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Miang-Fong
M I A N G - F O N G
M I A N G - F O N G
RECEBIDO POR INSPIRAÇÃO ESPIRITUAL
POR
CHARLOTTE VON TROELTSCH
E
SUSANNE SCHWARTZKOPF
Um relato
sobre a vida
do grande Portador da Verdade,
que libertou o Tibete das trevas.
M i a n g - F o n g
Relato sobre a vida do grande Portador da Verdade,
que libertou o Tibete das trevas.
Cumes de montanhas acidentadas, escarpadas, elevando-se altos contra o céu,
pairavam imóveis sobre um vale na região montanhosa, que se estendia indolentemente
entre as rochas. Neve eterna cobria os cumes, precipícios e fendas, transformando-se em
gelo verde-azulado, invulnerável à claridade ofuscante do sol.
Num dos lados do altiplano estavam deitados, recostados nas paredes rochosas,
dois vultos enormes, como se eles próprios fossem parte dessas rochas. Prazeirosamente
esticavam-se no calor do sol e olhavam ora para o céu azul escuro, ora deixavam
deslizar seus olhares sobre o movimento da alegre atividade ao seu redor e, sim, até por
cima deles.
Um rebanho de cabras montanhesas pastava em ambos os lados de um alegre
riacho borbulhante, pastoreado por um menino magro e alto que, sem cessar, tinha que
pular ora para cá, ora para o outro lado, para impedir que animais muito destemidos se
embrenhassem nas escarpas.
No seu zelo não deu atenção aos dois gigantes até que tropeçasse e caísse na mão
aberta de um deles, estendida no solo aquecido. Este o segurou e o sacudiu levemente.
“Não podes prestar atenção ao teu redor, anão?” exclamou ele com uma risada, que
provocou um eco ao redor, como se um trovão rimbombasse.
“Solta-me,” gritou o pequeno, defendendo-se com todas as forças. “Solta-me,
senão a Fu-Fu cairá lá adiante sobre as rochas.”
“E isso seria tão grave assim?” quis saber o gigante. Nisso, porém, ele afrouxou seu
punho de modo que o pequeno prisioneiro pudesse escapar.
Como um raio o menino chegou ao local perigoso ali adiante. Porém, o gigante foi
mais rápido. Erguendo-se um pouco, tinha estendido o comprido braço e segurado a
cabra. Agora estava suspensa sobre a cabeça de seu pequeno pastor, e novamente a
risada do gigante provocou eco na redondeza.
“Ponha imediatamente a Fu–Fu novamente no chão!” exigiu o menino, que se
voltou e veio correndo ofegantemente. Porém, o que ele poderia empreender contra o
gigante risonho?
Aí obteve ajuda inesperada. O segundo gigante despertou de sua sonolência e
imediatamente dirigiu-se categoricamente ao seu companheiro.
“Devolva a cabra ao menino, ele não merece que tu o atormentes, Uru.”
Imediatamente este colocou o animal no chão, que correu com altos saltos para
junto do seu pequeno dono.
“Fu-Fu, malvada,” repreendeu este, abraçando-a quase carinhosamente. “Que
imprudente és sempre!”
E ele apressou-se para, com a cabra resgatada, juntar-se ao rebanho que pastava
alegremente.
Aí lembrou-se de algo importante. Ele voltou-se, olhou para os dois gigantes que o
observavam e exclamou:
“Agradeço-te, ó grande!”
“A quem te referes, anão?” perguntou seu alegre atormentador.
“Ambos somos grandes.”
“Grande é aquele, que é justo,” foi a resposta inesperada.
O menino queria retirar-se, quando soou a voz poderosa de seu auxiliador:
“Tu me agradas. Venha para cá com os teus protegidos agitados e vamos conversar.
Uru só estava brincando. Ele não pode te fazer mal.”
Prontamente o menino assobiou, reunindo seus animais, bem observando que nas
proximidades dos dois homens gigantes a grama e as ervas cresciam abundantemente.
“O que chamas de justo?” perguntou o gigante, assim que o pequeno pastor estava
sentado comodamente sobre uma de suas pernas, espreitando ao seu redor.
“Justo é, quando a gente sabe bem no seu íntimo, o que deve fazer para viver em
equilíbrio com tudo.”
“Isto eu não entendo,” resmungou Uru, enquanto seu companheiro indagou:
“Quem te disse isso?” “Meu pai.”
“Então chame o teu pai, para que ele nos esclareça isso,” exigiu o gigante. “Isso eu
não posso. Ele não está mais aqui,” foi a resposta do menino. Foi acompanhada de um
suspiro.
“Com quem estás vivendo? A quem pertencem os animais?” quis saber o gigante.
“Agora eles pertencem a Wun, com quem eu também moro. Ele me bate, quando
alguma coisa acontece a uma das cabras.”
“Ele é o teu avô?”
“Eu não sei. Mas o sol quer partir, eu tenho que voltar para casa.” Levantou-se
rapidamente, assobiando chamou os seus animais e, numa trilha estreita, correu com
eles morro abaixo.
Uru levantou-se, seguindo-o com os olhos encosta abaixo.
“Lá embaixo há alguns montículos de toupeira, lá provavelmente seja a morada do
anão,” observou ele.
“É uma criança abençoada. Não o vês? Tu não deves fazer mal a ele,” advertiu seu
companheiro.
No outro dia, novamente o pastor e seu rebanho subiam céleres por sobre os
rochedos. A princípio, o menino queria dirigir seus passos em outra direção, porém
alguma voz dentro dele falou, que isso seria covardia. Também, nunca antes encontrou
os gigantes. Era bem possível que estes tenham ido embora.
Mas não! Lá estavam deitados e olhavam em sua direção. Repetidas vezes teve que
olhar para eles durante a sua escalada. Como essas figuras gigantescas combinavam
com o ambiente montanhoso! Dava a impressão que eles faziam parte dessas escarpas e
píncaros acidentados. Pareciam selvagens e sinistros, enquanto se contemplava somente
seus corpos enormes. Erguendo, porém, os olhos até suas cabeças, então todo o medo
desaparecia. O menino não compreendeu por que tinha sentido medo no dia anterior.
Hoje pareciam-lhe bons e alegres.
Dirigiu-se a eles com saudação sonora, e uma risada trovejante ecoou ao seu
encontro.
“Senta-te perto de nós, anão, “chamou Uru. “Dos teus animais eu vou cuidar bem.”
Mas somente depois que as cabras céleres começaram a pastar, acompanhadas de
muitas recomendações e carinhos do menino para que ficassem atentas, o pequeno
pastor atendeu ao convite. Um pouco receoso subiu na perna, estendida
hospitaleiramente, e olhou ao redor. O local elevado ofereceu-lhe uma visão mais
ampla, não só sobre as suas protegidas que pastavam espalhadas, mas também por entre
as montanhas.
O que ali viu, paralizou sua respiração. Seria possível que ali estivessem deitados
mais gigantes ainda? Por todo lado ele parecia encontrá-los.
Como se o gigante até então calado, que seu companheiro chamava de Muru,
tivesse compreendido os seus pensamentos, este perguntou:
“Por que te admiras, menino? Não sabias que nós somos em número maior que os
cumes das montanhas?”
“Quando é que vocês chegaram?” retrucou o menino. Uru riu alegremente, Muru,
porém, respondeu sério: “Nós nunca viemos. Nós sempre existimos, desde que as
montahas se encontram aqui.”
“Mas eu nunca vos tinha visto antes,” refletiu o pastor. “Como isso pode ser
possível?”
“A maior parte tu ainda não percebeste, anão,” exclamou Uru impetuosamente. “Os
teus olhos estavam cegos como os dos animaizinhos jovens. Eles se abrem somente aos
poucos”
“Então Wun, o velho lá embaixo, também ainda tem olhos cegos. Ele repreendeu-
me, quando o perguntei a respeito de vocês e disse que eu tinha inventado um conto.
Como se fosse possível inventar figuras desse tipo!” acrescentou o pequeno sorrindo.
“Tu não deves perguntar aos homens quando queres saber de nós.”
“Então eu pergunto a vós, ó grandes.”
“Isto está certo” elogiou Muru sério. “Também, terás resposta. Antes, porém, deves
relatar sobre ti. Como é que te chamam, e o que tu vivenciaste?”
“Wun me chama de Miang e, antes dele, o meu pai assim me chamava. Nós
moramos lá embaixo, desde que eu me lembre. Meu pai, a quem chamavam de o líder,
era maior e mais bonito que os outros. Um dia, ele saiu para espantar as grandes aves
que roubavam as nossas cabras. Então, os homens voltaram sem ele e disseram que a
montanha o tinha retido. Desde então, eu vivo com Wun, que mudou-se para a
choupana de meu pai, que é maior e mais bonita que a dele. Quando eu não obedeço, ele
me bate.”
“Então não gostas de estar com ele?” quis saber Muru.
“Não. Nada mais é bonito desde que meu pai desapareceu.”
“E tua mãe?”
“Eu não sei de nenhuma. Talvez eu não tive nenhuma,” pensativamente o disse o
menino. “Isso é tudo que posso lhes contar,” concluiu. “Agora devem me contar de
vocês.” Muru, porém, começou seu relato com uma pergunta:” Quem confeccionou a
tua sacola, na qual trazes o teu alimento para cá?”
“Eu próprio,” foi a resposta alegre do menino.
“E quem confeccionou a tua roupa?” E Muru apontou para a peça composta de
peles, que cobria as costas e coxas.
“Nisso Wun me ajudou, antigamente meu pai o fazia.”
“E quem te criou?”
“A mim?” espantou-se Miang. “Eu estou aqui, desde que posso me lembrar.”
“Isso não é muito tempo, anão,” arquejou Uru, enquanto Muru indagou: “E onde
estavas anteriormente?”
Essa pergunta foi além da compreensão de Miang. Feliz que tinha chegado a hora
de levar o rebanho até a fonte, ele se esquivou. Porém, enquanto deixava os animais
beberem e os reunia depois para a volta ao local de pastagem, ele raciocinou. Aquilo,
que finalmente decifrou, comunicou-o a Muru:
“Eu devo ter vindo, como as pequenas cabras, de uma velha.”
“Bem pensado,” elogiou o gigante. “E a mulher veio de uma outra, e assim
retrocede até a primeira. Esta, porém, foi criada.” Muru disse-o com ênfase.
“Isso deve ter feito um Grande,” refletiu Miang, que havia se encostado na perna
do gigante, para poder olhar-lhe no rosto. Com agrado o gigante olhou para o pequeno.
Um brilho havia nas feições inquisidoras.
“Sim, menino, aquele que criou a primeira mulher é o Maior em todo o mundo.
Tudo, o que podes ver, Ele o fez. Também a nós. Muito antes de haverem seres
humanos Ele nos chamou e nos designou guardas das montanhas. Nós somos como uma
parte desse mundo de pedras.”
Ele calou-se. Tinha dificuldade de expressar tudo isso em palavras. No menino,
porém, foi despertada uma grande curiosidade, ele queria saber mais.
“O que aconteceria, se vocês vos afastassem para bem longe desta montanha?”
“Então ela iria despedaçar-se e desmoronar aos poucos.”
“Vocês sempre estão deitados aqui? Isso não é enfadonho?”
Uru começou a rir.
“Anão, pensas por acaso que nós servimos com preguiça ao Altíssimo? Não,
quando vocês anões dormem, nós trabalhamos.”
“Nós melhoramos e construímos e alteramos por ordem superior,” recomeçou
Muru. “Nunca escutaste estrondos nas montanhas, quando as pedras rolam para baixo?”
Miang acenou com a cabeça. Como tudo isso era maravilhoso. Ele caiu em profunda
reflexão, e também os gigantes não disseram mais nada.
Quando o sol começou a declinar, o menino animou-se. Seu dever o chamava.
“Voltarei amanhã, ó gigantes” prometeu. Então deixou-os rapidamente com seu
bando travesso. E voltou todos os dias. Aos poucos formaram-se dentro dele
pensamentos e conceitos firmes. Os gigantes pouco podiam ajudá-lo nisso, porém, de
vez em quando, Muru direcionava com uma palavra o pensamento para um novo
caminho.
Existia um Altíssimo. Este criou tudo, tudo o que vivia, mas também todo o mais.
Isto estava tão firme na alma do menino, como se sempre o soubesse. Se, no entanto,
esse Altíssimo tinha criado tudo, então também tudo a Ele pertencia. Esta foi a segunda
verdade, que luminosamente surgiu em Miang. Se tudo é Dele, eu também sou Sua
propriedade. E agora lhe veio o derradeiro, que tinha que reconhecer a seguir: sendo eu
Sua propriedade, então tenho que servi-Lo com todas as minhas forças.
“Escuta, Muru,” falou ele certo dia.
“Eu preciso procurar o Altíssimo, para saber como devo serví-Lo. Eu prefiro cuidar
de Suas cabras do que das de Wun, que as tirou de meu pai. Mas onde estão as cabras
Dele, e onde está Ele?”
“Isto não podemos dizer-te, Miang. Tu deves ir mundo afora para encontrar a
resposta.”
Isto era uma novidade que primeiramente tinha que ser examinada a fundo. Mas o
pensamento tinha algo atrativo: ir para longe da limitação destas montanhas, para ver o
que havia além! Encontrar o Altíssimo e entrar no serviço Dele!
Cada dia aumentava seu ardente desejo íntimo, até que Miang apresentou-se numa
manhã aos seus amigos com a decisão firme: “Hoje, quando eu retornar com as cabras,
então quero deixar tudo e ir até o Altíssimo. Eu tenho dito isso a Wun. Ele concordou,
só que – – se eu for, nunca mais poderei voltar. Mas isto eu também não quero.”
“Não será difícil para ti separar-te de tuas cabras?” perguntou Muru
insistentemente, mas surpreendeu-se quando o menino respondeu muito sério: “Isto não
importa quando se quer procurar o Altíssimo e encontrá-Lo.”
Mais tarde, quando ele, como já se acostumara, procurou seu lugar no joelho de
Uru, pediu: “Vocês podem me aconselhar qual o caminho a seguir, para alcançar o meu
alvo o mais rápido possível?”
“Nós podemos te ajudar até a próxima parada do teu caminho, Miang. Mais não
podemos fazer, mas isso deverá realizar-se.”
“Venha hoje à noite novamente para cá, então Uru te alcançará por sobre os vales
até o cume branco lá no outro lado. Com isso te é poupada penosa escalada e um muito
difícil caminho.”
Encontrarás lá, onde serás colocado sobre os pés, uma morada. Nela mora um sábio
muito velho, o qual está destinado para ser teu professor. Entretanto, depende
unicamente de ti, se ele irá aceitar-te. No caso das dificuldades nas montanhas podemos
te ajudar desta vez. Todas as demais tu mesmo tens que vencê-las.”
“Eu poderei fazer isso?” perguntou o menino receoso. A profunda seriedade de seu
amigo gigante abafou um pouco o radioso espírito empreendedor.
“Tu poderás fazê-lo, se nunca perderes de vista o teu alvo, de encontrar o
Altíssimo. Então terás ajuda nas tuas caminhadas.” De noite, Miang estava perante seus
amigos. Estava vestido como sempre. Nada além da sacola de merenda mais recheada
indicava preparativos para a grande caminhada.
“Não tens uma vestimenta melhor, anão?” perguntou Uru amigavelmente.
“Morrerás de frio, pois lá em cima é gelado.”
“Não, não tenho nada melhor,” disse o menino com leve aflição. “Eu pedi a Wun
para me dar uma pele de meu pai, mas ele escarneceu de mim.”
“Por um instante os gigantes se entreolharam, depois Muru acenou
afirmativamente.
“Deita-te aqui por um curto espaço de tempo,” ordenou ele, “até chegar a hora de
levar-te embora. Durma, Miang, durma.”
Ao pronunciar essas palavras colocou carinhosamente a sua enorme mão sobre o
menino, que aconchegou-se confiantemente e logo adormeceu.
Em seguida, Uru soltou uma enorme massa de pedras e enviou-a com deslizamento
bem calculado até o vale. Com segurança ela alcançou os” montículos de toupeira”, os
quais até então foram a pátria de Miang. Muru, porém, tinha chamado. Um ente
minúsculo, nem da metade do tamanho do menino, encontrou-se à sua frente para
receber sua ordem.
Ele saiu, e não demorou muito, já tinha voltado. Cuidadosamente guiava ele a mais
bela das cabras, Fu-Fu, a travessa. Nas costas trazia uma trouxa com peles. Agora Muru
retirou a mão do rosto do menino e chamou-o.
“Miang, chegou a hora da tua peregrinação. Mas não deverás partir totalmente sem
bagagem. Leva a cabra e as peles como lembrança de teus amigos gigantes, mas
também como prova de como o Altíssimo cuida de todos que entram no serviço Dele.”
Miang, porém, que com grande alegria tinha cumprimentado Fu-Fu, da qual a
despedida lhe tinha parecido muito difícil, deixou a cabra e voltou-se subitamente para o
locutor.
“Muru, é verdade que o Altíssimo torna viável o meu caminho até Ele? Quer Ele
me aceitar como Seu servo, a mim, Miang, que nada de concreto sei Dele?”
E quando Muru acenou seriamente, brotou do menino impressionado:
“Ó Altíssimo, a quem eu sinto e pressinto, deixa-me encontrar o caminho até Ti,
para que eu Te sirva com todo o meu ser e Te agradeça pela Tua bondade não
merecida.”
A despedida foi curta. Uru segurou o menino, ergueu-se e esticou o enorme braço
para longe. Onde as pontas de seus dedos tocaram os rochedos, Miang foi amparado
pela mão de outro gigante.
Depois disso, encontrou-se entre gelo e neve num deserto de montanhas. Os picos
estranhos de rocha olhavam ameaçadoramente para ele, era muito frio.
Tremendo arrepiou-se e quase esqueceu de dirigir o seu agradecimento para o alto.
Aí já estava também Fu-Fu ao seu lado, igualmente tremendo de frio. Miang olhou para
o céu. O amanhecer não ia tardar.
“Espera só, Fu-Fu, até que apareça a roda de fogo, então aqueceremos e poderemos
reconhecer o nosso caminho,” consolou ele a sua companheira e, com isso, também a si
próprio. Encostados bem um no outro esperaram ambos o sol.
E ele veio. Dessa forma Miang ainda não o havia visto, em sua majestade e beleza.
Tudo parecia cor-de-rosa, dourado, até os picos de montanha ameaçadores perderam
todo o seu horror. Por longo tempo permaneceu o menino contemplando, e muitos
pensamentos acordaram no seu íntimo.
Nesse ínterim, Fu-Fu havia procurado por ervas escassas e matado sua fome. De
maneira provocadora colocou-se ao lado de seu pequeno senhor, para que este faça o
mesmo e beba. Então, porém, foi que Miang escutou nitidamente uma voz, dizendo:
“Está na hora de iniciares o caminho. Vá ao encontro da Luz, Miang.” Ao voltar-se
não percebeu ninguém que pudesse ter falado com ele. Mas as palavras ele as tinha
escutado claramente, isso era suficiente. Dirigiu seus passos sobre neve, gelo e
pedregulho em direção ao sol. Ele encontrou um raio de sol, que se estendeu dourado
trêmulo sobre o deserto como uma fita estreita, e ele resolveu seguí-lo enquanto o
poderia avistar. Tinha que estar cuidadosamente atento aos seus passos. Não estava
acostumado a caminhar nessa altitude. Várias vezes Fu-Fu, que o rodeava celeremente,
o empurrava para longe de algum profundo precipício, no qual seguramente teria caído.
Mais de uma vez escorregou, mas
levantou-se rapidamente. Não deu importância à dor, todos os seus pensamentos
caminhavam em direção ao alvo: encontrar o Altíssimo.
Perto do local, no qual ele agora – encostado à cabra – descansou, encontrava-se
um homem de joelhos. Seu cabelo era de um branco prateado, sua figura curvada.
Segurava as mãos trêmulas apertadas contra o rosto e em voz alta fluíam as palavras de
sua prece:
“Ó Tu, Todo Poderoso! Deixa-me ainda vivenciar poder servir-Te conforme Tu o
prometeste. Teu servo ficou velho, e fraco o seu invólucro terreno. Os dias passam, sem
que o menino abençoado apareça. Não permita que me chamem desta Terra, antes que
eu tenha Te servido verdadeiramente!”
Levantou a cabeça espreitando: Passos aproximaram-se sobre o pedregulho.
“Ó Altissimo, é esta a resposta ao meu pedido?”
Levantou-se o mais rápido que podia e saíu para fora. Os raios do sol brilhavam
claramente, quase claros demais para os seus velhos olhos, acostumados à escuridão.
No meio desse esplendor caminhava um menino, acompanhado por uma cabra. O
sinal prometido! “Ele virá para ti no brilhar do sol, seu alimento, porém, ele trará
consigo, para que não sofram necessidades. Uma cabra célere será, de agora em diante,
a tua companheira.”
Sem percebê-lo, por quase não se destacar de sua morada encaixada nas rochas,
caminhava o menino confiantemente, olhando cuidadosamente para o chão. Levantou
uma vez o olhar para o céu, e todo o brilho do sol espalhava-se sobre o seu rosto.
De repente, a cabra parou e impediu seu companheiro de seguir viagem. Agora,
enfim, ele olhou ao seu redor e percebeu o velho.
Ele irrompeu numa exclamação de alegria. O eremita, entretanto, dominou- se. Ele
não podia dar expressão à sua alegria.
“Quem és tu, forasteiro, que vens a essa solidão a estorvar o sossego de minha
velhice?”
“Sou um menino, chamam-me de Miang. Venho de longe para que tu me fales do
Altíssimo, mestre. Eu quero servir-te, até que eu encontre o Todo Poderoso e possa ser
Seu servo. Peço aceitar a Fu-Fu e a mim com bondade e ensina-me, pois eu sou muito
ignorante.”
Agora estava bem diante do velho e inclinou suplicante sua cabeça. Por um breve
instante a mão direita do ancião pousou sobre a cabeça do menino. Como este era jovem
e pequeno!
“Então entra, Miang. Apertado e escuro está aqui, moro na pobreza, mas posso te
falar do Altíssimo.”
“Fu-Fu também pode se esquentar aqui dentro? Estamos com frio.”
Estremecendo disse-o o menino, quando entrou na moradia que parecia uma
caverna, da qual emanava calor.
“Ela pode entrar,” concedeu o ancião.
Pouco depois, o mestre e seu hóspede estavam sentados sobre uma cama feita de
peles empilhadas, aos seus pés estava deitada a cabra. O ancião buscou um pão duro e
um cântaro de água quase vazio. Ofereceu ao menino e preparava-se para comer.
Rapidamente Miang abriu sua sacola e colocou um pedaço de carne seca e um pão
mais macio diante do hospedeiro.
“Deixa-me comer o pão duro e pega este, mestre,” pediu ele, enquanto já ia se
servindo. “Tens ainda um outro vasilhame, para que possa dar-te leite de Fu-Fu? Ela
quer te agradecer pelo calor.”
Enquanto ainda perguntava, percebeu uma pequena vasilha, rapidamente a buscou
e encheu-a com o leite morno cheiroso. Avidamente bebia o ancião. Parecia que, com a
bebida não costumeira, uma nova vida corria pelos seus membros.
“Altíssimo, eu Te agradeço!” exclamou radiante. “E também a ti agradeço, menino.
Eu estava tão fraco antes que tu vieste. Este leite me reanimou extraordinariamente.”
“Não irá faltar-te, enquanto Fu-Fu viver,” garantiu Miang, acariciando a cabra.
A seguir, ele teve que relatar e grande foi o espanto do ancião, quando ouviu de
que maneira o menino tinha chegado até ele.
“Podes realmente enxergar os gigantes e conversar com eles?” perguntou.
Miang afirmou entusiasticamente e acrescentou: “Eles me falaram de ti. De que
outra forma poderia ter-te achado?”
“E o que queres fazer, quando tiver-te ensinado tudo o que eu mesmo sei?” O
ancião precisava ter a confirmação daquilo que para ele já tinha se tornado certeza.
“Quando tu tiveres me dito tudo o que necessito saber para encontrar o meu
caminho para o Altíssimo, então eu irei para junto Dele e servirei a Ele, mestre.”
“Então fique comigo.”
Não foi uma concessão alegre sem restrições. O eremita tinha vivido na solidão por
um tempo longo demais, ele não desejava mudar seus hábitos. Contudo, a chegada do
menino não era a realização de suas preces ardentes? Toda vez que se lembrava disso
nos meses seguintes, retomava seus ensinamentos calorosamente, os quais vez por outra
deixava cessar completamente.
Miang não se importava muito com isso. Quando seu mestre estava comunicativo,
absorvia o saber com alegre dedicação para, nos tempo taciturnos, repensá-lo e
retrabalhá-lo no seu íntimo. Perguntas que surgiam eventualmente, ele mesmo deveria
tentar resolvê-las ou deixá-las de lado, para mais tarde. O ancião não gostava de ser
importunado com isso. Ele dava da maneira como brotava dele.
Quando era interrompido em seus pensamentos, ele podia ficar aborrecido e o
silêncio tornava-se pesado. O melhor, nesse caso, era ficar longe dele.
Nesses períodos Miang empreendia caminhadas através das montanhas, à procura
de alimentos. O pão, trazido por pastores que vinham procurar ajuda, era muito escasso,
de modo que nem sempre era suficiente para as poucas necessidades do ancião. Então
Miang imitava sua Fu-Fu: alimentava-se de ervas. De vez em quando ele encontrava
algum pastor, que procurava animais perdidos. A este podia auxiliar e recebia alguns
alimentos como agradecimento. O alimento era pouco mas, apesar disso, o pequeno se
desenvolvia, pois estava tão absorvido nos novos reconhecimentos, que não percebia
nenhuma escassez.
Assim passou longo espaço de tempo. Os dois eremitas perceberam isso pelo fato
de que Miang tinha que se curvar quando queria entrar na morada. Certo dia, o ancião
disse: “Nada mais posso ensinar-te, menino. Está na hora de procurar outros mestres.
Antes, porém, de deixar-me quero te dizer por que eu te aceitei. Eu sabia pouco sobre o
Altíssimo, quando uma séria fatalidade me empurrou para esta solidão. Mas de coração
eu O agradecia pelo abrigo e pedi a Ele que me mostrasse, como poderia serví-Lo. Aí
escutei uma voz: “Escuta o teu íntimo e aguarde!”
Isso eu fazia por longo, longo tempo. Cada vez mais claro tornava-se em mim o
reconhecimento do Todo Poderoso e de Seu atuar. No início, eu pensava que todo o
saber estava depositado em mim, que eu só precisaria cavar. Então percebi que, à minha
busca, sempre respondia uma voz auxiliadora. A ela devo tudo o que sei e também foi
ela que falou de ti. Quando em mim surgiu a certeza de que na inatividade não está o
verdadeiro servir ao Altíssimo, ela me anunciou a tua chegada. Que tu eras destinado
para ser o servo ativo do Todo Poderoso. Se eu te ensinasse e te mostrasse o caminho,
então o meu dever estaria cumprido. Eu reconhecer-te-ia pelo fato de teres uma cabra
como tua companheira. Também um outro sinal foi me indicado – este seria do tipo
espiritual. Tu vieste, com o sinal na testa, a cabra ao teu lado, e permaneceste comigo.
Esta noite, porém, a voz comunicou-me que chegou o dia de continuares a tua
caminhada. Então, ponha-te a caminho, Miang.”
Em momento nenhum ocorreu ao ouvinte de perguntar, para onde agora deveria
dirigir os seus passos. Seu Senhor Todo Poderoso, que o conduziu até aqui, continuaria
a ajudá-lo.
“Passe bem, mestre,” disse ele diligentemente. “Deixa-me agradecer-te por tudo o
que tens feito por mim. Ah, se pudesse demonstrar-te o meu agradecimento ainda
melhor do que somente com palavras!
“Deixe-me ficar com a cabra. Seu leite me faria falta.”
O ancião o disse rapidamente, sem se dar conta de que com isso tirava de Miang o
seu único amigo. Com a mesma rapidez o menino efetuou a separação. Ele acariciou
Fu-Fu, que, menos célere que antigamente, lhe ficou ainda mais querida na convivência
próxima. Em seguida, partiu.
Penosa foi sua caminhada por sobre pedregulho e escarpas. Certo é que,
entrementes, tinha se acostumado a essa escalada em região inóspita, mas eram sempre
somente trajetos curtos e com a certeza de que poderia voltar e chegar em casa. Agora
peregrinava ao encontro de um destino por ele desconhecido.
Mas por nenhum instante perdeu a alegre confiança de que o Todo Poderoso, que
até agora o tinha ajudado, continuaria a dirigir seus passos.
Certa vez, teve que descansar. Respirando fundo, olhava ao redor. Percebeu aí um
gigante, rente a uma rocha íngreme. Quantas vezes tinha passado por aqui e nunca o
tinha visto. Sem receio foi ao encontro do gigante que estava meio reclinado e
cumprimentou-o. Sua contemplação não fez surgir medo, somente alegre confiança.
“Então,” foi a resposta do gigante, “finalmente os teus olhos se abriram? Inúmeras
vezes passaste por cima de mim e eu poderia ter te segurado.”
“Então tu sempre estavas aqui como Uru e Muru, e eu não pude te enxergar!”
exclamou Miang entusiasmado.
O gigante o interrompeu:” O que sabes de meus irmãos lá do outro lado? “
“Ah, esses eu conheço bem. Eles foram muito amáveis comigo. Eles me ajudaram
mostrando o caminho que eu devia percorrer. Tu também irás me ajudar, se o Todo
Poderoso assim o quiser?” acrescentou confiantemente.
“Aí não há dúvida. O que o Todo Poderoso quer, isso acontece! Poderá ser bem
provável que eu deva auxiliar-te, ainda não o sei. Eu espero por um menino com uma
cabra.”
Aí Miang reconheceu cheio de felicidade a atuação de seu Senhor.
“Esse sou eu!” exclamou em voz alta.
“O menino eu vejo. Onde está a cabra?”
“Ela ficou com o mestre.”
“Isso eu não compreendo. Conte-me!”
E Miang contou ao ouvinte atento o que a sua curta vida lhe proporcionou até
agora.
“Então tu queres servir ao Altíssimo?” perguntou o gigante seriamente, e quando
Miang confirmava animadamente, ele continuou:
“Eu tenho a incumbência de ajudar-te na tua próxima caminhada. Por hoje, porém,
está muito tarde. Fique comigo. Quando o disco de fogo, que agora se despede de nós,
novamente nos cumprimentar, eu irei te acordar.”
Confiantemente o menino recostou-se nos enormes membros, sob cuja proteção
mal percebeu o vento sensivelmente frio da noite.
“Queres me dizer o que tu sabes do Todo Poderoso?” pediu ele, recebeu, porém, a
resposta inesperada: “Para isso não tenho autorização.”
Quando o gigante notou a decepção de seu companheiro, continuou: “Lembra-te:
quem te contou de nosso Senhor Todo Poderoso: Uru ou Muru?”
“Muru,” exclamou Miang, sem pensar.
“Este era o seu dever. Uru somente devia facilitar a caminhada. Eu, porém, sou
como Uru. Os dons mais elevados me são negados. Creia-me, no reino de nosso Senhor,
tudo está ordenado da maneira mais perfeita. Cada um se encontra exatamente no lugar
que pode preencher. Para mais além ele não deve aspirar. Ele iria negligenciar os seus
deveres.”
Perplexo, o menino refletiu sobre essas palavras, até que adormeceu e se encontrou
sonhando, como lhe parecia.
“Como eu poderei servir-Te?” ouviu-se perguntar. E ouviu imediatamente a
resposta da voz clara, que já conhecia:
“Isto tu saberás quando a tua preparação estiver concluída, não antes. Agora te é
permitido continuar aprendendo. Amanhã serás conduzido a um outro mestre. Aproveita
o tempo com ele, que somente será curto.”
Na total consciência dessa ordem Miang acordou. Houve uma despedida rápida.
Então seu novo amigo o levantou muito cuidadosamente por sobre os picos de rochas e
desfiladeiros e colocou-o sobre um cume de montanha mais baixa. Aqui não havia
pedregulho. Em toda parte brotava o verde. Mas antes que tivesse tempo suficiente para
olhar ao redor, sentiu-se novamente apanhado por uma mão, que se estendia para ele de
uma distância envolta por neblina. Desta vez seguiu em direção à origem da mão, e logo
Miang encontrou-se no meio da neblina, novamente bem no alto das escarpas. Parecia
que somente devia dar um rápido olhar para a beleza das áreas verdes.
Agora estava novamente diante de um gigante, cujos dedos ainda o seguravam
enquanto falava com ele. Parecia ser maior e mais rústico que os outros três. Nem
perguntou de onde veio e para onde iria, mas ordenou rudemente:” Para lá, é lá que
espera o teu mestre!”
O menino agradeceu e, quando os dedos enormes o soltaram lentamente,
prosseguiu na direção indicada. Sentia frio, apesar de ter confeccionado um traje dos
pelegos de seu pai, que cobria o seu corpo inteiro. No entanto, não precisou ir muito
longe e viu-se defronte de um desfiladeiro, que decaía verticalmente do lugar onde se
encontrava. Na borda desse desfiladeiro estava um homem de média idade que deixava
rolar pedras lá para baixo. Isso ocasionou o ruído inexplicável, que enchia o ar ao redor.
Agora parou e virou a cabeça.
“Tu, vem e me ajuda!” ordenou ele ao menino surpreso.
“Esta pedra é muito pesada.”
Miang aproximou-se de bom grado, e apesar de suas forças serem poucas e não
exercitadas, conseguiu empurrar o bloco de rocha para a profundeza, para a satisfação
do laborioso. Qual seria a finalidade disso? Miang gostaria ter perguntado, mas um
olhar para o rosto pouco amável de seu companheiro fê-lo calar. Trabalharam juntos,
sem falar, até que o sol se encontrasse alto no céu e as forças do menino ameaçavam
faltar.
Aparentemente com desprezo o homem olhou para ele.
“Está na hora que entres a meu serviço. Deves tornar-te um homem e não um
fracote.”
Com isso acenou para que Miang o seguisse. Eles se distanciaram do desfiladeiro e
entraram numa fenda estreita na rocha. Após poucos passos esta se alargava e lá
encontrou uma tenda feita de peles que, com o lado posterior, encostava na rocha. O
interior da tenda estava aquecido.
“O que tu me trazes?” queria saber o homem, ao entrar.
“Somente a mim mesmo,” retrucou Miang timidamente. Foi realmente pouco o que
ele trazia. Suspirou aliviadamente quando o homem lhe disse: “Então deves ganhar tu
mesmo o teu sustento. Eu não dou nada de graça.”
Ao proferir essas palavras, ditas em tom áspero, dirigiu-se ao fundo da tenda, de
onde voltou com alguns pães chatos e uma bebida de leite coalhado. Ordenou que
Miang sentasse num dos dois montes de peles. Então ofereceu-lhe pão e o jarro.
Vorazmente bebeu o menino extenuado, que desde o dia anterior não tinha se
alimentado e sentia falta do leite de Fu-Fu. Quando tinha colocado o jarro vazio no
chão, tentou comer do pão. Nesse momento sobreveio-lhe o cansaço, ele caíu sobre as
peles e adormeceu.
Sorrindo, o homem aparentemente tão duro olhou para o adormecido e,
involuntariamente, os seus pensamentos tornaram-se uma prece:
“Todo Poderoso, eu Te agradeço por me julgares digno de preparar um de Teus
servos. Abençoado é este menino. Não permitas que eu venha a esquecer minha missão
de forjar dele um homem. Não me deixes amolecer!”
Primeiramente deixou o seu hóspede dormir e retornou sozinho ao seu trabalho,
cujo ruído interrompia o silêncio, sem incomodar Miang.
Passado longo espaço de tempo, acordou Miang, fortificado e reanimado. Olhou ao
seu redor. Ali estavam os pães. Também o jarro estava cheio novamente. Como o
homen era amável! Era para ele um sinal de que tinha sido aceito no seu destino
provisório. Comeu e bebeu cheio de gratidão, depois lembrou-se da instrução da voz:
“Aproveita o teu tempo, que será de curta duração.” Por isso, não deveria demorar-se
observando a tenda exótica, deveria voltar rapidamente ao trabalho, que o aproximaria
de seu novo mestre.
Encontrou-o justamente no momento em que tentava movimentar uma pesada
pedra até a borda do desfiladeiro. Rapidamente juntou-se ao trabalho e com estrondo o
pedaço de rocha caiu para o fundo. Involuntariamente Miang debruçou-se, para olhar
para baixo, no entanto, sentiu-se agarrado bruscamente e puxado para trás.
“Curiosidade aqui traz a morte!” exclamou o mestre com voz áspera. E já tinha
soltado uma nova pedra.
Sem proferir palavra nenhuma, Miang pôs as mãos à obra e eles trabalharam, até
que a escuridão os circundou. Só então retornaram para a tenda.
O menino gostou do calor que o acolheu, porém, ainda não era hora para deliciar-se
com ele. O homem, munido com diversos utensílios, saiu novamente da tenda e chamou
Miang para junto dele. Caminharam poucos passos. Sob um ressalto de uma rocha havia
pedras empilhadas, sobre as quais o homem acendeu um fogo.
“Preste bem atenção,” ordenou a Miang. “Amanhã este é o teu serviço”
E o menino admirou-se, como com enorme rapidez pedras eram batidas umas
contra as outras, até que centelhas caissem sobre os gravetos. Quando o fogo estava em
alegres chamas, foi colocada em cima uma armação com quatro pés e, sobre a mesma,
um vasilhame delgado trabalhado em pedra. Continha leite, mas também outros
ingredientes, pois agradáveis odores se espalharam quando a mistura esquentou.
Espontaneamente, o menino tinha cuidado do fogo, agora o homem lhe disse para
deixá-lo apagar-se. Nisso, levantou cuidadosamente o vasilhame e levou-o para a tenda.
Estava fumegando: Miang nunca tinha visto uma coisa tão deliciosa.
“Venha,” foi o breve convite, com que o homem trouxe um pequeno vasilhame, no
qual despejou logo a metade do mingau. Depois, porém, ergueu-se, levantou as mãos e
disse:
“Todo Poderoso, nós Te agradecemos pelo alimento.”
Foram somente poucas palavras e, mesmo assim, pareciam provocar algo
grandioso. Tinham transformado o homem deselegante e pouco amável. Em Miang
brotou uma grande confiança.
“Eu te agradeço, mestre,” disse ele comovido, quando este lhe alcançou o pão e o
mingau.
“Não tens nada a agradecer-me. Esta refeição tu a ganhaste com o teu trabalho. Não
me chama de mestre, eu não o sou.”
“Como é que digo então?”
“Eu me chamo Fong,” foi a breve resposta.
Calados comiam ambos a sua refeição. A seguir, Miang foi mandado para lavar os
poucos utensílios num regato de água cristalina, gelada, que corria perto da tenda por
sobre as rochas.
“Durma,” disse depois.
Com saudade lembrou-se o menino da prece conjunta à noite, que para ele tornou-
se um costume. Parecia que devia rezar sozinho. Será que alguma vez ouviria de Fong
algo sobre o Todo Poderoso?
Então seguiram dias com muito trabalho. Miang aprendeu a conhecer a obrigação
do trabalho regular, e não era de seu agrado. No seu íntimo revoltou-se mais de uma vez
contra isso. Se ao menos soubesse, por que ambos, sob esforço máximo, deixavam rolar
as pedras para o abismo! Julgava que então lhe seria menos penoso.
Os dias passavam sem alegria. Fong falava somente o absolutamente necessário.
Nenhuma palavra de estímulo se fez ouvir. Nenhum gigante estava por perto.
Houve dias, nos quais o menino quase desanimou com o pensamento de que
pudesse estar no caminho errado. Ele realmente estava, mas de modo diferente do que
pensava. Enquanto ele pensava estar abandonado por tudo que o pudesse levar até o
Altíssimo, estava a ponto de abandonar o seu Senhor, porque não compreendia o
caminho Dele.
Tristemente pairavam os olhos de Fong sobre ele, quando gemia em sono inquieto.
Teria ajudado de bom grado, mas Miang deveria ele mesmo passar pela dura vivência.
Não se podia dar a ele ao menos uma indicação? Fong pediu fervorosamente por esta
alma que lhe foi confiada. Então veio resposta, o que devia fazer.
De manhã, quando o menino aprontava-se para ir ao trabalho, Fong virou-se e disse
asperamente: “Sem alegria fazes o teu trabalho. Desista, até que mudes de opinião.”
Miang olhou perplexo para Fong.
“Devo prosseguir a caminhada? Não me queres mais ao teu lado?”
“Tu ficas aqui, até o Altíssimo nos mandar novas ordens,” foi a resposta, que
pouca coragem deu ao menino para continuar a conversa. Não obstante, aprumou-se e
perguntou: “O que devo fazer, se não ajudar a ti com as pedras?”
“Nada.”
Isso era conclusivo. Com barulho de trovão foram lançados no penhasco diversas
pedras em seqüência rápida. Qualquer possibilidade de entender uma palavra estava
cortada.
Por alguns momentos Miang parou indeciso. Não podia entender que estava livre
para poder fazer o que bem entendesse. Em seguida olhou ao redor. Nunca tivera tempo
para fazê-lo. Inóspitas, as rochas miravam de alturas vertiginosas para baixo, fincadas
até as profundezas na neve e gelo. O esplendor do sol pairava luminoso sobre as
mesmas, mas seus raios mostravam ainda mais nitidamente quão acidentadas e rasgadas
elas eram.
Vagarosamente dirigiu-se Miang até um ressalto da rocha, que logo adiante
impedia a visão. Não havia um ser vivo em parte alguma. Se ao menos Fu-Fu estivesse
junto dele! Com esforço infinito alcançou o alvo que havia fixado, ele escalou as
encostas desse ressalto de rocha e obteve, então, uma visão ampla desimpedida.
Montanhas elevaram-se atrás de montanhas, entre elas havia profundos precipícios.
Também ao lado do ressalto, onde se encontrava, abria-se rente um precipício profundo.
O menino teve que desviar-se e fechar os olhos, teve vertigens. Sentou-se e apertou as
mãos contra o rosto. “Todo Poderoso,” gemeu ele e, novamente, “Todo Poderoso.”
Quando pronunciou a palavra sagrada pela segunda vez, emocionou-se. Como o
Altíssimo, que tudo isso criou, devia ser sublime, muito além do nosso entendimento!
Onde poderia morar, onde podia ser encontrado? Pois Miang queria procurá-Lo. Estava
ele no caminho certo até Ele? Não havia perda de tempo inútil com o trabalho pesado
em silêncio?
Sempre de novo os pensamentos voltavam-se para essas duas questões. Não estava
acostumado a encontrar respostas sem qualquer ajuda, mas as perguntas não o largavam,
pois precisavam ser solucionadas.
Ele repensou sua vida até agora: nitidamente palpável foi a condução do seu mais
alto Senhor durante os últimos anos. De modo maravilhoso tinha avançado, também
para aqui.
Também para aqui! A respiração do ser humano, que estava lutando por clareza,
parou, um fino véu caiu! A vontade do Altíssimo também o mandou para cá, isto ele
acreditava firmemente. Como podia desanimar-se a tal ponto?
Com isso também estava solucionada, como lhe parecia, a segunda pergunta. Se
estava aqui por vontade do Altíssimo, então o tempo não poderia ser inútil.
Respirou aliviado. Olhou ao seu redor e percebeu que o sol estava declinando.
Devia apressar-se na volta, se não queria perder a hora de seu compromisso de preparar
a refeição noturna. Mas a descida era bem mais dificultosa que a subida. Estava quase
completamente escuro quando chegou ao local do fogão, onde o fogo já havia se
apagado.
Entrou rapidamente na tenda, onde Fong parecia estar dormindo sobre o seu monte
de peles. Por longo tempo parou, indeciso, depois procurou o seu leito e caiu logo no
sono, apesar de sua fome de roer. Dormiu um sono profundo. Quando, na manhã
seguinte, abriu os olhos, a tenda estava iluminada pelos raios do sol. Ao seu lado, no
chão, estava a sua refeição. Estava sozinho. Pela primeira vez Fong não o havia
chamado. Apressadamente engoliu o pão e o mingau. Quando a primeira fome forte
estava saciada, parecia-lhe ouvir repentinamente a voz de Fong, que naquela vez tinha
dito, que deveria ganhar seu sustento trabalhando. Ontem não tinha feito nada. Hoje
perdeu a hora!
De fora chegou até ele o barulho de enorme trabalho, pedra por pedra rolava para a
profundeza. Miang não se reteve mais. Rapidamente juntou-se ao trabalhador e queria
ajudar. Fong interrompeu seu trabalho somente para dizer: “O trabalho te parece sem
utilidade e sentido. Tu estás livre!”
Novamente estava despedido. Porém, se ontem, após o primeiro espanto, havia
sentido um leve sentimento de alívio, hoje sentia somente tristeza. Fong havia sentido
os seus pensamentos! Fong rejeitava-o. Tinha sido um ajudante descontente e devia ter
sido um agradecido. Envergonhado caminhou riacho acima. Queria ficar nas
proximidades para poder chegar a tempo em casa, mas Fong não deveria poder vê-lo.
O murmurar da água, que alegremente saltitava para o vale, mal sobrepôs-se ao
barulho enorme das pedras. Miang jogou-se sobre o pedregulho e suplicou ao Altissimo
por ajuda, força e iluminação. Dessa forma nunca havia invocado o seu desconhecido
Senhor. Nunca tinha estado tão profundamente convicto, de que seu pedido seria ouvido
e atendido.
Nesse instante caiu novamente uma venda. Depois de ter rezado: “Eu sou o Teu
servo, Altíssimo, mesmo se ainda não conheço o meu serviço, nem sei tampouco, como
e com que posso servir-Te,” veio-lhe a certeza de que também Fong era um servo do
Altíssimo. A mando de seu Senhor ele executava o seu trabalho dia após dia. Contudo,
Miang também foi trazido até ele a Seu mando. Portanto, ele deveria ter considerado
imediatamente essa inútil movimentação de pedras como servir. Em vez disso, tinha
reclamado em seu íntimo. Não era de se admirar que Fong não mais o considerasse
digno de ajudar.
O menino caiu em ardente pranto. Não chorava facilmente, apesar de ser tão jovem
e sensível, mas estas lágrimas provinham de amarga vergonha e arrependimento e
trouxeram consigo sua benção. Quando esgotaram-se, havia surgido algo novo na alma
de Miang, a firme vontade de reparar seu erro. Daqui por diante queria assumir o
trabalho, por mais pesado, sem reclamar, sem questionar.
Perpassou-lhe: Não residia uma parte de sua culpa no constante questionamento
pelo porquê do trabalho? Por acaso, as suas cabras alguma vez perguntaram, por que os
chamava das mais suculentas ervas, para empenhar-se em outro caminho? O que o seu
Senhor deveria pensar de seu futuro servo, que a cada ordem queria antes saber o
motivo? Oh, como estava envergonhado!
Novamente corriam as lágrimas mal acalmadas e lavaram de sua alma o último
vestígio de presunção.
“Quem sou eu, Senhor, que me atrevo cismar a respeito de Tuas ordens?”
Em voz alta o tinha exclamado e não se admirou, quando recebeu resposta:
“És um pequeno homem insensato!” falou uma vozinha clara.
Ele se virou. Sobre uma pedra redonda na água estava sentada uma pequena figura
feminina. Fluentes como a água era seu vestido e seus cabelos. Parecia, às vezes, como
que se dissolvesse na correnteza. Miang olhou admirado para a graciosa criatura. Nunca
em sua vida havia visto algo tão bonito.
“Quem és tu?” perguntou receoso.
“Eu sou a vida dessa água, cada córrego, cada rio tem a sua. Eu pertenço a esta
água, e ela me pertence.”
O menino refletiu sobre a resposta
“Então tu também és uma serva do Altíssimo?” queria saber.
A ente confirmou e riu: “Eu sou o que tu queres ser.”
“Tu percebeste tudo o que eu disse e o que pensei?” indagou Miang.
“Isso não foi difícil saber,” sorriu a ente. “Esperamos todos os dias para que os teus
olhos se abrissem. Tu, porém, precisavas primeiro conhecer-te a ti mesmo, antes que
pudesses ver-nos. Olha ao teu redor!”
E o braço branco como a neve indicou ao redor. Aí Miang viu gigantes deitados, os
quais levantaram as cabeças e acenaram para ele. Mas ele viu ainda mais: em toda parte
movimentavam-se pequenos vultos céleres, trabalhando com afinco.
Júbilo preencheu o há pouco ainda desanimado. Ele não mais estava sozinho.
Sentiu-se incorporado ao grande número dos servos. Levantou-se rapidamente.
“Fique ainda,” pediu a ente.
“Querida ente, eu tenho que ir trabalhar,” afirmou Miang cordialmente.
“Qual é o teu trabalho?”
“Até agora tive que ajudar a soltar pedras e despachá-las para a profundeza,”
Miang quase não se permitia mais tempo para responder a pergunta.
“Que estranho,” disse lentamente a ente encantadora.
“Os gigantes não poderiam fazer isso bem melhor?”
O questionado não pensou nem um instante.
“Bem possível, mas o Altíssimo nos encarregou desse trabalho, então deve ser
necessário que nós o façamos.”
“Então vá ao teu trabalho,” sorriu a graciosa. “E quando te for permitido um
descanso, visite-me e conte-me sobre isso.”
“Vida, eu te agradeço,” exclamou o menino ao distanciar-se aos saltos. Ao seu lado
andavam com passos pequenos duas figurinhas cinzentas como pedra. Confiantemente
olharam para ele, que se sentia grosseiro e enorme ao lado deles.
“Acordaste finalmente, tu meio servo?” perguntou um deles, que portava uma
comprida barba encanecida. “Sabes tu agora algo do que significa servir?”
“Eu ainda sei muito pouco, mas eu o aprenderei.” retrucou Miang confiantemente.
Ele tinha alcançado Fong, que parecia desempenhar tranqüilamente o seu pesado
trabalho. Sem perguntar, Miang começou a trabalhar resolutamente. Ele sabia que não
mais seria mandado embora.
Os dois trabalharam silenciosamente, até o pôr do sol. Se Miang tinha esperado por
alguma palavra de Fong, então estava muito enganado. Seu mestre tinha ficado ainda
mais calado e isso, também, não mudou nos próximos dias. Miang, por sua vez, não
teve coragem para dirigir-se ao calado. Também, o que poderia ter dito? Daquilo que se
passava no seu íntimo, o homem parecia não querer saber nada. De outro assunto o
menino não sabia falar. Mas isso não o afetava mais.
Desde que parou de resmungar sobre a finalidade do trabalho que lhe parecia tão
inútil, concentrou toda a sua atenção sobre o mesmo. Ele viu, cheio de admiração, como
as grandes e pequenas pedras estavam encaixadas no solo. Observou as formas e
descobriu, então, que geralmente possuíam cores completamente diferentes. Algumas
eram brilhantes e reluzentes quando o sol incidia sobre elas, outras brilhavam do seu
interior em vermelho profundo ou azul saturado.
Como isso era belo! Com entusiasmo renovado ele cavou, empurrou, puxou e
arremessou. Somente lamentava que toda essa beleza devia implacavelmente cair no
abismo.
De um dia para outro ele começou a sentir satisfação no trabalho, principalmente
quando pôde observar como as forças de seu corpo aumentavam. Leve ficou para ele o
que antes lhe parecia tão difícil. Um dia, na alegria sobre essa descoberta, afastou
rapidamente as mão de Fong para o lado, quando este quis apanhar um grande e pesado
bloco. Sozinho o tirou do solo, rolou-o até o abismo e deixou-o cair com estrondo.
Aí Fong afastou-se do penhasco. Assustado, Miang virou-se e olhou para ele.
Estava o homem aborrecido pela sua autosuficiência?
Um olhar para as feições de Fong acalmaram-no, e mais, encheram-no de surpresa.
Havia um brilho de grande alegria nelas.
“Nós podemos parar de trabalhar, Miang,” ouviu a voz do homem. Também esta
estava totalmente transformada, muito mais suave do que antes. “O começo daquilo que
tu deverias aprender, está terminado. Vamos agradecer ao Altíssimo.”
Juntos caminharam até o ressalto de rocha, no qual Miang, há pouco tempo, tinha
passado o seu primeiro dia solitário. A subida, hoje, não lhe parecia mais difícil. Com o
coração aliviado caminhava atrás de seu companheiro, olhando alegremente ao redor.
Também a paisagem parecia mudada. Certamente os píncaros rochosos estendiam-
se até o céu, profundos desfiladeiros encontravam-se entre eles, mas a luz do sol
dourado iluminava tudo isso e, para onde dirigia seu olhar, encontrava a mais animada
vida. Como a um velho conhecido os gigantes acenavam para o menino feliz.
Alegremente cercavam-no as pequenas figuras dos homemzinhos cinzentos.
Chegando no topo, Fong levantou os braços para o céu e pronunciou uma curta e
fervorosa prece de gratidão, por ter o Todo Poderoso feito com que esta primeira parte
da formação tivesse tanto êxito.
Depois os dois sentaram no mesmo lugar, onde o menino tinha enfrentado sua
primeira e solitária luta consigo mesmo. E veja: Fong, o silencioso, começou a falar:
“Eu me alegro por ti, Miang. Nestas semanas tens aprendido muito, mais do que tu
mesmo ainda podes pressentir. Em força e habilidade tornaste-te um homem. Fazer isso
de ti era uma parte da minha missão recebida do Altíssimo. Certamente deves servir
futuramente ao nosso elevado Senhor com o espírito, porém, para a vida que deverás
levar, necessitas de um corpo bem treinado. Primeiramente este deveria ser
desenvolvido, antes que eu preenchesse o teu espírito facilmente impressionável com o
saber do Todo Poderoso.”
Os olhos de Miang arregalaram-se admirados.
“Então tu queres me falar do Altíssimo? Tu queres me ensinar?” Júbilo estava
contido em sua voz. Sobre as feições de Fong passou um sorriso, que o embelezou
maravilhosamente.
“Creia-me, Miang, eu ansiava pelo dia de poder fazer isso. Mas primeiro tu devias
ser preparado para isso. Tu tinhas que aprender, a partir de teu íntimo, a cumprir as
ordens do nosso Senhor sem questionar e sem reclamar. Ele não pode aproveitar servos
hesitantes. Depois tinhas que descobrir que o trabalho é uma benção. Deves alegrar-te
com ele!”
“Isto eu aprendi,” assegurou Miang convencido, “e nunca mais o esquecerei!”
“Achas que terias aprendido isso tão bem, se eu apenas o tivesse dito?” indagou
Fong.
O interrogado pensou um pouco, depois disse francamente:
“Acredito que não. Somente quando tive que sentir vergonha de minha inatividade
e indignidade, senti a bênção que se encontra escondida no trabalho.”
Ainda conversaram muito, os dois, aos quais a vontade do Senhor finalmente tinha
soltado as línguas. Somente agora Fong pediu que o aluno narrasse a sua vida até agora.
Miang o fez com palavras eloqüentes. O longo silêncio tinha reprimido muitas coisas,
fez amadurecer algumas, que agora procuravam expressar-se.
De tempos em tempos Fong levantava a mão. Então o narrador parava, e juntos
admiravam a maravilhosa condução, que tão seguramente guiou os passos de degrau a
degrau.
“Agora também entendo, por que o ancião teve que pedir-me a Fu-Fu,” exclamou
Miang repentinamente todo entusiasmado.
“Certamente, não poderia ser diferente,” afirmou Fong. “Tu tiveste que ser
desligado de tudo o que te atava ao passado, que ainda poderia tornar-te sensível. E
então chegaste até o companheiro rude,” continuou sorrindo. “Foi muito difícil?”
“Eu vi teu rosto na oração de graças, isto me ajudou.”
Miang o disse singelamente; o outro o compreendeu e não continuou a perguntar.
Esse dia eles concluíram em oração conjunta, tinham que agradecer por tal
grandiosidade.
Na manhã seguinte estavam, como de costume, no penhasco. Também hoje pouco
falaram. Pesado demais era o trabalho, mas trocaram um ou outro olhar satisfeito,
alguma exclamação alegre.
Quando o sol estava em seu ápice e seus raios perpendiculares tornaram o enorme
trabalho mais pesado, Fong afastou-se.
“Vamos comer algo e depois procurar a sombra, onde a encontrarmos.”
Foi um dia maravilhoso, ao qual seguiram outros parecidos. Após o trabalho
fatigante começavam os ensinamentos, que ainda acompanhavam Miang durante o sono
onde se tornavam vivências. Quando certa vez falavam que não existia um “por quê” no
servir ao Altíssimo, Miang acenou com a cabeça, convencido.
“Agora eu sei que, com as minhas perguntas primeiramente curiosas e que se
tornaram resmungos, eu teria estragado o meu futuro, se tu não me tivesses afastado do
caminho errado.”
“Quem te disse isso?” queria saber Fong.
“A voz, que às vezes me fala. Recentemente, de noite, ela me falou como eu era
tolo no início, e como estava em perigo de me tornar mau.”
“E tu ainda queres saber por que nós movimentamos as pedras?”
Miang enrubreceu. Gostaria muito dizer não e sentiu perfeitamente que essa
palavra não teria correspondido à verdade. As perguntas pelo motivo ele somente as
tinha deixado de lado.
“Agora posso dizer-te,” animava-o Fong, que deixava vagar seu olhar para longe.
“Está errado se te pedir para que não o faças?” foi a resposta totalmente inesperada do
aluno. “Eu sinto alguma coisa dentro de mim que me diz, que não mereço essa
explicação. Primeiro devo aprender direito a matar também o último “por quê” dentro
de mim.”
Cheio de alegria, Fong abraçou o jovem.
“Tu estás no melhor caminho, Miang. Minha pergunta deveria ser um teste. Foste
aprovado. Com isso, porém, chegou o momento em que deves deixar-me. Nada mais
posso te ensinar. Deves viver entre os homens e observar sua conduta. Deves colher
experiências para o teu futuro servir.”
Penetrantemente olhou para o companheiro. Viria a manifestar a pergunta: “Em
que consiste esse futuro servir?” Não, nada se expressou nas feições claras, sinceras,
somente o susto pela separação próxima. E, apesar dessa emoção tão natural, dominou-
se. Miang preparou-se para imediatamente iniciar sua caminhada.
Fong teve que sorrir um pouco.
“Não tem tanta pressa assim, meu amigo. Receberemos instrução sobre o que deves
empreender, para onde deves dirigir-te. Isso pode acontecer ainda hoje, ou somente nos
próximos dias. Deixe-nos aproveitar ainda cada hora que estaremos juntos.”
Inicialmente, Miang ainda estava um pouco atordoado por causa da comunicação
repentina, de modo que Fong achou melhor empreender uma caminhada com ele. Nisso,
chegaram até a pedra, sobre a qual havia se mostrado a alegre ninfa da água. Curioso,
Miang olhou para lá e ficou contente, quando a bela figura acenou cumprimentando.
“Eu não tive tempo para vir antes,” exclamou o humano. “Eu sei,” recebeu como
resposta. “Estiveste muito ativo, tão trabalhador, que agora nada mais há a fazer para ti.
Ande pelo mundo afora e, se os homens não te agradarem mais, procure por minhas
irmãs nas águas claras. Leva-lhes lembranças de Hima.” Desapareceu a figura após a
última palavra, mal Miang ainda pôde externar seu agradecimento. Então olhou para
Fong. O que este diria? Um olhar para as feições do mesmo confirmaram a Miang que
seu companheiro tudo havia visto e compreendido.
“Também podes ver os gigantes?” perguntou Miang, feliz. “Certamente, já há
muito são meus bons amigos. No início foi-lhes permitido ajudar-me no trabalho com as
pedras, ao qual também tive que me acostumar primeiro.”
Após longo silêncio pronunciou Miang uma pergunta, a qual já muito tempo o
ocupava: “Sempre soubeste do Altíssimo?”
“Sim,” foi a resposta. “Eu sabia Dele, porém, somente O encontrei aqui nesta
solidão. Meu pai havia me falado Dele, também deixava-me participar da sua oração
diária. Mas creia-me, o que nos é dado sem esforço, àquilo não damos atenção.”
Isso Miang entendeu por experiência própria. Devia, entretanto, refletir mais sobre
essas palavras. Ainda encontrava-se na procura pelo seu Senhor, quando ser-lhe-ia
permitido servir, servir realmente, não somente em ajudar a outrem? E em que iria
consistir o seu servir? O que quer que fosse, estava convicto de que o faria com alegria.
Até esse ponto haviam chegado os seus pensamentos, quando ouviu vozes. Fong
tinha parado, escutando. Seres humanos nesta solidão era algo totalmente incomum.
Mas não lhe pareciam totalmente inesperados, somente curiosidade, não surpresa
desenhava-se no rosto do homem, enquanto Miang sentiu um forte impulso de
esconder-se em algum lugar. As mãos de Fong o seguraram. Juntos olharam para o que
estava chegando.
Dois homens aproximavam-se, trazendo as suas robustas montarias nas rédeas
devido à trilha estreita. Tinham aspecto bem diferente das pessoas que Miang havia
visto antigamente e as quais, como ele, tinham seus corpos cobertos com peles. Estes
dois usavam vestimentas coloridas, o que parecia ao jovem surpreso algo imensamente
suntuoso, causando-lhe, entretanto, um certo desconforto.
Quando avistaram os dois que aguardavam, conduziram seus animais para detrás
de alguns grandes rochedos, acalmando-os com algumas palavras. Então vieram ao
encontro de Fong.
“És tu Fong, príncipe da tribo amarela?” perguntaram em dúvida, porém, com
respeito.
“Eu me chamo Fong,” retrucou o interpelado com dignidade. “O príncipe deixei de
lado, juntamente com as vestimentas.”
“Então, a despeito disso, és aquele que procuramos. A tua tribo necessita do
príncipe. Lá não existe mais ninguém que nos pudesse guiar. Venha conosco. Mais lá
embaixo aguardam as montarias, servos e vestimentas.”
Involuntariamente Fong abanou a cabeça. Com receio inexplicável Miang olhou
para ele. O que ele faria? Era ele realmente um príncipe? Como ele iria decidir-se? Aí
soou a voz de Fong, calma e firme.
“Não por capricho eu vim para esta solidão, mas para procurar o Altíssimo, para
que também o meu povo aprenda a encontrá-Lo. Se chegou o momento de meu retorno,
então quero acompanhá-los.”
Cortando as alegres exclamações dos homens, prosseguiu: “Fiquem aqui essa noite,
então quero procurar perscrutar a vontade do Altíssimo e lhes darei uma resposta
amanhã.”
Ele não havia dito: “Fiquem comigo.” Com espanto viu Miang, como os homens se
curvaram, caminharam calados até seus animais e retornaram pelo caminho pelo qual
chegaram. Somente quando estavam fora do alcance da vista, Fong falou com profundo
suspiro: “Então também nós teremos que voltar para casa, Miang. A hora da decisão
chegou para mim, mas também para ti. Antes de dormir, deixe-nos pedir ao Altíssimo
para que abra meus olhos e ouvidos para perscrutar Suas ordens.”
Foi uma oração maravilhosa, que Fong enviou ao alto para o seu Senhor. Longo
tempo Miang ainda teve que refletir sobre a mesma. Esta oração e toda a silenciosa
atuação de seu companheiro ensinaram-no a compreender melhor o sentido do servir do
que tudo o que até então vivenciara.
Quando acordou na manhã seguinte, diante dele estava Fong, vestido com
vestimentas suntuosas. Ele parecia tão majestoso, que involuntariamente Miang curvou-
se diante dele, como o tinha visto os homens fazerem.
“Levanta-te, Miang, chegou a hora em que eu, a mando do meu Altíssimo Senhor,
devo retornar para junto de meu povo. Se quiseres, isso não precisa ser uma separação
para nós. Me é permitido levar-te, se tu assim o desejares.”
Miang não conseguiu proferir palavra alguma. Suplicando estendeu as mãos.
“Eu separei uma vestimenta para ti, ela será suficiente até que possamos
providenciar uma melhor. Por ora, a época das peles terminou.”
Com agrado olhou para o jovem que, sem pensar muito, vestiu as peças estranhas
para ele e estava diante dele numa beleza inconsciente, singular.
Uma curta oração, uma rápida refeição, depois Fong pediu ao seu companheiro que
deixasse a tenda.
“Vamos ir ao encontro dos homens. Nossos passos para a vida lá embaixo devem
ocorrer voluntariamente.”
Fong instruiu o jovem para colocar em ordem os seus poucos pertences e as peles.
Não levaram nada consigo, mas tudo deveria estar aprovisionado da melhor forma
possível.
Depois caminharam para a vastidão dourada pelos raios do sol e rapidamente
encontraram a trilha que levava para baixo.
À beira de um riacho, que do alto emaranhado de montanhas precipitava-se por
entre as planícies verde-aveludadas, caminhava um belo jovem. Pensativo, mantinha a
cabeça abaixada, não dando atenção aos passarinhos e a outras pequenas figuras que
aqui e acolá dele se aproximavam confiantes.
Parecia não chegar a uma conclusão sobre aquilo que ocupava sua alma.
Suspirando, sentou-se num bloco de granito e não percebeu que a água respingava
justamente nesse local, cobrindo-o de vez em quando com uma golfada de gotas
aperoladas. Agora, porém, algumas alcançaram o seu rosto. Indiferente, as secou e
olhou ao seu redor.
“Então fui novamente para perto da água,” murmurou baixinho. “Parece que algo
me chama. Será que as irmãs de Hima têm uma mensagem para mim? Então vou
chamá-las logo.”
Levantou-se e lançou sua voz por cima do estrondo.
“Vós, irmãs, ouçam-me. Saudações tenho para vós de Hima, a formosa.”
Debruçou-se escutando. Parecia ter ouvido um riso límpido, mas o estrondo das águas o
tragou. Em lugar nenhum conseguiu avistar uma figura. Chamou novamente as mesmas
palavras, outra vez sem êxito.
“Por que elas não vem? Elas me escutam, isso eu sinto. Eu preciso delas.”
Tinha dito isso contrariado, então pensou: “Se eu necessito delas, devo chamar de
maneira diferente. Elas têm razão em não atender a tão tolo chamado. Eu não pedi que
viessem.”
Sorrindo, fez novamente soar sua voz: “Ó, irmãs de Hima, aqui está um homem
solitário que deseja dialogar com vocês. Peço-lhes que apareçam!”
Novo riso mais forte, simultaneamente o jovem sentiu-se envolvido como que por
leves véus. Diante dele, no chuviscar da água, estava uma figura que lhe parecia bem
conhecida.
“Hima!” exclamou alegremente.
“Não Hima,” soou ao seu encontro. “Eu me chamo Hila. Tu chamaste pelas irmãs.
Não sabes tu que em cada água só vive e reina uma de nós? Se quiseres ver mais, tens
que caminhar adiante.”
Foi dito de modo extrovertido. O ser humano ali não conseguia responder nesse
tom brincalhão. “Hila, eu estou solitário,” disse suplicante.
“Isto eu já ouvi uma vez,” riu a ente. “Agora que estou contigo, essa solidão
terminou. Ela também não precisaria existir, se nos teus pensamentos sismadores não te
tivesses absorvido tão inutilmente. Olha ao teu redor: tudo vive e está disposto a ajudar-
te.”
Assim como Hima o tinha feito antes, Hila indicou com o braço estendido ao redor
e os olhos de Miang pareciam abrir-se. Em toda parte viu os pequenos e pequeníssimos
entes, o vale do riacho parecia estar repleto de atividade. Suspirando aliviado, sentou-se
novamente na pedra grande, enquanto a ninfa escolheu um lugar envolto de água para
descansar.
“Tu estás recaindo em erros antigos, Miang,” animou ela o ser humano, que
procurava por palavras. Com isso, porém, ela não conseguia desencadear o fluxo de
suas palavras, ao contrário: ele teve que refletir tão intensamente sobre o sentido de suas
palavras, que esqueceu tudo ao seu redor.
“Erros antigos?” murmurou ele. “Erros antigos?”
Um som surdo, que parecia soar demoradamente de longe, o fez sobressaltar-se.
“O príncipe chama, adeus Hila, eu voltarei.”
“Procura o teu erro,” ecoou da água, mas Miang já tinha se afastado a passos
largos.
Quando, seguindo o som, chegou ao local onde um homem, com toda sua força, fez
soar os sons graves através de um enorme chifre de animal, encontrou-se em meio a
intenso movimento. De todos os lados homens aproximavam-se, cada um tinha deixado
os seus afazeres para ouvir o que o príncipe desejava. Após algum tempo todos
pareciam estar presentes, pois o chifre silenciou, em seu lugar ouvia-se a voz de grande
alcance de um homem, que subiu numa plataforma de pedras empilhadas.
“O príncipe Fong comunica a vós, ó homens, que é necessário combater os animais
predadores que parecem ter-se multiplicado enormemente, causando grande prejuízo
aos nossos rebanhos.”
Um murmúrio surdo perpassava as fileiras dos ouvintes.” Apesar de os nossos
pastores terem recebido a ajuda de uma escolta,” continuou o palestrante, “não lhes é
possível defender-se das pilhagens noturnas. Mas o que ainda é pior, nos chegam
notícias de assaltos aos assentamentos em direção ao nascer do sol, contra os quais as
mulheres e crianças são impotentes.” O murmúrio intensificou-se, exclamações
indignadas fizeram-se ouvir, algumas mãos se ergueram.
“Deve ser prestado auxílio imediato e uma expedição guerreira deve ser
empreendida contra os bandidos”
Subitamente levantaram-se as cabeças dos homens, seus membros se aprumaram:
uma expedição guerreira, isto era uma notícia bem-vinda!
“O príncipe Fong manda convocar-vos, ó homens. Não deveis acompanhá-lo
obrigados, isso deve acontecer voluntariamente. Também não devem participar desse
grupo os anciãos e nem os jovens, pois será um empreendimento sério que exige
valentia. Devem ficar também aqueles cujo cargo assim o exige. Voltem para casa e
decidam quem quer atender ao chamado. Voltem aqui hoje antes do anoitecer.”
O anunciante deixou a plataforma e foi imediatamente circundado pela multidão
excitada. Cada um parecia ter perguntas: “Em que direção seguiria o grupo, se o
príncipe os acompanharia, quem deveria ser considerado jovem e muitas coisas mais.
Inicialmente o homem deu respostas pacientemente, quando a afluência das pessoas
aumentou, ele se desvencilhou.
“Miang, onde está Miang,” gritou ele por sobre as vozes agitadas. “O príncipe
Fong chama-te. Eu te acompanho.” Rapidamente Miang dirigiu-se para perto dele.
Juntos abriram caminho por entre a multidão que se debandava em vários grupos.
“Achas, Hang, que o príncipe irá levar-me junto”? perguntou excitado. O outro o
olhou, detendo os passos por um momento, e levantou a mão, indeciso.
“Isto ninguém pode prever,” foi sua resposta.
“Se tu fosses um de nossos jovens eu não teria dúvida, mas contigo ele tem algo
especial em mente. No entanto, receberás tua resposta imediatamente,” acrescentou
Hang sorrindo, “lá adiante vejo o príncipe nos aguardando.”
Em frente a uma grande bonita tenda estava Fong, a cujo aspecto totalmente
modificado Miang teve que se acostumar sempre de novo. Não eram somente as suas
pomposas vestimentas que tornaram a sua figura extremamente imponente, também não
somente a expressão de seu semblante, mas pairava uma altivez sobre o seu antigo
companheiro, que parecia excluir qualquer intimidade. Miang sentiu-se incapaz de
aproximar-se de Fong da maneira habitual. Extintos pareciam os últimos dias de
deliciosa amizade na selvagem região montanhosa. Também agora o jovem aproximou-
se com profunda reverência ao que o aguardava e esperou que ele lhe dirigisse a
palavra, mesmo que tudo dentro dele o impelia a falar e perguntar. Se tivesse levantado
o olhar, deveria ter notado o olhar paternal de Fong sobre ele.
“Miang, mandei chamar-te,” iniciou ele, “porque tenho assuntos importantes para
tratar contigo. Como foste informado, eu devo partir amanhã com os meus súditos
contra os animais ferozes.”
Interrompendo-se involuntariamente, notou como o semblante de Miang cobriu-se
com palidez mortal. “O que tens?” exclamou assustado.
“Meu pai também partiu e nunca mais voltou,” respondeu Miang impetuosamente.
“Isso não é motivo de supor que eu também não retorne,” sorriu Fong
amavelmente. “Então ao menos deixe-me acompanhar-te,” irrompeu do jovem.”Mas já
percebo que queres dizer não. Falaste dos teus súditos. Eu sou o estranho que toleras
com bondade, mas do qual tu não necessitas!”
Fong tentou em vão interromper os palavras que brotavam. Somente quando o
exaltado parou para respirar, foi-lhe possível dizer com voz firme, amigável: “Estás
num caminho errado, Miang, que levar-te-á ao emaranhado de velhos erros. Eu havia te
escolhido para guiar o povo na minha ausência. Porém, quem não é capaz de controlar-
se a si mesmo, não pode guiar outros.”
Suspirando em silêncio, afastou-se e deixou Miang sozinho, uma presa dos mais
conflitantes sentimentos. Decepção, vergonha, arrependimento clamavam no peito de
Miang. Teve vontade de fugir para a solidão, sentiu-se, porém, preso a este local, do
qual tinha que observar como Lung, um homem mais idoso, prudente, foi chamado pelo
príncipe e provavelmente incumbido com a representação. Depois viu os preparativos
para a caça e a dor de talvez perder Fong sobrepôs-se a todas as outras vozes.
E com esse medo na alma arrastou-se até a sua tenda e jogou-se sobre o seu leito de
peles. Hora após hora passou, ele não o percebeu. Quando olhou ao redor, o breve
crepúsculo já havia chegado e a lua quase cheia enviou a sua luz prateada por sobre a
paisagem.
Agora a reunião certamente já havia começado. Miang assustou-se, entretanto,
consolou-se com o fato de que o príncipe havia recusado a sua participação no grupo.
Assim também era supérfluo nos preparativos. Mas a partida dele, queria e precisava
ver!
Saiu de sua tenda e esgueirou-se até a tenda de seu antigo companheiro. Esperou
por longo tempo, depois, ruídos confusos, vozes, o fungar dos cavalos indicaram o
encerramento da reunião. Agora o príncipe deveria aparecer.
Miang queria tentar obter alguma tarefa para o período da ausência. Se pedisse
humildemente, certamente Fong não recusaria. Mas o que foi isso? O ruído vindo do
local de reunião afastava-se mais e mais. Não havia dúvida, o grupo tinha se formado e
estava partindo a galope!
Aniquilado, Miang ficou parado ao lado da tenda, estremecendo de agitação
interior. Fong havia partido, talvez para nunca mais voltar! Fong novamente o havia
rejeitado! O que havia dito para zangar o nobre? Quando, desesperado, se fez essa
pergunta, ouviu dentro de si o eco de suas próprias palavras tolas e a resposta severa,
repreensiva, do príncipe entremeado à chamada de Hila, como canto de pássaros:
“Procura teu erro!”
Envergonhado esgueirou-se novamente para sua tenda, jogou-se de joelhos diante de seu leito e implorou ao
Altíssimo por clareza, para reconhecer seu erro e o seu caminho, por força para finalmente trilhar esse caminho!
Por longo tempo permaneceu absorto, nenhum ruído o atrapalhava, de modo que
finalmente adormeceu. Pareceu-lhe, então, que viu um homem muito jovem num
caminho solitário. Este caminho era estreito, mas de grande beleza em meio a uma
paisagem selvagem com todo tipo de perigos iminentes. Às vezes a subida era íngreme,
então o caminhante parava, como se tivesse dificuldade de respirar, porém, não olhou
para trás. Somente agora Miang percebeu que os olhos do homem estavam fechados.
Mas então era surpreendente que esse jovem conseguia caminhar de modo seguro.
Ainda enquanto Miang considerava isso, viu o caminhante tropeçar, mas antes que esse
pudesse cair, ele foi agarrado de cima por uma mão muito grande, luminosa, que
empurrou-o novamente sobre o caminho seguro. Isso repetiu-se várias vezes. Quando a
mão então novamente quis colocá-lo no caminho certo, o homem abanou a cabeça
negativamente. Ele começou a apalpar as imediações e fez tentativas de trilhar um
caminho diverso do indicado pela mão auxiliadora. Miang ficou impaciente.
“Deixa-te guiar, pois tu mesmo estás cego!” gritou para a figura do sonho. Este,
porém, tinha se demorado muito tempo com a procura. Nisso havia perdido o caminho
até então trilhado, tinha chegado a um declive úmido, coberto de musgo e escorregou
irresistivelmente rumo ao precipício.
Miang acordou com um grito. O que aconteceu? Nitidamente ainda via o jovem
resvalar e deslizar pelo caminho escorregadio em direção ao abismo. Ficou com medo.
Subitamente sabia que era ele o jovem! O Altíssimo não o havia conduzido até agora,
assim como ele o havia visto agora? Ele nunca soube para onde o seu caminho o
conduziria, também não o sabia agora. Só uma coisa estava certa. O Altíssimo o
mandava conduzir com mão firme. Ele só deveria deixar-se conduzir.
Era isso! Agora caiu-lhe a venda dos olhos. “Deixar-se conduzir,” isto ele tinha que
aprender, isto era o mais importante, pois ele não conhecia o caminho até o Altíssimo!
Mas como devia fazer isso, se deixar conduzir? “Não ter vontade própria,” murmurou
uma voz dentro dele. Sim, o que foi que ele queria? O que não havia estado de acordo
com a vontade do Altíssimo?
Então, novamente viu Fong diante de si, Fong, que até agora o havia instruído e
conduzido a mando do Altíssimo. Sim, a mando do Altíssimo! Isto Miang havia
esquecido. Ele mesmo queria decidir, interferir. E agora? Encontrava-se ele realmente já
diante do abismo? Com perigo de precipitar-se?
Calor percorreu as suas veias. Nenhum passo deveria seguir nesse caminho, que o
levava ao perigo máximo.
“Ó, Todo Poderoso,” irrompeu dele, “quero tornar-me Teu servo, ajuda-me para
que não venha a desviar-me do caminho, que devo trilhar até junto a Ti!”
Não agüentava mais ficar dentro da tenda, correu para o ar livre.
A lua estava no alto do céu, mas a Miang parecia que algo o chamava e o puxava
mais longe para a natureza. Era Hila, que o chamava?
Aqui fora estava claro que nem dia. A luz da lua pairava prateada sobre cada pedra,
cada palhinha de grama. Em pensamentos profundos caminhava Miang meio
inconsciente para diante. De repente, seu pé esbarrou numa pedra saliente. Ele tropeçou,
quase caiu. Levantou o olhar fixado no chão. Então viu algo que até então nunca havia
visto. Uma figura envolta em luz encontrava-se diante dele, sorriu para ele.
Estupefato Miang olhou para o milagre.
“Quem és tu?” balbuciaram seus lábios.
“Teu amigo,” veio cristalina a resposta.
“Meu amigo? Mas eu não te conheço!”
“Realmente não, Miang?” tinia novamente tão cristalino, tão amável até ele.
Então parecia como se um véu se rasgasse diante de seus olhos. Ele olhou nos
olhos da figura e então veio-lhe uma recordação, que ainda não conseguia compreender,
captar.
“Não continua procurando por ora,” ordenou o desconhecido. “Escuta-me, Miang.
Eu sou teu amigo, já lhe disse. O Altíssimo enviou-me para ajudar-te. Diga-me em que
posso te ajudar.”
Fervorosamente irrompeu de Miang: “Ó, Todo Poderoso, eu Te agradeço!
Maravilhosamente escutaste o meu rogo! Eu Te agradeço!”
Então dirigiu-se ao estranho:
“Eu não sei mais o que devo fazer, para me tornar um servo do Altíssimo, e mesmo
assim sei que devo sê-lo!”
“Tu fazes demais!” disse ele, calando-se novamente.
Perplexo, Miang olhou para ele. Não deveria fazer mais nada? Mas Fong não teve
que transportar pedras, a mando do Altíssimo, e ele não teve que ajudá-lo nesse
trabalho, por ordem do Altíssimo?
Parecia que o luminoso lia todos os pensamentos que perpassavam Miang.
“Trabalhar deves, deves movimentar tuas mãos. Muito trabalho te aguarda. Mas
deves fazê-lo como servo, em obediência ao teu Senhor, não rebelar-te e querer saber
melhor.
Ontem Fong quis confiar-te a condução de sua tribo. Tu, porém, só estavas cheio
de medo de que Fong pudesse expor-se ao perigo e nele sucumbir. Procuraste
medrosamente retê-lo, e mesmo assim, era o seu dever de partir e livrar o seu povo da
praga das feras. Não sabias tu que Fong é um servo do Altíssimo e somente atua
conforme as Suas ordens? Considera, opuseste-te ao Altíssimo, não a Fong!”
Totalmente perplexo escutou Miang essas palavras. Agora a névoa em seu interior,
que tudo tinha encoberto, se afastava. Sentia vergonha.
Miang caiu numa introspecção tão profunda que nem se deu conta que estava
novamente sozinho. A alvorada já se aproximava e ele continuava refletindo absorto.
Inconscientemente prosseguira, encontrando-se repentinamente junto ao pequeno
riacho, onde sabia que estava Hila, a ondina. Perpassou-lhe o pensamento – deveria
chamá-la?
Antes mesmo de chegar a uma decisão, repartiram-se as ondas e o rosto travesso de
Hila apareceu.
“Como é, servo do Altíssimo, encontraste o teu erro?”
“Sim” exclamou Miang alegremente. Um peso enorme lhe foi tirado do coração.
“Eu o vejo,” confirmou Hila, “e fico feliz com isso.”
Ela acenou para ele e, antes que ele conseguisse responder algo, havia
desaparecido. Agora, porém, Miang não mais se deteve ali. Voltou rapidamente,
rogando em silêncio que lhe fosse mostrado o que tinha que fazer. Ainda não havia
alcançado a sua tenda, quando encontrou um mensageiro, que alegremente exclamou:
“Que bom, que te encontro! Trago-te uma mensagem do príncipe Fong. Aqui está
ela.”
Postou-se com as pernas abertas diante de Miang e repetiu devagar e claramente as
palavras, como Fong o tinha encarregado.
“Diga ao meu filho Miang, que não continue inativo em sua tenda. Ele deve ir e
procurar aquele trabalho que está destinado a ele. Quem procura seriamente, esse
encontra.”
“Entendeste a mensagem, jovem?” perguntou o mensageiro, e Miang acenou
afirmativamente. “Então está bem.”
Sem mais uma palavra, o mensageiro deu as costas e prosseguiu seu caminho.
Miang, porém, não sabia bem o que fazer. Onde deveria procurar o seu trabalho? Ele
estava disposto, mas não sabia onde devia começar. Entretanto, o que havia aprendido
esta noite? “Deixar-se conduzir, nada querer sozinho.” Assim ele queria agir.
Silenciosamente rogou ao Altissimo:
“Altíssimo, permita que reconheça o que devo fazer!”
Então, continuou caminhando devagar. Diante de si estava o amplo vale, no qual a
tribo amarela armara as suas tendas. O sol agora já havia nascido e viva atividade via-se
ao redor das tendas. As mulheres assavam pão sobre pedras aquecidas. Crianças as
rodeavam e se deliciavam com o aroma que dali emanava. Muitos dos homens haviam
partido, porém, ainda havia número suficiente. Eles tratavam dos cavalos, e mais
distante, nas verdes encostas, via-se rebanhos de ovelhas com seus pastores.
Miang ponderava, indeciso, para onde deveria dirigir seus passos, quando uma
menininha correu ao seu encontro. Estava tão apressada, que esbarrou nele e ele a
amparou em seus braços.
“Para onde vais com tanta pressa, pequena menina?” perguntou Miang rindo.
Séria, a pequena respondeu, tirando os seus densos cabelos escuros do rosto: “Devo
buscar ajuda, meu pai está doente. Sente dores, queixa-se e geme.”
“A quem querias pedir ajuda, pequena?” perguntou Miang.
“Husa, a anciã, ela possui ervas curativas. Mas agora deixa-me ir embora.”
E a pequena soltou-se e correu rapidamente até a próxima tenda.
Miang a seguiu com o olhar. A criança era graciosa e muito séria para sua idade.
Não demorou muito e A-na retornou, seguida por uma anciã curvada, que levava uma
sacola na mão. Essa devia ser Husa. Ficando curioso, Miang seguiu as duas até a tenda,
não muito limpa, na qual o pai de A-na estava revirando-se no seu leito, gemendo.
Husa não perdeu muitas palavras. Ordenou A-na a esquentar água. Então preparou
um chá, o qual o homem teve que engolir. Parecia, porém, que também esse chá
medicinal lhe trazia pouco alívio.
Silenciosamente, Miang havia entrado na tenda atrás da anciã. O aspecto aqui não
era bonito. Havia sujeira por todos os lados. Panos sujos estavam no chão, havia louça
com restos de comida e o ar estava abafado e fumacento. Miang quis recuar arrepiado,
mas uma voz dentro dele disse: “Fique!” Então, permaneceu bem quieto e observou
como a anciã debruçou-se sobre o doente, dando-lhe para tomar o chá medicinal. Ele
engulia, mas não parava de gemer. Entretanto, não foi possível determinar o que lhe
faltava. À pergunta da anciã, onde sentia dores, ele respondeu queixoso: “Estão em todo
meu corpo e me beliscam como os diabos de fogo.”
“Diabos de fogo?” perguntou Miang admirado e aproximou-se um pouco. “O que é isso?”
“Ora, os pequenos diabos que vivem no fogo e que comem a madeira,” respondeu
Husa calmamente. Para ela, isso não parecia ser algo fantástico. Miang, porém,
admirou-se, ele não sabia o que era um “diabo”. Por isso continuou perguntando: “E o
que são diabos?”
Medrosamente os dois outros olharam ao redor. “Quieto,” respondeu Husa e pôs o
dedo sobre os lábios. “Isso não se deve falar em voz alta, senão eles vêm e podem nos
prejudicar. Mas vou dizer-te no ouvido, para que possas resguardar-te, jovem
forasteiro.”
E com voz rouca falou baixinho ao seu ouvido: “Diabos são entes maus, eles
tentam destruir as pessoas.”
Miang admirou-se. Ele nunca encontrou tais entes.
“E eles vivem no fogo?” continuou perguntando incrédulo. “Não somente no
fogo,” cochichou a anciã, “estão em toda parte, no ar, na água.”
“Pare!” exclamou Miang, “na água não vive ente ruim, isso eu sei com certeza. Eu
tenho visto a bela figura enteal que vive na vossa água! Ela é Hila, e ela quer bem a nós
seres humanos.”
Agora, a vez de admirarem-se era de Husa e do doente, que com essa novidade
quase esqueceu suas dores. Também A-na, que timidamente tinha ficado no fundo da
tenda, deu um passo para diante. Miang, porém, feliz, sabia de repente: aqui havia o que
fazer para ele.
“Posso sentar-me junto de vós?” perguntou amavelmente, e ambos pediram:
“Sim, senta-te junto de nós e conta-nos dos entes bons das águas.”
Com todo prazer Miang começou a contar o que tinha vivenciado com Hila e
Hima e como o ajudaram e o bem que lhe fizeram, como serviam ao Altíssimo.
Boquiabertos, Hisor, o pai de A-na, e Husa escutavam. Inacreditável era essa notícia e,
no entanto, o forasteiro falava disso com tanta certeza. E quando descreveu como eram
lindas e alegres as pequenas ninfas, estampava-se alegria nos rostos dos ouvintes.
“Sinto-me mais aliviado, desde que me contaste isso, forasteiro,” disse Hisor.
“Chamem-me Miang, este é o meu nome,” pediu o jovem. “Querem ouvir mais dos
bons entes, que são servos do Altíssimo?”
Com grande alegria Hisor e Husa concordaram. E Miang contou dos enormes
gigantes, de Uru e Muru e de sua fiel ajuda, como o conduziram até o príncipe Fong, e
como são diligentes servindo ao Altíssimo.
O espanto dos ouvintes aumentava. Tudo era novo para eles, nunca haviam
escutado algo igual. Hisor esqueceu-se de suas dores. Quando um raio oblíquo do sol
entrou na tenda, Husa sobressaltou-se.
“Tenho que voltar para casa,” exclamou ela. “Mas tu voltarás, Miang?” pediu ela,
“e continuarás nos narrando?”
Miang prometeu-o com alegria. Aqui, pois, havia encontrado o trabalho que devia
executar. E o mesmo havia sido conduzido até ele, não tinha sido ele que o desejara.
“Eu voltarei amanhã, para ver como vai Hisor,” prometeu. E Husa acrescentou
solicitamente: “E eu trarei novas ervas ainda melhores.”
Pois ela queria estar presente quando Miang contasse.
Já cedo no outro dia, Miang pôs-se a caminho. Mal podia esperar para continuar o
seu trabalho. Hoje o enfermo estava deitado bem quieto no seu leito. Parecia que estava
melhor.
“Como te sentes hoje, Hisor?” perguntou Miang amavelmente. E Hisor ergueu-se o
melhor que pôde e disse, contente:
“Então vieste mesmo, Miang? Como estou contente. Eu receava que te seria
incômodo visitar-me. Não é bonito aqui,” acrescentou lamentando. “Minha mulher
morreu, e A-na ainda é muito pequena para deixar tudo em ordem.”
Sim, isto dava para perceber. Timidamente A-na olhava do canto do fogão para
Miang. Ela se envergonhava e pretendia esforçar-se pondo ordem na tenda, pois ela
também queria muito que o forasteiro viesse e contasse.
“Como é, os diabos do fogo não te beliscaram mais?” perguntou Miang e riu
alegremente.
Este riso espantou o último resto de medo na alma de Hisor, de que talvez ainda um
diabo pudesse estar na proximidade para prejudicá-lo. Respirou como que aliviado e
juntou seu riso ao de Miang. Como isso fazia bem! Ele sentiu como estava melhorando
novamente.
“Quando estás comigo, Miang, então não sinto medo,” disse ele admirado e olhou
para o jovem. Qual seria o motivo disso? Escutaram passos lá fora e apressadamente
entrou Husa, novamente com uma sacola na mão.
“Já estás aqui, Miang?” exclamou contente. “Então quero preparar rapidamente o
chá de ervas, para que passem as dores de Hisor, e depois tu continuas contando, não
é?”
E assim aconteceu, e resposta seguia à pergunta e nova pergunta seguia à resposta.
Miang não sabia o quanto havia para contar dos gigantes e dos homenzinhos das pedras,
de Hila e Hima. O tempo passou voando.
“Agora deve ser preparada a comida,” disse Husa e, ainda cheia de felicidade sobre
o recém ouvido, tratou de ajudar A-na, que se esforçava a acender um fogo, no simples
local de fogo aberto.
Miang ficou observando, perdido em pensamentos. Como ele era rico, porque o
Altíssimo havia aberto os seus olhos para poder ver os servos fiéis, e dessa riqueza ele
agora queria dar aos seres humanos. Era isso que o Altíssimo agora exigia dele. Dessa
forma ele podia ajudar, servir. Miang estremeceu: Servir? Tornou-se com isso também
um servo do Altíssimo? Como uma corrente de fogo perpassou-lhe esse
reconhecimento. Quase caiu de joelhos, pelo excesso de felicidade, para agradecer ao
Altíssimo.
Soou então a clara voz de criança de A-na: “Vejam, os diabos do fogo!”
O fogo ardia resplandescente e, quando Miang olhou, ele também descobriu os
pequenos entes saltitantes nas chamas. Assustada, A-na queria esconder-se atrás de
Husa, porém, Miang pegou-lhe na mão e puxou a criança para a frente.
“Observe,” disse ele, “como são bonitos! E o que é belo não pode ser mau. Veja,
eles ajudam o fogo para que queime e nos esquente e nos prepare os alimentos! Vamos
escutar, o que nos têm a dizer”.
Como que paralizados, olhavam agora os quatro para as chamas, todos viam as
figuras palpitantes dançando, mas já não sentiam mais medo delas. E a Miang parecia
ouvir um fino tinir vítreo, sons delicados, que se juntaram para formar as seguintes
palavras:
“Também nós servimos ao Altíssimo, nós estamos felizes que isso nos é permitido!
Sirvam vós também!”
Longamente Miang escutava, até que o fogo se extingüiu, depois dirigiu-se aos
demais e contou o que tinha escutado. Surpresa tomou conta dos ouvintes. E Miang não
se cansou em responder todas as perguntas, pois esta vivência causava-lhe também a
maior alegria. Era-lhe permitido servir! Toda a aflição e todas as perguntas e procuras
dentro de si haviam desaparecido; preenchia-lhe uma alegria que fez estremecer o seu
íntimo.
Quando o sol novamente lembrou Husa de suas obrigações, Miang também queria
despedir-se. Mas Hisor pediu: “Fique mais um pouco, Miang, eu também quero contar-
te algo.”
E Miang permaneceu e escutou o relato de Hisor. A esposa de Hisor morreu de
uma febre violenta e deixou-o com A-na sozinho. Desde então ele não estava bem. A-na
somente sabia preparar as comidas mais básicas e tinha dificuldade em exercer as outras
tarefas. E agora, Hisor ainda ficara doente e não podia cuidar de seus animais, das
ovelhas e dos cavalos.
“O que achas, Miang,” perguntou um tanto hesitante, “será que há também entes
bons, que me ajudariam? Eu não posso ir até os teus gigantes para pedir-lhes ajuda, pois
eu nem os encontraria.”
Em suas palavras suplicantes havia um rogo não expresso. E Miang pediu ajuda no
seu íntimo. Ele viu a penúria de Hisor. Tinha muita vontade de ajudá-lo, mas era
homem e aqui só poderia ajudar uma mulher.
“Vamos pedir ao Altíssimo para que te envie ajuda,” disse Miang confiantemente,
e levantou as mãos e rezou fervorosamente: “Altíssimo, Tu vês a penúria de Hisor. A-na
ainda é muito pequena. Ajude-o, ele quer esforçar-se para fazer tudo o que dele exigires.
Os olhos de Hisor estavam fixados nos lábios de Miang durante essa curta prece, e
nas últimas palavras abanou a cabeça, afirmando com veemência. Ele estava disposto a
fazer tudo o que Miang exigiria dele. No dia seguinte, Miang novamente compareceu na
tenda de Hisor, porém, não veio sozinho. Ao seu lado caminhava uma mulher que,
assim que entrou na tenda, começou naturalmente a pôr ordem nas coisas. Hisor
observava boquiaberto este milagre e Miang sorriu. Depois, porém, relatou a Hisor o
que entrementes havia acontecido.
Ontem, quando regressou, encontrou essa mulher em frente à sua tenda, sentada
numa pedra. À sua pergunta de quem ela era, respondeu: “Eu procuro Miang, o servo do
Altíssimo.”
Imensamente surpreendido, Miang escutou essas palavras e perguntou-lhe o que
dele queria. Então a resposta dela foi: “Meu nome é Hirsa. O Altíssimo manda-me em
teu auxílio. Não continue perguntando, mas diga-me o que devo fazer.”
Então Miang contou-lhe, que acabou de pedir ao Altíssimo ajuda para Hisor.
Agora, sua prece foi atendida tão rapidamente, mal podia acreditar. Mas Hirsa falou as
poucas palavras:
“O Altíssimo é sábio.” Com isso, para ela tudo estava dito.
Hirsa ficou agora junto a Hisor, cuidava dele, e suas mãos eram maravilhosamente
leves. Cantando baixinho, pôs ordem em tudo na tenda, limpou-a, preparou a comida e
cuidou de A-na. Cada manhã ela voltava e, ao pôr do sol, desaparecia.
“Para onde sempre vais, Hirsa?” perguntou Hisor certa noite, quando novamente
quis desaparecer, após curto cumprimento.
“Isto não devo dizer-te, Hisor,” foi a resposta. “Mas eu voltarei e cuidarei de ti, até
que novamente encontres uma esposa.”
Tão feliz Hisor nunca havia estado em toda sua vida. Parecia que tinha entrado
claridade em sua tenda, antes tão escura e suja, que agora brilhava de limpa, tão logo
Hirsa chegava. Hisor rejuvenescia a cada dia. Os vizinhos, porém, pergutavam curiosos,
se tinha uma nova esposa.
“Não,” respondeu Hisor seriamente. “Hirsa me ajuda, mas não é minha esposa.”
Hisor gostava de olhar as chamas levantando-se em labaredas e observava os entes
do fogo. Às vezes parecia-lhe que podia ouvir seu canto:
“Nós servimos ao Altíssimo.”
Miang muitas vezes ainda retornara à tenda de Hisor. E logo também juntaram-se
vizinhos, que ouviram falar de que Miang sabia contar tão bem dos muitos entes no
fogo, na água e nas montanhas.
A tribo de pastores do príncipe Fong era um povo rude, endurecidos pela sua vida
nas montanhas. Mas também havia pessoas distintas entre eles, que possuíam grandes
rebanhos e que pagavam aos mais pobres pelo trabalho como pastores. Reinava boa
ordem na tribo amarela, regida há muito tempo pela estirpe de Fong.
O tempo em que Fong estivera ausente chegou ao fim. Certa tarde ecoaram
cornetas e via-se o grupo de cavaleiros retornarem para o amplo vale, e Fong na
dianteira. Grande júbilo recebeu os que retornaram. Todos saíram apressadamente das
tendas e aglomeraram-se para cumprimentar alegremente os caçadores. Tinham feito
muitas presas, notava-se isso pela grande quantidade de peles que traziam. Isso
provocou nova alegria, sabendo-se que a caça teve êxito e que a praga fora eliminada.
Também Miang havia saído de sua tenda e aguardava a chegada do grupo. Esperou,
porém, até que se aproximassem. Então foi ao encontro de Fong e cumprimentou-o. Um
curto olhar do príncipe tangeu-o.
“Eu te aguardo em minha tenda.”
Este foi o cumprimento de Fong e Miang curvou-se levemente em sinal de sua
disposição. Fong mal havia se sentado no seu leito de repouso, quando Miang solicitou
ser recebido. Ele não podia aguardar, queria apresentar-se ao príncipe e relatar-lhe o que
entrementes havia vivenciado. Ele esperava que Fong iria questioná-lo a respeito, mas
nada disso aconteceu. Fong indicou um lugar ao seu lado e falou sucintamente: “Tenho
que falar-te.”
Miang olhou para ele na expectativa. Não se atreveu a perguntar.
“O Altíssimo deu-me uma missão para ti, Miang,” disse Fong, e bondade vibrou
em suas palavras, o que emocionou Miang profundamente.
“Tu deves ir agora até uma outra tribo, amiga nossa, e levar ao príncipe de lá uma
mensagem minha. A tribo, chama-se a tribo dos Waringis, mora além da longa cadeia
de montanhas, no sul. Ainda não deves ter ouvido falar dela. São pessoas boas, mas
rudes e ignorantes e é vontade do Altíssimo, que leves a elas o saber Dele e de Sua sábia
condução. Tu, entrementes, já começaste a servir ao Altíssimo,” acrescentou Fong,
sorrindo.
Miang queria levantar-se bruscamente para expressar a sua alegria. Um olhar de
Fong , porém, o deteve. Não, não queria recair em seu velho erro da impetuosidade. Por
isso dominou-se e somente disse: “Eu obedecerei. Quando posso partir?”
Fong olhou com agrado para o jovem, que visivelmente tinha se modificado para
melhor durante a ausência de Fong. Tinha se tornado mais seguro e mais calmo. Agora
ele poderia começar com a sua nova e mais ampla missão.
“Amanhã cedo estará à tua espera um acompanhante, que te mostrará o caminho
até os Waringis,” disse Fong brevemente.
Com isso Miang estava dispensado. Com nenhuma palavra conseguira perguntar
pelo sucesso da caçada. Agora, também não tinha mais importância para ele, estava
ocupado demais com a nova missão. O Altíssimo o enviava com uma missão, era-lhe
permitido serví-Lo, podia dar de sua riqueza! Como isso era grandioso! Novamente
Miang, pensativo, dirigiu seus passos até a floresta próxima e, novamente, seu guia
luminoso estava diante dele, no mesmo lugar, e olhou sorrindo para ele.
“Como é, Miang,” disse ele,” agora te é permitido começar a servir, depois que
reconheceste o teu erro e te esforças em corrigí-lo. Sentes-te feliz?”
Miang somente acenou afirmativamente, seu coração estava repleto demais para
responder.
“Porém, deixa-te prevenir mais uma vez, Miang,” continuou o luminoso. “Nunca
aja de acordo com a tua própria maneira de pensar, peça sempre conselho e auxílio ao
Altíssimo, assim tornar-te-ás um verdadeiro servo.”
Depois dessas palavras a figura luminosa desapareceu da vista de Miang. Por muito
tempo continuou caminhando, colocou seus pensamentos em ordem, suplicou por
auxílio para sua grande missão, agradeceu e, finalmente, voltou alegre e feliz.
Cedo no dia seguinte – recém o sol aparecia atrás das montanhas no leste – Miang
escutou um leve sinal de guizo em frente a sua tenda.
Quando saiu, encontrou ali dois cavalos ricamente encilhados, um carregado com
provisões, o outro sem cavaleiro. Sobre um terceiro estava um homem, que olhava para
Miang com expectativa.
“És tu o meu guia até os Waringis?” perguntou Miang, e o homem confirmou.
“Sim, o príncipe Fong o ordenou. Podemos partir”.
“Não devo despedir-me de Fong?” perguntou Miang, mas seu acompanhante
negou.
“O príncipe não está disponível agora, encontra-se numa reunião. Devemos partir
sem demora.”
Para Miang não havia mais nada a fazer a não ser obedecer. Irrompia um lindo dia,
dourado levantou-se o sol e uma manhã de outono tão clara, como somente as
montanhas podem presentear, preencheu o coração de Miang com grande alegria. Os
dois dirigiram seus passos para o sul. Tudo aqui era estranho para Miang, como era
estranho para ele ainda toda a região, a vida entre tanta gente. Os dois viajantes
avançavam pela manhã, fresca de orvalho, adentro. Parecia a Miang como se nunca
tivesse vivenciado ainda um dia tão lindo. Será que era por isso que se sentia tão leve e
o seu coração batia tão contente? Ainda não sabia o que o esperava entre a tribo
desconhecida, sabia somente que se dirigia para lá a mando do Altíssimo, e isso era a
sua felicidade e a sua alegria.
Seu companheiro era de poucas palavras. Aparentemente não devia falar sobre os
Warringis. Assim também Miang se calava e podia, desse modo, apreciar melhor a
beleza da região, que percorriam. Tinham subido consideravelmente, mas isso não
afetava as fortes montarias. Avançavam dispostas, hora após hora, sem mostrar cansaço.
Perto do meio-dia repousaram na sombra embaixo de uma rocha saliente, pois aqui nas
alturas o sol ainda queimava forte. Depois, o caminho começou a descer em direção a
um vale montanhoso. Pradarias verdes, com grandes blocos de pedra espalhados,
estendiam-se frente aos olhos de Miang. O verde saturado lhe fazia bem, apesar de aqui
estar tudo ermo e despovoado. Em parte alguma um ser humano, nenhum animal, além
de alguns grandes pássaros, que aos gritos levantaram vôo quando os cavaleiros se
aproximaram.
Ainda mais descia o caminho, ele seguia agora através de um desfiladeiro
selvagem, no qual a água despencava e espumava. A espuma respingava no rosto de
Miang, ele porém riu alegremente. Tudo era novo para ele, tudo lhe parecia maravilhoso
e lindo. No desfiladeiro era escuro e os cavaleiros tiveram que cuidar muito para que os
animais não escorregassem no chão molhado. Repentinamente Miang soltou um grito.
Tinham alcançado a extremidade inferior do desfiladeiro e diante deles estendia-se, na
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A história do grande libertador do Tibete

  • 1. Miang-Fong M I A N G - F O N G M I A N G - F O N G RECEBIDO POR INSPIRAÇÃO ESPIRITUAL POR CHARLOTTE VON TROELTSCH E SUSANNE SCHWARTZKOPF Um relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou o Tibete das trevas.
  • 2. M i a n g - F o n g Relato sobre a vida do grande Portador da Verdade, que libertou o Tibete das trevas.
  • 3. Cumes de montanhas acidentadas, escarpadas, elevando-se altos contra o céu, pairavam imóveis sobre um vale na região montanhosa, que se estendia indolentemente entre as rochas. Neve eterna cobria os cumes, precipícios e fendas, transformando-se em gelo verde-azulado, invulnerável à claridade ofuscante do sol. Num dos lados do altiplano estavam deitados, recostados nas paredes rochosas, dois vultos enormes, como se eles próprios fossem parte dessas rochas. Prazeirosamente esticavam-se no calor do sol e olhavam ora para o céu azul escuro, ora deixavam deslizar seus olhares sobre o movimento da alegre atividade ao seu redor e, sim, até por cima deles. Um rebanho de cabras montanhesas pastava em ambos os lados de um alegre riacho borbulhante, pastoreado por um menino magro e alto que, sem cessar, tinha que pular ora para cá, ora para o outro lado, para impedir que animais muito destemidos se embrenhassem nas escarpas. No seu zelo não deu atenção aos dois gigantes até que tropeçasse e caísse na mão aberta de um deles, estendida no solo aquecido. Este o segurou e o sacudiu levemente. “Não podes prestar atenção ao teu redor, anão?” exclamou ele com uma risada, que provocou um eco ao redor, como se um trovão rimbombasse. “Solta-me,” gritou o pequeno, defendendo-se com todas as forças. “Solta-me, senão a Fu-Fu cairá lá adiante sobre as rochas.” “E isso seria tão grave assim?” quis saber o gigante. Nisso, porém, ele afrouxou seu punho de modo que o pequeno prisioneiro pudesse escapar. Como um raio o menino chegou ao local perigoso ali adiante. Porém, o gigante foi mais rápido. Erguendo-se um pouco, tinha estendido o comprido braço e segurado a cabra. Agora estava suspensa sobre a cabeça de seu pequeno pastor, e novamente a risada do gigante provocou eco na redondeza. “Ponha imediatamente a Fu–Fu novamente no chão!” exigiu o menino, que se voltou e veio correndo ofegantemente. Porém, o que ele poderia empreender contra o gigante risonho? Aí obteve ajuda inesperada. O segundo gigante despertou de sua sonolência e imediatamente dirigiu-se categoricamente ao seu companheiro. “Devolva a cabra ao menino, ele não merece que tu o atormentes, Uru.” Imediatamente este colocou o animal no chão, que correu com altos saltos para junto do seu pequeno dono. “Fu-Fu, malvada,” repreendeu este, abraçando-a quase carinhosamente. “Que imprudente és sempre!” E ele apressou-se para, com a cabra resgatada, juntar-se ao rebanho que pastava alegremente. Aí lembrou-se de algo importante. Ele voltou-se, olhou para os dois gigantes que o observavam e exclamou: “Agradeço-te, ó grande!” “A quem te referes, anão?” perguntou seu alegre atormentador. “Ambos somos grandes.”
  • 4. “Grande é aquele, que é justo,” foi a resposta inesperada. O menino queria retirar-se, quando soou a voz poderosa de seu auxiliador: “Tu me agradas. Venha para cá com os teus protegidos agitados e vamos conversar. Uru só estava brincando. Ele não pode te fazer mal.” Prontamente o menino assobiou, reunindo seus animais, bem observando que nas proximidades dos dois homens gigantes a grama e as ervas cresciam abundantemente. “O que chamas de justo?” perguntou o gigante, assim que o pequeno pastor estava sentado comodamente sobre uma de suas pernas, espreitando ao seu redor. “Justo é, quando a gente sabe bem no seu íntimo, o que deve fazer para viver em equilíbrio com tudo.” “Isto eu não entendo,” resmungou Uru, enquanto seu companheiro indagou: “Quem te disse isso?” “Meu pai.” “Então chame o teu pai, para que ele nos esclareça isso,” exigiu o gigante. “Isso eu não posso. Ele não está mais aqui,” foi a resposta do menino. Foi acompanhada de um suspiro. “Com quem estás vivendo? A quem pertencem os animais?” quis saber o gigante. “Agora eles pertencem a Wun, com quem eu também moro. Ele me bate, quando alguma coisa acontece a uma das cabras.” “Ele é o teu avô?” “Eu não sei. Mas o sol quer partir, eu tenho que voltar para casa.” Levantou-se rapidamente, assobiando chamou os seus animais e, numa trilha estreita, correu com eles morro abaixo. Uru levantou-se, seguindo-o com os olhos encosta abaixo. “Lá embaixo há alguns montículos de toupeira, lá provavelmente seja a morada do anão,” observou ele. “É uma criança abençoada. Não o vês? Tu não deves fazer mal a ele,” advertiu seu companheiro. No outro dia, novamente o pastor e seu rebanho subiam céleres por sobre os rochedos. A princípio, o menino queria dirigir seus passos em outra direção, porém alguma voz dentro dele falou, que isso seria covardia. Também, nunca antes encontrou os gigantes. Era bem possível que estes tenham ido embora. Mas não! Lá estavam deitados e olhavam em sua direção. Repetidas vezes teve que olhar para eles durante a sua escalada. Como essas figuras gigantescas combinavam com o ambiente montanhoso! Dava a impressão que eles faziam parte dessas escarpas e píncaros acidentados. Pareciam selvagens e sinistros, enquanto se contemplava somente seus corpos enormes. Erguendo, porém, os olhos até suas cabeças, então todo o medo desaparecia. O menino não compreendeu por que tinha sentido medo no dia anterior. Hoje pareciam-lhe bons e alegres. Dirigiu-se a eles com saudação sonora, e uma risada trovejante ecoou ao seu encontro. “Senta-te perto de nós, anão, “chamou Uru. “Dos teus animais eu vou cuidar bem.”
  • 5. Mas somente depois que as cabras céleres começaram a pastar, acompanhadas de muitas recomendações e carinhos do menino para que ficassem atentas, o pequeno pastor atendeu ao convite. Um pouco receoso subiu na perna, estendida hospitaleiramente, e olhou ao redor. O local elevado ofereceu-lhe uma visão mais ampla, não só sobre as suas protegidas que pastavam espalhadas, mas também por entre as montanhas. O que ali viu, paralizou sua respiração. Seria possível que ali estivessem deitados mais gigantes ainda? Por todo lado ele parecia encontrá-los. Como se o gigante até então calado, que seu companheiro chamava de Muru, tivesse compreendido os seus pensamentos, este perguntou: “Por que te admiras, menino? Não sabias que nós somos em número maior que os cumes das montanhas?” “Quando é que vocês chegaram?” retrucou o menino. Uru riu alegremente, Muru, porém, respondeu sério: “Nós nunca viemos. Nós sempre existimos, desde que as montahas se encontram aqui.” “Mas eu nunca vos tinha visto antes,” refletiu o pastor. “Como isso pode ser possível?” “A maior parte tu ainda não percebeste, anão,” exclamou Uru impetuosamente. “Os teus olhos estavam cegos como os dos animaizinhos jovens. Eles se abrem somente aos poucos” “Então Wun, o velho lá embaixo, também ainda tem olhos cegos. Ele repreendeu- me, quando o perguntei a respeito de vocês e disse que eu tinha inventado um conto. Como se fosse possível inventar figuras desse tipo!” acrescentou o pequeno sorrindo. “Tu não deves perguntar aos homens quando queres saber de nós.” “Então eu pergunto a vós, ó grandes.” “Isto está certo” elogiou Muru sério. “Também, terás resposta. Antes, porém, deves relatar sobre ti. Como é que te chamam, e o que tu vivenciaste?” “Wun me chama de Miang e, antes dele, o meu pai assim me chamava. Nós moramos lá embaixo, desde que eu me lembre. Meu pai, a quem chamavam de o líder, era maior e mais bonito que os outros. Um dia, ele saiu para espantar as grandes aves que roubavam as nossas cabras. Então, os homens voltaram sem ele e disseram que a montanha o tinha retido. Desde então, eu vivo com Wun, que mudou-se para a choupana de meu pai, que é maior e mais bonita que a dele. Quando eu não obedeço, ele me bate.” “Então não gostas de estar com ele?” quis saber Muru. “Não. Nada mais é bonito desde que meu pai desapareceu.” “E tua mãe?” “Eu não sei de nenhuma. Talvez eu não tive nenhuma,” pensativamente o disse o menino. “Isso é tudo que posso lhes contar,” concluiu. “Agora devem me contar de vocês.” Muru, porém, começou seu relato com uma pergunta:” Quem confeccionou a tua sacola, na qual trazes o teu alimento para cá?” “Eu próprio,” foi a resposta alegre do menino.
  • 6. “E quem confeccionou a tua roupa?” E Muru apontou para a peça composta de peles, que cobria as costas e coxas. “Nisso Wun me ajudou, antigamente meu pai o fazia.” “E quem te criou?” “A mim?” espantou-se Miang. “Eu estou aqui, desde que posso me lembrar.” “Isso não é muito tempo, anão,” arquejou Uru, enquanto Muru indagou: “E onde estavas anteriormente?” Essa pergunta foi além da compreensão de Miang. Feliz que tinha chegado a hora de levar o rebanho até a fonte, ele se esquivou. Porém, enquanto deixava os animais beberem e os reunia depois para a volta ao local de pastagem, ele raciocinou. Aquilo, que finalmente decifrou, comunicou-o a Muru: “Eu devo ter vindo, como as pequenas cabras, de uma velha.” “Bem pensado,” elogiou o gigante. “E a mulher veio de uma outra, e assim retrocede até a primeira. Esta, porém, foi criada.” Muru disse-o com ênfase. “Isso deve ter feito um Grande,” refletiu Miang, que havia se encostado na perna do gigante, para poder olhar-lhe no rosto. Com agrado o gigante olhou para o pequeno. Um brilho havia nas feições inquisidoras. “Sim, menino, aquele que criou a primeira mulher é o Maior em todo o mundo. Tudo, o que podes ver, Ele o fez. Também a nós. Muito antes de haverem seres humanos Ele nos chamou e nos designou guardas das montanhas. Nós somos como uma parte desse mundo de pedras.” Ele calou-se. Tinha dificuldade de expressar tudo isso em palavras. No menino, porém, foi despertada uma grande curiosidade, ele queria saber mais. “O que aconteceria, se vocês vos afastassem para bem longe desta montanha?” “Então ela iria despedaçar-se e desmoronar aos poucos.” “Vocês sempre estão deitados aqui? Isso não é enfadonho?” Uru começou a rir. “Anão, pensas por acaso que nós servimos com preguiça ao Altíssimo? Não, quando vocês anões dormem, nós trabalhamos.” “Nós melhoramos e construímos e alteramos por ordem superior,” recomeçou Muru. “Nunca escutaste estrondos nas montanhas, quando as pedras rolam para baixo?” Miang acenou com a cabeça. Como tudo isso era maravilhoso. Ele caiu em profunda reflexão, e também os gigantes não disseram mais nada. Quando o sol começou a declinar, o menino animou-se. Seu dever o chamava. “Voltarei amanhã, ó gigantes” prometeu. Então deixou-os rapidamente com seu bando travesso. E voltou todos os dias. Aos poucos formaram-se dentro dele pensamentos e conceitos firmes. Os gigantes pouco podiam ajudá-lo nisso, porém, de vez em quando, Muru direcionava com uma palavra o pensamento para um novo caminho. Existia um Altíssimo. Este criou tudo, tudo o que vivia, mas também todo o mais. Isto estava tão firme na alma do menino, como se sempre o soubesse. Se, no entanto, esse Altíssimo tinha criado tudo, então também tudo a Ele pertencia. Esta foi a segunda
  • 7. verdade, que luminosamente surgiu em Miang. Se tudo é Dele, eu também sou Sua propriedade. E agora lhe veio o derradeiro, que tinha que reconhecer a seguir: sendo eu Sua propriedade, então tenho que servi-Lo com todas as minhas forças. “Escuta, Muru,” falou ele certo dia. “Eu preciso procurar o Altíssimo, para saber como devo serví-Lo. Eu prefiro cuidar de Suas cabras do que das de Wun, que as tirou de meu pai. Mas onde estão as cabras Dele, e onde está Ele?” “Isto não podemos dizer-te, Miang. Tu deves ir mundo afora para encontrar a resposta.” Isto era uma novidade que primeiramente tinha que ser examinada a fundo. Mas o pensamento tinha algo atrativo: ir para longe da limitação destas montanhas, para ver o que havia além! Encontrar o Altíssimo e entrar no serviço Dele! Cada dia aumentava seu ardente desejo íntimo, até que Miang apresentou-se numa manhã aos seus amigos com a decisão firme: “Hoje, quando eu retornar com as cabras, então quero deixar tudo e ir até o Altíssimo. Eu tenho dito isso a Wun. Ele concordou, só que – – se eu for, nunca mais poderei voltar. Mas isto eu também não quero.” “Não será difícil para ti separar-te de tuas cabras?” perguntou Muru insistentemente, mas surpreendeu-se quando o menino respondeu muito sério: “Isto não importa quando se quer procurar o Altíssimo e encontrá-Lo.” Mais tarde, quando ele, como já se acostumara, procurou seu lugar no joelho de Uru, pediu: “Vocês podem me aconselhar qual o caminho a seguir, para alcançar o meu alvo o mais rápido possível?” “Nós podemos te ajudar até a próxima parada do teu caminho, Miang. Mais não podemos fazer, mas isso deverá realizar-se.” “Venha hoje à noite novamente para cá, então Uru te alcançará por sobre os vales até o cume branco lá no outro lado. Com isso te é poupada penosa escalada e um muito difícil caminho.” Encontrarás lá, onde serás colocado sobre os pés, uma morada. Nela mora um sábio muito velho, o qual está destinado para ser teu professor. Entretanto, depende unicamente de ti, se ele irá aceitar-te. No caso das dificuldades nas montanhas podemos te ajudar desta vez. Todas as demais tu mesmo tens que vencê-las.” “Eu poderei fazer isso?” perguntou o menino receoso. A profunda seriedade de seu amigo gigante abafou um pouco o radioso espírito empreendedor. “Tu poderás fazê-lo, se nunca perderes de vista o teu alvo, de encontrar o Altíssimo. Então terás ajuda nas tuas caminhadas.” De noite, Miang estava perante seus amigos. Estava vestido como sempre. Nada além da sacola de merenda mais recheada indicava preparativos para a grande caminhada. “Não tens uma vestimenta melhor, anão?” perguntou Uru amigavelmente. “Morrerás de frio, pois lá em cima é gelado.” “Não, não tenho nada melhor,” disse o menino com leve aflição. “Eu pedi a Wun para me dar uma pele de meu pai, mas ele escarneceu de mim.” “Por um instante os gigantes se entreolharam, depois Muru acenou afirmativamente.
  • 8. “Deita-te aqui por um curto espaço de tempo,” ordenou ele, “até chegar a hora de levar-te embora. Durma, Miang, durma.” Ao pronunciar essas palavras colocou carinhosamente a sua enorme mão sobre o menino, que aconchegou-se confiantemente e logo adormeceu. Em seguida, Uru soltou uma enorme massa de pedras e enviou-a com deslizamento bem calculado até o vale. Com segurança ela alcançou os” montículos de toupeira”, os quais até então foram a pátria de Miang. Muru, porém, tinha chamado. Um ente minúsculo, nem da metade do tamanho do menino, encontrou-se à sua frente para receber sua ordem. Ele saiu, e não demorou muito, já tinha voltado. Cuidadosamente guiava ele a mais bela das cabras, Fu-Fu, a travessa. Nas costas trazia uma trouxa com peles. Agora Muru retirou a mão do rosto do menino e chamou-o. “Miang, chegou a hora da tua peregrinação. Mas não deverás partir totalmente sem bagagem. Leva a cabra e as peles como lembrança de teus amigos gigantes, mas também como prova de como o Altíssimo cuida de todos que entram no serviço Dele.” Miang, porém, que com grande alegria tinha cumprimentado Fu-Fu, da qual a despedida lhe tinha parecido muito difícil, deixou a cabra e voltou-se subitamente para o locutor. “Muru, é verdade que o Altíssimo torna viável o meu caminho até Ele? Quer Ele me aceitar como Seu servo, a mim, Miang, que nada de concreto sei Dele?” E quando Muru acenou seriamente, brotou do menino impressionado: “Ó Altíssimo, a quem eu sinto e pressinto, deixa-me encontrar o caminho até Ti, para que eu Te sirva com todo o meu ser e Te agradeça pela Tua bondade não merecida.” A despedida foi curta. Uru segurou o menino, ergueu-se e esticou o enorme braço para longe. Onde as pontas de seus dedos tocaram os rochedos, Miang foi amparado pela mão de outro gigante. Depois disso, encontrou-se entre gelo e neve num deserto de montanhas. Os picos estranhos de rocha olhavam ameaçadoramente para ele, era muito frio. Tremendo arrepiou-se e quase esqueceu de dirigir o seu agradecimento para o alto. Aí já estava também Fu-Fu ao seu lado, igualmente tremendo de frio. Miang olhou para o céu. O amanhecer não ia tardar. “Espera só, Fu-Fu, até que apareça a roda de fogo, então aqueceremos e poderemos reconhecer o nosso caminho,” consolou ele a sua companheira e, com isso, também a si próprio. Encostados bem um no outro esperaram ambos o sol. E ele veio. Dessa forma Miang ainda não o havia visto, em sua majestade e beleza. Tudo parecia cor-de-rosa, dourado, até os picos de montanha ameaçadores perderam todo o seu horror. Por longo tempo permaneceu o menino contemplando, e muitos pensamentos acordaram no seu íntimo. Nesse ínterim, Fu-Fu havia procurado por ervas escassas e matado sua fome. De maneira provocadora colocou-se ao lado de seu pequeno senhor, para que este faça o mesmo e beba. Então, porém, foi que Miang escutou nitidamente uma voz, dizendo: “Está na hora de iniciares o caminho. Vá ao encontro da Luz, Miang.” Ao voltar-se não percebeu ninguém que pudesse ter falado com ele. Mas as palavras ele as tinha
  • 9. escutado claramente, isso era suficiente. Dirigiu seus passos sobre neve, gelo e pedregulho em direção ao sol. Ele encontrou um raio de sol, que se estendeu dourado trêmulo sobre o deserto como uma fita estreita, e ele resolveu seguí-lo enquanto o poderia avistar. Tinha que estar cuidadosamente atento aos seus passos. Não estava acostumado a caminhar nessa altitude. Várias vezes Fu-Fu, que o rodeava celeremente, o empurrava para longe de algum profundo precipício, no qual seguramente teria caído. Mais de uma vez escorregou, mas levantou-se rapidamente. Não deu importância à dor, todos os seus pensamentos caminhavam em direção ao alvo: encontrar o Altíssimo. Perto do local, no qual ele agora – encostado à cabra – descansou, encontrava-se um homem de joelhos. Seu cabelo era de um branco prateado, sua figura curvada. Segurava as mãos trêmulas apertadas contra o rosto e em voz alta fluíam as palavras de sua prece: “Ó Tu, Todo Poderoso! Deixa-me ainda vivenciar poder servir-Te conforme Tu o prometeste. Teu servo ficou velho, e fraco o seu invólucro terreno. Os dias passam, sem que o menino abençoado apareça. Não permita que me chamem desta Terra, antes que eu tenha Te servido verdadeiramente!” Levantou a cabeça espreitando: Passos aproximaram-se sobre o pedregulho. “Ó Altissimo, é esta a resposta ao meu pedido?” Levantou-se o mais rápido que podia e saíu para fora. Os raios do sol brilhavam claramente, quase claros demais para os seus velhos olhos, acostumados à escuridão. No meio desse esplendor caminhava um menino, acompanhado por uma cabra. O sinal prometido! “Ele virá para ti no brilhar do sol, seu alimento, porém, ele trará consigo, para que não sofram necessidades. Uma cabra célere será, de agora em diante, a tua companheira.” Sem percebê-lo, por quase não se destacar de sua morada encaixada nas rochas, caminhava o menino confiantemente, olhando cuidadosamente para o chão. Levantou uma vez o olhar para o céu, e todo o brilho do sol espalhava-se sobre o seu rosto. De repente, a cabra parou e impediu seu companheiro de seguir viagem. Agora, enfim, ele olhou ao seu redor e percebeu o velho. Ele irrompeu numa exclamação de alegria. O eremita, entretanto, dominou- se. Ele não podia dar expressão à sua alegria. “Quem és tu, forasteiro, que vens a essa solidão a estorvar o sossego de minha velhice?” “Sou um menino, chamam-me de Miang. Venho de longe para que tu me fales do Altíssimo, mestre. Eu quero servir-te, até que eu encontre o Todo Poderoso e possa ser Seu servo. Peço aceitar a Fu-Fu e a mim com bondade e ensina-me, pois eu sou muito ignorante.” Agora estava bem diante do velho e inclinou suplicante sua cabeça. Por um breve instante a mão direita do ancião pousou sobre a cabeça do menino. Como este era jovem e pequeno! “Então entra, Miang. Apertado e escuro está aqui, moro na pobreza, mas posso te falar do Altíssimo.” “Fu-Fu também pode se esquentar aqui dentro? Estamos com frio.”
  • 10. Estremecendo disse-o o menino, quando entrou na moradia que parecia uma caverna, da qual emanava calor. “Ela pode entrar,” concedeu o ancião. Pouco depois, o mestre e seu hóspede estavam sentados sobre uma cama feita de peles empilhadas, aos seus pés estava deitada a cabra. O ancião buscou um pão duro e um cântaro de água quase vazio. Ofereceu ao menino e preparava-se para comer. Rapidamente Miang abriu sua sacola e colocou um pedaço de carne seca e um pão mais macio diante do hospedeiro. “Deixa-me comer o pão duro e pega este, mestre,” pediu ele, enquanto já ia se servindo. “Tens ainda um outro vasilhame, para que possa dar-te leite de Fu-Fu? Ela quer te agradecer pelo calor.” Enquanto ainda perguntava, percebeu uma pequena vasilha, rapidamente a buscou e encheu-a com o leite morno cheiroso. Avidamente bebia o ancião. Parecia que, com a bebida não costumeira, uma nova vida corria pelos seus membros. “Altíssimo, eu Te agradeço!” exclamou radiante. “E também a ti agradeço, menino. Eu estava tão fraco antes que tu vieste. Este leite me reanimou extraordinariamente.” “Não irá faltar-te, enquanto Fu-Fu viver,” garantiu Miang, acariciando a cabra. A seguir, ele teve que relatar e grande foi o espanto do ancião, quando ouviu de que maneira o menino tinha chegado até ele. “Podes realmente enxergar os gigantes e conversar com eles?” perguntou. Miang afirmou entusiasticamente e acrescentou: “Eles me falaram de ti. De que outra forma poderia ter-te achado?” “E o que queres fazer, quando tiver-te ensinado tudo o que eu mesmo sei?” O ancião precisava ter a confirmação daquilo que para ele já tinha se tornado certeza. “Quando tu tiveres me dito tudo o que necessito saber para encontrar o meu caminho para o Altíssimo, então eu irei para junto Dele e servirei a Ele, mestre.” “Então fique comigo.” Não foi uma concessão alegre sem restrições. O eremita tinha vivido na solidão por um tempo longo demais, ele não desejava mudar seus hábitos. Contudo, a chegada do menino não era a realização de suas preces ardentes? Toda vez que se lembrava disso nos meses seguintes, retomava seus ensinamentos calorosamente, os quais vez por outra deixava cessar completamente. Miang não se importava muito com isso. Quando seu mestre estava comunicativo, absorvia o saber com alegre dedicação para, nos tempo taciturnos, repensá-lo e retrabalhá-lo no seu íntimo. Perguntas que surgiam eventualmente, ele mesmo deveria tentar resolvê-las ou deixá-las de lado, para mais tarde. O ancião não gostava de ser importunado com isso. Ele dava da maneira como brotava dele. Quando era interrompido em seus pensamentos, ele podia ficar aborrecido e o silêncio tornava-se pesado. O melhor, nesse caso, era ficar longe dele. Nesses períodos Miang empreendia caminhadas através das montanhas, à procura de alimentos. O pão, trazido por pastores que vinham procurar ajuda, era muito escasso, de modo que nem sempre era suficiente para as poucas necessidades do ancião. Então Miang imitava sua Fu-Fu: alimentava-se de ervas. De vez em quando ele encontrava
  • 11. algum pastor, que procurava animais perdidos. A este podia auxiliar e recebia alguns alimentos como agradecimento. O alimento era pouco mas, apesar disso, o pequeno se desenvolvia, pois estava tão absorvido nos novos reconhecimentos, que não percebia nenhuma escassez. Assim passou longo espaço de tempo. Os dois eremitas perceberam isso pelo fato de que Miang tinha que se curvar quando queria entrar na morada. Certo dia, o ancião disse: “Nada mais posso ensinar-te, menino. Está na hora de procurar outros mestres. Antes, porém, de deixar-me quero te dizer por que eu te aceitei. Eu sabia pouco sobre o Altíssimo, quando uma séria fatalidade me empurrou para esta solidão. Mas de coração eu O agradecia pelo abrigo e pedi a Ele que me mostrasse, como poderia serví-Lo. Aí escutei uma voz: “Escuta o teu íntimo e aguarde!” Isso eu fazia por longo, longo tempo. Cada vez mais claro tornava-se em mim o reconhecimento do Todo Poderoso e de Seu atuar. No início, eu pensava que todo o saber estava depositado em mim, que eu só precisaria cavar. Então percebi que, à minha busca, sempre respondia uma voz auxiliadora. A ela devo tudo o que sei e também foi ela que falou de ti. Quando em mim surgiu a certeza de que na inatividade não está o verdadeiro servir ao Altíssimo, ela me anunciou a tua chegada. Que tu eras destinado para ser o servo ativo do Todo Poderoso. Se eu te ensinasse e te mostrasse o caminho, então o meu dever estaria cumprido. Eu reconhecer-te-ia pelo fato de teres uma cabra como tua companheira. Também um outro sinal foi me indicado – este seria do tipo espiritual. Tu vieste, com o sinal na testa, a cabra ao teu lado, e permaneceste comigo. Esta noite, porém, a voz comunicou-me que chegou o dia de continuares a tua caminhada. Então, ponha-te a caminho, Miang.” Em momento nenhum ocorreu ao ouvinte de perguntar, para onde agora deveria dirigir os seus passos. Seu Senhor Todo Poderoso, que o conduziu até aqui, continuaria a ajudá-lo. “Passe bem, mestre,” disse ele diligentemente. “Deixa-me agradecer-te por tudo o que tens feito por mim. Ah, se pudesse demonstrar-te o meu agradecimento ainda melhor do que somente com palavras! “Deixe-me ficar com a cabra. Seu leite me faria falta.” O ancião o disse rapidamente, sem se dar conta de que com isso tirava de Miang o seu único amigo. Com a mesma rapidez o menino efetuou a separação. Ele acariciou Fu-Fu, que, menos célere que antigamente, lhe ficou ainda mais querida na convivência próxima. Em seguida, partiu. Penosa foi sua caminhada por sobre pedregulho e escarpas. Certo é que, entrementes, tinha se acostumado a essa escalada em região inóspita, mas eram sempre somente trajetos curtos e com a certeza de que poderia voltar e chegar em casa. Agora peregrinava ao encontro de um destino por ele desconhecido. Mas por nenhum instante perdeu a alegre confiança de que o Todo Poderoso, que até agora o tinha ajudado, continuaria a dirigir seus passos. Certa vez, teve que descansar. Respirando fundo, olhava ao redor. Percebeu aí um gigante, rente a uma rocha íngreme. Quantas vezes tinha passado por aqui e nunca o tinha visto. Sem receio foi ao encontro do gigante que estava meio reclinado e cumprimentou-o. Sua contemplação não fez surgir medo, somente alegre confiança. “Então,” foi a resposta do gigante, “finalmente os teus olhos se abriram? Inúmeras vezes passaste por cima de mim e eu poderia ter te segurado.”
  • 12. “Então tu sempre estavas aqui como Uru e Muru, e eu não pude te enxergar!” exclamou Miang entusiasmado. O gigante o interrompeu:” O que sabes de meus irmãos lá do outro lado? “ “Ah, esses eu conheço bem. Eles foram muito amáveis comigo. Eles me ajudaram mostrando o caminho que eu devia percorrer. Tu também irás me ajudar, se o Todo Poderoso assim o quiser?” acrescentou confiantemente. “Aí não há dúvida. O que o Todo Poderoso quer, isso acontece! Poderá ser bem provável que eu deva auxiliar-te, ainda não o sei. Eu espero por um menino com uma cabra.” Aí Miang reconheceu cheio de felicidade a atuação de seu Senhor. “Esse sou eu!” exclamou em voz alta. “O menino eu vejo. Onde está a cabra?” “Ela ficou com o mestre.” “Isso eu não compreendo. Conte-me!” E Miang contou ao ouvinte atento o que a sua curta vida lhe proporcionou até agora. “Então tu queres servir ao Altíssimo?” perguntou o gigante seriamente, e quando Miang confirmava animadamente, ele continuou: “Eu tenho a incumbência de ajudar-te na tua próxima caminhada. Por hoje, porém, está muito tarde. Fique comigo. Quando o disco de fogo, que agora se despede de nós, novamente nos cumprimentar, eu irei te acordar.” Confiantemente o menino recostou-se nos enormes membros, sob cuja proteção mal percebeu o vento sensivelmente frio da noite. “Queres me dizer o que tu sabes do Todo Poderoso?” pediu ele, recebeu, porém, a resposta inesperada: “Para isso não tenho autorização.” Quando o gigante notou a decepção de seu companheiro, continuou: “Lembra-te: quem te contou de nosso Senhor Todo Poderoso: Uru ou Muru?” “Muru,” exclamou Miang, sem pensar. “Este era o seu dever. Uru somente devia facilitar a caminhada. Eu, porém, sou como Uru. Os dons mais elevados me são negados. Creia-me, no reino de nosso Senhor, tudo está ordenado da maneira mais perfeita. Cada um se encontra exatamente no lugar que pode preencher. Para mais além ele não deve aspirar. Ele iria negligenciar os seus deveres.” Perplexo, o menino refletiu sobre essas palavras, até que adormeceu e se encontrou sonhando, como lhe parecia. “Como eu poderei servir-Te?” ouviu-se perguntar. E ouviu imediatamente a resposta da voz clara, que já conhecia: “Isto tu saberás quando a tua preparação estiver concluída, não antes. Agora te é permitido continuar aprendendo. Amanhã serás conduzido a um outro mestre. Aproveita o tempo com ele, que somente será curto.” Na total consciência dessa ordem Miang acordou. Houve uma despedida rápida. Então seu novo amigo o levantou muito cuidadosamente por sobre os picos de rochas e
  • 13. desfiladeiros e colocou-o sobre um cume de montanha mais baixa. Aqui não havia pedregulho. Em toda parte brotava o verde. Mas antes que tivesse tempo suficiente para olhar ao redor, sentiu-se novamente apanhado por uma mão, que se estendia para ele de uma distância envolta por neblina. Desta vez seguiu em direção à origem da mão, e logo Miang encontrou-se no meio da neblina, novamente bem no alto das escarpas. Parecia que somente devia dar um rápido olhar para a beleza das áreas verdes. Agora estava novamente diante de um gigante, cujos dedos ainda o seguravam enquanto falava com ele. Parecia ser maior e mais rústico que os outros três. Nem perguntou de onde veio e para onde iria, mas ordenou rudemente:” Para lá, é lá que espera o teu mestre!” O menino agradeceu e, quando os dedos enormes o soltaram lentamente, prosseguiu na direção indicada. Sentia frio, apesar de ter confeccionado um traje dos pelegos de seu pai, que cobria o seu corpo inteiro. No entanto, não precisou ir muito longe e viu-se defronte de um desfiladeiro, que decaía verticalmente do lugar onde se encontrava. Na borda desse desfiladeiro estava um homem de média idade que deixava rolar pedras lá para baixo. Isso ocasionou o ruído inexplicável, que enchia o ar ao redor. Agora parou e virou a cabeça. “Tu, vem e me ajuda!” ordenou ele ao menino surpreso. “Esta pedra é muito pesada.” Miang aproximou-se de bom grado, e apesar de suas forças serem poucas e não exercitadas, conseguiu empurrar o bloco de rocha para a profundeza, para a satisfação do laborioso. Qual seria a finalidade disso? Miang gostaria ter perguntado, mas um olhar para o rosto pouco amável de seu companheiro fê-lo calar. Trabalharam juntos, sem falar, até que o sol se encontrasse alto no céu e as forças do menino ameaçavam faltar. Aparentemente com desprezo o homem olhou para ele. “Está na hora que entres a meu serviço. Deves tornar-te um homem e não um fracote.” Com isso acenou para que Miang o seguisse. Eles se distanciaram do desfiladeiro e entraram numa fenda estreita na rocha. Após poucos passos esta se alargava e lá encontrou uma tenda feita de peles que, com o lado posterior, encostava na rocha. O interior da tenda estava aquecido. “O que tu me trazes?” queria saber o homem, ao entrar. “Somente a mim mesmo,” retrucou Miang timidamente. Foi realmente pouco o que ele trazia. Suspirou aliviadamente quando o homem lhe disse: “Então deves ganhar tu mesmo o teu sustento. Eu não dou nada de graça.” Ao proferir essas palavras, ditas em tom áspero, dirigiu-se ao fundo da tenda, de onde voltou com alguns pães chatos e uma bebida de leite coalhado. Ordenou que Miang sentasse num dos dois montes de peles. Então ofereceu-lhe pão e o jarro. Vorazmente bebeu o menino extenuado, que desde o dia anterior não tinha se alimentado e sentia falta do leite de Fu-Fu. Quando tinha colocado o jarro vazio no chão, tentou comer do pão. Nesse momento sobreveio-lhe o cansaço, ele caíu sobre as peles e adormeceu. Sorrindo, o homem aparentemente tão duro olhou para o adormecido e, involuntariamente, os seus pensamentos tornaram-se uma prece:
  • 14. “Todo Poderoso, eu Te agradeço por me julgares digno de preparar um de Teus servos. Abençoado é este menino. Não permitas que eu venha a esquecer minha missão de forjar dele um homem. Não me deixes amolecer!” Primeiramente deixou o seu hóspede dormir e retornou sozinho ao seu trabalho, cujo ruído interrompia o silêncio, sem incomodar Miang. Passado longo espaço de tempo, acordou Miang, fortificado e reanimado. Olhou ao seu redor. Ali estavam os pães. Também o jarro estava cheio novamente. Como o homen era amável! Era para ele um sinal de que tinha sido aceito no seu destino provisório. Comeu e bebeu cheio de gratidão, depois lembrou-se da instrução da voz: “Aproveita o teu tempo, que será de curta duração.” Por isso, não deveria demorar-se observando a tenda exótica, deveria voltar rapidamente ao trabalho, que o aproximaria de seu novo mestre. Encontrou-o justamente no momento em que tentava movimentar uma pesada pedra até a borda do desfiladeiro. Rapidamente juntou-se ao trabalho e com estrondo o pedaço de rocha caiu para o fundo. Involuntariamente Miang debruçou-se, para olhar para baixo, no entanto, sentiu-se agarrado bruscamente e puxado para trás. “Curiosidade aqui traz a morte!” exclamou o mestre com voz áspera. E já tinha soltado uma nova pedra. Sem proferir palavra nenhuma, Miang pôs as mãos à obra e eles trabalharam, até que a escuridão os circundou. Só então retornaram para a tenda. O menino gostou do calor que o acolheu, porém, ainda não era hora para deliciar-se com ele. O homem, munido com diversos utensílios, saiu novamente da tenda e chamou Miang para junto dele. Caminharam poucos passos. Sob um ressalto de uma rocha havia pedras empilhadas, sobre as quais o homem acendeu um fogo. “Preste bem atenção,” ordenou a Miang. “Amanhã este é o teu serviço” E o menino admirou-se, como com enorme rapidez pedras eram batidas umas contra as outras, até que centelhas caissem sobre os gravetos. Quando o fogo estava em alegres chamas, foi colocada em cima uma armação com quatro pés e, sobre a mesma, um vasilhame delgado trabalhado em pedra. Continha leite, mas também outros ingredientes, pois agradáveis odores se espalharam quando a mistura esquentou. Espontaneamente, o menino tinha cuidado do fogo, agora o homem lhe disse para deixá-lo apagar-se. Nisso, levantou cuidadosamente o vasilhame e levou-o para a tenda. Estava fumegando: Miang nunca tinha visto uma coisa tão deliciosa. “Venha,” foi o breve convite, com que o homem trouxe um pequeno vasilhame, no qual despejou logo a metade do mingau. Depois, porém, ergueu-se, levantou as mãos e disse: “Todo Poderoso, nós Te agradecemos pelo alimento.” Foram somente poucas palavras e, mesmo assim, pareciam provocar algo grandioso. Tinham transformado o homem deselegante e pouco amável. Em Miang brotou uma grande confiança. “Eu te agradeço, mestre,” disse ele comovido, quando este lhe alcançou o pão e o mingau. “Não tens nada a agradecer-me. Esta refeição tu a ganhaste com o teu trabalho. Não me chama de mestre, eu não o sou.”
  • 15. “Como é que digo então?” “Eu me chamo Fong,” foi a breve resposta. Calados comiam ambos a sua refeição. A seguir, Miang foi mandado para lavar os poucos utensílios num regato de água cristalina, gelada, que corria perto da tenda por sobre as rochas. “Durma,” disse depois. Com saudade lembrou-se o menino da prece conjunta à noite, que para ele tornou- se um costume. Parecia que devia rezar sozinho. Será que alguma vez ouviria de Fong algo sobre o Todo Poderoso? Então seguiram dias com muito trabalho. Miang aprendeu a conhecer a obrigação do trabalho regular, e não era de seu agrado. No seu íntimo revoltou-se mais de uma vez contra isso. Se ao menos soubesse, por que ambos, sob esforço máximo, deixavam rolar as pedras para o abismo! Julgava que então lhe seria menos penoso. Os dias passavam sem alegria. Fong falava somente o absolutamente necessário. Nenhuma palavra de estímulo se fez ouvir. Nenhum gigante estava por perto. Houve dias, nos quais o menino quase desanimou com o pensamento de que pudesse estar no caminho errado. Ele realmente estava, mas de modo diferente do que pensava. Enquanto ele pensava estar abandonado por tudo que o pudesse levar até o Altíssimo, estava a ponto de abandonar o seu Senhor, porque não compreendia o caminho Dele. Tristemente pairavam os olhos de Fong sobre ele, quando gemia em sono inquieto. Teria ajudado de bom grado, mas Miang deveria ele mesmo passar pela dura vivência. Não se podia dar a ele ao menos uma indicação? Fong pediu fervorosamente por esta alma que lhe foi confiada. Então veio resposta, o que devia fazer. De manhã, quando o menino aprontava-se para ir ao trabalho, Fong virou-se e disse asperamente: “Sem alegria fazes o teu trabalho. Desista, até que mudes de opinião.” Miang olhou perplexo para Fong. “Devo prosseguir a caminhada? Não me queres mais ao teu lado?” “Tu ficas aqui, até o Altíssimo nos mandar novas ordens,” foi a resposta, que pouca coragem deu ao menino para continuar a conversa. Não obstante, aprumou-se e perguntou: “O que devo fazer, se não ajudar a ti com as pedras?” “Nada.” Isso era conclusivo. Com barulho de trovão foram lançados no penhasco diversas pedras em seqüência rápida. Qualquer possibilidade de entender uma palavra estava cortada. Por alguns momentos Miang parou indeciso. Não podia entender que estava livre para poder fazer o que bem entendesse. Em seguida olhou ao redor. Nunca tivera tempo para fazê-lo. Inóspitas, as rochas miravam de alturas vertiginosas para baixo, fincadas até as profundezas na neve e gelo. O esplendor do sol pairava luminoso sobre as mesmas, mas seus raios mostravam ainda mais nitidamente quão acidentadas e rasgadas elas eram. Vagarosamente dirigiu-se Miang até um ressalto da rocha, que logo adiante impedia a visão. Não havia um ser vivo em parte alguma. Se ao menos Fu-Fu estivesse junto dele! Com esforço infinito alcançou o alvo que havia fixado, ele escalou as
  • 16. encostas desse ressalto de rocha e obteve, então, uma visão ampla desimpedida. Montanhas elevaram-se atrás de montanhas, entre elas havia profundos precipícios. Também ao lado do ressalto, onde se encontrava, abria-se rente um precipício profundo. O menino teve que desviar-se e fechar os olhos, teve vertigens. Sentou-se e apertou as mãos contra o rosto. “Todo Poderoso,” gemeu ele e, novamente, “Todo Poderoso.” Quando pronunciou a palavra sagrada pela segunda vez, emocionou-se. Como o Altíssimo, que tudo isso criou, devia ser sublime, muito além do nosso entendimento! Onde poderia morar, onde podia ser encontrado? Pois Miang queria procurá-Lo. Estava ele no caminho certo até Ele? Não havia perda de tempo inútil com o trabalho pesado em silêncio? Sempre de novo os pensamentos voltavam-se para essas duas questões. Não estava acostumado a encontrar respostas sem qualquer ajuda, mas as perguntas não o largavam, pois precisavam ser solucionadas. Ele repensou sua vida até agora: nitidamente palpável foi a condução do seu mais alto Senhor durante os últimos anos. De modo maravilhoso tinha avançado, também para aqui. Também para aqui! A respiração do ser humano, que estava lutando por clareza, parou, um fino véu caiu! A vontade do Altíssimo também o mandou para cá, isto ele acreditava firmemente. Como podia desanimar-se a tal ponto? Com isso também estava solucionada, como lhe parecia, a segunda pergunta. Se estava aqui por vontade do Altíssimo, então o tempo não poderia ser inútil. Respirou aliviado. Olhou ao seu redor e percebeu que o sol estava declinando. Devia apressar-se na volta, se não queria perder a hora de seu compromisso de preparar a refeição noturna. Mas a descida era bem mais dificultosa que a subida. Estava quase completamente escuro quando chegou ao local do fogão, onde o fogo já havia se apagado. Entrou rapidamente na tenda, onde Fong parecia estar dormindo sobre o seu monte de peles. Por longo tempo parou, indeciso, depois procurou o seu leito e caiu logo no sono, apesar de sua fome de roer. Dormiu um sono profundo. Quando, na manhã seguinte, abriu os olhos, a tenda estava iluminada pelos raios do sol. Ao seu lado, no chão, estava a sua refeição. Estava sozinho. Pela primeira vez Fong não o havia chamado. Apressadamente engoliu o pão e o mingau. Quando a primeira fome forte estava saciada, parecia-lhe ouvir repentinamente a voz de Fong, que naquela vez tinha dito, que deveria ganhar seu sustento trabalhando. Ontem não tinha feito nada. Hoje perdeu a hora! De fora chegou até ele o barulho de enorme trabalho, pedra por pedra rolava para a profundeza. Miang não se reteve mais. Rapidamente juntou-se ao trabalhador e queria ajudar. Fong interrompeu seu trabalho somente para dizer: “O trabalho te parece sem utilidade e sentido. Tu estás livre!” Novamente estava despedido. Porém, se ontem, após o primeiro espanto, havia sentido um leve sentimento de alívio, hoje sentia somente tristeza. Fong havia sentido os seus pensamentos! Fong rejeitava-o. Tinha sido um ajudante descontente e devia ter sido um agradecido. Envergonhado caminhou riacho acima. Queria ficar nas proximidades para poder chegar a tempo em casa, mas Fong não deveria poder vê-lo. O murmurar da água, que alegremente saltitava para o vale, mal sobrepôs-se ao barulho enorme das pedras. Miang jogou-se sobre o pedregulho e suplicou ao Altissimo
  • 17. por ajuda, força e iluminação. Dessa forma nunca havia invocado o seu desconhecido Senhor. Nunca tinha estado tão profundamente convicto, de que seu pedido seria ouvido e atendido. Nesse instante caiu novamente uma venda. Depois de ter rezado: “Eu sou o Teu servo, Altíssimo, mesmo se ainda não conheço o meu serviço, nem sei tampouco, como e com que posso servir-Te,” veio-lhe a certeza de que também Fong era um servo do Altíssimo. A mando de seu Senhor ele executava o seu trabalho dia após dia. Contudo, Miang também foi trazido até ele a Seu mando. Portanto, ele deveria ter considerado imediatamente essa inútil movimentação de pedras como servir. Em vez disso, tinha reclamado em seu íntimo. Não era de se admirar que Fong não mais o considerasse digno de ajudar. O menino caiu em ardente pranto. Não chorava facilmente, apesar de ser tão jovem e sensível, mas estas lágrimas provinham de amarga vergonha e arrependimento e trouxeram consigo sua benção. Quando esgotaram-se, havia surgido algo novo na alma de Miang, a firme vontade de reparar seu erro. Daqui por diante queria assumir o trabalho, por mais pesado, sem reclamar, sem questionar. Perpassou-lhe: Não residia uma parte de sua culpa no constante questionamento pelo porquê do trabalho? Por acaso, as suas cabras alguma vez perguntaram, por que os chamava das mais suculentas ervas, para empenhar-se em outro caminho? O que o seu Senhor deveria pensar de seu futuro servo, que a cada ordem queria antes saber o motivo? Oh, como estava envergonhado! Novamente corriam as lágrimas mal acalmadas e lavaram de sua alma o último vestígio de presunção. “Quem sou eu, Senhor, que me atrevo cismar a respeito de Tuas ordens?” Em voz alta o tinha exclamado e não se admirou, quando recebeu resposta: “És um pequeno homem insensato!” falou uma vozinha clara. Ele se virou. Sobre uma pedra redonda na água estava sentada uma pequena figura feminina. Fluentes como a água era seu vestido e seus cabelos. Parecia, às vezes, como que se dissolvesse na correnteza. Miang olhou admirado para a graciosa criatura. Nunca em sua vida havia visto algo tão bonito. “Quem és tu?” perguntou receoso. “Eu sou a vida dessa água, cada córrego, cada rio tem a sua. Eu pertenço a esta água, e ela me pertence.” O menino refletiu sobre a resposta “Então tu também és uma serva do Altíssimo?” queria saber. A ente confirmou e riu: “Eu sou o que tu queres ser.” “Tu percebeste tudo o que eu disse e o que pensei?” indagou Miang. “Isso não foi difícil saber,” sorriu a ente. “Esperamos todos os dias para que os teus olhos se abrissem. Tu, porém, precisavas primeiro conhecer-te a ti mesmo, antes que pudesses ver-nos. Olha ao teu redor!” E o braço branco como a neve indicou ao redor. Aí Miang viu gigantes deitados, os quais levantaram as cabeças e acenaram para ele. Mas ele viu ainda mais: em toda parte movimentavam-se pequenos vultos céleres, trabalhando com afinco.
  • 18. Júbilo preencheu o há pouco ainda desanimado. Ele não mais estava sozinho. Sentiu-se incorporado ao grande número dos servos. Levantou-se rapidamente. “Fique ainda,” pediu a ente. “Querida ente, eu tenho que ir trabalhar,” afirmou Miang cordialmente. “Qual é o teu trabalho?” “Até agora tive que ajudar a soltar pedras e despachá-las para a profundeza,” Miang quase não se permitia mais tempo para responder a pergunta. “Que estranho,” disse lentamente a ente encantadora. “Os gigantes não poderiam fazer isso bem melhor?” O questionado não pensou nem um instante. “Bem possível, mas o Altíssimo nos encarregou desse trabalho, então deve ser necessário que nós o façamos.” “Então vá ao teu trabalho,” sorriu a graciosa. “E quando te for permitido um descanso, visite-me e conte-me sobre isso.” “Vida, eu te agradeço,” exclamou o menino ao distanciar-se aos saltos. Ao seu lado andavam com passos pequenos duas figurinhas cinzentas como pedra. Confiantemente olharam para ele, que se sentia grosseiro e enorme ao lado deles. “Acordaste finalmente, tu meio servo?” perguntou um deles, que portava uma comprida barba encanecida. “Sabes tu agora algo do que significa servir?” “Eu ainda sei muito pouco, mas eu o aprenderei.” retrucou Miang confiantemente. Ele tinha alcançado Fong, que parecia desempenhar tranqüilamente o seu pesado trabalho. Sem perguntar, Miang começou a trabalhar resolutamente. Ele sabia que não mais seria mandado embora. Os dois trabalharam silenciosamente, até o pôr do sol. Se Miang tinha esperado por alguma palavra de Fong, então estava muito enganado. Seu mestre tinha ficado ainda mais calado e isso, também, não mudou nos próximos dias. Miang, por sua vez, não teve coragem para dirigir-se ao calado. Também, o que poderia ter dito? Daquilo que se passava no seu íntimo, o homem parecia não querer saber nada. De outro assunto o menino não sabia falar. Mas isso não o afetava mais. Desde que parou de resmungar sobre a finalidade do trabalho que lhe parecia tão inútil, concentrou toda a sua atenção sobre o mesmo. Ele viu, cheio de admiração, como as grandes e pequenas pedras estavam encaixadas no solo. Observou as formas e descobriu, então, que geralmente possuíam cores completamente diferentes. Algumas eram brilhantes e reluzentes quando o sol incidia sobre elas, outras brilhavam do seu interior em vermelho profundo ou azul saturado. Como isso era belo! Com entusiasmo renovado ele cavou, empurrou, puxou e arremessou. Somente lamentava que toda essa beleza devia implacavelmente cair no abismo. De um dia para outro ele começou a sentir satisfação no trabalho, principalmente quando pôde observar como as forças de seu corpo aumentavam. Leve ficou para ele o que antes lhe parecia tão difícil. Um dia, na alegria sobre essa descoberta, afastou rapidamente as mão de Fong para o lado, quando este quis apanhar um grande e pesado bloco. Sozinho o tirou do solo, rolou-o até o abismo e deixou-o cair com estrondo.
  • 19. Aí Fong afastou-se do penhasco. Assustado, Miang virou-se e olhou para ele. Estava o homem aborrecido pela sua autosuficiência? Um olhar para as feições de Fong acalmaram-no, e mais, encheram-no de surpresa. Havia um brilho de grande alegria nelas. “Nós podemos parar de trabalhar, Miang,” ouviu a voz do homem. Também esta estava totalmente transformada, muito mais suave do que antes. “O começo daquilo que tu deverias aprender, está terminado. Vamos agradecer ao Altíssimo.” Juntos caminharam até o ressalto de rocha, no qual Miang, há pouco tempo, tinha passado o seu primeiro dia solitário. A subida, hoje, não lhe parecia mais difícil. Com o coração aliviado caminhava atrás de seu companheiro, olhando alegremente ao redor. Também a paisagem parecia mudada. Certamente os píncaros rochosos estendiam- se até o céu, profundos desfiladeiros encontravam-se entre eles, mas a luz do sol dourado iluminava tudo isso e, para onde dirigia seu olhar, encontrava a mais animada vida. Como a um velho conhecido os gigantes acenavam para o menino feliz. Alegremente cercavam-no as pequenas figuras dos homemzinhos cinzentos. Chegando no topo, Fong levantou os braços para o céu e pronunciou uma curta e fervorosa prece de gratidão, por ter o Todo Poderoso feito com que esta primeira parte da formação tivesse tanto êxito. Depois os dois sentaram no mesmo lugar, onde o menino tinha enfrentado sua primeira e solitária luta consigo mesmo. E veja: Fong, o silencioso, começou a falar: “Eu me alegro por ti, Miang. Nestas semanas tens aprendido muito, mais do que tu mesmo ainda podes pressentir. Em força e habilidade tornaste-te um homem. Fazer isso de ti era uma parte da minha missão recebida do Altíssimo. Certamente deves servir futuramente ao nosso elevado Senhor com o espírito, porém, para a vida que deverás levar, necessitas de um corpo bem treinado. Primeiramente este deveria ser desenvolvido, antes que eu preenchesse o teu espírito facilmente impressionável com o saber do Todo Poderoso.” Os olhos de Miang arregalaram-se admirados. “Então tu queres me falar do Altíssimo? Tu queres me ensinar?” Júbilo estava contido em sua voz. Sobre as feições de Fong passou um sorriso, que o embelezou maravilhosamente. “Creia-me, Miang, eu ansiava pelo dia de poder fazer isso. Mas primeiro tu devias ser preparado para isso. Tu tinhas que aprender, a partir de teu íntimo, a cumprir as ordens do nosso Senhor sem questionar e sem reclamar. Ele não pode aproveitar servos hesitantes. Depois tinhas que descobrir que o trabalho é uma benção. Deves alegrar-te com ele!” “Isto eu aprendi,” assegurou Miang convencido, “e nunca mais o esquecerei!” “Achas que terias aprendido isso tão bem, se eu apenas o tivesse dito?” indagou Fong. O interrogado pensou um pouco, depois disse francamente: “Acredito que não. Somente quando tive que sentir vergonha de minha inatividade e indignidade, senti a bênção que se encontra escondida no trabalho.” Ainda conversaram muito, os dois, aos quais a vontade do Senhor finalmente tinha soltado as línguas. Somente agora Fong pediu que o aluno narrasse a sua vida até agora.
  • 20. Miang o fez com palavras eloqüentes. O longo silêncio tinha reprimido muitas coisas, fez amadurecer algumas, que agora procuravam expressar-se. De tempos em tempos Fong levantava a mão. Então o narrador parava, e juntos admiravam a maravilhosa condução, que tão seguramente guiou os passos de degrau a degrau. “Agora também entendo, por que o ancião teve que pedir-me a Fu-Fu,” exclamou Miang repentinamente todo entusiasmado. “Certamente, não poderia ser diferente,” afirmou Fong. “Tu tiveste que ser desligado de tudo o que te atava ao passado, que ainda poderia tornar-te sensível. E então chegaste até o companheiro rude,” continuou sorrindo. “Foi muito difícil?” “Eu vi teu rosto na oração de graças, isto me ajudou.” Miang o disse singelamente; o outro o compreendeu e não continuou a perguntar. Esse dia eles concluíram em oração conjunta, tinham que agradecer por tal grandiosidade. Na manhã seguinte estavam, como de costume, no penhasco. Também hoje pouco falaram. Pesado demais era o trabalho, mas trocaram um ou outro olhar satisfeito, alguma exclamação alegre. Quando o sol estava em seu ápice e seus raios perpendiculares tornaram o enorme trabalho mais pesado, Fong afastou-se. “Vamos comer algo e depois procurar a sombra, onde a encontrarmos.” Foi um dia maravilhoso, ao qual seguiram outros parecidos. Após o trabalho fatigante começavam os ensinamentos, que ainda acompanhavam Miang durante o sono onde se tornavam vivências. Quando certa vez falavam que não existia um “por quê” no servir ao Altíssimo, Miang acenou com a cabeça, convencido. “Agora eu sei que, com as minhas perguntas primeiramente curiosas e que se tornaram resmungos, eu teria estragado o meu futuro, se tu não me tivesses afastado do caminho errado.” “Quem te disse isso?” queria saber Fong. “A voz, que às vezes me fala. Recentemente, de noite, ela me falou como eu era tolo no início, e como estava em perigo de me tornar mau.” “E tu ainda queres saber por que nós movimentamos as pedras?” Miang enrubreceu. Gostaria muito dizer não e sentiu perfeitamente que essa palavra não teria correspondido à verdade. As perguntas pelo motivo ele somente as tinha deixado de lado. “Agora posso dizer-te,” animava-o Fong, que deixava vagar seu olhar para longe. “Está errado se te pedir para que não o faças?” foi a resposta totalmente inesperada do aluno. “Eu sinto alguma coisa dentro de mim que me diz, que não mereço essa explicação. Primeiro devo aprender direito a matar também o último “por quê” dentro de mim.” Cheio de alegria, Fong abraçou o jovem. “Tu estás no melhor caminho, Miang. Minha pergunta deveria ser um teste. Foste aprovado. Com isso, porém, chegou o momento em que deves deixar-me. Nada mais
  • 21. posso te ensinar. Deves viver entre os homens e observar sua conduta. Deves colher experiências para o teu futuro servir.” Penetrantemente olhou para o companheiro. Viria a manifestar a pergunta: “Em que consiste esse futuro servir?” Não, nada se expressou nas feições claras, sinceras, somente o susto pela separação próxima. E, apesar dessa emoção tão natural, dominou- se. Miang preparou-se para imediatamente iniciar sua caminhada. Fong teve que sorrir um pouco. “Não tem tanta pressa assim, meu amigo. Receberemos instrução sobre o que deves empreender, para onde deves dirigir-te. Isso pode acontecer ainda hoje, ou somente nos próximos dias. Deixe-nos aproveitar ainda cada hora que estaremos juntos.” Inicialmente, Miang ainda estava um pouco atordoado por causa da comunicação repentina, de modo que Fong achou melhor empreender uma caminhada com ele. Nisso, chegaram até a pedra, sobre a qual havia se mostrado a alegre ninfa da água. Curioso, Miang olhou para lá e ficou contente, quando a bela figura acenou cumprimentando. “Eu não tive tempo para vir antes,” exclamou o humano. “Eu sei,” recebeu como resposta. “Estiveste muito ativo, tão trabalhador, que agora nada mais há a fazer para ti. Ande pelo mundo afora e, se os homens não te agradarem mais, procure por minhas irmãs nas águas claras. Leva-lhes lembranças de Hima.” Desapareceu a figura após a última palavra, mal Miang ainda pôde externar seu agradecimento. Então olhou para Fong. O que este diria? Um olhar para as feições do mesmo confirmaram a Miang que seu companheiro tudo havia visto e compreendido. “Também podes ver os gigantes?” perguntou Miang, feliz. “Certamente, já há muito são meus bons amigos. No início foi-lhes permitido ajudar-me no trabalho com as pedras, ao qual também tive que me acostumar primeiro.” Após longo silêncio pronunciou Miang uma pergunta, a qual já muito tempo o ocupava: “Sempre soubeste do Altíssimo?” “Sim,” foi a resposta. “Eu sabia Dele, porém, somente O encontrei aqui nesta solidão. Meu pai havia me falado Dele, também deixava-me participar da sua oração diária. Mas creia-me, o que nos é dado sem esforço, àquilo não damos atenção.” Isso Miang entendeu por experiência própria. Devia, entretanto, refletir mais sobre essas palavras. Ainda encontrava-se na procura pelo seu Senhor, quando ser-lhe-ia permitido servir, servir realmente, não somente em ajudar a outrem? E em que iria consistir o seu servir? O que quer que fosse, estava convicto de que o faria com alegria. Até esse ponto haviam chegado os seus pensamentos, quando ouviu vozes. Fong tinha parado, escutando. Seres humanos nesta solidão era algo totalmente incomum. Mas não lhe pareciam totalmente inesperados, somente curiosidade, não surpresa desenhava-se no rosto do homem, enquanto Miang sentiu um forte impulso de esconder-se em algum lugar. As mãos de Fong o seguraram. Juntos olharam para o que estava chegando. Dois homens aproximavam-se, trazendo as suas robustas montarias nas rédeas devido à trilha estreita. Tinham aspecto bem diferente das pessoas que Miang havia visto antigamente e as quais, como ele, tinham seus corpos cobertos com peles. Estes dois usavam vestimentas coloridas, o que parecia ao jovem surpreso algo imensamente suntuoso, causando-lhe, entretanto, um certo desconforto.
  • 22. Quando avistaram os dois que aguardavam, conduziram seus animais para detrás de alguns grandes rochedos, acalmando-os com algumas palavras. Então vieram ao encontro de Fong. “És tu Fong, príncipe da tribo amarela?” perguntaram em dúvida, porém, com respeito. “Eu me chamo Fong,” retrucou o interpelado com dignidade. “O príncipe deixei de lado, juntamente com as vestimentas.” “Então, a despeito disso, és aquele que procuramos. A tua tribo necessita do príncipe. Lá não existe mais ninguém que nos pudesse guiar. Venha conosco. Mais lá embaixo aguardam as montarias, servos e vestimentas.” Involuntariamente Fong abanou a cabeça. Com receio inexplicável Miang olhou para ele. O que ele faria? Era ele realmente um príncipe? Como ele iria decidir-se? Aí soou a voz de Fong, calma e firme. “Não por capricho eu vim para esta solidão, mas para procurar o Altíssimo, para que também o meu povo aprenda a encontrá-Lo. Se chegou o momento de meu retorno, então quero acompanhá-los.” Cortando as alegres exclamações dos homens, prosseguiu: “Fiquem aqui essa noite, então quero procurar perscrutar a vontade do Altíssimo e lhes darei uma resposta amanhã.” Ele não havia dito: “Fiquem comigo.” Com espanto viu Miang, como os homens se curvaram, caminharam calados até seus animais e retornaram pelo caminho pelo qual chegaram. Somente quando estavam fora do alcance da vista, Fong falou com profundo suspiro: “Então também nós teremos que voltar para casa, Miang. A hora da decisão chegou para mim, mas também para ti. Antes de dormir, deixe-nos pedir ao Altíssimo para que abra meus olhos e ouvidos para perscrutar Suas ordens.” Foi uma oração maravilhosa, que Fong enviou ao alto para o seu Senhor. Longo tempo Miang ainda teve que refletir sobre a mesma. Esta oração e toda a silenciosa atuação de seu companheiro ensinaram-no a compreender melhor o sentido do servir do que tudo o que até então vivenciara. Quando acordou na manhã seguinte, diante dele estava Fong, vestido com vestimentas suntuosas. Ele parecia tão majestoso, que involuntariamente Miang curvou- se diante dele, como o tinha visto os homens fazerem. “Levanta-te, Miang, chegou a hora em que eu, a mando do meu Altíssimo Senhor, devo retornar para junto de meu povo. Se quiseres, isso não precisa ser uma separação para nós. Me é permitido levar-te, se tu assim o desejares.” Miang não conseguiu proferir palavra alguma. Suplicando estendeu as mãos. “Eu separei uma vestimenta para ti, ela será suficiente até que possamos providenciar uma melhor. Por ora, a época das peles terminou.” Com agrado olhou para o jovem que, sem pensar muito, vestiu as peças estranhas para ele e estava diante dele numa beleza inconsciente, singular. Uma curta oração, uma rápida refeição, depois Fong pediu ao seu companheiro que deixasse a tenda. “Vamos ir ao encontro dos homens. Nossos passos para a vida lá embaixo devem ocorrer voluntariamente.”
  • 23. Fong instruiu o jovem para colocar em ordem os seus poucos pertences e as peles. Não levaram nada consigo, mas tudo deveria estar aprovisionado da melhor forma possível. Depois caminharam para a vastidão dourada pelos raios do sol e rapidamente encontraram a trilha que levava para baixo. À beira de um riacho, que do alto emaranhado de montanhas precipitava-se por entre as planícies verde-aveludadas, caminhava um belo jovem. Pensativo, mantinha a cabeça abaixada, não dando atenção aos passarinhos e a outras pequenas figuras que aqui e acolá dele se aproximavam confiantes. Parecia não chegar a uma conclusão sobre aquilo que ocupava sua alma. Suspirando, sentou-se num bloco de granito e não percebeu que a água respingava justamente nesse local, cobrindo-o de vez em quando com uma golfada de gotas aperoladas. Agora, porém, algumas alcançaram o seu rosto. Indiferente, as secou e olhou ao seu redor. “Então fui novamente para perto da água,” murmurou baixinho. “Parece que algo me chama. Será que as irmãs de Hima têm uma mensagem para mim? Então vou chamá-las logo.” Levantou-se e lançou sua voz por cima do estrondo. “Vós, irmãs, ouçam-me. Saudações tenho para vós de Hima, a formosa.” Debruçou-se escutando. Parecia ter ouvido um riso límpido, mas o estrondo das águas o tragou. Em lugar nenhum conseguiu avistar uma figura. Chamou novamente as mesmas palavras, outra vez sem êxito. “Por que elas não vem? Elas me escutam, isso eu sinto. Eu preciso delas.” Tinha dito isso contrariado, então pensou: “Se eu necessito delas, devo chamar de maneira diferente. Elas têm razão em não atender a tão tolo chamado. Eu não pedi que viessem.” Sorrindo, fez novamente soar sua voz: “Ó, irmãs de Hima, aqui está um homem solitário que deseja dialogar com vocês. Peço-lhes que apareçam!” Novo riso mais forte, simultaneamente o jovem sentiu-se envolvido como que por leves véus. Diante dele, no chuviscar da água, estava uma figura que lhe parecia bem conhecida. “Hima!” exclamou alegremente. “Não Hima,” soou ao seu encontro. “Eu me chamo Hila. Tu chamaste pelas irmãs. Não sabes tu que em cada água só vive e reina uma de nós? Se quiseres ver mais, tens que caminhar adiante.” Foi dito de modo extrovertido. O ser humano ali não conseguia responder nesse tom brincalhão. “Hila, eu estou solitário,” disse suplicante. “Isto eu já ouvi uma vez,” riu a ente. “Agora que estou contigo, essa solidão terminou. Ela também não precisaria existir, se nos teus pensamentos sismadores não te tivesses absorvido tão inutilmente. Olha ao teu redor: tudo vive e está disposto a ajudar- te.” Assim como Hima o tinha feito antes, Hila indicou com o braço estendido ao redor e os olhos de Miang pareciam abrir-se. Em toda parte viu os pequenos e pequeníssimos
  • 24. entes, o vale do riacho parecia estar repleto de atividade. Suspirando aliviado, sentou-se novamente na pedra grande, enquanto a ninfa escolheu um lugar envolto de água para descansar. “Tu estás recaindo em erros antigos, Miang,” animou ela o ser humano, que procurava por palavras. Com isso, porém, ela não conseguia desencadear o fluxo de suas palavras, ao contrário: ele teve que refletir tão intensamente sobre o sentido de suas palavras, que esqueceu tudo ao seu redor. “Erros antigos?” murmurou ele. “Erros antigos?” Um som surdo, que parecia soar demoradamente de longe, o fez sobressaltar-se. “O príncipe chama, adeus Hila, eu voltarei.” “Procura o teu erro,” ecoou da água, mas Miang já tinha se afastado a passos largos. Quando, seguindo o som, chegou ao local onde um homem, com toda sua força, fez soar os sons graves através de um enorme chifre de animal, encontrou-se em meio a intenso movimento. De todos os lados homens aproximavam-se, cada um tinha deixado os seus afazeres para ouvir o que o príncipe desejava. Após algum tempo todos pareciam estar presentes, pois o chifre silenciou, em seu lugar ouvia-se a voz de grande alcance de um homem, que subiu numa plataforma de pedras empilhadas. “O príncipe Fong comunica a vós, ó homens, que é necessário combater os animais predadores que parecem ter-se multiplicado enormemente, causando grande prejuízo aos nossos rebanhos.” Um murmúrio surdo perpassava as fileiras dos ouvintes.” Apesar de os nossos pastores terem recebido a ajuda de uma escolta,” continuou o palestrante, “não lhes é possível defender-se das pilhagens noturnas. Mas o que ainda é pior, nos chegam notícias de assaltos aos assentamentos em direção ao nascer do sol, contra os quais as mulheres e crianças são impotentes.” O murmúrio intensificou-se, exclamações indignadas fizeram-se ouvir, algumas mãos se ergueram. “Deve ser prestado auxílio imediato e uma expedição guerreira deve ser empreendida contra os bandidos” Subitamente levantaram-se as cabeças dos homens, seus membros se aprumaram: uma expedição guerreira, isto era uma notícia bem-vinda! “O príncipe Fong manda convocar-vos, ó homens. Não deveis acompanhá-lo obrigados, isso deve acontecer voluntariamente. Também não devem participar desse grupo os anciãos e nem os jovens, pois será um empreendimento sério que exige valentia. Devem ficar também aqueles cujo cargo assim o exige. Voltem para casa e decidam quem quer atender ao chamado. Voltem aqui hoje antes do anoitecer.” O anunciante deixou a plataforma e foi imediatamente circundado pela multidão excitada. Cada um parecia ter perguntas: “Em que direção seguiria o grupo, se o príncipe os acompanharia, quem deveria ser considerado jovem e muitas coisas mais. Inicialmente o homem deu respostas pacientemente, quando a afluência das pessoas aumentou, ele se desvencilhou. “Miang, onde está Miang,” gritou ele por sobre as vozes agitadas. “O príncipe Fong chama-te. Eu te acompanho.” Rapidamente Miang dirigiu-se para perto dele. Juntos abriram caminho por entre a multidão que se debandava em vários grupos.
  • 25. “Achas, Hang, que o príncipe irá levar-me junto”? perguntou excitado. O outro o olhou, detendo os passos por um momento, e levantou a mão, indeciso. “Isto ninguém pode prever,” foi sua resposta. “Se tu fosses um de nossos jovens eu não teria dúvida, mas contigo ele tem algo especial em mente. No entanto, receberás tua resposta imediatamente,” acrescentou Hang sorrindo, “lá adiante vejo o príncipe nos aguardando.” Em frente a uma grande bonita tenda estava Fong, a cujo aspecto totalmente modificado Miang teve que se acostumar sempre de novo. Não eram somente as suas pomposas vestimentas que tornaram a sua figura extremamente imponente, também não somente a expressão de seu semblante, mas pairava uma altivez sobre o seu antigo companheiro, que parecia excluir qualquer intimidade. Miang sentiu-se incapaz de aproximar-se de Fong da maneira habitual. Extintos pareciam os últimos dias de deliciosa amizade na selvagem região montanhosa. Também agora o jovem aproximou- se com profunda reverência ao que o aguardava e esperou que ele lhe dirigisse a palavra, mesmo que tudo dentro dele o impelia a falar e perguntar. Se tivesse levantado o olhar, deveria ter notado o olhar paternal de Fong sobre ele. “Miang, mandei chamar-te,” iniciou ele, “porque tenho assuntos importantes para tratar contigo. Como foste informado, eu devo partir amanhã com os meus súditos contra os animais ferozes.” Interrompendo-se involuntariamente, notou como o semblante de Miang cobriu-se com palidez mortal. “O que tens?” exclamou assustado. “Meu pai também partiu e nunca mais voltou,” respondeu Miang impetuosamente. “Isso não é motivo de supor que eu também não retorne,” sorriu Fong amavelmente. “Então ao menos deixe-me acompanhar-te,” irrompeu do jovem.”Mas já percebo que queres dizer não. Falaste dos teus súditos. Eu sou o estranho que toleras com bondade, mas do qual tu não necessitas!” Fong tentou em vão interromper os palavras que brotavam. Somente quando o exaltado parou para respirar, foi-lhe possível dizer com voz firme, amigável: “Estás num caminho errado, Miang, que levar-te-á ao emaranhado de velhos erros. Eu havia te escolhido para guiar o povo na minha ausência. Porém, quem não é capaz de controlar- se a si mesmo, não pode guiar outros.” Suspirando em silêncio, afastou-se e deixou Miang sozinho, uma presa dos mais conflitantes sentimentos. Decepção, vergonha, arrependimento clamavam no peito de Miang. Teve vontade de fugir para a solidão, sentiu-se, porém, preso a este local, do qual tinha que observar como Lung, um homem mais idoso, prudente, foi chamado pelo príncipe e provavelmente incumbido com a representação. Depois viu os preparativos para a caça e a dor de talvez perder Fong sobrepôs-se a todas as outras vozes. E com esse medo na alma arrastou-se até a sua tenda e jogou-se sobre o seu leito de peles. Hora após hora passou, ele não o percebeu. Quando olhou ao redor, o breve crepúsculo já havia chegado e a lua quase cheia enviou a sua luz prateada por sobre a paisagem. Agora a reunião certamente já havia começado. Miang assustou-se, entretanto, consolou-se com o fato de que o príncipe havia recusado a sua participação no grupo. Assim também era supérfluo nos preparativos. Mas a partida dele, queria e precisava ver!
  • 26. Saiu de sua tenda e esgueirou-se até a tenda de seu antigo companheiro. Esperou por longo tempo, depois, ruídos confusos, vozes, o fungar dos cavalos indicaram o encerramento da reunião. Agora o príncipe deveria aparecer. Miang queria tentar obter alguma tarefa para o período da ausência. Se pedisse humildemente, certamente Fong não recusaria. Mas o que foi isso? O ruído vindo do local de reunião afastava-se mais e mais. Não havia dúvida, o grupo tinha se formado e estava partindo a galope! Aniquilado, Miang ficou parado ao lado da tenda, estremecendo de agitação interior. Fong havia partido, talvez para nunca mais voltar! Fong novamente o havia rejeitado! O que havia dito para zangar o nobre? Quando, desesperado, se fez essa pergunta, ouviu dentro de si o eco de suas próprias palavras tolas e a resposta severa, repreensiva, do príncipe entremeado à chamada de Hila, como canto de pássaros: “Procura teu erro!” Envergonhado esgueirou-se novamente para sua tenda, jogou-se de joelhos diante de seu leito e implorou ao Altíssimo por clareza, para reconhecer seu erro e o seu caminho, por força para finalmente trilhar esse caminho! Por longo tempo permaneceu absorto, nenhum ruído o atrapalhava, de modo que finalmente adormeceu. Pareceu-lhe, então, que viu um homem muito jovem num caminho solitário. Este caminho era estreito, mas de grande beleza em meio a uma paisagem selvagem com todo tipo de perigos iminentes. Às vezes a subida era íngreme, então o caminhante parava, como se tivesse dificuldade de respirar, porém, não olhou para trás. Somente agora Miang percebeu que os olhos do homem estavam fechados. Mas então era surpreendente que esse jovem conseguia caminhar de modo seguro. Ainda enquanto Miang considerava isso, viu o caminhante tropeçar, mas antes que esse pudesse cair, ele foi agarrado de cima por uma mão muito grande, luminosa, que empurrou-o novamente sobre o caminho seguro. Isso repetiu-se várias vezes. Quando a mão então novamente quis colocá-lo no caminho certo, o homem abanou a cabeça negativamente. Ele começou a apalpar as imediações e fez tentativas de trilhar um caminho diverso do indicado pela mão auxiliadora. Miang ficou impaciente. “Deixa-te guiar, pois tu mesmo estás cego!” gritou para a figura do sonho. Este, porém, tinha se demorado muito tempo com a procura. Nisso havia perdido o caminho até então trilhado, tinha chegado a um declive úmido, coberto de musgo e escorregou irresistivelmente rumo ao precipício. Miang acordou com um grito. O que aconteceu? Nitidamente ainda via o jovem resvalar e deslizar pelo caminho escorregadio em direção ao abismo. Ficou com medo. Subitamente sabia que era ele o jovem! O Altíssimo não o havia conduzido até agora, assim como ele o havia visto agora? Ele nunca soube para onde o seu caminho o conduziria, também não o sabia agora. Só uma coisa estava certa. O Altíssimo o mandava conduzir com mão firme. Ele só deveria deixar-se conduzir. Era isso! Agora caiu-lhe a venda dos olhos. “Deixar-se conduzir,” isto ele tinha que aprender, isto era o mais importante, pois ele não conhecia o caminho até o Altíssimo! Mas como devia fazer isso, se deixar conduzir? “Não ter vontade própria,” murmurou uma voz dentro dele. Sim, o que foi que ele queria? O que não havia estado de acordo com a vontade do Altíssimo? Então, novamente viu Fong diante de si, Fong, que até agora o havia instruído e conduzido a mando do Altíssimo. Sim, a mando do Altíssimo! Isto Miang havia esquecido. Ele mesmo queria decidir, interferir. E agora? Encontrava-se ele realmente já diante do abismo? Com perigo de precipitar-se?
  • 27. Calor percorreu as suas veias. Nenhum passo deveria seguir nesse caminho, que o levava ao perigo máximo. “Ó, Todo Poderoso,” irrompeu dele, “quero tornar-me Teu servo, ajuda-me para que não venha a desviar-me do caminho, que devo trilhar até junto a Ti!” Não agüentava mais ficar dentro da tenda, correu para o ar livre. A lua estava no alto do céu, mas a Miang parecia que algo o chamava e o puxava mais longe para a natureza. Era Hila, que o chamava? Aqui fora estava claro que nem dia. A luz da lua pairava prateada sobre cada pedra, cada palhinha de grama. Em pensamentos profundos caminhava Miang meio inconsciente para diante. De repente, seu pé esbarrou numa pedra saliente. Ele tropeçou, quase caiu. Levantou o olhar fixado no chão. Então viu algo que até então nunca havia visto. Uma figura envolta em luz encontrava-se diante dele, sorriu para ele. Estupefato Miang olhou para o milagre. “Quem és tu?” balbuciaram seus lábios. “Teu amigo,” veio cristalina a resposta. “Meu amigo? Mas eu não te conheço!” “Realmente não, Miang?” tinia novamente tão cristalino, tão amável até ele. Então parecia como se um véu se rasgasse diante de seus olhos. Ele olhou nos olhos da figura e então veio-lhe uma recordação, que ainda não conseguia compreender, captar. “Não continua procurando por ora,” ordenou o desconhecido. “Escuta-me, Miang. Eu sou teu amigo, já lhe disse. O Altíssimo enviou-me para ajudar-te. Diga-me em que posso te ajudar.” Fervorosamente irrompeu de Miang: “Ó, Todo Poderoso, eu Te agradeço! Maravilhosamente escutaste o meu rogo! Eu Te agradeço!” Então dirigiu-se ao estranho: “Eu não sei mais o que devo fazer, para me tornar um servo do Altíssimo, e mesmo assim sei que devo sê-lo!” “Tu fazes demais!” disse ele, calando-se novamente. Perplexo, Miang olhou para ele. Não deveria fazer mais nada? Mas Fong não teve que transportar pedras, a mando do Altíssimo, e ele não teve que ajudá-lo nesse trabalho, por ordem do Altíssimo? Parecia que o luminoso lia todos os pensamentos que perpassavam Miang. “Trabalhar deves, deves movimentar tuas mãos. Muito trabalho te aguarda. Mas deves fazê-lo como servo, em obediência ao teu Senhor, não rebelar-te e querer saber melhor. Ontem Fong quis confiar-te a condução de sua tribo. Tu, porém, só estavas cheio de medo de que Fong pudesse expor-se ao perigo e nele sucumbir. Procuraste medrosamente retê-lo, e mesmo assim, era o seu dever de partir e livrar o seu povo da praga das feras. Não sabias tu que Fong é um servo do Altíssimo e somente atua conforme as Suas ordens? Considera, opuseste-te ao Altíssimo, não a Fong!”
  • 28. Totalmente perplexo escutou Miang essas palavras. Agora a névoa em seu interior, que tudo tinha encoberto, se afastava. Sentia vergonha. Miang caiu numa introspecção tão profunda que nem se deu conta que estava novamente sozinho. A alvorada já se aproximava e ele continuava refletindo absorto. Inconscientemente prosseguira, encontrando-se repentinamente junto ao pequeno riacho, onde sabia que estava Hila, a ondina. Perpassou-lhe o pensamento – deveria chamá-la? Antes mesmo de chegar a uma decisão, repartiram-se as ondas e o rosto travesso de Hila apareceu. “Como é, servo do Altíssimo, encontraste o teu erro?” “Sim” exclamou Miang alegremente. Um peso enorme lhe foi tirado do coração. “Eu o vejo,” confirmou Hila, “e fico feliz com isso.” Ela acenou para ele e, antes que ele conseguisse responder algo, havia desaparecido. Agora, porém, Miang não mais se deteve ali. Voltou rapidamente, rogando em silêncio que lhe fosse mostrado o que tinha que fazer. Ainda não havia alcançado a sua tenda, quando encontrou um mensageiro, que alegremente exclamou: “Que bom, que te encontro! Trago-te uma mensagem do príncipe Fong. Aqui está ela.” Postou-se com as pernas abertas diante de Miang e repetiu devagar e claramente as palavras, como Fong o tinha encarregado. “Diga ao meu filho Miang, que não continue inativo em sua tenda. Ele deve ir e procurar aquele trabalho que está destinado a ele. Quem procura seriamente, esse encontra.” “Entendeste a mensagem, jovem?” perguntou o mensageiro, e Miang acenou afirmativamente. “Então está bem.” Sem mais uma palavra, o mensageiro deu as costas e prosseguiu seu caminho. Miang, porém, não sabia bem o que fazer. Onde deveria procurar o seu trabalho? Ele estava disposto, mas não sabia onde devia começar. Entretanto, o que havia aprendido esta noite? “Deixar-se conduzir, nada querer sozinho.” Assim ele queria agir. Silenciosamente rogou ao Altissimo: “Altíssimo, permita que reconheça o que devo fazer!” Então, continuou caminhando devagar. Diante de si estava o amplo vale, no qual a tribo amarela armara as suas tendas. O sol agora já havia nascido e viva atividade via-se ao redor das tendas. As mulheres assavam pão sobre pedras aquecidas. Crianças as rodeavam e se deliciavam com o aroma que dali emanava. Muitos dos homens haviam partido, porém, ainda havia número suficiente. Eles tratavam dos cavalos, e mais distante, nas verdes encostas, via-se rebanhos de ovelhas com seus pastores. Miang ponderava, indeciso, para onde deveria dirigir seus passos, quando uma menininha correu ao seu encontro. Estava tão apressada, que esbarrou nele e ele a amparou em seus braços. “Para onde vais com tanta pressa, pequena menina?” perguntou Miang rindo. Séria, a pequena respondeu, tirando os seus densos cabelos escuros do rosto: “Devo buscar ajuda, meu pai está doente. Sente dores, queixa-se e geme.”
  • 29. “A quem querias pedir ajuda, pequena?” perguntou Miang. “Husa, a anciã, ela possui ervas curativas. Mas agora deixa-me ir embora.” E a pequena soltou-se e correu rapidamente até a próxima tenda. Miang a seguiu com o olhar. A criança era graciosa e muito séria para sua idade. Não demorou muito e A-na retornou, seguida por uma anciã curvada, que levava uma sacola na mão. Essa devia ser Husa. Ficando curioso, Miang seguiu as duas até a tenda, não muito limpa, na qual o pai de A-na estava revirando-se no seu leito, gemendo. Husa não perdeu muitas palavras. Ordenou A-na a esquentar água. Então preparou um chá, o qual o homem teve que engolir. Parecia, porém, que também esse chá medicinal lhe trazia pouco alívio. Silenciosamente, Miang havia entrado na tenda atrás da anciã. O aspecto aqui não era bonito. Havia sujeira por todos os lados. Panos sujos estavam no chão, havia louça com restos de comida e o ar estava abafado e fumacento. Miang quis recuar arrepiado, mas uma voz dentro dele disse: “Fique!” Então, permaneceu bem quieto e observou como a anciã debruçou-se sobre o doente, dando-lhe para tomar o chá medicinal. Ele engulia, mas não parava de gemer. Entretanto, não foi possível determinar o que lhe faltava. À pergunta da anciã, onde sentia dores, ele respondeu queixoso: “Estão em todo meu corpo e me beliscam como os diabos de fogo.” “Diabos de fogo?” perguntou Miang admirado e aproximou-se um pouco. “O que é isso?” “Ora, os pequenos diabos que vivem no fogo e que comem a madeira,” respondeu Husa calmamente. Para ela, isso não parecia ser algo fantástico. Miang, porém, admirou-se, ele não sabia o que era um “diabo”. Por isso continuou perguntando: “E o que são diabos?” Medrosamente os dois outros olharam ao redor. “Quieto,” respondeu Husa e pôs o dedo sobre os lábios. “Isso não se deve falar em voz alta, senão eles vêm e podem nos prejudicar. Mas vou dizer-te no ouvido, para que possas resguardar-te, jovem forasteiro.” E com voz rouca falou baixinho ao seu ouvido: “Diabos são entes maus, eles tentam destruir as pessoas.” Miang admirou-se. Ele nunca encontrou tais entes. “E eles vivem no fogo?” continuou perguntando incrédulo. “Não somente no fogo,” cochichou a anciã, “estão em toda parte, no ar, na água.” “Pare!” exclamou Miang, “na água não vive ente ruim, isso eu sei com certeza. Eu tenho visto a bela figura enteal que vive na vossa água! Ela é Hila, e ela quer bem a nós seres humanos.” Agora, a vez de admirarem-se era de Husa e do doente, que com essa novidade quase esqueceu suas dores. Também A-na, que timidamente tinha ficado no fundo da tenda, deu um passo para diante. Miang, porém, feliz, sabia de repente: aqui havia o que fazer para ele. “Posso sentar-me junto de vós?” perguntou amavelmente, e ambos pediram: “Sim, senta-te junto de nós e conta-nos dos entes bons das águas.” Com todo prazer Miang começou a contar o que tinha vivenciado com Hila e Hima e como o ajudaram e o bem que lhe fizeram, como serviam ao Altíssimo. Boquiabertos, Hisor, o pai de A-na, e Husa escutavam. Inacreditável era essa notícia e,
  • 30. no entanto, o forasteiro falava disso com tanta certeza. E quando descreveu como eram lindas e alegres as pequenas ninfas, estampava-se alegria nos rostos dos ouvintes. “Sinto-me mais aliviado, desde que me contaste isso, forasteiro,” disse Hisor. “Chamem-me Miang, este é o meu nome,” pediu o jovem. “Querem ouvir mais dos bons entes, que são servos do Altíssimo?” Com grande alegria Hisor e Husa concordaram. E Miang contou dos enormes gigantes, de Uru e Muru e de sua fiel ajuda, como o conduziram até o príncipe Fong, e como são diligentes servindo ao Altíssimo. O espanto dos ouvintes aumentava. Tudo era novo para eles, nunca haviam escutado algo igual. Hisor esqueceu-se de suas dores. Quando um raio oblíquo do sol entrou na tenda, Husa sobressaltou-se. “Tenho que voltar para casa,” exclamou ela. “Mas tu voltarás, Miang?” pediu ela, “e continuarás nos narrando?” Miang prometeu-o com alegria. Aqui, pois, havia encontrado o trabalho que devia executar. E o mesmo havia sido conduzido até ele, não tinha sido ele que o desejara. “Eu voltarei amanhã, para ver como vai Hisor,” prometeu. E Husa acrescentou solicitamente: “E eu trarei novas ervas ainda melhores.” Pois ela queria estar presente quando Miang contasse. Já cedo no outro dia, Miang pôs-se a caminho. Mal podia esperar para continuar o seu trabalho. Hoje o enfermo estava deitado bem quieto no seu leito. Parecia que estava melhor. “Como te sentes hoje, Hisor?” perguntou Miang amavelmente. E Hisor ergueu-se o melhor que pôde e disse, contente: “Então vieste mesmo, Miang? Como estou contente. Eu receava que te seria incômodo visitar-me. Não é bonito aqui,” acrescentou lamentando. “Minha mulher morreu, e A-na ainda é muito pequena para deixar tudo em ordem.” Sim, isto dava para perceber. Timidamente A-na olhava do canto do fogão para Miang. Ela se envergonhava e pretendia esforçar-se pondo ordem na tenda, pois ela também queria muito que o forasteiro viesse e contasse. “Como é, os diabos do fogo não te beliscaram mais?” perguntou Miang e riu alegremente. Este riso espantou o último resto de medo na alma de Hisor, de que talvez ainda um diabo pudesse estar na proximidade para prejudicá-lo. Respirou como que aliviado e juntou seu riso ao de Miang. Como isso fazia bem! Ele sentiu como estava melhorando novamente. “Quando estás comigo, Miang, então não sinto medo,” disse ele admirado e olhou para o jovem. Qual seria o motivo disso? Escutaram passos lá fora e apressadamente entrou Husa, novamente com uma sacola na mão. “Já estás aqui, Miang?” exclamou contente. “Então quero preparar rapidamente o chá de ervas, para que passem as dores de Hisor, e depois tu continuas contando, não é?”
  • 31. E assim aconteceu, e resposta seguia à pergunta e nova pergunta seguia à resposta. Miang não sabia o quanto havia para contar dos gigantes e dos homenzinhos das pedras, de Hila e Hima. O tempo passou voando. “Agora deve ser preparada a comida,” disse Husa e, ainda cheia de felicidade sobre o recém ouvido, tratou de ajudar A-na, que se esforçava a acender um fogo, no simples local de fogo aberto. Miang ficou observando, perdido em pensamentos. Como ele era rico, porque o Altíssimo havia aberto os seus olhos para poder ver os servos fiéis, e dessa riqueza ele agora queria dar aos seres humanos. Era isso que o Altíssimo agora exigia dele. Dessa forma ele podia ajudar, servir. Miang estremeceu: Servir? Tornou-se com isso também um servo do Altíssimo? Como uma corrente de fogo perpassou-lhe esse reconhecimento. Quase caiu de joelhos, pelo excesso de felicidade, para agradecer ao Altíssimo. Soou então a clara voz de criança de A-na: “Vejam, os diabos do fogo!” O fogo ardia resplandescente e, quando Miang olhou, ele também descobriu os pequenos entes saltitantes nas chamas. Assustada, A-na queria esconder-se atrás de Husa, porém, Miang pegou-lhe na mão e puxou a criança para a frente. “Observe,” disse ele, “como são bonitos! E o que é belo não pode ser mau. Veja, eles ajudam o fogo para que queime e nos esquente e nos prepare os alimentos! Vamos escutar, o que nos têm a dizer”. Como que paralizados, olhavam agora os quatro para as chamas, todos viam as figuras palpitantes dançando, mas já não sentiam mais medo delas. E a Miang parecia ouvir um fino tinir vítreo, sons delicados, que se juntaram para formar as seguintes palavras: “Também nós servimos ao Altíssimo, nós estamos felizes que isso nos é permitido! Sirvam vós também!” Longamente Miang escutava, até que o fogo se extingüiu, depois dirigiu-se aos demais e contou o que tinha escutado. Surpresa tomou conta dos ouvintes. E Miang não se cansou em responder todas as perguntas, pois esta vivência causava-lhe também a maior alegria. Era-lhe permitido servir! Toda a aflição e todas as perguntas e procuras dentro de si haviam desaparecido; preenchia-lhe uma alegria que fez estremecer o seu íntimo. Quando o sol novamente lembrou Husa de suas obrigações, Miang também queria despedir-se. Mas Hisor pediu: “Fique mais um pouco, Miang, eu também quero contar- te algo.” E Miang permaneceu e escutou o relato de Hisor. A esposa de Hisor morreu de uma febre violenta e deixou-o com A-na sozinho. Desde então ele não estava bem. A-na somente sabia preparar as comidas mais básicas e tinha dificuldade em exercer as outras tarefas. E agora, Hisor ainda ficara doente e não podia cuidar de seus animais, das ovelhas e dos cavalos. “O que achas, Miang,” perguntou um tanto hesitante, “será que há também entes bons, que me ajudariam? Eu não posso ir até os teus gigantes para pedir-lhes ajuda, pois eu nem os encontraria.”
  • 32. Em suas palavras suplicantes havia um rogo não expresso. E Miang pediu ajuda no seu íntimo. Ele viu a penúria de Hisor. Tinha muita vontade de ajudá-lo, mas era homem e aqui só poderia ajudar uma mulher. “Vamos pedir ao Altíssimo para que te envie ajuda,” disse Miang confiantemente, e levantou as mãos e rezou fervorosamente: “Altíssimo, Tu vês a penúria de Hisor. A-na ainda é muito pequena. Ajude-o, ele quer esforçar-se para fazer tudo o que dele exigires. Os olhos de Hisor estavam fixados nos lábios de Miang durante essa curta prece, e nas últimas palavras abanou a cabeça, afirmando com veemência. Ele estava disposto a fazer tudo o que Miang exigiria dele. No dia seguinte, Miang novamente compareceu na tenda de Hisor, porém, não veio sozinho. Ao seu lado caminhava uma mulher que, assim que entrou na tenda, começou naturalmente a pôr ordem nas coisas. Hisor observava boquiaberto este milagre e Miang sorriu. Depois, porém, relatou a Hisor o que entrementes havia acontecido. Ontem, quando regressou, encontrou essa mulher em frente à sua tenda, sentada numa pedra. À sua pergunta de quem ela era, respondeu: “Eu procuro Miang, o servo do Altíssimo.” Imensamente surpreendido, Miang escutou essas palavras e perguntou-lhe o que dele queria. Então a resposta dela foi: “Meu nome é Hirsa. O Altíssimo manda-me em teu auxílio. Não continue perguntando, mas diga-me o que devo fazer.” Então Miang contou-lhe, que acabou de pedir ao Altíssimo ajuda para Hisor. Agora, sua prece foi atendida tão rapidamente, mal podia acreditar. Mas Hirsa falou as poucas palavras: “O Altíssimo é sábio.” Com isso, para ela tudo estava dito. Hirsa ficou agora junto a Hisor, cuidava dele, e suas mãos eram maravilhosamente leves. Cantando baixinho, pôs ordem em tudo na tenda, limpou-a, preparou a comida e cuidou de A-na. Cada manhã ela voltava e, ao pôr do sol, desaparecia. “Para onde sempre vais, Hirsa?” perguntou Hisor certa noite, quando novamente quis desaparecer, após curto cumprimento. “Isto não devo dizer-te, Hisor,” foi a resposta. “Mas eu voltarei e cuidarei de ti, até que novamente encontres uma esposa.” Tão feliz Hisor nunca havia estado em toda sua vida. Parecia que tinha entrado claridade em sua tenda, antes tão escura e suja, que agora brilhava de limpa, tão logo Hirsa chegava. Hisor rejuvenescia a cada dia. Os vizinhos, porém, pergutavam curiosos, se tinha uma nova esposa. “Não,” respondeu Hisor seriamente. “Hirsa me ajuda, mas não é minha esposa.” Hisor gostava de olhar as chamas levantando-se em labaredas e observava os entes do fogo. Às vezes parecia-lhe que podia ouvir seu canto: “Nós servimos ao Altíssimo.” Miang muitas vezes ainda retornara à tenda de Hisor. E logo também juntaram-se vizinhos, que ouviram falar de que Miang sabia contar tão bem dos muitos entes no fogo, na água e nas montanhas. A tribo de pastores do príncipe Fong era um povo rude, endurecidos pela sua vida nas montanhas. Mas também havia pessoas distintas entre eles, que possuíam grandes
  • 33. rebanhos e que pagavam aos mais pobres pelo trabalho como pastores. Reinava boa ordem na tribo amarela, regida há muito tempo pela estirpe de Fong. O tempo em que Fong estivera ausente chegou ao fim. Certa tarde ecoaram cornetas e via-se o grupo de cavaleiros retornarem para o amplo vale, e Fong na dianteira. Grande júbilo recebeu os que retornaram. Todos saíram apressadamente das tendas e aglomeraram-se para cumprimentar alegremente os caçadores. Tinham feito muitas presas, notava-se isso pela grande quantidade de peles que traziam. Isso provocou nova alegria, sabendo-se que a caça teve êxito e que a praga fora eliminada. Também Miang havia saído de sua tenda e aguardava a chegada do grupo. Esperou, porém, até que se aproximassem. Então foi ao encontro de Fong e cumprimentou-o. Um curto olhar do príncipe tangeu-o. “Eu te aguardo em minha tenda.” Este foi o cumprimento de Fong e Miang curvou-se levemente em sinal de sua disposição. Fong mal havia se sentado no seu leito de repouso, quando Miang solicitou ser recebido. Ele não podia aguardar, queria apresentar-se ao príncipe e relatar-lhe o que entrementes havia vivenciado. Ele esperava que Fong iria questioná-lo a respeito, mas nada disso aconteceu. Fong indicou um lugar ao seu lado e falou sucintamente: “Tenho que falar-te.” Miang olhou para ele na expectativa. Não se atreveu a perguntar. “O Altíssimo deu-me uma missão para ti, Miang,” disse Fong, e bondade vibrou em suas palavras, o que emocionou Miang profundamente. “Tu deves ir agora até uma outra tribo, amiga nossa, e levar ao príncipe de lá uma mensagem minha. A tribo, chama-se a tribo dos Waringis, mora além da longa cadeia de montanhas, no sul. Ainda não deves ter ouvido falar dela. São pessoas boas, mas rudes e ignorantes e é vontade do Altíssimo, que leves a elas o saber Dele e de Sua sábia condução. Tu, entrementes, já começaste a servir ao Altíssimo,” acrescentou Fong, sorrindo. Miang queria levantar-se bruscamente para expressar a sua alegria. Um olhar de Fong , porém, o deteve. Não, não queria recair em seu velho erro da impetuosidade. Por isso dominou-se e somente disse: “Eu obedecerei. Quando posso partir?” Fong olhou com agrado para o jovem, que visivelmente tinha se modificado para melhor durante a ausência de Fong. Tinha se tornado mais seguro e mais calmo. Agora ele poderia começar com a sua nova e mais ampla missão. “Amanhã cedo estará à tua espera um acompanhante, que te mostrará o caminho até os Waringis,” disse Fong brevemente. Com isso Miang estava dispensado. Com nenhuma palavra conseguira perguntar pelo sucesso da caçada. Agora, também não tinha mais importância para ele, estava ocupado demais com a nova missão. O Altíssimo o enviava com uma missão, era-lhe permitido serví-Lo, podia dar de sua riqueza! Como isso era grandioso! Novamente Miang, pensativo, dirigiu seus passos até a floresta próxima e, novamente, seu guia luminoso estava diante dele, no mesmo lugar, e olhou sorrindo para ele. “Como é, Miang,” disse ele,” agora te é permitido começar a servir, depois que reconheceste o teu erro e te esforças em corrigí-lo. Sentes-te feliz?”
  • 34. Miang somente acenou afirmativamente, seu coração estava repleto demais para responder. “Porém, deixa-te prevenir mais uma vez, Miang,” continuou o luminoso. “Nunca aja de acordo com a tua própria maneira de pensar, peça sempre conselho e auxílio ao Altíssimo, assim tornar-te-ás um verdadeiro servo.” Depois dessas palavras a figura luminosa desapareceu da vista de Miang. Por muito tempo continuou caminhando, colocou seus pensamentos em ordem, suplicou por auxílio para sua grande missão, agradeceu e, finalmente, voltou alegre e feliz. Cedo no dia seguinte – recém o sol aparecia atrás das montanhas no leste – Miang escutou um leve sinal de guizo em frente a sua tenda. Quando saiu, encontrou ali dois cavalos ricamente encilhados, um carregado com provisões, o outro sem cavaleiro. Sobre um terceiro estava um homem, que olhava para Miang com expectativa. “És tu o meu guia até os Waringis?” perguntou Miang, e o homem confirmou. “Sim, o príncipe Fong o ordenou. Podemos partir”. “Não devo despedir-me de Fong?” perguntou Miang, mas seu acompanhante negou. “O príncipe não está disponível agora, encontra-se numa reunião. Devemos partir sem demora.” Para Miang não havia mais nada a fazer a não ser obedecer. Irrompia um lindo dia, dourado levantou-se o sol e uma manhã de outono tão clara, como somente as montanhas podem presentear, preencheu o coração de Miang com grande alegria. Os dois dirigiram seus passos para o sul. Tudo aqui era estranho para Miang, como era estranho para ele ainda toda a região, a vida entre tanta gente. Os dois viajantes avançavam pela manhã, fresca de orvalho, adentro. Parecia a Miang como se nunca tivesse vivenciado ainda um dia tão lindo. Será que era por isso que se sentia tão leve e o seu coração batia tão contente? Ainda não sabia o que o esperava entre a tribo desconhecida, sabia somente que se dirigia para lá a mando do Altíssimo, e isso era a sua felicidade e a sua alegria. Seu companheiro era de poucas palavras. Aparentemente não devia falar sobre os Warringis. Assim também Miang se calava e podia, desse modo, apreciar melhor a beleza da região, que percorriam. Tinham subido consideravelmente, mas isso não afetava as fortes montarias. Avançavam dispostas, hora após hora, sem mostrar cansaço. Perto do meio-dia repousaram na sombra embaixo de uma rocha saliente, pois aqui nas alturas o sol ainda queimava forte. Depois, o caminho começou a descer em direção a um vale montanhoso. Pradarias verdes, com grandes blocos de pedra espalhados, estendiam-se frente aos olhos de Miang. O verde saturado lhe fazia bem, apesar de aqui estar tudo ermo e despovoado. Em parte alguma um ser humano, nenhum animal, além de alguns grandes pássaros, que aos gritos levantaram vôo quando os cavaleiros se aproximaram. Ainda mais descia o caminho, ele seguia agora através de um desfiladeiro selvagem, no qual a água despencava e espumava. A espuma respingava no rosto de Miang, ele porém riu alegremente. Tudo era novo para ele, tudo lhe parecia maravilhoso e lindo. No desfiladeiro era escuro e os cavaleiros tiveram que cuidar muito para que os animais não escorregassem no chão molhado. Repentinamente Miang soltou um grito. Tinham alcançado a extremidade inferior do desfiladeiro e diante deles estendia-se, na