1) A Croácia está empenhada em fazer do turismo uma prioridade estratégica para a economia, aproveitando seus ativos naturais como a costa adriática e o patrimônio histórico.
2) O Parque Nacional de Plitvice sofreu durante a guerra mas se recuperou, mantendo suas paisagens naturais notáveis com lagos e cascatas formadas ao longo de milênios.
3) Zagreb combina influências históricas da Áustria-Hungria com uma vida cultural e de lazer moderna, mas sem o
1. PASSADOS MAIS DE 15 ANOS DESDE QUE SE DESENVENCILHOU DA GUERRA,
A CROÁCIA, A QUEM COUBE O MAIOR QUINHÃO DE COSTA ADRIÁTICA
NA PARTILHA, UM DOS MARES MAIS PUROS DO MUNDO, ESTÁ EMPENHADA
COMO NUNCA EM FAZER DO TURISMO, MAIS DO QUE UMA MERA VOCAÇÃO,
UMA PRIORIDADE. AFINADA A ESTRATÉGIA, ITÁLIA, GRÉCIA OU TURQUIA
QUE SE CUIDEM Texto de João Miguel Simões | Fotografia de Pedro Sampayo Ribeiro
MIX
CROATA
Parque Nacional de Plitvice;
Dubrovnik (pág. ao lado)
2. 56 J U L H O 2 0 1 0
CROÁCIA
A Croácia não perdoa à vizinha Eslovénia os entraves que esta tem colocado
à sua entrada na União Europeia mas, mesmo sem fazer parte, há já uma
colagem, cada vez mais notória, ao Ocidente.
Por muitos anos, e até por uma compreensível afinidade histórica e proximidade
geográfica, o país, que sempre dependeu do turismo, definia muito a sua
estratégia de promoção em função do que julgava ser o seu maior diferencial
para uma clientela germânica, até perceber que, mudados os tempos
e as vontades, o seu apelo não está mais no naturismo, mas sim no seu
naturalismo e na sua história.
A começar na costa dálmata, pejada de ilhas, banhada pelo Adriático que
Cousteau, paz à sua alma, não hesitou um dia em classificar como um dos
mais limpos do planeta, graças ao seu elevado índice de salubridade, havendo
zonas onde o grau de poluição é quase zero. Mesmo sem praias de areia, a cor
da água, a sua transparência e temperatura cálida são trunfos suficientes para
fazer com que a Croácia esteja a disputar, não tarda taco a taco, o mercado
com outras rivieras no Sul da Europa. Com a vantagem de ser mais barata,
menos conhecida e de, feitas as contas, possuir um invejável património
histórico, fruto da sua permanência no Império Austro-Húngaro ou no Ducado
de Veneza, que lhe dá um cachet muito especial.
Não admira, por isso, que a cada Verão cresça o número de portugueses,
sobretudo jovens, que, às vezes ainda sem grande convicção, e outros já repetentes,
se decidem pela Croácia como destino de férias. Este percurso clássico, uma
espécie de mix croata, vai ao encontro do fenómeno recente que, ou muito
nos enganamos, ou está longe de ser uma moda passageira.
Zagreb a dois tempos
Recordo terem-me contado, em visitas anteriores, que a predilecção dos
zagrebinos por flores é tão grande que, no período de racionamento, havia
filas no mercado de Dolac, na parte alta da capital, junto à pequena igreja de
Santa Maria, para as comprar. Muito tempo se passou desde então, mas lá
estão elas, as flores, em primeiro destaque – assim como as viria a encontrar,
já fora do coração histórico, a sul do rio Sava, no festival floral que, entre Maio
e Junho, atrai milhares de pessoas ao lago e ao parque de Bundek.
Zagreb é uma cidade construída com alguma pompa, com claras reminiscências
Arte Nova e um traçado que lhe vale comparações com Viena ou Budapeste,
com quem sempre teve afinidades e de quem sempre se sentiu mais próxima,
por declarada oposição às suas vizinhas nas ex-repúblicas jugoslavas. Mas não
tem o frenesim habitual nas grandes capitais europeias, cultiva o hábito da
bicicleta e, a contrariar a tez “germânica”, insiste no hábito de encerrar
o expediente por volta das 16 horas para que se possa ficar a ver a vida passar
nas muitas esplanadas que a tomaram de assalto.
Não longe da Catedral da Assunção, no coração de Kaptol, a Tkalcˇic´eva,
uma rua destinada aos peões, é a prova viva do culto dos zagrebinos pelos cafés
e um dos pólos de animação nocturna, graças a bares como o Cica. Aliás,
o centro recupera agora um pouco da sua movida, sobretudo nas artérias
comerciais Ilica, Preradovic´eva ou Dežmanova, onde se sucedem lugares da
moda como o Eli’s Caffè, o Alcatraz, o Apartman ou o Velvet.
Para quem chega a Zagreb sem saber ao certo ao que vai, a rua Radi´eva,
uma espécie de fronteira, mais ou menos espontânea, entre os bairros de Kaptol
e de Gornji Grad (Alta-Zagreb), é uma lição de História. Acontece que Kaptol
e Gornji Grad foram, outrora, duas cidades reais distintas, que disputavam
terras e privilégios, cuja união administrativa só se deu em meados do século
XIX. E se dúvidas houvesse de que estas duas partes de Zagreb já viveram
separadas por grossas muralhas protectoras, bastava olhar para a Porta de Pedra
(Kamenita Vrata), a única porta medieval da cidade, datada do século XIII,
mas reconstruída em 1842. O que impressiona, porém, é este lugar de passagem,
mas mergulhado num silêncio devoto, abrigar um altar e imagens como a de
Santo António (Sv. Antun em croata), invadidos, diariamente, por flores
e orações, numa prova inequívoca de que o Papa João X sabia o que estava
a fazer quando chamou o primeiro rei croata,Tomislav, de “seu querido filho”.
Uma visita à capital croata não fica completa sem uma passagem por outros
marcos incontornáveis como a praça Markov, endereço do Parlamento e da
paramentada Igreja de São Marco Evangelista; sem andar no funicular Uspinjaca,
que liga a Alta à Baixa-Zagreb; sem admirar oTeatro Nacional Croata na praça
MaršalaTitã; ou sem perceber, de olhos postos num mapa, que o centro urbano
beneficiou de um alinhamento em forma de U – a “Ferradura de Lenuzzi” –
de forma a que parques e praças alternem com importantes monumentos.
Apenas resisti a regressar a Mirogoj. Não por falta de interesse, que este
é, sem sombra de dúvida, um dos cemitérios mais monumentais de toda
a Europa, mas por estar mais focado na nova geografia da cidade. Precisamente
aquela que se estende a sul do rio Sava, em bairros do pós-guerra, como Novi
Zagreb e o lago Jarun, onde se concentram agora novidades arquitectónicas
como o Museu de Arte Contemporânea (MUS, www.msu.hr), reinaugurado
em finais de 2009 num edifício de ponta que custou 60 milhões de euros,
ou o estádio Zagreb Arena.
Por ironia, boa parte dos zagrebinos ainda não se deu conta do imenso
A HÁ QUEM COMPARE,
E COM RAZÃO,
ZAGREB A VIENA
OU BUDAPESTE,
O QUE NÃO
É DE ESTRANHAR
SE PENSARMOS QUE,
DURANTE MUITO
TEMPO, FEZ PARTE
DO IMPÉRIO
AUSTRO-HÚNGARO
A Igreja de São João Evangelista (em cima, à esq.), fica a poucos passos do mercado de Dolac
(em cima, ao centro), onde, além das flores, se vendem produtos frescos.Ainda na cidade
alta, a ruaTkalcˇic´eva (em cima, à dir.) vive num constante vaivém graças aos seus muitos
cafés.A melhor vista sobre Zagreb (em baixo, à esq.) é avistada junto ao funicular, não longe
da praça principal (em baixo, à dir.), onde continua, solene, a estátua equestre de Jelacˇic´.
3. CROÁCIA
J U L H O 2 0 1 0 59
potencial do MUS e de como este tem trunfos de sobra para se tornar, a breve
prazo, uma das suas atracções mais visitadas: não só pelo acervo, que é
francamente bom, mas também enquanto apostarem em exposições temporárias
como a que está patente este Verão, dedicada aos britânicos Gilbert & George.
Já Jarun, no sudoeste, revela, com os seus dois lagos (um para a prática desportiva
e outro para nadar) e impressionante contingente de bares e lounges hip, como
o Aquarius, a toda a volta, uma outra Zagreb: mundana, hedonista e feliz.
Plitvice, a força da natureza
Da capital até ao Parque Natural de Plitvice, grande bandeira do turismo
croata, são cerca de duas horas de estrada. Quem vê, hoje, a transparência
e o belíssimo azul dos seus lagos, só muito dificilmente não se convence de
estar a ser testemunha de uma grande lição dada pela Natureza.
Entre 1991 e 1995, Plitvice, Património Mundial da UNESCO desde 1979,
esteve no centro de acesas disputas territoriais entre a Guarda Nacional Croata,
por um lado, e o Exército Federal e os guerrilheiros sérvios, por outro. Por
duas vezes, primeiro em 1996 e depois em 1997, estive aqui e muitas das
feridas continuavam abertas, por muito que na época se sentisse já uma vontade
imensa de desfrutá-lo em toda a sua plenitude. À terceira, diz-se, é de vez;
talvez por isso, este meu regresso, tantos anos depois, teve um sabor especial.
Plitvice é um dos sete parques nacionais da Croácia – 7,5% do seu território
está sob protecção ambiental – e teve a “infelicidade” de se encontrar numa
região que, durante a guerra, se tornou, qual espinho cravado no orgulho
croata, uma espécie de república sérvia autónoma, a Krajina.
A Croácia acabou por recuperar a região, é certo, mas, ao contrário de outras
partes do país, onde já quase não havia traços de uma guerra, ficou com um
“outro país” dentro das suas fronteiras, completamente destroçado e sem
vivalma – está em curso uma campanha governamental para atrair cidadãos
nacionais para a região, oferecendo os alicerces de casas geminadas, que cada
família completará de acordo com as suas posses e necessidades. Quis uma
cruel ironia do destino que a mais visitada e preciosa atracção natural da Croácia
tivesse ficado, durante quatro penosos anos, nas mãos dos rebeldes sérvios.
Quinze anos depois, regozijo-me por reencontrar o parque de boa saúde,
com novas trilhas de várias horas e diferentes graus de dificuldade, uma crescente
infra-estrutura de apoio (como restaurantes e hotéis), os passadiços em madeira
de castanheiro recuperados e barcos que permitem fazer uma transição mais
rápida entre os lagos superiores, os mais afectados, e os da parte baixa.
Situado num vale aninhado entre duas montanhas densamente florestadas,
Mala Kapela e Pljesivica, a sudeste do maciço central da Croácia, Plitvice cobre
uma área de 200 quilómetros quadrados, dos quais cerca de dois estão ocupados
por 16 lagos, ligados por 92 cascatas e quedas de água. É um lugar de beleza
avassaladora, com uma grande variedade de espécies animais e vegetais (muitos
animais fugiram espavoridos durante a guerra), mas o que o torna verda-
deiramente único passa por um fenómeno natural bastante singular que, pelos
cálculos feitos, tem vindo a decorrer nos últimos 4000 anos, a um ritmo
incansável, que não pára de mudar a fisionomia da área.Tecnicamente falando,
os lagos e as cascatas deste parque resultaram do labor milenar das águas dos
rios que correm na região e que não se cansam de desgastar e rasgar as entranhas
da terra e das rochas por onde passam, deixando atrás de si um rasto de
carbonatos de cálcio e de magnésio que, em conjunto com um tipo especial
de alga, estão na origem de uma matéria a que se dá o nome de travertino.
Esta matéria, por sua vez, vai ficando depositada no fundo, acabando por criar
verdadeiras barreiras naturais que condicionam as formas dos lagos, dispostos
em diversos patamares, e provocam o aparecimento de quedas de água e cascatas.
A visão conjunta dos lagos, de um azul-esverdeado opaco, emoldurados por
encostas de formas generosas, de onde se precipitam compactas cortinas de
água em queda vertiginosa, não deixa ninguém indiferente. Diante de tamanha
grandeza é inevitável sentirmo-nos esmagados por uma obra notável da natureza
que a engenharia dificilmente igualaria. Mas, se me é permitido o remoque,
acrescentarei que a sensação de êxtase só não é total porque, sobretudo nos
A MEIO CAMINHO ENTRE A CAPITAL E A COSTA DÁLMATA, O PARQUE
NACIONAL DE PLITVICE REVELA O ESPLENDOR DA CROÁCIA NATURAL
Alvo das disputas territoriais entre croatas e sérvios,o Parque Nacional de Plitvice (pág.ao lado) é a prova viva da capacidade regeneradora da Natureza e mantém-se como uma das principais
atracções do país. Nesta pág.: na capital, o caféVelvet, que também é uma loja; o lago Jarun; e o novo Museu deArte Contemporânea.
4. 60 J U L H O 2 0 1 0
SE SPLIT CONSEGUE
A PROEZA DE SER UM
MUSEU AO AR LIVRE
SEM SE TORNAR
NUNCA MAÇADORA
OU EXCESSIVA, JÁ
HVAR, AO LARGO,
SURGE, COM A SUA
BAÍA PERFEITA, COMO
UM CONTRAPONTO
MAIS MUNDANO
E VOLTADO PARA
O DOLCE FAR NIENTE
meses de Julho e Agosto, o fluxo de visitantes é enorme. O turismo é absolu-
tamente necessário à manutenção deste parque e faz todo o sentido que algo
tão precioso seja partilhado com a Humanidade; apenas se pede, e espera, que
não se perca de vista a preocupação de o fazer de forma sustentada.
Split, ocidente versus oriente
Nos canteiros que enfeitam o longo passeio marítimo, conhecido por Riva,
foram plantadas várias ervas aromáticas, com destaque para a alfazema, que
deixa o ar adocicado. Aberto para o concorrido porto, onde desde há muito
se embarca para ir veranear em Vis, Hvar ou Bra, e sobranceiro à praça catita
da Republike, que lembra a de São Marcos em Veneza, o Riva, mais do que
um lugar de passagem, é um ponto para se estar. Com várias esplanadas
perfiladas, abrigadas sob uma pesada artilharia de toldos enfunados ao vento,
frente ao casario nobre carcomido, este passeio não se livrou da polémica
recente, tendo sido, inclusive, alvo de boicote, pois muitos dos filhos de Split
não gostaram nada do que foi feito para o modernizar.Terão a sua quota-parte
de razão, mas, que não me ouçam, eu gostei do que vi.
Mas esta é a Split que se agiganta para lá das frondosas muralhas, e que não
pára de crescer, ainda que se diga – não obstante o cada vez mais pesado
contingente hoteleiro e o número crescente de autocarros, que devem ficar
confinados à zona do porto para não atrapalhar as vistas – estar a evitar cometer
os mesmos erros e despautérios que Dubrovnik. O seu maior encanto, por
muitas voltas que se dê, está intramuros, no palácio de Diocleciano,
o imperador de origem humilde nascido em Salona, hoje território croata, que
teve um dos reinados mais longos e que foi preponderante para assegurar
a sobrevivência do domínio romano por mais uma época. Suprema ironia: ele
que foi o último imperador pagão, ao ponto de não ter hesitado em mandar
matar a mulher e filha convertidas ao cristianismo, assegurou a estabilidade
necessária à transição para o Império Bizantino.
A entrada faz-se por uma galeria subterrânea, que nos remete, em menor
escala, para o Grande Bazar de Istambul, mas, à excepção de algumas galerias
que permanecem ao abrigo das paredes com dois metros de espessura, e que
são determinantes para termos a noção aproximada do que teria sido este
fabuloso palácio rectangular, nada se compara ao privilégio de errar pelas ruas
e vielas que permanecem no seu perímetro e que, desde muito cedo, ainda
antes de Cristo descer à terra, começaram a ser habitadas pelos refugiados de
Salona. Essa particularidade deu-lhe uma atmosfera única, pois, além de casas
particulares, há agora lojas, bares e até hotéis a espreitar em cada esquina.
No pátio interior de Peristil, entre colunas e esfinges egípcias e o antigo
mausoléu de Diocleciano convertido em igreja, a sensação de estarmos num
museu a céu aberto é total, ainda mais se a isto juntarmos a mistura babilónica
de línguas que se escuta entre os que, embevecidos, se sentam, ao lusco-fusco,
nos degraus ocupados pelo Café Luxor. Por uma feliz coincidência, o burburinho
não chega a ser estridente, como se, tacitamente, ninguém quisesse ser
desmancha-prazeres. E se alguma voz se eleva, é para cantar e nos deliciar.
Hvar, a cidade-ilha
Para além de um ferry para viaturas, que demora o dobro do tempo, existe um
serviço regular de catamarã que liga, em uma hora, Split à cidade de Hvar.
Por pouco mais de três euros por cada trajecto é possível fazer uma viagem
cómoda e sossegada, até certo ponto, assim consiga fazer orelhas moucas aos
que entram em clima de festa em mar alto.
Depois de Dubrovnik, Hvar é a grande coqueluche da costa dálmata e um
íman para atrair, a cada nova temporada estival, mais e mais jet set a bordo de
iates e veleiros. Colonizada pelos gregos da ilha de Paros (que significa farol,
sendo Hvar o sinónimo em croata), esta cidade dá-se ares de “PequenaVeneza”,
o que não é de estranhar: integrou, durante boa parte da sua existência, o
ducado veneziano (os italianos chamavam-lhe Lesina, ou seja “floresta”) e ainda
hoje marca uma fronteira invisível, mas perceptível, entre o modus vivendi
mais “germânico” do Norte da Croácia e o seu tempero assumidamente
mediterrânico.
Logo à chegada, torna-se igualmente claro que a vida da cidade – que no
pico do Verão passa de 3000 habitantes para uma média diária de 30.000
visitantes! – se organiza em torno da baía, disputada por hotéis, cafés, bares
e até clubes de praia, com as excepções por conta da praça contígua, a Pjaca,
e da fortaleza altaneira, sem dúvida alguma o melhor ponto para se ter uma
visão de águia sobre Hvar.
Ao largo, várias ilhas, que mais parecem carapaças de tartaruga, compõem,
juntamente com o casario e os pináculos, um cenário tão acima de suspeita
que a lenda da sua formação, associada a um susto que Zeus terá pregado
a Neptuno, ao surpreendê-lo em pleno acto amoroso, só torna mais delicioso.
Mas Hvar não é apenas a cidade que faz as vezes de porto de entrada,
é também o nome de toda uma ilha, esguia como uma lança apontada a terra
firme. São vários os pontos de interesse, mas uma das excursões mais comuns
passa por ir até Stari Grad, a leste, a escassos 16 quilómetros.
O caminho, bastante acidentado, permite vislumbrar não só a costa recortada,
com encostas sulcadas até ao mar, como espreitar algumas das baías e praias
de cartão-postal, ao largo das quais ficam ancorados muitos dos iates e veleiros
de luxo que navegam por estas águas de um azul estonteante. Mas, para quem
faz o trajecto entre finais de Junho e princípios de Julho, há um outro atractivo,
que passa por admirar as alfazemas em flor, dispostas por vários socalcos ganhos
a duras penas ao solo pedregoso. A Croácia, é bom dizê-lo, é uma das principais
produtoras mundiais de alfazema, sendo Hvar o epicentro dessa cultura,
Em Split (pág. ao lado, em cima, ao centro) é obrigatório ficar a ver a vida passar no Luxor
(em cima, à dir.) e nas suas muitas esplanadas (em baixo, à dir.).A ilha de Hvar (nesta pág.
e na pág. ao lado, em cima e em baixo, à esq.) recebe velejadores e jet set atraídos pelas
suas praias e ambiente festivo.
CROÁCIA
5. CROÁCIA
MAIS DO QUE APENAS UMA COSTA PEJADA DE ILHAS, BANHADA POR UM
ADRIÁTICO QUE LEMBRA O MAR DAS CARAÍBAS, A CROÁCIA POSSUI
OUTROS ENCANTOS, QUE PASSAM PELA HISTÓRIA, NATUREZA E BOA VIDA
Uma das ruas no centro
de Dubrovnik e o Parque
Natural de Plitvice
6. ao ponto de ter abastecido, durante anos, a indústria de perfumes francesa.
Sob os auspícios da UNESCO desde 2008, Stari Grad, fora da agitação dos
festivais de música e teatro estivais, continua bastante pacata, com ares de
cidadezinha adormecida.
O núcleo histórico está vedado aos carros e mantém uma disposição que
lembra as típicas choras gregas, mas Stari Grad, para já a salvo de maiores
confusões, está a investir no melhoramento da sua infra-estrutura, contando
com vários cafés-galeria muito aprazíveis, bem como trilhas para quem quer
pedalar a ilha. É, todavia, na sua baía, onde um dedo de mar avança pela
cidade antiga como quem fura um bolo, que nos surge como uma Hvar
em miniatura.
Mais modesta, sobretudo em património, Jelsa é outro ponto importante
de escala na costa de Hvar, contando com bons restaurantes de peixe que
se perfilam no seu porto. À volta, algumas das praias que estão a catapultar
Hvar como uma alternativa de riviera dálmata, capaz de rivalizar com a italiana
ou a turca.
Mas é agora hora de zarpar para Sucuraj e de voltar costas a Hvar. A viagem
de ferry até ao continente não demora muito mais do que 30 minutos, ainda
que o próximo destino se encontre fundeado no extremo de uma quase-ilha,
a península de Pelješac, já na riviera de Dubrovnik.
Ston, afrodisíaca
Para chegar a Ston, uma pequena cidade medieval, há que atalhar. Para
o conseguir, nada melhor do que um “corta-mato” por território da Bósnia-
-Herzegovina. Não chega a haver um controlo efectivo dos passaportes, embora
seja obrigatório tê-los à mão, para desgosto de todos aqueles que gostariam de
aproveitar o inesperado bónus para conseguir um carimbo para a sua colecção.
Esta espécie de soft border, um resquício do mapa complicado da antiga
Jugoslávia, funciona também como um amuse-bouche para o que se seguirá
em Ston. Rodeada de montanhas espessas e adornada por baías recortadas,
Ston, de um lado, e Mali (Pequena) Ston, do outro, são uma boa surpresa
para quem ali vai apenas para cumprir parte do programa. A “Grande” Ston,
em boa verdade, resume-se a meia dúzia de ruas traçadas à esquadria, com um
punhado convincente de casas brasonadas, mas o que causa maior espanto
é a extensão da muralha que, a lembrar a da China – com a devida liberdade
poética –, sobe e desce a montanha, ligando as duas Ston ao jeito dos quebra-
-cabeças em que é preciso unir os vários pontos para formar um desenho.
Com um total de 5,5 quilómetros, estas muralhas são as mais extensas da
Europa, pelo que percorrê-las exige tempo e fôlego. Do alto, virado para
o mar, alcanço não só a cidade medieval mas também as salinas, das quais se
extrai, de forma artesanal, a flor de sal marinho que, mais ou menos refinado,
tenta não quebrar a tradição secular – nos seus pergaminhos, estas salinas
reclamam ser uma das mais antigas em funcionamento – e conquistar uma
vaga no cada vez mais disputado mercado gourmet.
Já na baía abrigada da “Pequena” Ston, o que chama a atenção são os viveiros
de mexilhões e ostras, as mais afamadas em toda a Croácia. Quem se sente no
direito de estabelecer comparações diz que as ostras do Adriático, uma variedade
mais pequena que responde pelo nome de Ostrea Edulis, possuem uma carne
mais rija e um sabor mais intenso do que as do Atlântico. Não vou tão longe,
mas tão cedo não esquecerei o festim de ostras e de outros frutos do mar que
me foram servidos no restaurante Villa Koruna.
Dubrovnik, o cartão-postal
O mapa diz que de Ston a Dubrovnik são 50 quilómetros mas, ainda assim,
a viagem dura mais de uma hora por estrada. A chegada tardia, que encaro
como uma contrariedade, acaba por se revelar providencial. Não só me coloca
a salvo do vaivém de autocarros que, sobretudo nas manhãs de sábado (dia
escolhido pelos cruzeiros no Adriático para fazerem escala na cidade), não dá
descanso, como me permite vislumbrar, de longe, a parte antiga, amuralhada
como num conto de Avalon.
Ao contrário do que sucedeu na restante costa dálmata, Dubrovnik não
durou muito tempo nas mãos da “Sereníssima República” de Veneza e tomou
as rédeas do seu destino enquanto Ragusa e assim foi até à chegada de Napoleão,
primeiro, e da integração no Império Austro-Húngaro, a seguir.
No século XX, foi testada várias vezes e muitas vezes se viu reduzida ao papel
ingrato de museu a céu aberto incapaz de sustentar os seus (que se viram
forçados a emigrar para a América), por mais queTito, ao leme da Jugoslávia,
a tenha promovido a “Pérola do Adriático”.
Nada, porém, comparado com o horror que se seguiu à declaração de
independência da Croácia em 1991. As montanhas em redor de Dubrovnik
– Património Mundial da UNESCO – foram alvo de bombas incendiárias
(ao que se crê, de fósforo), lançadas pelos sérvios durante uma ofensiva em
Outubro do mesmo ano. O resultado foi a consumição pelo fogo de sete
a dez hectares, numa faixa de 25 quilómetros até à fronteira com a República
de Montenegro. A própria cidade não foi poupada, uma vez que a ofensiva
de Dezembro de 1991, que deixou o mundo chocado, provocou, segundo
números oficiais, o bombardeamento de 63% dos edifícios, a total destruição
pelo fogo de mais 2,5% e fez com que todos os monumentos da cidade fossem,
de uma maneira ou outra, afectados pelos ataques aéreos.
Por ar, terra e mar, Dubrovnik foi atacada e isso, embora não desculpe de
todo a insistência com que nos recordam, a cada esquina, essas perdas, ajuda
a perceber que o tempo passado ainda não tenha sido suficiente para apaziguar
a raiva. Aliás, e por muito que tenha sido feito um trabalho acelerado de
64 J U L H O 2 0 1 0
Apesar das praias, a cidade de Hvar cultiva os clubes de dia, como Bonj Les Bains (à esq.).
Mais a sul, Ston ganha fama pelas suas belíssimas ostras (ao lado, em cima, ao centro),
ao passo que Dubrovnik (em baixo) se assume ainda como a “Pérola doAdriático” e aposta
em lugares da moda, como o Gil’s (em cima, à esq.), sem esquecer atracções incontornáveis
como o Stradun (em cima, à dir.).
DUBROVNIK
FAZ QUESTÃO
DE RECORDAR,
A CADA ESQUINA,
OS ATENTADOS QUE
SOFREU, MAS, LONGE
DE SER AMARGA, É
UMA CIDADE ALEGRE,
CASAMENTEIRA
E QUE, A CADA VERÃO,
SE AFIRMA COMO
POTÊNCIA TURÍSTICA
CROÁCIA