta camada morta, quanta raça d'Africa
curiosa e desolada que a Fisiologia nulificara
para sempre com o riso haeckeliano6 e papal!‖
(Idem, ibidem, p. 363).
6
Os fundamentos do pensamento racista brasileiro, baseado em
Montesquieu (teoria climática e tipos de escravidão), Buffon
(clima temperado e superioridade europeia) Cordelius De Pauw
À luz dessas reflexões, percebe-se que
Cruz e Sousa apesar de ser apresentado por
muitos como poeta de ―brancura‖,
compreende-se que por meio do poema em
prosa, sua condição de afrodescendente se
aflora ainda mais. Suas vivências pessoais são
exploradas ao longo do poema, desvendando,
através de uma linguagem discursiva e
requintada, os conflitos sociais. Assume, assim,
o poema um caráter de manifestação e reflexão
assinalada.
Muitos são os fatos que nos levam a
pensar sob esse viés: A Sensibilidade com
que é tratado o tema da escravidão, do
sofrimento, da dor e desilusão do homem
negro. O uso dos elementos do passado e o
diálogo em primeira pessoa, como se fizesse
lembrar, ―O seu nome carinhoso e parnasiano
recordava...‖, ―E quantas, quantas vezes eu a
vi...‖ (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 127-128).
Essa autenticidade do eu poético
souseano em ―Emparedado‖que nos leva a
pensar em verossimilhança é na verdade:
(...) como em toda a prosa poética de
Cruz e Sousa, diluídos são os fatos. O
que se tem são nuanças, apenas, de
referenciais da realidade. Entretanto,
o envolvimento do narrador-
personagem remete o texto, pelos
elementos de pessoalidade que
apresenta, às características do
testemunho, que não se firma,
contudo, tendo em vista a resistência
ao factual. Apesar de tal resistência, a
perspectiva de um passado narrado
com envolvimento induz, em
Emparedado, que vários conteúdos
pertencem à memória de quem narra.
[...] promove a ilusão autobiográfica
[...] (CUTI, 2010, p. 155 – grifo
nosso).
(Acão climática e inferioridade racial), Golbineau (superioridade
da raça ariana e efeitos degenerativos da miscigenação), e
inspirados em outros (Kant – degradação da raça superior com
cruzamento com raças superiores; Darvin – a sobrevivência dos
mais aptos; spence – evolucionismo das sociedades humanas;
Haeckel – evolucionismo biológico; Ratzel – relação de causa e
efeito entre o meio ambiente e as realizações humanas), com sua
carga depreciativa a respeito dos trópicos, geraram
aparentemente, nos intelectuais brasileiros a necessidade de
banir as marcas do atraso do País adaptando aquelas teorias
(CUTI, 2009. p. 70).
19 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado”
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E essa ―ilusão‖ autobiográfica é, ainda,
revelada pela presença do não silenciamento
do poeta catarinense, que, mesmo em meio ao
emparedamento social que sofria, não se calou,
aproveitando para dar voz ao grito do oprimido
escravizado, desnuda o ―preconceito branco‖ e,
assim o fazendo, reluz uma vivência de
escravidão, como que vista de perto. O
percurso realizado pelos homens ―[...] ontem
simples fortes bravos/ hoje míseros escravos
sem luz, sem ar, sem razão [...]‖ (ALVES, 2002,
p. 22) – da África para as Américas como
escravos, é marcado pelo sangue, pela
desilusão, sem saber como seria seu destino:
De outros Golgothas mais amargos
subindo a montanha immensa,—
vulto sombrio, tetro, extra-humano!
— a face escorrendo sangue, a bocca
escorrendo sangue, o peito
escorrendo sangue, as mãos
escorrendo sangue, o flanco
escorrendo sangue, os pés escorrendo
sangue, sangue, sangue, sangue,
caminhando para tão longe, para
muito longe, ao rumo infinito das
regiões melanchólicas da Desillusão e
da Saudade, transfiguradamente
illuminado pelo sol augural dos
Destinos!... (CRUZ e SOUSA, 1995, p.
362 - sic7).
Dessa forma, o poeta revela a marca da
escravidão, que configura a relação de poder de
uma cultura sobre a outra, de uma identidade
sobre a outra. Contudo, ―As civilizações, as
raças, os povos digladiam-se e morrem
minados pela fatal degenerescência do sangue‖
(Idem, ibidem, p. 365), sangue que corre em
suas veias, que revela sua cor e, portanto sua
raça.
Por conseguinte, para Gonçalves
(2010) diríamos antes de tudo que
―Emparedado‖é um desabafo de uma vida
inteira cheia de dificuldade, não somente um
desabafo individual, mas, também, um
desabado de um grupo marginalizado pelo
7
Grafia do autor, conforme fonte de pesquisa.
poder operante e excludente. Assim, critica o
racismo que tenta legitimar a ignorância eterna
―de uma raça que a ditadora ciência de
hipótese negou em absoluto para as funções do
Entendimento, e, principalmente, do
entendimento artístico da palavra escrita‖
(CRUZ e SOUSA, 1995, p. 381).
Muitos estudos defendem que o poema
em prosa de Cruz e Sousa é também um poema
de libertação, de legitimação da voz negra na
literatura, de uma voz que foi ao longo de sua
história silenciada, mas que agora faz ser
ouvida. Mas, não deve ser fácil para os grupos
privilegiados ouvir a verdade saindo da boca do
subalterno. Deve, ainda, ser tão incomum, tão
tímido, esse grito que o eu-lírico revela: ―eu
caminho e sonho tranquilo! pedindo a algum
belo Deus d'Estrelas e d'Azul, que vive em
tédios aristocráticos na Nuvem, que me deixe
serenamente e humildemente acabar esta Obra
extrema de Fé e de Vida!‖ (Idem, 1995, p. 373).
Assim, nos chama atenção termos
grafados em maiúsculo, Estrela, Azul, Nuvem,
que remetem à ideia de brancura e de
luminosidade, que entram em comum acordo
com Fé e Vida, mas que se opõem ao discurso
traçado no texto, na ―Obra‖, também grafada
em maiúscula, para dar força e poder aos seus
argumentos.
Percebe-se que, para o poeta, revelar,
também, não é uma tarefa fácil, pois o artista
se sente como em meio a Deus e o Diabo, entre
a dúvida e a certeza, pois, assim como não é
fácil para o branco ouvir o grito outrora
silenciado do negro, legitimando seus direitos,
também não é fácil para o negro, com seu
discurso singular, desnudar as opressões
sofridas, uma vez que corre o risco de não ser
aceito como artista e homem.
O que tu podes só, é agarrar com
frenesi ou com ódio a minha Obra
dolorosa e solitária e lê-la e detestá-la
20 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira
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e revirar-lhe as folhas, truncar-lhe as
páginas, enodoar-lhe a castidade
branca dos períodos, profanar-lhe o
tabernáculo da linguagem, riscar,
traçar, assinalar, cortar com dísticos
estigmatizantes, com labéus obscenos,
com golpes fundos de blasfêmia as
violências da intensidade, dilacerar,
enfim, toda a Obra, num ímpeto
covarde de impotência ou de angústia
(CUTI, 2010, p. 35).
De forma direta, a narrativa versará,
dentre outros aspectos, sobre a dor do
escravizado. Fazendo uso de uma linguagem
rebuscada, rica em metáforas, sinestesias e
aliterações, características presentes no
simbolismo, sendo possível comprovar tal
afirmação com o uso de aliterações – errava
nos tons violáceos vivos (―v e s‖); suntuoso
acesso (― s‖); cuja a cor cantava-me (―c‖);
linha longe (―l‖); dos horizontes em largas
faixas rutilantes (―s‖); fulvo e voluptuoso (―v‖);
quebravam-se e velavam-se (―v‖). Dentre
outras características já citadas a priori como:
letras maiúsculas no meio de frases para
destacar palavras desejadas, musicalidade e
sinestesia (CRUZ E SOUZA, 1995).
Através de sua linguagem e valendo-se
do mascaramento de sua cor, o poeta denuncia
os conflitos sócio-raciais existentes, pois quem
lê seus poemas, não vê sua cor, desse modo se
passa por um ―branco‖ com sua linguagem
bem elaborada, e, assim, desmascara a
sociedade eurocêntrica e luta pela outorgação
dos direitos étnico-raciais das classes de
minoria.
É por tudo isso que:
Na produção de Cruz e Sousa [...], o
patético atuará como um índice
dialógico e dramático, sendo as
performances do ―eu‖ lírico e a da
primeira pessoa narrativa os recursos
básicos, mas a ironia será um pólo
regulador para que o desnudamento
da opressão se faça com segurança e
arte (CUTI, 2010, p. 80).
O poema, assim como toda a obra
Evocações, é um poema de mágoas, desilusões
e indignação do eu-lírico, enquanto artista que
busca veicular sua obra, mas que se sente
sozinho e cansado; cansado por sonhar e
esperar, cansado de gritar em vão por
libertação, por humanização.
De que subterrâneos viera eu já, de
que torvos caminhos, trôpego de
cansaço, as pernas bambaleantes, com
a fadiga de um século, recalcando nos
tremendos e majestosos Infernos do
Orgulho o coração lacerado, ouvindo
sempre por toda a parte exclamarem
as vãs e vagas bocas: Esperar!
Esperar! Esperar!
Por que estradas caminhei, monge
hirto das desilusões, conhecendo os
gelos e os fundamentos da Dor, dessa
Dor estranha, formidável, terrível,
que canta e chora Réquiens nas
árvores, nos mares, nos ventos, nas
tempestades, só e taciturnamente
ouvindo: Esperar! Esperar! Esperar!
(CRUZ ESOUSA, 1995, p. 356 - grifos
nossos).
Ao longo do tempo a história literária
quis mostrar a bondade do homem branco,
aquele que ―defende‖ e que dá ―direito‖ aos
seus escravos, o que podemos até presenciar na
vida do próprio autor do poema
―Emparedado‖, que teve todas as regalias na
casa de seu senhor, no entanto, aqui nesse
fragmento (aproveitando para dar ênfase nos
termos destacados), o poeta catarinense
aponta outro lado dessa moeda: aquele em que
o negro é convidado a esperar por dias
melhores, a esperar por condições de vida
digna e pela legitimação de seus direitos, mas
nada acontece além de esperar e esperar. Toda
essa espera vem ao longo dos séculos
provocando sentimentos dúbios nesses filhos
do ―sofrimento‖ de um lado, dor e tristeza, e,
por outro, a esperança. Essa dualidade é
marcada principalmente pelos termos citados
no poema ―canta‖ e ―chora‖.
Ao longo do poema, o poeta simbolista
mostra-se preocupado com os conflitos sociais
21 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado”
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
coletivos, vivenciados pelos grupos de minoria
e no decorrer dele, quase em seu final, o poeta
assinalado questiona a qualidade do artista
escolhido pela sua cor, episódio que demonstra
o quanto sua obra foi marginalizada, o que
autentica que o espaço literário é fragmentado
e elitista, uma vez que muitos são os casos em
que o artista vai ser escolhido não pelo talento
que possui, mas pela cor de sua pele que o
assinala e denuncia. E com esse olhar o poeta
Negro reporta-se às suas origens para revelar
os estereótipos impostos pelos brancos aos
negros, para desmerecê-los, sobretudo, em seu
trabalho intelectual como a escrita. Segundo
Fonseca (2002) ―a África, no texto de Cruz, não
é simplesmente o lugar virtual das origens
ancestrais do artista. Antes, é um obstáculo
tanto à origem do poeta quanto ao seu status
em seu lugar atual, brasileiro, que é, de certo
modo, ainda torturadamente africano‖ (p. 66).
E por falar do lugar do negro – afro-brasileiro
– sofre por não ser aceito como homem e
artista. Pois pertencer à África escravizada é
sinônimo de desmerecimento e submissão.
Artista! pode lá isso ser se tu és
d'África, tórrida e bárbara, devorada
insaciavelmente pelo deserto,
tumultuando de matas bravias,
arrastada sangrando no lodo das
Civilizações despóticas, torvamente
amamentada com o leite amargo e
venenoso da Angústia! A África
arrebatada nos ciclones
torvelinhantes das Impiedades
supremas, das Blasfêmias absolutas,
gemendo, rugindo, bramando no caos
feroz, hórrido, das profundas selvas
brutas, a sua formidável Dilaceração
humana! A África laocoôntica, alma
de trevas e de chamas, fecundada no
Sol e na Noite, errantemente
tempestuosa como a alma
espiritualizada e tantálica da Rússia,
gerada no Degredo e na Neve — pólo
branco e pólo negro da Dor!
Artista?! Loucura! Loucura! Pode lá
isso ser se tu vens dessa longínqua
região desolada, lá no fundo exótico
dessa África sugestiva, gemente,
Criação dolorosa e sanguinolenta de
Satãsrebelados, dessa flagelada
África, grotesca e triste, melancólica,
gênese assombrosa de gemidos,
tetricamente fulminada pelo banzo
mortal; dessa África dos Suplícios,
sobre cuja cabeça nirvanizada pelo
desprezo do mundo Deus arrojou toda
a peste letal e tenebrosa das
maldições eternas!
A África virgem, inviolada no
Sentimento, avalanche humana
amassada com argilas funestas e
secretas para fundir a Epopéia
suprema da Dor do Futuro, para
fecundar talvez os grandes tercetos
tremendos de algum novo e majestoso
Dante negro! (CRUZ E SOUSA, 1995,
p. 389 - grifos nossos).
Percebe-se aqui uma antítese no que se
refere ao branco representando ― ―o Europeu,
o cristianismo, a virtude, mas também a
esterilidade, o frio, a neve mortiferal. E o negro
representando ― o africano, a luxúria, o
pecado, o fetichismo, mas também a vida, a
fecundação, a força criadora – a dor‖
(COUTINHO, 1979, p. 167). Ao percorrer a
citação, vemos claramente os ecos da África
que são parte de um discurso das diversas
vozes africanas, tanto as vozes do colonizado,
quanto as vozes do colonizador.
Nesse momento percebemos que Cruz
e Sousa ―compõe o quadro, mais uma vez
dilacerado, da cena de suas origens perdidas e
uma alegoria da tragédia transcultural da
colonização‖ (FONSECA, 2002, p. 6). Assim,
essa África descrita e buscada pelo poeta, versa
sobre a ideia de lugar distante, mas que
possível de ser alcançada, e essa realidade só é
provável através de um ―Dante Negro‖ – de um
descendente que sabe e sente as agruras dos
seus – mas que, ao mesmo tempo, assinala um
emparedamento que o aprisiona e conduz a
uma vida cercada dos dogmas e paredes de
uma sociedade ―civilizada‖.
Essa imagem se é o signo de uma
sofrida ligação entre o poeta e seus
ancestrais, não conduz ao Continente
Negro, evidentemente, mas leva-o a
uma África de si mesmo e dos outros
que o compõem: leva-o à sua poesia,
22 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
que aspira à permanência, e ao seu
tempo e lugar – vividos para serem
superados. Tudo isso ocorre no
encontro/embate de Cruz e Sousa
com a tradição literária ocidental,
desembocada no Brasil, tradição
enriquecida com sua obra. É assim
que o poeta chega ao seu
emparedamento no corpo físico, por
sua vez emparedado pela sociedade, e
anseia pela expansibilidade do corpus
poético que o aprisiona e liberta
(FONSECA, 2002, p. 7).
Paralelo a isso, o poeta descreve o
sistema opressor que o oprime como poeta,
como filho de ex-escrava, que viveu sobre o
regime de dois mundos, – de um lado a
escravidão de seu pai e a liberdade de sua mãe
e, do outro, a regalia da casa do senhor branco.
Toda essa conjuntura o ajudou a ter
consciência de sua condição social, e não de
sujeitamento e omissão diante da realidade
que vivia. A criança que estudou, ―viveu como
branco‖, não permitiu escravizar sua origem e
esquecer seus antepassados, muito pelo
contrário. O jovem Sousa, revestido de
candura, ergue sua voz em defesa dos seus e de
sua Mãe África, espaço que tão bem o
representa, pois, assim como ele, sua Terra é,
também, um espaço dúbio, lugar de começo e
fim, de perda e reencontro, de escravidão e
libertação.
Por outro lado, a população burguesa,
mesmo ostentando todo ouro e prata, seus
argumentos são tão vazios, suas ações são tão
nefastas que adoecem da doença da alma, e,
com isso, não podiam desfrutar de sua beleza,
sua riqueza e ‗brancura‘. De acordo com o
poeta aquelas pessoas são de almas ―tão baixas,
de tão rasas que são nem merecem a
magnificência, a majestade do Inferno‖
(CRUZ E SOUSA, 1995, p. 375). Grafado com a
letra maiúscula, para não passar por
despercebido aos olhos do leitor o peso da
palavra, o peso da culpa dessa sociedade
omissa que emudece e se faz emudecer diante
de tanta dor, de cada cantar de chicotes que
ainda hoje os descendentes da mãe África
ouvem cantar e dançar os seus.
A mesma Mãe África, que um dia viu
seus filhos tornarem escravos; mães e pais
chorarem e gemerem por seus filhos levados na
escuridão da noite, hoje vê o regresso dos seus,
em busca de libertação, pois todos que se
orgulham de suas raízes retornam para lá para
comprovar sua luta e vitória sobre seu
opressor. ―O temperamento entortava muito
para o lado da África: — era necessário fazê-lo
endireitar inteiramente para o lado Regra, até
que o temperamento regulasse certo como um
termômetro!‖ (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 365).
4. À guisa de conclusão
Eis o nosso modo de ver e
compreender as relações África-Brasil
atravessado pelo olhar de Cruz e Sousa,
enveredado, não pelo caminho da unicidade,
mas, pela pluralidade de sentidos que emanam
da literatura. Portanto, poeta e homem, nessa
conjuntura do ambiente literário, podem
perfeitamente se fundirem para revelar e
desvendar os segredos e mitos da sociedade.
Ressaltando, sobretudo, o discurso articulado
do autor para o fator – resistência. Resultado
de seu emparedamento dentro de sua própria
pele.
É perceptível que o poema é munido de
algumas estratégias que servirão como uma
espécie de oposição e enfrentamento às
condições que os negros estavam submetidos,
além de uma reconstrução que será delineada
no poema pelo próprio autor como um resgate
da origem, cultura e valorização dos costumes
e tradições africanas. Deparamo-nos então
com uma ressignificação latente na nova
construção da África e uma desconstrução dos
23 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado”
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
estereótipos negativos evidenciados pela
sociedade brancocêntrica.
O texto pretendeu ser uma voz em
favor do negro e mostrar que esse discurso é
sustido pelo autor, principalmente, por sua
obra ser ―violentamente‖ armada, contra uma
sociedade dominante que não aceitava o
afrodescendente como um ser capaz de mudar
e transformar sua realidade e o poder vigente.
Transformações essas que tiveram que ser
traçadas com toda a força e voracidade
permitida na arte literária.
Evidenciando-se isso, o ―campo de
luta‖ travado no poema é sugerido por uma
espécie de agonia e dilaceração do poeta contra
a opressão que os afrodescendentes sofriam já
que o poema é uma batalha contra a opressão
sofrida no que se refere à classe, a cor e,
sobretudo a resistência desses homens tão
sofridos.
Contudo, Cruz e Sousa preocupa-se,
sobretudo, com as questões pertinentes a afro-
brasilidade e dialética entre o negro e branco,
como foi exposto no próprio artigo, que se
constituíram de forma desigual em nossa
sociedade. Todavia, não é incomum que esse
processo se desdobre de maneiras diferentes
entre esses dois grupos.
No que se refere às estratégias
abordadas pelo autor supracitado,
encontramos a reconstrução dessa base
cultural africana, seguida das tradições e
costumes herdados pelos afrodescendentes
precedida por esse discurso de resistência e
enfrentamento à condição estigmatizada e
moldada pela sociedade elitista. Além de haver
uma luta pela valorização do coletivo. Nessa
concepção, o negro na literatura se firmará
como sujeito do seu próprio discurso.
Deixando a cargo do leitor perceber as nuanças
do racismo brasileiro, enraizado no mito da
democracia racial
Por fim, nos deparamos com um
poema que não fugiu à tônica do seu tempo, e
até hoje resinifica as marcas profundas de uma
sociedade que se manteve, sobretudo ancorada
no bojo de uma cultura escravista; mas apesar
dessas marcas, Cruz e Sousa não se manteve
estigmatizado, pelo contrário, usou de sua arte
para transformar, reconstruir e resinificar sua
voz, cor, cultura e seu próprio país, berço de
sua origem, a África mãe, como foi
denominada pelo autor.
Assim, pretendeu-se explanar nesse
artigo, que o laço infindável deste (negro
brasileiro), com os de sua origem, delineou as
lembranças do poeta e de seus descendentes
com olhar bidimensional: de um lado tristeza
pela vida que tiveram, por tanto sofrimento,
por tanto sangue e lágrimas derramadas pelos
seus, quando um dia alguém decidiu torná-los
escravos. Por outro lado um olhar de
esperança, foi lá onde tudo começou, lá é
também seu ponto de recomeço, de nova
história, afinal o oprimido passou a gritar
liberdade, passou a dizer não às algemas da
opressão e do preconceito.
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RESISTÊNCIA NEGRA EM A VOZ DO
EXCLUÍDO DE MV BILL: O HIP HOP NA
CULTURA BRASILEIRA
Maria Adaljiza Xavier Santos e Rodrigo Reis Carvalho1
Kárpio Márcio de Siqueira2
RESUMO
O presente article apresenta o Hip Hop, em especial, o estilo rap, como exemplo de cultura
contemporânea de resistência negra. Para isso, escolheu-se o rap A Voz do Excluído de MV Bill como
objeto principal de investigação, isso por ser uma das letras que além de representar a afirmação de
uma identidade negra, emana intervir no exercício e na estrutura do poder político-cultural. Antes, foi
pertinente esboçar um breve percurso da difusão do negro no espaço brasileiro, amparando-se em suas
resistências às práticas de dominação do colonizador; sendo necessário, também, trazer algumas
informações de como o negro vinha/vem sendo representado nos discursos institucionais. A partir da
análise do corpus, A Voz do Excluído, foi possível perceber que os discursos presentes nos raps
brasileiros estão associados a questões históricas e sociais, assim, fica evidente que os manifestantes
do Hip Hop ao trazerem uma cultura, traz também suas histórias, passando a sensibilizar todos
aqueles que se prontificam a uma atenção a essa manifestação gritante, por contestar os discursos e
práticas racistas excludentes. A metodologia aplicada para elaboração desse trabalho se deu a partir de
pesquisa bibliográfica, tendo como fundamentação teórica os autores: Souza (2006), Andrade
(1999),André (2008), Santos (2009), Righi (2011); entre outros.
Palavras-chave: Hip Hop.Identidade Negra. Resitência. MV Bill.
The presente article shows the Hip Hop, in special, the rap style, as na axemple of contemporaneous
culture of black resitence. For that, we chose the rap A voz do Excluído by MV Bill as the main goal of
investigation, it was select because its message shows us the representation of the black identity
affirmation , and it also disturbs the cultural and political structures by its message. At first we talked
briefly about black people lives in Brazil, including their colonized historic context and how black
people had been describing by an Institutional speechs. From the analyses of the corpus, A voz do
Excluído, it was possible to noticed that the voices into these songs are envolved in social and historical
questions, then, it was marked that when the manifesting people of Hip Hop when they brought to us
themes of culture and history, they might sensibilizing everybody that heard their message that talks
about unspeechs, e excluding racial practical. The applying method in that work was based on
bibliografhic researching, and we use as the principal scientific theory source authors such as Souza
(2006), Andrade ( 1999), André ( 2008), Santos( 2009), Righi ( 2001) and others.
Key Words: Hip Hop.Black Identity. Resistence. MV Bill.
1
Graduandos em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia.
2
Professor da UNEB, Coordenador do Centro de Pesquisas em Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação –
OPARÁ, Mestrado em Crítica Cultural, pela UNEB. Graduação em Letras com Inglês, pela Faculdade de
Formação de Professores de Arcoverde.
26 Maria Adaljiza Xavier Santos, Rodrigo Reis Carvalho e Kárpio Márcio de Siqueira
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
Legitimar a violência da dominação dos
povos é uma forma de aliviar a culpa. É
transformar toda a violência, por mais
brutal que tenha sido, em algo aceitável
e humanamente necessário. Dizer, por
exemplo, que “os negros foram trazidos
para o Brasil porque o país precisava de
mão de obra” é o mesmo que dizer que
um criminoso matou para roubar
porque sua mãe precisava de um vestido
novo. A palavra “Brasil” esconde os
crimes e os criminosos (CUTI, 2010, p.
17-18).
Considerações iniciais
Na tradição literária brasileira é notório o
negro sendo enfatizado a partir de traços
contraditórios, e isso acabou refletindo na
formação discursiva de alguns críticos. Estes, ao
serem influenciados pelos discursos ideológicos
dos textos literários, passaram a apreciar a
produção literária somente pelo seu viés estético,
tendo como principal justificativa para seu estudo
“o valor especial das grandes produções: sua
complexidade, sua beleza, sua universalidade, e
seus potenciais benefícios para o leitor” (CULLER,
1999, p. 52).
Com o advento dos estudos culturais a
literatura ganhou um novo status social, além de
surgirem novas técnicas de análises surgiram,
também, novos objetos a serem apreciados: os
materiais culturais. Deste modo, compreendendo
a cultura como fonte imprescindível a ser
explorada, os estudos culturais, ao entrarem em
cena, dão ênfase às diversas identidades de grupos
que estão à margem da sociedade, dentre eles:
mulheres, imigrantes e minorias étnicas. São
estudos que criam perspectivas para que esses
grupos minoritários possam conquistar espaços
políticos culturais de prestígios, pois são grupos
que a alta literatura vinha representando como
incapazes de viver em espaços de alto escalão.
Em relação aos personagens negros na
literatura tradicional brasileira, encontramos
estes, em sua grande parte, sendo representados a
partir de imagens forjadas, carregadas de marcas
racistas e preconceituosas.
Quando se estudam as questões atinentes
à presença do negro na literatura
brasileira, vamos encontrar, na maior
parte da produção de autores brancos, as
personagens negras como verdadeiras
caricaturas, isso porque não só esses
autores negam a abandonar sua brancura
no ato da criação literária, por motivos de
convicções ideológicas racistas, mas
também porque, assim, acaba não tendo
acesso à subjetividade negra. Estar no
lugar do outro e falar como se fosse o
outro ou ainda lhe traduzir o que vai por
dentro exige o desprendimento daquilo
que somos (CUTI, 2010, p. 88).
Perante isto, com o intuito de
desmistificar os traços negativos sobre o negro
presente na literatura canônica, sobretudo, de
autores brancos, e de lutar contra os agentes
opressores é que as vozes de resistências vêm se
propagando. O próprio negro, ao dar ênfase à sua
verdadeira imagem histórica e contemporânea,
carregada de ideologia e resistência promissora,
vem “arrombando portas e janelas”, assumindo e
afirmando a todos a sua verdadeira identidade.
Após sermos instigados pelos discursos da
população negra, que vêm se firmando no país ao
longo da história literária brasileira, objetivamos
nesse artigo, discutir, de forma sucinta, algumas
práticas de resistência do afro-descendente. Para
isso, dividiremos o seguinte trabalho em dois
momentos: primeiro, traremos um breve histórico
da difusão do negro no espaço brasileiro
amparando-nos em suas práticas de resistências, e
seguiremos na descrição de como o negro está
inserido no Brasil contemporâneo; em seguida,
por ser uma manifestação contemporânea de
27 Resistência negra em A Voz do Excluído de MV Bill: o hip hop na cultura brasileira
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
resistência negra, nos pautaremos na cultura Hip
Hop, em especial, o estilo rap, e finalizaremos o
nosso trabalho com a análise das imagens
presentes no rap A Voz do Excluído de MV Bill –
uma das letras que, além de representar a
afirmação de uma identidade negra, busca intervir
nas estruturas de poder na sociedade.
A canção de MV Bill escolhida aqui como
objeto principal dessa produção faz parte das
diversas canções que vêm nos chamando a
atenção, pelo seu tom de incentivo à crítica aos
setores sociais responsáveis pela administração
pública, contribuindo para sensibilizar, não só a
população negra, mas também aqueles que
exercem o poder na sociedade. A partir dessa
reflexão, durante a análise do rap A Voz do
Excluído, procuraremos ver se a atitude de MV
Bill, na propagação de sua mensagem, pode ser
destacada como de resistência. Para isso,
analisaremos de que maneira as diferentes
imagens e representações (políticas, sociais) estão
representadas na canção, a fim de ratificar o poder
discursivo do rap para a construção de uma
sociedade justa e igualitária.
É valido destacar que as motivações para
esse trabalho surgiram a partir do 7º semestre do
curso de Letras Vernáculas, principalmente com o
contato que tivemos com a disciplina Literatura:
Crítica, História, Cultura e Sociedade. Foi
durante esta, que passamos a conhecer, cada vez
mais, alguns estudos que enfatizam o negro como
sujeito, e não somente como objeto literário. Ao
longo da disciplina retrocitada, fomos instigados a
uma produção cientifica voltada para a análise de
uma letra de rap. Foi uma das produções que mais
sentimos o prazer em produzir, pois envolvia
questões muito próximas da realidade atual, que é
a luta de resistência dos negros em busca de
melhores condições de vida, sobretudo destes que
vivem em situações precárias. Deste modo
atenção, aproveitamos o ensejo para
aprofundarmos nossos estudos ao ponto de
chegarmos à elaboração deste Trabalho de
Conclusão de Curso.
Essa produção está pautada em uma
pesquisa bibliográfica, e segue a normalização de
um artigo científico, guiado pelo livro Orientações
metodológicas: construindo trabalhos
acadêmicos e científicos, organizado por José
Humberto da Silva (2008). As principais
referências bibliográficas que serão utilizadas
como aporte teórico desse trabalho,
imprescindíveis para as nossas ponderações, são:
O negro no século XXI, de Luislinda Dias de
Valois Santos (2009); RAP e educação: RAP é
educação, livro organizado por Elaine Nunes de
Andrade (1999); Afro-descendência em Cadernos
Negros e Jornal do MNU, de Florentina da Silva
Souza (2006); A discriminação do negro no livro
didático, de Ana Célia da Silva (2004); Literatura
Negro-Brasileira, de Luis Silva [Cuti] (2010); O
ser negro: a construção da subjetividade em
afro-brasileiros, de Maria da Consolação André
(2008); Rap : ritmo e poesia – construção
identitária do negro no imaginário do RAP
brasileiro, de Volnei JoséRighi (2011); entre
outras. Esse levantamento teórico possibilita alçar
olhares sobre a condição do negro no Brasil,
regido sobre o olhar branco, bom e superior, além
de estar evidente que estes autores buscam dar
voz aos grupos de minoria, que ao longo do tempo
vem sendo postos à margem da sociedade
brancocêntrica, racista e etnocêntrica, que exclui a
imagem do africano como construtor de
conhecimento e detentor de uma rica herança
cultural. Assim sendo, com esse olhar que revela
as condições sócio-raciais que busca legitimar e
dar voz até então silenciada, coloca-se em
evidência que o homem negro conquista – com
muitos esforços – a outorgação de seus direitos,
fazendo cair o véu da submissão e exclusão social.
28 Maria Adaljiza Xavier Santos, Rodrigo Reis Carvalho e Kárpio Márcio de Siqueira
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
Um Brasil de resistência negra: ontem e
hoje
Sabe-se que o tráfico de negros, na época
da escravidão, ocasionou um redirecionamento
identitário, visto que a ação da imposição da
classe dominante obrigou-os a seguir
atitudes/tradições que não faziam parte da sua
cultura, e sim da cultura dos colonizadores
(ANDRÉ, 2008). Para André (Ibidem)
O negro ao ser arrancado de suas raízes e
vendido, em praça pública, como objeto
(era vendido como peça leiloada) teve seu
universo de significação retalhado. Ao ser
separado de seus iguais teve a sua
comunicação impossibilitada. A
estratégia de separá-los foi eficaz, pois
estando, misturados em diversas nações
nem sempre era possível a compreensão
linguística, sendo forçado a tentar
aprender a língua do colonizador (p. 95-
96).
O fato de os negros serem impedidos de
manifestar sua cultura começou no período em
que, ainda, eram escravizados, pois, além de
serem submetidos ao trabalho desumano, eram
ainda separados dos seus parentes e/ou amigos
sendo difícil a comunicação com falantes de outra
língua. O colonizador tendia à fragmentação dos
grupos de negros para que estes não se
organizassem, a fim de romper com o sistema
cruel da escravidão. Com isso, o negro passou a ter
contato, cada vez mais, com outros grupos que
detinham uma identidade histórica e cultural
diferente da dele, e, além disso, passou a ser
submetido à cultura do poder dominante.
Sabemos que o indivíduo estando exposto
a outras culturas e em contato direto com outras
etnias, trocando experiências, passa a ter sua
identidade abalada. Sobre identidade, André
(2008) define a construção desta como um
processo que advém do campo individual e
coletivo.
Individualmente, a pessoa vai se
desenvolvendo como unicidade,
marcando cada momento de sua jornada
particular. Como ser social, passando por
diferentes grupos (família, escola,
amigos, trabalho e outros contextos), faz
trocas de aprendizagens, identificando-se
com umas, rejeitando outras e, a partir
destas identificações, desenvolve
sentimentos de pertencimento ou não
pertencimento a esses grupos (ANDRÉ,
2008, p. 102- 103).
No período brusco da escravidão, a
cultura do negro foi impedida pelos colonizadores
de ser praticada, tentaram impor uma
cultura/costumes que, até então, eram
desconhecidos pelos negros. Assim, forçavam a
produção de uma falsa identidade. Porém, nota-se
que a formação da identidade do negro no espaço
brasileiro não se constituiu como ambicionada
pelos colonizadores, pois, apesar de ter sido
impedido de expressar seus costumes culturais e
de ser aceito socialmente, houve aqueles que não
se desvincularam de sua cultura, resistindo à
imposição do poder dominante, isso fez com que
se formasse uma identidade negra brasileira.
Uma das manifestações culturais
pertencente à identidade do negro e que faz parte
do panorama das religiões africanas vítimas de
perseguições é a cultura do candomblé. Esta é
uma religião “resultante da reinterpretação das
várias cosmovisões africanas que, durante quase
cinco séculos de escravidão, foram trazidas
daquele continente para o Brasil” (TEIXEIRA,
2009, p. 120). No país, em seu período
escravocrata, esta cultura religiosa foi coibida de
ser praticada.
Durante o período escravagista, a religião
oficial do Brasil era a católica e esta era
imposta aos escravos, não lhes sendo
dado o direito de praticar sua religião. O
poder público não aceitava o candomblé;
pelo contrário, tinha-o como
contravenção penal e jamais como
religião praticada por seres humanos
(SANTOS, 2009, p. 57).
29 Resistência negra em A Voz do Excluído de MV Bill: o hip hop na cultura brasileira
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
Devido a essa aversão do poder
dominante em aceitar a manifestação dos rituais
do candomblé no espaço brasileiro, a cultura
desse povo foi subjugada, colocada como inferior,
nesse caso, proibida de ser praticada e propagada.
Assim, foi-lhes imposta a cultura e a religião dos
brancos, o catolicismo, usado como manifestação
de poder e resistência dos sustentáculos do mito
da democracia racial. Partindo deste pressuposto,
percebe-se que os negros foram impossibilitados
de cultuar sua crença e costumes, sendo obrigados
a fazer da sua, uma cultura clandestina.
Além da cultura do candomblé, há outras,
que ao fazer parte do panorama das culturas
africana, vêm representar para o negro, traços de
sua identidade, por exemplo: a capoeira e o
samba-de-roda. Estas são algumas das
manifestações culturais que sobreviveram ao
longo do tempo, e que, de acordo com Andre
(2008), além de serem praticadas “como meio de
divertimento”, era também a forma dos negros
expressarem a sua história, pois “faziam parte de
suas origens” (ANDRÉ, Ibidem, p. 97).
Entretanto, a capoeira, por exemplo, foi vista por
muitos como um ato de rebeldia, aqueles que o
praticava era denominado pelos colonizadores
como marginais.
Essa ideia equivocada de que a capoeira
seria sinônimo de marginalidade foi
desmistificada, hoje é uma cultura aceita pela
sociedade, e está a cada dia fazendo parte da
cultura de muitos, isto por ser uma forma de
divertimento e por provocar o bem estar físico e
emocional daqueles que a praticam.
É pertinente realçarmos, mais uma vez,
que o negro, durante o processo escravocrata, não
se manteve inerte, houve resistência contra a
violência de dominação, contra a imposição da
cultura dominante, como exemplo, a atitude de
fuga dos negros e a constituição das comunidades
quilombolas.
Os quilombos eram núcleos
populacionais formados por escravos
fugitivos. Nesses locais eles resistiam à
escravidão e defendiam a liberdade;
homens e mulheres tentavam reconstituir
nos quilombos as várias versões de uma
vida comum: realizavam festas,
plantavam, coletavam, pescavam,
caçavam e praticavam transações
econômicas possíveis (PINTO, 2006, p.
172).
Nas palavras de Righi (2011), os
quilombos
[...] eram propositalmente localizados em
lugares de difícil acesso, geralmente
fortificados e escondidos no meio das
matas, e bem afastados dos centros
urbanos. Essas características
estratégicas dos Quilombos levam-nos a
identificá-los como uma espécie de
guetos, absolutamente segregados e
marginalizados pela sociedade, mas um
local de reconhecimento e de
identificação entre seus iguais (p. 41).
Foi nos quilombos que os negros
encontraram liberdade para exercer sua cultura
que até então vinha sendo interrompida. Um dos
mais conhecidos foi o Quilombo dos Palmares,
que teve como líder Zumbi, um ícone de
inspiração para muitos estudiosos na
reconstituição do passado histórico da diáspora
negra, isto por ter sido uma figura de resistência
contra as práticas de dominação impostas pelos
escravocratas.
Conforme Silva (J.,2004),
Onde quer que tenha existido [...], o
quilombo sempre foi modelo de
inspiração para a rebeldia dos africanos
escravizados e dos afro-descendentes no
mundo. É este exemplo de luta que serviu
de fonte de inspiração para organizações
negras no Brasil do período pós-Abolição
e que foi retomado na década de setenta
pelas entidades negras contemporâneas.
(p. 41)
30 Maria Adaljiza Xavier Santos, Rodrigo Reis Carvalho e Kárpio Márcio de Siqueira
Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465
Mesmo depois de muitas lutas, e apesar
da inserção da Lei Áurea, lei que entrou em vigor
em 1888 e que objetivou o direito aos negros de
viverem livres, vê-se que as manifestações de
resistências dos afro-descendentes ainda vieram
se propagando no país, isto por não terem sido
aceitos como cidadãos comuns.
De acordo com Souza (2006),
Os efeitos e desdobramentos da citada lei
podem ser observadas, nos finais do
século XX, quando jovens negros e
mestiços, de sexo masculino, são
solicitados, pela polícia, a apresentar
carteira de trabalho assinada, sob pena de
serem presos por vadiagem ou por
“suspeita”. Permanece, pois, a tentativa
de controle autoritário e indevido da
circulação dos afro-brasileiros em
espaços ou momentos que não lhes são
“permitidos” (p. 34).
Atualmente, há muitos negros morando
em periferias, sendo explorados no mercado de
trabalho, ocupando profissões subalternas e sendo
mal remunerados. Assim, continuam sendo alvo
de uma política conservadora, que infelizmente
privilegia os traços sórdidos da escravidão,
fazendo com que o negro torne-se cada vez mais
invisível.
Segundo Souza (2006), essa invisibilidade
Manifesta-se, ainda, na incapacidade de
enxergá-lo fora dos papéis sociais a ele
destinados pela sociedade. Em
determinados papéis, a presença do afro-
descendente é “naturalizada”; na maioria
das cidades brasileiras vê-se como
“normal”, por exemplo, um número
majoritário de negros exercendo funções
de subalternidade em empregos de baixa
remuneração, circulando pelo centro da
cidade e pelos chamados bairros nobres
no exercício de tais funções, situações em
que quase não são notados como pessoas,
fazem parte do cenário – são invisíveis (p.
35).
Essas elucidações de Souza confirmam os
traços de inferiorização arraigados desde o
período escravocrata, em que o negro sempre foi
visto como subalterno e inferior, cabendo-lhes
somente o menosprezo por parte de uma
sociedade excludente.
Representações do negro na sociedade
contemporânea
A Lei Áurea não garantiu a liberdade do
cidadão negro de ir e vir, pois ao exercerem
profissões desumanas continuam preservando as
marcas da escravidão. E é nessa mesma linha de
contradição legislativa que a Constituição Federal
de 1988 – lei suprema do nosso país – acaba
também se estabelecendo, inclusive quando, no
artigo 3.º, versa a construção de “uma sociedade
livre, justa e solidária”, elucida “erradicar a
pobreza e a marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais”, e,
principalmente, quando salienta “promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação” (BRASIL, 1988, p. 2). Não é isso
que ocorre na prática. A diferença é notável, tanto
nos direitos que não são iguais, quanto na justiça,
uma vez que, a lei do negro é diferente da lei
aplicada ao branco. Com essa aplicabilidade
injusta da lei que propaga a igualdade, os pobres e
negros estão ficando cada vez mais reféns de um
sistema que somente beneficia os que têm um
melhor poder aquisitivo, geralmente os brancos.
Conforme André (2008)
O privilégio econômico, político,
ideológico e sócio-cultural do branco está
imbricado com a divisão social e
funcional que dá acesso ao trabalho, à
educação, à saúde, ao lazer, o que torna
mudanças ou transformações, no plano
estrutural da sociedade e no plano de
distribuição de renda e de recursos,
processos que possivelmente darão, em
sua maior parte, conquistas ao
seguimento branco. (p. 152)
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Opará Revista vol. 2 julho/2014

  • 1. ETNICIDADES, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO ANO 1, VOL. 2, JUL./DEZ. 2013
  • 2. Opará REVISTA DO CENTRO DE PESQUISAS EM ETNICIDADES, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO ISSN: 2317-9465 ETNICIDADES, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
  • 3. OPARÁ - REVISTA CIENTÍFICA DO CENTRO DE PESQUISAS EM ETNICIDADES, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO ANO 1, V.2,JUL ./DEZ. 2013. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB REITOR: LOURISVALDO VALENTIM DA SILVA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – DEDC VIII DIRETOR: PROFº M.E DORIVAL PEREIRA OLIVEIRA CENTRO DE PESQUISAS EM ETNICIDADES, MOVIMENTOS SOCIAIS E EDUCAÇÃO COORDENADOR: PROFº M.E KÁRPIO MÁRCIO DE SIQUEIRA COMITÊ EDITORIAL DORISVAN DE LIRA OLIVEIRA FLORIZA MARIA SENA FERNANDES JAILMA MARIA DA SILVA KÁRPIO MÁRCIO DE SIQUEIRA MÁRCIO NICORY COSTA SOUZA COMITÊ CIENTÍFICO-CULTURAL PROFª DRª CARLA LIANE NASCIMENTO SANTOS - UNEB–CAMPUS I PROFº M.E CARLOS ALBERTO BATISTA – UNEB CAMPUS II PROFª DRª ELIANE DE SOUZA NOGUEIRA - UNEB–CAMPUS VIII PROFª DRª ÉRIKA DOS SANTOS NUNES – UNEB CAMPUS VIII PROFºDRº JOSÉ AUGUSTO LARANJEIRAS – UNEB–CAMPUS I PROFº DRº JURACY MARQUES – UNEB- CAMPUS II PROFª DRª LÍDIA MARIA PIRES SOARES CARDEL – UFBA PROFª DRª MARIA ANÓRIA DE JESUS OLIVEIRA – UNEB - CAMPUS II PROFª DRª MARIA CLEONICE DE SOUZA VERGNE– UNEB/FASETE PROFº M.E MARCELO POLITANO - UNEB PROFº DRº MARCOS LUCIANO MESSEDER - UNEB PROFº DRº SÉRGIO L. MALTA DE AZEVEDO – UFCG/FASETE PROFª DRª VANUSA SOUSA ALMEIDA – UEFS ALZENI TOMÁZ -NECTAS/UNEB EDVALDA LINS AROUCHA– AGENDHA MAURÍCIO LINS AROUCHA – AGENDHA OSWALDO DE CAMARGO – JORNALISTA E COORDENADOR DE LITERATURA DO MUSEU AFRO-BRASIL EDITORAÇÃO COMITÊ EDITORIAL MONITORES CAMILA GABRIELLE DA SILVA JÉSSICA NAYARA ANDRADE DOS SANTOS MILENA ANDRADE DOS SANTOS PAOLA DE MORI SANTIAGO MOZART COLABORAÇÃO PROFª M.A JAILMA MARIA DA SILVA PROFº M.E KÁRPIO MÁRCIO DE SIQUEIRA PROFº M.E MÁRCIO NICORY COSTA SOUZA PROFº DRº SÉRGIO GONÇALVES RAMALHO CRÉDITOS DA FOTO DE CAPA: JOÃO ZINCLAR (1957-2013)
  • 4. Sobre a Revista OPARÁ: Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação é um periódico, em formato eletrônico, voltado à publicização de artigos científicos e pesquisas em variadas áreas do conhecimento (tais como: História, Educação, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Geografia Humana e Cultural, Direito, Ecologia Humana, Letras, Pedagogia), bem como a divulgação de produções culturais. Tem como objetivo a elaboração de edições temáticas visando contribuir com análises e estudos nas áreas de educação, cultura, política, dinâmicas sociais, ecologia, etnicidades, movimentos sociais etc. Política da Revista A Opará: Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação é uma publicação semestral em várias áreas do conhecimento (tais como: História, Educação, Sociologia, Ciência Política, Antropologia, Geografia Humana e Cultura, Direito, Ecologia Humana, Letras, Pedagogia), do Centro de Pesquisas em Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação – Opará, situado no campus VIII – Paulo Afonso da Universidade do Estado da Bahia – UNEB. Aberta ao debate científico, a Opará:Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação é um veículo plural de divulgação dos resultados de pesquisas científicas em diversas áreas do saber. Publica, preferencialmente em português, artigos originais, resenhas críticas, crônicas e outras produções culturais. Serão bem-vindas todas as contribuições e colaborações versadas nas diversas disciplinas das Humanidades, bem como as produções artístico-culturais, sejam sob a forma de resultados de pesquisas teóricas ou empíricas ou estudos, ensaios, investigações-reflexões históricas e/ou filosóficas. A responsabilidade sobre as afirmações e conceitos apresentados nos textos assinados é dos seus autores. Comitê Editorial
  • 5. Editorial No mundo contemporâneo a realidade e o cotidiano tornam-se cada vez mais reféns da mídia, de sua espetacularização e capacidade de produzir o isolamento e a introspecção das pessoas e de seus sentidos de existência, simplificando e esvaziando os conteúdos da realidade. Neste cenário, dominado pela ciência e pela técnica, o passado e o futuro parecem desaparecer frequentemente, cedendo lugar para a sedução do imediatismo, do aqui e do agora, de um presente eterno e sem memória quando em muitos casos os acontecimentos parecem anular o pensamento. Há uma certa acomodação e rejeição velada e consciente do ato de pensar. Nesse contexto, como escrever criticamente de forma tradicional no papel impresso? Como ter a ousadia de manter uma revista na chamada “periferia” do fazer cientifico? E o sertão produz ciência? Sem querer a vitimização como forma de identidade, ainda prevalece uma certa construção histórica do sertão como lugar nenhum e sem vida, visão que vem se rompendo de dentro pra fora e de fora para dentro. Se a tecnociência desumaniza os processos e a ação isola os sujeitos no vazio da máquina, teremos leitores para este tipo de comunicação? Mais perguntas do que pretensas respostas. A tecnologia e seus avanços configuram o cotidiano de parcelas significativas da população. Contudo, tem gente que ainda não está conectado nem com o ato de ler e escrever, mas consegue entender o mundo com outras linguagens, sentidos e significados. A revista Opará continua neste circuito da teimosia criativa da alma humana que não se nega ao novo, entretanto, não despreza velozmente os saberes, as construções reais e populares de produzir, problematizar as formas de conhecimento. Textos, frutos da experiência de pesquisadores, educadores e educadoras, a 2ª edição da Revista Opará vem confirmar que, apesar do pretenso vazio mediático, ainda persistem os sujeitos da historia, cujos sonhos e pensamentos, encarnados no sertão, falam do povo, de classes, de resistência, de educação contextualizada, de tecnologia, saberes e conhecimentos tradicionais e populares. Sem saudosismo romântico, ufanismo endeusador dos modernos produtos informacionais, a revista segue do sertão, do litoral, com seus limites, mas com o anúncio que a vida de grupos tradicionais e considerados minoritários e suas lutas não podem ser esvaziados e desqualificados pela comunicação mercadológica. A revista revela uma postura política de governança científica e popular da comunicação. Ela é um valioso e amoroso esforço de socializar o conhecimento construído e alimentado pela sociedade. Tudo tem sua trajetória e memória.Nada de fatalismo, do acaso. Apesar de um certo pragmatismo, os sonhos humanos ainda alimentam e pulsam com luz discreta do sol e da lua, e estes refletem os mistérios e encantos das águas do rio e do povo que alimenta a esperança encarnada nas ações as quais suavemente pemeiam a brisa, o quão misteriosamente anuncia o novo que teima em nascer. Dorival Pereira Oliveira Diretor do Departamento de Educação de Paulo Afonso – BAHIA – campus VIII
  • 6. Apresentação É com grande satisfação que lançamos o volume 2 da Opará. Depois de muitas submissões e de um laborioso esforço da equipe de seleção, revisão e editoração, apresentamos a todos os interessados o resultado deste trabalho sob a forma de uma compilação de artigos. As contribuições são diversas, como no primeiro volume, versando sobre variadas temáticas: literatura negra, letramento e alfabetização, ensino e aprendizagem, formação docente, economia solidária, movimentos sociais e religiosidade, sociologia/antropologia rural e urbana etc. Assim, escrevendo sobre o poeta Cruz e Souza, os autores Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira, em trabalho intitulado Cruz e Souza: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em ‘emparedado’, propõem uma análise de parte da obra desse poeta, procurando elucidar suas concepções e discursos de resistência e autoafirmação dos afro-brasileiros. Analisando uma canção de MV BILL, o artigo de autoria de Maria Adaljiza Xavier Santos, Rodrigo Reis Carvalho e Kárpio Márcio de Siqueira, Resistência negra em A voz do Excluído de MV Bill: o hip hop na cultura brasileira, procura mostrar, a partir de um esboço sobre a difusão do negro no espaço social brasileiro, que os discursos presentes nos raps brasileiros estão associados a questões históricas e sociais. Em seguida, apresentamos neste volume também uma contribuição de Sérgio Gonçalves Ramalho, intitulado Alfabetização e letramento: (re)descobrindo conceitos, que tem a intenção de tecer breves considerações, a partir da discussão dos conceitos de alfabetização e letramento, sobre a importância destes para o ensino-aprendizagem. Somam-se também os artigos de Natalina Assis de Carvalho, Narrativas de professores rurais: trajetórias e fazer pedagógico no município de Baixa Grande Bahia, e de Edilma Cavalcante Santos Menezes e Clécia Simone Gonçalves Rosa Pacheco, intitulado A arte de educar as crianças do povo Entre Serras Pankararu: uma discussão no ensino e aprendizagem. Aquele, como recorte de pesquisa, apresenta uma discussão sobre a profissão docente em espaços rurais, destacando a questão da formação de professores e suas práticas pedagógicas; o segundo, a partir de uma investigação de cunho exploratório e qualitativo sobre o povo Entre Serras Pankararu, tem como objetivo apresentar o modo de ensinar e aprender das crianças indígenas, a importância dos conhecimentos tradicionais e o reconhecimento identitário associado a estes. O artigo Do singular ao plural: indicadores de sustentabilidade na economia solidária, da autoria de Vinícius Gonçalves dos Santos, João Matos Filho, Marilia Medeiros de Araujo, Débora Chaves Meirelles e José Aldenir da Silva, a partir de uma análise bibliográfica, procura propor parâmetros de compreensão da dinâmica da sustentabilidade na economia solidária. No âmbito das discussões realizadas pela Sociologia/Antropologia rural e urbana, apresentamos os artigos de Márcio Nicory Costa Souza, Nos rastros para pensar a cidade: de metáforas à reflexão sobre a condição urbana, e o de autoria de Floriza Maria Sena Fernandes, Memória, fé e movimentos sociais em Canudos. O primeiro tece considerações sobre a cidade e o urbano, a partir de análise da obra de João do Rio, “A alma encantadora das ruas”, e de um aporte teórico sobre as urbanidades. O segundo apresenta uma breve análise do catolicismo
  • 7. popular vivenciado em Canudos, antes e depois da experiência de Belo Monte de Antônio Conselheiro na segunda metade do século XIX. Na interface da História e da Sociologia do trabalho, completa esta discussão sobre as experiências no/do urbano, discutindo a categoria “vendedor ambulante”, o trabalho de Pablo Mateus dos Santos Jacinto e Carla Liane do Nascimento dos Santos, Contribuição histórica para a representação social da categoria dos vendedores ambulantes pela população de Salvador. Encerram este volume os trabalhos de Geórgia de Castro Machado Ferreira, Uma abordagem do rastafarismo nos moldes da psicologia social, e o de Joelma Boaventura da Silva Bomfim, Casamento realizado em terreiro de Candomblé. Aquele tem como objetivo uma análise sobre movimento urdido nas favelas de Kingston, Jamaica, o rastafarismo, a partir dos discursos veiculados nas letras de Reggae; o segundo, procura discutir o reconhecimento dos efeitos civis do casamento realizado em cerimônias de Umbanda e Candomblé. Neste volume, renovamos os votos de boas leituras, reiterando o quanto estes artigos refletem diversidade e o quanto esta diversidade se amalgama nos esforços do trabalho coletivo aqui materializado. Comitê Editorial.
  • 8. Sumário Sobre a revista / Política da Revista 3 Editorial 4 Apresentação 5 Artigos: 1 Cruz e Souza: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em ‘emparedado’ Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira 9 2 Resistência negra em ‘A voz do Excluído de MV Bill: o hip hop na cultura brasileira’ Maria Adaljiza Xavier Santos, Rodrigo Reis Carvalho e Kárpio Márcio de Siqueira 25 3 Alfabetização e letramento: (re)descobrindo conceitos Sérgio Gonçalves Ramalho 39 4 Yêda Pessoa de Castro e a sua contribuição para a inclusão dos estudos africanos nos currículos escolares da Bahia: a experiência da década 1980. Cristiane Copque da Cruz Santos de Santana 5 Narrativas de professores rurais: trajetórias e fazer pedagógico no município de Baixa Grande Bahia Natalina Assis de Carvalho 51 71 6 A arte de educar as crianças do povo Entre Serras Pankararu: uma discussão no ensino e aprendizagem Edilma Cavalcante Santos Menezes e Clécia Simone Gonçalves Rosa Pacheco 80 7 Do singular ao plural: indicadores de sustentabilidade na economia solidária Débora Chaves Meirelles, João Matos Filho, José Aldenir da Silva, Marilia Medeiros de Araujo e Vinícius Gonçalves dos Santos 8 Nos rastros para pensar a cidade: de metáforas à reflexão sobre a condição urbana Márcio Nicory Costa Souza 9 Memória, fé e movimentos sociais em Canudos Floriza Maria Sena Fernandes 10 Contribuição histórica para a representação social da categoria dos vendedores ambulantes pela população de Salvador Pablo Mateus dos Santos Jacinto e Carla Liane do Nascimento dos Santos 96 108 124 140
  • 9. 11 Uma abordagem do rastafarismo nos moldes da psicologia social Geórgia de Castro Machado Ferreira 13 Casamento realizado em terreiro de Candomblé Joelma Boaventura da Silva Bomfim Normas para submissão na Opará 150 170 184
  • 10. CRUZ E SOUSA: O NEGRO COMO SUJEITO ENCURRALADO – UM DIÁLOGO DE RESISTÊNCIA EM “EMPAREDADO” Arlete Miranda Amancio1 Joanna Souza de Miranda2 Kárpio Márcio de Siqueira3 RESUMO Essa tessitura tem por intuito elucidar concepções acerca do poeta Cruz e Sousa e seu discurso de resistência em ―Emparedado‖, última parte do livro Evocações (publicado em 1898), que adentra em seu poema em prosa o discurso pioneiro de autoafirmação e/ou resistência às agruras sofridas pelos afro-brasileiros. Pretendeu-se, ainda, realçar que o autor negro abriu mão de seu discurso individual para exteriorizar um discurso coletivo, além de enfatizar que o poeta utilizou-se de um discurso de defesa do grupo, ao qual pertenceu, abalando o mascaramento de uma identidade una e coesa. Para tanto, o trabalho perpassou por estudo historiográfico/literário para revelar uma sociedade omissa que, durante séculos, tentou apagar e/ou desqualificar as múltiplas vozes oriundas das margens do tecido social. E, em sua consequência, mantém-se, com a teoria do branqueamento intacta, a cortina de silêncio que cala as vozes manifestantes e/ou reveladoras da outorgação dos direitos dessa cultura racial. Neste sentido, nosso trabalho se pautou, inicialmente, por um levantamento bibliográfico, através de um olhar literário, seguido pela análise do poema em prosa ―Emparedado‖. Para tanto, foram utilizados, como base teórica, trabalhos conceituais sobre identidade negra e literatura afro- brasileira, sob a luz dos estudos de: Cuti (2009; 2010), para fazer um percurso da literatura negra no Brasil, pelas teorias do branqueamento e pelo discurso de resistência dos afrodescendentes; Cesco(2011), que traz importante análise do poema ―Emparedado‖; Fonseca (2002), por fazer relação entre literatura e raça na obra de Cruz e Sousa; Souza (2004), por tratar de espaços de divulgação e expansão da literatura produzida por negros e Correia (2010), que teoriza sobre subalternidade e (in) visibilidade do homem negro. Dentre outros teóricos que nos ajudaram a compor esse artigo. Desse modo, através desses estudos, pudemos comprovar que o poeta se apropriou de suas vivências individuais para produzir um discurso de luta coletiva em prol dos afrodescendentes, tornando, por conseguinte, seu poema em obra singular e instrumento de desmascaramento do preconceito velado da sociedade elitista. Palavras-chave: Literatura afro-brasileira. Cruz e Sousa. ―Emparedado‖. Vozes de resistência. ABSTRACT This contexture is meant to elucidate conceptions of the poet Cruz e Sousa and his discourse of resistance in "walled" Evocations last part of the book (published in 1898), which enters in his prose poem speech pioneer of self-affirmation and / or resistance to the hardships suffered by African- Brazilian. It was intended to also highlight that the author gave up his black individual speech to externalize a collective discourse, and emphasize that the poet used the discourse of defense of the group to which he belonged shaking masking the identity of a united and cohesive. Therefore, the work 1 Graduanda do Curso de Letras Vernáculas, participante do grupo de pesquisa ‘Literatura e Diversidade Cultural: imaginário, linguagens e imagens’ – liderado pela Professora Andréa do N. Mascarenhas Silva – UNEB/Campus XXII, e cadastrado no CNPq. 2 Graduanda do curso de Letras Vernáculas. 3 Professor da UNEB, Coordenador do Centro de Pesquisas em Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação – OPARÁ, Mestrado em Crítica Cultural, pela UNEB. Graduação em Letras com Inglês, pela Faculdade de Formação de Professores de Arcoverde.
  • 11. 10 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 pervaded by historiographical study / literature to reveal a silent society that for centuries tried to delete and / or disqualify multiple voices coming from the margins of the social. And in its consequence, keeps up with the theory of bleaching intact the curtain of silence that silences the voices protesters and / or revealing the outorgação rights that racial culture. In this sense, our work is guided initially by a literature through a literary look, followed by analysis of the prose poem "bricked". So, were used as theoretical base conceptual works about black identity and African-Brazilian literature, in light of studies: Cuti, (2009, 2010), to make a journey of dark literature in Brazil, the theories and the bleaching discourse of resistance of African descent; Cesco (2011), which brings important analysis of the poem "bricked"; Fonseca (2002), by making race relationship between literature and the work of Cruz e Sousa, Souza (2004), for dealing with spaces expansion and dissemination of literature produced by black and Correia (2010), which theorizes about subalternity and (in) visibility of the black man, among other theorists who have helped us make this article . Thus, through these studies we can prove that the poet has appropriated their individual experiences to produce a discourse of collective struggle in favor of African descent, making therefore work in his poem and natural tool for unmasking of prejudice veiled elitist society. Keywords: African-Brazilian Literature. Cruz e Sousa.―Immured‖.Voices of resistance. INTRODUÇÃO Assim como a fronteira compartilha um lado e outro, o processo indiviso da vida inclui tanto a situação de estar confinado quanto a de estar ultrapassando o confim (Georg Simmel) Esse trabalho tem como intuito analisar uma temática bastante polêmica da literatura brasileira: os afro-brasileiros e seu discurso de resistência e/ou enfrentamento à sociedade ―brancocêntrica4‖ que sempre estiveram presentes em nossa literatura, mas sem gozar de visibilidade. A análise tem como corpus o poema em prosa ―Emparedado‖, publicado em 1898, poema que compõe o livro Evocações, de Cruz e Sousa. Este, com seu discurso pioneiro pelos ideais libertários de seus descendentes, se configura como personagem responsável pela formação do paradigma atual, validando o espaço e a identidade social, racial e cultural do discurso pós-moderno. Vale enfatizar que tudo isso acontece num espaço sem saídas, onde o ―poeta‖ e o ―eu-lírico‖ ―encontram-se presos entre quatro paredes, emparedados dentro dos 4 Cf. conceito expresso por Cuti (2010). seus sonhos‖ (CESCO, 2011, p. 2 - grifos nossos). Dessa maneira, faz-se saber: João da Cruz e Sousa nasceu na cidade de Desterro, atual Florianópolis, no estado de Santa Catarina, em 24 de novembro de 1862, era filho de ex-escravos, mas por ter vivido sobre a proteção dos antigos proprietários de seus pais (os quais demonstravam-lhe apreço), acabou tendo uma educação de qualidade, no entanto, Cruz e Sousa sofreu diversos preconceitos por ser negro, mas esse fato não o fez desistir de seus ideais e seus desejos pessoais e profissionais. Veio a falecer em Sítio, uma vila do interior do Estado de Minas Gerais, em 19 de março de 1898 (VILARINHO, 2012). Nesse sentido, pretende-se ratificar que no poema ouve-se o grito de libertação que surge, não da voz de um branco que fala do negro e se coloca como o libertário dos afrodescendentes, mas, sim, de um negro que abre mão de seu discurso individual para exteriorizar um discurso coletivo. Assim, no âmbito poético e ficcional, o poeta explora e expõe sua consciência do trauma coletivo e de suas consequências na vida cotidiana. Com base na transformação da literatura como objeto simbólico de luta dos grupos de minoria, que visa legitimar uma mescla entre
  • 12. 11 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado” Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 as culturas África-Brasil, analisaremos nosso corpus escolhido, bem como os recursos utilizados pelo poeta para, através de seu discurso individual, outorgar o discurso social, colocando a ―mãe‖ África como berço da formação do povo brasileiro, mas que teve sua identidade subjugada com a teoria de inferioridade das raças. O que nos levou a debruçar sobre essa temática foi a priori a afinidade com o tema e por nos possibilitar adentrar as zonas de contato de raças, cultura e sociedade, intimamente vinculadas ao contexto de África- Brasil que penetra nos discursos atuais, para visibilizar uma cultura há tempos silenciada e desprestigiada pela cultura europeia. Além disso, nosso interesse com o tema foi despertado ao longo do componente curricular ―Literatura Afro-Brasileira5‖. A importância desse trabalho se dá em podermos mostrar como ocorreu a luta dos grupos afrodescendentes pela legitimação de seus direitos, os quais utilizaram para viabilizar através da força de expressão que é a literatura. Não obstante, o Campus não possuir muitos trabalhos voltados para a temática, sobretudo, sobre nosso grande poeta simbolista Cruz e Sousa, podendo, então, ser usado como referência bibliográfica para futuros trabalhos. O procedimento metodológico utilizado foi o levantamento de obras que tratassem da vertente literária denominada literatura afro- brasileira. Nesse caso, a pesquisa bibliográfica consiste basicamente na ―recuperação dos dados impressos (‗de papel‘) ou dos arquivos eletrônicos (‗bits de informação‘) desenvolvendo uma investigação científica, 5 Disciplina presente na grade curricular do curso de Letras Vernáculas, ministrada pelo professor Ms.: Orlando Freire Júnior, o qual agradecemos pelo compromisso e entusiasmo com que ministrou essa disciplina. desde a preparação à execução do trabalho‖ (KOCHE, 1997, p. 48). Seguida da escolha e análise do poema em prosa Emparedado disponível no livro Evocações, bem como o levantamento bibliográfico que nos auxiliaram em tal análise. Para tanto,ao longo desse artigo utilizaremos os estudos realizados pelos críticos literários Cuti (2009), que nos servirão como um tripé para mostrar o percurso do negro na literatura brasileira, enfatizando que as obras literárias que surgiram no Brasil com a temática do negro, estão intimamente ligadas à política e ao contexto de produção em que foram criadas. Ainda na visão de Cuti(2010), o negro é retratado como desonesto e, principalmente submisso ao poderio do branco – bom e justo – , ou quando se refere à mulher negra, essa é tratada como objeto sexual que serve apenas para agradar e satisfazer as necessidades sexuais dos brancos. Assinalando, consequentemente, a invisibilidade do negro, não somente na literatura, mas também nos espaços elitistas da sociedade. Correia (2010) com a leitura sobre as vozes e subalternidade do afro-brasileiro no poema e a reafirmação da África como espaço de riqueza cultural e, com isso, o negro se firma como sujeito de seu próprio discurso. Souza (2004) dialoga sobre as brigas travadas pelos grupos de minoria para garantir representações nas diversas esferas da sociedade, frente as suas manifestações discursivas sobre: ―cultura, arte, comunicação e identidade‖ e, sobretudo, nos espaços para divulgação de suas produções literárias. Dentre outros, que passearão pela composição desse trabalho. O estudo está estruturado em três partes. A Parte I, literatura afro-brasileira – um discurso de resistência trará à baila a trajetória do afrodescendente nos espaços
  • 13. 12 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 sociais e literários, bem como um breve contexto histórico sobre a escola literária na qual o poema está imerso. A Parte II, emparedado: a ambiência da história -galgará sobre análise do título do poema em estudo, bem como a relação existente entre o poema e o autor, representado alegoricamente pelo título da obra. A Parte III, Eu-poético e eu- lírico – um sujeito emparedado - tratará da África como cenário de reconstrução de um imaginário estereotipado, traçando uma relação entre artista e obra como faces da mesma moeda. E a não aceitação de um afrodescendente como artista e homem, por ser filho da África escravizada. 1.Literatura afro-brasileira – um discurso de resistência Perdido o lugar de origem, o lugar de produção de sua palavra também é transferido: o outro, o branco, tem o domínio do lugar de produção linguística. E esse poder significa transformar a palavra africana não só no silêncio, mas na ausência da palavra, da palavra enquanto criação ideológica (MOYSÉS, 1998, p. 97). Ancorado nesse discurso de Moysés (Ibidem), faz-se importante incutir nessa tessitura o processo de produção e divulgação da cultura negra, enquanto instrumento de (re) definição da identidade brasileira estigmatizada; da relação de poder desses grupos de minorias, e como estes são ou passaram a ser vistos pelos intelectuais no mundo acadêmico. Tematizando, ainda, a memória afrodescendente em suas produções e trazendo à tona a memória de uma cultura invisibilizada, apagada e/ou desprestigiada pela história oficial brasileira das escritas de cultura branca. A presença das vozes do negro na literatura brasileira não escapa ao tratamento marginalizado que, desde sua gênese, marca a etnia no processo de construção da nossa sociedade (PROENÇA FILHO, 2004). No entanto, essa voz silenciada vem ao longo do tempo buscando as mais diversas formas e alternativas para sair dessa (in) visibilidade clandestina. Ao passo que se faz ouvida – rasgando o véu da submissão – vai, também, saindo dos calabouços da dominação e exclusão. Nesse sentido, evidenciam-se na trajetória do discurso literário dois posicionamentos: o negro tratado como objeto – resultando em sua invisibilidade –, e o negro como sujeito – que causa o embranquecimento –. Trajetórias essas, legitimadas pelo reflexo da sociedade ―brancocêntrica‖ (CORREIA, 2010). A Literatura Afro-Brasileira foi moldada, desde seu princípio, sobre o olhar sistemático das ideias capitalistas e dominantes. Com esse olhar observa-se que o texto literário do século XIX, com o intuito de apresentar um símbolo da identidade nacional, acaba fazendo da literatura um espaço de divisão de raças em cor – cultura – condição social, prevalecendo o olhar do outro – branco europeu com grau de superioridade, beneficiando, assim, a herança do sistema escravocrata brasileiro. Desde meados do século XIX, o negro é estereotipado como um ser inferior, modelado com caráteres oriundos de uma estética branca dominante que o caracteriza como personagem e mero objeto (CUTI, 2010). Quando o Brasil necessitou de um símbolo que representasse o país, Alencar buscou essa representação na figura do índio. Ao olhar do branco, o negro seria impossibilitado de contribuir para o desenvolvimento da nação por ser considerado incapaz e necessitar constantemente da vigilância do branco. Nota-se que a dialética entre branco e negro no Brasil não teve a mesma dimensão. O índio será caracterizado
  • 14. 13 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado” Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 como símbolo nacional e permeará o Romantismo até o Modernismo. Já o negro é apresentando apenas no âmbito da escravidão e gera, por conseguinte a subalternidade africana (Idem, 2010). No entanto, este mesmo negro que teve sua voz silenciada, passou também a subverter as ordens elitistas, utilizando os recursos literários para exteriorizar sua voz como instrumento de luta, e, em consequência, revelar suas dores, sua história, sua cultura. A literatura, assim como o discurso, é espaço de poder. Desse modo, munidos dos argumentos da teoria de inferioridade das raças, ―os detentores de poder social e cultural‖, não achando suficiente a transformação do negro em objeto, a tentativa de apagar uma cultura e os direitos de um povo, roubaram desse homem trabalhador braçal, – pertencente ao grupo de minoria – a palavra, o direito de expressar-se, pois manter silenciada a voz do oprimido significa a perpetuação de um regime desumano, visto que se essa ordem fosse rebaixada, seria o fim de um importante sustentáculo do mito da superioridade das raças. Partindo desse viés, pode-se atrelar à vertente da invisibilidade afro, intimamente vinculada ao viés do embranquecimento. O negro, que outrora não era visível nos espaços sociais, ao ocupar ―lugares antes destinados aos brancos‖ torna-se notável. Passa a ser visto porque passou a incomodar, mas, como numa sociedade eurocêntrica um negro não pode ser sujeito impunemente, esse ―precisa‖ passar pelo estágio mutatório da ―mudança de cor‖. Todavia, como não é possível a negação total da cor, cria-se uma falsa ilusão de brancura. ―O negro de cor‖, que conquistou espaços sociais, torna-se ―branco‖ e, ao passo que a ilusão do embranquecimento invade as pessoas, o negro, mais uma vez, torna-se invisível diante do olhar da sociedade. Desse modo, esse mesmo olhar da invisibilidade perpassa, também, e/ou principalmente, pelo campo da literatura, porquanto, é latente a escolha excludente do que deve ou não ser lido. Além de exteriorizar uma visão estereotipada da literatura feita por e/ou para o negro, trazemos à baila a importância das publicações de textos de autoria negra, uma vez que no momento que o afro começa a fazer suas publicações falando sobre sua identidade, sua cultura ameaça, consequentemente, o pedestal do branco bom e superior. O homem afro-brasileiro incomoda ao passo que se coloca não mais como objeto e sim como sujeito. Ancorado nesse discurso, Cruz e Sousa abala o mascaramento de uma identidade una e coesa, bem como da cordialidade e harmonia enraizada sob o manto da ―pátria amada mãe gentil‖ do Hino Nacional. E assim, temos com essa insubordinação negra a desconstrução do que se conhece de identidade hoje. Para Hall (2006) a compreensão de identidade unificada vem ao longo do tempo se desmitificando e ganhando outras concepções, uma vez que a identidade de um povo é marcada não somente pela construção individual, mas também social. Partindo desse viés entende-se que se têm identidade heterogênea, múltipla e fragmentada. Dessa forma, com o olhar de Munanga (2003) a identidade negra não pode ser moldada pela diferenciação da pigmentação da pele, mas sim através de uma construção cultural que teve origem com o processo de colonização resultando nas ―relações mercantilistas com a África, ao tráfico negreiro, à escravização e enfim à colonização do continente africano e de seus povos‖ (MUNANGA, Ibidem, p. 37). Sendo assim, esse
  • 15. 14 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 fato histórico resultou na divisão das raças através da cor da pele marcando a acepção de identidade negra difundida na literatura. Essa distinção de raças é reafirmada na literatura elitista e em contrapartida negada nos poemas e obras produzidas por negros. ―O protesto negro contra o ‗mito da democracia racial‘ funcionou como um grande diapasão para afinar o toque de reunir dos tambores através do encontro cuja senha era a indignação‖ (CORREIA, 2010, p. 20). Dessa forma, percebe-se que Cruz e Sousa no poema em prosa em estudo, utiliza essa ―senha‖ para expor sua indignação, transformar o seu eu- coletivo em sujeitos e o mesmo aparelho de opressão e massacre servirá, ainda, como instrumento de libertação e afirmação de um grupo de minoria, que na verdade é maioria. Aquele mesmo afro-brasileiro que tinha recebido o status de objeto, não corresponde à realidade individual de um poeta negro que sabia e se fazia capaz de confrontar os argumentos da ideologia dominante, do discurso antropológico e da ciência oficial, assim como qualquer branco intelectual. ―Mas, que importa tudo isso?! Qual é a cor da minha forma, do meu sentir? Qual é a cor da tempestade de dilacerações que me abala? Qual a dos meus sonhos e gritos? Qual a dos meus desejos e febre?‖ (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 381). Discursos como esses, fizeram do Emparedado, um fenômeno de resistência cultural e um importante instrumento de demonstração da força do homem negro. Atitudes como as do ―Cisne Negro‖, como ficou conhecido, fortalecem a certeza de que a literatura, do mesmo jeito que pode ser perversa e desconstruir a imagem e/ou imaginário de um sujeito, pode estigmatizar os conceitos do bem e do mal, do negro e do branco, como também é capaz de ajudar a formar e/ou resgatar identidade, de desmitificar as teorias científicas. Nessa visão bidimensional da literatura Cândido (2004) autentica: A respeito destes dois lados da literatura, convém lembrar: ela não é uma experiência inofensiva, mas uma aventura que pode causar problemas psíquicos e morais, como acontece com a própria vida, da qual é imagem e transfiguração. Isto significa que ela tem papel formador da personalidade, mas não segundo as convenções, seria antes segundo a força indiscriminada e poderosa da própria realidade (p. 175). Durante anos na história da literatura propagou-se que o afrodescendente não escrevia porque era desprovido de suas capacidades intelectuais, não sabia ler nem escrever, por isso a literatura negra acabava ficando no campo da oralidade, sendo repassada de pai para filho, de geração a geração, ao longo do tempo (CUTI, 2010). E, ainda, quando iam à casa grande para escutar as histórias feitas por seus senhores, ficavam apenas ouvindo-as, sem delas participar. Assim, o escravizado ―Configura-se um leitor ouvinte, ou um leitor que escuta uma oralização de uma escrita, mas que sabe que essa leitura não é feita para ele‖ (MOYSÉS, 1998, p. 103). Desse modo, não se fazia uma literatura genuinamente negra, o afro era apenas tema de uma obra e não vida dela (obra), falavam sobre o negro e não do negro, porque quem escrevia não fazia isso com o conhecimento de causa, e acabavam escrevendo sob a ótica elitista. Nesse sentido, o negro só foi de fato representado na literatura no momento em que passou a difundir sua voz através da literatura negra, feita por e para o negro. Quanto a esse aspecto o escritor Cuti (Ibidem) legitima: A literatura negro-brasileira nasce na e da população negra que se formou fora da África, e de sua experiência no
  • 16. 15 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado” Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 Brasil. A singularidade é negra e, ao mesmo tempo, brasileira, pois a palavra negro aponta para um processo de luta participativa nos destinos da nação e não se presta ao reducionismo contribucionista a uma pretensa brancura que a engloba como um todo a receber daqui e dali, elementos negros e indígenas para se fortalecer (p. 44-45). Em outras palavras, Cuti (2010) afirma que a literatura negra ou afro-brasileira só passou a existir ao passo que o negro começou a ser autor de suas próprias histórias, sendo assim, o que se tinha antes era meramente literatura. ―Isolada ou coletivamente, os afro- brasileiros, por seu turno, tentam forjar e divulgar outras imagens de si, contrariando os estereótipos vigentes‖ (SOUZA, 2004, p. 31). ―Emparedado‖, apesar de passado pouco mais de um século de sua publicação, consegue permanecer atual. Sua linguagem é, em todos os aspectos, inovadora e denunciadora. O poeta mescla assuntos desde o sofrimento do homem negro, o preconceito velado da sociedade brasileira, até a não aceitação dos artistas de sua época com seus escritos, os quais consideravam a literatura negra como de inferioridade, por isso, o poeta Dante é peça imprescindível para as formas que se discute negritude e os conceitos de raça hoje. 2.“Emparedado”: a ambiência da história Desde as últimas décadas do século XIX, sobretudo no finalzinho de 1880, surgem no Brasil, as primeiras influências do Simbolismo francês. O início do movimento só é de fato considerado oficial e aceito após a publicação de dois livros do poeta Cruz e Sousa em 1893: Missal (1893), poemas em prosa, Broquéis (1893), versos. O jovem intelectual passou a escrever poemas em prosas e poesias, sendo considerado o precursor do Simbolismo no Brasil e até hoje, consagrado como o mais importante escritor simbolista brasileiro (BOSI, 1999). Transportado para o Brasil, o Simbolismo foi considerado um movimento hesitante, ambíguo em suas formulações. Segundo Brandão (2010) ao se referir ao pensamento de Edmundo informa que, afora o entusiasmo com que Roger Bastide e Nestor Vítor saudaram o merecido talento literário de Cruz e Sousa, as primeiras manifestações simbolistas nacionais não obtiveram, no momento de seu surgimento, uma acolhida afável por parte dos historiadores de nossa literatura. Com novas ideias e novas roupagens, começou a urgir no campo das artes e das ciências o simbolismo, que vai se opor tanto ao Realismo quanto ao Parnasianismo, situando- se muito próximo das orientações românticas, que será de certa forma uma renascença. Desse desejo surgem, por conseguinte, os artistas que estavam descontentes com a mentalidade racional que não eram capazes de traduzir questões relacionadas à condição e existência humana (BOSI, Ibidem). Partindo desse viés, passamos a compreender os escritos de defesa do poeta, pois não era possível separar o artista do assunto, já que para o autor, subjetivo e objetivo se fundem, espírito e objeto se constituem. Assim, afirma Edmundo sobre o olhar de Brandão (Ibidem): O movimento simbolista, meus senhores [disse João do Rio] não será jamais um movimento popular. Literatura de casaca, luvas, gravata branca e peitilhos em goma é apenas um gostoso recreio, um desafio para refinados espíritos, para privilegiadas elites de uma estouvada geração. Literatura de estufa, planta para vaso em aquecidos salões (p. 120).
  • 17. 16 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 O poeta catarinense ainda faz uma crítica (in) direta não somente aos poetas da escola literária anterior, mas também aos poetas de modo geral que fazem da arte um instrumento de ostentação de poder, por isso optam por fazer um discurso leve e descompromissado com a sociedade. Era uma politicazinha engenhosa de medíocres, de estreitos, de tacanhos, de perfeitos imbecilizados ou cínicos, que faziam da Arte um jogo capcioso, maneiroso, para arranjar relações e prestígio no meio, de jeito a não ofender, a não fazer corar o diletantismo das suas idéias. Rebeldias e intransigências em casa, sob o teto protetor, assim uma espécie de ateísmo acadêmico, muito demolidor e feroz, com ladainhas e amuletos em certa hora para livrar da trovoada e dos celestes castigos imponderáveis! (CRUZ E SOUSA,1995, p. 371). Poetas que não comungavam desse discurso de ostentação de poder e mediocridade, como define Sousa, não eram dignos de serem lidos. Por outro lado, os que adotavam esse mesmo discurso, eram dignos de aplausos. Assim, observemos que um artista é reconhecido não pelo seu talento, mas pela cor de sua pele, pelo tipo de argumentos que usa para defender sua criação. Sobre esse aspecto Cruz e Sousa afirma: ―[...] não pertenço à velha árvore genealógica das intelectualidades medidas, dos produtos anêmicos dos meios lutulentos, espécies exóticas de altas e curiosas girafas verdes e spleenéticas de algum maravilhoso e babilônico jardim de lendas...‖! (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 387). Com esse mesmo olhar o poeta dirige- se não somente aos artistas da época, mas também ao público, a todos que não o compreendem como artista, pois, sobre sua ótica, a sociedade da época não estava preparada para lê-lo, por isso o poeta sente-se emparedado. Partindo da terminologia da palavra, segundo o dicionário Aurélio online (2008) ―emparedado significa adj (parte de emparedar) 1 Que se emparedou; ladeado de paredes. 2 Encerrado entre paredes; enclausurado. sm Pessoa que, por castigo ou penitência, era encerrada entre paredes, ou totalmente, ou recebendo ar e alimento por uma fresta‖ (2008, online). Compreendendo o vocábulo que dá nome ao poema do artista catarinense, pode-se pensar inicialmente que ―Emparedado‖ seriam as paredes que cercam o autor. Alegorias que poderiam se referir a tudo que seria correspondente a restringir ou até mesmo extinguir a liberdade e limitar, talvez, as capacidades criativas que lhe são dadas por uma condição racial visceral. Segundo Fonseca (2002), o emparedado de Cruz e Sousa revela as paredes que o cercavam, paredes essas que são representadas pelos: ‗Egoísmos e preconceitos‘, ‗Ciências e Críticas‘, ‗Despeito e Impotências‘, ‗Imbecilidade e Ignorância‘ de uma sociedade que o aniquila. Se caminhares para a direita baterás e esbarrarás ansioso, aflito, numa parede horrendamente incomensurável de Egoísmos e Preconceitos! Se caminhares para a esquerda, outra parede, de Ciências e Críticas, mais alta do que a primeira, te mergulhará profundamente no espanto! Se caminhares para a frente, ainda nova parede, feita de Despeitos e Impotências, tremenda, de granito, broncamente se elevará ao alto! Se caminhares, enfim, para trás, ah! ainda, uma derradeira parede, fechando tudo, fechando tudo — horrível! — parede de Imbecilidade e Ignorância, te deixará num frio espasmo de terror absoluto... (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 390 – grifos nossos). Cruz e Sousa foi um poeta à frente de seu tempo, seja nos vocábulos usados, seja na temática apresentada em seu poema. Pois,
  • 18. 17 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado” Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 mesmo tendo vivido na qualidade de branco, não permite ser manipulado pela ―branquitude‖ que o rodeia, mas, sim, utiliza- se dessa condição para denunciar e orgulhar-se de seus antecedentes. Contudo, com seu discurso de resistência, enuncia as paredes que cercam todos os afrodescendentes. Desse modo, essas paredes que o emparedam são formadas por dados hipotéticos de conceitos infundados de superioridade e inferioridade das raças humanas, dos preconceitos, racismos e escravismos da sociedade do século XX. Assim, o poeta pode estar ―emparedado‖ em seu sonho como podemos ver no próprio poema. Assinala-se, ainda, nessa leitura simbólica, que essas paredes que o cercam podem ser também sua própria pele, esta emparedada em seu corpo. Em seguida, vai assinalar e expor sua raça, entrando em confronto com as outras raças vistas fora de sua pele, portanto, sofre, por não poder enfrentar os embates de sua vida social, já que está emparedado e sublimado em suas próprias paredes. Nas esteiras de Fonseca (2002), compreende-se que o fato de entrar em confronto, seria um tipo de violência, aquela que sofre o poeta, física e metafisicamente, emparedado em sua pele negra e em sua poesia (máscara) branca. É o que podemos perceber no seguinte trecho do poema: ―Não! Não! Não! Não transporás os pórticos milenários da vasta edificação do Mundo, porque atrás de ti e adiante de ti não sei quantas gerações foram acumulando, acumulando, pedra sobre pedra, pedra sobre pedra, que para aí estás agora o verdadeiro emparedado de uma raça‖ (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 390). Para fazer-se ouvido, o poeta ―veste-se‖ de elite branca. Como não pode mudar sua cor exterior e nem mesmo o seu discurso, porque este faz parte dele, então muda sua maneira de falar. O próprio poeta vivencia o preconceito velado, camuflado. Um grande poeta negro falando do negro como negro jamais seria ouvido, mas um negro falando mascaradamente do negro como um branco havia uma esperança de ser percebido. Por isso o poeta Dante, se sente o tempo todo emparedado, encurralado, tendo que negar sua cor, sua identidade afro para poder, através de sua arte, denunciar a elite branca . O negro não podia ser pacífico para ter seus direitos legitimados, mas deveria e/ou foi obrigado a utilizar-se das mesmas armas de seu opressor, para outorgar um direito constituído. Cruz e Sousa, aqui, mostra-se encurralado vivendo nesse constante conflito entre a natureza e identidade negra e o meio que o oprime, que mais tarde configura-se como um embate social. 3. Eu-poético e eu-lírico – um sujeito emparedado É mister salientar que ―Emparedado‖ refere-se a um poema em prosa do poeta Cruz e Sousa, o último poema que compõe a obra Evocações. Como se fosse a conclusão do livro, poema quase que autobiográfico, o poeta Dante mostra para o leitor não somente sua indignação com a maneira que os brancos tratavam o negro, mas, também, a aceitabilidade da arte produzida por negros. O poeta ao escrever esse poema em prosa, não obedece inteiramente às regras – regras essas, impostas pela elite branca -, uma vez que no Simbolismo o artista busca suas individualidades para expor sua arte. Neste, o escritor faz do seu ―eu‖ uma defesa de classe, portanto, coletivo. Concernente a esses aspectos, percebe-se que ―Emparedado‖ é de uma riqueza de expressão e estilo, no qual poderia ser título de uma obra. Sobre essa ótica, Cesco nas esteiras de Coutinho salienta:
  • 19. 18 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 ―esse soluço que não é apenas um soluço de revolta pessoal, mas a revolta de toda uma raça condenada pela civilização inteira‖ (CESCO, 2011, p. 2). Sobre esse aspecto, é válido ressaltar que mesmo Cruz e Sousa não afirmando claramente que ―Emparedado‖ é um poema autobiográfico, muitos estudiosos defendem que se trata de um testamento de homem e poeta (COUTINHO, 1979). No entanto, em umas das partes do poema o poeta deixa reluzir o termo como também hoje é conhecido ―Dante Negro‖: ―A África virgem, inviolada no Sentimento, avalanche humana amassada com argilas funestas e secretas para fundir a Epopéia suprema da Dor do Futuro, para fecundar talvez os grandes tercetos tremendos de algum novo e majestoso Dante negro!‖ (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 389). Sendo perceptível que Dante Negro ao elaborar seus poemas em prosa, vale-se de suas dores não somente as artísticas, mas, também, as pessoais, e essas são as temáticas que refletem na prosa em estudo. Para tanto, o poeta com uma linguagem erudita e envolvente busca transformar suas dores oriundas do preconceito racial sofrido por ele, em criações artísticas, que o representam todo o grupo marginalizado pela elite da época, simbolizando a cor da noite e a cor da África escravizada. Vejamos o seguinte trecho: ―Eu trazia, como cadáveres que me andassem funambulescamente amarrados às costas, num inquietante e interminável apodrecimento, todos os empirismos preconceituosos e não sei quanta camada morta, quanta raça d'Africa curiosa e desolada que a Fisiologia nulificara para sempre com o riso haeckeliano6 e papal!‖ (Idem, ibidem, p. 363). 6 Os fundamentos do pensamento racista brasileiro, baseado em Montesquieu (teoria climática e tipos de escravidão), Buffon (clima temperado e superioridade europeia) Cordelius De Pauw À luz dessas reflexões, percebe-se que Cruz e Sousa apesar de ser apresentado por muitos como poeta de ―brancura‖, compreende-se que por meio do poema em prosa, sua condição de afrodescendente se aflora ainda mais. Suas vivências pessoais são exploradas ao longo do poema, desvendando, através de uma linguagem discursiva e requintada, os conflitos sociais. Assume, assim, o poema um caráter de manifestação e reflexão assinalada. Muitos são os fatos que nos levam a pensar sob esse viés: A Sensibilidade com que é tratado o tema da escravidão, do sofrimento, da dor e desilusão do homem negro. O uso dos elementos do passado e o diálogo em primeira pessoa, como se fizesse lembrar, ―O seu nome carinhoso e parnasiano recordava...‖, ―E quantas, quantas vezes eu a vi...‖ (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 127-128). Essa autenticidade do eu poético souseano em ―Emparedado‖que nos leva a pensar em verossimilhança é na verdade: (...) como em toda a prosa poética de Cruz e Sousa, diluídos são os fatos. O que se tem são nuanças, apenas, de referenciais da realidade. Entretanto, o envolvimento do narrador- personagem remete o texto, pelos elementos de pessoalidade que apresenta, às características do testemunho, que não se firma, contudo, tendo em vista a resistência ao factual. Apesar de tal resistência, a perspectiva de um passado narrado com envolvimento induz, em Emparedado, que vários conteúdos pertencem à memória de quem narra. [...] promove a ilusão autobiográfica [...] (CUTI, 2010, p. 155 – grifo nosso). (Acão climática e inferioridade racial), Golbineau (superioridade da raça ariana e efeitos degenerativos da miscigenação), e inspirados em outros (Kant – degradação da raça superior com cruzamento com raças superiores; Darvin – a sobrevivência dos mais aptos; spence – evolucionismo das sociedades humanas; Haeckel – evolucionismo biológico; Ratzel – relação de causa e efeito entre o meio ambiente e as realizações humanas), com sua carga depreciativa a respeito dos trópicos, geraram aparentemente, nos intelectuais brasileiros a necessidade de banir as marcas do atraso do País adaptando aquelas teorias (CUTI, 2009. p. 70).
  • 20. 19 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado” Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 E essa ―ilusão‖ autobiográfica é, ainda, revelada pela presença do não silenciamento do poeta catarinense, que, mesmo em meio ao emparedamento social que sofria, não se calou, aproveitando para dar voz ao grito do oprimido escravizado, desnuda o ―preconceito branco‖ e, assim o fazendo, reluz uma vivência de escravidão, como que vista de perto. O percurso realizado pelos homens ―[...] ontem simples fortes bravos/ hoje míseros escravos sem luz, sem ar, sem razão [...]‖ (ALVES, 2002, p. 22) – da África para as Américas como escravos, é marcado pelo sangue, pela desilusão, sem saber como seria seu destino: De outros Golgothas mais amargos subindo a montanha immensa,— vulto sombrio, tetro, extra-humano! — a face escorrendo sangue, a bocca escorrendo sangue, o peito escorrendo sangue, as mãos escorrendo sangue, o flanco escorrendo sangue, os pés escorrendo sangue, sangue, sangue, sangue, caminhando para tão longe, para muito longe, ao rumo infinito das regiões melanchólicas da Desillusão e da Saudade, transfiguradamente illuminado pelo sol augural dos Destinos!... (CRUZ e SOUSA, 1995, p. 362 - sic7). Dessa forma, o poeta revela a marca da escravidão, que configura a relação de poder de uma cultura sobre a outra, de uma identidade sobre a outra. Contudo, ―As civilizações, as raças, os povos digladiam-se e morrem minados pela fatal degenerescência do sangue‖ (Idem, ibidem, p. 365), sangue que corre em suas veias, que revela sua cor e, portanto sua raça. Por conseguinte, para Gonçalves (2010) diríamos antes de tudo que ―Emparedado‖é um desabafo de uma vida inteira cheia de dificuldade, não somente um desabafo individual, mas, também, um desabado de um grupo marginalizado pelo 7 Grafia do autor, conforme fonte de pesquisa. poder operante e excludente. Assim, critica o racismo que tenta legitimar a ignorância eterna ―de uma raça que a ditadora ciência de hipótese negou em absoluto para as funções do Entendimento, e, principalmente, do entendimento artístico da palavra escrita‖ (CRUZ e SOUSA, 1995, p. 381). Muitos estudos defendem que o poema em prosa de Cruz e Sousa é também um poema de libertação, de legitimação da voz negra na literatura, de uma voz que foi ao longo de sua história silenciada, mas que agora faz ser ouvida. Mas, não deve ser fácil para os grupos privilegiados ouvir a verdade saindo da boca do subalterno. Deve, ainda, ser tão incomum, tão tímido, esse grito que o eu-lírico revela: ―eu caminho e sonho tranquilo! pedindo a algum belo Deus d'Estrelas e d'Azul, que vive em tédios aristocráticos na Nuvem, que me deixe serenamente e humildemente acabar esta Obra extrema de Fé e de Vida!‖ (Idem, 1995, p. 373). Assim, nos chama atenção termos grafados em maiúsculo, Estrela, Azul, Nuvem, que remetem à ideia de brancura e de luminosidade, que entram em comum acordo com Fé e Vida, mas que se opõem ao discurso traçado no texto, na ―Obra‖, também grafada em maiúscula, para dar força e poder aos seus argumentos. Percebe-se que, para o poeta, revelar, também, não é uma tarefa fácil, pois o artista se sente como em meio a Deus e o Diabo, entre a dúvida e a certeza, pois, assim como não é fácil para o branco ouvir o grito outrora silenciado do negro, legitimando seus direitos, também não é fácil para o negro, com seu discurso singular, desnudar as opressões sofridas, uma vez que corre o risco de não ser aceito como artista e homem. O que tu podes só, é agarrar com frenesi ou com ódio a minha Obra dolorosa e solitária e lê-la e detestá-la
  • 21. 20 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 e revirar-lhe as folhas, truncar-lhe as páginas, enodoar-lhe a castidade branca dos períodos, profanar-lhe o tabernáculo da linguagem, riscar, traçar, assinalar, cortar com dísticos estigmatizantes, com labéus obscenos, com golpes fundos de blasfêmia as violências da intensidade, dilacerar, enfim, toda a Obra, num ímpeto covarde de impotência ou de angústia (CUTI, 2010, p. 35). De forma direta, a narrativa versará, dentre outros aspectos, sobre a dor do escravizado. Fazendo uso de uma linguagem rebuscada, rica em metáforas, sinestesias e aliterações, características presentes no simbolismo, sendo possível comprovar tal afirmação com o uso de aliterações – errava nos tons violáceos vivos (―v e s‖); suntuoso acesso (― s‖); cuja a cor cantava-me (―c‖); linha longe (―l‖); dos horizontes em largas faixas rutilantes (―s‖); fulvo e voluptuoso (―v‖); quebravam-se e velavam-se (―v‖). Dentre outras características já citadas a priori como: letras maiúsculas no meio de frases para destacar palavras desejadas, musicalidade e sinestesia (CRUZ E SOUZA, 1995). Através de sua linguagem e valendo-se do mascaramento de sua cor, o poeta denuncia os conflitos sócio-raciais existentes, pois quem lê seus poemas, não vê sua cor, desse modo se passa por um ―branco‖ com sua linguagem bem elaborada, e, assim, desmascara a sociedade eurocêntrica e luta pela outorgação dos direitos étnico-raciais das classes de minoria. É por tudo isso que: Na produção de Cruz e Sousa [...], o patético atuará como um índice dialógico e dramático, sendo as performances do ―eu‖ lírico e a da primeira pessoa narrativa os recursos básicos, mas a ironia será um pólo regulador para que o desnudamento da opressão se faça com segurança e arte (CUTI, 2010, p. 80). O poema, assim como toda a obra Evocações, é um poema de mágoas, desilusões e indignação do eu-lírico, enquanto artista que busca veicular sua obra, mas que se sente sozinho e cansado; cansado por sonhar e esperar, cansado de gritar em vão por libertação, por humanização. De que subterrâneos viera eu já, de que torvos caminhos, trôpego de cansaço, as pernas bambaleantes, com a fadiga de um século, recalcando nos tremendos e majestosos Infernos do Orgulho o coração lacerado, ouvindo sempre por toda a parte exclamarem as vãs e vagas bocas: Esperar! Esperar! Esperar! Por que estradas caminhei, monge hirto das desilusões, conhecendo os gelos e os fundamentos da Dor, dessa Dor estranha, formidável, terrível, que canta e chora Réquiens nas árvores, nos mares, nos ventos, nas tempestades, só e taciturnamente ouvindo: Esperar! Esperar! Esperar! (CRUZ ESOUSA, 1995, p. 356 - grifos nossos). Ao longo do tempo a história literária quis mostrar a bondade do homem branco, aquele que ―defende‖ e que dá ―direito‖ aos seus escravos, o que podemos até presenciar na vida do próprio autor do poema ―Emparedado‖, que teve todas as regalias na casa de seu senhor, no entanto, aqui nesse fragmento (aproveitando para dar ênfase nos termos destacados), o poeta catarinense aponta outro lado dessa moeda: aquele em que o negro é convidado a esperar por dias melhores, a esperar por condições de vida digna e pela legitimação de seus direitos, mas nada acontece além de esperar e esperar. Toda essa espera vem ao longo dos séculos provocando sentimentos dúbios nesses filhos do ―sofrimento‖ de um lado, dor e tristeza, e, por outro, a esperança. Essa dualidade é marcada principalmente pelos termos citados no poema ―canta‖ e ―chora‖. Ao longo do poema, o poeta simbolista mostra-se preocupado com os conflitos sociais
  • 22. 21 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado” Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 coletivos, vivenciados pelos grupos de minoria e no decorrer dele, quase em seu final, o poeta assinalado questiona a qualidade do artista escolhido pela sua cor, episódio que demonstra o quanto sua obra foi marginalizada, o que autentica que o espaço literário é fragmentado e elitista, uma vez que muitos são os casos em que o artista vai ser escolhido não pelo talento que possui, mas pela cor de sua pele que o assinala e denuncia. E com esse olhar o poeta Negro reporta-se às suas origens para revelar os estereótipos impostos pelos brancos aos negros, para desmerecê-los, sobretudo, em seu trabalho intelectual como a escrita. Segundo Fonseca (2002) ―a África, no texto de Cruz, não é simplesmente o lugar virtual das origens ancestrais do artista. Antes, é um obstáculo tanto à origem do poeta quanto ao seu status em seu lugar atual, brasileiro, que é, de certo modo, ainda torturadamente africano‖ (p. 66). E por falar do lugar do negro – afro-brasileiro – sofre por não ser aceito como homem e artista. Pois pertencer à África escravizada é sinônimo de desmerecimento e submissão. Artista! pode lá isso ser se tu és d'África, tórrida e bárbara, devorada insaciavelmente pelo deserto, tumultuando de matas bravias, arrastada sangrando no lodo das Civilizações despóticas, torvamente amamentada com o leite amargo e venenoso da Angústia! A África arrebatada nos ciclones torvelinhantes das Impiedades supremas, das Blasfêmias absolutas, gemendo, rugindo, bramando no caos feroz, hórrido, das profundas selvas brutas, a sua formidável Dilaceração humana! A África laocoôntica, alma de trevas e de chamas, fecundada no Sol e na Noite, errantemente tempestuosa como a alma espiritualizada e tantálica da Rússia, gerada no Degredo e na Neve — pólo branco e pólo negro da Dor! Artista?! Loucura! Loucura! Pode lá isso ser se tu vens dessa longínqua região desolada, lá no fundo exótico dessa África sugestiva, gemente, Criação dolorosa e sanguinolenta de Satãsrebelados, dessa flagelada África, grotesca e triste, melancólica, gênese assombrosa de gemidos, tetricamente fulminada pelo banzo mortal; dessa África dos Suplícios, sobre cuja cabeça nirvanizada pelo desprezo do mundo Deus arrojou toda a peste letal e tenebrosa das maldições eternas! A África virgem, inviolada no Sentimento, avalanche humana amassada com argilas funestas e secretas para fundir a Epopéia suprema da Dor do Futuro, para fecundar talvez os grandes tercetos tremendos de algum novo e majestoso Dante negro! (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 389 - grifos nossos). Percebe-se aqui uma antítese no que se refere ao branco representando ― ―o Europeu, o cristianismo, a virtude, mas também a esterilidade, o frio, a neve mortiferal. E o negro representando ― o africano, a luxúria, o pecado, o fetichismo, mas também a vida, a fecundação, a força criadora – a dor‖ (COUTINHO, 1979, p. 167). Ao percorrer a citação, vemos claramente os ecos da África que são parte de um discurso das diversas vozes africanas, tanto as vozes do colonizado, quanto as vozes do colonizador. Nesse momento percebemos que Cruz e Sousa ―compõe o quadro, mais uma vez dilacerado, da cena de suas origens perdidas e uma alegoria da tragédia transcultural da colonização‖ (FONSECA, 2002, p. 6). Assim, essa África descrita e buscada pelo poeta, versa sobre a ideia de lugar distante, mas que possível de ser alcançada, e essa realidade só é provável através de um ―Dante Negro‖ – de um descendente que sabe e sente as agruras dos seus – mas que, ao mesmo tempo, assinala um emparedamento que o aprisiona e conduz a uma vida cercada dos dogmas e paredes de uma sociedade ―civilizada‖. Essa imagem se é o signo de uma sofrida ligação entre o poeta e seus ancestrais, não conduz ao Continente Negro, evidentemente, mas leva-o a uma África de si mesmo e dos outros que o compõem: leva-o à sua poesia,
  • 23. 22 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 que aspira à permanência, e ao seu tempo e lugar – vividos para serem superados. Tudo isso ocorre no encontro/embate de Cruz e Sousa com a tradição literária ocidental, desembocada no Brasil, tradição enriquecida com sua obra. É assim que o poeta chega ao seu emparedamento no corpo físico, por sua vez emparedado pela sociedade, e anseia pela expansibilidade do corpus poético que o aprisiona e liberta (FONSECA, 2002, p. 7). Paralelo a isso, o poeta descreve o sistema opressor que o oprime como poeta, como filho de ex-escrava, que viveu sobre o regime de dois mundos, – de um lado a escravidão de seu pai e a liberdade de sua mãe e, do outro, a regalia da casa do senhor branco. Toda essa conjuntura o ajudou a ter consciência de sua condição social, e não de sujeitamento e omissão diante da realidade que vivia. A criança que estudou, ―viveu como branco‖, não permitiu escravizar sua origem e esquecer seus antepassados, muito pelo contrário. O jovem Sousa, revestido de candura, ergue sua voz em defesa dos seus e de sua Mãe África, espaço que tão bem o representa, pois, assim como ele, sua Terra é, também, um espaço dúbio, lugar de começo e fim, de perda e reencontro, de escravidão e libertação. Por outro lado, a população burguesa, mesmo ostentando todo ouro e prata, seus argumentos são tão vazios, suas ações são tão nefastas que adoecem da doença da alma, e, com isso, não podiam desfrutar de sua beleza, sua riqueza e ‗brancura‘. De acordo com o poeta aquelas pessoas são de almas ―tão baixas, de tão rasas que são nem merecem a magnificência, a majestade do Inferno‖ (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 375). Grafado com a letra maiúscula, para não passar por despercebido aos olhos do leitor o peso da palavra, o peso da culpa dessa sociedade omissa que emudece e se faz emudecer diante de tanta dor, de cada cantar de chicotes que ainda hoje os descendentes da mãe África ouvem cantar e dançar os seus. A mesma Mãe África, que um dia viu seus filhos tornarem escravos; mães e pais chorarem e gemerem por seus filhos levados na escuridão da noite, hoje vê o regresso dos seus, em busca de libertação, pois todos que se orgulham de suas raízes retornam para lá para comprovar sua luta e vitória sobre seu opressor. ―O temperamento entortava muito para o lado da África: — era necessário fazê-lo endireitar inteiramente para o lado Regra, até que o temperamento regulasse certo como um termômetro!‖ (CRUZ E SOUSA, 1995, p. 365). 4. À guisa de conclusão Eis o nosso modo de ver e compreender as relações África-Brasil atravessado pelo olhar de Cruz e Sousa, enveredado, não pelo caminho da unicidade, mas, pela pluralidade de sentidos que emanam da literatura. Portanto, poeta e homem, nessa conjuntura do ambiente literário, podem perfeitamente se fundirem para revelar e desvendar os segredos e mitos da sociedade. Ressaltando, sobretudo, o discurso articulado do autor para o fator – resistência. Resultado de seu emparedamento dentro de sua própria pele. É perceptível que o poema é munido de algumas estratégias que servirão como uma espécie de oposição e enfrentamento às condições que os negros estavam submetidos, além de uma reconstrução que será delineada no poema pelo próprio autor como um resgate da origem, cultura e valorização dos costumes e tradições africanas. Deparamo-nos então com uma ressignificação latente na nova construção da África e uma desconstrução dos
  • 24. 23 Cruz e Sousa: o negro como sujeito encurralado – um diálogo de resistência em “Emparedado” Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 estereótipos negativos evidenciados pela sociedade brancocêntrica. O texto pretendeu ser uma voz em favor do negro e mostrar que esse discurso é sustido pelo autor, principalmente, por sua obra ser ―violentamente‖ armada, contra uma sociedade dominante que não aceitava o afrodescendente como um ser capaz de mudar e transformar sua realidade e o poder vigente. Transformações essas que tiveram que ser traçadas com toda a força e voracidade permitida na arte literária. Evidenciando-se isso, o ―campo de luta‖ travado no poema é sugerido por uma espécie de agonia e dilaceração do poeta contra a opressão que os afrodescendentes sofriam já que o poema é uma batalha contra a opressão sofrida no que se refere à classe, a cor e, sobretudo a resistência desses homens tão sofridos. Contudo, Cruz e Sousa preocupa-se, sobretudo, com as questões pertinentes a afro- brasilidade e dialética entre o negro e branco, como foi exposto no próprio artigo, que se constituíram de forma desigual em nossa sociedade. Todavia, não é incomum que esse processo se desdobre de maneiras diferentes entre esses dois grupos. No que se refere às estratégias abordadas pelo autor supracitado, encontramos a reconstrução dessa base cultural africana, seguida das tradições e costumes herdados pelos afrodescendentes precedida por esse discurso de resistência e enfrentamento à condição estigmatizada e moldada pela sociedade elitista. Além de haver uma luta pela valorização do coletivo. Nessa concepção, o negro na literatura se firmará como sujeito do seu próprio discurso. Deixando a cargo do leitor perceber as nuanças do racismo brasileiro, enraizado no mito da democracia racial Por fim, nos deparamos com um poema que não fugiu à tônica do seu tempo, e até hoje resinifica as marcas profundas de uma sociedade que se manteve, sobretudo ancorada no bojo de uma cultura escravista; mas apesar dessas marcas, Cruz e Sousa não se manteve estigmatizado, pelo contrário, usou de sua arte para transformar, reconstruir e resinificar sua voz, cor, cultura e seu próprio país, berço de sua origem, a África mãe, como foi denominada pelo autor. Assim, pretendeu-se explanar nesse artigo, que o laço infindável deste (negro brasileiro), com os de sua origem, delineou as lembranças do poeta e de seus descendentes com olhar bidimensional: de um lado tristeza pela vida que tiveram, por tanto sofrimento, por tanto sangue e lágrimas derramadas pelos seus, quando um dia alguém decidiu torná-los escravos. Por outro lado um olhar de esperança, foi lá onde tudo começou, lá é também seu ponto de recomeço, de nova história, afinal o oprimido passou a gritar liberdade, passou a dizer não às algemas da opressão e do preconceito. Referências: ALVES, Antônio de Castro. Antônio Castro Alves:nosso rebelde apaixonado faz 150 anos. In: Projeto memória. 11. ed. Rio de Janeiro: Globo, 2002 (obra organizada pela Fundação Banco do Brasil). BOSI, Alfredo. História Concisa da literatura Brasileira. 36. ed. São Paulo: Cultrix, 1999. BRANDÃO, Gilda Vilela. Notas sobre a recepção do simbolismo na França e no Brasil. In: Revista brasileira de literatura comparada, n. 9, p. 107-131. Disponível em <htttp://www.abralic.org.br > - Acesso em: 01/10/ 2012. CANDIDO, Antonio; CASTELLO, J. Aderaldo. Presença da literatura brasileira:história e antologia. 4. ed., v.1. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1972.
  • 25. 24 Arlete Miranda Amancio, Joanna Souza de Miranda e Kárpio Márcio de Siqueira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 CESCO, Andréa. Cruz e Sousa: emparedado em seu poema. In: Revista Literatura em Debate, v. 5, n. 9, ago-dez., 2011, p. 01-45. Disponível em: <http://www.fw.uri.br/publicacoes/literaturae mdebate/artigos/01_09.pdf> - Acesso em: 05/10/ 2012. CORREIA, Severino do Ramo. Quilombhoje: um tambor expressando as vozes literárias negras. Dissertação de Mestrado. Departamento de letras e artes, Mestrado em literatura e interculturalidade: Campina Grande, 2010. Disponível em <http://pos- graduacao.ascom.uepb.edu.br/ppgli/download /dissertacoes/Dissertacoes2010/Severino.pdf> - Acesso em: 01/10/ 2012. COUTINHO, Afrânio (org.). Cruz e Sousa. Fortuna Crítica, 4. ed. Brasília: Civilização Brasileira; INL, 1979. CRUZ E SOUSA, João da, 1861-1898. Obra Completa. Organização de Andrade Murici. Rio de Janeiro: Nova Aguiar, 1995. CUTI, Luiz Silva. A consciência do impacto nas obras de Cruz e Sousa e de Lima Barreto. Belo Horizonte: Autêntica, 2009. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio online, 2008. Disponível em <htttp://www.dicionárioaurelio.com> - Acesso em: 01/10/2012. FERREIRA, Jair Tadeu. Cruz e Sousa as expansibilidade do emparedado. In: Revista Aletria, v. 9, 2002, p. 61-67. ISSN 0104-5210. Disponível em: <http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_public acoes_pgs/Aletria%2009/05- Jair%20Tadeu%20da%20Fonseca.pdf> - Acesso em: 20/10/2012. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Trad. Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2006 KOCHE, José Carlos. Fundamentos da metodologia científica. Teoria da ciência e prática da pesquisa. Petrópoles: Vozes, 1997. MUNANGA, Kabengele. Algumas considerações sobre a diversidade e a identidade negra no Brasil. In: Marise Nogueira Ramos, Jorge Daniel Adão, Graciete Maria Nascimento Barros (coords). Diversidade na educação: reflexões e experiências. Brasília: SEMTEC/MEC, 2003, p. 35-49. Disponível em: <http://www.cereja.org.br/arquivos_upload/d iversidade_educacao.pdf > - Acesso em: 01/11/ 2012. MOYSÉS, Sarita Maria Affonso. Literatura e História: imagens de leitura e de leitores no Brasil do século XIX. In: LEENHARDT, Jacques; PESSAVENTO, Sandra J. (org.). Discurso Histórico e Narrativa Literária. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 1998, p. 93-109. PROENÇA FILHO, Domício. A trajetória do negro na literatura brasileira. In: Estudos Avançados, nº 50, v. 18, jan./abr., 2004. São Paulo, p. 161-193. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103- 40142004000100017&script=sci_arttext> - Acesso em: 20/11/2012. SILVA, Luiz. A consciência do impacto nas obras de Cruz e Sousa e de Lima Barreto. Campinas, SP: Autêntica, 2009. SILVA, Luiz. Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010. SOUZA, Florentina. Solano Trindade e a produção literária afro-brasileira. In: Afro- Ásia, n.º n.º 31, 2004. Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia (Salvador, Brasil), p. 277-293. Disponível em: <http://www.afroasia.ufba.br/pdf/31_14_sola no.PDF> - Acesso em: 09/08/ 2012. VILARINHO, Sabrina. Cruz e Sousa. In: Brasil Escola, seção Literatura – escritores. Disponível em: <htttp://brasilescola.com/literatura/cruz- sousa.htm> - Acesso em: 18/11/2012.
  • 26. RESISTÊNCIA NEGRA EM A VOZ DO EXCLUÍDO DE MV BILL: O HIP HOP NA CULTURA BRASILEIRA Maria Adaljiza Xavier Santos e Rodrigo Reis Carvalho1 Kárpio Márcio de Siqueira2 RESUMO O presente article apresenta o Hip Hop, em especial, o estilo rap, como exemplo de cultura contemporânea de resistência negra. Para isso, escolheu-se o rap A Voz do Excluído de MV Bill como objeto principal de investigação, isso por ser uma das letras que além de representar a afirmação de uma identidade negra, emana intervir no exercício e na estrutura do poder político-cultural. Antes, foi pertinente esboçar um breve percurso da difusão do negro no espaço brasileiro, amparando-se em suas resistências às práticas de dominação do colonizador; sendo necessário, também, trazer algumas informações de como o negro vinha/vem sendo representado nos discursos institucionais. A partir da análise do corpus, A Voz do Excluído, foi possível perceber que os discursos presentes nos raps brasileiros estão associados a questões históricas e sociais, assim, fica evidente que os manifestantes do Hip Hop ao trazerem uma cultura, traz também suas histórias, passando a sensibilizar todos aqueles que se prontificam a uma atenção a essa manifestação gritante, por contestar os discursos e práticas racistas excludentes. A metodologia aplicada para elaboração desse trabalho se deu a partir de pesquisa bibliográfica, tendo como fundamentação teórica os autores: Souza (2006), Andrade (1999),André (2008), Santos (2009), Righi (2011); entre outros. Palavras-chave: Hip Hop.Identidade Negra. Resitência. MV Bill. The presente article shows the Hip Hop, in special, the rap style, as na axemple of contemporaneous culture of black resitence. For that, we chose the rap A voz do Excluído by MV Bill as the main goal of investigation, it was select because its message shows us the representation of the black identity affirmation , and it also disturbs the cultural and political structures by its message. At first we talked briefly about black people lives in Brazil, including their colonized historic context and how black people had been describing by an Institutional speechs. From the analyses of the corpus, A voz do Excluído, it was possible to noticed that the voices into these songs are envolved in social and historical questions, then, it was marked that when the manifesting people of Hip Hop when they brought to us themes of culture and history, they might sensibilizing everybody that heard their message that talks about unspeechs, e excluding racial practical. The applying method in that work was based on bibliografhic researching, and we use as the principal scientific theory source authors such as Souza (2006), Andrade ( 1999), André ( 2008), Santos( 2009), Righi ( 2001) and others. Key Words: Hip Hop.Black Identity. Resistence. MV Bill. 1 Graduandos em Letras Vernáculas pela Universidade do Estado da Bahia. 2 Professor da UNEB, Coordenador do Centro de Pesquisas em Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação – OPARÁ, Mestrado em Crítica Cultural, pela UNEB. Graduação em Letras com Inglês, pela Faculdade de Formação de Professores de Arcoverde.
  • 27. 26 Maria Adaljiza Xavier Santos, Rodrigo Reis Carvalho e Kárpio Márcio de Siqueira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 Legitimar a violência da dominação dos povos é uma forma de aliviar a culpa. É transformar toda a violência, por mais brutal que tenha sido, em algo aceitável e humanamente necessário. Dizer, por exemplo, que “os negros foram trazidos para o Brasil porque o país precisava de mão de obra” é o mesmo que dizer que um criminoso matou para roubar porque sua mãe precisava de um vestido novo. A palavra “Brasil” esconde os crimes e os criminosos (CUTI, 2010, p. 17-18). Considerações iniciais Na tradição literária brasileira é notório o negro sendo enfatizado a partir de traços contraditórios, e isso acabou refletindo na formação discursiva de alguns críticos. Estes, ao serem influenciados pelos discursos ideológicos dos textos literários, passaram a apreciar a produção literária somente pelo seu viés estético, tendo como principal justificativa para seu estudo “o valor especial das grandes produções: sua complexidade, sua beleza, sua universalidade, e seus potenciais benefícios para o leitor” (CULLER, 1999, p. 52). Com o advento dos estudos culturais a literatura ganhou um novo status social, além de surgirem novas técnicas de análises surgiram, também, novos objetos a serem apreciados: os materiais culturais. Deste modo, compreendendo a cultura como fonte imprescindível a ser explorada, os estudos culturais, ao entrarem em cena, dão ênfase às diversas identidades de grupos que estão à margem da sociedade, dentre eles: mulheres, imigrantes e minorias étnicas. São estudos que criam perspectivas para que esses grupos minoritários possam conquistar espaços políticos culturais de prestígios, pois são grupos que a alta literatura vinha representando como incapazes de viver em espaços de alto escalão. Em relação aos personagens negros na literatura tradicional brasileira, encontramos estes, em sua grande parte, sendo representados a partir de imagens forjadas, carregadas de marcas racistas e preconceituosas. Quando se estudam as questões atinentes à presença do negro na literatura brasileira, vamos encontrar, na maior parte da produção de autores brancos, as personagens negras como verdadeiras caricaturas, isso porque não só esses autores negam a abandonar sua brancura no ato da criação literária, por motivos de convicções ideológicas racistas, mas também porque, assim, acaba não tendo acesso à subjetividade negra. Estar no lugar do outro e falar como se fosse o outro ou ainda lhe traduzir o que vai por dentro exige o desprendimento daquilo que somos (CUTI, 2010, p. 88). Perante isto, com o intuito de desmistificar os traços negativos sobre o negro presente na literatura canônica, sobretudo, de autores brancos, e de lutar contra os agentes opressores é que as vozes de resistências vêm se propagando. O próprio negro, ao dar ênfase à sua verdadeira imagem histórica e contemporânea, carregada de ideologia e resistência promissora, vem “arrombando portas e janelas”, assumindo e afirmando a todos a sua verdadeira identidade. Após sermos instigados pelos discursos da população negra, que vêm se firmando no país ao longo da história literária brasileira, objetivamos nesse artigo, discutir, de forma sucinta, algumas práticas de resistência do afro-descendente. Para isso, dividiremos o seguinte trabalho em dois momentos: primeiro, traremos um breve histórico da difusão do negro no espaço brasileiro amparando-nos em suas práticas de resistências, e seguiremos na descrição de como o negro está inserido no Brasil contemporâneo; em seguida, por ser uma manifestação contemporânea de
  • 28. 27 Resistência negra em A Voz do Excluído de MV Bill: o hip hop na cultura brasileira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 resistência negra, nos pautaremos na cultura Hip Hop, em especial, o estilo rap, e finalizaremos o nosso trabalho com a análise das imagens presentes no rap A Voz do Excluído de MV Bill – uma das letras que, além de representar a afirmação de uma identidade negra, busca intervir nas estruturas de poder na sociedade. A canção de MV Bill escolhida aqui como objeto principal dessa produção faz parte das diversas canções que vêm nos chamando a atenção, pelo seu tom de incentivo à crítica aos setores sociais responsáveis pela administração pública, contribuindo para sensibilizar, não só a população negra, mas também aqueles que exercem o poder na sociedade. A partir dessa reflexão, durante a análise do rap A Voz do Excluído, procuraremos ver se a atitude de MV Bill, na propagação de sua mensagem, pode ser destacada como de resistência. Para isso, analisaremos de que maneira as diferentes imagens e representações (políticas, sociais) estão representadas na canção, a fim de ratificar o poder discursivo do rap para a construção de uma sociedade justa e igualitária. É valido destacar que as motivações para esse trabalho surgiram a partir do 7º semestre do curso de Letras Vernáculas, principalmente com o contato que tivemos com a disciplina Literatura: Crítica, História, Cultura e Sociedade. Foi durante esta, que passamos a conhecer, cada vez mais, alguns estudos que enfatizam o negro como sujeito, e não somente como objeto literário. Ao longo da disciplina retrocitada, fomos instigados a uma produção cientifica voltada para a análise de uma letra de rap. Foi uma das produções que mais sentimos o prazer em produzir, pois envolvia questões muito próximas da realidade atual, que é a luta de resistência dos negros em busca de melhores condições de vida, sobretudo destes que vivem em situações precárias. Deste modo atenção, aproveitamos o ensejo para aprofundarmos nossos estudos ao ponto de chegarmos à elaboração deste Trabalho de Conclusão de Curso. Essa produção está pautada em uma pesquisa bibliográfica, e segue a normalização de um artigo científico, guiado pelo livro Orientações metodológicas: construindo trabalhos acadêmicos e científicos, organizado por José Humberto da Silva (2008). As principais referências bibliográficas que serão utilizadas como aporte teórico desse trabalho, imprescindíveis para as nossas ponderações, são: O negro no século XXI, de Luislinda Dias de Valois Santos (2009); RAP e educação: RAP é educação, livro organizado por Elaine Nunes de Andrade (1999); Afro-descendência em Cadernos Negros e Jornal do MNU, de Florentina da Silva Souza (2006); A discriminação do negro no livro didático, de Ana Célia da Silva (2004); Literatura Negro-Brasileira, de Luis Silva [Cuti] (2010); O ser negro: a construção da subjetividade em afro-brasileiros, de Maria da Consolação André (2008); Rap : ritmo e poesia – construção identitária do negro no imaginário do RAP brasileiro, de Volnei JoséRighi (2011); entre outras. Esse levantamento teórico possibilita alçar olhares sobre a condição do negro no Brasil, regido sobre o olhar branco, bom e superior, além de estar evidente que estes autores buscam dar voz aos grupos de minoria, que ao longo do tempo vem sendo postos à margem da sociedade brancocêntrica, racista e etnocêntrica, que exclui a imagem do africano como construtor de conhecimento e detentor de uma rica herança cultural. Assim sendo, com esse olhar que revela as condições sócio-raciais que busca legitimar e dar voz até então silenciada, coloca-se em evidência que o homem negro conquista – com muitos esforços – a outorgação de seus direitos, fazendo cair o véu da submissão e exclusão social.
  • 29. 28 Maria Adaljiza Xavier Santos, Rodrigo Reis Carvalho e Kárpio Márcio de Siqueira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 Um Brasil de resistência negra: ontem e hoje Sabe-se que o tráfico de negros, na época da escravidão, ocasionou um redirecionamento identitário, visto que a ação da imposição da classe dominante obrigou-os a seguir atitudes/tradições que não faziam parte da sua cultura, e sim da cultura dos colonizadores (ANDRÉ, 2008). Para André (Ibidem) O negro ao ser arrancado de suas raízes e vendido, em praça pública, como objeto (era vendido como peça leiloada) teve seu universo de significação retalhado. Ao ser separado de seus iguais teve a sua comunicação impossibilitada. A estratégia de separá-los foi eficaz, pois estando, misturados em diversas nações nem sempre era possível a compreensão linguística, sendo forçado a tentar aprender a língua do colonizador (p. 95- 96). O fato de os negros serem impedidos de manifestar sua cultura começou no período em que, ainda, eram escravizados, pois, além de serem submetidos ao trabalho desumano, eram ainda separados dos seus parentes e/ou amigos sendo difícil a comunicação com falantes de outra língua. O colonizador tendia à fragmentação dos grupos de negros para que estes não se organizassem, a fim de romper com o sistema cruel da escravidão. Com isso, o negro passou a ter contato, cada vez mais, com outros grupos que detinham uma identidade histórica e cultural diferente da dele, e, além disso, passou a ser submetido à cultura do poder dominante. Sabemos que o indivíduo estando exposto a outras culturas e em contato direto com outras etnias, trocando experiências, passa a ter sua identidade abalada. Sobre identidade, André (2008) define a construção desta como um processo que advém do campo individual e coletivo. Individualmente, a pessoa vai se desenvolvendo como unicidade, marcando cada momento de sua jornada particular. Como ser social, passando por diferentes grupos (família, escola, amigos, trabalho e outros contextos), faz trocas de aprendizagens, identificando-se com umas, rejeitando outras e, a partir destas identificações, desenvolve sentimentos de pertencimento ou não pertencimento a esses grupos (ANDRÉ, 2008, p. 102- 103). No período brusco da escravidão, a cultura do negro foi impedida pelos colonizadores de ser praticada, tentaram impor uma cultura/costumes que, até então, eram desconhecidos pelos negros. Assim, forçavam a produção de uma falsa identidade. Porém, nota-se que a formação da identidade do negro no espaço brasileiro não se constituiu como ambicionada pelos colonizadores, pois, apesar de ter sido impedido de expressar seus costumes culturais e de ser aceito socialmente, houve aqueles que não se desvincularam de sua cultura, resistindo à imposição do poder dominante, isso fez com que se formasse uma identidade negra brasileira. Uma das manifestações culturais pertencente à identidade do negro e que faz parte do panorama das religiões africanas vítimas de perseguições é a cultura do candomblé. Esta é uma religião “resultante da reinterpretação das várias cosmovisões africanas que, durante quase cinco séculos de escravidão, foram trazidas daquele continente para o Brasil” (TEIXEIRA, 2009, p. 120). No país, em seu período escravocrata, esta cultura religiosa foi coibida de ser praticada. Durante o período escravagista, a religião oficial do Brasil era a católica e esta era imposta aos escravos, não lhes sendo dado o direito de praticar sua religião. O poder público não aceitava o candomblé; pelo contrário, tinha-o como contravenção penal e jamais como religião praticada por seres humanos (SANTOS, 2009, p. 57).
  • 30. 29 Resistência negra em A Voz do Excluído de MV Bill: o hip hop na cultura brasileira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 Devido a essa aversão do poder dominante em aceitar a manifestação dos rituais do candomblé no espaço brasileiro, a cultura desse povo foi subjugada, colocada como inferior, nesse caso, proibida de ser praticada e propagada. Assim, foi-lhes imposta a cultura e a religião dos brancos, o catolicismo, usado como manifestação de poder e resistência dos sustentáculos do mito da democracia racial. Partindo deste pressuposto, percebe-se que os negros foram impossibilitados de cultuar sua crença e costumes, sendo obrigados a fazer da sua, uma cultura clandestina. Além da cultura do candomblé, há outras, que ao fazer parte do panorama das culturas africana, vêm representar para o negro, traços de sua identidade, por exemplo: a capoeira e o samba-de-roda. Estas são algumas das manifestações culturais que sobreviveram ao longo do tempo, e que, de acordo com Andre (2008), além de serem praticadas “como meio de divertimento”, era também a forma dos negros expressarem a sua história, pois “faziam parte de suas origens” (ANDRÉ, Ibidem, p. 97). Entretanto, a capoeira, por exemplo, foi vista por muitos como um ato de rebeldia, aqueles que o praticava era denominado pelos colonizadores como marginais. Essa ideia equivocada de que a capoeira seria sinônimo de marginalidade foi desmistificada, hoje é uma cultura aceita pela sociedade, e está a cada dia fazendo parte da cultura de muitos, isto por ser uma forma de divertimento e por provocar o bem estar físico e emocional daqueles que a praticam. É pertinente realçarmos, mais uma vez, que o negro, durante o processo escravocrata, não se manteve inerte, houve resistência contra a violência de dominação, contra a imposição da cultura dominante, como exemplo, a atitude de fuga dos negros e a constituição das comunidades quilombolas. Os quilombos eram núcleos populacionais formados por escravos fugitivos. Nesses locais eles resistiam à escravidão e defendiam a liberdade; homens e mulheres tentavam reconstituir nos quilombos as várias versões de uma vida comum: realizavam festas, plantavam, coletavam, pescavam, caçavam e praticavam transações econômicas possíveis (PINTO, 2006, p. 172). Nas palavras de Righi (2011), os quilombos [...] eram propositalmente localizados em lugares de difícil acesso, geralmente fortificados e escondidos no meio das matas, e bem afastados dos centros urbanos. Essas características estratégicas dos Quilombos levam-nos a identificá-los como uma espécie de guetos, absolutamente segregados e marginalizados pela sociedade, mas um local de reconhecimento e de identificação entre seus iguais (p. 41). Foi nos quilombos que os negros encontraram liberdade para exercer sua cultura que até então vinha sendo interrompida. Um dos mais conhecidos foi o Quilombo dos Palmares, que teve como líder Zumbi, um ícone de inspiração para muitos estudiosos na reconstituição do passado histórico da diáspora negra, isto por ter sido uma figura de resistência contra as práticas de dominação impostas pelos escravocratas. Conforme Silva (J.,2004), Onde quer que tenha existido [...], o quilombo sempre foi modelo de inspiração para a rebeldia dos africanos escravizados e dos afro-descendentes no mundo. É este exemplo de luta que serviu de fonte de inspiração para organizações negras no Brasil do período pós-Abolição e que foi retomado na década de setenta pelas entidades negras contemporâneas. (p. 41)
  • 31. 30 Maria Adaljiza Xavier Santos, Rodrigo Reis Carvalho e Kárpio Márcio de Siqueira Opará - Etnicidades, Movimentos Sociais e Educação, Paulo Afonso, ano 1, vol. 2, jun./dez. 2013.ISSN: 2317-9465 Mesmo depois de muitas lutas, e apesar da inserção da Lei Áurea, lei que entrou em vigor em 1888 e que objetivou o direito aos negros de viverem livres, vê-se que as manifestações de resistências dos afro-descendentes ainda vieram se propagando no país, isto por não terem sido aceitos como cidadãos comuns. De acordo com Souza (2006), Os efeitos e desdobramentos da citada lei podem ser observadas, nos finais do século XX, quando jovens negros e mestiços, de sexo masculino, são solicitados, pela polícia, a apresentar carteira de trabalho assinada, sob pena de serem presos por vadiagem ou por “suspeita”. Permanece, pois, a tentativa de controle autoritário e indevido da circulação dos afro-brasileiros em espaços ou momentos que não lhes são “permitidos” (p. 34). Atualmente, há muitos negros morando em periferias, sendo explorados no mercado de trabalho, ocupando profissões subalternas e sendo mal remunerados. Assim, continuam sendo alvo de uma política conservadora, que infelizmente privilegia os traços sórdidos da escravidão, fazendo com que o negro torne-se cada vez mais invisível. Segundo Souza (2006), essa invisibilidade Manifesta-se, ainda, na incapacidade de enxergá-lo fora dos papéis sociais a ele destinados pela sociedade. Em determinados papéis, a presença do afro- descendente é “naturalizada”; na maioria das cidades brasileiras vê-se como “normal”, por exemplo, um número majoritário de negros exercendo funções de subalternidade em empregos de baixa remuneração, circulando pelo centro da cidade e pelos chamados bairros nobres no exercício de tais funções, situações em que quase não são notados como pessoas, fazem parte do cenário – são invisíveis (p. 35). Essas elucidações de Souza confirmam os traços de inferiorização arraigados desde o período escravocrata, em que o negro sempre foi visto como subalterno e inferior, cabendo-lhes somente o menosprezo por parte de uma sociedade excludente. Representações do negro na sociedade contemporânea A Lei Áurea não garantiu a liberdade do cidadão negro de ir e vir, pois ao exercerem profissões desumanas continuam preservando as marcas da escravidão. E é nessa mesma linha de contradição legislativa que a Constituição Federal de 1988 – lei suprema do nosso país – acaba também se estabelecendo, inclusive quando, no artigo 3.º, versa a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária”, elucida “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”, e, principalmente, quando salienta “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988, p. 2). Não é isso que ocorre na prática. A diferença é notável, tanto nos direitos que não são iguais, quanto na justiça, uma vez que, a lei do negro é diferente da lei aplicada ao branco. Com essa aplicabilidade injusta da lei que propaga a igualdade, os pobres e negros estão ficando cada vez mais reféns de um sistema que somente beneficia os que têm um melhor poder aquisitivo, geralmente os brancos. Conforme André (2008) O privilégio econômico, político, ideológico e sócio-cultural do branco está imbricado com a divisão social e funcional que dá acesso ao trabalho, à educação, à saúde, ao lazer, o que torna mudanças ou transformações, no plano estrutural da sociedade e no plano de distribuição de renda e de recursos, processos que possivelmente darão, em sua maior parte, conquistas ao seguimento branco. (p. 152)