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Opinião 23 de Abril de 2017
Passado e futuro do trabalho (II)
Se o sonho do empreendedorismo individualista pode oferecer oportunidades a
uma ínfima minoria, é enorme o risco de agudizar ainda mais as desigualdades
sociais e salariais.
A nova geração da robótica e as formas mais recentes de automação e de “inteligência artificial”
instalaram-se no debate público. Entre as “promessas” de uma vida preenchida pelo ócio em vez
do trabalho e as “ameaças” de uma generalização do desemprego, pobreza e precariedade, é hora
de nos interrogarmos quanto aos impactos prováveis da atual onda de inovação no mundo do
trabalho e na sociedade.
O fenómeno não é inédito. Como sabemos, a ameaça do maquinismo remonta ao período da I
Revolução Industrial (1.ª RI), quando o operariado levou a cabo diversas ações violentas contra
os novos equipamentos fabris que ameaçavam roubar-lhes os postos de trabalho. Tais temores
repetir-se-iam cem anos mais tarde com o surgimento do automóvel a motor, a lâmpada elétrica e
a cadeia de montagem de Frederick Taylor (2.ª RI) ou, já nos finais do século passado, com a “3.ª
vaga” da inovação tecnológica (3.ª RI), exaltada por Alvin Toffler. Sabemos hoje que os
impactos dessas “revoluções” não extinguiram o trabalho nem materializaram o princípio
enunciado no livro de Ivan Illich O Direito ao Desemprego Criador. A ideia do pleno emprego
continuou a ser o horizonte de uma sociedade coesa e equilibrada.
Na última década entrámos na era da chamada Industria 4.0 (a 4.ª RI), a qual estará a induzir
uma viragem de novo tipo. Este novo paradigma da inovação e seus efeitos na economia real
funda-se em características como: (i) a clientelização em massa, baseada no uso de tecnologias
avançadas, com recurso à produção de design em 3D e protótipos a baixo custo, o que favorece a
descentralização da produção para junto de potenciais clientes; (ii) a interconexão entre
plataformas digitais facilitadoras de rapidez apoiadas no trabalho à distância e na oferta de
serviços inovadores, nomeadamente através da Internet das Coisas; (iii) o desenvolvimento da
robótica com a nova geração de robots adaptáveis a diferentes contextos, necessidades e
serviços; (iv) as redes de produção descentralizada geradoras de uma ilimitada flexibilidade na
organização produtiva; (v) a fragmentação cada vez mais generalizada de funções produtivas e
cadeias de valor na escala global, aumentando o recurso ao trabalho digital; e, por fim (vi), a
interpenetração de fronteiras entre indústria e serviços e entre produção e consumo.
O que aconteceu nos últimos séculos é que os inventos técnicos ajudaram a transformar o mundo
do trabalho, recompondo profundamente as profissões, as formas de ocupação e os vínculos
laborais, mas há muito que a sociologia do trabalho denunciou o “determinismo tecnológico” por
ser uma ideia equivocada. A tecnologia não é o elemento determinante das formas de trabalho,
mas sim um fator de produção que o sistema económico adapta na prossecução da melhor
rentabilidade, e que ajuda a reinventar novas necessidades e estilos de vida. Tal como aconteceu
no passado, a inovação técnica destrói profissões obsoletas, mas ao mesmo tempo cria novas
atividades, serviços e empregos. Foi dessa forma que a produção fabril se impôs ao trabalho
braçal na agricultura, que a produção em cadeia se impôs ao artesanato e que, mais recentemente,
a “economia dos serviços” transcendeu a atividade industrial e tornou o “conhecimento” como o
vórtice da nova orientação produtivista. Daí não resultou um desemprego massivo.
Este novo patamar de inovação pode, de facto, assumir consequências inéditas no campo do
emprego. Porém, um dos problemas a colocar é que a recente revolução informática e
tecnológica ocorre no quadro de uma força desenfreada dos mercados e de recuo das políticas
públicas, que conduz à perda de centralidade do trabalho como fonte de realização. Não é só o
emprego protegido e o trabalho digno que estão em causa. É a generalização de formas cada vez
mais efémeras de subemprego, rotatividade e desemprego estrutural para amplos segmentos de
trabalhadores, em especial os mais jovens.
Segundo um relatório do Fórum Económico Mundial, prevê-se que nos próximos dez anos serão
extintos cerca de cinco milhões de postos de trabalho nas 15 economias mais avançadas (já
descontados os empregos entretanto criados). Espera-se que a aceleração da mudança nas
atividades económicas irá tornar o mercado de emprego irreconhecível no final da próxima
década. Em Portugal nasceram mais de 300 mil startups entre 2007 e 2015. Apesar da curta vida
de muitas delas, 52% atingiram os três anos e 41% chegaram ao quinto ano de vida. Segundo um
relatório da D&B, só em 2015 foram criadas 35.555 startups, sendo que, a cada empresa
encerrada, foram criadas em média 2,2. No mesmo ano, esse segmento foi responsável por 18%
dos novos empregos criados, mas se considerarmos o período entre 2010 e 2015 esse valor sobe
para 43% do emprego gerado. Porém, muitos destes projetos são empresas em nome individual
e, como se percebe pela alta taxa de mortalidade, a maioria tenta dar os primeiros passos num
terreno muito instável. Boa parte delas acaba por perecer sob os escolhos da precariedade em que
se encontram ou apenas existem enquanto não esgotam os incentivos financeiros.
Em suma, apesar da extensão e intensidade da mudança em curso, convém não ignorar a
persistência de algumas linhas de continuidade. Uma delas reside no facto de que, não obstante
os novos meios tecnológicos, trata-se no fundo de um novo “embrulho” para promover o velho
princípio de que “o vencedor leva tudo”, beneficiando, portanto, o poder monopolista. A
novidade pode residir, quer na rapidez da aceleração dos procedimentos, quer na possibilidade de
partilha em economias de escala ou ainda no intercâmbio interpares. Mas o outro lado da moeda
reside sobretudo na primazia do marketing agressivo e na facilidade com que se gera, hoje, uma
“ilusão de escolha” por parte de clientes e consumidores (manipulando o sentido de “liberdade”
individual associada ao design e a uma marca “distintiva”).
O trabalho está a mudar a um ritmo vertiginoso e irreversível. Mas se o sonho do
empreendedorismo individualista pode oferecer oportunidades a uma ínfima minoria, é enorme o
risco de agudizar ainda mais as desigualdades sociais e salariais, alimentando segmentações
socialmente desastrosas. Todos os cenários, utópicos e distópicos, estão em aberto. Daí a
urgência de um pensamento estratégico que envolva uma efetiva responsabilização de governos,
instituições democráticas e agentes políticos. O campo sindical teria aqui uma oportunidade de
negociar e minorar prováveis custos sociais resultantes da mudança em curso, mas é disparate
tentar travar os caminhos da inovação.
O debate é complexo e envolve múltiplas dimensões, mas não pode deixar de fora aspetos como
o Rendimento Básico Incondicional (RBI), a redução de horários de trabalho, a sustentabilidade
da segurança social, a política fiscal, os direitos de propriedade (e sua taxação) e a própria função
do trabalho enquanto fator de reconhecimento e de dignidade. Se o trabalho assalariado foi uma
plataforma decisiva de mobilidade social e do crescimento das classes médias não-proprietárias
— condição decisiva da coesão da sociedade —, não faz sentido antever uma sociedade
rigidamente dividida entre insiders e outsiders, ainda que estes sobrevivessem à custa da
caridade pública (via RBI). Uma eventual redução substancial dos horários de trabalho terá de
ser conjugada com políticas fiscais e novas formas de contribuição social que incidam mais sobre
as cadeias de valor de base tecnológica e menos sobre a força de trabalho. Só assim poderemos
garantir futuros equilíbrios na senda de uma sociedade mais inclusiva e emancipada, onde a
inovação, a criatividade e a mobilidade se conjuguem com uma nova gestão do tempo, do
trabalho e do lazer ao serviço da sociedade no seu conjunto.
O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico
Sociólogo, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra

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Futuro do trabalho e desigualdades na era digital

  • 1. Opinião 23 de Abril de 2017 Passado e futuro do trabalho (II) Se o sonho do empreendedorismo individualista pode oferecer oportunidades a uma ínfima minoria, é enorme o risco de agudizar ainda mais as desigualdades sociais e salariais. A nova geração da robótica e as formas mais recentes de automação e de “inteligência artificial” instalaram-se no debate público. Entre as “promessas” de uma vida preenchida pelo ócio em vez do trabalho e as “ameaças” de uma generalização do desemprego, pobreza e precariedade, é hora de nos interrogarmos quanto aos impactos prováveis da atual onda de inovação no mundo do trabalho e na sociedade. O fenómeno não é inédito. Como sabemos, a ameaça do maquinismo remonta ao período da I Revolução Industrial (1.ª RI), quando o operariado levou a cabo diversas ações violentas contra os novos equipamentos fabris que ameaçavam roubar-lhes os postos de trabalho. Tais temores repetir-se-iam cem anos mais tarde com o surgimento do automóvel a motor, a lâmpada elétrica e a cadeia de montagem de Frederick Taylor (2.ª RI) ou, já nos finais do século passado, com a “3.ª vaga” da inovação tecnológica (3.ª RI), exaltada por Alvin Toffler. Sabemos hoje que os impactos dessas “revoluções” não extinguiram o trabalho nem materializaram o princípio enunciado no livro de Ivan Illich O Direito ao Desemprego Criador. A ideia do pleno emprego continuou a ser o horizonte de uma sociedade coesa e equilibrada. Na última década entrámos na era da chamada Industria 4.0 (a 4.ª RI), a qual estará a induzir uma viragem de novo tipo. Este novo paradigma da inovação e seus efeitos na economia real funda-se em características como: (i) a clientelização em massa, baseada no uso de tecnologias avançadas, com recurso à produção de design em 3D e protótipos a baixo custo, o que favorece a descentralização da produção para junto de potenciais clientes; (ii) a interconexão entre plataformas digitais facilitadoras de rapidez apoiadas no trabalho à distância e na oferta de serviços inovadores, nomeadamente através da Internet das Coisas; (iii) o desenvolvimento da robótica com a nova geração de robots adaptáveis a diferentes contextos, necessidades e serviços; (iv) as redes de produção descentralizada geradoras de uma ilimitada flexibilidade na organização produtiva; (v) a fragmentação cada vez mais generalizada de funções produtivas e cadeias de valor na escala global, aumentando o recurso ao trabalho digital; e, por fim (vi), a interpenetração de fronteiras entre indústria e serviços e entre produção e consumo.
  • 2. O que aconteceu nos últimos séculos é que os inventos técnicos ajudaram a transformar o mundo do trabalho, recompondo profundamente as profissões, as formas de ocupação e os vínculos laborais, mas há muito que a sociologia do trabalho denunciou o “determinismo tecnológico” por ser uma ideia equivocada. A tecnologia não é o elemento determinante das formas de trabalho, mas sim um fator de produção que o sistema económico adapta na prossecução da melhor rentabilidade, e que ajuda a reinventar novas necessidades e estilos de vida. Tal como aconteceu no passado, a inovação técnica destrói profissões obsoletas, mas ao mesmo tempo cria novas atividades, serviços e empregos. Foi dessa forma que a produção fabril se impôs ao trabalho braçal na agricultura, que a produção em cadeia se impôs ao artesanato e que, mais recentemente, a “economia dos serviços” transcendeu a atividade industrial e tornou o “conhecimento” como o vórtice da nova orientação produtivista. Daí não resultou um desemprego massivo. Este novo patamar de inovação pode, de facto, assumir consequências inéditas no campo do emprego. Porém, um dos problemas a colocar é que a recente revolução informática e tecnológica ocorre no quadro de uma força desenfreada dos mercados e de recuo das políticas públicas, que conduz à perda de centralidade do trabalho como fonte de realização. Não é só o emprego protegido e o trabalho digno que estão em causa. É a generalização de formas cada vez mais efémeras de subemprego, rotatividade e desemprego estrutural para amplos segmentos de trabalhadores, em especial os mais jovens. Segundo um relatório do Fórum Económico Mundial, prevê-se que nos próximos dez anos serão extintos cerca de cinco milhões de postos de trabalho nas 15 economias mais avançadas (já descontados os empregos entretanto criados). Espera-se que a aceleração da mudança nas atividades económicas irá tornar o mercado de emprego irreconhecível no final da próxima década. Em Portugal nasceram mais de 300 mil startups entre 2007 e 2015. Apesar da curta vida de muitas delas, 52% atingiram os três anos e 41% chegaram ao quinto ano de vida. Segundo um relatório da D&B, só em 2015 foram criadas 35.555 startups, sendo que, a cada empresa encerrada, foram criadas em média 2,2. No mesmo ano, esse segmento foi responsável por 18% dos novos empregos criados, mas se considerarmos o período entre 2010 e 2015 esse valor sobe para 43% do emprego gerado. Porém, muitos destes projetos são empresas em nome individual e, como se percebe pela alta taxa de mortalidade, a maioria tenta dar os primeiros passos num terreno muito instável. Boa parte delas acaba por perecer sob os escolhos da precariedade em que se encontram ou apenas existem enquanto não esgotam os incentivos financeiros. Em suma, apesar da extensão e intensidade da mudança em curso, convém não ignorar a persistência de algumas linhas de continuidade. Uma delas reside no facto de que, não obstante os novos meios tecnológicos, trata-se no fundo de um novo “embrulho” para promover o velho princípio de que “o vencedor leva tudo”, beneficiando, portanto, o poder monopolista. A novidade pode residir, quer na rapidez da aceleração dos procedimentos, quer na possibilidade de partilha em economias de escala ou ainda no intercâmbio interpares. Mas o outro lado da moeda reside sobretudo na primazia do marketing agressivo e na facilidade com que se gera, hoje, uma “ilusão de escolha” por parte de clientes e consumidores (manipulando o sentido de “liberdade” individual associada ao design e a uma marca “distintiva”). O trabalho está a mudar a um ritmo vertiginoso e irreversível. Mas se o sonho do empreendedorismo individualista pode oferecer oportunidades a uma ínfima minoria, é enorme o
  • 3. risco de agudizar ainda mais as desigualdades sociais e salariais, alimentando segmentações socialmente desastrosas. Todos os cenários, utópicos e distópicos, estão em aberto. Daí a urgência de um pensamento estratégico que envolva uma efetiva responsabilização de governos, instituições democráticas e agentes políticos. O campo sindical teria aqui uma oportunidade de negociar e minorar prováveis custos sociais resultantes da mudança em curso, mas é disparate tentar travar os caminhos da inovação. O debate é complexo e envolve múltiplas dimensões, mas não pode deixar de fora aspetos como o Rendimento Básico Incondicional (RBI), a redução de horários de trabalho, a sustentabilidade da segurança social, a política fiscal, os direitos de propriedade (e sua taxação) e a própria função do trabalho enquanto fator de reconhecimento e de dignidade. Se o trabalho assalariado foi uma plataforma decisiva de mobilidade social e do crescimento das classes médias não-proprietárias — condição decisiva da coesão da sociedade —, não faz sentido antever uma sociedade rigidamente dividida entre insiders e outsiders, ainda que estes sobrevivessem à custa da caridade pública (via RBI). Uma eventual redução substancial dos horários de trabalho terá de ser conjugada com políticas fiscais e novas formas de contribuição social que incidam mais sobre as cadeias de valor de base tecnológica e menos sobre a força de trabalho. Só assim poderemos garantir futuros equilíbrios na senda de uma sociedade mais inclusiva e emancipada, onde a inovação, a criatividade e a mobilidade se conjuguem com uma nova gestão do tempo, do trabalho e do lazer ao serviço da sociedade no seu conjunto. O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico Sociólogo, professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra