É, pois, imprescindível trazer a questão da inclusão para o centro do debate educativo. O Envolve-te quer fazê-lo. Os temas tratados neste número da Revista Refletir EdInf guardam estreito alinhamento de conteúdo, desde a análise cuidada dos normativos legais aos artigos sobre a inclusão social, podendo-se observar as diferenças e semelhanças entre práticas, bem como os desafios que se colocam, diariamente, aos educadores.
Cabe ao leitor apoderar-se desse debate e refletir de forma objetiva no seu contexto educativo.
2. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
2
Índice
Editorial
Rosa Maria Alves 3
Da educação de infância… E da inclusão!
Pelo Envolve-te! 4
A escuta da voz das crianças para transformar a prática
na creche
Nuno Pires Gonçalves 7
Falemos de inclusão! Ou não…
Henrique Santos 10
Um furacão, ou talvez não...
Cristina Castro 13
Comentário a Um furacão, ou talvez não...
Ofélia Libório 16
Decreto lei nº 54/2018 – O desafio da Mudança
Rosa Maria Alves 17
Rita e Carla à conversa sobre o olhar da Educação
Inclusiva sobre Educação Pré-Escolar
Carla Almeida e Rita Simas Bonança 18
(Capa: foto de Ofélia Libório)
Refletir EdInf, nº 4, nov/dez 2018
3. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
3
EDITORIAL
Rosa Maria Alves
Vivemos num mundo contemporâneo complexo onde a diversidade exige a formação de cidadãos capazes de assegurar uma
sociedade futura mais justa e equitativa.
Nesse sentido estamos perante um enorme desafio educacional: a consubstancialização de uma escola inclusiva que permita de
forma plena a todas as crianças, uma educação e formação adequada e, por conseguinte, uma maior qualidade de vida em
sociedade.
Recentemente a Unesco (2017) definiu a educação inclusiva como “the process of strentghening the capacity of education out of
learns” (p.7). Já a Declaração de Salamanca insiste na premissa da necessidade de uma nova cultura educacional com vista ao
desenvolvimento de respostas educativas para todos, no direito a uma educação inclusiva que responda a cada um dos alunos
independentemente da sua situação pessoal e social. O decreto-lei 54/2018 vem abraçar os dois tipos de educação (regular e
especial) inserindo todas as crianças com NEE nas turmas regulares, fazendo a inclusão total.
Mas ter uma escola inclusiva significa muito mais que ter os alunos dentro da sala de aulas regular. Significa trabalhar a
diversidade, o que implica uma escola que saiba dar resposta e apoiar a pessoa com deficiência, significa escutar a voz das
crianças, tornar o pensamento da criança visível, acolher um sem número de situações problemáticas, e fornecer as condições
necessárias para que a educação para a cidadania funcione em pleno.
Importa salvaguardar que há, entretanto, um longo caminho a percorrer para que o direito à escola inclusiva se materialize na vida
de centenas de milhares de crianças e jovens. Colocá-las dentro de uma sala de aulas ou atividades é fácil. O grande desafio é
inclui-las, de facto, no centro da atividade escolar, fazendo da escola uma porta de entrada para a vida em sociedade.
A educação de infância cumpre, desde sempre, o desiderato legal internacional e nacional.
É, pois, imprescindível trazer a questão da inclusão para o centro do debate educativo. O Envolve-te quer fazê-lo. Os temas
tratados neste número da Revista Refletir EdInf guardam estreito alinhamento de conteúdo, desde a análise cuidada dos
normativos legais aos artigos sobre a inclusão social, podendo-se observar as diferenças e semelhanças entre práticas, bem como
os desafios que se colocam, diariamente, aos educadores.
Cabe ao leitor apoderar-se desse debate e refletir de forma objetiva no seu contexto educativo.
Boa(s) Leitura(s)!
4. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
4 S
É até bastante comum perceber a Educação de Infância como um
processo que visa responder à diversidade das necessidades e
potencialidades de todos e de cada um dos alunos
e percorrermos a maior parte dos documentos legais,
orientações, informação jurídica e outros instrumentos de
regulação educativa, pedagógica e didática, não é incomum
encontrarmos, vertida de diversas formas, a intenção de
estabelecer como uma das prioridades da ação governativa a
aposta numa escola inclusiva onde todos e cada um dos alunos,
independentemente da sua situação pessoal e social, encontram respostas
que lhes possibilitam a aquisição de um nível de educação e formação
facilitadoras da sua plena inclusão social.
No caso da Educação de Infância, a praxis tem mostrado que os processos de
construção pedagógica potenciam uma adequação dos processos de ensino
às características e condições individuais de cada aluno, mobilizando os
meios de que dispõe para que todos aprendam e participem na vida da
comunidade educativa.
Para tal, as abordagens e escolhas pedagógicas dos profissionais baseiam-se
em modelos curriculares flexíveis, no acompanhamento e monitorização
sistemáticas da eficácia do contínuo das intervenções implementadas, no
diálogo dos docentes com os pais ou encarregados de educação e na opção
por medidas de apoio à aprendizagem, organizadas em diferentes níveis de
intervenção, de acordo com as respostas educativas necessárias para cada
aluno adquirir uma base comum de competências, valorizando as suas
potencialidades e interesses.
No fundo, estes são os “Princípios” fundamentais da construção de práticas
de qualidade e da identidade dos profissionais de educação de infância. E é
esta, de facto, a prática refletida da
grande maioria daqueles que
constroem a sua profissionalidade no
atendimento a crianças pequenas.
Observando de perto o atendimento a
crianças pequenas, não é raro
encontrar exemplos concretos de que há uma unidade em toda a pedagogia
para a infância e que o trabalho profissional com crianças em idade de
creche e de jardim-de-infância tem fundamentos comuns, devendo ser
orientado pelos mesmos princípios educativos. Estes fundamentos de que
decorrem princípios orientadores, estão intimamente articulados e
correspondem a uma determinada perspetiva de como as crianças se
desenvolvem e aprendem, sendo de destacar, neste processo, a qualidade do
clima relacional em que cuidar e educar estão intimamente interligados.
As lógicas educativas e curriculares em educação de infância partem do
pressuposto orientador de que cada criança é única, que possui uma voz
única e que, por tal, deverá ser respeitada nessa unicidade. Não obstante, faz
parte de um grupo de pertença (grupo-turma, família, comunidade...) no(s)
qual(ais) desempenha um papel central e para os qual(ais) contribui
decisivamente. Reconhecer que a aprendizagem e o desenvolvimento
assenta no reconhecimento que brincar é a atividade natural da iniciativa da
criança que revela a sua forma holística de aprender é também a
especificidade da educação de infância e dos seus profissionais, que dinamiza
e medeiam respostas educativas que se fundamentam nesse espaço
prazeroso de aprender.
É até bastante comum perceber a Educação de Infância como um processo
que visa responder à diversidade das necessidades e potencialidades de
todos e de cada um dos alunos, através do aumento da participação nos
processos de aprendizagem e na vida da comunidade educativa e que as
aprendizagens das crianças acontecem de forma espontânea, nos variados
ambientes sociais em que vivem. Mas é no contexto escolar (institucional),
com uma intencionalidade educativa clara, que este se concretiza.
Essa concretização dá-se através de um ambiente culturalmente rico e
estimulante, do desenvolvimento do processo pedagógico coerente e
consistente, em que as diferentes experiências e oportunidades de
aprendizagem têm sentido e ligação entre si.
Os profissionais de educação de infância, grosso modo, “praticam” estes
fundamentos educativos desde sempre. A educação de infância, enquanto
espaço/tempo de desenvolvimento e aprendizagem, (que) promove, de
forma clara, que as escolhas, opiniões e perspetivas de cada criança sejam
explicitadas e debatidas
(…) e (onde) cada
criança aprende a
defender as suas ideias,
a respeitar as dos outros
e, simultaneamente,
contribui para o desenvolvimento e aprendizagem de todos, potencia um
espaço de desenvolvimento pessoal e social único.
Imagens dessas práticas são, entre muitos outros exemplos que poderiam
advir, as estratégias de organização dos espaços e dos tempos, com
dinâmicas e lógicas adequadas aos interesses e estádios de desenvolvimento
das crianças (trabalho individual, em pequeno grupo, na comunidade, no
exterior, etc.) ou a construção conjunta e apoiada do conhecimento
individual e coletivo. Também as estratégias de utilização dos recursos físicos
da comunidade (as idas ao “exterior” - à loja, à quinta, ao parque; a
articulação com as bibliotecas ou com os serviços da comunidade – centro de
Da educação de infância… E da inclusão!Pelo Envolve-te! (www.facebook.com/envolv.te)
5. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
5
Ao escolher os seus recursos e estratégias o profissional de educação
interpreta e atua sobre a especificidade do aluno, mediando e
integrando as especificidades do contexto e do ambiente educativo
saúde, junta de freguesia, esquadra da polícia, quartel dos bombeiros, etc.)
permitem uma constante e contínua aprendizagem de cidadania ativa e
participada.
Por outro lado, a inclusão de todas as crianças implica a adoção de práticas
pedagógicas diferenciadas, que respondam às características individuais de
cada uma e atendam às suas diferenças, apoiando as suas aprendizagens e
progressos. A interação e a cooperação entre crianças permitem que estas
aprendam, não só com o/a educador/a, mas também umas com as outras.
Esta perspetiva supõe que o planeamento realizado seja adaptado e
diferenciado, em função do grupo e de acordo com características
individuais, de modo a proporcionar a todas e a cada uma das crianças
condições estimulantes para o seu desenvolvimento e aprendizagem,
promovendo em todas um sentido de segurança e autoestima. E isto é o que
os profissionais de educação de infância experimentam e executam
diariamente, seja pela heterogeneidade etária, social e cultural dos grupos
escolares, seja através dos múltiplos interesses sociais, familiares e mesmo
académicos que desembocam nas suas salas.
Para pôr em prática a construção de um ambiente inclusivo e valorizador da
diversidade, o profissional usa uma lógica de construção curricular que
advém do seu papel como gestor do currículo. Qualquer plano ou projeto
educativo, em educação de infância estabelece uma perspetiva inclusiva,
garantindo que todos (crianças, pais/famílias e profissionais) se sintam
acolhidos e respeitados e que haja um trabalho colaborativo entre
profissionais. Esse espaço de partilha e colaboração é visível nas lógicas de
participação ativa das famílias, no envolvimento das instituições parceiras e,
claro, na proximidade e acompanhamento prestado pelos profissionais.
O discurso educativo e a praxis da educação de infância foram, desde
sempre, discurso e praxis de inclusão.
Este é o “modus” da Educação de Infância.
Não obstante, ao construir o seu “modo pedagógico”, o profissional de
educação de
infância
interpreta a
criança, o
seu contexto
e a sua
origem para potenciar processos intencionais de exploração e compreensão
da realidade, em que várias atividades se interligam com uma finalidade
comum, através de projetos de aprendizagem progressivamente mais
complexos.
Estes, ao integrarem diferentes áreas de desenvolvimento e de
aprendizagem e ao mobilizarem diversas formas de saber, promovem a
construção de alicerces para uma aprendizagem ao longo da vida.
Contudo, e porque cada criança encerra em si um conjunto de características
específicas e particulares, é corrente que sejam desenvolvidas acomodações
curriculares que, no fundo, são medidas de gestão curricular que permitem o
acesso ao currículo e às atividades de aprendizagem na sala de aula através
da diversificação e da combinação adequada de vários métodos e estratégias
de ensino, da utilização de diferentes modalidades e instrumentos de
avaliação, da adaptação de materiais e recursos educativos e da remoção de
barreiras na organização do espaço e do equipamento, planeadas para
responder aos diferentes estilos de aprendizagem de cada aluno,
promovendo o sucesso educativo.
E isto, cada profissional de educação de infância desenvolve de forma natural
e devidamente enquadrada no seu planeamento, decorrendo, claro está, da
avaliação contínua dos processos, das evidências e da recolha de dados que
lhe são “norma”. Desta construção pedagógica e educativa torna-se visível o
planeamento educativo centrado no aluno, de modo que as medidas sejam
decididas casuisticamente de acordo com as suas necessidades,
potencialidades, interesses e preferências, através de uma abordagem
multinível.
Ao escolher os seus recursos e estratégias o profissional de educação
interpreta e atua sobre a especificidade do aluno, mediando e integrando as
especificidades do contexto e do ambiente educativo. Por tal, a gestão
flexível do currículo, dos espaços e dos tempos escolares, de modo que a
ação educativa nos seus métodos, tempos, instrumentos e atividades possa
responder às singularidades de cada um é um construto adquirido e
apropriado por cada um dos profissionais de educação de infância, no qual o
respeito pela autonomia pessoal, tomando em consideração não apenas as
necessidades do aluno mas também os seus interesses e preferências, a
expressão da sua identidade
cultural e linguística, criando
oportunidades para o exercício do
direito de participação na tomada
de decisões é central.
Nesta construção da oferta de
qualidade em educação de infância, o envolvimento parental, o direito dos
pais ou encarregados de educação à participação e à informação
relativamente a todos os aspetos do processo educativo do seu educando é
um processo contínuo, retroativo e dinâmico. A prática em educação de
6. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
6 Há uma tendência a esquecermo-nos de olhar para a
educação pré-escolar e de constatar que muito do
que hoje se procura já existe neste contexto
João Costa (SEEducação)
infância sublinha a necessidade imperiosa de se manter uma relação próxima
e cooperativa entre os dois pólos centrais do desenvolvimento e
aprendizagem de cada criança em idade pré-escolar.
É através deste
constante
espaço de
colaboração e
construção
conjunta que o
profissional de
educação de infância organiza e planifica as “medidas universais”, que são,
no fundo, o elencar de todos os recursos e “respostas educativas que o
estabelecimento tem disponíveis para todos os alunos com objetivo de
promover a participação e a melhoria das aprendizagens”.
Mas é também com base neste processo que propõe e executa dinâmicas e
estratégias seletivas, que operacionaliza com base nos recursos materiais e
humanos disponíveis ou medidas adicionais que visam colmatar dificuldades
acentuadas e persistentes ao nível da comunicação, interação, cognição ou
aprendizagem que exigem recursos especializados de apoio.
A educação de infância, mercê dos seus primeiros destinatários, é, por
natureza, um tempo e um espaço de desenvolvimento de competências de
autonomia pessoal e social. Sendo que o desenvolvimento motor, social,
emocional, cognitivo e linguístico da criança é um processo que decorre da
interação entre a maturação biológica e as experiências proporcionadas pelo
meio físico e social. As relações e as interações que a criança estabelece com
adultos e com outras crianças, assim como as experiências que lhe são
proporcionadas pelos contextos sociais e físicos em que vive constituem
oportunidades de aprendizagem, que vão contribuir para o seu de-
senvolvimento. Cabe ao profissional de educação fazer as melhores escolhas,
porque cada criança não se desenvolve e aprende apenas no contexto de
educação de infância, mas também noutros em que viveu ou vive,
nomeadamente no meio familiar, cujas práticas educativas e cultura própria
influenciam o seu desenvolvimento e aprendizagem.
Compete, então, ao educador construir relações de reciprocidade e envolver
parceiros e colaboradores na construção de projetos de aprendizagem e
desenvolvimento que alarguem as experiências possíveis, as aprendizagens
fundamentais e as ações de descoberta. A construção de parcerias entre si,
com as autarquias e com outras instituições da comunidade que permitam
potenciar sinergias, competências e recursos locais, promovendo a
articulação das respostas é uma prática comum em educação de infância.
Talvez não seja exagerado dizer que, em todo o edifício escolar, é na
educação de infância que mais se constroem relações de interdependência
entre atores educativos.
A concretização de todos estes fundamentos e princípios
educativos no dia-a-dia da creche e do jardim-de-infância
exige um/a profissional que está atento/a à criança e que
reflete sobre a sua prática, com um interesse contínuo
em melhorar a qualidade da resposta educativa. Fazê-lo
implica planear e avaliar o processo educativo de acordo
com o que observa, regista e documenta sobre o grupo e
cada criança, bem como sobre o seu contexto familiar e social.
Avaliar a sua ação é condição para que a educação pré-escolar proporcione
um ambiente estimulante e promova aprendizagens significativas e
diversificadas, que contribuam para uma maior igualdade de oportunidades.
E que o educador assegure a todos os alunos o direito à participação no
processo de avaliação, construindo dinâmicas e estratégias que
diversifiquem instrumentos de recolha de informação, tais como, inquéritos,
entrevistas, registos vídeo ou áudio e que permitam reconstituir e
compreender o processo educativo e as aprendizagens das crianças.
Por tudo o exposto, nada como parafrasear o Secretário de Estado da
Educação, João Costa: “Este é o nível educativo em que o currículo se de-
senvolve com articulação plena das aprendizagens, em que os espaços são
geridos de forma flexível, em que as crianças são chamadas a participar
ativamente na planificação das suas aprendizagens, em que o método e
projeto e outras metodologias ativas são usados rotineiramente, em que se
pode circular no espaço de aprendizagem livremente. Hoje, quando
discutimos os restantes níveis educativos, conversamos sobre a necessidade
de inovar nas metodologias de ensino, de promover a criação de salas de
aula inovadoras, com espaços em que os alunos se possam sentar no chão ou
circular livremente, do potencial de aproveitamento do dia-a-dia dos alunos
para integração plena nas aprendizagens. Falamos sobre a diversificação de
instrumentos de avaliação, da possibilidade de avaliar progresso por
observação, da possibilidade de se progredir e avaliar sem recurso à
retenção. Há uma tendência a esquecermo-nos de olhar para a educação pré-
escolar e de constatar que muito do que hoje se procura já existe neste
contexto”.
Este artigo foi escrito usando, quase exclusivamente citações de dois documentos legais de enorme importância
para a educação: a azul temos as citações do Regime Jurídico da Educação Inclusiva (Decreto-Lei nº 54/2018 de 6
de julho - Diário da República n.º 129/2018, Série I de 2018-07-06) e a laranja citações das “Orientações
Curriculares para a Educação Pré-Escolar” (Despacho n.º 9180/2016 - Diário da República n.º 137/2016, Série II de
2016-07-19).
7. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
7
“É preciso seguir as crianças, e
não os planos!”
Loris Malaguzzi
Sabemos que os três primeiros anos de vida
são, para a criança, cruciais em termos de
desenvolvimento e crescimento. É hoje
inquestionável a enorme capacidade de
aprendizagem nos três primeiros anos de
vida sendo fundamentais na formação da
personalidade, nomeadamente que a
qualidade das relações que é vivenciada
nesta fase, será a base de todas as relações
futuras.
Jerome Brunner (1980) serve-se do ditado
“Um bom começo já é meio caminho
andado” para se referir à importância de
começar bem, quando se trata da
educação…
Abramos janelas de oportunidade dando
primazia ao diálogo, valorizando a escuta
ativa da voz das crianças, vivamos dos
sentidos, da exploração e estejamos atentos
aos sinais…
Vamos iniciar devagar os passos da
aventura…
Quando observava a Sofia, de apenas 19
meses, com a sua mania saudável, que
carateriza as crianças
independentemente
da faixa etária, de
inventar, recriar,
imaginar… reforcei a
ideia de quão
empreendedoras são
as crianças de tão
tenra idade. A Sofia
perseguia os seus objetivos na brincadeira e,
ainda que muito pequenina, encarava esta
atividade com toda a seriedade.
Ao observar a Sofia que
brincava em companhia, dei-
me conta do quão necessário é
construir formas colaborativas
de pensar o quotidiano das
salas da creche, de forma a
conceder à criança tão
pequena a agência de que
necessita. É nestes momentos
que a criança experimenta
sensações, vivencia outra forma de se
colocar no mundo, se encontra com o outro
e dispara o seu desenvolvimento.
A Sofia olha para mim e, com um brilhozinho
nos olhos, convida-me a brincar colocando-
me um chapéu… (valoriza-se a escuta da
criança): - “Tu binca bem…”. As crianças
possuem o tempo de escutar, que não é
apenas o tempo para escutar, mas o tempo
suspenso, generoso - um tempo cheio de
espera e expectativa. As crianças escutam a
vida em todas as suas formas.
A creche é este espaço privilegiado para a
escuta, no verdadeiro sentido da palavra,
brincadeira em companhia, encontro e
convivência, onde as relações detêm a
primazia do ser. As interações assentam na
relação da criança com os pares e criança-
adulto. Exige-se que eduquemos o
nosso olhar, a fim de rompermos
com as relações verticalizadas,
passando a construir relações em
que adultos e crianças tão
pequeninas compartilham
amplamente a sua experiência de
viver.
Neste acompanhamento das
atividades, a Sofia percebeu a importância
das relações: “Tão fofinho Nuno… tu tem
pico, como o papá”… Este é o momento para
nos conhecermos e
conhecer plenamente
a criança é o ponto de
partida para uma
prática mais
significativa e
democrática. É neste
particular que se situa
a importância da
contribuição de
Vygotsky, associada à zona de
desenvolvimento próximo (ZDP), traduzida
na relevância atribuída ao envolvimento
ativo de crianças de tão tenra idade nas
atividades e na importância de adultos
capazes de se tornarem significativos para a
criança.
Estes são excelentes momentos em que a
observação sensível acontece, tornando-me,
assim, um elemento do grupo: a
comunicação surge, as expressões, as ações
e os sinais são muitos. Realçamos a
expressão de Loris Malaguzzi “as cem
linguagens da criança”, que nos relembra
esse potencial. Através do brincar e das
ações e reações, as crianças podem falar
com os adultos. As suas vozes começam
quando nascem (Goldschmied e Jackson
1994).
Sensivelmente ouvimos a vontade, o
interesse, a necessidade da criança e do
grupo e, como escribas, tornamo-los
concretos. “Nuno, eu já fazi muitos
parabéns, já sou gande…”. A criança solicita
um olhar enquanto ser ativo, competente e
com direitos. Resguardo-me para observar e
documentar… “ estás a esqueber o nome?...”
A escuta da voz das crianças para transformar a
prática na creche
Nuno Pires Gonçalves, nunopiresed@gmail.com.
Educador de infância.
8. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
8
Ocorre-me neste
momento
recuperar uma
célebre frase de
Malaguzzi, quando
ele diz que “O que
não se vê, não
existe”
convidando-nos a
refletir nesta
complexidade do observar e documentar
enquanto atos inseparáveis. Documentar
torna-se um suporte fundamental do
caminho percorrido e vivido.
“Nuno, Nuno… fazi assim…”. Criar
oportunidades de experimentar diversas
formas de expressão, explorar o ambiente e
partilhar as suas interpretações são uma
constante diária. Integramos propostas de
atividades e materiais que permitem uma
aprendizagem experiencial, sendo exemplo
dessa concretização “ o cesto dos tesouros”,
proposto por E. Goldschimied e S. Jackson
(2000). Coloco junto das crianças “o cesto
dos tesouros” com pinhas, pedaços de
madeira, penas, colheres de pau, lã… O cesto
fornece, inequivocamente, possibilidades de
interação de forma multissensorial. Os
corpos das crianças dão sinais de que
exprimem o desejo de descobrir o que está
dentro do
enigmático
cesto. Sendo
assim,
“seguindo as
crianças”,
percebo que
o interesse
delas é por
materiais que
instiguem a
sua curiosidade e possibilitem
uma relação de sujeito que cria,
recria e ressignifica o que está ali,
de uma maneira singular.
A este nível, é de reforçar a
importância dos materiais que
constituem importantes meios de
aprendizagem, enaltecem a
iniciativa, a criatividade e a
experimentação. O jogo heurístico
(E. Goldschimied e S. Jackson, 2000)
possibilita, num ambiente controlado e num
período determinado, a brincadeira livre, o
interesse intrínseco pela novidade e ocasiões
várias de aprendizagem sem a intervenção
do adulto. Disponibilizo caixas, caricas,
tecidos, caixas de ovos, bacias… é mais uma
ocasião excelente para o educador observar,
ler os inúmeros sinais que a criança dá…
Diante destes (materiais não estruturados),
as crianças são capazes de ressignificar e
transformar objetos do quotidiano,
vivenciando ricas oportunidades de
aprendizagem… as crianças exploram as suas
caraterísticas e possibilidades, testam
hipóteses, atribuem novas funções e,
sobretudo, experienciam o prazer de criar e
recriar a própria brincadeira. O educador
sustém-se, mas não se abstém; resguarda-se
para documentar, recolher dados,
interpretá-los para, na prática,
criar o respeito pelos direitos
das crianças.
A comunicação, a escuta e o
registo acontecem
As inúmeras formas
colaborativas de pensar o
quotidiano da creche diluem-se
no grande propósito de
proporcionar à criança pequena a agência de
que necessita. Observo um grupo de
crianças, incluindo a Sofia, a pegarem no
Portfólio: “ Vou ver o meu livo…”. A
utilização do portfólio na rotina do nosso
grupo de crianças tão pequeninas permite-
nos ter elementos para acompanhar e
analisar as competências desenvolvidas por
elas. A comunicação, a escuta e o registo
acontecem.
É neste particular que, pensar o espaço da
creche, a forma como ele se torna lugar
socialmente construído pelas crianças e
adultos que o habitam,
a partir da vida e das
relações que aqui são
vividas, exige que
incluamos as crianças,
sujeitos de direitos,
que consideremos as
suas manifestações e
expressões, a sua
sensibilidade,
imaginação e
criatividade, os seus
pontos de vista, concebendo-as como seres
sociais plenos, com especificidades próprias.
Os planos fechados dão assim lugar à
flexibilidade de propostas, num pensamento
de projeto. Ser este Educador exige que
sejamos corajosos e consistentes; exige
paixão e emoção, razão e sentimento,
compromisso e trabalho árduo, “ também
pode nos dar muito; mais do que tudo, pode-
nos dar o profundo senso do que representa
ser educador” (Rinali, 2006).
Basta estarmos atentos aos sinais que as
crianças nos dão (com toda a sua
inventividade, imaginação, autenticidade,
originalidade, novidade), que abramos
espaços para que elas possam anunciá-los e
9. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
9
nos indiquem os caminhos possíveis para a
construção de um espaço de creche que
respeite os seus direitos, sentimentos,
desejos, marcas de seus jeitos de ver, olhar,
pensar, sentir, cheirar, tocar, perceber o
mundo…
“Vou ao paque e levo
etes fantoches…”.
Quando a Sofia se
dirige para o exterior
algo acontece no
chão. A Sofia nota a
presença de raios de
sol e começa a
movimentar pernas, braços e mãos
investigando a sua própria sombra. Sinto-me
a viajar com a criança, no processo de
investigação e de busca por sentido, com
uma escuta sensível para além da audição,
com um olhar de criança para me aproximar
de uma observação do processo de produção
de conhecimento de cada uma delas. O
quotidiano da creche é permeado por
situações de aprendizagens significativas, das
mais diversas situações que emergem da
própria vida.
As crianças estão em profunda investigação
dos espaços e materiais que as cercam,
escutando com todos os seus sentidos o
espaço. Pensar os espaços da creche a partir
do que as crianças nos indicam revoluciona,
mexe e remexe, desafia-nos com emoções,
visões, que insistentemente nos convidam a
deixar-nos seduzir pela magia da fluidez,
onde o sonho e a fantasia são possíveis.
Valorizar a escuta ativa da voz das crianças e
todos os seus sinais, permite-nos criar
espaços plurais, ampliar o território do
imaginário pedagógico diluir fronteiras, criar
transparências e permeabilidades nos
espaços, aumentando assim o “espaço de
fazer educação”. Saímos da sala para o
exterior e lá desenvolvemos o jogo
simbólico. O diálogo, o bem-estar, o
envolvimento acontece naturalmente. O
espaço torna-se heterogéneo, diverso, rico
em oportunidades educativas.
Assim são vividos os nossos dias
entre brincadeiras, investigações,
conversas e pensamentos, entre
dentros e foras, sozinhos e juntos,
fazemos milhões de descobertas.
Como instituição social coletiva, a
creche partilha com as famílias a
tarefa de educar e cuidar as crianças
e é neste espaço que triangulamos a parceria
que tão intensamente vivenciamos: família-
criança-creche… abrimos canais de
comunicação, respeitamos e acolhemos os
saberes dos pais. Envolvê-los nos projetos e
na vida diária é a chave para o sucesso. Os
pais e mães têm oportunidade diária de
acompanhar, junto com os seus filhos, alguns
momentos das nossas vivências e conhecer
melhor o nosso quotidiano. A presença das
famílias na creche, em diferentes situações,
possibilita aprendizagens para todos.
Evidencia-se o reconhecimento atribuído à
escola, às experiências da criança e ao seu
aprender. Ampliam-se conceitos de pai, mãe,
irmãos, família e atualiza-se a compreensão
do seu papel social dentro da família, da
creche…
Neste lugar, ao observarmos as crianças com
todos os nossos sentidos e sensibilidades,
surgem-nos inevitavelmente interrogações:
Como é que a criança se sente? A criança
está a aprender? O que é que a criança está
a aprender? Estas questões refletem a nossa
intencionalidade num trabalho baseado na
escuta, no diálogo e nos interesses expressos
pelas crianças. Aprendemos, pelos seus
modos de ser e estar que, quanto mais lhes
dermos espaço e tempo para que expressem
os seus saberes, mais elas nos apontarão
novidades, mais conheceremos as suas
manifestações e restruturaremos
caminhadas e estratégias, renovaremos
práticas e consolidaremos a Pedagogia da
Educação de Infância na creche, num
caminho promissor para a mudança.
Termino parafraseando um poema de
Fortunati (2009), de uma ideia de um bebé
ou criança como ser incompleto, frágil e
dependente, para um sujeito ativo, potente,
competente, protagonista de seus processos
de pesquisa e aprendizagem, artesão de sua
experiência próxima e com o adulto, que
nunca deixa de ser curioso e de estar aberto
ao espanto e a maravilha de ter um mundo
todo para explorar e descobrir (Casagrande,
2017).
“É pensando criticamente sobre a
prática de hoje e de ontem que se pode
melhorar a próxima prática.”
Paulo Freire
Bibliografia
Bruner, J. (1980) Under Five in Britain. The Oxford Preschool research
project. High/Scope Press.
Carolyn, E. (1999) As Cem Linguagem da Criança. A Abordagem de Reggio
Emilia na Educação da Primeira Infância. Brasil: Artmed
Casagrande, C. e Pastrello Silva, H. (2017) Documentação Pedagógica –
observação, registro, reflexão, e transformação: por uma ideia de bebê e
criança potente e protagonista de sua aprendizagem. In: Do projetar o
contexto investigativo ao maravilhar-se: quais caminhos seguir? São Paulo.
Freire, P. (1997) Pedagogia da autonomia. São Paulo: Editora Paz e Terra.
Goldschmied,E. e Jacksons, S. (2000) La educación infantil de 0 a 3 años.
Madrid: Ediciones Morata.
Laevers, F. (2005) Well-being and Involvement in care. Bélgica: Kind en
Gezin and Research Centre for Experiential Education, Leuven University.
Oliveira-Formosinho, J., Kishimoto, T. M. e Mônica, P. (2007) Pedagogias(s)
da infância: dialogando com o passado: construindo o futuro. Porto Alegre:
Artmed.
Post, J. e Hohmann, M. (2003) Educação de bebés em infantários: Cuidados
e primeiras aprendizagens. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.
10. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
10
"todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual
proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer
discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a
tal discriminação."
Artº 7º da Declaração Universal dos Direitos Humanos
Partindo do pressuposto de que “Inclusão” é o ato de incluir e acrescentar, ou
seja, adicionar coisas ou pessoas em grupos e núcleos que antes não faziam
parte e que consiste na ideia de que todos os cidadãos têm direito de ter
acesso a qualquer espaço, serviço, dinâmica ou organização social, sem
segregação e discriminação, seja por causa do género, religião, etnia, classe
social, condições físicas e psicológicas, ou outras, o desafio que aqui trazemos
é que se fale de inclusão mesmo naquelas “zonas escuras” onde, por vezes,
ela nos parece evidente.
Atualmente, por diversas e diferentes razões, o principal foco da inclusão
escolar são as crianças e jovens com necessidades educativas especiais, e
que, normalmente apresentam algum tipo de desequilíbrio ou especificidade
física ou psicológica.
Esta definição de inclusão, muito centrada na inclusão escolar, prevê a
integração de alunos com necessidades educacionais especiais em classes e
grupos letivos regulares, compartilhando as mesmas experiências e
aprendizagens com os alunos que não apresentam NEE, por exemplo.
Não obstante ser esta uma espécie de “moda”, muito focada na valorização
dos direitos de inclusão dos alunos, as escolas precisam estar preparadas para
dar o suporte necessário para esses alunos, seja na infraestrutura da
instituição (rampas, sinais, elevadores, etc.) mas, principalmente, na
capacitação dos profissionais de ensino para este tipo de acompanhamento.
Porque, nesta lógica, é função do adulto cuidador estar preparado para educar
os mais diferentes tipos de indivíduos.
Nas palavras de David Rodrigues1, que recuperamos apenas para sintetizar, “a
inclusão apareceu para assinalar outra visão, surgiu com a ideia que não é só o
indivíduo tem de procurar e se integrar na sociedade/comunidade/escola mas
que estas estruturas têm pelo seu lado de se modificar, de se aproximar do
indivíduo”.
1
https://www.publico.pt/2014/03/17/sociedade/opiniao/o-que-e-a-inclusao-1628577
Assim sendo, podemos sublinhar que o ónus da inclusão não se foca apenas
na atuação do indivíduo, dado que a inclusão é um processo interativo que tem
que ser avaliado em duas dimensões: o que é que o indivíduo pode fazer para
se incluir e o que é que o “lugar da inclusão” faz para o incluir.
Na escola portuguesa, independentemente da legislação, dos “hábitos”, das
práticas (mais ou menos) integradas e comuns ou nas convicções pedagógicas
e educativas, é ainda necessário fazer um caminho de análise e reflexão que
edifique uma Escola inclusiva e transdisciplinar. Desenvolver “boas” práticas
inclusivas, presume a resposta a algumas perguntas que, em partilha ou
individualmente, deveriam exigir respostas coerentes e devidamente avaliadas
no decurso da construção profissional, pedagógica e até pessoal do docente.
Muitas destas perguntas podem ser equacionadas neste caminho conjunto a
fazer pela Escola como um todo, mas aqui deixamos apenas algumas daquelas
que, pela maioria de razão, se tornam mais pertinentes de resposta.
Será que a construção, o planeamento e o processo das atividades
escolares respondem à diversidade dos alunos? Será que as escolhas
dos recursos e os materiais curriculares contemplam os diferentes
contextos e culturas dos alunos?
Estas são perguntas chave que deveriam encimar e iniciar todo o debate sobre
inclusão nas escolas. Pressupondo que o processo de planeamento da
atividade letiva e pedagógica constrói o modelo educativo e, naturalmente, faz
daí decorrer todo o processo formativo do aluno, estaremos nós, docentes,
atentos a que a escolha de lógicas (muitas vezes com o “sempre foi assim” tão
natural) pode, de facto, inibir ou potenciar a verdadeira inclusão?
Ao escolher, a priori, dinâmicas muito enraizadas e costumeiras, cujas razões e
justificações nos são naturais (como por exemplo as “Festas de Natal”, a
celebração da Páscoa ou mesmo atividades relacionadas com tradições
gastronómicas específicas), não estaremos a definir um determinado rumo que,
necessariamente, implica que algumas crianças (nem que seja apenas uma)
possam, de facto, não estar/ser incluídas e que possam, até, ser excluídas?
Ao planear e executar com base num conjunto de pressupostos curriculares e
estratégicos previamente definidos (manuais escolares, “fichas” de atividades,
“programas” pedagógicos…) não estaremos a tornar permanente um espaço
de construção social e cultural baseado apenas nas dinâmicas de ensino
intercedido pela ideia de mediana (o modelo de educação e ensino para o
coletivo, esquecendo e diminuindo a diferença e a especificidade)? Não
Falemos de inclusão!
Ou não…
Henrique Santos, henriquehsantos@gmail.com.
Educador de Infância.
11. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
11
Ao valorizarmos a comunicação
verbal e a linguagem oral, sabendo
que a linguagem oral é percursora
da linguagem escrita (ou por causa
disso), tendemos a não ajustar e
incluir outras formas de
comunicação.
estaremos, de alguma forma, a contemplar uma “continuidade” nos processos
de exclusão social?
A linguagem usada em sala de aula é acessível a todos?
Ao valorizarmos a comunicação verbal e a linguagem oral, sabendo que a
linguagem oral é percursora da linguagem escrita (ou por causa disso),
tendemos a não ajustar e incluir outras formas de comunicação.
Quando, por exemplo, valorizamos a função do Brincar, mas não acautelamos
os diversos elementos de comunicação que o brincar
encerra, ou quando não nos
apropriamos de outros
códigos de comunicação
(Língua Gestual,
Línguas estrangeiras,
etc.) estamos, de
facto, a colidir com a
tal resposta inclusiva
que, a montante,
defendemos.
Não o devemos fazer “por obrigação”, mas a consciência que a construção
conjunta de outros espaços comunicacionais pode, de facto, apoiar uma
inclusão real, assim como promover um conhecimento mais alargado de outras
funções da comunicação, como o é, por exemplo, a inclusão.
A função de comunicação não se esgota no modelo oral e menos ainda no
modelo expositivo. A co-construção de linguagens variadas serve não apenas o
intento da inclusão mas também o da diversidade e da transdisciplinaridade.
Os alunos são estimulados a dirigir sua própria aprendizagem e a ajudar
os colegas?
Quando nos focamos no processo educativo (e com especial incidência na
educação de infância), respondemos a esta questão com um rotundo sim.
Contudo, se nos detivermos numa análise mais detalhada, acabamos por
perceber que a resposta positiva não é tão clara como, à primeira vista, nos
parece.
De uma forma geral, os docentes organizam as suas atividades letivas com
base em planeamentos e projetos pedagógicos definidos de forma prévia e,
normalmente, com base em “orientações” hierarquicamente superiores e sem a
participação ativa dos potenciais recetores. Também são reféns de processos e
modelos de avaliação do desempenho e da realização de atividades que fazem
incidir na execução individual dos alunos (e muitas vezes sem permitirem
espaços de cooperação e colaboração ou até os desvalorizando) que
potenciam um isolamento da aprendizagem e uma individualização do
“sucesso” educativo (os “quadros de mérito”, os “prémios de desempenho” ou
mesmo os “testes sumativos” são ilustrativos desta linha de ação da Escola).
Também a dificuldade de construção conjunta e cooperativa entre docentes
(expressões como “a minha turma”, ou o “meu grupo”, ou mesmo os “meus
alunos” fazem ainda parte do léxico docente) ou mesmo a organização escolar
com base em processos de avaliação que não servem para introduzir
mudanças, tende a complicar a construção de uma escola verdadeiramente
inclusiva.
Numa análise ainda mais profunda, reparamos que a Escola não está
construída numa dinâmica de colaboração e partilha quando, por exemplo, não
valorizamos a preparação e a abordagem conjunta e cooperativa do próprio
edifício escolar: as turmas de nível, os grupos “homogéneos” ou a distinção
pelos resultados são evidências de que ainda temos muito que caminhar para
ter uma escola inclusiva.
A disciplina na sala de aula inspira-se no respeito mútuo e em normas de
comportamento explícitas?
Esta é uma outra pergunta que nos parece ter uma resposta positiva e sobre a
qual tendemos a reagir quando confrontados com uma “acusação subliminar”
de que a indisciplina é devida a razões exteriores à escola.
Não querendo “justificar” os atos de indisciplina (que são cada vez mais
comuns), há, de facto, um conjunto enorme de comportamentos e atitudes dos
alunos que se enquadram mais na definição de “comportamentos fora da
tarefa”, ou seja, advêm, grosso modo, da desadequada interpretação das
tarefas e ações esperadas e que se confundem, de forma constante, com
atitudes de indisciplina e mau comportamento.
À tarefa proposta pelo docente (representativa do sistema de tarefas de
instrução e gestão), os alunos dão uma resposta (representativa da sua
agenda social), sendo que esta pode ser mais ou menos congruente com as
especificidades da tarefa apresentada pelo docente. Assim, os alunos podem
cumpri-la tal como foi apresentada ou modificá-la (negociação). Essa
modificação pode traduzir-se em diferentes tipologias de ação, nomeadamente
a adoção de comportamentos de desvio ou a não participação na tarefa, ou,
ainda, a alteração da tarefa no sentido de a facilitar ou dificultar.
12. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
12
Por outro lado, ao estabelecer de
forma clara o quadro de regras e
procedimentos que regulam a
vida na aula, o docente torna-se
mais eficaz no processo de
construção conjunta de
estratégias de inclusão e
integração.
A maneira como o docente reage a esta tentativa dos alunos,
através de processos de supervisão, constitui um fator principal
que determina o equilíbrio ecológico entre os sistemas de
tarefas e, muitas vezes, a forma mais comum de procurar
equilibrar este sistema traduz-se pela imposição, muitas
vezes, autoritária e unilateral, dos sistemas de gestão e
instrução. A utilização de medidas punitivas e ameaçadoras,
procurando estabelecer o medo, caracterizam os procedimentos
adotados pelo docente e, desta forma, qualquer manifestação por
parte dos alunos é confundida como uma infração às regras de
funcionamento na aula.
Por outro lado, ao estabelecer de forma clara o quadro de regras e
procedimentos que regulam a vida na aula, o docente torna-se mais eficaz no
processo de construção conjunta de estratégias de inclusão e integração.
Não obstante, e muito especialmente em níveis de ensino inicial, em que a
construção de quadros regulamentares são muito baseados no papel do
docente “como modelo”, torna-se também fundamental que o estabelecimento
destes quadros referenciais seja definido pelos modelos comportamentais dos
adultos. Assim, o uso dos materiais e equipamentos, a definição de regras de
comportamento mediadas pelos exemplos (o chapéu que se usa como base da
“obrigação de outros o usarem”, o tom de voz que impede o “barulho”
cumulativo ou a ação proativa do profissional no “brincar” do grupo, por
exemplo) servem, também eles, como construtores de inclusão.
Todos os alunos são estimulados a participarem em diferentes atividades
e nos diferentes níveis de envolvimento?
Não é incomum, e especialmente nos níveis de ensino iniciais, considerar-se
que todos os alunos são devidamente incluídos em atividades significativas e
promotoras de aprendizagem.
Contudo, ao observar um conjunto alargado de práticas de ensino e
aprendizagem nas escolas, e, designadamente as muitas estratégias que
“fundamentam” este conceito de inclusão, é corrente encontrar salas cujas
mesas e cadeiras se encontram dispostas em filas individuais justapostas em
linhas paralelas ou atividades de “grande grupo” e outras que, de forma muito
notória, não contribuem para processos de inclusão e, sobretudo, de equidade
no processo de envolvimento e aprendizagem.
Na educação de infância, por exemplo, a utilização de estruturas pedagógicas
como “filas indianas” ou a separação etária de equipamentos e materiais são,
de forma muito clara, estratégias
demonstrativas desta, ainda,
incapacidade de pensar
inclusão de forma integrada
na prática docente.
Muitas mais perguntas
podem ser feitas neste
processo de pensar inclusão
de forma sustentada e significativa.
De alguma forma, todas as perguntas que
nos fazemos são, de uma ou outra maneira, perguntas
que mereceriam uma análise constante e partilhada e que, sobretudo,
mereceriam uma disponibilidade de todos, adultos cuidadores, gestores da
educação e, sobretudo, legisladores, para, efetivamente, se procederem
mudanças.
Não será fácil nem imediato, mas, valeria a pena continuar a responder a
perguntas. Estas e outras. Em nome de uma verdadeira Inclusão. Façamo-lo.
13. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
13E
stávamos no final do ano letivo, era altura de se constituírem
as equipas e os grupos do próximo ano.
Entrei na instituição em maio e desenvolvi uma ótima parceria
com uma auxiliar da sala.
Em julho recebemos a boa notícia, iríamos continuar como
equipa. Entre risos e piadas, concordámos que teríamos tudo para que o
próximo ano fosse fantástico. Começámos a trocar ideias, a construir
projetos, a fazer e a juntar algum material:
- A área das artes ia ter mais material e ia estar à disposição de todos com
um cavalete sempre pronto a utilizar;
- Iríamos fazer sinais de trânsito, arranjar triciclos e bicicletas, utilizar
ainda mais o espaço exterior e íamos fazer mais saídas dentro do bairro
(parques infantis e biblioteca);
- Discutíamos as áreas e a organização do espaço, queríamos o
computador na sala e uma área de ciências, até tínhamos um
microscópio.
Imaginávamos ter um ano fantástico, tendo como referência o grupo
fantástico do ano anterior. Também tínhamos consciência de que íamos
para outra sala e que não conhecíamos os materiais existentes nessa sala,
que íamos ter um grupo novo que também não conhecíamos (exceto dois
elementos) e que tudo o que estávamos a projetar também poderia não
acontecer.
Uns dias depois os grupos começaram a ser formados e a notícia que não
queríamos chegou: "O menino com Síndrome de Down vai para a vossa
sala.". Torcemos literalmente o nariz, questionámos o porquê de ser para
nós: “Se não temos forma de o apoiar, somos só dois adultos e nas outras
salas são 3 adultos?!” Disseram-nos não ser possível a troca e eu pensei:
"Ora toma, que é para aprenderes a não pedir casos complicados".
Estávamos a entrar em agosto, muitas das crianças estavam a ir de férias,
umas iriam regressar no próximo ano, outras iriam deixar saudades, os
grupos já andavam misturados no recreio e era lá que passávamos a maior
parte do dia. Em conjunto, eu e a minha auxiliar, começámos a observar e a
comentar os comportamentos de que não gostávamos, começámos a ver
metas e objetivos para esta criança. O cenário idealizado de que íamos ter
um ano fantástico começou a desmoronar-se e até comentámos que
iríamos ter “muitas dificuldades” e estaríamos “lixadas”.
Agosto foi um tempo para me aproximar, não era um menino que cativasse
à primeira vista, mas iria ser nosso e este facto levou-me a observar alguns
dos seus comportamentos:
- Não comia sozinho;
- Fugia da mesa, sempre às horas das refeições e os adultos andavam
sempre atrás dele;
- No recreio não havia um dia que não fosse ao canteiro comer terra e,
claro, aquela boca castanha tinha de ser limpa e eram sistemáticas as
idas à casa de banho, para o limpar;
- Não reagia quando falávamos com ele.
- Não procurava qualquer contato físico (abraços, beijinhos);
- As outras crianças não interagiam com ele;
- Nos passeios ao exterior andava sempre no carrinho de bebé.
Ainda sem o conhecer e sem conhecer as suas capacidades e interesses,
tínhamos as duas primeiras estratégias encontradas;
- Vigilância reforçada (para que não fugisse e para que não comesse
terra).
- À hora de almoço iríamos sentá-lo no lugar mais perto da parede e assim
iríamos conseguir controlá-lo.
Ano novo, vida nova e também alguns dias para esquecer...
Chegou setembro, mês de adaptações, 16 meninos, que sorte! Mas
podemos vir a ter um grupo com 23/24 crianças, ai que são tantos!
Apesar de quase todos os meninos conhecerem a escola, o que facilitou as
adaptações, não me conheciam a mim, nem eu os conhecia a eles, por isso,
em conjunto, fomos construindo, explorando, partilhando experiências e
atribuindo responsabilidades, reorganizando o espaço e os materiais.
Fomos aceitando pedidos e sugestões, dando espaço e liberdade para que
todos participassem e interviessem nestas negociações.
Entendo um grupo de jardim-de-infância como uma equipa, daí a
valorização da autonomia e da capacidade das crianças fazerem algumas
coisas sozinhas. A colaboração é uma exigência constante e como diz o
ditado: "o trabalho de
menino é pouco, mas
quem não o aproveita é
louco". E como loucas
não quisemos ficar, a
nossa rotina foi-se
ajustando gradualmente.
No primeiro dia o A.
entrou pela sala com o
seu xilofone, que bom! O
som era suave e todos os
amigos gostavam de o
explorar. O A. deixou o xilofone na sala e todos os dias era tocado pelo E.
(menino com Síndrome de Down) e pelas outras crianças. O primeiro
interesse do grupo tinha sido descoberto, a música, o som e os
instrumentos musicais, era por aí que tínhamos que ir…
Um furacão, ou talvez não...
Cristina Castro, kikasdsilva@hotmail.com.
Educadora de Infância
14. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
14
Todos juntos fizemos muitos jogos de movimento, com pequenas ações ou
gestos, o que agradava bastante às crianças. O segundo interesse do grupo
estava descoberto, o movimento.
O E. adora movimento. Para nos mexermos aproveitamos habitualmente o
recreio ou uma sala grande. O E. gostou desta sala, onde também
cantamos. Um dia levou-me pela mão até lá, deitou-se no chão com os pés
para o ar, como se me pedisse para brincarmos e dançarmos mais um
bocadinho. Infelizmente, nesse dia não tivemos tempo, mas voltaremos a
fazer estes jogos com o E. e com os amigos. Daremos resposta a este
interesse.
Durante esse mês deixei as crianças explorarem os espaços e os materiais.
Observei-as de longe e sem interferir. Brincavam sozinhas ao lado umas das
outras, mas não umas com as outras. O E. fez imensas descobertas e
interessou-se por coisas que para os amigos não tinham interesse nenhum
(portas de correr, dossiers pretos com buracos, cadeiras e mesas para
subir). Tentámos trancar as coisas a que não queríamos que acedesse, mas
não resultou, ele arrancava
os fechos e voltava a abrir as
portas e a tirar os dossiers e
a desarrumar tudo, mal nos
apanhava distraídas. Parecia
um furacão a explorar o
espaço e a deitar tudo para o
chão. Procurava coisas que
fizessem barulho, do baú fez
um tambor e de uma forma fez pandeireta.
Como desarrumar era a única coisa que o E. fazia, começámos a dar-lhe
peças e caixas para arrumar. Pedimos a colaboração dos amigos, mas eles
ainda não o conseguiam ajudar. Em conjunto com o E. e com os amigos
fomos diariamente insistindo para que o E. também participasse nesta
atividade. Inicialmente o E. não colaborava, mas hoje já ajuda a arrumar e
já explora mais os brinquedos disponíveis na sala, o seu comportamento
melhorou e em vez de só deitar as coisas para o chão, já se senta a brincar
e a explorar alguns dos brinquedos disponíveis na sala.
O espaço foi sofrendo alterações, algumas coisas que não estavam a ser
utilizadas foram guardadas em caixas e retiradas da sala. Reorganizámos
os brinquedos e escolhemos, em conjunto, como os iríamos organizar e
arrumar nas diferentes áreas.
Disponibilizámos armários para os jogos, sem proibir que o E. os
manipulasse. Entretanto ele aprendeu que é na mesa que os deve fazer.
Na área da casinha o E. não fazia exceção e, tal como nos jogos, ia tudo
parar ao chão. Os materiais chamavam-lhe à atenção pelo som que deles
conseguia tirar. Gradualmente foi descobrindo o lugar das coisas, foi
observando e explorando os objetos. Não o proibimos de atirar as coisas
para o chão, mas fomos pedindo a sua colaboração para arrumar tudo no
lugar e ele foi ajudando.
Entretanto o E. descobriu a garagem e muitas coisas com que podia brincar
e que podia também espalhar. Mas continuámos a insistir que todos em
conjunto colocássemos as coisas no lugar. Ele foi ajudando, de livre e
espontânea vontade, a arrumar as peças que estavam perto de si.
Um dia colocámos as bolas no recreio e pedimos ao E. para brincar. A partir
desse dia os amigos começaram a interagir e a brincar mais com ele.
Por vezes o E. fugia para o recreio e fugia de mim, brincávamos, apanhava-
o, fazia-o rir e voltávamos para a sala. Ainda continua a ir para o recreio, por
vezes sem sapatos, mas insistimos em manter a porta aberta e deixamo-lo
ir. Para regressar basta esticar-lhe a mão. Outras vezes observa-nos do lado
de fora e bate no vidro para chamar a nossa atenção.
Já fomos ao parque fora da escola e não levámos o carrinho. Encontrámos
escadas, degraus e passadeiras, armadilhas que o E. terá de aprender a
ultrapassar sozinho (os passeios fazem-no tropeçar e cair).
Estamos a trabalhar para o próximo passo, ensinar o E. a dar a mão a um
amigo, por enquanto ainda só o fazemos quando vamos da sala para o
refeitório e muitas das vezes ele afasta-se do amigo e vai sozinho e
apressado até encontrar o seu lugar no refeitório. O E. ainda precisa dessa
estrutura para esperar pelos outros. O nosso objetivo é que quando saímos
para o exterior o E. consiga ir de mão dada com um amigo, em vez de ir
sempre com a ajuda de um adulto, ou que consiga ir junto do grupo, sem ter
a necessidade de ir agarrado a um dos adultos de referência.
Aos canteiros e à terra o E. foi duas vezes, sendo que a segunda foi uma
demonstração da sua intenção de nos desafiar, de nos provocar, porque era
um hábito e porque não havia consequências.
Eu não gostei do olhar desafiador do E., ralhei com ele e zanguei-me, lavei-
lhe bem a boca por fora e tentei tirar-lhe a
terra que tinha na língua e nos dentes e ele
deu-me uma dentada! Voltei a zangar-me e
ele fez beicinho. Sequei-o e fui brincar com
ele, descobrir o que tínhamos no recreio
para explorar (o escorrega).
O E. tem explorado o escorrega e
desenvolvido a sua força e agilidade, sobe
e desce sozinho, sobe o muro e também já
consegue subir para as mesas e para o
muda-fraldas. Mas também sobe para o
banco, com a intenção de acender as luzes
da casa de banho, e depois grita para que
o tirem dali!
15. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
15
A sanita e o autoclismo são fascinantes para o E. , que adora ficar a olhar
para o movimento da água e gosta de ouvir o seu som. Também já entende
que na casa de banho se pode despir e senta-se na sanita.
Já pede água, pois sabe que é da torneira que ela sai e quando a vai abrir já
sabemos o que nos quer dizer, até é capaz de se desenrascar bem sozinho,
abre o armário dos copos e serve-se de um qualquer.
Ultimamente tenho visto o seu interesse pelo túnel que usámos um dia no
recreio e que voltou a experimentar numa demonstração de ginástica.
Verifiquei que já descobriu que pode passar por debaixo das mesas.
As Refeições
A fruta da manhã
Quando entrou para a sala disseram-me que o E. não comia fruta, mas
fomos experimentando. Gosta de banana, mas ainda só a come quando é
cortada em rodelas e a colocamos numa taça.
Experimentámos a pera e aceitou-a com muito gosto, comendo-a com
satisfação.
Recusou a maçã algumas vezes, por ser dura. Tentámos arranjar
estratégias facilitadoras, pedindo para a cozer. Não dava, o fogão é
industrial. Pedimos para fazer no micro-ondas, mas não ficou apetitosa.
Pedimos aos pais para trazer, mas não trouxeram. Pedimos na creche,
nunca nos deram. Encontrámos uma varinha e parte da maçã fica moída.
Assim o E. vai comendo e mastigando, mas temos de ter cuidado porque
não podemos estragar a varinha.
A hora de almoço
Os primeiros dias foram de adaptações e à hora de almoço houve mais
birras por causa do sono, por causa da comida, por causa das saudades da
mãe e tivemos de encontrar estratégias. Combinámos o lugar do E. e de
mais alguns meninos, todos os outros podiam sentar-se onde quisessem.
Começámos por deixar o E. comer sozinho, já que demonstrava esse
interesse, mesmo que fosse com as mãos comia com grande satisfação.
Arranjámos estratégias para mantermos os lugares sempre limpos (pano e
vassoura sempre à mão).
Decidimos que a autonomia à hora da refeição implica comer a sopa, ir
arrumar o prato, pôr a mesa, ir buscar o segundo prato e o pão. Resultou, as
crianças deixaram de estar dependentes de nós e pudemos ajudar e estar
mais próximos do E. e dos meninos que precisavam da nossa ajuda. Nunca
foi preciso limitar os movimentos do E., ele nunca fugiu.
No lanche as práticas mantêm-se. O E. ainda precisa de ajuda com o leite,
só para não o entornar, já sabe onde fica o tabuleiro do pão e já sabe que
se pode levantar para ir buscar mais pão.
Por vezes, levanta-se da mesa
e vai à procura dos amigos que
já saíram do refeitório, ou dos
que se levantam para irem
lavar as mãos e a boca.
Brevemente irá ter a ajuda
deles, é só esperar mais um
bocadinho, porque eles ainda
estão a aprender a fazer isso
sozinhos.
Na rotina da sesta, temos de mudar a fralda e envolvê-lo no processo, já
que tem de esperar pela sua vez, pois há outra criança que usa fralda.
Aproveitamos este momento para cantar e o E. ouve as canções com muita
atenção, sabe os gestos todos e se eu cantar devagar também já sabe fazer
alguns sons. Sobe para o muda-fraldas sozinho, pelas escadas do pequeno
escadote. Começou com ajuda, mas já não precisa dela. No fim o E. tem a
tarefa de ir deitar a fralda no lixo, ir buscar a chupeta e tirar os sapatos, o
que não é tarefa fácil!
Contrariamente ao que tínhamos pensado, já não conseguimos ver este
grupo sem a presença do E.!
Às vezes é um malandreco, mas gostamos dele assim.
Ainda não tem nenhum programa da educação inclusiva, irá voltar à terapia
da fala e continuará a ser acompanhado pela equipa local do Sistema
Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI).
É bom ver que o E. está a crescer e ver como tem feito tantos progressos
desde o dia em que veio para a nossa sala. Ainda bem que está aqui!
Bibliografia
Skallerup, Susan J. Bebés com trissomia 21: novo guia para pais. 1ª ed. Alfragide,
Portugal, Texto Editora, março 2015
Decreto-Lei n.º 281/2009 - Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Deficiência
ou Incapacidade 2006-2009, a criação de um Sistema Nacional de Intervenção
Precoce na Infância (SNIPI).
Decreto-Lei n.º 54/2018 - escola inclusiva - vem concretizar o direito de cada aluno a
uma educação inclusiva que responda às suas potencialidades, expectativas e
necessidades no âmbito de um projeto educativo comum e plural que proporcione
a todos a participação e o sentido de pertença em efetivas condições de equidade,
contribuindo assim, decisivamente, para maiores níveis de coesão social.
16. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
16
O medo inicial, revelado pela Cristina, ilustra o que se pode observar em muitos jardins de infância e escolas. Por um lado, o medo do
diferente, do que não se conhece e por outro, a ideia de que as crianças com maior dependência dos adultos implicam um menor rácio
adulto/criança. Se a segunda ideia é consensual, embora as outras crianças devam ser também entendidas como recursos humanos
fundamentais (tal como a Cristina idealiza que poderá acontecer num futuro próximo), a primeira ideia leva-nos à grande discussão sobre os
princípios da escola inclusiva.
Penso que o grande princípio da escola inclusiva será o de se entender a diferença como enriquecimento e não como dificuldade, devendo a
avaliação e a resposta às diferenças ser dada pedagogicamente de forma contextualizada.
Esta ideia não é nova e quem, como eu, está nas escolas ligado à Educação Especial desde 1992, percebe como se progrediu, até à sua
afirmação na Declaração de Salamanca em 1994. Em Portugal, a legislação acompanhou este movimento afirmativo até 2008. A partir dessa
data, com a entrada em vigor de legislação que resgatava um modelo classificativo das diferenças, tipificando respostas e indexando-as às
dificuldades das crianças, considero que retrocedemos no caminho para uma escola inclusiva.
O Decreto-Lei 54/2018 retoma o sentido do caminho a que se chegou em Salamanca. E é com base nesta legislação que deveremos ler a
história do E.
Sabemos que o E. ainda não foi avaliado à luz do 54/2018, não foi feito um relatório técnico-pedagógico, consequentemente não está
definido que tipo de medidas devem ser mobilizadas. Mas as medidas universais, aplicáveis a todos os alunos, a julgar pelo relato da
educadora, já começaram a ser exploradas. Também está previsto iniciar-se a terapia da fala, uma medida já aplicada anteriormente que,
sendo menos inclusiva na sua essência, pretende favorecer a inclusão.
Por outro lado, o E. continuará a ser apoiado pela equipa do SNIPI (que por princípio deve praticar uma intervenção centrada na família onde
a criança está inserida). Esta equipa deverá ser compreendida como apoio à aprendizagem e à inclusão e não um recurso adicional que vem
acrescentar medidas seletivas visando resolver, diminuir, ou atenuar um suposto problema identificado na criança.
Incluir obriga a pensar num contexto promotor de aprendizagem, considerando a participação das crianças. Neste caso, partindo do E., da
manifestação dos seus interesses, a educadora Cristina chegou ao como promover aprendizagens e mobilizar competências essenciais,
sobretudo do ponto de vista da autonomia e das relações interpessoais. Estas aprendizagens e competências são basilares para a
aprendizagem e desenvolvimento de competências noutras áreas e domínios.
Após um processo de procura de respostas, a partir da recolha de evidências própria da avaliação formativa, tal como é preconizado no DL
54/2008, pensaram-se e continuarão a pensar-se as respostas educativas não apenas para o E., mas para o grupo de crianças de que ele
faz parte. A vida no jardim de infância (e o currículo) com o E. compreende as suas características e desejos, tal como compreende as
características e desejos de todas as outras crianças, porque, por definição nas orientações sobre o currículo em Portugal, a Pedagogia da
Infância é inclusiva.
Ofélia Libório, liborioofelia@gmail.com
Comentári
o
a Um furacão, ou talvez não...
17. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
17
No dia 6 de junho de 2018 foi publicado em Diário da República o novo regime
jurídico da educação inclusiva em Portugal (Decreto-Lei nº 54/2018), que vem
substituir o decreto-lei 3/2008, que regulamentou a Educação Especial nos
últimos 10 anos.
Esta nova legislação lança um desafio aos profissionais de educação, no sentido
de assumirem como fundamental que a escola inclusiva é um direito: o direito
de toda a criança ir à escola, com os seus backgrounds educacionais e culturais,
as suas preferências, necessidades e perfis de aprendizagem… e a
indispensabilidade destes profissionais providenciarem oportunidades de
aprendizagem efetivas e inclusivas para TODOS.
O decreto-lei nº 54/2008 assenta num desenho universal para a aprendizagem
e numa abordagem multinível no acesso ao currículo. Estas premissas
assentam na mobilização de medidas de suporte à aprendizagem (medidas
universais, seletivas e adicionais), bem como
no acompanhamento e monitorização das
mesmas, no aconselhamento aos docentes
para implementação de práticas pedagógicas
diferenciadas, no diálogo dos docentes com
os encarregados de educação e ainda em
modelos curriculares flexíveis.
Ao falarmos das medidas de suporte à
aprendizagem e à inclusão, é de salientar
aquelas que são a resposta que a escola
mobiliza para TODOS os alunos e que tem
como objetivo promover a participação e o
sucesso na escola. Referimo-nos às medidas
universais, que passam por: enriquecimento
curricular; acomodações curriculares;
promoção de comportamento pro social em
contexto educativo dentro e fora da sala de
aula; intervenção com foco académico ou comportamental em pequenos
grupos e diferenciação pedagógica.
Assim sendo, a escola inclusiva abandona os sistemas de categorização de
alunos, (incluindo a “categoria” necessidades educativas especiais) e o modelo
de legislação especial para alunos especiais e estabelece um continuum de
respostas para todos os alunos. Trata-se de um enfoque nas respostas
educativas que perspetiva a mobilização, de forma complementar e sempre
que necessário e adequado, de recursos ao nível da saúde, do emprego, da
formação profissional e da segurança social.
Este decreto-lei consagra também adaptações ao processo de avaliação, como
as contempladas no seu artigo 28º:
1 — As escolas devem assegurar a todos os alunos o direito à participação no
processo de avaliação.
2 — Constituem adaptações ao processo de avaliação:
a) A diversificação dos instrumentos de recolha de informação, tais como,
inquéritos, entrevistas, registos vídeo ou áudio;
b) Os enunciados em formatos acessíveis, nomeadamente braille, tabelas e
mapas em relevo, daisy, digital;
c) A interpretação em LGP;
d) A utilização de produtos de apoio;
e) O tempo suplementar para realização da prova;
f) A transcrição das respostas;
g) A leitura de enunciados;
h) A utilização de sala separada;
i) As pausas vigiadas;
j) O código de identificação de cores nos enunciados.
4 — No ensino básico, as adaptações ao processo de avaliação externa são da
competência da escola, devendo ser fundamentadas, constar do processo do
aluno e ser comunicadas ao Júri Nacional de Exames.
Consagra ainda os Centros de Apoio à
Aprendizagem (CAA), que constituem uma
estrutura de apoio da escola/agrupamento
(integrada no continuum de respostas
educativas da escola) agregadora de recursos
humanos, materiais, saberes e competências.
Tem dois eixos de intervenção:
Eixo 1 - Suporte aos docentes titulares de
grupo/turma;
Eixo 2 - Complementaridade, com caráter
subsidiário, ao trabalho desenvolvido em sala
de aula ou noutros contextos educativos.
Os CAA ajudam a:
- Promover a qualidade da participação dos
alunos nos vários contextos de aprendizagem;
- Apoiar os docentes da turma a que os
alunos pertencem;
- Desenvolver metodologias de intervenção interdisciplinares, que facilitem a
aprendizagem, a autonomia e a adaptação;
- Promover a criação de ambientes estruturados, ricos em comunicação e
interação, e fomentadores da aprendizagem;
- Apoiar a organização do processo de transição para a vida pós-escolar.
Pelo exposto, o princípio fundamental da escola inclusiva é que a escola deve
acomodar, todas as crianças, adaptando-se às necessidades de cada uma. É
uma ESCOLA PARA TODOS.
E agora…Vamos desistir à partida?
Bibliografia
Decreto Lei nº 54/2018
Manual de Apoio à Prática
Imagem – http://embaixada.org/site/palavra-de-fe/resistindo-as-mudancas/
Decreto-lei nº 54/2018 – O desafio da Mudança
Rosa Maria Alves, rosamariamouralves@gmail.com.
Educadora de infância
18. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
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O papel do educador de infância é essencial. As horas que
passa com a criança, num contexto de aprendizagem, de
interação com os pares e nas várias etapas do quotidiano,
permite-lhe ter um olhar único
As estatísticas não deixam margem para dúvidas, o número de
alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE) em Portugal,
designação abandonada pela recente legislação que entrou
recentementeemvigor,temvindoaaumentarnasescolas.
A par do exposto, que se torna motivo de preocupação, de análise e
de debate para a tomada de decisões assertivas e com a máxima
celeridade, a Rita Bonança e a Carla Almeida puseram-se “à
conversa”.
Em análise, o decreto-lei 54/2018, de 6 de julho (regime jurídico da
Escola Inclusiva) diz-nos que são necessárias mudanças na Educação
Especial e, por conseguinte, nas escolas e nos agentes educativos que
lidam com os alunos, abandonado a categorização existente sobre as
Necessidades Educativas Especiais, podendo todas as crianças e
jovens beneficiar de medidas, sendo as suas dificuldades
temporáriasoupermanentes.
Rita Bonança: É imprescindível que sejam concretizadas alterações ao
nível das escolas, nos agentes educativos e também na forma de
atendimento aos alunos, tendo em conta o planeamento estratégico
individual, sobretudo quando o aluno é diagnosticado, sob a
responsabilidade de uma equipa multidisciplinar e tendo em conta os
pareceres clínicos. A participação parental, neste processo, deve ser
revigorada, como uma parceria profícua, tal como preconiza este Decreto-
Lei, onde são descritos, de forma mais clara, os direitos e deveres da
família.
Mas,sobretudo,éimportante“ouvir”cadaaluno.Eissonãoépara ontem,é
para já!
Carla Almeida: Mas, como é que
issopodeacontecer?
Rita Bonança: Ora bem, sendo este o nosso propósito, isso pode ocorrer
de diversas formas e a partir de diversos caminhos, numa perspetiva
transversal eholística.
Na verdade, nesta altura de vida da criança, tal como costumo dizer, é que
os alicerces da casa estão a consolidar-se.Nesta fase de desenvolvimento, e
na educação de infância, são respeitados os ritmos de aprendizagem
individuais de cada um, o que não se verifica tanto em ciclos de ensino
posteriores. Tomámos como exemplo a seguinte constatação: nenhuma
criança aprende a andar e a falar com a mesma idade, então nenhuma
poderá lereescreverda mesma forma eaomesmotempo.
Por isso, e em grosso modo, podemos afirmar que a Educação Inclusiva
pode passar a adotar metodologias colocadas em prática no jardim-de-
infância. Aliás, a minha prática confirma-o: na Educação de Infância, há
sempre tempo para conversar e tomar decisões importantes, aprende-se a
pesquisar, a imaginar, a desenhar e a sermos melhores a cada dia que
passa.
Utilizam-se regras de cortesia e ajudamo-nos uns aos outros, num espírito
decooperaçãoepromoçãoda autonomia.
Aprende-se a ganhar e a perder. Nesta fase aprende-se muito mais
facilmente tudo! Há quem diga que as crianças são como esponjas,
absorvemlogooqueestá emseuredor.
Carla Almeida: Sim, pelo que conheço, o jardim-de-infância é um espaço
“multidisciplinareholístico”,pornatureza…
Rita Bonança: E também é cada vez mais frequente, nesta etapa, a adoção
de práticas de relaxamento, de ioga, de meditação e outras, que ajudam a
criança a concentrar-se e a saber estar nas diversas circunstâncias a que é
exposta.Eéclaroqueissoéuma mais-valia
Carla Almeida: E será que a comunidade escolar conhece as reais razões
dosbenefíciosdestaspráticas,comoa dorelaxamento?
Rita Bonança: Para quem não
conhece, passo a referir que este tipo
de práticas tem como objetivo
principal gerir as emoções,
procurando fomentar a capacidade de autoregulação e autocontrolo;
liberta estados de ansiedade, de frustração, promovendo estados de
relaxamento; permite dominar a respiração, controlando estados de
constrangimento e de agressividade; procura desenvolver a concentração,
sentido estético e a autoestima; os momentos de silêncio fomentam o
retorno à calma. No meu jardim-de-infância as crianças ainda dormem, o
Rita e Carla à conversa sobre o olhar da Educação Inclusiva
sobre Educação Pré-Escolar
Carla Almeida, Licenciada em Educação Especial. Mestrado em Psicologia Clínica da Saúde. Pós-graduações em Intervenção Precoce e Terapias Expressivas, do Centro PIN – Progresso Infantil - do Dr.º Lobo
Antunes
Rita Simas Bonança, Educadora de infância. Especializada em Ensino Especial no Domínio Cognitivo-motor. Doutoranda em educação, na Especialidade de Perturbações Especificas de Aprendizagem
19. Refletir EdInf, nº 04, nov/dez 2018
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E, muitas vezes, os “sinais” podem (…), até, ser transitórios
e facilmente ultrapassáveis. Mas, podem ser
representativos da necessidade de uma observação mais
aprofundada, uma avaliação específica do
desenvolvimento e, acima de tudo, uma intervenção
especializada.
que tem vindo a trazer benefícios incalculáveis. Elas costumam pegar na
sua almofada e um cobertor e aconchegam-se no sítio que lhes seja mais
confortável para descansar. Aliás, há estudos nacionais e internacionais
que o afirmam que as crianças até aos 5 anos deveriam dormir a sesta,
casoissonãoseverifiqueécomoselhestivessema retirarcomida.
Carla Almeida: Os próprios pais referem, frequentemente, a dificuldade
que têm em identificar estes sinais. Principalmente, quando têm um filho
único e nos desabafam “não sabemos que é suposto” ou “não temos ponto
decomparação”...
E mesmo quando existem preocupações expressas pelos pais, nas
consultas pediátricas, tantas vezes tão rápidas ou mais focadas noutros
pontos do crescimento infantil, podem não ter espaço ou tempo para
exploraressaspreocupações.
Rita Bonança: São tantas as vezes que ouço “ainda é tão pequenino”... Ora,
esse é outro aspeto não menos importante, e que tem a ver com a
sinalizaçãoatempada,oquenemsempreacontecenojardim-de-infância.É
óbvio que neste processo nunca devemos perder de vista os ritmos de
aprendizagem das crianças nesta
faixa etária.
Na verdade, no jardim-de-infância
podem ser identificados os
primeiros sinais de alerta, sendo
elementar sinalizar a criança e ser
efetuada uma avaliação por uma
equipa multidisciplinar. Porém, é de
destacar que cada caso é um caso e não existem receitas pré-concebidas,
sendo basilar perceber que cada criança é única, devendo ser tratada como
tal.
Carla Almeida: Ah, pois é! Tantas vezes que vem uma resposta desse tipo,
mas que não sossega os pais: “ainda é cedo”, “cada criança tem o seu
ritmo”,“vamosesperaratéaos3”,“vamosesperaratéaos4...”.
Rita Bonança: É importante reafirmar que os educadores de infância
devem estar atentos a alguns sinais de alerta. Há aspetos relevantes, que
deverão estar sempre presentes aquando a observação do educador, mas
estesnãotêmdeser“especialistas”,comoéóbvio...
Carla Almeida: É essencial que os educadores possam assumir um papel
de apoio e orientação aos pais, através de uma observação atenta e
fundamentada. Não se trata de concluírem sobre possíveis diagnósticos ou
fazerem interpretações. Trata-se, sim, de assinalarem o que lhes parece
desviante quando se trata de comportamentos atípicos, aprendizagens.
Mas essa sua orientação deve ser complementada por uma equipa diversa
ecomváriasáreasdeconhecimentoassociadoàs“necessidades”.
Rita Bonança: Nessa perspetiva, julgo também ser crucial haver um
investimento mais avultado para as questões da formação dos educadores
de infância e professores e serem facultados meios e serviços de apoio nas
escolas.
No que se refere à formação inicial dos docentes, é basilar que as
universidades atualizem os seus planoscurriculares, nas diversas áreas, no
sentido de habilitar os futuros educadores e professores para a vida real. A
maior parte dos docentes universitários já são da “velha guarda” e têm
pouca ou nenhuma experiência no
terreno.
Mesmo para os investigadores e
legisladores não basta ser-se
conhecedor dos “casos teóricos”. Há
que ter alguma prática e é isso que,
muitasvezes,falta!
E, muitas vezes, os “sinais” podem
não significar, só por si, um diagnóstico ou uma patologia. Podem, até, ser
transitórios e facilmente ultrapassáveis. Mas, podem ser representativos
da necessidade de uma observação mais aprofundada, uma avaliação
específica do desenvolvimento e, acima de tudo, uma intervenção
especializada. Sabemos mais do que nunca, a importância das primeiras
idadesnodesenvolvimentofuturo.
Carla Almeida: Sim, há de facto um conjunto de “sinais” que, pela sua
frequência e pelo conhecimento investigativo que deles temos, merecem
uma especial atenção. O isolamento frequente dos pares; os
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É importante fazer um enfoque e partilhar essas
observações com um conjunto de outros profissionais, com
outros “saberes”
comportamentos repetitivos (alinhamento frequente dos brinquedos;
fixação no mesmo brinquedo...); os movimentos repetitivos com o corpo
(exemplo: abanar as mãos – flapping); os atrasos na linguagem, sendo
importante observar se a criança tem ou não uma boa compreensão ou as
lacunas na comunicação não-verbal (as crianças devem ter competências
comunicativas, mesmo quando ainda não falam, ou o fazem de forma
poucopercetível)podemsignificar“algo”...
RitaBonança:Equemaispodemossabersobreestessinaisdealerta?
Carla Almeida: Mas há outros, como a linguagem atípica e repetitiva
(usando por exemplo “queres água” em vez de “quero água”), as
dificuldades na aprendizagem (se parece não adquirir ou memorizar os
conceitos que são esperados dentro da sua faixa etária) ou se evidencia
comportamentos agressivos frequentes e intensos, que, por vezes,
“passam”despercebidos.
Rita Bonança: Mas é comum, as crianças em idade pré-escolar fazerem
“birras”ouestaremdesinteressadas…
Carla Almeida: Mas se apresentam aparentes “birras”, que se distinguem
das normativas pela sua frequência e intensidade ou se parecem
desinteressadas do que as rodeia
(não reagem ao nome, não se
aproximam do grupo…) com muita
frequência ou se mostram
dificuldades ao nível da motricidade
(quer na motricidade global, quer na motricidade fina, nomeadamente nas
tarefas pré-académicas), é importante fazer um enfoque e partilhar essas
observações com um conjunto de outros profissionais, com outros
“saberes”…
Rita Bonança: E se mostra alterações ao nível sensorial (exemplo: tapa os
ouvidos perante determinados sons) ou leva continuamente os objetos à
boca (numa idade em que já não é espectável que essa repetição seja tão
comum)ouapresenta recusa emtocaremdeterminadastexturas...
Carla Almeida: Tal como já referi, nem todos os “sinais” têm de (ou
devem) ser considerados preocupantes e a necessitar de intervenção
específica.Mas éimportante que algumas observações que osprofissionais
de educação (e nãoapenasda educação de infância) fazem,sejam apoiadas
oucoadjuvadasporoutrosprofissionaisdeoutrasáreas.
RitaBonança:Masnemsemprehá meiospara isso…
Carla Almeida: A intervenção precoce assume um papel preponderante
na evolução da criança. E as equipas de Intervenção Precoce, são, por
natureza, multidisciplinares. Também nestas práticas podemos aprender
com a educação de infância e promover generalizações para outros ciclos
deensino.
Em caso de dúvida, parece ser mais responsável pecar por excesso do que
por defeito. Sem alarmismos excessivos, com serenidade, mas sem
esconder as preocupações, na legitimidade de quem sabe tanto sobre o
desenvolvimento infantil e, acima de tudo, sabe tanto sobre cada uma das
suascrianças.
Rita Bonança: Temos estado a falar sobre o desmistificar de alguns mitos
existentes em relação às práticas realizadas no jardim-de-infância e
identificar alguns sinais de alerta sobre as perturbações do
neurodesenvolvimento. Mas, será
que este nosso propósito chega para
que a Escola reconheça a
importância das práticas de
Educação de Infância nas dinâmicas
e nos modelos de acompanhamento que o Decreto-Lei 54 de 2018
preconiza?
Carla Almeida: Essa é a resposta que não existe ainda. Mas é fundamental
que, num breve prazo, todos os docentes reflitam sobre o que a Educação
Inclusiva significa. E é tempo de olhar para a Educação de Infância.Esse é o
desafio…
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Porque acreditamos que a Educação de Infância
representa na vida de cada criança, nas sociedades
industrializadas, a oportunidade para viver a infância,
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às suas características desenvolvimentais e onde o
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A Educação de Infância consubstancia-se como um
tempo e um espaço de descoberta de si e dos outros,
um tempo de exploração do mundo, de
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desenvolvimento da pessoa humana.
A Educação de Infância é um “lugar” para o exercício
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Temos por base um conjunto mais alargado de visões
e reflexões sobre a prática, o conceito e os princípios
gerais que unam todos os profissionais.
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Refletir EdInf
revista on-line sobre reflexões e práticas em
educação de infância
Nº 04
novembro - dezembro
2018
Coordenadora: Rosa Maria Alves
Equipa Redatorial: Henrique Santos, Ofélia
Libório, Rosa Maria Alves, Joana Vasconcelos,
Maria Jesus Sousa.
Colaboradores neste número: Nuno Pires
Gonçalves, Henrique Santos, Cristina Castro,
Ofélia Libório, Rosa Maria Alves, Rita Simas
Bonança e Carla Almeida.
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