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2
JORNADA DOS
ANJOS
PELO ESPÍRITO
LUCIUS
ROMANCE PSICOGRAFADO POR
SANDRA CARNEIRO
Os direitos desta obra foram doados a VivaLuz Editora
contribuindo com a divulgação da doutrina espírita. Portanto
faça diretamente uma doação ou compre um exemplar.
http://www.vivaluz.com.br/
3
PREFÁCIO
O TEMPO É CURTO. E imprescindível estarmos prontos e disponíveis para
fazer o trabalho que se apresenta diante de nós. Não percamos momentos pre-
ciosos correndo atrás de ilusões efêmeras, que não nos levarão a nada.
Acordemos do longo e pesado sono que nos entorpece os sentidos e,
principalmente, a percepção espiritual, dificultando nossa compreensão do que
é verdadeiro e perene.
Façamos uso da prece e não nos permitamos adormecer de novo. Aban-
donemos definitivamente a atitude que nos afasta de Deus e traz sobre nós
profundo sofrimento.
É hora de despertar!
Que Jesus, da luminosa morada onde nos aguarda há quase 2 mil anos,
nos ajude a trilhar o caminho do bem, da renúncia e do amor, libertando nossas
consciências e nossas vidas para iniciarmos a jornada da iluminação interior,
rumo à perfeição, ao Criador.
Amigo leitor, que a paz do Mestre envolva o seu coração, bem como
nossa morada terrestre, em fulgurante esperança de renovação.
Lúcius
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INTRODUÇÃO
O MAR ESTAVA AGITADO. A pequena embarcação se afastava com di-
ficuldade, buscando alcançar o navio que esperava para partir. Com as vestes
ensopadas e água até a cintura, João1
e os outros cristãos tentavam atingir a
praia, mas eram jogados, pelas fortes ondas da arrebentação, exatamente onde
acabavam de ser deixados. Cefas - uma senhora cristã, exilada junto com os
demais do grupo - caiu e, na tentativa de se levantar, chorava desesperada:
- O que será de nós agora? Como sairemos deste lugar? Vamos morrer a-
qui!
Paciente e amoroso, João procurava acalmá-la:
- Tenha fé, minha irmã, Deus nunca nos desampara. Ele sempre cuida de
todos.
E enquanto a ajudava a se erguer, prosseguiu:
- Não desanime. Por mais difícil que seja nossa situação, vamos confiar no
Mestre.
Um pouco mais confortada, a mulher assentiu com a cabeça e enxugou as
lágrimas misturadas à água do mar. Explicou a razão de sua angústia:
- Não temo por mim, apóstolo João, e sim por meus filhos, que ficaram em
Efeso. E por eles que me angustio. Estou pronta a dar a vida pelo Senhor, se
ele assim o desejar, mas e meus filhos? Como é difícil para uma mãe ver os
filhos ameaçados...
- Eu posso imaginar, Cefas, posso mesmo. No entanto, Jesus está no co-
mando de nossas vidas, não está?
Cefas o olhava calada e, ao chegarem finalmente à praia, exaustos, ele a-
conselhou:
- Agora descanse. Precisamos recuperar as forças.
Aqueles eram mais alguns dos muitos cristãos exilados por ordem do im-
perador romano Domiciano. Os componentes do pequeno grupo estenderam-se
na areia quente e fina, enquanto tentavam recompor as forças e os corações,
abalados pela longa e difícil jornada.
Não obstante a solicitude com que atendia e se preocupava com todos, Jo-
ão parecia cansado. Olhou ao redor, notando a beleza do cenário: Patmos era
uma ilha esplendorosa, localizada no leste do mar Egeu. Acostumado aos en-
cantadores cenários já vistos quando saía para a pesca, e depois pelas viagens
que empreendera para difundir o Evangelho de Jesus, ele estava embevecido
diante da pequena ilha grega. Já ouvira muitos falarem daquele lindo lugar,
1
João foi um dos doze apóstolos de Jesus.
5
porém nunca estivera ali antes. Acomodou-se ao lado dos demais e ficou a
contemplar a bela paisagem. A brisa perfumada soprava suavemente. O sol se
punha devagar, deixando no horizonte um rastro de tons avermelhados e inten-
sos. A vegetação da ilha parecia acalentar o entardecer e recebê-lo com todo o
prazer, pois o aroma exalado pelas plantas era doce e agradável.
Não demoraria a anoitecer. Ebenezer tocou o ombro de João e sugeriu:
- Não seria melhor procurarmos abrigo para passarmos a noite? Será que
conseguiremos encontrar ainda hoje outros cristãos, também presos na ilha?
- Não tenho a menor idéia de onde possam estar...
- A ilha é pequena, João, e não creio que estejam muito longe da praia. Se-
ria melhor que nos colocássemos logo a caminho.
Ao observar o olhar de João, que focalizava o grupo, Ebenezer aconselhou:
- Embora estejamos todos cansados, não podemos passar a noite aqui. Te-
mos de procurar abrigo.
João sorriu ao admitir:
- Seu bom senso é inegável.
E dirigindo-se ao grupo, pediu:
- Vamos, irmãos, precisamos de um abrigo. Sei que estão todos esgotados,
mas não podemos demorar mais.
- Também parece cansado, apóstolo. João abriu sincero sorriso e respon-
deu:
- E estou mesmo! A idade chegou de vez para mim, minha irmã...
Entregando-se a enorme esforço, puseram-se a caminho, em busca de ou-
tros que já estivessem na ilha. Caminharam cerca de meia hora e avistaram
algumas casinhas improvisadas, feitas de madeira e cobertas com vegetação.
Antes que alcançassem o minúsculo vilarejo, alguns moradores correram ao
encontro do grupo. Um dos homens perguntou, ainda a distância:
- São cristãos?
Foi João quem respondeu:
- Somos, viemos de Éfeso.
Um dos que vinham mais atrás gritou:
- João! Apóstolo João? É você mesmo?
Quando reconheceu o companheiro de longos anos, com quem fizera mui-
tas viagens tendo por objetivo disseminar o Evangelho, João exultou:
- Ananias, é você?
Ao se encontrarem, trocaram apertado e carinhoso abraço. Emocionado, o
mais jovem disse, enxugando as lágrimas:
- Não pouparam nem a você, João!
- Ora essa, e por que poupariam?
6
- Já está com idade avançada! Eles deveriam levar isso em conta. Além do
mais, você só faz o bem a todos...
João sorriu e fitou o outro nos olhos:
- Você esquece que não pouparam o melhor de nós todos, Ananias? Aquele
que só fez o bem em toda a sua vida? Quem pode exigir ser tolerado ou aceito
depois do tratamento que teve o Mestre dos Mestres? Não, não podemos nos
iludir jamais. Nossa luta é difícil. Jesus já nos ensinou que o caminho para
aqueles que desejam segui-lo é estreito.
Fez-se longo silêncio, e Ananias convidou:
- Vamos à minha casa. Mesmo pequena e improvisada, todos nos arranja-
remos por lá.
Depois de conversarem muito e trocarem informações sobre o dia-a-dia na
ilha e o que acontecia no continente, com notícias de amigos e parentes de
muitos daqueles que ali estavam há mais tempo, Raquel, a irmã de Ananias,
aproximou-se e sugeriu:
- Devem estar com fome. Vou servir o jantar. Embora bastante frugal, vai
alimentar a todos.
Depois da leve refeição, sentaram-se à volta de João e alguns pediram:
- João, conte-nos uma história sobre Jesus. Temos ouvido muitas, mas sei
que você deve saber de outras que ainda não conhecemos.
O rosto de João iluminou-se, refletindo suave luminosidade que imediata-
mente envolveu a todos. O cansaço que sentia desapareceu, ele ajeitou-se no
assento que ocupava e disse sorrindo:
- E sempre uma grande alegria poder relembrar as experiências preciosas
que tivemos ao lado de Jesus de Nazaré.
E pôs-se a narrar episódios que vivenciara como discípulo de Jesus. Fica-
ram acordados até muito tarde, relembrando as doces experiências.
No plano espiritual, em torno do pequeno agrupamento, brilhava intensa
luz. Se os olhos materiais o permitissem, eles se surpreenderiam ao observar a
numerosa companhia espiritual com que contavam naquela noite. Um grupo
bem maior de espíritos envolvia aqueles que se reuniam na Terra, e com eles
apreciava as histórias sobre o enviado de Deus. Entre seus integrantes estava
Ernesto, outrora exilado de Capela. Só muito mais tarde, João disse:
- Bem, agora gostaria de descansar.
Ananias concordou com a cabeça e o ajudou a se levantar, enquanto dizia:
- Ficaria aqui a noite toda ouvindo você.
Ao colocar-se de pé, João bateu levemente nos ombros do mais novo e disse:
- Teremos muitas ocasiões para conversar, não é mesmo?
- Acha que ainda ficaremos muito por aqui?
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- Quem sabe? De toda forma, vamos aproveitar bem nosso tempo. Tenho
uma porção de histórias sobre Jesus para compartilhar.
Depois de acomodar a todos, distribuindo-os pelos espaços disponíveis nas
pequenas casas, Ananias voltou, sentou-se e, sorvendo um copo de água fres-
ca, em um suspiro desabafou com Raquel:
- Não sei se fico triste ou feliz com a chegada de João. A irmã afirmou:
- Quanto a mim, estou aliviada por tê-lo conosco. Já estava começando a
perder as esperanças...
No dia seguinte, mal os primeiros raios de sol surgiram no horizonte, João
já se levantara e, silencioso, saíra da pequena cabana que os abrigava. Cami-
nhou devagar em direção ao mar e em algum tempo avistou a praia. Admirou a
beleza do alvorecer, com os raios cada vez mais fortes do astro-rei rasgando o
céu até dominar o espaço. O dia amanhecia belo e cheio de energia. João olhou
ao redor e notou uma pedra bem desenhada que poderia servir de banco. Sen-
tou-se, ainda contemplando o mar e o céu. Depois, indagou em pensamento:
- Deus, meu Pai, Mestre Jesus, o que desejam de mim? Estou aqui, isolado
de tudo e de todos. Como prosseguir com a tarefa de levar o Evangelho ao
povo, de difundir seus ensinamentos, se permitiram que para cá eu viesse? É
chegado o momento da minha passagem para o mundo espiritual?
Ernesto, espírito que fora seu pai em existência longínqua, em Capela, afa-
gou-lhe os cabelos e sussurrou-lhe ao ouvido: "Não, querido Henrique, não é o
momento da sua transição. Serene seu coração e espere tranqüilo. Ainda tem
muito trabalho a fazer. Contamos com você, com sua força física e sua fé em
Jesus".
Registrando no coração aquelas palavras, João sorriu e falou baixinho:
-Estou aqui, Senhor, pronto para fazer tudo o que de mim desejar. Sou seu
servo.
Ele se calou. Mais uma vez Ernesto afagou-lhe os cabelos e beijou-lhe a
fronte envelhecida. Aquela altura João já somava 85 anos de vida, e ainda
mantinha vigor físico que impressionava a todos.
O apóstolo continuou a meditar e orar por mais algum tempo. Foi inter-
rompido pela voz amiga de Ananias:
- Sabia que o encontraria aqui.
João sorriu para o companheiro, que logo se acomodou ao seu lado e co-
mentou:
- É lindo ver o nascer do sol deste local. Muitas vezes tenho vindo para a-
preciar a beleza e orar...
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- É um lugar ideal para a prece. O silêncio ainda domina a paisagem e tudo
vai despertando aos poucos, à medida que oramos. E como se nos integrásse-
mos a toda a natureza, louvando a Deus pelo dom da vida.
Ananias ficou calado. Lágrimas brotaram em seus olhos e lhe desceram pe-
la face. Limpou o rosto, porém elas teimavam em cair. João tocou-lhe o ombro
fraternalmente e indagou:
- O que foi, Ananias? O que o entristece tanto, meu irmão?
- Eu não entendo bem o que acontece, João. Por que estamos aqui, separa-
dos de nossos parentes e amigos? Estamos tentando fazer o bem, conforme
Jesus nos ensinou, e somente isso. Não infringimos nenhuma lei, e tantos cris-
tãos já foram sacrificados, tantos... Por que isso está ocorrendo, João? Você
compreende?
- Meu caro Ananias, não se deixe abater. A tristeza pode vir, é normal, mas
não permitamos que ela tome conta de nós. Lutemos contra a tentação do aba-
timento e do sentimento negativo de derrota. Lembre-se de que somos mais do
que vencedores por aquele que nos amou até a morte.
Depois de breve silêncio, Ananias continuou, enxugando as lágrimas:
- Eu sei, João, e por isso me entristeço. Não consigo ter fé igual à que vejo
em você e em tantos outros cristãos. Apesar de amar o Mestre e confiar nele,
às vezes fico realmente cansado de lutar tanto. Por que tudo isso acontece?
- As resistências e oposições que levaram Jesus ao madeiro são as mesmas
que nos perseguem e querem nos calar. Assim como acham que emudeceram
Jesus, matando-o, pretendem matar a todos nós, para silenciar a própria cons-
ciência que lhes desperta sutilmente na alma. Não querem enxergar, pois isso
os obrigaria a mudar, a abrir mão de seus interesses, de seu orgulho, das ilu-
sões sobre si mesmos e sobre o mundo que acalentam no íntimo. Jesus os in-
comodou, Ananias, e nós, igualmente, muito os incomodamos.
Ananias ficou novamente pensativo. João prosseguiu:
- Apesar de tudo, veja que eles não conseguem calar os cristãos. Alguns
realmente foram sacrificados, mas muitos outros estão abraçando a causa do
Evangelho.
- E dá para crer que logo seremos aceitos e finalmente poderemos viver
nossas vidas, tentando aplicar e ensinar o que Jesus nos deixou? Isso só fará
bem às pessoas... Como é possível que não percebam?
Dessa vez foi João que nada disse. Ananias suspirou fundo, em curto inter-
valo, e confessou:
- Estou cansado, João. Foi muito doloroso para mim perder entes queridos
da minha família. Você sabe, meu pai e meus irmãos foram mortos por ordem
de Domiciano. Minha mulher e meus filhos estão em Efeso, escondidos na
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casa de amigos. Não consigo perdoar totalmente, conforme Jesus nos ensinou.
Sinto muita dor no coração, muita saudade...
- Ananias, você sabe que seu pai e seus irmãos não morreram! Estão vivos
e a serviço de Jesus, em outra dimensão da vida. Eles estão bem, muito bem!
Subitamente, João parou de falar, fechou os olhos por um instante e em se-
guida os abriu.
- E estão aqui agora - disse. Ananias arregalou os olhos e perguntou:
- Aqui, conosco? Eles estão aqui?
- Sim. Seu pai pede que você se tranquilize, pois Ester e as crianças pas-
sam bem. Estão seguras e bem protegidas.
Ananias, tocado pela energia de amor que emanava do pai e dos irmãos de-
sencarnados, vertia copioso pranto. João prosseguiu:
- Seu pai o envolve em terno abraço, Ananias, e lhe diz que eles partiram
porque a hora havia chegado; já tinham cumprido a tarefa que lhes cabia na
encarnação. Agora precisam dar seqüência ao trabalho, no plano espiritual, e
contam com sua ajuda para realizá-lo. Eles têm permanecido muitas vezes ao
seu lado, intuindo-o e orientando-o quanto à forma de colaborar.
Limpando as lágrimas, ele disse:
- Gostaria de poder abraçá-los também. Eu os amo tanto...
- Eles sabem, sentem o seu carinho. Todavia, você os ajudará muito mais
confiando na Providência e sabendo que continuam por perto.
Ananias calou-se, tomado pela emoção. Aos poucos se acalmou e, depois
de prolongado silêncio, afirmou:
- Estou melhor, e só posso agradecer-lhe por me proporcionar tamanha a-
legria.
Sem dizer nada, João abraçou carinhosamente o amigo. Então, Ananias
convidou:
- Não seria melhor irmos? Você precisa se alimentar. Comeu algo antes de
sair?
- Não. Gosto de orar pela manhã, antes de me alimentar.
- Só que agora deve comer.
- Vá indo, Ananias. Eu sigo logo atrás.
- Não, João.Vamos, terá tempo de sobra para voltar aqui quantas vezes qui-
ser; está na hora de cuidar bem de seu corpo, ainda vai precisar muito dele...
João ergueu-se e concordou:
- Tem razão; Ananias; vamos indo.
Enquanto caminhavam em silêncio pela trilha que levava da praia até a ca-
bana, João imaginava quantos cristãos deveriam estar sentindo angústia idênti-
ca à que vira em Ananias. Por certo havia os que compreendiam o sentido do
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sofrimento que lhes era imposto, ao passo que muitos provavelmente se ques-
tionavam sobre os motivos de tanta resistência, de tamanha oposição enfrenta-
da. À medida que pensava, uma idéia lhe surgia, clara e nítida, no fundo da
mente: escrever aos cristãos, esclarecendo e comentando a vitória do Cristia-
nismo no mundo.
Em pensamento indagou: "Quando começaremos?". E a resposta lhe soou
na mente: "Em breve".
Quase um ano se passou. Outros grupos de cristãos chegaram à ilha, con-
tando os horrores que muitos estavam enfrentando por causa dos governadores
romanos. Por toda a parte era árdua a luta dos cristãos. Certa noite, depois de
ouvir alguns deles narrarem o que se passava em diversos pontos da Palestina
e de outras regiões, João se recolheu com o coração dolorido. Sabia que o
combate seria duro, mas sempre que constatava a aridez do coração humano, e
quanto de mal um homem era capaz de fazer ao seu semelhante, ficava triste.
Ao acomodar-se na cama, naquela noite, ele não conseguia dormir. Virava-se
de um lado para o outro, na tentativa inútil de conciliar o sono. Sentou-se, e
escutou mentalmente, com nitidez uma voz: "Durma, João, aquiete-se e durma.
Hoje começará a receber as informações que deverá escrever". Ainda sentado,
ia questionar, quando a voz pediu com suavidade: "Deite-se. Logo você dormi-
rá e então verá, diante de seus olhos, o que deverá escrever".
Acostumado a obedecer às orientações espirituais que recebia, João deitou-
se outra vez, procurando pensar apenas no rosto amigo e meigo de Jesus, que
trazia na memória com todos os detalhes. Pouco a pouco a lembrança o acal-
mou e ele adormeceu. Seu corpo espiritual foi então desprendido do corpo
físico e Ernesto, que o aguardava, perguntou:
- Então, Henrique, está pronto para traduzir o que ainda há por vir para os
cristãos, as lutas e também as vitórias?
Abraçando o querido amigo, João respondeu:
- Estou pronto para tentar.
- Vamos, está tudo preparado. Você verá o desenrolar dos fatos futuros lá
na colônia, e, ao regressar, começará a traduzir para nossos irmãos encarnados
aquilo a que tiver assistido.
João calou-se, pensativo.
- O que foi, está preocupado? - Ernesto indagou.
- Nunca fui muito bom para escrever, você sabe, não é? Tenho lá minhas
dificuldades.
- Não se preocupe. Você terá muita ajuda. Preparavam-se para partir quan-
do João perguntou, com um sorriso:
- Tem visto Elvira?
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- Não, desde que ela regressou para Capela, mas sei que está sempre pen-
sando em nós. Sinto seus pensamentos envolvendo minha mente.
- E como está você, Ernesto?
- Fortalecendo-me com o seu exemplo. João sorriu e abraçou-o.
- Podemos ir agora - falou.
Partiram, Logo alcançaram a colônia, próxima ao orbe da Terra, e lá João
pôde visualizar, numa tela imensa, muitos fatos que ao longo do tempo se su-
cederiam no planeta. Mais tarde, ao retornar, ele pediu:
- Por favor, Ernesto, precisarei de ajuda para o que devo realizar. Não sei
como colocar na linguagem dos meus contemporâneos aquilo que vi hoje.
- Voltaremos muitas vezes à colônia. Você poderá rever o que para você
for motivo de dúvida e conversaremos sobre cada detalhe. Ajudaremos em
tudo que estiver ao nosso alcance. Vai dar certo, não se preocupe.
Na manhã seguinte, o sol já ia alto quando João despertou. A cabana estava
vazia e ele se sentia atordoado. Sentou-se e meditou um pouco, buscando com-
preender tudo o que sentia. Então saiu em busca de Ananias e logo encontrou
Raquel, que informou:
- Ananias foi pescar. Pediu que ninguém o acordasse e todos tentamos dei-
xar a cabana sem fazer barulho.
- E conseguiram. Agora, preciso de pergaminhos, pena e tinta. Tenho de
escrever.
Imediatamente Raquel correu para a cabana e logo surgiu à porta, avisando:
- Está tudo na mesa. Sobre o que o senhor vai escrever? É alguma orienta-
ção para nós?
- Para nós e todos os cristãos, Raquel.
- Puxa, que notícia boa! Sorrindo, João explicou:
- Vou tratar de escrever, antes que o que vi em sonho esmaeça em minha
mente.
Assim, durante os anos que passou na ilha de Patmos, João ocupou-se em
registrar, da melhor forma possível, tudo o que observava no plano espiritual,
com relação ao futuro da Terra e dos homens. Embora desejasse ardentemente
transmitir mensagens de otimismo e esperança, constatava, dia a dia, que o
porvir da humanidade seria marcado por uma longa trajetória de dor, lutas e
muito sofrimento, até que o raiar de nova era libertasse, finalmente, a consci-
ência humana.
Naquele cenário de rara beleza, João escreveu as páginas que seriam co-
nhecidas pelas futuras gerações como o Livro do Apocalipse, retratando uma
das fases de transformação da Terra, em seu processo evolutivo.
12
PRIMEIRA PARTE
"Não cuideis que vim trazer paz à Terra; não
vim trazer a paz, mas a espada."
Jesus (Mateus, 10:34)
“... Na verdade, o Cristo trouxe ao mundo a espada
renovadora da guerra contra o mal, constituindo em si
mesmo a divina fonte de repouso aos corações que se
unem ao seu amor; esses, nas mais perigosas situações na
Terra, encontram, nele, a serenidade inalterável...”
Emmanuel / Francisco Cândido Xavier
"Caminho, Verdade e Vida
13
UM
ROMA, ANO 324 DA ERA CRISTÃ. No salão de audiências ouviam-se os gritos
do poderoso general:
- Saia já da minha frente, verme inútil! Desapareça, suma, ou não sei o
que faço com você!
Licínio2
, agressivo, empurrou o mensageiro que se mantinha curvado dian-
te dele, fazendo-o cair nos degraus da escadaria próxima. O jovem logo se
ergueu e, aterrorizado, saiu rapidamente da sala. Sabia do que aquele velho
general era capaz.
Constância entrou a tempo de presenciar a cena e, verificando a enorme ir-
ritação do marido, indagou:
- Por que maltrata tanto o pobre rapaz? Ele trouxe más notícias? O experi-
ente general do império endereçou olhar furioso à esposa e limitou-se a dizer:
- E seu irmão outra vez.
Aproximando-se do marido e buscando aparentar calma, Constância insistiu.
- E o que foi agora?
- Sei muito bem o que ele planeja, suas intenções...
- O que houve?
Medindo a mulher de alto a baixo, o general disse, enquanto saía apressado
do amplo salão:
- Não vai vencer, escreva o que digo... Por Zeus! Ele não vai vencer!
Constância fez Licínio estacar na porta ao argumentar:
- Constantino é determinado e ardiloso. Consegue tudo aquilo que deseja.
Ele virou-se para ela e esbravejou, ainda mais contrariado, deixando per-
ceber todo o seu furor contra o opositor:
- Tem conseguido ampliar o território sob seu poder à custa de muito ouro
e muitas vidas romanas. Sabe seduzir os generais com seus argumentos e pon-
tos de vista, mas não é perfeito. Pelos deuses! Quem ele pensa que é? Quer
dominar todo o império. Quer tornar-se o único César, poderoso e absoluto!
Constância afirmou, hesitante:
- Provavelmente sim.
- Pois ele não conseguirá! Vou impedi-lo, custe o que custar! A mulher se-
gurou o braço do marido e advertiu:
- Seja cauteloso. Com Constantino, todo o cuidado é pouco. Por favor, veja lá
o que planeja. Além do mais, é meu irmão, e não quero que nada lhe aconteça.
2
Valério Liciniano Licínio, coimperador romano no período de 308 a 324 d.C.
14
- Não se iluda, Constância. Ele jamais teria qualquer piedade de você.
A esposa argumentou:
- Está enganado. Constantino é um homem determinado, ambicioso e astu-
to, mas é justo. Não faria nada que me prejudicasse, a menos que eu o prejudi-
casse primeiro. Portanto, pense muito bem antes de agir contra ele.
Sem responder, o velho general desapareceu pelo corredor, deixando a es-
posa a meditar. Respeitava o marido e admirava o irmão; queria bem aos dois,
mas temia pelas atitudes sempre intempestivas de Licínio. Sentou-se e, obser-
vando pela janela a movimentação dos soldados sob as ordens do marido, fi-
cou a se perguntar o que exatamente estaria acontecendo. Licínio se irritava
muito com as atitudes de Constantino; embora antes fossem muito próximos
(até mesmo o seu casamento havia sido negociado com o irmão, para estreitar
os laços entre eles), agora estavam a ponto de um confronto direto. Depois de
muitas lutas e combates, mentiras e traições, assassinatos e disputas cruéis, que
não poupavam ninguém e nem mesmo laços familiares dos mais próximos,
Constantino havia conquistado toda a região ocidental do império, tornando-se
o imperador do Ocidente, e Licínio era então o Augusto do Oriente. Ambos
dividiam o poder do imenso território sob a égide da águia.
O olhar de Constância, que parecia perdido, encheu-se de temor. Ela conti-
nuava a refletir que haviam sobrado apenas os dois e que seu irmão não dividi-
ria o poder. Pressentia que eles iriam entrar em confronto direto, e não demo-
raria muito. Tirando de sob as roupas, junto ao peito, uma pequena cruz de
madeira que trazia pendurada em uma corda fina feita de couro, apertou-a com
uma das mãos e pediu, baixinho:
- Ajude-me, Jesus, por favor. Proteja Constantino e também Licínio. Não
deixe que minha família seja dizimada por essas disputas estúpidas de poder!
Por favor, Nazareno, olhe por mim...
Ainda segurava firme a pequena cruz quando sua serva pessoal entrou, o-
fegante:
- Minha senhora, precisa vir depressa!
- Calma, Ana. O que foi?
- Venha, senhora, rápido! Uma desgraça está prestes a acontecer! A senho-
ra precisa impedir!
Constância acompanhou Ana pelos corredores do palácio até chegar à por-
ta do gabinete do marido que, aberta, permitia que o escutasse a gritar pela
sacada do amplo salão, diretamente aos soldados. Enfurecido e enlouquecido,
ele gritava:
- Meus leais servidores, moradores da bela e poderosa Bizâncio, obedeçam
às minhas ordens. Quero que todos os funcionários cristãos deixem seus postos
15
e partam imediatamente. Que não fique um só em meu reino. Todos fora! São
traidores, perigosos, eu os quero longe daqui. Todos servem a Constantino!
Constância aproximou-se do marido e, segurando-o pelo braço, implorou:
- Acalme-se, por favor! O que está fazendo?
Ele arremessou-a para longe com toda a violência, fazendo-a cair sobre um
banco e depois sobre uma mesa mais adiante. A serva ia entrar para socorrer
sua senhora, que continuava no chão, ferida, quando Licínio, olhando-a com
fúria, gritou:
- Não ouse entrar em meu gabinete, cristã imunda! Suma daqui! A ordem é
para você também! Suma da minha frente ou acabo com você com minhas
próprias mãos! Já! Desapareça!
Em seguida ele voltou para a sacada, e continuou a gritar aos subordina-
dos:
- Até o final do dia quero todos os cristãos bem longe daqui. Todos eles,
sejam romanos ou não! Não quero um remanescente! Aqueles que não concor-
darem com minhas ordens, podem partir também. Quero limpar meu reino
dessa praga e vai ser hoje mesmo.
Constância permanecia no chão, desacordada e ferida na cabeça. Total-
mente cego pelo ódio que sentia por Constantino e por seus freqüentes avanços
militares, Licínio escrevia uma ordem expressa para que, em todas as cidades
de seu reino, os cristãos fossem banidos imediatamente de qualquer cargo ou
função que tivessem em qualquer área relevante. Que se tornassem todos es-
cravos! Assim que terminou, saiu da sala com o pergaminho nas mãos e sumiu
no corredor, diretamente para o grêmio onde ficavam os seus soldados mais
graduados. Levava pessoalmente a ordem.
Ana, que se afastara aturdida, buscou ajuda de outra serva de confiança de
Constância, que mantinha em segredo sua opção pelo Cristianismo, e pediu:
- Helena, precisa ajudar a senhora! Ela está ferida.
- O que houve?
- Já escutou a ordem do imperador Licínio?
- Sim, já correu por todo o palácio.
- A nossa senhora tentou intervir e ele a empurrou...
Ana começou a chorar angustiada. Helena trouxe-lhe um pouco de água e
pediu:
- Fale, o que houve?
- Eu acho que a matou...
- Não é possível! Ele não seria capaz...
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- Acho que foi sem querer. Ele estava com muita raiva, jogou-a com força
e ela caiu e bateu a cabeça na mesa... Vi que sangrava... Se não está morta,
acho que está morrendo...
Pálida, Helena ergueu-se dizendo:
- Precisamos ajudá-la!
- Eu não posso. O imperador me impediu de entrar em seu gabinete e me
quer fora do palácio. Se me encontrar de novo por aí, é capaz de me matar...
Precisava ver como ele estava... Parecia fora de si, enlouquecido... Você preci-
sa ajudá-la... Eu não posso fazer nada!
Helena pensou por um instante e, virando-se para Ana, pediu:
- Vá então, Ana, vá antes que ele a encontre. Mas primeiro peça a Juliano
para vir até aqui; diga que a mãe está ferida, não fale de suas suspeitas mais
graves.
Olhando para o céu, disse:
- Tenho esperança de que ela esteja apenas ferida. Agora vá. Procure por
Juliano e diga que me encontre no gabinete de Licínio. Vamos socorrer Cons-
tância.
Antes de sair, ao alcançar a porta, Ana se voltou e disse, em lágrimas:
- Tome cuidado, Helena. Ele está fora de si...
Ana saiu depressa e Helena correu pelos corredores, encontrando
amigos e parentes que, com alguns pertences nas mãos, fugiam assustados. Ela
seguiu até atingir a parte mais alta do edifício, onde ficava o amplo salão de
Licínio. Observou que estava vazio e correu até Constância. Havia sangue es-
palhado sob sua cabeça e Helena constatou que o ferimento era grave. Debru-
çou-se sobre o peito da outra e escutou-lhe o coração. Ainda batia. Logo, Juli-
ano entrou, à procura das duas:
- Estou aqui.
Ele estava lívido, com as mãos trêmulas e suando frio. Olhou para a mãe e
depois para Helena e perguntou, assustado: -Ela... está...
- Ela está viva, mas precisamos tirá-la logo daqui e tratá-la. Se perder mais
sangue, não sei o que poderá acontecer...
- É claro! Mas o que foi que deu no meu pai dessa vez?
- Não sei, Juliano. Acho melhor você se preocupar com isso depois. Agora
precisamos socorrer sua mãe.
- Claro...
Helena rasgou parte de suas vestes e cobriu o ferimento, procurando estan-
car o sangramento. Assim que o curativo improvisado ficou pronto, Juliano
carregou a mãe para seu quarto e colocou-a na cama.
- E agora, o que faremos? Helena não titubeou:
17
- Vou procurar ajuda. Fique aqui com ela e não deixe ninguém se aproxi-
mar antes que eu chegue, está bem?
O rapaz balançou a cabeça afirmativamente.
DOIS
JULIANO SENTOU-SE À BEIRA da cama e afagou com ternura o rosto da mãe.
Seu coração batia descompassado; suas mãos suavam frio e de seus olhos des-
ciam pesadas lágrimas que corriam pela face alva, alcançando, vez por outra,
as mãos de Constância. Esta, imóvel, empalidecia mais e mais, e agora já tinha
os lábios arroxeados. O rapaz olhava para a porta a todo instante, ansioso para
que alguém aparecesse em socorro da mãe. Ele a beijou na face e sussurrou,
angustiado:
- Por favor, mamãe, agüente! Helena foi buscar ajuda. Não morra, por fa-
vor...
Escutou a voz forte e irritada do pai:
- O que está fazendo aqui? Onde está sua mãe? Juliano ergueu-se indigna-
do:
- Não está vendo que ela está aqui, prestes a morrer por sua causa?
Sustentando o olhar arrogante, Licínio, incrédulo, acercou-se da ampla
cama que acomodava a esposa. Fitando-a, exclamou:
- Não tive a intenção de machucá-la, mas ela insistia em interferir em mi-
nhas ordens!
- Não sente nada por ela, mesmo, não é?
- E quem você pensa que é para questionar meus sentimentos, rapaz?
Ainda não sabe nada da vida, das dificuldades e desafios que o mundo nos
impõe. Não tem o direito de julgar-me ou discutir meus atos.
- Você machucou a minha mãe, tratou-a com violência, e é só isso que me
diz? Vem ainda me censurar...
Juliano interrompeu-se, em pranto. Licínio aproximou-se mais da mulher,
auscultou-lhe o coração, ergueu-lhe a cabeça e observou o curativo e o feri-
mento. Depois, recolocando-a com cuidado na cama, ergueu-se e disse:
- A mim você não puxou, definitivamente. Parece uma mulherzinha cho-
ramingando. Vou buscar alguém que a possa ajudar.
Sem esperar pela resposta do rapaz, Licínio saiu decidido. Antes de deixar
o cômodo, no entanto, virando-se para o rapaz, disse:
18
- Mandarei um dos sacerdotes vir vê-la. Depois partirei com meus melho-
res homens para terminar o que comecei. Quero expulsar definitivamente to-
dos os funcionários cristãos que trabalham em áreas administrativas do meu
reino.
- Por que tanto ódio, meu pai?
- Você pensa que sabe alguma coisa sobre esses cristãos, mas não sabe. E-
les são como uma praga que se espalha por toda parte e se infiltra em todas as
áreas do império. Um sem-número de aristocratas da mais alta casta romana
está se juntando a esses seguidores de um mestre nazareno que faz milagres e
promete vida eterna... Vida eterna... Promete o paraíso...
- Eu realmente não o compreendo, meu pai. Não foram você e meu tio que
fizeram promulgar o Édito de Milão, em que determinam que haja tolerância
religiosa no império? Você apoiou tio Constantino e fez valer essa lei. Por que
fez isso, se não aprecia os cristãos?
Licínio, de cenho fechado e olhar distante, considerou:
- Eram outros tempos, muito diferentes de agora. Constantino ainda tinha
algum respeito pelos seus colegas militares, e talvez até mesmo pelos desgra-
çados cristãos. Agora, todos não passam de instrumentos de seus interesses, de
bonecos em suas mãos... De coisas, entendeu? Coisas que ele usa conforme
seus desejos e caprichos. A cada um ele usa e descarta, como fez comigo. Ou
você acha que seu tio vai descansar enquanto não me enfrentar?
Licínio parou por um momento, depois bradou, ainda mais enfurecido:
- E vou derrotá-lo! Ele não me vencerá!
Juliano baixou a cabeça, limpando as lágrimas, e fitou a mãe com terna
tristeza. Licínio sumiu esbravejando pelo corredor. Podia-se escutar sua voz
ecoando pelo palácio e desaparecendo aos poucos. Logo que Licínio afastou-
se, Helena entrou depressa, trazendo consigo um médico romano, que havia
pouco se tornara cristão. Já conhecendo a gravidade do problema de Constân-
cia, ele não demorou a fazer-lhe novo e cuidadoso curativo, e em seguida fê-la
beber um preparado que ele fizera com muitas ervas, para restituir-lhe a força
e ajudar seu próprio corpo na restauração do ferimento. Helena o ajudava, ob-
servando-o em silêncio. Juliano se afastara um pouco, pois não suportava ver a
mãe naquelas condições. Otávio não havia ainda terminado os seus cuidados,
quando Gripínio, o sacerdote mais graduado e responsável pelos serviços aos
deuses romanos, entrou no quarto em busca da mulher de Licínio. Juliano adi-
antou-se e informou:
- Otávio já cuidou dela.
- Seu pai ordenou que eu a visse.
19
- Pois ele não está aqui agora. Eu, sim, e digo que ela já recebeu os cuida-
dos de que necessitava. Deixe-nos. Meu pai não sabia que eu já mandara vir
ajuda, por isso foi procurá-lo.
- Engano seu. Ele foi à minha procura porque confia em mim e sabe que
farei o que é o melhor para salvar sua mãe.
- Ela já foi socorrida. Agradeço, mas não necessitamos mais de sua ajuda.
- Pois bem, se algo acontecer a ela, será sua responsabilidade!
- Minha?! Ora essa! Meu pai foi quem quase a matou e você vem me dizer
que a responsabilidade será minha?
- Então me deixe vê-la!
Otávio, que terminara o atendimento, interveio:
- Consinta que ele a veja, Juliano. Que mal pode haver? O estado dela é
muito grave e toda a ajuda é bem-vinda.
O rapaz afastou-se da cama para que Gripínio se aproximasse. Ele a exa-
minou minuciosamente; depois se ajoelhou e fez alguns gestos, pedindo socor-
ro aos deuses. Em seguida, fitou Otávio, que aguardava em silêncio, e disse a
Juliano:
- Ela recebeu cuidados adequados. Agora está nas mãos dos deuses. Vou
até o templo preparar um sacrifício especial pela vida dela. Eles haverão de me
escutar.
Juliano balançou a cabeça sem dizer nada e Gripínio saiu do quarto. Otávio
aproximou-se do rapaz e, tocando-lhe o ombro, disse:
- Como disse antes, o estado dela é bem delicado. O que podemos fazer
agora é pedir a Deus por ela.
- Será que está sentindo muita dor?
Dessa vez foi Helena quem se aproximou e disse:
- Uma das ervas que Otávio lhe deu tem efeito de atenuar a dor. Dirigindo-
se ao médico, ela indagou:
- Não há mais nada que possamos fazer?
- Continue dando o chá de hora em hora. Isso vai ajudá-la. Se seu estado
piorar, veremos o que podemos fazer. Por enquanto, temos de aguardar.
Helena se prontificou:
- Se você me permitir, Juliano, vou ficar aqui cuidando dela, dia e noite.
Otávio também se ofereceu:
- Tenho algumas tarefas para terminar, mas depois posso ficar aqui tam-
bém.
Apertando as mãos de Helena e depois de Otávio, ele concordou:
- Aceito, por certo.
20
O estado de Constância alternou fases de ligeira melhora e de piora acen-
tuada nos dias que se seguiram. Ela permanecia inconsciente. Às vezes sussur-
rava palavras desconexas, quase incompreensíveis, em outras calava comple-
tamente. Juliano, dedicado e amoroso, não saía do lado da mãe. Otávio e Hele-
na também se revezavam em cuidados e atenção e a jovem, vez por outra, ajo-
elhada à beira da cama, orava ao Mestre que há pouco conhecera, rogando pela
vida daquela mulher aparentemente frágil, mas cheia de força interior. Muitas
vezes, ao terminar suas orações, ia devagar até a cabeceira da cama e sussurra-
va no ouvido de Constância:
- Não nos abandone. Por favor, lute!
Algumas semanas depois, a notícia do ocorrido com a irmã chegou aos ou-
vidos de Constantino3
. Ele permanecia sentado, ocupando o lugar de maior
destaque no centro de seus conselheiros, e ouvia a narrativa sobre as últimas
ações de Licínio sem esboçar nenhuma reação. Constantino era um general
respeitado pelos seus homens e pelos seus súditos. Conquistara cada pedaço do
território romano que ora estava sob seu controle com muita astúcia e arguta
estratégia, o que o tornara um conquistador querido e respeitado.
Com rosto de forte ossatura, transparecia em seu corpo e sua postura a de-
terminação e a coragem de, destemida e sabiamente, lutar pelas suas aspira-
ções. Constantino parecia incansável e inabalável. Nada tirava dele a calma e a
determinação na tomada de decisões e nas ações. Ele raramente reagia e, sim,
utilizava toda e qualquer informação ou situação em seu favor. Quando o men-
sageiro terminou de narrar o que se passava no império do Oriente, ele parecia
distante, mas logo perguntou:
- E como está minha irmã agora?
- Não sabemos exatamente, parece que seu estado é muito grave.
- Está recebendo os cuidados devidos, ou Licínio a abandonou à própria
sorte?
- Juliano, seu sobrinho, é quem está tomando conta dela. Constantino ca-
lou-se, pensativo. O silêncio era absoluto no salão, quando um soldado surgiu
à porta e interrompeu a reunião:
- Senhor, um mensageiro da fronteira chegou apressado e deseja falar-lhe.
Diz que é extremamente urgente.
Constantino não respondeu, apenas inclinou a cabeça afirmativamente. O
soldado reproduziu o sinal positivo e saiu apressado. Logo retornou com o
mensageiro, que aparentava abatimento e cansaço extremo.
- Senhor, trago notícias da fronteira. Más notícias, senhor. Constantino dis-
se, atento:
3
Constantino I, Constantino Magno ou Constantino, o Grande.
21
- O que houve?
- Os sármatas se preparam para invadir o reino do Ocidente. Já arregimen-
taram grande número de homens, que não param de chegar. O exército deles
está crescendo a cada dia.
O imperador guardou silêncio. Seus generais mais leais e seus conselheiros
já o conheciam bem e sabiam que seu silêncio era a maior ameaça contra seus
inimigos. Todos esperavam pelo que diria Constantino, sem se manifestarem.
Ele se levantou, caminhou até um mapa de seu reino e de suas fronteiras, exa-
minou o desenho com atenção, depois virou para o soldado e perguntou:
- Mostre-me onde exatamente se concentram.
O jovem foi até o desenho colocado sobre uma mesa enorme, observou o
mapa com atenção, depois apontou:
- Estão aqui, entre as montanhas...
Constantino observou o lugar exato que o jovem apontara, depois sorriu
levemente e sugeriu:
- Descanse e coma um pouco. Parece exausto.
- Agradeço, senhor, mas estou a seu serviço, aguardando suas ordens. Só
descansarei depois que o atender, meu senhor.
Tocando-lhe o ombro, Constantino insistiu:
- Descanse, pois tenho planos para seu regresso.
O jovem escutava o imperador com atenção, assim como os demais ouvin-
tes. Constantino aproximou-se do mapa, analisando ainda melhor cada detalhe,
depois se virou para o rapaz e disse:
- Amanhã quero que parta bem cedo e vá direto ao meu amigo, Augusto do
Oriente, Licínio.
Sem compreender, todos aguardavam o esclarecimento de seu líder, que
prosseguiu depois de longa e premeditada pausa:
- Quero que Licínio nos permita atravessar seu território para exterminar-
mos os sármatas. Quero que ele me autorize a atravessar suas cidades mais
lucrativas, para surpreender os sármatas, pelos flancos, certamente por onde
não esperam que ataquemos.
Um de seus generais apenas balbuciou:
- Mas esse é o caminho mais longo... Constantino comentou, com sorriso
irônico:
- Pode até ser mais longo, mas iremos conquistando tudo o que estiver em
nosso caminho. Ao nos defrontarmos com os sármatas, não somente nosso
exército será maior, como meu império estará consolidado. Confie em mim,
Galenius, sei o que estou fazendo.
22
Erguendo todo o seu corpo e esticando o braço em sinal de profundo res-
peito, Galenius saudou o seu imperador:
- Não tenho a menor dúvida disso! Ave César! Todos em uníssono repeti-
ram:
-Ave!
Constantino manteve-se sério e em silêncio. No entanto, um observador a-
tento registraria em seu olhar a enorme satisfação que sentia pela destacada
posição que ocupava, pela admiração que recebia de seus subordinados e súdi-
tos, bem como pela perspectiva cada vez mais próxima de tornar-se o único
imperador de Roma.
TRÊS
À MEDIDA QUE os GENERAIS e conselheiros deixavam a sala em alvoroçada
conversa, Constantino acomodou-se em sua cadeira suntuosa, seu trono. Sen-
tou-se e observou seus homens se afastando; apenas os mais próximos ainda
permaneceram com ele. Mentalmente, felicitou-se por estar mais uma vez a-
proveitando tão bem as circunstâncias em seu favor. Claro que não ficara feliz
com a notícia de que a irmã estava doente, mas a agressão de Licínio contra
ela era desculpa mais do que suficiente para que seus homens o seguissem em
sua condição de Augusto ferido no orgulho familiar. Licínio mais uma vez
passava por um brutamontes, e deveria ser contido a todo o custo.
Ele acompanhou a movimentação com o olhar, depois fitou Marco e inda-
gou:
- Está comigo no que pretendo fazer?
- Sim, sem restrições, senhor.
Constantino levantou-se, tocou-lhe o ombro e comentou:
- Meu bom Marco, eu sei que posso contar com você. O outro respondeu
sem pensar:
- E como poderia ser diferente? Licínio quase lhe mata a irmã!
Constantino aproveitou e, ainda que demonstrasse fixar apenas Marcos, es-
tudava de canto de olho as mínimas reações de Helenus e Domenico; consci-
ente da admiração e do respeito que ambos dedicavam aos cristãos, arrematou:
- Ele está piorando a cada dia. E esse problema com os cristãos, agora?
Os outros dois permaneciam calados. Marco, Helenus e Domenico eram os
três homens de confiança absoluta de Constantino, o que no império romano
daquela época era algo quase impossível. Temia-se até a própria sombra. Os
três generais que ocupavam a mais alta graduação do exército pretoriano havi-
am sido transformados em guarda pessoal do imperador do Ocidente e agora
23
acompanhavam-no em tudo, participando de todas as suas decisões. Experien-
tes e astutos, apoiavam Constantino, não sem questionar-lhe, muitas vezes, as
ações.
Constantino calou-se, usando o silêncio como tão bem sabia fazer. Voltou
a sentar-se e fixou o olhar para fora da janela, distante. Pensava ativamente nas
estratégias que usaria para vencer Licínio. Esperava pelo apoio de seus ho-
mens de confiança, pois sabia do tremendo desafio que vencer o imperador do
Oriente representaria. Seria uma batalha das mais difíceis, pois o próprio Licí-
nio era igualmente um general experiente e dominador, possuindo um exército
muito maior do que o de Constantino, em número de homens.
Finalmente, Helenus e Domenico aproximaram-se de Constantino e, reve-
renciando-o, afirmaram:
- Também estamos com você em sua decisão. Licínio precisa ser detido.
- Ótimo. Logo mais nos reuniremos para traçar um plano de ataque deta-
lhado. Já tenho algumas idéias e poderemos definir nossa estratégia.
Helenus e Domenico se retiraram, enquanto Marco permaneceu ao lado de
seu imperador, a quem tanto admirava. Daria a própria vida por ele, tamanha
sua admiração. Constantino, confortavelmente instalado em seu trono, pensava
em suas estratégias, e, apesar de estar convicto de sua decisão, sentia um des-
conforto ao imaginar-se confrontando Licínio. Era a sua consciência que bus-
cava espaço para alertá-lo do perigo de suas intenções.
Ao perceber-lhe o titubear sutil, duas entidades espirituais, trajando pesado
manto negro, aproximaram-se dele e sussurraram-lhe aos ouvidos da mente:
"Licínio precisa ser detido. Não há nada de errado nisso. Você, e somente vo-
cê, deve ser o único e absoluto César de Roma. Será muito melhor para o im-
pério. Um reino dividido não pode subsistir. Roma precisa de você. Você,
Constantino I, será um imperador que marcará a história de sua época e jamais
será esquecido. Um reino dividido não pode subsistir... Um reino dividido não
pode subsistir...".
Registrando as palavras do espírito ao seu lado, Constantino tomou-as co-
mo seus próprios pensamentos e sentiu-se aliviado. Sem dúvida, estava fazen-
do o correto.
Distante dali, Juliano acabara de pousar sobre a mesa uma cumbuca com
água fresca que dera à mãe. Olhando pela janela, suspirou profundamente.
Com olhar distante, pensava no pai, no tio e em toda a situação do império. Ele
desprezava a atitude de Licínio, sua ganância e seu desejo de poder o enoja-
vam - especialmente porque detectava na corte, e naqueles que circundavam
seu pai e acompanhavam seus passos de perto, os interesses acima de tudo.
Percebia o ambiente hostil em que passara toda a sua vida, com medo de to-
24
dos, sempre protegido pela mãe. Aquilo não era a vida que ele imaginava. Não
apreciava aquela disputa pelo poder a qualquer preço. Quando acompanhava o
pai em alguma viagem perigosa, a mãe sempre o cercava de uma guarda pes-
soal reforçada, temendo pela sua vida. Ela temia até que o próprio pai lhe fi-
zesse mal, e ele também. Definitivamente não confiava no pai. Também não
confiava no tio. A única pessoa em quem de fato confiava era sua mãe. E na-
quele momento ela estava naquele estado, praticamente entre a vida e a morte.
Estava distraído quando escutou:
- Meu filho...
Sem acreditar, correu até a mãe. Ajoelhando-se, beijou-lhe a face e em lá-
grimas balbuciou:
- Mãe... graças aos céus...
- Onde está seu pai?
- Eu não sei. Ele viajou, acho. Fique calada, mãe, você não pode fazer ne-
nhum esforço. Foi ferida gravemente e precisa ficar tranqüila para se curar.
- Seu tio...
- Constantino?
- Sim... Precisamos falar com ele...
- Por quê?
- Sei que algo ruim vai acontecer...
- Não, mãe, você precisa se acalmar. Tudo ficará bem, mas precisa ficar
calma. Como se sente?
- Estou com fome. Juliano exclamou sorrindo:
- Isso é um ótimo sinal! Você está melhorando! Que maravilha, mal posso
crer...
- Pensou que iria livrar-se de mim tão fácil?...
- Não diga isso, mãe. Não sabe o quanto sofri esse tempo todo.
- Faz tempo que estou aqui, nesta cama?
- Umas duas semanas.
Fazendo menção de erguer-se, foi impedida pelo rapaz:
- Não, mãe, o que está fazendo? Não pode levantar-se ainda. Deixe que
Otávio a examine primeiro. Você ficou muito mal...
Constância, impedida pelo filho, voltou a deitar-se enquanto falou:
- Sinto-me bem. Apenas um pouco tonta e fraca, mas estou bem. Não te-
nho nenhuma dor.
- Mas seu corte foi fundo e você perdeu muito sangue. Agora vai precisar
de uma dieta especial por algum tempo para poder recuperar-se por completo.
Portanto, fique aí quietinha. Logo Helena virá e então pedirei que chame Otá-
vio. Somente ele poderá autorizá-la a se levantar.
25
- Estou aflita por seu pai. Onde ele está?
- Já disse que viajou, mãe.
- Para onde? Quando volta?
- Ele saiu daqui enfurecido. Sabe que tio Constantino o irrita profundamente.
- Eu sei.
- E receio, mãe, que não haja mais nada que possamos fazer.
- Eles se enfrentarão em breve.
- O que me diz? Ele lhe falou que iria atacar Constantino?
- Não. Constantino marchará contra seu pai.
- Como sabe?
- Eu simplesmente sei e temo por ele.
- Como pode ainda querer-lhe bem, depois de tudo? E não somente o que
lhe fez agora, mas a forma como a tratou a vida inteira?
- Fui e sou fiel aos meus deveres. E você também deve ser. O caráter de
um homem se mede pelo respeito que ele tem por si mesmo e pelos seus seme-
lhantes.
- Acontece que meu pai não tem respeito por ninguém.
- E como aprenderá, se o tratarmos de igual modo?
Juliano sorriu afetuoso e comentou, depois de longo período de silêncio:
- Simplesmente não sei como consegue, mãe. Constância insistiu:
- Sabe onde ele está?
- Não, mãe, ele não me disse nada e realmente não me interessei em saber.
Em breve estará de volta.
Apreensiva, ela balbuciou:
- Não tenho tanta certeza...
Helena entrou e ao deparar com os dois conversando, correu ao encontro
deles, chorando:
- Minha senhora, graças a Deus acordou! Está melhorando...
A madura senhora respondeu:
- Seria melhor estar no mundo espiritual agora, mas ainda tenho tarefas a
cumprir por aqui.
Limpando as lágrimas Helena disse, segurando as mãos de sua senhora:
- Fico feliz, a senhora nos faria muita falta.
26
QUATRO
DUAS TESTEMUNHAS espirituais assistiam àquela cena repleta de alegria,
suavidade e amor. Com vestes diáfanas e luminescentes, Angélica acompa-
nhava o despertar de Constância, de quem havia cuidado carinhosamente. Sor-
rindo, ao constatar finalmente a recuperação de sua protegida, comentou com
Maurício:
- Pode voltar agora à colônia. Ela ficará bem.
O belo rapaz, que mais lembrava a figura de um anjo, tão insistentemente
retratado por artistas de todos os tempos, fitou Angélica com ternura e pergun-
tou:
- Tem certeza?
- Sim, ela conseguiu responder muito bem ao nosso tratamento. Seu corpo
está em recuperação e o quadro é promissor.
Fazendo pequena pausa, ela prosseguiu, com suave entonação na voz:
- Você ajudou muito, agradeço mais uma vez.
- Não me agradeça. Devemos tudo a Jesus.
- Sim, eu sei. Agora é importante que você retorne à colônia, levando a Er-
nesto as boas notícias. Pelo empenho com que tem acompanhado o processo
de expansão do Evangelho de Jesus sobre a Terra e pelo seu envolvimento em
todos os detalhes, ele gostará de saber que conseguimos impedir a partida de
Constância antes do previsto.
- Vou agora mesmo. Você me parece cansada. Vai demorar-se muito ainda
aqui?
- Ficarei até que a situação se acalme.
- Mas parece agravar-se cada vez mais.
- Você sabe o porquê.
Ambos emudeceram por longo tempo. Maurício, por fim, comentou:
- É... Não podemos desanimar.
- De modo algum; vamos perseverar. O Cristianismo haverá de triunfar so-
bre a Terra. Por mais que haja resistência de todos os lados, a verdade que Je-
sus veio trazer à humanidade prevalecerá!
- Por quanto tempo ainda negaremos e deturparemos seus ensinamentos?
Por que o homem não compreende o que o Mestre veio ensinar?
- Porque somos ainda crianças, espiritualmente falando. Temos muito a a-
prender, e enxergamos tudo com nossa limitada compreensão da realidade.
- E por que alguns conseguem e outros não?
27
- É por causa da humildade e da fé. Alguns já conseguem ser humildes o
suficiente para intuir que são limitados demais, e não podem confiar nas pró-
prias interpretações; precisam buscar a verdade. E mais do que isso: estão dis-
postos a fazer o esforço necessário para trilhar o caminho da iluminação espiri-
tual, da regeneração de si mesmos. Estão dispostos a abrir mão dos prazeres e
ilusões passageiros, para dedicar seus esforços àquilo que é essencial e perene.
- Por quanto tempo ainda os cristãos sofrerão tamanha perseguição? Não
deveria ser assim, não é mesmo?
- Quem somos nós para tirar esse tipo de conclusão? No entanto, meu mais
profundo desejo é que os homens despertem do sono da ignorância em que
ainda estão imersos. Mas agora é melhor que você vá. Leve notícias e peça
novas orientações. Preciso saber em que poderei ajudar, no caso de as suspei-
tas de Constância estarem certas. As circunstâncias se precipitam cada vez
mais e estou receosa pelas decisões que Constantino tem tomado; ele vem co-
laborando com os nossos objetivos, como se propôs, mas sinto que pouco a
pouco distancia-se, na essência, daquilo que deveria fazer.
- Mas ainda age em nosso favor.
- Aparentemente. Entretanto, sinto que suas motivações estão se desvirtu-
ando.
- Se estiver certa, ele poderá perder-se a qualquer momento.
- Esse é o meu receio. Preciso da ajuda de nossos orientadores do Mais Alto.
Sem demora, ambos se despediram e Mauricio partiu em direção a uma co-
lônia espiritual situada sobre a região da Europa central. Não teve dificuldade
de ultrapassar a grande diferença de vibrações entre os planos material e espi-
ritual, e logo cruzava enorme portão que se abria para uma região espiritual de
serena suavidade e intensa atividade do bem. A atmosfera se fez mais leve,
doce fragrância de flores as mais diversas invadia o ar; pássaros e borboletas
coloridas cruzavam o céu. Maurício deteve-se diante da beleza da colônia e
respirou fundo, haurindo com satisfação as energias sutis que vibravam no
ambiente. Entrou. Logo estava em companhia de Ernesto, que o aguardava:
- Maurício, é bom vê-lo. Que notícias nos traz dos irmãos encarnados?
Acomodando-se ao lado do orientador, Maurício suspirou:
- A situação continua difícil.
- Tenho percebido grande adensamento energético sobre o planeta.
- Sim, como se nuvens negras e pesadas se acumulassem sobre a Crosta.
Apesar disso, trago-lhe boas notícias. Conseguimos contribuir efetivamente
para a melhora de Constância. Ela acaba de despertar e se recupera muito bem.
- Excelente trabalho, Maurício. Ela é nossa grande aliada no sentido de
manter Constantino nos trilhos de sua programação. Ela é fundamental.
28
O rapaz prosseguiu, interessado:
- Angélica continua dedicada à sua recuperação.
- Ela tem conseguido maior influência sobre Constantino?
- Tem trabalhado muito, mas também está receosa de que ele se desvie de
sua tarefa.
- Honestamente, Maurício, eu também estou, e muito.
O jovem fitou Ernesto sem dizer palavra. Também estava apreensivo. De-
pois de breve pausa, indagou:
- Achei que talvez Angélica exagerasse... Então ele realmente está se des-
viando da tarefa?
- Pouco a pouco, quase imperceptivelmente, vem se distanciando de nossa
programação.
- E o que podemos fazer?
- Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance, mas a decisão é dele.
Sério, Maurício indagou:
- Conhece-o há muito tempo?
- Sim, desde Capela. Surpreso, Maurício comentou:
- É... faz tempo mesmo. Também vieram de lá?
- E chegamos antes de você, um pouco antes.
- A grande maioria já retornou....
- Contudo, há ainda muitos por aqui. Estamos tentando, não é mesmo?
- Sinto saudade de meu verdadeiro lar. Desejo retornar assim que for pos-
sível; mas como fazer isso, deixando para trás tantas pessoas queridas? Não
posso, por enquanto.
- Sei bem o que sente. É o caso de Ferdinando, ora vivendo na Terra como
Constantino.
- Ele já tem preparo suficiente para realizar a tarefa que se propôs.
- Certamente. Entretanto, não importa quão preparados estejamos, sempre
poderemos falhar; basta uma distração, um enveredar pelo caminho do orgulho
e nos deixar dominar por ele, e pronto. O retorno fica muito difícil.
Calaram-se novamente. Ernesto ergueu-se, caminhou até uma grande jane-
la que dava para florido jardim e comentou, por fim:
- Continuemos orando e confiando. Deus jamais permite que se coloque
sobre qualquer de seus filhos peso maior do que está preparado para suportar.
Confiemos que Constantino será capaz de reencontrar-se e ser vitorioso, afinal.
29
CINCO
ERA MADRUGADA QUANDO o mensageiro de Constantino alcançou os por-
tões de Bizâncio. Constância, que se recuperara quase completamente do triste
incidente com o marido, deu um pulo na cama e sentou-se, tremendo, assusta-
da. Ofegante, tirou o pequeno crucifixo que trazia junto ao peito e suplicou:
- Mestre Jesus, socorra-me e à minha família. Meu coração está opresso e
me diz que algo sombrio está por acontecer. Ajude-nos, por favor...
Sem compreender por que a dor no peito a oprimia tanto, não pôde conter
as lágrimas que lhe desciam pela face alva. Pedindo repetidamente o socorro
de Jesus e de seus enviados, ela finalmente conseguiu acalmar-se e voltou a se
deitar. Entretanto, por mais que tentasse, não conseguia conciliar o sono e revi-
rou-se na cama até o sol brilhar intenso no céu do Mediterrâneo.
Assim que adentrou os portões da fortificada cidade, o mensageiro do Au-
gusto do Ocidente deu de comer ao seu cavalo e descansou brevemente. Tinha
ordens de seu general para retornar com a resposta de Licínio tão logo a obti-
vesse. Quando o dia amanheceu, dois soldados da guarda pessoal do imperador
vieram buscá-lo:
- O imperador Licínio irá recebê-lo agora. Acompanhe-nos.
Prontamente o mensageiro os seguiu até o imperador. Ajoelhado diante do
grande general que dividia o poder do império romano com Constantino, o
jovem permaneceu calado, aguardando as instruções do soberano, que depois
de longo silêncio indagou:
- O que quer Constantino?
- Os sármatas ameaçam nossa fronteira, senhor, e Constantino pede autori-
zação para cruzar seu território, a fim de surpreender o inimigo, antes que este
avance sobre Roma.
- O quê? Que estratégia ridícula é essa de seu imperador? O que ele pre-
tende? Vamos, responda!
Sem erguer os olhos, o rapaz apenas disse:
- Eu não sei, senhor. A única orientação que recebi foi para pedir-lhe a au-
torização e retornar imediatamente com sua resposta.
Licínio sorriu, cínico, e insistiu:
- Não sabe? Tem certeza? Vociferou então, com o rapaz:
- Vamos, diga o que Constantino planeja! Você não é um soldado? Deve
saber, então.
Trêmulo, o rapaz redarguiu:
- Eu não sei, senhor, apenas cumpro ordens.
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- E por que Constantino planeja atacar os sármatas por minhas terras? É
certamente o caminho mais longo. Decerto ele planeja algo contra mim.
Licínio levantou-se e caminhou até a janela da ampla sala. Ficou longo
tempo em silêncio, olhando pela janela. Depois, aproximou-se do rapaz e, en-
costando a cabeça na dele, segurou-lhe a face com uma das mãos e gritou com
violência:
- Sei muito bem o que ele planeja. Vou esperá-lo muito bem preparado. E
quanto a você, meu rapaz, se quiser fixar residência aqui, a partir de agora,
será poupado de longa e dolorosa viagem.
O jovem soldado fitou o general, que naquele momento lhe parecia ainda
mais alto e mais forte, antes de responder com estranheza:
- Não posso, senhor... Meu general me aguarda. Com ar prepotente e arro-
gante, Licínio ordenou:
- Pois bem, que assim seja. Quero dar uma resposta contundente ao seu se-
nhor.
E chamando um de seus homens, ordenou:
- Levem-no ao poste. Cem chibatadas, depois deixem-no partir.
O rapaz fitou o imperador com os olhos arregalados, mal acreditando no
que escutava. Sabia que Licínio era um general duro e muito experiente, mas
jamais esperaria tal atitude de um outro soldado. Sem dizer palavra, foi arras-
tado pelos guardas e chicoteado impiedosamente. Depois, colocaram-no sobre
o cavalo t mandaram-no partir. Embora muito machucado, ele conseguiu con-
duzir seu cavalo até a divisa dos domínios do Oriente com os do Ocidente. Foi
socorrido pelos colegas e logo acomodado em um leito, para receber tratamen-
to. Antes de ficar inconsciente, disse com enorme esforço:
- Ele não permitirá...
O general, que pessoalmente o auxiliava, acalmou o rapaz:
- Nós já sabemos. Agora, descanse.
Logo o soldado ficou inconsciente. E depois de duas noites naquele estado,
não resistiu aos ferimentos que, associados à longa jornada, ceifaram-lhe a
jovem vida. Alguns dias depois, Constantino chegou ao acampamento, com
seu exército já arregimentado e ordenando que todos os seus melhores ho-
mens, espalhados pelo império, se juntassem a ele para a batalha iminente.
Policarpo, o general responsável pelo acampamento próximo à divisa, detalhou
o estado em que o jovem chegara. Cheio de ódio, Constantino fê-lo repetir a
narrativa a todo o acampamento e, ao final, mostrando-se indignado, proferiu
suas ordens da maneira mais eloqüente:
- E por essas decisões arbitrárias que temos de tomar o reino do Oriente
das mãos de Licínio. Invadiremos Bizâncio e subjugaremos o imperador do
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Oriente e seus homens mais fiéis. Chega de agressões descabidas. Primeiro os
cristãos, depois minha própria irmã quase morreu nas mãos desse monstro, e
agora esse jovem inocente, que simplesmente cumpria ordens, deixando sua
família, por estupidez absoluta.
Fez longa e calculada pausa, e depois concluiu:
- Não toleraremos mais isso! Sigam-me e seremos vitoriosos! Vou liderá-
los pessoalmente nesta batalha e, ouçam bem o que digo, nós venceremos!
Envolvidos pela emoção que as palavras inflamadas de Constantino lhes
causavam, eles gritaram, liderados pelos homens de confiança do imperador:
- Ave César, único imperador de Roma!
Constantino fitou os seus homens a ovacioná-lo e emocionou-se. Eram
mais de 100 mil homens a gritar diante dele. Sentia com todas as forças que
venceria Licínio e se tornaria o único imperador. Era esse, agora, seu propósi-
to. Toda a sua força estava voltada para esse fim. Retirou-se com seus gene-
rais, para organizar o ataque que fariam em breve à capital do Oriente.
Durante vários dias o exército de Constantino avançou mais e mais, rumo a
Bizâncio, cidade que pretendiam dominar e ocupar. De fato, Constantino dese-
java fazer dela a sede de seu império. Famosa pela posição estratégica que
ocupava, desde muito havia despertado o interesse do grande general. Quanto
mais avançavam, mais crescia o número de soldados. Acampavam à noite, e
mal o dia amanhecia todos se punham a caminho. Superaram o frio e regiões
de difícil acesso, mas foi às margens do rio Ebro, pouco distante de Bizâncio,
que foram obrigados a parar, dada a violenta correnteza que dificultava a tra-
vessia dos 120 mil soldados, entre homens de infantaria e cavalaria.
Constantino determinou que acampassem:
- E inútil avançarmos agora. Precisamos entender bem a situação de nosso
oponente. Passaremos esta noite aqui.
Marco observou, preocupado:
- Acho bom mesmo descansarmos. Os homens estão exaustos
- Pois ficaremos aqui por ora. Marco, quero que envie uma pequena tropa
de seus melhores homens - pequena mesmo, dois ou três - para que verifiquem
a situação logo após o rio. Precisamos saber exatamente a situação de Licínio.
Atendendo de pronto à ordem de seu imperador, Marco retornou algum
tempo depois, informando:
- Estão a caminho. Enviei três de meus melhores soldados.
- Ótimo. Aguardaremos o retorno deles. Quero que montem vários turnos
de descanso, e que metade dos homens esteja sempre desperta e em alerta.
Licínio pode atacar a qualquer momento.
Marco indagou, surpreso:
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- Acredita mesmo que ele planeja atacá-lo, senhor?
- Acredito que um homem desesperado seja capaz de qualquer ação.
Ao final da tarde seguinte, os três experientes soldados retornaram trazen-
do informações precisas e preciosas, que foram logo levadas a Constantino.
- As tropas de Licínio ocupam as planícies de Adrianópolis. Estão espa-
lhadas por terrenos elevados, o que definitivamente lhes garante vantagem,
pelas condições do terreno.
- Quantos homens?
- E grande demais o seu exército. Meus homens ficaram muito im-
pressionados. Relataram que o campo está como coberto por formigas. São
muitos homens. Garantem que excede em número nosso exército.
Constantino ficou longo tempo pensando e depois ordenou:
- Iniciaremos a construção de uma ponte ainda de madrugada. Quero mui-
tos envolvidos nessa construção. Metade dos homens deve se dedicar à em-
preitada.
Os generais de Constantino o ouviam atentos. Jamais questionavam suas
ordens ou suas estratégias, que muitas vezes não compreendiam, mas sabiam
que elas já haviam concedido àquele exército mais de dezessete vitórias; por-
tanto, confiavam em seu general. E o seguiriam lealmente até a morte.
Vários dias se passaram, e a ponte se erguia pouco a pouco sobre o rio.
Naquela noite, ao despedir-se de seus homens, Constantino sabia que a ho-
ra de atacar havia chegado. Sabia que o oponente acompanhava suas mano-
bras, e chegara a hora de surpreendê-lo. No meio da madrugada, mandou cha-
mar seus três principais generais e ordenou:
- Quero um regimento com cinco mil arqueiros. Vamos atravessar o rio e
nos embrenhar pela floresta densa; surpreenderemos os homens de Licínio
pela retaguarda. Eles não nos esperam. Meu objetivo é atacar o acampamento
de Licínio.
Os generais se entreolharam, surpresos pela ordem inesperada; no entanto,
não ousaram sequer fazer qualquer comentário. Obedeceram de pronto. Sabi-
am que o elemento surpresa seria fundamental na ousada estratégia de Cons-
tantino. Antes de saírem, Marco virou-se para Constantino e perguntou:
- Permita-me saber se poderei estar entre os líderes desse ataque.
- Você e os demais, meus homens de confiança. E eu, pessoalmente, vou
liderar o ataque.
Fazendo posição de sentido e olhando com profunda admiração para aque-
le jovem general que estava diante dele, Marco se retirou. Ao sair da tenda de
Constantino, cruzou com Crispus, filho mais velho do imperador, que entrou
ansioso, indagando:
33
- Vai sair à batalha, meu pai?
- Assim que os homens estiverem prontos.
- Quero acompanhá-lo.
- Seja paciente, Crispus, tenho planos para você.
- Que planos, senhor?
- Dada a sua habilidade náutica, quero poupá-lo para o possível confronto
que teremos com a armada de Licínio, que ocupa o estreito de Helesponto.
Temos de derrotá-los no mar para poder aniquilá-los de fato. Não podemos
correr o risco de desembarcarem e nos atacarem no momento em que estiver-
mos para invadir Bizâncio. O que sabe sobre a armada?
- Sei que é poderosa, com mais de 350 navios grandes e bem equipados
ocupando todo o Helesponto.
Fitando o rapaz como a desafiá-lo, o mais velho inquiriu:
- E o que você pensa sobre isso? O que acha? Pode vencê-los? Crispus
pensou um pouco, depois continuou:
- Nossa frota é bem menor, é verdade, mas nossos homens são leais e cora-
josos. Aguardam suas ordens, prontos a obedecer.
Tocando com a mão direita o ombro do filho, Constantino autorizou:
- Muito bem, meu filho, aguarde minhas ordens. Permaneça no acampa-
mento. Sua luta será no mar.
Diligente, o rapaz assentiu com a cabeça e respondeu:
- Atenderei prontamente às suas ordens.
- Voltarei em breve com a vitória para prosseguirmos rumo à conquista de-
finitiva de Bizâncio e à derrota final de Licínio. Quero que destrua completa-
mente sua força náutica; transforme-os em fumaça...
Crispus tão-somente respondeu:
- Pois assim será!
Logo em seguida Marco entrou e comunicou:
- Estamos prontos, senhor.
Constantino vestiu a armadura, empunhou a pesada espada que o acompa-
nhara em tantas outras batalhas e, fitando-a como a conversar com ela, con-
clamou em alta voz:
- À vitória!
34
SEIS
ENQUANTO CAMINHAVA pela colônia, em um dos grandes jardins floridos,
Angélica cumprimentava os amigos e colegas com quem compartilhara traba-
lho e aprendizado. Ela também viera de Capela e alcançara, através de esforço
e dedicação em diversas encarnações penosas, significativo progresso. Estava
pronta para retornar à constelação do Cocheiro, mas embora sua alma suspi-
rasse por voltar ao lar, seu coração se enchera de compaixão pelos habitantes
da Terra e seu difícil caminho de evolução. Queria ajudar e, como Ernesto,
resolvera permanecer para isso.
Finalmente chegou a uma grande construção, onde Ernesto a aguardava.
Assim que a viu, encheu-se de alegria. E abraçando-a exultou:
- É bom vê-la outra vez, Angélica.
Retribuindo-lhe o carinho, ela o abraçou ternamente e disse:
- Também estava com saudade, mas achei melhor permanecer junto a
Constância.
Deixando visível sua preocupação, Ernesto comentou:
- A situação está piorando muito, não é?
- Muito. Constância já não consegue acesso ao irmão. Constantino distan-
ciou-se emocionalmente de toda a família. Inclusive dos próprios filhos. Tem
se enclausurado em si mesmo cada vez mais, e perigosamente acredita naquilo
que falam sobre ele.
Entristecido, Ernesto lamentou:
- O poder o está cegando totalmente.
- Eu temo que sim.
- O poder que ele deveria utilizar para fortalecer o bem e a verdade, para
fazer expandir-se sobre a Terra a luz do Evangelho, está usando para satisfazer
as próprias paixões.
- E isso mesmo. Infelizmente, creio que ele não conseguirá! Ernesto calou-
se e meditou por longo tempo. Depois, perguntou:
- E como está Constância?
- Apesar de fisicamente recuperada, sua alma sofre muito, pois sabe que
ambos, Licínio e Constantino, se desviaram de suas tarefas, e estão prestes a se
confrontar.
- E eram dois imperadores justamente para se ajudarem mutuamente em ta-
refa de tamanha responsabilidade.
- Não resistiram aos apelos da personalidade, do ego. Ao egocentrismo e
ao endeusamento de si mesmos.
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Suspirando fundo, Angélica emendou:
- Nossa irmã sofre profundamente, pois intui a dor e o sofrimento que os
aguarda após deixarem a Terra.
A jovem fez uma pausa, depois continuou:
- O que poderemos fazer, Ernesto? Uma programação reencarnatória tão
preparada, longamente planejada, agora prestes a se perder...
- E... O livre-arbítrio. Não podemos impedir que Constantino faça suas es-
colhas. Ele tem esse direito. E aqueles que o seguem também. O que podemos
fazer, agora, é rogar ao Pai Celeste nos socorra e nos oriente.
- Eles estão prestes a se enfrentar. Talvez o façam agora, enquanto nos fa-
lamos. Constantino alcançou as planícies de Adrianópolis com mais de 120
mil homens; Licínio está acampado com seus homens nas planícies, já mais
para o lado de Bizâncio. A guerra é inevitável e...
Angélica não pôde continuar. A dor tomou conta de seu coração e pesadas
lágrimas desciam pela sua face. Ernesto buscou consolá-la e disse, tocando
suas mãos:
- Sei que é difícil...
- Quantas vidas perdidas... Quanto sofrimento inútil... Quanta dor se proje-
tando para o futuro dessas almas...
- Sim, minha irmã, infelizmente. Limpando as lágrimas, ela indagou:
- Por quê? Por que ainda é tão difícil para os homens compreender...
- Porque a verdade incomoda os homens, Angélica.
- Por quê?
Ernesto pensou por alguns momentos, depois, envolto em safírica luz, dis-
se:
- Os homens tentam de todas as maneiras fugir de sua difícil, angustiosa si-
tuação espiritual.
- Por que não procuram sair da situação, para serem mais felizes? A verda-
de nos liberta, nos faz donos de nossos destinos, nos aproxima de Deus e nos
torna seres mais felizes.
- Não sem antes nos obrigar e enxergar nossa real condição espiritual. Je-
sus trouxe para os homens a consciência de nossa real condição espiritual, ar-
rancando-nos das ilusões em que nos apoiávamos, acreditando-nos possuidores
de uma superioridade que não existe.
Fez curta pausa. Angélica o escutava atenta. Ele continuou:
- Conscientes de nossa real situação, temos de tomar uma decisão, e arcar
com as conseqüências advindas dela. Podemos optar pela iluminação espiritu-
al, conscientes de que ela é árdua, difícil e demorada, mas o único caminho
para nossa real felicidade. Ou então, abafar a consciência e escolher a fantasia,
36
a mentira, pois ela nos dá maior prazer, maior satisfação e não nos obriga a
empreender os esforços de resignação, humildade e desapego às ilusões, prin-
cipalmente sobre nós mesmos.
Angélica balançou a cabeça em sinal afirmativo e disse:
- Tem razão, meu sábio amigo. A verdade nos liberta, mas depende de nos-
so esforço e coragem para nos vermos como realmente somos.
- Exatamente. Por isso matamos Jesus impiedosamente. Calando o Messi-
as, tentamos fazer silenciar a própria consciência que gritava dentro de nós.
Angélica ia fazer uma pergunta, quando Ernesto sugeriu:
- Oremos a Deus. Ele haverá de nos orientar. E acima de tudo, tenhamos
paciência, sabendo que nós mesmos viemos de longa data fugindo destas ver-
dades...
Angélica sorriu ao repetir:
- Paciência...
E Ernesto finalizou:
- E muita perseverança. O bem triunfará, isso é inevitável. A verdade será
vitoriosa.
SETE
CONSTANTINO LIDEROU CERCA de 5 mil homens que atravessaram o rio E-
bro nadando e logo que cruzaram as águas, tal qual Constantino havia planeja-
do, embrenharam-se por densa floresta para atacar o acampamento de Licínio
pela retaguarda. Contavam com a surpresa do oponente para enfraquecê-lo.
Pouco antes do alvorecer, quando se ouviam os primeiros pássaros aqui e
acolá, fez-se grande rumor por todo o acampamento e a confusão se instalou.
Licínio ergueu-se de um salto e em poucos segundos estava armado, já sobre
seu cavalo. Viam-se as flechas voando pelos céus do acampamento, e homens
tombavam por todos os lados. Licínio gritou enquanto tentava controlar o ca-
valo:
- De onde vem o ataque?
Um de seus generais aproximou-se, informando:
- Estão nos atacando pela floresta.
A reação do exército de Licínio foi rápida, mas perdiam muitos homens,
rapidamente. Tombavam às dezenas por todos os lados. Os poucos minutos
que levaram para conseguir se organizar, foram suficientes para conceder
grande vantagem a Constantino, que se aproximava velozmente.
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Um dos generais de Licínio enviou alguns de seus melhores homens à
frente, para tentarem saber quão perto estava o inimigo. Dos cinco enviados
apenas um retornou, e ferido, informando:
- Eles se aproximam muito depressa. Melhor proteger o general... não pos-
so... não...
Não suportando os ferimentos, desfaleceu. Logo um grupo de generais se
reuniu, em meio à confusão, para pedir ao imperador que se retirasse:
- Deve retornar imediatamente à segurança da cidade, senhor. O acampa-
mento já não é seguro.
Licínio nem tentou argumentar. Arregimentou rapidamente um grande
número de homens e partiu em retirada, caminhando na direção das muralhas
que fortificavam e protegiam a importante cidade de Bizâncio.
Constantino, por sua vez, avançava mais e mais. Os homens de Licínio, a-
inda que em número muito maior, eram forçados a deixar sua vantajosa posi-
ção em terreno íngreme e descer para uma grande área plana em terras de A-
drianópolis, concedendo assim mais vantagens aos atacantes. Quando conse-
guiu alcançar o coração do acampamento, onde alguns minutos antes estava
Licínio, Constantino ordenou que os arqueiros atirassem flechas flamejantes,
com tochas nas pontas, para o alto, avisando a seu exército que deveria atacar.
Cruzando bravamente o rio, o exército de Constantino avançou intrépido
ao encontro de seu general. Este, de espada em punho, atacava tudo e todos
que encontrava pelo caminho. Desejava o confronto com Licínio, mas já pres-
sentia que ele tivesse recuado. Seguiu-se, então, violenta batalha que dizimou
mais de 34 mil homens.
Pelo meio da tarde, Constantino vencera o exército do opositor e imedia-
tamente se dirigiu para as muralhas de Bizâncio, com o objetivo de invadi-la.
Conclamando mais uma vez seus homens, gritava com vibrante entonação:
- Não esmoreçam agora!
Depois de breve pausa, gritou ainda mais alto:
- A vitória está próxima! Breve Bizâncio será nossa!
Marco, tentando protegê-lo mas conhecendo seu imperador, indagou hesi-
tante:
- Não seria melhor descansarmos um pouco, meu senhor? Precisa cuidar
desse ferimento. Está sangrando muito.
Descendo de seu cavalo, Constantino improvisou ataduras e amarrou-as
fortemente à coxa, acima do profundo corte que sofrerá. Depois, subiu no ani-
mal e agradeceu:
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- Compreendo seus cuidados, Marco, mas nada me deterá agora. Estamos a
um passo da conquista completa do império. Não quero me demorar. Temos
de invadir a cidade.
Chamando outro de seus generais, ordenou:
- Encontrem os homens de Licínio que debandaram para a floresta. Não
quero surpresas...
Prontamente, o outro aquiesceu:
- Sim, imediatamente.
Depois, intrépido, Constantino ergueu uma vez mais a espada já sem brilho
e gritou:
- Logo estaremos dentro da cidade. Sigam-me e seremos donos de todo o
império!
Envolvidos pelo forte magnetismo daquele homem, os soldados o segui-
ram sem titubear. Confiavam cegamente em seu vitorioso imperador.
Ao se aproximarem das altas muralhas de Bizâncio, Constantino ordenou
que montassem um forte cerco e começassem a construir engenhosas torres de
terra.
Depois de montar sua tenda e acomodar-se no local, chamou um de seus
melhores mensageiros e ordenou pessoalmente:
- Diga a Crispus que ele deve atacar imediatamente a frota de Licínio anco-
rada no Helesponto. Que force a passagem e destrua os seus navios. Precisa-
mos que os alimentos nos cheguem por terra, e somente abrindo a estreita pas-
sagem que eles controlam poderemos receber os suprimentos de que necessi-
tamos.
O mensageiro partiu no mesmo instante. Ao final daquele dia as torres co-
meçaram a ficar prontas e pouco a pouco, com muito esforço e utilizando
grandes alavancas de madeira, foram posicionados sobre elas catapultas que
começaram a arremessar pesadas pedras e gigantescas tochas sobre as fortes
muralhas da cidade.
Em seu palácio, Licínio caminhava de um lado a outro, aflito, escutando o
barulho do impacto que as pedras enormes causavam nas muralhas. Quando
um de seus generais entrou na sala, ele logo indagou:
- O que estão fazendo agora? Será que terão alguma chance de transpor es-
ta fortaleza?
Preocupado, o general respondeu:
- Estão atacando as muralhas. Inseguro, Licínio retrucou:
- Elas são muito resistentes, suportarão os ataques. O outro prosseguiu,
com forte tensão na voz:
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- Estão atacando no centro da muralha, justamente no ponto onde são mais
frágeis.
- Como isso foi possível? Elas são muito altas.
- Não conseguimos ver, mas de alguma forma colocaram as atiradoras num
ponto mais alto, atingindo o centro de nossos paredões.
Cansado pelo recuo rápido que fora obrigado a realizar, e profundamente
contrariado pelos avanços e manobras inteligentes do rival, Licínio gritava
descontrolado:
- Eles não podem entrar, está entendendo? Tem de impedi-los. Derramem
óleo fervendo sobre eles, agora!
- É o que estamos tentando, mas fomos pegos de surpresa. Não temos nada
preparado de pronto, para responder a esse ataque à altura. Se conseguirem
entrar...
Agarrando o subordinado pelo pescoço ele bradava:
- Eles não podem entrar, está me entendendo? Vá, faça seu trabalho, seu
incompetente! Estou cercado por incapazes, homens fracos!
O general saiu logo e Licínio continuou gritando impropérios. O cerco se
estendeu por toda a noite e pelo dia seguinte, sem interrupções. Constantino,
acampado em local estratégico de onde acompanhava toda a movimentação de
seus homens, estava totalmente convencido da vitória. Já podia ver-se ocupan-
do o trono de Licínio.
Amanhecia quando o mensageiro entrou depressa pelo acampamento pró-
ximo às margens do rio Ebro, onde Crispus aguardava as ordens do pai. Tão
logo o mensageiro o procurou e transmitiu as ordens para o ataque, o jovem
organizou seus homens e imediatamente lançou-se ao mar, ocupando a maior e
mais bem equipada embarcação de que dispunham. Enquanto esperava, plane-
jara detida e minuciosamente o ataque que encetaria. Estava empolgado e via
naquele ataque a grande oportunidade para ocupar um lugar de destaque e hon-
ra ao lado do pai. Queria muito que o grande Constantino reconhecesse seu
talento e seu empenho.
Não demorou muito a alcançar as embarcações do inimigo. Travou-se
grande batalha. Embora a esquadra de Licínio fosse maior e melhor equipada,
a determinação e a destreza de Crispus logo fizeram sua armada sobressair.
Vários navios se queimavam sob o fogo da força marítima do filho mais velho
de Constantino. A batalha durou todo o dia. Na manhã seguinte, muito embora
seus homens demonstrassem sinais visíveis de cansaço, Crispus seguiu atacan-
do. Perdeu várias embarcações importantes, e pelo meio do dia julgou que não
poderia sair vencedor daquela batalha. Entretanto, de súbito, forte ventania
soprou sobre o estreito do Helesponto, levando os navios de Crispus para bem
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perto dos do opositor. O jovem não teve dúvida: ordenou ataque maciço e in-
cendiaram a frota adversária. Vários navios partiram em retirada e 130 foram
destruídos. O seu próprio navio estava em chamas quando proclamou, erguen-
do a espada, à semelhança do que fazia o pai:
- A vitória é nossa!
Ao grito uníssono da tripulação, Crispus escutou o cumprimento de seu
subordinado imediato, que lhe tocava o ombro:
- Brava vitória, Crispus! Excepcional! Seu pai se orgulhará de você.
Sorrindo satisfeito, o belo rapaz observou, com ligeiro sinal de cabeça:
- Espero que ele seja comunicado da batalha em seus pormenores.
Compreendendo imediatamente o que o rapaz desejava, o outro respondeu:
- Ele saberá, Crispus, todos os detalhes dessa brava e corajosa vitória.
Logo depois, alimentos e água chegavam ao acampamento de Constantino.
Não demorou e a primeira muralha começou a ruir. Desesperado, Licínio a-
guardava informações. Um de seus generais entrou, ofegante:
- Precisamos partir, senhor. Um de nossos muros externos acaba de ruir.
Não vai demorar para que consigam enfraquecer outros e, assim, não tardarão
a entrar.
Licínio ergueu-se, e logo organizou uma grande comitiva e partiu em reti-
rada, levando consigo muitos baús contendo suas riquezas e tesouros. Deixou
para trás sua família e seu povo. Em região não muito distante, conseguiu reu-
nir novo exército, com cerca de 60 mil homens.
Constantino avançava em sua ofensiva e, pouco a pouco, outras muralhas
foram derrubadas. O grande general estava prestes a invadir Bizâncio, quando
foi informado por Marco:
- Licínio escapou e formou um novo exército em Bitínia.
- Quantos homens conseguiu arregimentar?
- Certamente mais de 50 mil.
- Muito bem. Quantos homens ainda temos?
- Quase 100 mil, senhor.
- Mande 80 mil para Bósforo, em pequenas embarcações. O restante, que-
ro que ocupe a cidade.
E tocando no ombro de Marco, pediu:
- Você deverá ficar aqui e comandar a ocupação. Marco fez menção de re-
trucar, mas ele prosseguiu:
- Preciso de você aqui, Marco; é em você que mais confio. Eu irei com os
outros.
- Mas...
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- Quero enfrentar Licínio pessoalmente. Tenho de ter certeza que ele não
vai escapar desta vez.
Desistindo de argumentar, Marco conformou-se:
- Cuidarei de tudo.
- Muito bem, seja cuidadoso com as mulheres e as crianças. Não quero
mortes desnecessárias. E cuide de minha irmã...
- Sim, meu senhor, cuidarei de tudo.
- Muito bem, vamos. Não quero dar nenhuma vantagem a Licínio.
OITO
NÃO TARDOU E DEZENAS de pequenas embarcações atracaram. O de-
sembarque foi rápido e ágil. Assim que a maioria de seus homens alcançou
terra firme, Constantino subiu depressa em seu cavalo e tomou a dianteira dos
soldados. Andou um pouco e logo avistou o exército de Licínio. Intensa bata-
lha se seguiu. Embora quase 25 mil homens tenham sido dizimados naquela
tarde, Constantino não se sentia satisfeito. Caminhou, sem sucesso, entre os
corpos estendidos à procura do rival. Depois se aproximou dos homens derro-
tados e perguntou irritado:
- Onde está seu vencido imperador? Por que não o encontro em parte al-
guma? Fugiu novamente, aquele covarde?
Os soldados de Licínio mantinham-se de cabeça baixa, temerosos. Cons-
tantino insistia, erguendo mais e mais a voz:
- Todos ficarão a noite inteira sem água ou comida, e amanhã também, e
assim sucessivamente, até que me digam onde está o covarde!
Um dos soldados ergueu levemente o rosto e, sem olhar diretamente para
Constantino, balbuciou quase num murmúrio:
- Ele fugiu para a Nicomédia.
Constantino virou-se e olhou para a direção de onde vinha a voz, quase em
enxergar o homem. Aproximou-se, agachou-se e, segurando-lhe o queixo, or-
denou:
- Fale sem medo, homem! Não lhe farei mal. Não um mal maior do que o
seu general lhes fez! Não tenha piedade de alguém que não se preocupa com
seus próprios soldados!
Ainda temeroso, o homem prosseguiu:
- Ele fugiu assim que viu seus barcos se aproximarem; antes mesmo que
seu exército tocasse o solo, fugiu para a Nicomédia.
Erguendo-se satisfeito, Constantino ordenou:
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- Água e comida a todos os prisioneiros. Cuidem dos feridos e coloquem-
nos nos barcos. Vamos voltar imediatamente a Bizâncio.
E silenciando por alguns instantes, balbuciou por fim, como se pensasse alto:
- Deixem esse covarde comigo...
Quando adentrou os pesados portões de Bizâncio, o imperador encontrou
seus cidadãos a esperá-lo. Não pareciam um povo vencido, mas sim um povo
que aguardava ansiosamente por seu imperador. Aquele povo estava cansado
dos desmandos e agressões de Licínio e esperavam que ò novo imperador fos-
se mais condescendente com eles, pois a fama do heroísmo e grandeza de
Constantino a todos encantava.
Em seu quarto, andando de um lado a outro, Constância aguardava angus-
tiada pelo irmão. Desejava notícias do marido e temia pela sua vida. Pressentia
que Licínio estivesse vivo, mas sabia que mesmo que isso fosse verdade, não
era garantia alguma para o futuro de sua família. Estava profundamente abati-
da. O filho pediu:
- Por favor, mãe, sente-se. Você parece exausta. Assim não terá forças para
falar com tio Constantino, quando ele chegar.
Constância sentou-se ao lado de Juliano e de Helena, e segurando as mãos
do rapaz, desabafou:
- Tem razão, meu filho. Estou sendo tola. É que sinto que falhei de algum
modo. Não deveria ser assim...
O rapaz obtemperou:
- Ora, mãe, o que está dizendo? Não conheço ninguém que tenha tido tanta
paciência e perseverança com outra pessoa, como você com meu pai. Mesmo
sendo ele um homem tão rude, você jamais desistiu ou mudou sua conduta
com ele. Como pode ainda sentir-se em falta, seja da forma que for?
Olhando o filho nos olhos, ela respondeu como se olhasse para o infinito:
- Não sei explicar, meu filho... Mas sinto que falhei... Meu dever era ajudar
seu pai a ser, junto de seu tio, o forte pulso do império...
Estranhando muito, o rapaz comentou admirado:
- Mãe, estou surpreso. Você, envolvida em questões políticas...
- Não se trata disso...
Antes que ela pudesse concluir, Marco entrou no quarto e comunicou, gentil:
- Seu irmão a aguarda, senhora.
Com o coração batendo descompassado, ela balbuciou:
- E Licínio...
Abrindo a porta para que ela passasse, Marco limitou-se a dizer:
- Ele está vivo.
43
Constância dirigiu por sobre os ombros olhar quase aliviado para o filho e
para a amiga, depois seguiu Marco em silêncio. Assim que Constantino a viu,
abriu largo e sincero sorriso, estendendo-lhe os braços:
- Minha irmã, como está? Fiquei deveras preocupado com você. Tocando
de leve a cicatriz na cabeça da irmã, ele continuou:
- O que foi que aquele monstro lhe fez?
Ela sorriu com ternura, evitando fitar o irmão, e pediu:
- Não fale assim de Licínio.
- E ainda tem coragem de defendê-lo, Constância?
- Ele fez isso numa hora de desespero extremado...
- Ele vive em desespero extremado. Não consegue conviver com sua pró-
pria estupidez. E pare de defendê-lo, minha irmã. Já chega! Tem de parar com
isso. Precisa desistir de vez desse homem que só lhe fez mal.
Ajoelhando-se aos pés do irmão, ela implorou:
- Não lhe faça mal, por favor, meu irmão...
Erguendo-a com ternura, Constantino comentou enquanto lhe afagava os
cabelos:
- Como você se parece com nossa mãe, é impressionante. Seus gestos, seu
carinho, sua dedicação... Vocês se parecem muito. Sente-se aqui, venha.
E acomodando a irmã ao seu lado, pediu que lhe servissem comida e bebi-
da. Convidou seus homens de confiança para que se sentassem também.
- Vamos celebrar a fragorosa derrota de Licínio. Constância calou-se por
longo tempo. Bem mais tarde, quando terminaram o demorado jantar, quando
estavam praticamente a sós, Constância pediu de novo:
- Meu irmão, pelo amor que você tem por mim, eu lhe imploro pela vida de
Licínio. Deixe que ele viva...
E, envolvida pelas energias de Angélica, que lhe influenciava o pensamen-
to, disse sem que pudesse dar conta de suas palavras:
- Não destrua sua oportunidade de reconstrução... Constantino sentiu forte
arrepio a percorrer-lhe o corpo. Olhou sério para a irmã e indagou:
- Do que está falando?
Sem esperar resposta, continuou:
- Não importa. Vou descansar agora e você deve fazer o mesmo. Falare-
mos sobre isso em outro dia, outra hora.
Constância ia insistir, mas deteve-se percebendo que naquele momento o
melhor era silenciar. Constantino, por outro lado, pensou muito por quase toda
a noite. Tinha ímpetos de enviar soldados para eliminar o seu rival, mas ao
mesmo tempo pensava no impacto que causaria sobre o povo. Já era quase dia
claro quando finalmente decidiu o que fazer.
44
Ao encontrar-se com a irmã para o desjejum, informou-lhe, solícito:
- Tenho notícias que lhe agradarão muito. Decidi conceder perdão a Licí-
nio. Vou mandar chamá-lo.
Com lágrimas nos olhos, Constância quase não conseguia conter a emoção.
Abraçou efusiva o irmão e agradeceu:
- Deus seja louvado! Graças a Deus! Você é mesmo um homem bom e dig-
no, Constantino. A verdadeira dignidade de um chefe de estado, a meu ver,
está em sua capacidade de clemência. Eu lhe agradeço, meu irmão.
Abraçando-a também, ele comentou:
- Não poderia agir diferente com você, não é mesmo?
Ela sorriu e, limpando as lágrimas de alegria que lhe desciam pela face,
perguntou:
- E como vai informá-lo?
- Ainda não sei.
- Posso ir ao encontro dele pessoalmente, assim ele confiará em você.
- Não gostaria de fazê-la expor-se a uma viagem, ainda que curta, depois
de tudo pelo que passou...
- Não me será pesado. Vou levar Juliano e Helena comigo.
- Tem certeza?
- Sim, eu quero ir.
- Pois muito bem. Vou designar um grupo de alta confiança para acompa-
nhá-los.
E depois de breve pausa, perguntou:
- Acha que consegue trazê-lo?
- E claro, ele confiará em mim.
- Então, boa sorte.
Abraçando o irmão mais uma vez, ela confirmou:
- Partiremos após o desjejum. Não quero esperar mais.
Sem nada acrescentar, Constantino tomou seu lugar à mesa e se acomo-
dando, em local cuidadosamente escolhido, de onde conseguia ver pela janela
as construções da cobiçada cidade que acabara de conquistar.
45
NOVE
CONSTÂNCIA, o FILHO, Helena e pequena comitiva saíram logo pela manhã.
Seguiam rumo a Nicomédia, onde Licínio se refugiara, buscando algum tempo
para que pudesse negociar algo em seu favor, junto ao seu opositor.
Assim que o pequeno grupo alcançou o seu destino, Licínio foi avisado da
chegada da família. Ao avistá-lo, o coração de Constância disparou. O marido
estava pálido e abatido, visivelmente doente. Ela correu-lhe ao encontro, an-
gustiada:
- Como está, querido? Fiquei tão preocupada... Erguendo um pouco a ca-
beça, ele respondeu, agressivo:
- Como acha que posso estar? Seu irmão me tirou tudo... Abraçando-o com
ternura, ela pediu:
- Querido, é hora de abrir mão dessa disputa. Acabou. Constantino ocupou
Bizâncio, mas lhe concedeu o perdão e o direito de ficarmos todos juntos. Po-
deremos viver nossa vida...
- Que vida? O que me resta além da vergonha, da humilhação da derrota?
Uma vida medíocre, em um buraco qualquer, fugindo e temendo as atitudes de
Constantino?
Aproximando-se, Juliano tocou o ombro do pai, que permanecia sentado,
cabisbaixo, e pediu:
- Anime-se, pai. Com sua experiência, pode ainda realizar muitas coisas...
Erguendo a cabeça o imperador abatido fitou o filho e comentou:
- Você não tem mesmo brios, não é? Estou derrotado. Minha família está
envergonhada, vencida... Meu reino foi tirado, eu perdi tudo... Estou derrota-
do... Já nada mais me interessa...
- Constantino permitirá que vivamos com tudo aquilo de que necessitamos
- aduziu Constância. - Você poderá fazer as coisas de que gosta, ou pelo me-
nos gostava quando nos conhecemos...
Olhando para a esposa, ele permaneceu em silêncio. Depois indagou:
- E para onde vai nos enviar? Decerto para algum fim de mundo, abando-
nado por todos...
- Não sei bem, mas acho que nos enviará para Tessalônica. Erguendo-se,
Licínio indagou:
- Tessalônica?
- Acho que sim.
- E por quê?
46
-Quando me disse que concordava em perdoá-lo, ouvi uma conversa breve
entre ele e Marco, e parece que falaram algo sobre Tessalônica. Gostaria de ir
para lá, Licínio?
- Mas é claro! É um lugar de onde posso fazer muitos contatos e, quem sa-
be, reorganizar um exército...
Colocando o dedo indicador sobre os lábios do marido, ela pediu:
- Não fale nada, por favor.
Olhou na direção dos soldados que os haviam acompanhado e pediu:
- Agora temos de ir. Constantino nos aguarda.
Ainda sem ânimo, Licínio juntou-se ao grupo e retornaram para Bizâncio.
Ao entrarem na localidade fortificada, Licínio não conseguia conter o ódio que
sentia por ter perdido aquela poderosa cidade. Via o desprezo no olhar daque-
les que haviam sido seus súditos. Seu ódio crescia a cada passo que dava. Ao
aproximar-se da ampla sala que havia sido seu lugar preferido para governar,
sua cólera aumentou ainda mais. Seu coração batia descompassado, suas mãos
estavam geladas e trêmulas, mas Licínio sabia, como ninguém, controlar e
dissimular as emoções. Ao divisar seu trono ocupado pelo rival, sentiu como
se todo o sangue do corpo lhe subisse à cabeça. Seu coração parecia que ex-
plodiria dentro do peito. Ao vê-lo, Constantino ergueu-se e aproximou-se. Li-
cínio, ciente de sua posição, ajoelhou-se diante do inimigo e permaneceu de
cabeça quase no chão. Constantino observou-o atentamente e depois de alguns
segundos disse:
- Levante-se, Licínio. Você está perdoado. Poderá passar o resto de seus
dias com todo o conforto e toda a sua riqueza. Seu exílio será em Tessalônica.
Partem pela manhã.
Sem dizer nada, Licínio balançou a cabeça e ajoelhou-se outra vez em re-
verência diante do opositor. Constantino pediu:
- Agora vamos, como forma de encerrarmos de vez essa disputa. E hora de
agirmos como cidadãos romanos da alta estirpe que somos. Venha sentar-se
comigo á mesa. Cearemos e encerraremos essa discórdia de vez. Fomos ami-
gos, afinal. Consideremos que a posição que ocupávamos nos obrigou aos atos
que tivemos. Mas entre nós, Licínio, nada existe que nos faça reais inimigos...
Concordando mais uma vez com a cabeça, em silêncio, Licínio acompa-
nhou a comitiva que seguia Constantino até uma enorme sala onde grande me-
sa estava montada. Acomodaram-se. Constância, que ocupava o lugar ao lado
do marido, buscava distraí-lo e animá-lo o quanto podia. Mas sabia que aquele
era um momento tremendamente difícil para ele. O ato de perdão e concórdia
de Constantino tornava-o ainda mais forte diante dos cidadãos de Bizancio e
47
de seus próprios comandados. Aquele parecia um homem perfeito, quase um
deus...
Na manhã seguinte, número considerável de homens seguiu para Tessalô-
nica com Licínio e sua família. O imperador vencido seguiu calado a maior
parte do caminho. Por mais que Constância tentasse conversar, permaneceu
mudo.
Depois de acomodado em ampla mansão, com todo o conforto e trazendo
consigo as riquezas pessoais, conforme Constantino havia prometido, Licínio
descansou pelo resto do dia. À noite, pouco antes do jantar, avisou:
- Não me esperem para o jantar. Surpresa, a esposa perguntou:
- Aonde vai?
- Preciso encontrar alguns velhos amigos. Espero que eles possam ajudar-me.
Pressentindo com clareza as intenções do marido, Constância pediu:
- Querido, acabamos de chegar e você precisa se recuperar. Ainda está can-
sado...
Sem esperar que terminasse ele falou:
- Cale-se, Constância. Sua voz me irrita! Com lágrimas nos olhos ela res-
pondeu:
- Eu só quero o seu bem...
- Então deixe-me em paz!
E saiu imediatamente, sem dizer mais nada.
Distante dali, Constantino jantava exultante com seus homens de confiança
e com a família. Crispus estava sentado à sua direita e Fausta ocupava o outro
lado da mesa. A bela e sensual esposa do imperador tinha traços delicados. Sua
beleza era suave e discreta, carregada de feminilidade e sutilezas. Ela sabia da
atração que causava no sexo oposto e utilizava esse poder conscientemente.
Era altiva, e sua posição a envaidecia e alimentava fortemente seu orgulho.
Constantino conversava animado sobre seus planos:
- Vou transformar Bizâncio na capital do império. Aqui será o centro do
mundo!
Marco sorriu e indagou:
- E quanto a Roma?
- Roma está decadente. Quero algo especial, que marque minha passagem
sobre este império para sempre.
Fausta acompanhava a conversa em silêncio. Depois de longa pausa do pai,
Crispus indagou:
- Confia em Licínio? Vai deixá-lo mesmo livre? Acho que ele será perigo-
so... Deveríamos tê-lo aqui conosco, como seu prisioneiro...
Constantino fitou o filho e comentou:
48
- Ora, Crispus, por que sempre questiona minhas ordens? Não consegue
confiar em minhas decisões, não é?
O rapaz ficou imediatamente lívido. Não conseguia aproximar-se mais de
seu pai e isso o incomodava muito. Respirou fundo antes de responder:
- Não é isso, pai... Mas ele é um homem perigoso, você sabe... Constantino
bateu com toda a força sobre a mesa e disse:
- Acha que porque venceu uma batalhazinha no mar pode questionar mi-
nhas ordens, minhas decisões?
Fez uma pausa, depois concluiu:
- Sei muito bem o que estou fazendo.
Rubro de raiva, Crispus baixou a cabeça e continuou comendo. Constanti-
no comentou com Marco, sentado à sua direita:
- Insolente, esse meu filho...
Na verdade, Marco também não compreendia a reação do imperador.
Quando recebera a notícia da corajosa e brava vitória que o rapaz havia alcan-
çado no estreito do Helesponto, ele demonstrara quase desdém. O homem de
maior confiança de Constantino não conseguia compreender-lhe a reação.
Fausta, que tudo observava em silêncio, comentou com sua serva pouco
depois, em seu quarto, enquanto aquela lhe penteava os longos cabelos casta-
nhos:
- Sei bem por que Constantino não reconhece a fragorosa vitória do filho.
- E por que, minha senhora?
- Ficou com ciúme, isso sim.
- A senhora acha?!
- Tenho certeza. Ele tem medo até da própria sombra. Não tardará e esse
ciúme vai controlá-lo. Até porque Crispus está ficando cansado de fazer tudo
pelo pai e não ser reconhecido.
Sorrindo maliciosamente, ela completou:
- Vamos dar uma ajudazinha à natureza, é claro...
Sem compreender, a serva terminou o que fazia e então ajudou sua senhora
a trocar de roupa, acomodou-a na cama e saiu do quarto apagando uma das
velas.
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Jornada dos Anjos

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  • 3. JORNADA DOS ANJOS PELO ESPÍRITO LUCIUS ROMANCE PSICOGRAFADO POR SANDRA CARNEIRO Os direitos desta obra foram doados a VivaLuz Editora contribuindo com a divulgação da doutrina espírita. Portanto faça diretamente uma doação ou compre um exemplar. http://www.vivaluz.com.br/ 3
  • 4. PREFÁCIO O TEMPO É CURTO. E imprescindível estarmos prontos e disponíveis para fazer o trabalho que se apresenta diante de nós. Não percamos momentos pre- ciosos correndo atrás de ilusões efêmeras, que não nos levarão a nada. Acordemos do longo e pesado sono que nos entorpece os sentidos e, principalmente, a percepção espiritual, dificultando nossa compreensão do que é verdadeiro e perene. Façamos uso da prece e não nos permitamos adormecer de novo. Aban- donemos definitivamente a atitude que nos afasta de Deus e traz sobre nós profundo sofrimento. É hora de despertar! Que Jesus, da luminosa morada onde nos aguarda há quase 2 mil anos, nos ajude a trilhar o caminho do bem, da renúncia e do amor, libertando nossas consciências e nossas vidas para iniciarmos a jornada da iluminação interior, rumo à perfeição, ao Criador. Amigo leitor, que a paz do Mestre envolva o seu coração, bem como nossa morada terrestre, em fulgurante esperança de renovação. Lúcius 4
  • 5. INTRODUÇÃO O MAR ESTAVA AGITADO. A pequena embarcação se afastava com di- ficuldade, buscando alcançar o navio que esperava para partir. Com as vestes ensopadas e água até a cintura, João1 e os outros cristãos tentavam atingir a praia, mas eram jogados, pelas fortes ondas da arrebentação, exatamente onde acabavam de ser deixados. Cefas - uma senhora cristã, exilada junto com os demais do grupo - caiu e, na tentativa de se levantar, chorava desesperada: - O que será de nós agora? Como sairemos deste lugar? Vamos morrer a- qui! Paciente e amoroso, João procurava acalmá-la: - Tenha fé, minha irmã, Deus nunca nos desampara. Ele sempre cuida de todos. E enquanto a ajudava a se erguer, prosseguiu: - Não desanime. Por mais difícil que seja nossa situação, vamos confiar no Mestre. Um pouco mais confortada, a mulher assentiu com a cabeça e enxugou as lágrimas misturadas à água do mar. Explicou a razão de sua angústia: - Não temo por mim, apóstolo João, e sim por meus filhos, que ficaram em Efeso. E por eles que me angustio. Estou pronta a dar a vida pelo Senhor, se ele assim o desejar, mas e meus filhos? Como é difícil para uma mãe ver os filhos ameaçados... - Eu posso imaginar, Cefas, posso mesmo. No entanto, Jesus está no co- mando de nossas vidas, não está? Cefas o olhava calada e, ao chegarem finalmente à praia, exaustos, ele a- conselhou: - Agora descanse. Precisamos recuperar as forças. Aqueles eram mais alguns dos muitos cristãos exilados por ordem do im- perador romano Domiciano. Os componentes do pequeno grupo estenderam-se na areia quente e fina, enquanto tentavam recompor as forças e os corações, abalados pela longa e difícil jornada. Não obstante a solicitude com que atendia e se preocupava com todos, Jo- ão parecia cansado. Olhou ao redor, notando a beleza do cenário: Patmos era uma ilha esplendorosa, localizada no leste do mar Egeu. Acostumado aos en- cantadores cenários já vistos quando saía para a pesca, e depois pelas viagens que empreendera para difundir o Evangelho de Jesus, ele estava embevecido diante da pequena ilha grega. Já ouvira muitos falarem daquele lindo lugar, 1 João foi um dos doze apóstolos de Jesus. 5
  • 6. porém nunca estivera ali antes. Acomodou-se ao lado dos demais e ficou a contemplar a bela paisagem. A brisa perfumada soprava suavemente. O sol se punha devagar, deixando no horizonte um rastro de tons avermelhados e inten- sos. A vegetação da ilha parecia acalentar o entardecer e recebê-lo com todo o prazer, pois o aroma exalado pelas plantas era doce e agradável. Não demoraria a anoitecer. Ebenezer tocou o ombro de João e sugeriu: - Não seria melhor procurarmos abrigo para passarmos a noite? Será que conseguiremos encontrar ainda hoje outros cristãos, também presos na ilha? - Não tenho a menor idéia de onde possam estar... - A ilha é pequena, João, e não creio que estejam muito longe da praia. Se- ria melhor que nos colocássemos logo a caminho. Ao observar o olhar de João, que focalizava o grupo, Ebenezer aconselhou: - Embora estejamos todos cansados, não podemos passar a noite aqui. Te- mos de procurar abrigo. João sorriu ao admitir: - Seu bom senso é inegável. E dirigindo-se ao grupo, pediu: - Vamos, irmãos, precisamos de um abrigo. Sei que estão todos esgotados, mas não podemos demorar mais. - Também parece cansado, apóstolo. João abriu sincero sorriso e respon- deu: - E estou mesmo! A idade chegou de vez para mim, minha irmã... Entregando-se a enorme esforço, puseram-se a caminho, em busca de ou- tros que já estivessem na ilha. Caminharam cerca de meia hora e avistaram algumas casinhas improvisadas, feitas de madeira e cobertas com vegetação. Antes que alcançassem o minúsculo vilarejo, alguns moradores correram ao encontro do grupo. Um dos homens perguntou, ainda a distância: - São cristãos? Foi João quem respondeu: - Somos, viemos de Éfeso. Um dos que vinham mais atrás gritou: - João! Apóstolo João? É você mesmo? Quando reconheceu o companheiro de longos anos, com quem fizera mui- tas viagens tendo por objetivo disseminar o Evangelho, João exultou: - Ananias, é você? Ao se encontrarem, trocaram apertado e carinhoso abraço. Emocionado, o mais jovem disse, enxugando as lágrimas: - Não pouparam nem a você, João! - Ora essa, e por que poupariam? 6
  • 7. - Já está com idade avançada! Eles deveriam levar isso em conta. Além do mais, você só faz o bem a todos... João sorriu e fitou o outro nos olhos: - Você esquece que não pouparam o melhor de nós todos, Ananias? Aquele que só fez o bem em toda a sua vida? Quem pode exigir ser tolerado ou aceito depois do tratamento que teve o Mestre dos Mestres? Não, não podemos nos iludir jamais. Nossa luta é difícil. Jesus já nos ensinou que o caminho para aqueles que desejam segui-lo é estreito. Fez-se longo silêncio, e Ananias convidou: - Vamos à minha casa. Mesmo pequena e improvisada, todos nos arranja- remos por lá. Depois de conversarem muito e trocarem informações sobre o dia-a-dia na ilha e o que acontecia no continente, com notícias de amigos e parentes de muitos daqueles que ali estavam há mais tempo, Raquel, a irmã de Ananias, aproximou-se e sugeriu: - Devem estar com fome. Vou servir o jantar. Embora bastante frugal, vai alimentar a todos. Depois da leve refeição, sentaram-se à volta de João e alguns pediram: - João, conte-nos uma história sobre Jesus. Temos ouvido muitas, mas sei que você deve saber de outras que ainda não conhecemos. O rosto de João iluminou-se, refletindo suave luminosidade que imediata- mente envolveu a todos. O cansaço que sentia desapareceu, ele ajeitou-se no assento que ocupava e disse sorrindo: - E sempre uma grande alegria poder relembrar as experiências preciosas que tivemos ao lado de Jesus de Nazaré. E pôs-se a narrar episódios que vivenciara como discípulo de Jesus. Fica- ram acordados até muito tarde, relembrando as doces experiências. No plano espiritual, em torno do pequeno agrupamento, brilhava intensa luz. Se os olhos materiais o permitissem, eles se surpreenderiam ao observar a numerosa companhia espiritual com que contavam naquela noite. Um grupo bem maior de espíritos envolvia aqueles que se reuniam na Terra, e com eles apreciava as histórias sobre o enviado de Deus. Entre seus integrantes estava Ernesto, outrora exilado de Capela. Só muito mais tarde, João disse: - Bem, agora gostaria de descansar. Ananias concordou com a cabeça e o ajudou a se levantar, enquanto dizia: - Ficaria aqui a noite toda ouvindo você. Ao colocar-se de pé, João bateu levemente nos ombros do mais novo e disse: - Teremos muitas ocasiões para conversar, não é mesmo? - Acha que ainda ficaremos muito por aqui? 7
  • 8. - Quem sabe? De toda forma, vamos aproveitar bem nosso tempo. Tenho uma porção de histórias sobre Jesus para compartilhar. Depois de acomodar a todos, distribuindo-os pelos espaços disponíveis nas pequenas casas, Ananias voltou, sentou-se e, sorvendo um copo de água fres- ca, em um suspiro desabafou com Raquel: - Não sei se fico triste ou feliz com a chegada de João. A irmã afirmou: - Quanto a mim, estou aliviada por tê-lo conosco. Já estava começando a perder as esperanças... No dia seguinte, mal os primeiros raios de sol surgiram no horizonte, João já se levantara e, silencioso, saíra da pequena cabana que os abrigava. Cami- nhou devagar em direção ao mar e em algum tempo avistou a praia. Admirou a beleza do alvorecer, com os raios cada vez mais fortes do astro-rei rasgando o céu até dominar o espaço. O dia amanhecia belo e cheio de energia. João olhou ao redor e notou uma pedra bem desenhada que poderia servir de banco. Sen- tou-se, ainda contemplando o mar e o céu. Depois, indagou em pensamento: - Deus, meu Pai, Mestre Jesus, o que desejam de mim? Estou aqui, isolado de tudo e de todos. Como prosseguir com a tarefa de levar o Evangelho ao povo, de difundir seus ensinamentos, se permitiram que para cá eu viesse? É chegado o momento da minha passagem para o mundo espiritual? Ernesto, espírito que fora seu pai em existência longínqua, em Capela, afa- gou-lhe os cabelos e sussurrou-lhe ao ouvido: "Não, querido Henrique, não é o momento da sua transição. Serene seu coração e espere tranqüilo. Ainda tem muito trabalho a fazer. Contamos com você, com sua força física e sua fé em Jesus". Registrando no coração aquelas palavras, João sorriu e falou baixinho: -Estou aqui, Senhor, pronto para fazer tudo o que de mim desejar. Sou seu servo. Ele se calou. Mais uma vez Ernesto afagou-lhe os cabelos e beijou-lhe a fronte envelhecida. Aquela altura João já somava 85 anos de vida, e ainda mantinha vigor físico que impressionava a todos. O apóstolo continuou a meditar e orar por mais algum tempo. Foi inter- rompido pela voz amiga de Ananias: - Sabia que o encontraria aqui. João sorriu para o companheiro, que logo se acomodou ao seu lado e co- mentou: - É lindo ver o nascer do sol deste local. Muitas vezes tenho vindo para a- preciar a beleza e orar... 8
  • 9. - É um lugar ideal para a prece. O silêncio ainda domina a paisagem e tudo vai despertando aos poucos, à medida que oramos. E como se nos integrásse- mos a toda a natureza, louvando a Deus pelo dom da vida. Ananias ficou calado. Lágrimas brotaram em seus olhos e lhe desceram pe- la face. Limpou o rosto, porém elas teimavam em cair. João tocou-lhe o ombro fraternalmente e indagou: - O que foi, Ananias? O que o entristece tanto, meu irmão? - Eu não entendo bem o que acontece, João. Por que estamos aqui, separa- dos de nossos parentes e amigos? Estamos tentando fazer o bem, conforme Jesus nos ensinou, e somente isso. Não infringimos nenhuma lei, e tantos cris- tãos já foram sacrificados, tantos... Por que isso está ocorrendo, João? Você compreende? - Meu caro Ananias, não se deixe abater. A tristeza pode vir, é normal, mas não permitamos que ela tome conta de nós. Lutemos contra a tentação do aba- timento e do sentimento negativo de derrota. Lembre-se de que somos mais do que vencedores por aquele que nos amou até a morte. Depois de breve silêncio, Ananias continuou, enxugando as lágrimas: - Eu sei, João, e por isso me entristeço. Não consigo ter fé igual à que vejo em você e em tantos outros cristãos. Apesar de amar o Mestre e confiar nele, às vezes fico realmente cansado de lutar tanto. Por que tudo isso acontece? - As resistências e oposições que levaram Jesus ao madeiro são as mesmas que nos perseguem e querem nos calar. Assim como acham que emudeceram Jesus, matando-o, pretendem matar a todos nós, para silenciar a própria cons- ciência que lhes desperta sutilmente na alma. Não querem enxergar, pois isso os obrigaria a mudar, a abrir mão de seus interesses, de seu orgulho, das ilu- sões sobre si mesmos e sobre o mundo que acalentam no íntimo. Jesus os in- comodou, Ananias, e nós, igualmente, muito os incomodamos. Ananias ficou novamente pensativo. João prosseguiu: - Apesar de tudo, veja que eles não conseguem calar os cristãos. Alguns realmente foram sacrificados, mas muitos outros estão abraçando a causa do Evangelho. - E dá para crer que logo seremos aceitos e finalmente poderemos viver nossas vidas, tentando aplicar e ensinar o que Jesus nos deixou? Isso só fará bem às pessoas... Como é possível que não percebam? Dessa vez foi João que nada disse. Ananias suspirou fundo, em curto inter- valo, e confessou: - Estou cansado, João. Foi muito doloroso para mim perder entes queridos da minha família. Você sabe, meu pai e meus irmãos foram mortos por ordem de Domiciano. Minha mulher e meus filhos estão em Efeso, escondidos na 9
  • 10. casa de amigos. Não consigo perdoar totalmente, conforme Jesus nos ensinou. Sinto muita dor no coração, muita saudade... - Ananias, você sabe que seu pai e seus irmãos não morreram! Estão vivos e a serviço de Jesus, em outra dimensão da vida. Eles estão bem, muito bem! Subitamente, João parou de falar, fechou os olhos por um instante e em se- guida os abriu. - E estão aqui agora - disse. Ananias arregalou os olhos e perguntou: - Aqui, conosco? Eles estão aqui? - Sim. Seu pai pede que você se tranquilize, pois Ester e as crianças pas- sam bem. Estão seguras e bem protegidas. Ananias, tocado pela energia de amor que emanava do pai e dos irmãos de- sencarnados, vertia copioso pranto. João prosseguiu: - Seu pai o envolve em terno abraço, Ananias, e lhe diz que eles partiram porque a hora havia chegado; já tinham cumprido a tarefa que lhes cabia na encarnação. Agora precisam dar seqüência ao trabalho, no plano espiritual, e contam com sua ajuda para realizá-lo. Eles têm permanecido muitas vezes ao seu lado, intuindo-o e orientando-o quanto à forma de colaborar. Limpando as lágrimas, ele disse: - Gostaria de poder abraçá-los também. Eu os amo tanto... - Eles sabem, sentem o seu carinho. Todavia, você os ajudará muito mais confiando na Providência e sabendo que continuam por perto. Ananias calou-se, tomado pela emoção. Aos poucos se acalmou e, depois de prolongado silêncio, afirmou: - Estou melhor, e só posso agradecer-lhe por me proporcionar tamanha a- legria. Sem dizer nada, João abraçou carinhosamente o amigo. Então, Ananias convidou: - Não seria melhor irmos? Você precisa se alimentar. Comeu algo antes de sair? - Não. Gosto de orar pela manhã, antes de me alimentar. - Só que agora deve comer. - Vá indo, Ananias. Eu sigo logo atrás. - Não, João.Vamos, terá tempo de sobra para voltar aqui quantas vezes qui- ser; está na hora de cuidar bem de seu corpo, ainda vai precisar muito dele... João ergueu-se e concordou: - Tem razão; Ananias; vamos indo. Enquanto caminhavam em silêncio pela trilha que levava da praia até a ca- bana, João imaginava quantos cristãos deveriam estar sentindo angústia idênti- ca à que vira em Ananias. Por certo havia os que compreendiam o sentido do 10
  • 11. sofrimento que lhes era imposto, ao passo que muitos provavelmente se ques- tionavam sobre os motivos de tanta resistência, de tamanha oposição enfrenta- da. À medida que pensava, uma idéia lhe surgia, clara e nítida, no fundo da mente: escrever aos cristãos, esclarecendo e comentando a vitória do Cristia- nismo no mundo. Em pensamento indagou: "Quando começaremos?". E a resposta lhe soou na mente: "Em breve". Quase um ano se passou. Outros grupos de cristãos chegaram à ilha, con- tando os horrores que muitos estavam enfrentando por causa dos governadores romanos. Por toda a parte era árdua a luta dos cristãos. Certa noite, depois de ouvir alguns deles narrarem o que se passava em diversos pontos da Palestina e de outras regiões, João se recolheu com o coração dolorido. Sabia que o combate seria duro, mas sempre que constatava a aridez do coração humano, e quanto de mal um homem era capaz de fazer ao seu semelhante, ficava triste. Ao acomodar-se na cama, naquela noite, ele não conseguia dormir. Virava-se de um lado para o outro, na tentativa inútil de conciliar o sono. Sentou-se, e escutou mentalmente, com nitidez uma voz: "Durma, João, aquiete-se e durma. Hoje começará a receber as informações que deverá escrever". Ainda sentado, ia questionar, quando a voz pediu com suavidade: "Deite-se. Logo você dormi- rá e então verá, diante de seus olhos, o que deverá escrever". Acostumado a obedecer às orientações espirituais que recebia, João deitou- se outra vez, procurando pensar apenas no rosto amigo e meigo de Jesus, que trazia na memória com todos os detalhes. Pouco a pouco a lembrança o acal- mou e ele adormeceu. Seu corpo espiritual foi então desprendido do corpo físico e Ernesto, que o aguardava, perguntou: - Então, Henrique, está pronto para traduzir o que ainda há por vir para os cristãos, as lutas e também as vitórias? Abraçando o querido amigo, João respondeu: - Estou pronto para tentar. - Vamos, está tudo preparado. Você verá o desenrolar dos fatos futuros lá na colônia, e, ao regressar, começará a traduzir para nossos irmãos encarnados aquilo a que tiver assistido. João calou-se, pensativo. - O que foi, está preocupado? - Ernesto indagou. - Nunca fui muito bom para escrever, você sabe, não é? Tenho lá minhas dificuldades. - Não se preocupe. Você terá muita ajuda. Preparavam-se para partir quan- do João perguntou, com um sorriso: - Tem visto Elvira? 11
  • 12. - Não, desde que ela regressou para Capela, mas sei que está sempre pen- sando em nós. Sinto seus pensamentos envolvendo minha mente. - E como está você, Ernesto? - Fortalecendo-me com o seu exemplo. João sorriu e abraçou-o. - Podemos ir agora - falou. Partiram, Logo alcançaram a colônia, próxima ao orbe da Terra, e lá João pôde visualizar, numa tela imensa, muitos fatos que ao longo do tempo se su- cederiam no planeta. Mais tarde, ao retornar, ele pediu: - Por favor, Ernesto, precisarei de ajuda para o que devo realizar. Não sei como colocar na linguagem dos meus contemporâneos aquilo que vi hoje. - Voltaremos muitas vezes à colônia. Você poderá rever o que para você for motivo de dúvida e conversaremos sobre cada detalhe. Ajudaremos em tudo que estiver ao nosso alcance. Vai dar certo, não se preocupe. Na manhã seguinte, o sol já ia alto quando João despertou. A cabana estava vazia e ele se sentia atordoado. Sentou-se e meditou um pouco, buscando com- preender tudo o que sentia. Então saiu em busca de Ananias e logo encontrou Raquel, que informou: - Ananias foi pescar. Pediu que ninguém o acordasse e todos tentamos dei- xar a cabana sem fazer barulho. - E conseguiram. Agora, preciso de pergaminhos, pena e tinta. Tenho de escrever. Imediatamente Raquel correu para a cabana e logo surgiu à porta, avisando: - Está tudo na mesa. Sobre o que o senhor vai escrever? É alguma orienta- ção para nós? - Para nós e todos os cristãos, Raquel. - Puxa, que notícia boa! Sorrindo, João explicou: - Vou tratar de escrever, antes que o que vi em sonho esmaeça em minha mente. Assim, durante os anos que passou na ilha de Patmos, João ocupou-se em registrar, da melhor forma possível, tudo o que observava no plano espiritual, com relação ao futuro da Terra e dos homens. Embora desejasse ardentemente transmitir mensagens de otimismo e esperança, constatava, dia a dia, que o porvir da humanidade seria marcado por uma longa trajetória de dor, lutas e muito sofrimento, até que o raiar de nova era libertasse, finalmente, a consci- ência humana. Naquele cenário de rara beleza, João escreveu as páginas que seriam co- nhecidas pelas futuras gerações como o Livro do Apocalipse, retratando uma das fases de transformação da Terra, em seu processo evolutivo. 12
  • 13. PRIMEIRA PARTE "Não cuideis que vim trazer paz à Terra; não vim trazer a paz, mas a espada." Jesus (Mateus, 10:34) “... Na verdade, o Cristo trouxe ao mundo a espada renovadora da guerra contra o mal, constituindo em si mesmo a divina fonte de repouso aos corações que se unem ao seu amor; esses, nas mais perigosas situações na Terra, encontram, nele, a serenidade inalterável...” Emmanuel / Francisco Cândido Xavier "Caminho, Verdade e Vida 13
  • 14. UM ROMA, ANO 324 DA ERA CRISTÃ. No salão de audiências ouviam-se os gritos do poderoso general: - Saia já da minha frente, verme inútil! Desapareça, suma, ou não sei o que faço com você! Licínio2 , agressivo, empurrou o mensageiro que se mantinha curvado dian- te dele, fazendo-o cair nos degraus da escadaria próxima. O jovem logo se ergueu e, aterrorizado, saiu rapidamente da sala. Sabia do que aquele velho general era capaz. Constância entrou a tempo de presenciar a cena e, verificando a enorme ir- ritação do marido, indagou: - Por que maltrata tanto o pobre rapaz? Ele trouxe más notícias? O experi- ente general do império endereçou olhar furioso à esposa e limitou-se a dizer: - E seu irmão outra vez. Aproximando-se do marido e buscando aparentar calma, Constância insistiu. - E o que foi agora? - Sei muito bem o que ele planeja, suas intenções... - O que houve? Medindo a mulher de alto a baixo, o general disse, enquanto saía apressado do amplo salão: - Não vai vencer, escreva o que digo... Por Zeus! Ele não vai vencer! Constância fez Licínio estacar na porta ao argumentar: - Constantino é determinado e ardiloso. Consegue tudo aquilo que deseja. Ele virou-se para ela e esbravejou, ainda mais contrariado, deixando per- ceber todo o seu furor contra o opositor: - Tem conseguido ampliar o território sob seu poder à custa de muito ouro e muitas vidas romanas. Sabe seduzir os generais com seus argumentos e pon- tos de vista, mas não é perfeito. Pelos deuses! Quem ele pensa que é? Quer dominar todo o império. Quer tornar-se o único César, poderoso e absoluto! Constância afirmou, hesitante: - Provavelmente sim. - Pois ele não conseguirá! Vou impedi-lo, custe o que custar! A mulher se- gurou o braço do marido e advertiu: - Seja cauteloso. Com Constantino, todo o cuidado é pouco. Por favor, veja lá o que planeja. Além do mais, é meu irmão, e não quero que nada lhe aconteça. 2 Valério Liciniano Licínio, coimperador romano no período de 308 a 324 d.C. 14
  • 15. - Não se iluda, Constância. Ele jamais teria qualquer piedade de você. A esposa argumentou: - Está enganado. Constantino é um homem determinado, ambicioso e astu- to, mas é justo. Não faria nada que me prejudicasse, a menos que eu o prejudi- casse primeiro. Portanto, pense muito bem antes de agir contra ele. Sem responder, o velho general desapareceu pelo corredor, deixando a es- posa a meditar. Respeitava o marido e admirava o irmão; queria bem aos dois, mas temia pelas atitudes sempre intempestivas de Licínio. Sentou-se e, obser- vando pela janela a movimentação dos soldados sob as ordens do marido, fi- cou a se perguntar o que exatamente estaria acontecendo. Licínio se irritava muito com as atitudes de Constantino; embora antes fossem muito próximos (até mesmo o seu casamento havia sido negociado com o irmão, para estreitar os laços entre eles), agora estavam a ponto de um confronto direto. Depois de muitas lutas e combates, mentiras e traições, assassinatos e disputas cruéis, que não poupavam ninguém e nem mesmo laços familiares dos mais próximos, Constantino havia conquistado toda a região ocidental do império, tornando-se o imperador do Ocidente, e Licínio era então o Augusto do Oriente. Ambos dividiam o poder do imenso território sob a égide da águia. O olhar de Constância, que parecia perdido, encheu-se de temor. Ela conti- nuava a refletir que haviam sobrado apenas os dois e que seu irmão não dividi- ria o poder. Pressentia que eles iriam entrar em confronto direto, e não demo- raria muito. Tirando de sob as roupas, junto ao peito, uma pequena cruz de madeira que trazia pendurada em uma corda fina feita de couro, apertou-a com uma das mãos e pediu, baixinho: - Ajude-me, Jesus, por favor. Proteja Constantino e também Licínio. Não deixe que minha família seja dizimada por essas disputas estúpidas de poder! Por favor, Nazareno, olhe por mim... Ainda segurava firme a pequena cruz quando sua serva pessoal entrou, o- fegante: - Minha senhora, precisa vir depressa! - Calma, Ana. O que foi? - Venha, senhora, rápido! Uma desgraça está prestes a acontecer! A senho- ra precisa impedir! Constância acompanhou Ana pelos corredores do palácio até chegar à por- ta do gabinete do marido que, aberta, permitia que o escutasse a gritar pela sacada do amplo salão, diretamente aos soldados. Enfurecido e enlouquecido, ele gritava: - Meus leais servidores, moradores da bela e poderosa Bizâncio, obedeçam às minhas ordens. Quero que todos os funcionários cristãos deixem seus postos 15
  • 16. e partam imediatamente. Que não fique um só em meu reino. Todos fora! São traidores, perigosos, eu os quero longe daqui. Todos servem a Constantino! Constância aproximou-se do marido e, segurando-o pelo braço, implorou: - Acalme-se, por favor! O que está fazendo? Ele arremessou-a para longe com toda a violência, fazendo-a cair sobre um banco e depois sobre uma mesa mais adiante. A serva ia entrar para socorrer sua senhora, que continuava no chão, ferida, quando Licínio, olhando-a com fúria, gritou: - Não ouse entrar em meu gabinete, cristã imunda! Suma daqui! A ordem é para você também! Suma da minha frente ou acabo com você com minhas próprias mãos! Já! Desapareça! Em seguida ele voltou para a sacada, e continuou a gritar aos subordina- dos: - Até o final do dia quero todos os cristãos bem longe daqui. Todos eles, sejam romanos ou não! Não quero um remanescente! Aqueles que não concor- darem com minhas ordens, podem partir também. Quero limpar meu reino dessa praga e vai ser hoje mesmo. Constância permanecia no chão, desacordada e ferida na cabeça. Total- mente cego pelo ódio que sentia por Constantino e por seus freqüentes avanços militares, Licínio escrevia uma ordem expressa para que, em todas as cidades de seu reino, os cristãos fossem banidos imediatamente de qualquer cargo ou função que tivessem em qualquer área relevante. Que se tornassem todos es- cravos! Assim que terminou, saiu da sala com o pergaminho nas mãos e sumiu no corredor, diretamente para o grêmio onde ficavam os seus soldados mais graduados. Levava pessoalmente a ordem. Ana, que se afastara aturdida, buscou ajuda de outra serva de confiança de Constância, que mantinha em segredo sua opção pelo Cristianismo, e pediu: - Helena, precisa ajudar a senhora! Ela está ferida. - O que houve? - Já escutou a ordem do imperador Licínio? - Sim, já correu por todo o palácio. - A nossa senhora tentou intervir e ele a empurrou... Ana começou a chorar angustiada. Helena trouxe-lhe um pouco de água e pediu: - Fale, o que houve? - Eu acho que a matou... - Não é possível! Ele não seria capaz... 16
  • 17. - Acho que foi sem querer. Ele estava com muita raiva, jogou-a com força e ela caiu e bateu a cabeça na mesa... Vi que sangrava... Se não está morta, acho que está morrendo... Pálida, Helena ergueu-se dizendo: - Precisamos ajudá-la! - Eu não posso. O imperador me impediu de entrar em seu gabinete e me quer fora do palácio. Se me encontrar de novo por aí, é capaz de me matar... Precisava ver como ele estava... Parecia fora de si, enlouquecido... Você preci- sa ajudá-la... Eu não posso fazer nada! Helena pensou por um instante e, virando-se para Ana, pediu: - Vá então, Ana, vá antes que ele a encontre. Mas primeiro peça a Juliano para vir até aqui; diga que a mãe está ferida, não fale de suas suspeitas mais graves. Olhando para o céu, disse: - Tenho esperança de que ela esteja apenas ferida. Agora vá. Procure por Juliano e diga que me encontre no gabinete de Licínio. Vamos socorrer Cons- tância. Antes de sair, ao alcançar a porta, Ana se voltou e disse, em lágrimas: - Tome cuidado, Helena. Ele está fora de si... Ana saiu depressa e Helena correu pelos corredores, encontrando amigos e parentes que, com alguns pertences nas mãos, fugiam assustados. Ela seguiu até atingir a parte mais alta do edifício, onde ficava o amplo salão de Licínio. Observou que estava vazio e correu até Constância. Havia sangue es- palhado sob sua cabeça e Helena constatou que o ferimento era grave. Debru- çou-se sobre o peito da outra e escutou-lhe o coração. Ainda batia. Logo, Juli- ano entrou, à procura das duas: - Estou aqui. Ele estava lívido, com as mãos trêmulas e suando frio. Olhou para a mãe e depois para Helena e perguntou, assustado: -Ela... está... - Ela está viva, mas precisamos tirá-la logo daqui e tratá-la. Se perder mais sangue, não sei o que poderá acontecer... - É claro! Mas o que foi que deu no meu pai dessa vez? - Não sei, Juliano. Acho melhor você se preocupar com isso depois. Agora precisamos socorrer sua mãe. - Claro... Helena rasgou parte de suas vestes e cobriu o ferimento, procurando estan- car o sangramento. Assim que o curativo improvisado ficou pronto, Juliano carregou a mãe para seu quarto e colocou-a na cama. - E agora, o que faremos? Helena não titubeou: 17
  • 18. - Vou procurar ajuda. Fique aqui com ela e não deixe ninguém se aproxi- mar antes que eu chegue, está bem? O rapaz balançou a cabeça afirmativamente. DOIS JULIANO SENTOU-SE À BEIRA da cama e afagou com ternura o rosto da mãe. Seu coração batia descompassado; suas mãos suavam frio e de seus olhos des- ciam pesadas lágrimas que corriam pela face alva, alcançando, vez por outra, as mãos de Constância. Esta, imóvel, empalidecia mais e mais, e agora já tinha os lábios arroxeados. O rapaz olhava para a porta a todo instante, ansioso para que alguém aparecesse em socorro da mãe. Ele a beijou na face e sussurrou, angustiado: - Por favor, mamãe, agüente! Helena foi buscar ajuda. Não morra, por fa- vor... Escutou a voz forte e irritada do pai: - O que está fazendo aqui? Onde está sua mãe? Juliano ergueu-se indigna- do: - Não está vendo que ela está aqui, prestes a morrer por sua causa? Sustentando o olhar arrogante, Licínio, incrédulo, acercou-se da ampla cama que acomodava a esposa. Fitando-a, exclamou: - Não tive a intenção de machucá-la, mas ela insistia em interferir em mi- nhas ordens! - Não sente nada por ela, mesmo, não é? - E quem você pensa que é para questionar meus sentimentos, rapaz? Ainda não sabe nada da vida, das dificuldades e desafios que o mundo nos impõe. Não tem o direito de julgar-me ou discutir meus atos. - Você machucou a minha mãe, tratou-a com violência, e é só isso que me diz? Vem ainda me censurar... Juliano interrompeu-se, em pranto. Licínio aproximou-se mais da mulher, auscultou-lhe o coração, ergueu-lhe a cabeça e observou o curativo e o feri- mento. Depois, recolocando-a com cuidado na cama, ergueu-se e disse: - A mim você não puxou, definitivamente. Parece uma mulherzinha cho- ramingando. Vou buscar alguém que a possa ajudar. Sem esperar pela resposta do rapaz, Licínio saiu decidido. Antes de deixar o cômodo, no entanto, virando-se para o rapaz, disse: 18
  • 19. - Mandarei um dos sacerdotes vir vê-la. Depois partirei com meus melho- res homens para terminar o que comecei. Quero expulsar definitivamente to- dos os funcionários cristãos que trabalham em áreas administrativas do meu reino. - Por que tanto ódio, meu pai? - Você pensa que sabe alguma coisa sobre esses cristãos, mas não sabe. E- les são como uma praga que se espalha por toda parte e se infiltra em todas as áreas do império. Um sem-número de aristocratas da mais alta casta romana está se juntando a esses seguidores de um mestre nazareno que faz milagres e promete vida eterna... Vida eterna... Promete o paraíso... - Eu realmente não o compreendo, meu pai. Não foram você e meu tio que fizeram promulgar o Édito de Milão, em que determinam que haja tolerância religiosa no império? Você apoiou tio Constantino e fez valer essa lei. Por que fez isso, se não aprecia os cristãos? Licínio, de cenho fechado e olhar distante, considerou: - Eram outros tempos, muito diferentes de agora. Constantino ainda tinha algum respeito pelos seus colegas militares, e talvez até mesmo pelos desgra- çados cristãos. Agora, todos não passam de instrumentos de seus interesses, de bonecos em suas mãos... De coisas, entendeu? Coisas que ele usa conforme seus desejos e caprichos. A cada um ele usa e descarta, como fez comigo. Ou você acha que seu tio vai descansar enquanto não me enfrentar? Licínio parou por um momento, depois bradou, ainda mais enfurecido: - E vou derrotá-lo! Ele não me vencerá! Juliano baixou a cabeça, limpando as lágrimas, e fitou a mãe com terna tristeza. Licínio sumiu esbravejando pelo corredor. Podia-se escutar sua voz ecoando pelo palácio e desaparecendo aos poucos. Logo que Licínio afastou- se, Helena entrou depressa, trazendo consigo um médico romano, que havia pouco se tornara cristão. Já conhecendo a gravidade do problema de Constân- cia, ele não demorou a fazer-lhe novo e cuidadoso curativo, e em seguida fê-la beber um preparado que ele fizera com muitas ervas, para restituir-lhe a força e ajudar seu próprio corpo na restauração do ferimento. Helena o ajudava, ob- servando-o em silêncio. Juliano se afastara um pouco, pois não suportava ver a mãe naquelas condições. Otávio não havia ainda terminado os seus cuidados, quando Gripínio, o sacerdote mais graduado e responsável pelos serviços aos deuses romanos, entrou no quarto em busca da mulher de Licínio. Juliano adi- antou-se e informou: - Otávio já cuidou dela. - Seu pai ordenou que eu a visse. 19
  • 20. - Pois ele não está aqui agora. Eu, sim, e digo que ela já recebeu os cuida- dos de que necessitava. Deixe-nos. Meu pai não sabia que eu já mandara vir ajuda, por isso foi procurá-lo. - Engano seu. Ele foi à minha procura porque confia em mim e sabe que farei o que é o melhor para salvar sua mãe. - Ela já foi socorrida. Agradeço, mas não necessitamos mais de sua ajuda. - Pois bem, se algo acontecer a ela, será sua responsabilidade! - Minha?! Ora essa! Meu pai foi quem quase a matou e você vem me dizer que a responsabilidade será minha? - Então me deixe vê-la! Otávio, que terminara o atendimento, interveio: - Consinta que ele a veja, Juliano. Que mal pode haver? O estado dela é muito grave e toda a ajuda é bem-vinda. O rapaz afastou-se da cama para que Gripínio se aproximasse. Ele a exa- minou minuciosamente; depois se ajoelhou e fez alguns gestos, pedindo socor- ro aos deuses. Em seguida, fitou Otávio, que aguardava em silêncio, e disse a Juliano: - Ela recebeu cuidados adequados. Agora está nas mãos dos deuses. Vou até o templo preparar um sacrifício especial pela vida dela. Eles haverão de me escutar. Juliano balançou a cabeça sem dizer nada e Gripínio saiu do quarto. Otávio aproximou-se do rapaz e, tocando-lhe o ombro, disse: - Como disse antes, o estado dela é bem delicado. O que podemos fazer agora é pedir a Deus por ela. - Será que está sentindo muita dor? Dessa vez foi Helena quem se aproximou e disse: - Uma das ervas que Otávio lhe deu tem efeito de atenuar a dor. Dirigindo- se ao médico, ela indagou: - Não há mais nada que possamos fazer? - Continue dando o chá de hora em hora. Isso vai ajudá-la. Se seu estado piorar, veremos o que podemos fazer. Por enquanto, temos de aguardar. Helena se prontificou: - Se você me permitir, Juliano, vou ficar aqui cuidando dela, dia e noite. Otávio também se ofereceu: - Tenho algumas tarefas para terminar, mas depois posso ficar aqui tam- bém. Apertando as mãos de Helena e depois de Otávio, ele concordou: - Aceito, por certo. 20
  • 21. O estado de Constância alternou fases de ligeira melhora e de piora acen- tuada nos dias que se seguiram. Ela permanecia inconsciente. Às vezes sussur- rava palavras desconexas, quase incompreensíveis, em outras calava comple- tamente. Juliano, dedicado e amoroso, não saía do lado da mãe. Otávio e Hele- na também se revezavam em cuidados e atenção e a jovem, vez por outra, ajo- elhada à beira da cama, orava ao Mestre que há pouco conhecera, rogando pela vida daquela mulher aparentemente frágil, mas cheia de força interior. Muitas vezes, ao terminar suas orações, ia devagar até a cabeceira da cama e sussurra- va no ouvido de Constância: - Não nos abandone. Por favor, lute! Algumas semanas depois, a notícia do ocorrido com a irmã chegou aos ou- vidos de Constantino3 . Ele permanecia sentado, ocupando o lugar de maior destaque no centro de seus conselheiros, e ouvia a narrativa sobre as últimas ações de Licínio sem esboçar nenhuma reação. Constantino era um general respeitado pelos seus homens e pelos seus súditos. Conquistara cada pedaço do território romano que ora estava sob seu controle com muita astúcia e arguta estratégia, o que o tornara um conquistador querido e respeitado. Com rosto de forte ossatura, transparecia em seu corpo e sua postura a de- terminação e a coragem de, destemida e sabiamente, lutar pelas suas aspira- ções. Constantino parecia incansável e inabalável. Nada tirava dele a calma e a determinação na tomada de decisões e nas ações. Ele raramente reagia e, sim, utilizava toda e qualquer informação ou situação em seu favor. Quando o men- sageiro terminou de narrar o que se passava no império do Oriente, ele parecia distante, mas logo perguntou: - E como está minha irmã agora? - Não sabemos exatamente, parece que seu estado é muito grave. - Está recebendo os cuidados devidos, ou Licínio a abandonou à própria sorte? - Juliano, seu sobrinho, é quem está tomando conta dela. Constantino ca- lou-se, pensativo. O silêncio era absoluto no salão, quando um soldado surgiu à porta e interrompeu a reunião: - Senhor, um mensageiro da fronteira chegou apressado e deseja falar-lhe. Diz que é extremamente urgente. Constantino não respondeu, apenas inclinou a cabeça afirmativamente. O soldado reproduziu o sinal positivo e saiu apressado. Logo retornou com o mensageiro, que aparentava abatimento e cansaço extremo. - Senhor, trago notícias da fronteira. Más notícias, senhor. Constantino dis- se, atento: 3 Constantino I, Constantino Magno ou Constantino, o Grande. 21
  • 22. - O que houve? - Os sármatas se preparam para invadir o reino do Ocidente. Já arregimen- taram grande número de homens, que não param de chegar. O exército deles está crescendo a cada dia. O imperador guardou silêncio. Seus generais mais leais e seus conselheiros já o conheciam bem e sabiam que seu silêncio era a maior ameaça contra seus inimigos. Todos esperavam pelo que diria Constantino, sem se manifestarem. Ele se levantou, caminhou até um mapa de seu reino e de suas fronteiras, exa- minou o desenho com atenção, depois virou para o soldado e perguntou: - Mostre-me onde exatamente se concentram. O jovem foi até o desenho colocado sobre uma mesa enorme, observou o mapa com atenção, depois apontou: - Estão aqui, entre as montanhas... Constantino observou o lugar exato que o jovem apontara, depois sorriu levemente e sugeriu: - Descanse e coma um pouco. Parece exausto. - Agradeço, senhor, mas estou a seu serviço, aguardando suas ordens. Só descansarei depois que o atender, meu senhor. Tocando-lhe o ombro, Constantino insistiu: - Descanse, pois tenho planos para seu regresso. O jovem escutava o imperador com atenção, assim como os demais ouvin- tes. Constantino aproximou-se do mapa, analisando ainda melhor cada detalhe, depois se virou para o rapaz e disse: - Amanhã quero que parta bem cedo e vá direto ao meu amigo, Augusto do Oriente, Licínio. Sem compreender, todos aguardavam o esclarecimento de seu líder, que prosseguiu depois de longa e premeditada pausa: - Quero que Licínio nos permita atravessar seu território para exterminar- mos os sármatas. Quero que ele me autorize a atravessar suas cidades mais lucrativas, para surpreender os sármatas, pelos flancos, certamente por onde não esperam que ataquemos. Um de seus generais apenas balbuciou: - Mas esse é o caminho mais longo... Constantino comentou, com sorriso irônico: - Pode até ser mais longo, mas iremos conquistando tudo o que estiver em nosso caminho. Ao nos defrontarmos com os sármatas, não somente nosso exército será maior, como meu império estará consolidado. Confie em mim, Galenius, sei o que estou fazendo. 22
  • 23. Erguendo todo o seu corpo e esticando o braço em sinal de profundo res- peito, Galenius saudou o seu imperador: - Não tenho a menor dúvida disso! Ave César! Todos em uníssono repeti- ram: -Ave! Constantino manteve-se sério e em silêncio. No entanto, um observador a- tento registraria em seu olhar a enorme satisfação que sentia pela destacada posição que ocupava, pela admiração que recebia de seus subordinados e súdi- tos, bem como pela perspectiva cada vez mais próxima de tornar-se o único imperador de Roma. TRÊS À MEDIDA QUE os GENERAIS e conselheiros deixavam a sala em alvoroçada conversa, Constantino acomodou-se em sua cadeira suntuosa, seu trono. Sen- tou-se e observou seus homens se afastando; apenas os mais próximos ainda permaneceram com ele. Mentalmente, felicitou-se por estar mais uma vez a- proveitando tão bem as circunstâncias em seu favor. Claro que não ficara feliz com a notícia de que a irmã estava doente, mas a agressão de Licínio contra ela era desculpa mais do que suficiente para que seus homens o seguissem em sua condição de Augusto ferido no orgulho familiar. Licínio mais uma vez passava por um brutamontes, e deveria ser contido a todo o custo. Ele acompanhou a movimentação com o olhar, depois fitou Marco e inda- gou: - Está comigo no que pretendo fazer? - Sim, sem restrições, senhor. Constantino levantou-se, tocou-lhe o ombro e comentou: - Meu bom Marco, eu sei que posso contar com você. O outro respondeu sem pensar: - E como poderia ser diferente? Licínio quase lhe mata a irmã! Constantino aproveitou e, ainda que demonstrasse fixar apenas Marcos, es- tudava de canto de olho as mínimas reações de Helenus e Domenico; consci- ente da admiração e do respeito que ambos dedicavam aos cristãos, arrematou: - Ele está piorando a cada dia. E esse problema com os cristãos, agora? Os outros dois permaneciam calados. Marco, Helenus e Domenico eram os três homens de confiança absoluta de Constantino, o que no império romano daquela época era algo quase impossível. Temia-se até a própria sombra. Os três generais que ocupavam a mais alta graduação do exército pretoriano havi- am sido transformados em guarda pessoal do imperador do Ocidente e agora 23
  • 24. acompanhavam-no em tudo, participando de todas as suas decisões. Experien- tes e astutos, apoiavam Constantino, não sem questionar-lhe, muitas vezes, as ações. Constantino calou-se, usando o silêncio como tão bem sabia fazer. Voltou a sentar-se e fixou o olhar para fora da janela, distante. Pensava ativamente nas estratégias que usaria para vencer Licínio. Esperava pelo apoio de seus ho- mens de confiança, pois sabia do tremendo desafio que vencer o imperador do Oriente representaria. Seria uma batalha das mais difíceis, pois o próprio Licí- nio era igualmente um general experiente e dominador, possuindo um exército muito maior do que o de Constantino, em número de homens. Finalmente, Helenus e Domenico aproximaram-se de Constantino e, reve- renciando-o, afirmaram: - Também estamos com você em sua decisão. Licínio precisa ser detido. - Ótimo. Logo mais nos reuniremos para traçar um plano de ataque deta- lhado. Já tenho algumas idéias e poderemos definir nossa estratégia. Helenus e Domenico se retiraram, enquanto Marco permaneceu ao lado de seu imperador, a quem tanto admirava. Daria a própria vida por ele, tamanha sua admiração. Constantino, confortavelmente instalado em seu trono, pensava em suas estratégias, e, apesar de estar convicto de sua decisão, sentia um des- conforto ao imaginar-se confrontando Licínio. Era a sua consciência que bus- cava espaço para alertá-lo do perigo de suas intenções. Ao perceber-lhe o titubear sutil, duas entidades espirituais, trajando pesado manto negro, aproximaram-se dele e sussurraram-lhe aos ouvidos da mente: "Licínio precisa ser detido. Não há nada de errado nisso. Você, e somente vo- cê, deve ser o único e absoluto César de Roma. Será muito melhor para o im- pério. Um reino dividido não pode subsistir. Roma precisa de você. Você, Constantino I, será um imperador que marcará a história de sua época e jamais será esquecido. Um reino dividido não pode subsistir... Um reino dividido não pode subsistir...". Registrando as palavras do espírito ao seu lado, Constantino tomou-as co- mo seus próprios pensamentos e sentiu-se aliviado. Sem dúvida, estava fazen- do o correto. Distante dali, Juliano acabara de pousar sobre a mesa uma cumbuca com água fresca que dera à mãe. Olhando pela janela, suspirou profundamente. Com olhar distante, pensava no pai, no tio e em toda a situação do império. Ele desprezava a atitude de Licínio, sua ganância e seu desejo de poder o enoja- vam - especialmente porque detectava na corte, e naqueles que circundavam seu pai e acompanhavam seus passos de perto, os interesses acima de tudo. Percebia o ambiente hostil em que passara toda a sua vida, com medo de to- 24
  • 25. dos, sempre protegido pela mãe. Aquilo não era a vida que ele imaginava. Não apreciava aquela disputa pelo poder a qualquer preço. Quando acompanhava o pai em alguma viagem perigosa, a mãe sempre o cercava de uma guarda pes- soal reforçada, temendo pela sua vida. Ela temia até que o próprio pai lhe fi- zesse mal, e ele também. Definitivamente não confiava no pai. Também não confiava no tio. A única pessoa em quem de fato confiava era sua mãe. E na- quele momento ela estava naquele estado, praticamente entre a vida e a morte. Estava distraído quando escutou: - Meu filho... Sem acreditar, correu até a mãe. Ajoelhando-se, beijou-lhe a face e em lá- grimas balbuciou: - Mãe... graças aos céus... - Onde está seu pai? - Eu não sei. Ele viajou, acho. Fique calada, mãe, você não pode fazer ne- nhum esforço. Foi ferida gravemente e precisa ficar tranqüila para se curar. - Seu tio... - Constantino? - Sim... Precisamos falar com ele... - Por quê? - Sei que algo ruim vai acontecer... - Não, mãe, você precisa se acalmar. Tudo ficará bem, mas precisa ficar calma. Como se sente? - Estou com fome. Juliano exclamou sorrindo: - Isso é um ótimo sinal! Você está melhorando! Que maravilha, mal posso crer... - Pensou que iria livrar-se de mim tão fácil?... - Não diga isso, mãe. Não sabe o quanto sofri esse tempo todo. - Faz tempo que estou aqui, nesta cama? - Umas duas semanas. Fazendo menção de erguer-se, foi impedida pelo rapaz: - Não, mãe, o que está fazendo? Não pode levantar-se ainda. Deixe que Otávio a examine primeiro. Você ficou muito mal... Constância, impedida pelo filho, voltou a deitar-se enquanto falou: - Sinto-me bem. Apenas um pouco tonta e fraca, mas estou bem. Não te- nho nenhuma dor. - Mas seu corte foi fundo e você perdeu muito sangue. Agora vai precisar de uma dieta especial por algum tempo para poder recuperar-se por completo. Portanto, fique aí quietinha. Logo Helena virá e então pedirei que chame Otá- vio. Somente ele poderá autorizá-la a se levantar. 25
  • 26. - Estou aflita por seu pai. Onde ele está? - Já disse que viajou, mãe. - Para onde? Quando volta? - Ele saiu daqui enfurecido. Sabe que tio Constantino o irrita profundamente. - Eu sei. - E receio, mãe, que não haja mais nada que possamos fazer. - Eles se enfrentarão em breve. - O que me diz? Ele lhe falou que iria atacar Constantino? - Não. Constantino marchará contra seu pai. - Como sabe? - Eu simplesmente sei e temo por ele. - Como pode ainda querer-lhe bem, depois de tudo? E não somente o que lhe fez agora, mas a forma como a tratou a vida inteira? - Fui e sou fiel aos meus deveres. E você também deve ser. O caráter de um homem se mede pelo respeito que ele tem por si mesmo e pelos seus seme- lhantes. - Acontece que meu pai não tem respeito por ninguém. - E como aprenderá, se o tratarmos de igual modo? Juliano sorriu afetuoso e comentou, depois de longo período de silêncio: - Simplesmente não sei como consegue, mãe. Constância insistiu: - Sabe onde ele está? - Não, mãe, ele não me disse nada e realmente não me interessei em saber. Em breve estará de volta. Apreensiva, ela balbuciou: - Não tenho tanta certeza... Helena entrou e ao deparar com os dois conversando, correu ao encontro deles, chorando: - Minha senhora, graças a Deus acordou! Está melhorando... A madura senhora respondeu: - Seria melhor estar no mundo espiritual agora, mas ainda tenho tarefas a cumprir por aqui. Limpando as lágrimas Helena disse, segurando as mãos de sua senhora: - Fico feliz, a senhora nos faria muita falta. 26
  • 27. QUATRO DUAS TESTEMUNHAS espirituais assistiam àquela cena repleta de alegria, suavidade e amor. Com vestes diáfanas e luminescentes, Angélica acompa- nhava o despertar de Constância, de quem havia cuidado carinhosamente. Sor- rindo, ao constatar finalmente a recuperação de sua protegida, comentou com Maurício: - Pode voltar agora à colônia. Ela ficará bem. O belo rapaz, que mais lembrava a figura de um anjo, tão insistentemente retratado por artistas de todos os tempos, fitou Angélica com ternura e pergun- tou: - Tem certeza? - Sim, ela conseguiu responder muito bem ao nosso tratamento. Seu corpo está em recuperação e o quadro é promissor. Fazendo pequena pausa, ela prosseguiu, com suave entonação na voz: - Você ajudou muito, agradeço mais uma vez. - Não me agradeça. Devemos tudo a Jesus. - Sim, eu sei. Agora é importante que você retorne à colônia, levando a Er- nesto as boas notícias. Pelo empenho com que tem acompanhado o processo de expansão do Evangelho de Jesus sobre a Terra e pelo seu envolvimento em todos os detalhes, ele gostará de saber que conseguimos impedir a partida de Constância antes do previsto. - Vou agora mesmo. Você me parece cansada. Vai demorar-se muito ainda aqui? - Ficarei até que a situação se acalme. - Mas parece agravar-se cada vez mais. - Você sabe o porquê. Ambos emudeceram por longo tempo. Maurício, por fim, comentou: - É... Não podemos desanimar. - De modo algum; vamos perseverar. O Cristianismo haverá de triunfar so- bre a Terra. Por mais que haja resistência de todos os lados, a verdade que Je- sus veio trazer à humanidade prevalecerá! - Por quanto tempo ainda negaremos e deturparemos seus ensinamentos? Por que o homem não compreende o que o Mestre veio ensinar? - Porque somos ainda crianças, espiritualmente falando. Temos muito a a- prender, e enxergamos tudo com nossa limitada compreensão da realidade. - E por que alguns conseguem e outros não? 27
  • 28. - É por causa da humildade e da fé. Alguns já conseguem ser humildes o suficiente para intuir que são limitados demais, e não podem confiar nas pró- prias interpretações; precisam buscar a verdade. E mais do que isso: estão dis- postos a fazer o esforço necessário para trilhar o caminho da iluminação espiri- tual, da regeneração de si mesmos. Estão dispostos a abrir mão dos prazeres e ilusões passageiros, para dedicar seus esforços àquilo que é essencial e perene. - Por quanto tempo ainda os cristãos sofrerão tamanha perseguição? Não deveria ser assim, não é mesmo? - Quem somos nós para tirar esse tipo de conclusão? No entanto, meu mais profundo desejo é que os homens despertem do sono da ignorância em que ainda estão imersos. Mas agora é melhor que você vá. Leve notícias e peça novas orientações. Preciso saber em que poderei ajudar, no caso de as suspei- tas de Constância estarem certas. As circunstâncias se precipitam cada vez mais e estou receosa pelas decisões que Constantino tem tomado; ele vem co- laborando com os nossos objetivos, como se propôs, mas sinto que pouco a pouco distancia-se, na essência, daquilo que deveria fazer. - Mas ainda age em nosso favor. - Aparentemente. Entretanto, sinto que suas motivações estão se desvirtu- ando. - Se estiver certa, ele poderá perder-se a qualquer momento. - Esse é o meu receio. Preciso da ajuda de nossos orientadores do Mais Alto. Sem demora, ambos se despediram e Mauricio partiu em direção a uma co- lônia espiritual situada sobre a região da Europa central. Não teve dificuldade de ultrapassar a grande diferença de vibrações entre os planos material e espi- ritual, e logo cruzava enorme portão que se abria para uma região espiritual de serena suavidade e intensa atividade do bem. A atmosfera se fez mais leve, doce fragrância de flores as mais diversas invadia o ar; pássaros e borboletas coloridas cruzavam o céu. Maurício deteve-se diante da beleza da colônia e respirou fundo, haurindo com satisfação as energias sutis que vibravam no ambiente. Entrou. Logo estava em companhia de Ernesto, que o aguardava: - Maurício, é bom vê-lo. Que notícias nos traz dos irmãos encarnados? Acomodando-se ao lado do orientador, Maurício suspirou: - A situação continua difícil. - Tenho percebido grande adensamento energético sobre o planeta. - Sim, como se nuvens negras e pesadas se acumulassem sobre a Crosta. Apesar disso, trago-lhe boas notícias. Conseguimos contribuir efetivamente para a melhora de Constância. Ela acaba de despertar e se recupera muito bem. - Excelente trabalho, Maurício. Ela é nossa grande aliada no sentido de manter Constantino nos trilhos de sua programação. Ela é fundamental. 28
  • 29. O rapaz prosseguiu, interessado: - Angélica continua dedicada à sua recuperação. - Ela tem conseguido maior influência sobre Constantino? - Tem trabalhado muito, mas também está receosa de que ele se desvie de sua tarefa. - Honestamente, Maurício, eu também estou, e muito. O jovem fitou Ernesto sem dizer palavra. Também estava apreensivo. De- pois de breve pausa, indagou: - Achei que talvez Angélica exagerasse... Então ele realmente está se des- viando da tarefa? - Pouco a pouco, quase imperceptivelmente, vem se distanciando de nossa programação. - E o que podemos fazer? - Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance, mas a decisão é dele. Sério, Maurício indagou: - Conhece-o há muito tempo? - Sim, desde Capela. Surpreso, Maurício comentou: - É... faz tempo mesmo. Também vieram de lá? - E chegamos antes de você, um pouco antes. - A grande maioria já retornou.... - Contudo, há ainda muitos por aqui. Estamos tentando, não é mesmo? - Sinto saudade de meu verdadeiro lar. Desejo retornar assim que for pos- sível; mas como fazer isso, deixando para trás tantas pessoas queridas? Não posso, por enquanto. - Sei bem o que sente. É o caso de Ferdinando, ora vivendo na Terra como Constantino. - Ele já tem preparo suficiente para realizar a tarefa que se propôs. - Certamente. Entretanto, não importa quão preparados estejamos, sempre poderemos falhar; basta uma distração, um enveredar pelo caminho do orgulho e nos deixar dominar por ele, e pronto. O retorno fica muito difícil. Calaram-se novamente. Ernesto ergueu-se, caminhou até uma grande jane- la que dava para florido jardim e comentou, por fim: - Continuemos orando e confiando. Deus jamais permite que se coloque sobre qualquer de seus filhos peso maior do que está preparado para suportar. Confiemos que Constantino será capaz de reencontrar-se e ser vitorioso, afinal. 29
  • 30. CINCO ERA MADRUGADA QUANDO o mensageiro de Constantino alcançou os por- tões de Bizâncio. Constância, que se recuperara quase completamente do triste incidente com o marido, deu um pulo na cama e sentou-se, tremendo, assusta- da. Ofegante, tirou o pequeno crucifixo que trazia junto ao peito e suplicou: - Mestre Jesus, socorra-me e à minha família. Meu coração está opresso e me diz que algo sombrio está por acontecer. Ajude-nos, por favor... Sem compreender por que a dor no peito a oprimia tanto, não pôde conter as lágrimas que lhe desciam pela face alva. Pedindo repetidamente o socorro de Jesus e de seus enviados, ela finalmente conseguiu acalmar-se e voltou a se deitar. Entretanto, por mais que tentasse, não conseguia conciliar o sono e revi- rou-se na cama até o sol brilhar intenso no céu do Mediterrâneo. Assim que adentrou os portões da fortificada cidade, o mensageiro do Au- gusto do Ocidente deu de comer ao seu cavalo e descansou brevemente. Tinha ordens de seu general para retornar com a resposta de Licínio tão logo a obti- vesse. Quando o dia amanheceu, dois soldados da guarda pessoal do imperador vieram buscá-lo: - O imperador Licínio irá recebê-lo agora. Acompanhe-nos. Prontamente o mensageiro os seguiu até o imperador. Ajoelhado diante do grande general que dividia o poder do império romano com Constantino, o jovem permaneceu calado, aguardando as instruções do soberano, que depois de longo silêncio indagou: - O que quer Constantino? - Os sármatas ameaçam nossa fronteira, senhor, e Constantino pede autori- zação para cruzar seu território, a fim de surpreender o inimigo, antes que este avance sobre Roma. - O quê? Que estratégia ridícula é essa de seu imperador? O que ele pre- tende? Vamos, responda! Sem erguer os olhos, o rapaz apenas disse: - Eu não sei, senhor. A única orientação que recebi foi para pedir-lhe a au- torização e retornar imediatamente com sua resposta. Licínio sorriu, cínico, e insistiu: - Não sabe? Tem certeza? Vociferou então, com o rapaz: - Vamos, diga o que Constantino planeja! Você não é um soldado? Deve saber, então. Trêmulo, o rapaz redarguiu: - Eu não sei, senhor, apenas cumpro ordens. 30
  • 31. - E por que Constantino planeja atacar os sármatas por minhas terras? É certamente o caminho mais longo. Decerto ele planeja algo contra mim. Licínio levantou-se e caminhou até a janela da ampla sala. Ficou longo tempo em silêncio, olhando pela janela. Depois, aproximou-se do rapaz e, en- costando a cabeça na dele, segurou-lhe a face com uma das mãos e gritou com violência: - Sei muito bem o que ele planeja. Vou esperá-lo muito bem preparado. E quanto a você, meu rapaz, se quiser fixar residência aqui, a partir de agora, será poupado de longa e dolorosa viagem. O jovem soldado fitou o general, que naquele momento lhe parecia ainda mais alto e mais forte, antes de responder com estranheza: - Não posso, senhor... Meu general me aguarda. Com ar prepotente e arro- gante, Licínio ordenou: - Pois bem, que assim seja. Quero dar uma resposta contundente ao seu se- nhor. E chamando um de seus homens, ordenou: - Levem-no ao poste. Cem chibatadas, depois deixem-no partir. O rapaz fitou o imperador com os olhos arregalados, mal acreditando no que escutava. Sabia que Licínio era um general duro e muito experiente, mas jamais esperaria tal atitude de um outro soldado. Sem dizer palavra, foi arras- tado pelos guardas e chicoteado impiedosamente. Depois, colocaram-no sobre o cavalo t mandaram-no partir. Embora muito machucado, ele conseguiu con- duzir seu cavalo até a divisa dos domínios do Oriente com os do Ocidente. Foi socorrido pelos colegas e logo acomodado em um leito, para receber tratamen- to. Antes de ficar inconsciente, disse com enorme esforço: - Ele não permitirá... O general, que pessoalmente o auxiliava, acalmou o rapaz: - Nós já sabemos. Agora, descanse. Logo o soldado ficou inconsciente. E depois de duas noites naquele estado, não resistiu aos ferimentos que, associados à longa jornada, ceifaram-lhe a jovem vida. Alguns dias depois, Constantino chegou ao acampamento, com seu exército já arregimentado e ordenando que todos os seus melhores ho- mens, espalhados pelo império, se juntassem a ele para a batalha iminente. Policarpo, o general responsável pelo acampamento próximo à divisa, detalhou o estado em que o jovem chegara. Cheio de ódio, Constantino fê-lo repetir a narrativa a todo o acampamento e, ao final, mostrando-se indignado, proferiu suas ordens da maneira mais eloqüente: - E por essas decisões arbitrárias que temos de tomar o reino do Oriente das mãos de Licínio. Invadiremos Bizâncio e subjugaremos o imperador do 31
  • 32. Oriente e seus homens mais fiéis. Chega de agressões descabidas. Primeiro os cristãos, depois minha própria irmã quase morreu nas mãos desse monstro, e agora esse jovem inocente, que simplesmente cumpria ordens, deixando sua família, por estupidez absoluta. Fez longa e calculada pausa, e depois concluiu: - Não toleraremos mais isso! Sigam-me e seremos vitoriosos! Vou liderá- los pessoalmente nesta batalha e, ouçam bem o que digo, nós venceremos! Envolvidos pela emoção que as palavras inflamadas de Constantino lhes causavam, eles gritaram, liderados pelos homens de confiança do imperador: - Ave César, único imperador de Roma! Constantino fitou os seus homens a ovacioná-lo e emocionou-se. Eram mais de 100 mil homens a gritar diante dele. Sentia com todas as forças que venceria Licínio e se tornaria o único imperador. Era esse, agora, seu propósi- to. Toda a sua força estava voltada para esse fim. Retirou-se com seus gene- rais, para organizar o ataque que fariam em breve à capital do Oriente. Durante vários dias o exército de Constantino avançou mais e mais, rumo a Bizâncio, cidade que pretendiam dominar e ocupar. De fato, Constantino dese- java fazer dela a sede de seu império. Famosa pela posição estratégica que ocupava, desde muito havia despertado o interesse do grande general. Quanto mais avançavam, mais crescia o número de soldados. Acampavam à noite, e mal o dia amanhecia todos se punham a caminho. Superaram o frio e regiões de difícil acesso, mas foi às margens do rio Ebro, pouco distante de Bizâncio, que foram obrigados a parar, dada a violenta correnteza que dificultava a tra- vessia dos 120 mil soldados, entre homens de infantaria e cavalaria. Constantino determinou que acampassem: - E inútil avançarmos agora. Precisamos entender bem a situação de nosso oponente. Passaremos esta noite aqui. Marco observou, preocupado: - Acho bom mesmo descansarmos. Os homens estão exaustos - Pois ficaremos aqui por ora. Marco, quero que envie uma pequena tropa de seus melhores homens - pequena mesmo, dois ou três - para que verifiquem a situação logo após o rio. Precisamos saber exatamente a situação de Licínio. Atendendo de pronto à ordem de seu imperador, Marco retornou algum tempo depois, informando: - Estão a caminho. Enviei três de meus melhores soldados. - Ótimo. Aguardaremos o retorno deles. Quero que montem vários turnos de descanso, e que metade dos homens esteja sempre desperta e em alerta. Licínio pode atacar a qualquer momento. Marco indagou, surpreso: 32
  • 33. - Acredita mesmo que ele planeja atacá-lo, senhor? - Acredito que um homem desesperado seja capaz de qualquer ação. Ao final da tarde seguinte, os três experientes soldados retornaram trazen- do informações precisas e preciosas, que foram logo levadas a Constantino. - As tropas de Licínio ocupam as planícies de Adrianópolis. Estão espa- lhadas por terrenos elevados, o que definitivamente lhes garante vantagem, pelas condições do terreno. - Quantos homens? - E grande demais o seu exército. Meus homens ficaram muito im- pressionados. Relataram que o campo está como coberto por formigas. São muitos homens. Garantem que excede em número nosso exército. Constantino ficou longo tempo pensando e depois ordenou: - Iniciaremos a construção de uma ponte ainda de madrugada. Quero mui- tos envolvidos nessa construção. Metade dos homens deve se dedicar à em- preitada. Os generais de Constantino o ouviam atentos. Jamais questionavam suas ordens ou suas estratégias, que muitas vezes não compreendiam, mas sabiam que elas já haviam concedido àquele exército mais de dezessete vitórias; por- tanto, confiavam em seu general. E o seguiriam lealmente até a morte. Vários dias se passaram, e a ponte se erguia pouco a pouco sobre o rio. Naquela noite, ao despedir-se de seus homens, Constantino sabia que a ho- ra de atacar havia chegado. Sabia que o oponente acompanhava suas mano- bras, e chegara a hora de surpreendê-lo. No meio da madrugada, mandou cha- mar seus três principais generais e ordenou: - Quero um regimento com cinco mil arqueiros. Vamos atravessar o rio e nos embrenhar pela floresta densa; surpreenderemos os homens de Licínio pela retaguarda. Eles não nos esperam. Meu objetivo é atacar o acampamento de Licínio. Os generais se entreolharam, surpresos pela ordem inesperada; no entanto, não ousaram sequer fazer qualquer comentário. Obedeceram de pronto. Sabi- am que o elemento surpresa seria fundamental na ousada estratégia de Cons- tantino. Antes de saírem, Marco virou-se para Constantino e perguntou: - Permita-me saber se poderei estar entre os líderes desse ataque. - Você e os demais, meus homens de confiança. E eu, pessoalmente, vou liderar o ataque. Fazendo posição de sentido e olhando com profunda admiração para aque- le jovem general que estava diante dele, Marco se retirou. Ao sair da tenda de Constantino, cruzou com Crispus, filho mais velho do imperador, que entrou ansioso, indagando: 33
  • 34. - Vai sair à batalha, meu pai? - Assim que os homens estiverem prontos. - Quero acompanhá-lo. - Seja paciente, Crispus, tenho planos para você. - Que planos, senhor? - Dada a sua habilidade náutica, quero poupá-lo para o possível confronto que teremos com a armada de Licínio, que ocupa o estreito de Helesponto. Temos de derrotá-los no mar para poder aniquilá-los de fato. Não podemos correr o risco de desembarcarem e nos atacarem no momento em que estiver- mos para invadir Bizâncio. O que sabe sobre a armada? - Sei que é poderosa, com mais de 350 navios grandes e bem equipados ocupando todo o Helesponto. Fitando o rapaz como a desafiá-lo, o mais velho inquiriu: - E o que você pensa sobre isso? O que acha? Pode vencê-los? Crispus pensou um pouco, depois continuou: - Nossa frota é bem menor, é verdade, mas nossos homens são leais e cora- josos. Aguardam suas ordens, prontos a obedecer. Tocando com a mão direita o ombro do filho, Constantino autorizou: - Muito bem, meu filho, aguarde minhas ordens. Permaneça no acampa- mento. Sua luta será no mar. Diligente, o rapaz assentiu com a cabeça e respondeu: - Atenderei prontamente às suas ordens. - Voltarei em breve com a vitória para prosseguirmos rumo à conquista de- finitiva de Bizâncio e à derrota final de Licínio. Quero que destrua completa- mente sua força náutica; transforme-os em fumaça... Crispus tão-somente respondeu: - Pois assim será! Logo em seguida Marco entrou e comunicou: - Estamos prontos, senhor. Constantino vestiu a armadura, empunhou a pesada espada que o acompa- nhara em tantas outras batalhas e, fitando-a como a conversar com ela, con- clamou em alta voz: - À vitória! 34
  • 35. SEIS ENQUANTO CAMINHAVA pela colônia, em um dos grandes jardins floridos, Angélica cumprimentava os amigos e colegas com quem compartilhara traba- lho e aprendizado. Ela também viera de Capela e alcançara, através de esforço e dedicação em diversas encarnações penosas, significativo progresso. Estava pronta para retornar à constelação do Cocheiro, mas embora sua alma suspi- rasse por voltar ao lar, seu coração se enchera de compaixão pelos habitantes da Terra e seu difícil caminho de evolução. Queria ajudar e, como Ernesto, resolvera permanecer para isso. Finalmente chegou a uma grande construção, onde Ernesto a aguardava. Assim que a viu, encheu-se de alegria. E abraçando-a exultou: - É bom vê-la outra vez, Angélica. Retribuindo-lhe o carinho, ela o abraçou ternamente e disse: - Também estava com saudade, mas achei melhor permanecer junto a Constância. Deixando visível sua preocupação, Ernesto comentou: - A situação está piorando muito, não é? - Muito. Constância já não consegue acesso ao irmão. Constantino distan- ciou-se emocionalmente de toda a família. Inclusive dos próprios filhos. Tem se enclausurado em si mesmo cada vez mais, e perigosamente acredita naquilo que falam sobre ele. Entristecido, Ernesto lamentou: - O poder o está cegando totalmente. - Eu temo que sim. - O poder que ele deveria utilizar para fortalecer o bem e a verdade, para fazer expandir-se sobre a Terra a luz do Evangelho, está usando para satisfazer as próprias paixões. - E isso mesmo. Infelizmente, creio que ele não conseguirá! Ernesto calou- se e meditou por longo tempo. Depois, perguntou: - E como está Constância? - Apesar de fisicamente recuperada, sua alma sofre muito, pois sabe que ambos, Licínio e Constantino, se desviaram de suas tarefas, e estão prestes a se confrontar. - E eram dois imperadores justamente para se ajudarem mutuamente em ta- refa de tamanha responsabilidade. - Não resistiram aos apelos da personalidade, do ego. Ao egocentrismo e ao endeusamento de si mesmos. 35
  • 36. Suspirando fundo, Angélica emendou: - Nossa irmã sofre profundamente, pois intui a dor e o sofrimento que os aguarda após deixarem a Terra. A jovem fez uma pausa, depois continuou: - O que poderemos fazer, Ernesto? Uma programação reencarnatória tão preparada, longamente planejada, agora prestes a se perder... - E... O livre-arbítrio. Não podemos impedir que Constantino faça suas es- colhas. Ele tem esse direito. E aqueles que o seguem também. O que podemos fazer, agora, é rogar ao Pai Celeste nos socorra e nos oriente. - Eles estão prestes a se enfrentar. Talvez o façam agora, enquanto nos fa- lamos. Constantino alcançou as planícies de Adrianópolis com mais de 120 mil homens; Licínio está acampado com seus homens nas planícies, já mais para o lado de Bizâncio. A guerra é inevitável e... Angélica não pôde continuar. A dor tomou conta de seu coração e pesadas lágrimas desciam pela sua face. Ernesto buscou consolá-la e disse, tocando suas mãos: - Sei que é difícil... - Quantas vidas perdidas... Quanto sofrimento inútil... Quanta dor se proje- tando para o futuro dessas almas... - Sim, minha irmã, infelizmente. Limpando as lágrimas, ela indagou: - Por quê? Por que ainda é tão difícil para os homens compreender... - Porque a verdade incomoda os homens, Angélica. - Por quê? Ernesto pensou por alguns momentos, depois, envolto em safírica luz, dis- se: - Os homens tentam de todas as maneiras fugir de sua difícil, angustiosa si- tuação espiritual. - Por que não procuram sair da situação, para serem mais felizes? A verda- de nos liberta, nos faz donos de nossos destinos, nos aproxima de Deus e nos torna seres mais felizes. - Não sem antes nos obrigar e enxergar nossa real condição espiritual. Je- sus trouxe para os homens a consciência de nossa real condição espiritual, ar- rancando-nos das ilusões em que nos apoiávamos, acreditando-nos possuidores de uma superioridade que não existe. Fez curta pausa. Angélica o escutava atenta. Ele continuou: - Conscientes de nossa real situação, temos de tomar uma decisão, e arcar com as conseqüências advindas dela. Podemos optar pela iluminação espiritu- al, conscientes de que ela é árdua, difícil e demorada, mas o único caminho para nossa real felicidade. Ou então, abafar a consciência e escolher a fantasia, 36
  • 37. a mentira, pois ela nos dá maior prazer, maior satisfação e não nos obriga a empreender os esforços de resignação, humildade e desapego às ilusões, prin- cipalmente sobre nós mesmos. Angélica balançou a cabeça em sinal afirmativo e disse: - Tem razão, meu sábio amigo. A verdade nos liberta, mas depende de nos- so esforço e coragem para nos vermos como realmente somos. - Exatamente. Por isso matamos Jesus impiedosamente. Calando o Messi- as, tentamos fazer silenciar a própria consciência que gritava dentro de nós. Angélica ia fazer uma pergunta, quando Ernesto sugeriu: - Oremos a Deus. Ele haverá de nos orientar. E acima de tudo, tenhamos paciência, sabendo que nós mesmos viemos de longa data fugindo destas ver- dades... Angélica sorriu ao repetir: - Paciência... E Ernesto finalizou: - E muita perseverança. O bem triunfará, isso é inevitável. A verdade será vitoriosa. SETE CONSTANTINO LIDEROU CERCA de 5 mil homens que atravessaram o rio E- bro nadando e logo que cruzaram as águas, tal qual Constantino havia planeja- do, embrenharam-se por densa floresta para atacar o acampamento de Licínio pela retaguarda. Contavam com a surpresa do oponente para enfraquecê-lo. Pouco antes do alvorecer, quando se ouviam os primeiros pássaros aqui e acolá, fez-se grande rumor por todo o acampamento e a confusão se instalou. Licínio ergueu-se de um salto e em poucos segundos estava armado, já sobre seu cavalo. Viam-se as flechas voando pelos céus do acampamento, e homens tombavam por todos os lados. Licínio gritou enquanto tentava controlar o ca- valo: - De onde vem o ataque? Um de seus generais aproximou-se, informando: - Estão nos atacando pela floresta. A reação do exército de Licínio foi rápida, mas perdiam muitos homens, rapidamente. Tombavam às dezenas por todos os lados. Os poucos minutos que levaram para conseguir se organizar, foram suficientes para conceder grande vantagem a Constantino, que se aproximava velozmente. 37
  • 38. Um dos generais de Licínio enviou alguns de seus melhores homens à frente, para tentarem saber quão perto estava o inimigo. Dos cinco enviados apenas um retornou, e ferido, informando: - Eles se aproximam muito depressa. Melhor proteger o general... não pos- so... não... Não suportando os ferimentos, desfaleceu. Logo um grupo de generais se reuniu, em meio à confusão, para pedir ao imperador que se retirasse: - Deve retornar imediatamente à segurança da cidade, senhor. O acampa- mento já não é seguro. Licínio nem tentou argumentar. Arregimentou rapidamente um grande número de homens e partiu em retirada, caminhando na direção das muralhas que fortificavam e protegiam a importante cidade de Bizâncio. Constantino, por sua vez, avançava mais e mais. Os homens de Licínio, a- inda que em número muito maior, eram forçados a deixar sua vantajosa posi- ção em terreno íngreme e descer para uma grande área plana em terras de A- drianópolis, concedendo assim mais vantagens aos atacantes. Quando conse- guiu alcançar o coração do acampamento, onde alguns minutos antes estava Licínio, Constantino ordenou que os arqueiros atirassem flechas flamejantes, com tochas nas pontas, para o alto, avisando a seu exército que deveria atacar. Cruzando bravamente o rio, o exército de Constantino avançou intrépido ao encontro de seu general. Este, de espada em punho, atacava tudo e todos que encontrava pelo caminho. Desejava o confronto com Licínio, mas já pres- sentia que ele tivesse recuado. Seguiu-se, então, violenta batalha que dizimou mais de 34 mil homens. Pelo meio da tarde, Constantino vencera o exército do opositor e imedia- tamente se dirigiu para as muralhas de Bizâncio, com o objetivo de invadi-la. Conclamando mais uma vez seus homens, gritava com vibrante entonação: - Não esmoreçam agora! Depois de breve pausa, gritou ainda mais alto: - A vitória está próxima! Breve Bizâncio será nossa! Marco, tentando protegê-lo mas conhecendo seu imperador, indagou hesi- tante: - Não seria melhor descansarmos um pouco, meu senhor? Precisa cuidar desse ferimento. Está sangrando muito. Descendo de seu cavalo, Constantino improvisou ataduras e amarrou-as fortemente à coxa, acima do profundo corte que sofrerá. Depois, subiu no ani- mal e agradeceu: 38
  • 39. - Compreendo seus cuidados, Marco, mas nada me deterá agora. Estamos a um passo da conquista completa do império. Não quero me demorar. Temos de invadir a cidade. Chamando outro de seus generais, ordenou: - Encontrem os homens de Licínio que debandaram para a floresta. Não quero surpresas... Prontamente, o outro aquiesceu: - Sim, imediatamente. Depois, intrépido, Constantino ergueu uma vez mais a espada já sem brilho e gritou: - Logo estaremos dentro da cidade. Sigam-me e seremos donos de todo o império! Envolvidos pelo forte magnetismo daquele homem, os soldados o segui- ram sem titubear. Confiavam cegamente em seu vitorioso imperador. Ao se aproximarem das altas muralhas de Bizâncio, Constantino ordenou que montassem um forte cerco e começassem a construir engenhosas torres de terra. Depois de montar sua tenda e acomodar-se no local, chamou um de seus melhores mensageiros e ordenou pessoalmente: - Diga a Crispus que ele deve atacar imediatamente a frota de Licínio anco- rada no Helesponto. Que force a passagem e destrua os seus navios. Precisa- mos que os alimentos nos cheguem por terra, e somente abrindo a estreita pas- sagem que eles controlam poderemos receber os suprimentos de que necessi- tamos. O mensageiro partiu no mesmo instante. Ao final daquele dia as torres co- meçaram a ficar prontas e pouco a pouco, com muito esforço e utilizando grandes alavancas de madeira, foram posicionados sobre elas catapultas que começaram a arremessar pesadas pedras e gigantescas tochas sobre as fortes muralhas da cidade. Em seu palácio, Licínio caminhava de um lado a outro, aflito, escutando o barulho do impacto que as pedras enormes causavam nas muralhas. Quando um de seus generais entrou na sala, ele logo indagou: - O que estão fazendo agora? Será que terão alguma chance de transpor es- ta fortaleza? Preocupado, o general respondeu: - Estão atacando as muralhas. Inseguro, Licínio retrucou: - Elas são muito resistentes, suportarão os ataques. O outro prosseguiu, com forte tensão na voz: 39
  • 40. - Estão atacando no centro da muralha, justamente no ponto onde são mais frágeis. - Como isso foi possível? Elas são muito altas. - Não conseguimos ver, mas de alguma forma colocaram as atiradoras num ponto mais alto, atingindo o centro de nossos paredões. Cansado pelo recuo rápido que fora obrigado a realizar, e profundamente contrariado pelos avanços e manobras inteligentes do rival, Licínio gritava descontrolado: - Eles não podem entrar, está entendendo? Tem de impedi-los. Derramem óleo fervendo sobre eles, agora! - É o que estamos tentando, mas fomos pegos de surpresa. Não temos nada preparado de pronto, para responder a esse ataque à altura. Se conseguirem entrar... Agarrando o subordinado pelo pescoço ele bradava: - Eles não podem entrar, está me entendendo? Vá, faça seu trabalho, seu incompetente! Estou cercado por incapazes, homens fracos! O general saiu logo e Licínio continuou gritando impropérios. O cerco se estendeu por toda a noite e pelo dia seguinte, sem interrupções. Constantino, acampado em local estratégico de onde acompanhava toda a movimentação de seus homens, estava totalmente convencido da vitória. Já podia ver-se ocupan- do o trono de Licínio. Amanhecia quando o mensageiro entrou depressa pelo acampamento pró- ximo às margens do rio Ebro, onde Crispus aguardava as ordens do pai. Tão logo o mensageiro o procurou e transmitiu as ordens para o ataque, o jovem organizou seus homens e imediatamente lançou-se ao mar, ocupando a maior e mais bem equipada embarcação de que dispunham. Enquanto esperava, plane- jara detida e minuciosamente o ataque que encetaria. Estava empolgado e via naquele ataque a grande oportunidade para ocupar um lugar de destaque e hon- ra ao lado do pai. Queria muito que o grande Constantino reconhecesse seu talento e seu empenho. Não demorou muito a alcançar as embarcações do inimigo. Travou-se grande batalha. Embora a esquadra de Licínio fosse maior e melhor equipada, a determinação e a destreza de Crispus logo fizeram sua armada sobressair. Vários navios se queimavam sob o fogo da força marítima do filho mais velho de Constantino. A batalha durou todo o dia. Na manhã seguinte, muito embora seus homens demonstrassem sinais visíveis de cansaço, Crispus seguiu atacan- do. Perdeu várias embarcações importantes, e pelo meio do dia julgou que não poderia sair vencedor daquela batalha. Entretanto, de súbito, forte ventania soprou sobre o estreito do Helesponto, levando os navios de Crispus para bem 40
  • 41. perto dos do opositor. O jovem não teve dúvida: ordenou ataque maciço e in- cendiaram a frota adversária. Vários navios partiram em retirada e 130 foram destruídos. O seu próprio navio estava em chamas quando proclamou, erguen- do a espada, à semelhança do que fazia o pai: - A vitória é nossa! Ao grito uníssono da tripulação, Crispus escutou o cumprimento de seu subordinado imediato, que lhe tocava o ombro: - Brava vitória, Crispus! Excepcional! Seu pai se orgulhará de você. Sorrindo satisfeito, o belo rapaz observou, com ligeiro sinal de cabeça: - Espero que ele seja comunicado da batalha em seus pormenores. Compreendendo imediatamente o que o rapaz desejava, o outro respondeu: - Ele saberá, Crispus, todos os detalhes dessa brava e corajosa vitória. Logo depois, alimentos e água chegavam ao acampamento de Constantino. Não demorou e a primeira muralha começou a ruir. Desesperado, Licínio a- guardava informações. Um de seus generais entrou, ofegante: - Precisamos partir, senhor. Um de nossos muros externos acaba de ruir. Não vai demorar para que consigam enfraquecer outros e, assim, não tardarão a entrar. Licínio ergueu-se, e logo organizou uma grande comitiva e partiu em reti- rada, levando consigo muitos baús contendo suas riquezas e tesouros. Deixou para trás sua família e seu povo. Em região não muito distante, conseguiu reu- nir novo exército, com cerca de 60 mil homens. Constantino avançava em sua ofensiva e, pouco a pouco, outras muralhas foram derrubadas. O grande general estava prestes a invadir Bizâncio, quando foi informado por Marco: - Licínio escapou e formou um novo exército em Bitínia. - Quantos homens conseguiu arregimentar? - Certamente mais de 50 mil. - Muito bem. Quantos homens ainda temos? - Quase 100 mil, senhor. - Mande 80 mil para Bósforo, em pequenas embarcações. O restante, que- ro que ocupe a cidade. E tocando no ombro de Marco, pediu: - Você deverá ficar aqui e comandar a ocupação. Marco fez menção de re- trucar, mas ele prosseguiu: - Preciso de você aqui, Marco; é em você que mais confio. Eu irei com os outros. - Mas... 41
  • 42. - Quero enfrentar Licínio pessoalmente. Tenho de ter certeza que ele não vai escapar desta vez. Desistindo de argumentar, Marco conformou-se: - Cuidarei de tudo. - Muito bem, seja cuidadoso com as mulheres e as crianças. Não quero mortes desnecessárias. E cuide de minha irmã... - Sim, meu senhor, cuidarei de tudo. - Muito bem, vamos. Não quero dar nenhuma vantagem a Licínio. OITO NÃO TARDOU E DEZENAS de pequenas embarcações atracaram. O de- sembarque foi rápido e ágil. Assim que a maioria de seus homens alcançou terra firme, Constantino subiu depressa em seu cavalo e tomou a dianteira dos soldados. Andou um pouco e logo avistou o exército de Licínio. Intensa bata- lha se seguiu. Embora quase 25 mil homens tenham sido dizimados naquela tarde, Constantino não se sentia satisfeito. Caminhou, sem sucesso, entre os corpos estendidos à procura do rival. Depois se aproximou dos homens derro- tados e perguntou irritado: - Onde está seu vencido imperador? Por que não o encontro em parte al- guma? Fugiu novamente, aquele covarde? Os soldados de Licínio mantinham-se de cabeça baixa, temerosos. Cons- tantino insistia, erguendo mais e mais a voz: - Todos ficarão a noite inteira sem água ou comida, e amanhã também, e assim sucessivamente, até que me digam onde está o covarde! Um dos soldados ergueu levemente o rosto e, sem olhar diretamente para Constantino, balbuciou quase num murmúrio: - Ele fugiu para a Nicomédia. Constantino virou-se e olhou para a direção de onde vinha a voz, quase em enxergar o homem. Aproximou-se, agachou-se e, segurando-lhe o queixo, or- denou: - Fale sem medo, homem! Não lhe farei mal. Não um mal maior do que o seu general lhes fez! Não tenha piedade de alguém que não se preocupa com seus próprios soldados! Ainda temeroso, o homem prosseguiu: - Ele fugiu assim que viu seus barcos se aproximarem; antes mesmo que seu exército tocasse o solo, fugiu para a Nicomédia. Erguendo-se satisfeito, Constantino ordenou: 42
  • 43. - Água e comida a todos os prisioneiros. Cuidem dos feridos e coloquem- nos nos barcos. Vamos voltar imediatamente a Bizâncio. E silenciando por alguns instantes, balbuciou por fim, como se pensasse alto: - Deixem esse covarde comigo... Quando adentrou os pesados portões de Bizâncio, o imperador encontrou seus cidadãos a esperá-lo. Não pareciam um povo vencido, mas sim um povo que aguardava ansiosamente por seu imperador. Aquele povo estava cansado dos desmandos e agressões de Licínio e esperavam que ò novo imperador fos- se mais condescendente com eles, pois a fama do heroísmo e grandeza de Constantino a todos encantava. Em seu quarto, andando de um lado a outro, Constância aguardava angus- tiada pelo irmão. Desejava notícias do marido e temia pela sua vida. Pressentia que Licínio estivesse vivo, mas sabia que mesmo que isso fosse verdade, não era garantia alguma para o futuro de sua família. Estava profundamente abati- da. O filho pediu: - Por favor, mãe, sente-se. Você parece exausta. Assim não terá forças para falar com tio Constantino, quando ele chegar. Constância sentou-se ao lado de Juliano e de Helena, e segurando as mãos do rapaz, desabafou: - Tem razão, meu filho. Estou sendo tola. É que sinto que falhei de algum modo. Não deveria ser assim... O rapaz obtemperou: - Ora, mãe, o que está dizendo? Não conheço ninguém que tenha tido tanta paciência e perseverança com outra pessoa, como você com meu pai. Mesmo sendo ele um homem tão rude, você jamais desistiu ou mudou sua conduta com ele. Como pode ainda sentir-se em falta, seja da forma que for? Olhando o filho nos olhos, ela respondeu como se olhasse para o infinito: - Não sei explicar, meu filho... Mas sinto que falhei... Meu dever era ajudar seu pai a ser, junto de seu tio, o forte pulso do império... Estranhando muito, o rapaz comentou admirado: - Mãe, estou surpreso. Você, envolvida em questões políticas... - Não se trata disso... Antes que ela pudesse concluir, Marco entrou no quarto e comunicou, gentil: - Seu irmão a aguarda, senhora. Com o coração batendo descompassado, ela balbuciou: - E Licínio... Abrindo a porta para que ela passasse, Marco limitou-se a dizer: - Ele está vivo. 43
  • 44. Constância dirigiu por sobre os ombros olhar quase aliviado para o filho e para a amiga, depois seguiu Marco em silêncio. Assim que Constantino a viu, abriu largo e sincero sorriso, estendendo-lhe os braços: - Minha irmã, como está? Fiquei deveras preocupado com você. Tocando de leve a cicatriz na cabeça da irmã, ele continuou: - O que foi que aquele monstro lhe fez? Ela sorriu com ternura, evitando fitar o irmão, e pediu: - Não fale assim de Licínio. - E ainda tem coragem de defendê-lo, Constância? - Ele fez isso numa hora de desespero extremado... - Ele vive em desespero extremado. Não consegue conviver com sua pró- pria estupidez. E pare de defendê-lo, minha irmã. Já chega! Tem de parar com isso. Precisa desistir de vez desse homem que só lhe fez mal. Ajoelhando-se aos pés do irmão, ela implorou: - Não lhe faça mal, por favor, meu irmão... Erguendo-a com ternura, Constantino comentou enquanto lhe afagava os cabelos: - Como você se parece com nossa mãe, é impressionante. Seus gestos, seu carinho, sua dedicação... Vocês se parecem muito. Sente-se aqui, venha. E acomodando a irmã ao seu lado, pediu que lhe servissem comida e bebi- da. Convidou seus homens de confiança para que se sentassem também. - Vamos celebrar a fragorosa derrota de Licínio. Constância calou-se por longo tempo. Bem mais tarde, quando terminaram o demorado jantar, quando estavam praticamente a sós, Constância pediu de novo: - Meu irmão, pelo amor que você tem por mim, eu lhe imploro pela vida de Licínio. Deixe que ele viva... E, envolvida pelas energias de Angélica, que lhe influenciava o pensamen- to, disse sem que pudesse dar conta de suas palavras: - Não destrua sua oportunidade de reconstrução... Constantino sentiu forte arrepio a percorrer-lhe o corpo. Olhou sério para a irmã e indagou: - Do que está falando? Sem esperar resposta, continuou: - Não importa. Vou descansar agora e você deve fazer o mesmo. Falare- mos sobre isso em outro dia, outra hora. Constância ia insistir, mas deteve-se percebendo que naquele momento o melhor era silenciar. Constantino, por outro lado, pensou muito por quase toda a noite. Tinha ímpetos de enviar soldados para eliminar o seu rival, mas ao mesmo tempo pensava no impacto que causaria sobre o povo. Já era quase dia claro quando finalmente decidiu o que fazer. 44
  • 45. Ao encontrar-se com a irmã para o desjejum, informou-lhe, solícito: - Tenho notícias que lhe agradarão muito. Decidi conceder perdão a Licí- nio. Vou mandar chamá-lo. Com lágrimas nos olhos, Constância quase não conseguia conter a emoção. Abraçou efusiva o irmão e agradeceu: - Deus seja louvado! Graças a Deus! Você é mesmo um homem bom e dig- no, Constantino. A verdadeira dignidade de um chefe de estado, a meu ver, está em sua capacidade de clemência. Eu lhe agradeço, meu irmão. Abraçando-a também, ele comentou: - Não poderia agir diferente com você, não é mesmo? Ela sorriu e, limpando as lágrimas de alegria que lhe desciam pela face, perguntou: - E como vai informá-lo? - Ainda não sei. - Posso ir ao encontro dele pessoalmente, assim ele confiará em você. - Não gostaria de fazê-la expor-se a uma viagem, ainda que curta, depois de tudo pelo que passou... - Não me será pesado. Vou levar Juliano e Helena comigo. - Tem certeza? - Sim, eu quero ir. - Pois muito bem. Vou designar um grupo de alta confiança para acompa- nhá-los. E depois de breve pausa, perguntou: - Acha que consegue trazê-lo? - E claro, ele confiará em mim. - Então, boa sorte. Abraçando o irmão mais uma vez, ela confirmou: - Partiremos após o desjejum. Não quero esperar mais. Sem nada acrescentar, Constantino tomou seu lugar à mesa e se acomo- dando, em local cuidadosamente escolhido, de onde conseguia ver pela janela as construções da cobiçada cidade que acabara de conquistar. 45
  • 46. NOVE CONSTÂNCIA, o FILHO, Helena e pequena comitiva saíram logo pela manhã. Seguiam rumo a Nicomédia, onde Licínio se refugiara, buscando algum tempo para que pudesse negociar algo em seu favor, junto ao seu opositor. Assim que o pequeno grupo alcançou o seu destino, Licínio foi avisado da chegada da família. Ao avistá-lo, o coração de Constância disparou. O marido estava pálido e abatido, visivelmente doente. Ela correu-lhe ao encontro, an- gustiada: - Como está, querido? Fiquei tão preocupada... Erguendo um pouco a ca- beça, ele respondeu, agressivo: - Como acha que posso estar? Seu irmão me tirou tudo... Abraçando-o com ternura, ela pediu: - Querido, é hora de abrir mão dessa disputa. Acabou. Constantino ocupou Bizâncio, mas lhe concedeu o perdão e o direito de ficarmos todos juntos. Po- deremos viver nossa vida... - Que vida? O que me resta além da vergonha, da humilhação da derrota? Uma vida medíocre, em um buraco qualquer, fugindo e temendo as atitudes de Constantino? Aproximando-se, Juliano tocou o ombro do pai, que permanecia sentado, cabisbaixo, e pediu: - Anime-se, pai. Com sua experiência, pode ainda realizar muitas coisas... Erguendo a cabeça o imperador abatido fitou o filho e comentou: - Você não tem mesmo brios, não é? Estou derrotado. Minha família está envergonhada, vencida... Meu reino foi tirado, eu perdi tudo... Estou derrota- do... Já nada mais me interessa... - Constantino permitirá que vivamos com tudo aquilo de que necessitamos - aduziu Constância. - Você poderá fazer as coisas de que gosta, ou pelo me- nos gostava quando nos conhecemos... Olhando para a esposa, ele permaneceu em silêncio. Depois indagou: - E para onde vai nos enviar? Decerto para algum fim de mundo, abando- nado por todos... - Não sei bem, mas acho que nos enviará para Tessalônica. Erguendo-se, Licínio indagou: - Tessalônica? - Acho que sim. - E por quê? 46
  • 47. -Quando me disse que concordava em perdoá-lo, ouvi uma conversa breve entre ele e Marco, e parece que falaram algo sobre Tessalônica. Gostaria de ir para lá, Licínio? - Mas é claro! É um lugar de onde posso fazer muitos contatos e, quem sa- be, reorganizar um exército... Colocando o dedo indicador sobre os lábios do marido, ela pediu: - Não fale nada, por favor. Olhou na direção dos soldados que os haviam acompanhado e pediu: - Agora temos de ir. Constantino nos aguarda. Ainda sem ânimo, Licínio juntou-se ao grupo e retornaram para Bizâncio. Ao entrarem na localidade fortificada, Licínio não conseguia conter o ódio que sentia por ter perdido aquela poderosa cidade. Via o desprezo no olhar daque- les que haviam sido seus súditos. Seu ódio crescia a cada passo que dava. Ao aproximar-se da ampla sala que havia sido seu lugar preferido para governar, sua cólera aumentou ainda mais. Seu coração batia descompassado, suas mãos estavam geladas e trêmulas, mas Licínio sabia, como ninguém, controlar e dissimular as emoções. Ao divisar seu trono ocupado pelo rival, sentiu como se todo o sangue do corpo lhe subisse à cabeça. Seu coração parecia que ex- plodiria dentro do peito. Ao vê-lo, Constantino ergueu-se e aproximou-se. Li- cínio, ciente de sua posição, ajoelhou-se diante do inimigo e permaneceu de cabeça quase no chão. Constantino observou-o atentamente e depois de alguns segundos disse: - Levante-se, Licínio. Você está perdoado. Poderá passar o resto de seus dias com todo o conforto e toda a sua riqueza. Seu exílio será em Tessalônica. Partem pela manhã. Sem dizer nada, Licínio balançou a cabeça e ajoelhou-se outra vez em re- verência diante do opositor. Constantino pediu: - Agora vamos, como forma de encerrarmos de vez essa disputa. E hora de agirmos como cidadãos romanos da alta estirpe que somos. Venha sentar-se comigo á mesa. Cearemos e encerraremos essa discórdia de vez. Fomos ami- gos, afinal. Consideremos que a posição que ocupávamos nos obrigou aos atos que tivemos. Mas entre nós, Licínio, nada existe que nos faça reais inimigos... Concordando mais uma vez com a cabeça, em silêncio, Licínio acompa- nhou a comitiva que seguia Constantino até uma enorme sala onde grande me- sa estava montada. Acomodaram-se. Constância, que ocupava o lugar ao lado do marido, buscava distraí-lo e animá-lo o quanto podia. Mas sabia que aquele era um momento tremendamente difícil para ele. O ato de perdão e concórdia de Constantino tornava-o ainda mais forte diante dos cidadãos de Bizancio e 47
  • 48. de seus próprios comandados. Aquele parecia um homem perfeito, quase um deus... Na manhã seguinte, número considerável de homens seguiu para Tessalô- nica com Licínio e sua família. O imperador vencido seguiu calado a maior parte do caminho. Por mais que Constância tentasse conversar, permaneceu mudo. Depois de acomodado em ampla mansão, com todo o conforto e trazendo consigo as riquezas pessoais, conforme Constantino havia prometido, Licínio descansou pelo resto do dia. À noite, pouco antes do jantar, avisou: - Não me esperem para o jantar. Surpresa, a esposa perguntou: - Aonde vai? - Preciso encontrar alguns velhos amigos. Espero que eles possam ajudar-me. Pressentindo com clareza as intenções do marido, Constância pediu: - Querido, acabamos de chegar e você precisa se recuperar. Ainda está can- sado... Sem esperar que terminasse ele falou: - Cale-se, Constância. Sua voz me irrita! Com lágrimas nos olhos ela res- pondeu: - Eu só quero o seu bem... - Então deixe-me em paz! E saiu imediatamente, sem dizer mais nada. Distante dali, Constantino jantava exultante com seus homens de confiança e com a família. Crispus estava sentado à sua direita e Fausta ocupava o outro lado da mesa. A bela e sensual esposa do imperador tinha traços delicados. Sua beleza era suave e discreta, carregada de feminilidade e sutilezas. Ela sabia da atração que causava no sexo oposto e utilizava esse poder conscientemente. Era altiva, e sua posição a envaidecia e alimentava fortemente seu orgulho. Constantino conversava animado sobre seus planos: - Vou transformar Bizâncio na capital do império. Aqui será o centro do mundo! Marco sorriu e indagou: - E quanto a Roma? - Roma está decadente. Quero algo especial, que marque minha passagem sobre este império para sempre. Fausta acompanhava a conversa em silêncio. Depois de longa pausa do pai, Crispus indagou: - Confia em Licínio? Vai deixá-lo mesmo livre? Acho que ele será perigo- so... Deveríamos tê-lo aqui conosco, como seu prisioneiro... Constantino fitou o filho e comentou: 48
  • 49. - Ora, Crispus, por que sempre questiona minhas ordens? Não consegue confiar em minhas decisões, não é? O rapaz ficou imediatamente lívido. Não conseguia aproximar-se mais de seu pai e isso o incomodava muito. Respirou fundo antes de responder: - Não é isso, pai... Mas ele é um homem perigoso, você sabe... Constantino bateu com toda a força sobre a mesa e disse: - Acha que porque venceu uma batalhazinha no mar pode questionar mi- nhas ordens, minhas decisões? Fez uma pausa, depois concluiu: - Sei muito bem o que estou fazendo. Rubro de raiva, Crispus baixou a cabeça e continuou comendo. Constanti- no comentou com Marco, sentado à sua direita: - Insolente, esse meu filho... Na verdade, Marco também não compreendia a reação do imperador. Quando recebera a notícia da corajosa e brava vitória que o rapaz havia alcan- çado no estreito do Helesponto, ele demonstrara quase desdém. O homem de maior confiança de Constantino não conseguia compreender-lhe a reação. Fausta, que tudo observava em silêncio, comentou com sua serva pouco depois, em seu quarto, enquanto aquela lhe penteava os longos cabelos casta- nhos: - Sei bem por que Constantino não reconhece a fragorosa vitória do filho. - E por que, minha senhora? - Ficou com ciúme, isso sim. - A senhora acha?! - Tenho certeza. Ele tem medo até da própria sombra. Não tardará e esse ciúme vai controlá-lo. Até porque Crispus está ficando cansado de fazer tudo pelo pai e não ser reconhecido. Sorrindo maliciosamente, ela completou: - Vamos dar uma ajudazinha à natureza, é claro... Sem compreender, a serva terminou o que fazia e então ajudou sua senhora a trocar de roupa, acomodou-a na cama e saiu do quarto apagando uma das velas. 49