1) O documento discute conceitos fundamentais da antropologia cultural como etnografia, métodos, identidade cultural e étnica.
2) Aborda a realidade cultural plural do Brasil resultante da colonização e resistência indígena e negra.
3) Explica que territórios quilombolas e indígenas são formas de reconhecimento da diversidade étnica no país.
2. O conceito de antropologia cultural trata-se do campo mais amplo da
ciência antropológica, ela abrange o estudo do homem como ser cultural, isto
é, fazedor de cultura. Investiga as culturas humanas no tempo, no espaço,
suas origens e desenvolvimento, suas semelhanças e suas diferenças.
O seu principal objetivo é buscar conhecer o comportamento do homem,
adquirido por aprendizado analisando-o por completo em todas as suas
dimensões.
Como ciência social seu objetivo básico compreende e consiste no
problema da relação entre os modos de comportamentos por instinto ou o
adquirido, bem como o das bases biológicas gerais que servem de estrutura às
capacidades culturais do ser humano. (Heberer, 1967)
Etnografia
3. Primeiramente faz-se necessário entender o que é etnografia, onde
consiste no ramo da ciência e da cultura que se preocupa em descrever as
sociedades humanas.
Levi Strauss 91967, p.14) define de modo preciso e objetivo para ele a
etnografia consiste na observação e analise de grupos humanos considerados
em sua particularidade, freqüentemente escolhidos por razoes teóricas e
praticas, mas que não se prendem de modo algum à natureza da pesquisa,
entre aqueles que mais se diferenciam do nosso e buscam reconstituir
fielmente o que for possível, da vida de cada ser.
Métodos da entropologia
A antropologia é uma ciência social humana, perfeitamente
caracterizada, tendo seus campos de atuação e ação definidos e contendo
também seus próprios métodos e técnicas de trabalho. Estes permitem ao
antropólogo observar e classificar os dados obtidos pela pesquisa, capacitando
a estabelecer correlações e generalizações.
Considerando os dois campos de investigação da antropologia são dois
o biológico e o cultural, faz-se uma distinção entre o método e a técnica
pertinentes a cada um deles.
Método segundo Calderon (1971, p. 165)
É um conjunto de regras úteis para a investigação é
um procedimento cuidadosamente elaborado, visando
provocar respostas na natureza e na sociedade.
Técnica consiste em ter habilidade para se utilizar de
um conjunto de normas para o levantamento de
dados.
Portanto seja na antropologia física ou biológica ou cultural, todas
recorrem a alguns procedimentos a fim de atender seus objetivos de maneira
mais simples porem segura. Para tanto utilizam-se de vários métodos e
técnicas que muitas vezes são utilizados em conjunto.
Método etnográfico
Trata-se de uma analise descritiva das sociedades humanas
principalmente das primitivas. Mesmo sendo descritivo ele requer alguma
generalização e alguma comparação seja implícita ou explicita.
O método etnográfico refere-se a aspectos culturais e basicamente em
levantamento de todos os dados possíveis sobre sociedades e na sua
4. descrição, com o fim principal de conhecer e compreender melhor o estilo e o
modo de vida ou a cultura especifica de determinados grupos.
Ex: estudo sobre os índios do alto Xingu e dos Yanomami de Roraima.
Conceito de identidade
Oliveira toma como referencia para o estudo da identidade um trecho de
um texto de Mauss, em que o mesmo destaca o caráter axiomático da
abordagem antropológica, segundo ele o homem não pensa isoladamente e
sim através de membros da vida social, ressalta ainda, que a inter-relaçao
entre pesquisas psicológicas e sociológicas correlacionam as noções de
identidade e de ideologia a partir de pesquisas de psicologias sobre a primeira
identidade e da interpretação e entendimento sociológico da segunda
(ideologia).
Ele estabelece uma relação entre as duas e o conceito de identidade
étnica.
O conceito de identidade segundo vários estudiosos é o conjunto de
caracteres próprios e exclusivos com os quais se podem diferencias pessoas,
animais, plantas, objetos inanimados uns dos outros.
O conceito de identidade é importante para vários ramos das ciências
sendo que o enfoque que se lhe de podendo ainda ter identidade coletiva ou
individual, falsa ou verdadeira, presumida ou ideal.
Para a antropologia identidade consiste na soma nunca concluída de um
conjunto de signos, referencias que definem o entendimento relacional de
determinada entidade humana ou não humana, percebida pelo contraste, ou
seja, pela diferença.
Por isso pode-se afirmar que identidade esta sempre relacionada a idéia
de alteralidade, ou seja, é necessário que exista o outro e suas características
para definir comparações e diferença comas características pelos quais me
identifico.
Identidade étnica
Inicialmente é preciso conceituar antropologicamente o objeto de estudo,
para chegar a algumas questões que lhe são próprias a estudos
antropológicos.
Diferentemente da psicologia Oliveira afirma que a antropologia e a
sociologia se interessam mais pelo nível coletivo de identidade seguindo o
principio de Durkheim de estudar o social pelo social, sendo portanto a
identidade étnica uma forma de identidade social.
Os debates sobre a identidade étnica estão no domínio da etnicidade, área
da antropologia que versa sobre os fenômenos de emergência do nosso
5. objeto de estudo. De acordo com a definição de Pautinat e Streiff-fenart
(1999, p.17), consistem em examinar as modalidades seguindo as quais
uma visao de mundo étnica é tomada pertinente para os atores.
Cunha (1986) relata sobre os critérios de identificação étnica afirmando que
essa definição por muito tempo esteve sob o domínio das ciências
biológicas, que analisava em critério racial, identificável biologicamente.
Montes (1996) em seu artigo em que discute “Raça e identidade” levanta
a questão do significado de movimentos de grupos étnicos estarem se
organizando politicamente para afirmar, diante da população nacional, uma
identidade étnica e reivindicar o reconhecimento de seus direitos.
Mesmo os grupos mais isolados geograficamente acabaram sofrendo
alguma fusão no contato com outros grupos. Esse conceito de cultura como
raça só será superado após a Segunda Guerra Mundial, cujas causas tinham
como pressuposto a questão da pureza étnica. Surge uma compreensão de
grupo étnico com o critério da cultura, identificando um grupo de acordo com os
símbolos culturais manifestos no cotidiano. Contudo, mesmo as expressões
culturais são insuficientes para uma ligação com os seus ancestrais, pois todas
as linguagens simbólicas por si só sofrem alterações com o passar do tempo,
sobretudo com a contextualização dos ambientes sociais e naturais e com o
contato intercultural. A cultura na verdade é adquirida, e, portanto, dinâmica,
pode ser mudada. Faz-se necessário inserir um oportuno comentário desta
antropóloga:
A cultura original de um grupo étnico, na diáspora ou
em situações de muito contato, não se perde ou se
funde simplesmente, mas adquire uma nova função,
essencial e que se acresce às outras, enquanto se
torna cultura de contraste: este novo princípio que a
subtende, a do contraste, determina vários aspectos.
(…) A cultura não é algo dado, posto, algo dilapidável
também, mas algo constantemente reinventado,
recomposto, investido de novos significados e é
preciso perceber (…) a dinâmica, a produção cultural
(CARNEIRO DA CUNHA, 1986 p.99,101).
Essa noção de construção social (e poderíamos acrescentar política)
está presente no desenvolvimento dos estudos antropológicos sobre identidade
coletiva na forma como um grupo se organiza para afirmar uma identidade
perante outros grupos com quem interage. Essa construção se dá dentro de
uma conjuntura social e política que contribui para a sua emergência.
Com participação em pesquisas na temática memória e identidade,
Montes (1996) comenta acerca da natureza da identidade:
...é um processo de construção que não é
compreensível fora da dinâmica que rege a vida de
um grupo social em sua relação com os outros grupos
6. distintos. Assim, percebemos que é impossível
pensar a identidade como coisa, como permanência
estática de algo que é sempre igual a si mesmo, seja
nos indivíduos, seja nas sociedades e nas culturas.
Ao contrário, é preciso pensar que, uma vez que as
sociedades são dinâmicas e a vida social não está
parada, também a identidade não é só uma coisa fixa,
mas algo que resulta de um processo e de uma
construção. E não podemos entender essa
construção sem o contexto onde ela se dá (MONTES,
1996, p.56).
Um grupo étnico surge quando cria categorias para se identificar e
identificar outros, instituindo assim as fronteiras étnicas do nós e do eles. A
construção dessa fronteira e sua manutenção são a base de sua pesquisa.
Logo, não se pode definir etnicamente um grupo partindo do pressuposto
biológico, cultural ou linguístico, mas pela forma como se identificam ou são
identificados por outros. A cultura, a língua e os aspectos físicos de um povo
são dinâmicos, podem sofrer muitas mudanças, mas as formas de identificar-se
são construídas de acordo com a interação com os outros, e é a partir dela que
se organizam como grupo étnico. Portanto, grupo étnico é um tipo
organizacional.
Realidade cultural brasileira
A realidade cultural brasileira é marcada por uma pluralidade étnica. Por
isso, podemos falar em cultura brasileira no plural, usando a expressão
“culturas brasileiras”, pois há mais um jeito de ser brasileiro que foi cultivado.
As múltiplas dimensões que constituem a cultura brasileira, decorrentes de
nosso processo histórico-social alimentam-se em um território com dimensões
continentais.
O forte processo colonizador que marca a nossa historia, com a
imposição de uma cultura de matriz europeia, não conseguiu destruir as etnias
indígenas e africanas. Embora resistentes e sobreviventes, a população negra
que de acordo com o Censo do IBGE, de 2011, é de 96, 7 milhões, o
equivalente a 50,7% da população brasileira permanece às margens ou na
periferia do acesso aos direitos sociais, em termos genéricos.
Apesar das políticas afirmativa adotada pelas universidades brasileiras
para ampliar o acesso da população negra ao ensino superior 123 anos depois
da Abolição da Escravatura permanece o hiato em relação à população branca.
Os dados mais recentes do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE) apontam
que entre 1997 e 2007 o acesso dos negros ao ensino superior cresceu, mas
continua sendo a metade do verificado entre os brancos. [...]. O último censo
do IBGE aponta que, entre os 14 milhões de brasileiros com mais de 15 anos
que são analfabetos, 30% são brancos e 70% são pretos ou pardos.
7. A realidade de nossas escolas e a do acesso à qualidade do ensino e
aprendizagem nos mostra que essa dívida social e étnica continua muito alta.
E, para que possamos compreender a natureza complexa dessa dívida, um
dos dados que chama muita atenção no ensino formal da história do país
aponta os heróis nacionais como sendo, normalmente, homens brancos,
exercendo explícita exclusão à participação das minorias étnicas, muito
atuantes desde a invasão de 1500, lutando contra o genocídio e o etnocídio
aqui praticados. Uma triste e desumana realidade pinta com sangue esse
quadro. A população indígena era cerca de 5 milhões na época da invasão
que, vista pela ótica eurocêntrica, vem denominada de descobrimento. Hoje,
essa população está em torno dos 350 mil índios. Esse genocídio seguido da
exclusão dos sobreviventes é marca que não se apaga e que jamais se deve
esquecer na formação da nossa nação.
Em verdade, quem efetivamente construiu a nossa história permanece
dela excluída. Com esse exemplo, queremos expressar, aqui, que um olhar
para o interior da dinâmica escolar nos revela que não somente há uma
complexa dívida étnica quanto ainda é alimentada em nossas escolas pela
sistemática ausência da reflexão critica sobre sua identidade. As referências
étnicas feitas muitas vezes não passam de referências folclóricas.
Graças aos novos atores sociais que emergem dos movimentos indigenista e
negro, a democracia brasileira vem adquirindo traços mais participativos. Com as lutas
sociais contra a exclusão, reivindicando reconhecimento e inclusão no acesso aos
bens e serviços da sociedade, a diversidade étnica passa a ser contemplada nas
políticas de Estado. Essas iniciativas populares são a alma de toda verdadeira
revolução.
Portanto, se quisermos construir uma história que tenha verdadeiramente a
nossa cara, é preciso que a nossa plurietnicidade se manifeste e participe. Mas, para
tanto, ela precisa ser acolhida no processo educacional e ter seus direitos sociais
respeitados e promovidos.
Territórios étnicos: indígenas e quilombolas
A palavra quilombo é originária do idioma africano quimbundo, que
significa:
“sociedade formada por jovens guerreiros que
pertenciam a grupos étnicos desenraizados de suas
comunidades”
O Território Remanescente de Comunidade Quilombola é uma
concretização das conquistas da comunidade afro descendente no Brasil, fruto
das várias e heroicas resistências ao modelo escravagista e opressor
instaurado no Brasil colônia e do reconhecimento dessa injustiça histórica.
Embora continue presente perpassando as relações socioculturais da
8. sociedade brasileira, enquanto sistema, o escravagista vigorou até 1888 e foi
responsável pela entrada de mais de 3,5 milhões de homens e mulheres
prisioneiros oriundos do continente africano – embora haja discrepância entre
as estimativas apresentadas, Sérgio Buarque de Holanda faz uma análise das
mesmas considerando este um número sensato. Além de oriundos dos antigos
quilombos de escravos refugiados é importante lembrar que muitas das
comunidades foram estabelecidas em terras oriundas de heranças, doações,
pagamento em troca de serviços prestados ou compra de terras, tanto durante
a vigência do sistema escravocrata quanto após sua abolição.
Os remanescentes de quilombo são definidos como grupos étnico-
raciais que tenham também uma trajetória histórica própria, dotado de relações
territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada
com a resistência à opressão histórica sofrida, e sua caracterização deve ser
dada segundo critérios de auto atribuição atestada pelas próprias
comunidades, como também adotado pela Convenção da OIT sobre Povos
Indígenas e Tribais.
Quilombos
A chamada comunidade remanescente de quilombo é uma categoria
social relativamente recente, representa uma força social relevante no meio
rural brasileiro, dando nova tradução àquilo que era conhecido como
comunidades negras rurais (mais ao centro, sul e sudeste do país) e terras de
preto (mais ao norte e nordeste), que também começa a penetrar ao meio
urbano, dando nova tradução a um leque variado de situações que vão desde
antigas comunidades negras rurais atingidas pela expansão dos perímetros
urbanos até bairros no entorno dos terreiros de candomblé.
Atualmente, há mais de 2 mil comunidades quilombolas no país, lutando
pelo direito de propriedade de suas terras consagrado pela Constituição
Federal desde 1988
Embora desde 1988 a Constituição Federal do Brasil já conceituasse
como patrimônio cultural brasileiro os bens materiais e imateriais dos
diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, foi no Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias que foi reconhecido o direito dos
remanescentes das comunidades dos quilombos que estivessem ocupando
suas terras ter a propriedade definitiva da mesma, devendo o Estado emitir-
lhes títulos respectivos.
Atualmente é reconhecida a existência de comunidades quilombolas em
24 estados brasileiros, entretanto, a atualização deste repertório legal realizada
em outubro de 2008 indica que apenas 18 deles possuem algum instrumento
legal que versa sobre essas comunidades ou suas terras, sendo eles: Amapá,
Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
Minas Gerais, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande
9. do Norte, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe. Esses
documentos variam entre Constituições, Leis e Instruções Normativas, dentre
outros, com diferentes pesos legais e graus de implementação.
Os dados do Incra, até agosto de 2010, reconhecia 104 Territórios
Quilombolas com títulos expedidos em 14 estados da federação, os quais
contemplam 183 comunidades e mais de 11.500 famílias, abrangendo mais de
970 mil hectares. Veja a relação de Territórios Quilombolas brasileiros com
títulos expedidos, número de famílias em cada um, estado da federação e
municípios em que se localizam em todo o território brasileiro.
Terras indígenas
No Brasil, quando se fala em Terras Indígenas, há que se ter em mente,
em primeiro lugar, a definição e alguns conceitos jurídicos materializados na
Constituição Federal de 1988 e também na legislação específica, em especial
no chamado Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), que está sendo revisto pelo
Congresso Nacional.
A Constituição de 1988 consagrou o princípio de que os índios são os
primeiros e naturais senhores da terra. Esta é a fonte primária de seu direito,
que é anterior a qualquer outro. Consequentemente, o direito dos índios a uma
terra determinada independe de reconhecimento formal.
A definição de terras tradicionalmente ocupadas pelos índios encontra-
se no parágrafo primeiro do artigo 231 da Constituição Federal: são aquelas
"por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades
produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais
necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e
cultural, segundo seus usos, costumes e tradições".
No artigo 20 está estabelecido que essas terras são bens da União,
sendo reconhecidos aos índios a posse permanente e o usufruto exclusivo das
riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
Não obstante, também por força da Constituição, o Poder Público está
obrigado a promover tal reconhecimento. Sempre que uma comunidade
indígena ocupar determinada área nos moldes do artigo 231, o Estado terá que
delimitá-la e realizar a demarcação física dos seus limites. A própria
Constituição estabeleceu um prazo para a demarcação de todas as Terras
Indígenas (TIs): 5 de outubro de 1993. Contudo, isso não ocorreu, e as TIs no
Brasil encontram-se em diferentes situações jurídicas.
Grande parte das Terras Indígenas no Brasil sofre invasões de
mineradores, pescadores, caçadores, madeireiros e posseiros. Outras são
cortadas por estradas, ferrovias, linhas de transmissão ou têm porções
inundadas por usinas hidrelétricas. Frequentemente, os índios colhem
resultados perversos do que acontece mesmo fora de suas terras, nas regiões
que as cercam: poluição de rios por agrotóxicos, desmatamentos
10. Referencias bibliográficas
REIS, João José. Aprender a raça. Veja, São Paulo, edição especial: 25 anos:
reflexões para o futuro, 1993. p. 189.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico, direitos humanos e
interculturalidade. Revista Seqüência, Florianópolis, n. 54, p. 113-128, dez.
2006.
Colaço, Thais Luzia, 2008, Elementos de Antropologia Jurídica, páginas 29 a
35, Florianópolis, Editora Conceito Editorial.