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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
CABO FRIO
2013
A RELAÇÃO ENTRE BRASILEIROS E CHAVES NO FACEBOOK:
UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL DE CAXIAS, MALANDROS E RENUNCIADORES
KARY HELLEN MARINS SUBIETA
Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social
da Universidade Veiga de Almeida - campus Cabo Frio,
Rio de Janeiro, como requisito para a obtenção do título de
bacharel em Jornalismo.
Orientadora: Profª Me. Heloiza Beatriz Cruz dos Reis
CABO FRIO
2013
A RELAÇÃO ENTRE BRASILEIROS E CHAVES NO FACEBOOK:
UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL DE CAXIAS, MALANDROS E RENUNCIADORES
KARY HELLEN MARINS SUBIETA
A RELAÇÃO ENTRE BRASILEIROS E CHAVES NO FACEBOOK:
UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL DE CAXIAS, MALANDROS E RENUNCIADORES
Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social da Universidade Veiga de Almeida
- campus Cabo Frio, Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do título de bacharel em
Jornalismo.
Aprovada em 04 de dezembro de 2013.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Profª. Me. Heloiza Reis (orientadora)
Universidade Veiga de Almeida
_______________________________________________________
Profª. Me. Vanessa Ribeiro
Universidade Veiga de Almeida
_______________________________________________________
Profª. Me. Vania Fortuna
Universidade Veiga de Almeida
A todos os fãs brasileiros de Chaves que sempre notaram
na série um toque especial, extraordinário; e àqueles que,
como eu, não só vivem os momentos ilustrados, mas
buscam, por meio de pesquisas e trabalhos, mostrar a
todos o porquê de sermos "chavesmaníacos".
AGRADECIMENTOS
Ao Roberto Bolaños, meu ídolo e inspiração como escritor, pelas suas criações, que me
possibilitaram este estudo de caso.
Ao Fórum Chaves, maior comunidade de fãs de Chaves da América do Sul e da internet, pela
disposição em auxiliar e pelo apoio a este trabalho, contribuindo com dados que vieram a
complementá-lo.
À minha mãe e técnica de enfermagem, Helenice Marins, por confiar a mim os "seus" sonhos,
que eu realizei em parte na conclusão deste curso de graduação.
Ao meu companheiro e historiador, Cássio Campos, pelo apoio à realização do "meu" sonho:
cursar jornalismo; e por me ajudar no decorrer desta pesquisa, me norteando com relação à
história brasileira e trocando comigo aprendizados sobre antropologia.
Ao meu pai e médico, Cesar Subieta, um exemplo de profissional por estudar até hoje, com
seus 70 anos, me mostrando que o estudo é o melhor meio para exercer com profissionalismo
a carreira que se escolhe para a vida.
A toda minha família, por acreditar em mim.
À minha orientadora e mestre em comunicação social, Heloiza Reis, pela dedicação ao projeto
desta pesquisa e a esta monografia; pela paciência e tempo a mim dispensados nos horários de
orientação; e por dar asas à minha imaginação, tornando-a realidade através deste trabalho.
Aos meus colegas do curso de graduação, pelas horas de descontração e pelos trabalhos
acadêmicos compartilhados; em especial, ao Luis Gurgel, futuro jornalista, à Cíntia Rocha,
futura publicitária, e à Pâmela Boato, publicitária já graduada.
Aos colegas de estágios e emprego, que tive no decorrer do curso, alguns também estagiários
e outros profissionais, pelas experiências trocadas; principalmente ao Victor Delamar,
publicitário, pelo presente que foi a minha principal inspiração para esta pesquisa: o livro
"Chaves: a história oficial ilustrada"; e também à Viviane Machado, jornalista, pela ideia de
eu ter como tema o assunto que eu mais me mostrava empolgada em discursar sobre ele no
trabalho, Chaves.
A todos os professores, mestres e doutores do curso de Comunicação Social da Universidade
Veiga de Almeida - campus Cabo Frio, pelo respeito que sempre tiveram comigo, pelos
ensinamentos com dedicação e por me fazerem jornalista.
Ao ano de 2013, por ter me oferecido lindos dias e momentos, que propiciaram toda esta
pesquisa, do projeto à finalização.
"A arte é um produto das vivências e do trabalho de um
ser humano, e, como tal, sejam quais forem as
circunstâncias em que se realizou e a época em que se
criou, o importante é o pensamento que ela transmite,
inigualável pela personalidade do ser humano que retrata."
(Eduardo Rincón, compositor e musicólogo)
RESUMO
SUBIETA, Kary. A relação entre brasileiros e Chaves no Facebook:
uma construção social de caxias, malandros e renunciadores. 119 f. Monografia. Apresentada
ao Curso de Comunicação Social, Universidade Veiga de Almeida - campus Cabo Frio, para a
obtenção do título de bacharel em Jornalismo. Cabo Frio, 2013.
A série Chaves é considerada um fenômeno curioso da comunicação devido ao sucesso e ao tempo que
perduram. Esta pesquisa estuda o que promove a aproximação do brasileiro com os personagens e eventos
roteirizados na série. O meio de análise é o ciberespaço. São utilizados os perfis de heróis nacionais descritos
pelo antropólogo Roberto DaMatta. É verificado que a formação destes heróis tem base na história social
brasileira. Estes perfis são observados nos comportamentos dos personagens em Chaves através das publicações.
São observadas também as interações do brasileiro com publicações referentes a Chaves na comunidade virtual
"Fórum Chaves", no site de relacionamentos Facebook. O comportamento dos atores sociais é extraído através
da mensuração das interações. Nesta análise, é verificado o herói mais apoiado socialmente, o mais
espetacularizado e o que possui mais ideias replicadas. Também é notado como o eu interior é apresentado no
ciberespaço e o que representa socialmente a comunicação por ferramentas no Facebook.
Palavras-chave: Chaves; Comunidade Virtual; Facebook; Heróis Brasileiros; Fórum Chaves.
ABSTRACT
SUBIETA, Kary. The relationship between Brazilians and El Chavo in Facebook: a social
construction of caxias, malandros and renunciadores. 119 p. Monograph. Presented to Social
Communication Course, Veiga de Almeida University - campus Cabo Frio, for obtain the title
bachelor's degree in Journalism. Cabo Frio, 2013.
The TV series El Chavo is considered a curious communication phenomenon because of its success and duration
on air. This research studies which promotes closer relations between the Brazilians and the scripted events and
characters in the series. The means of analysis is internet online research of cyberspace. The profiles of Brazilian
heroes described by anthropologist Roberto DaMatta are used. These heroes have their base in Brazilian social
history. The profiles of heroes are observed in the behavior of El Chavo's characters through observation of
publications. Are also observed interactions between Brazilians and publications related to El Chavo on the
virtual community "Fórum Chaves", on Facebook. The social actors behavior is extracted through measurements
of interactions. On this analysis, is checked the hero most socially supported, the hero most spectacularized and
the hero with more ideas are replicated. Also noted how social communication is done in cyberspace through
Facebook's mechanisms and how people developing their inner self on this site.
Keywords: El Chavo; Virtual Community; Facebook; Brazilian Heroes; Fórum Chaves.
RESUMEN
SUBIETA, Kary. La relación entre brasileños y El Chavo del Ocho en Facebook: una
construcción social de caxias, malandros y renunciadores. 119 p. Monografía. Presentada al
Curso de Comunicación Social, Universidad Veiga de Almeida - campus Cabo Frio, para
obtener titulación de grado en periodismo. Cabo Frio, 2013.
La serie El Chavo del Ocho es vista como un curioso fenómeno de la comunicación por la perduración del
suceso y del tiempo. Esta búsqueda estudia el que hace los brasileños acercaren-se de los personajes de la serie y
de los eventos que ocurren en esa. El medio para análisis es el ciberespacio. Usan-se los perfiles de héroes
brasileños que han sido descritos por el antropólogo Roberto DaMatta. Nota-se que la formación de eses héroes
ha venido de la historia social brasileña. Los perfiles son observados por las publicaciones cuando se ve los
comportamientos de los personajes de El Chavo del Ocho. También notan-se los medios que el brasileño entejare
con las publicaciones que se mencionan El Chavo en la comunidad virtual "Fórum Chaves", en el sitio de redes
Facebook. La forma con que los actores sociales comportan-se es notado mediante la medición de las
interacciones. En esta análisis se nota el héroe que los actores sociales más dan apoyo social, el héroe que más
sensacionalismo le dan y el héroe que tiene la cantidad mayor de sus ideas replicados. También se observa como
ocurre el desarrollo del íntimo en el ciberespacio y lo que representa la comunicación social por las herramientas
en Facebook.
Palabras clave: El Chavo Del Ocho; Comunidad Virtual; Facebook; Héroes Brasileños;
Fórum Chaves.
SUMÁRIO
Página
INTRODUÇÃO...........................................................................................................14
1 COMO SE CONSTRÓI UMA SOCIEDADE À BRASILEIRA............................18
1.1 A identidade pelas relações sociais............................................................................19
1.2 Alicerces da cultura nacional.....................................................................................19
1.2.1 A "fábula das três raças"...............................................................................................20
1.2.2 Contribuições dos grupos étnico-culturais....................................................................21
1.3 Um triângulo de etnias, um triângulo de heróis.......................................................26
1.3.1 Brasileiro: um povo relacional......................................................................................26
1.3.2 "Caxias", "malandros" e "renunciadores".....................................................................27
2 REPRESENTAÇÕES NAS REDES SOCIAIS DO CIBERESPAÇO...................32
2.1 A sociabilidade mediada pelo computador...............................................................33
2.2 Uma forma contemporânea de se representar.........................................................35
2.2.1 A confissão de si nos diários "éxtimos"........................................................................35
2.2.2 Autoconstrução: um espetáculo alterdirigido...............................................................38
2.3 No Facebook, em busca do sucesso social.................................................................41
2.3.1 Os mecanismos de interação como extensões do ator social........................................42
2.3.2 Capital social, o saldo das relações...............................................................................44
2.4 A sociedade brasileira no "Fórum Chaves".............................................................46
2.4.1 Chaves: do México para o Brasil, e da televisão para a internet..................................46
2.4.2 A maior comunidade de fãs de Chaves do ciberespaço................................................47
3 OS HERÓIS DE DAMATTA NOS PERSONAGENS DE BOLAÑOS.................48
3.1 A mãe "caxias" e o filho "otário"..............................................................................48
3.2 "Malandragem" de pai para filha.............................................................................51
3.3 Os "outros mundos": da magia e da fantasia...........................................................55
3.4 A construção social do brasileiro que interage com Chaves...................................60
CONSIDERAÇÕES....................................................................................................63
REFERÊNCIAS..........................................................................................................66
ANEXOS......................................................................................................................70
APÊNDICES..............................................................................................................109
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Página
ANEXOS..................................................................................................................................70
Curtir fan page........................................................................................................................70
Entrevista 1..............................................................................................................................70
Entrevista 2..............................................................................................................................70
Publicações da fan page Fórum Chaves (referentes aos personagens analisados)................71
Dona Florinda (anexo "1" ao anexo "7").............................................................................71-74
Quico (anexo "8" ao anexo "18").........................................................................................74-79
Seu Madruga (anexo "19" ao anexo "41")...........................................................................80-93
Chiquinha (anexo "42" ao anexo "44")................................................................................94-95
Dona Clotilde (anexo "45" ao anexo "51")..........................................................................95-98
Chaves (anexo "52" ao anexo "70")...................................................................................99-108
APÊNDICES..........................................................................................................................109
Gráficos..................................................................................................................................109
Personagens (apêndice "1").....................................................................................................109
Personagens x atores - curtir; comentar; compartilhar (apêndices "2" a "4")..................109-110
Marketing - curtir, comentar e compartilhar (apêndice "5")...................................................110
Personagens: Dona Florinda; Quico; Seu Madruga; Chiquinha; Dona Clotilde; Chaves - curtir,
comentar e compartilhar (apêndices "6" a "11")..............................................................111-112
Personagens: frases x releituras - curtir; comentar; compartilhar (apêndices "12" a
"14")........................................................................................................................................113
Atores: vida/carreira x notícias/atualidades x shows - curtir; comentar; compartilhar
(apêndices "15" a "17")....................................................................................................114-115
Personagens - quantidade de publicações (apêndice "18").....................................................115
Atores - quantidade de publicações (apêndice "19")..............................................................115
Marketing - quantidade de publicações (apêndice "20")........................................................116
Publicações - personagens, atores e marketing (apêndice "21").............................................116
Interações entre perfis no programa - malandro e caxias; renunciador e malandro; caxias e
renunciador (apêndices "22" a "24")................................................................................116-117
Interação entre cada perfil e entre os três no programa - renunciadores, malandros, caxias e
interação entre os três (apêndice "25")....................................................................................117
Categorias de interações entre perfis no programa - quantidade de publicações (apêndice
"26")........................................................................................................................................118
Interações entre perfis em releituras - caxias e renunciador, renunciador e malandro, e
malandro e caxias (apêndice "27")..........................................................................................118
Interações entre cada perfil ou entre o perfil e outro em releituras - renunciadores, malandros
e caxias (apêndice "28")..........................................................................................................118
Categorias de interações em releituras - quantidade de publicações (apêndice
"29")........................................................................................................................................119
14
INTRODUÇÃO
Chaves é uma série transmitida há cerca de quarenta anos na televisão, dentre os quais é
exibida há vinte e nove no Brasil - desde 1984. O programa já foi líder absoluto de audiência
em todos os países nos quais foi transmitido. No Brasil, é exibido no SBT (Sistema Brasileiro
de Televisão) e se constitui, devido ao tempo e ao sucesso que perdura, em um fenômeno
curioso da comunicação. São muitas as pesquisas acadêmicas que abordam o tema sugerindo
os motivos para este sucesso. Mas, quanto ao meio estudado, não foi encontrado um estudo
associado aos sites de redes sociais. Embora a internet seja uma mídia relativamente recente,
traz alta relevância para o estudo da série: no Brasil se encontra o maior número de sites sobre
o programa.
Este trabalho estuda o que promove esta aproximação do brasileiro, que se expressa nos sites
de redes sociais, com os personagens e eventos roteirizados na série. Temas similares foram
abordados por Pablo Kaschner, e Luís Joly, Fernando Thuler e Paulo Franco, comunicadores
sociais que realizaram estudos acadêmicos sobre Chaves. Em suas obras, apontam as
possíveis causas do sucesso da série. Nesta pesquisa, a contribuição de ambos está nas
características que apontam sobre os personagens. Kaschner (2006) também acrescenta por
focar o seu trabalho no Brasil, já reconhecendo o sucesso da série na internet quando descreve
a respeito da relação ídolo-fã.
Para mostrar como ocorre a identificação do fã brasileiro com Chaves, é realizado no primeiro
capítulo um estudo da história brasileira. São tomados teóricos que no decorrer de suas obras
mostram indícios da formação social deste povo. O antropólogo Darcy Ribeiro e o historiador
Sérgio Buarque de Holanda abordam como os diferentes aspectos sociais brasileiros surgiram
no decorrer da construção da história nacional. Enquanto o antropólogo Roberto DaMatta
apresenta os perfis sociais de heróis brasileiros existentes hoje.
No estudo, se verifica que a base para a formação de heróis brasileiros está na história
nacional descrita por Ribeiro (1995) e Holanda (1978). As características advindas das obras
destes autores permitem traçar uma associação de herança cultural da sociedade brasileira
relacionada aos grupos étnico-culturais que povoavam o Brasil.1
O resultado é apresentado
por DaMatta (1997a). O autor traz o "renunciador", o "malandro" e o "caxias" como tipos
1
Não é intenção deste trabalho discutir a validade das teorias destes autores aqui apresentadas.
15
brasileiros estereotipados socialmente e considerados heróis nacionais. Cada um desses com
seu lugar, tempo e ritual de comportamento mais adequados à sua atuação.
Para investigar a sociabilidade destes perfis, é analisado no segundo capítulo o
comportamento do brasileiro nos sites de redes sociais. Esses se mostram propícios por
permitir uma melhor delimitação de segmentos sociais e observação de eventos relacionais.
Nestes sites é possível extrair o comportamento dos atores sociais com maior facilidade de
mensuração dos dados e visibilidade das interações do que se a análise fosse em meio off-line.
O Facebook foi o site de relacionamentos escolhido para esta pesquisa por ser o mais
acessado no Brasil.2
A fan page selecionada para estudo dentro deste site foi o "Fórum
Chaves". Considerando o número de curtir na página, a mesma se encontra em quinto lugar
com relação às outras fan pages que abordam o tema dentro do site Facebook. E no Google, o
buscador mais usado no país3
, a página do "Fórum Chaves" no Facebook é a mais otimizada4
em busca orgânica pelo site5
. Outro critério para a escolha da página se deve ao fato de que,
quando comparada às outras páginas sobre a série, "Fórum Chaves" apresenta maiores
vantagens para análise de eventos sociais. Dentre os quais, ela realiza majoritariamente
publicações voltadas ao tema que se destina e possui redes de conversação vivas - as
interações realizadas são em grande número e constantes.
Nesta pesquisa é observada especialmente a apresentação de alguns personagens - "Dona
Florinda", "Quico", "Dona Clotilde", "Seu Madruga", "Chiquinha" e "Chaves" -, mas também
as publicações que se referem aos atores intérpretes destes personagens e as que tem intenção
mercadológica.6
Esta pesquisa está limitada a publicações, interações e outros eventos
ocorridos na fan page "Fórum Chaves" entre julho de 2012 e junho de 2013.7
Na comunidade virtual "Fórum Chaves", é possível observar interações, conversações e
outros dados mensuráveis através de ferramentas do próprio site: "curtir", "comentar" e
"compartilhar". A análise destas formas de comunicação pode indicar a afinidade dos
2
O maior acesso ao Facebook por usuários brasileiros foi demonstrado na pesquisa "Facebook Continues it's
Global Dominance Claiming the lead in Brazil" (COMSCORE).
3
Resultado da pesquisa "Google Brasil cresce na preferência de usuários de internet por buscadores em maio, de
acordo com Hitwise" (SERASA EXPERIAN).
4
Classificação feita segundo critérios para "Otimização de sites para Mecanismos de Pesquisa (SEO) - Guia do
Google para Iniciantes" (GOOGLE).
5
Quando pesquisadas as palavras-chaves "Chaves Facebook", nesta ordem, após a primeira indicação do
buscador à sua página de pesquisas referente às imagens da busca, aparece a fan page "Fórum Chaves" com
hiperlink para o seu endereço no site Facebook.
6
Neste trabalho, estas publicações são tratadas na categoria "marketing".
7
Excetuam-se as postagens referentes a outras séries e programas, contidas na página, que não sejam Chaves.
16
membros em realizar determinadas interações, e fazê-la com alguns personagens - e seus
comportamentos - mais do que com outros. Todos estes dados são indicativos de "modos de
ser" sociais que podem ser analisados abertamente na rede exposta do site.
Para abordar a temática do ciberespaço, são utilizados trabalhos de duas pesquisadoras sociais
contemporâneas às transformações cibernéticas. Paula Sibilia trata de como são exibidos os
"modos de ser" nos espaços online; e Raquel Recuero contribui no que concerne às relações
entre estes modos, de forma a criar redes sociais e a ocorrer trocas de capitais sociais.
Doutora em Comunicação e Cultura, Paula Sibilia (2008) atribui atualmente aos sites de redes
sociais a função de "diário íntimo", em que se delineia um "eu" de uma forma pessoal e
possibilita a criação de um "você". Este processo acontece através de trocas que permitem a
criação de "fortes laços afetivos". Partindo da teoria de que o laço representa a conexão
realizada entre os atores sociais nas interações, a doutora em Comunicação e Informação
Raquel Recuero (2011) apresenta dois tipos de laço, com os quais se trabalha: o laço
relacional, formado pelas interações; e o laço associativo, no qual a conexão se dá por um
sentimento de pertencimento. As contribuições de Recuero também perpassam pela percepção
de capital social através das informações difundidas na rede. Para a autora, nas redes sociais
há uma relação direta entre a informação que se publica e o impacto que se pretende causar na
sua audiência.
São dois os métodos utilizados para analisar as publicações. O primeiro toma como base a
análise qualitativa das publicações na fan page. A escolha dos objetos para esta análise levou
em consideração as características dos heróis apresentados por DaMatta (1997a). Foram
elegidas as publicações que melhor ilustram as definições dos perfis de forma a contribuir
para este estudo.8
Esse se realizou por associações das características dos perfis de heróis
brasileiros aos personagens em Chaves. Foram observados comportamentos, frases e
interações ilustrados nas publicações - e também alguns implícitos nelas e com a necessidade
de serem explicados pelos contextos dos episódios da série aos quais se referem. Também são
observadas as associações - realizadas pelo "Fórum Chaves" - dos personagens com alguns
eventos sociais contemporâneos, e as releituras de situações dramatizadas no programa.
No segundo domínio de análise, são tomados como base os dados quantitativos das interações
por mensuração da utilização das ferramentas do Facebook. Para chegar aos objetivos
8
É de fundamental importância acrescentar que as características dos perfis expostos pelas publicações
escolhidas são recorrentes nas demais publicações, as não expostas.
17
propostos nesta análise, se tem como referência a metodologia aplicada pelo comunicador
social Orlando Neto em "Visão Mundial e seu capital social no Facebook: a comunicação
influenciando internautas pelo bem do próximo" (2012). O método abrange a catalogação das
inserções e a observação por tabulação dos impactos conquistados. Neste estudo, a tabulação
foi realizada, mas, ao invés de tabelas, são mostrados gráficos para melhor ilustrar a
comparação entre os personagens e os respectivos perfis a eles associados.
A análise quantitativa foi feita separando as publicações - referentes a Chaves na fan page
Fórum Chaves - segundo as categorias principais: "personagens", "atores", "marketing",
"interações entre perfis no programa" e "interações entre perfis em releituras". Em
"personagens", estão os seis já apresentados; e seus respectivos intérpretes se encontram na
categoria "atores". Quanto ao "marketing", estão as publicações sobre a "marca própria
(Fórum Chaves)", os "patrocinadores e/ou apoio", os "produtos Chaves" e "assistir Chaves"9
,
todos divididos nestas subclassificações. Publicações que trazem a interação entre os
personagens foram categorizadas em "interações entre perfis no programa"10
e "interações
entre perfis em releituras"11
.
Dentro de "personagens", houve uma subclassificação: "frases" e "releituras". Em "atores",
foram separadas as publicações que se referiam à sua "vida/carreira", as relacionadas a
"notícias/atualidades" sobre os mesmos e as que dizem respeito a "shows", que ainda são
realizados por alguns. Sobre as interações, há subdivisões idênticas para cada categoria:
"malandro e caxias", "renunciador e malandro" e "caxias e renunciador". Quanto às ocorridas
no programa, há ainda "interação entre mesmo perfil e entre os três no programa"; e uma
subclassificação equivalente nas "releituras" foi nomeada "interação entre mesmo perfil ou
entre o perfil e outro12
em releituras".
9
A subclassificação "assistir Chaves" se refere às publicações em que se traz alguma menção ao ato de assistir
ao programa. Há publicações que se voltam a informar aos fãs que a série está passando na televisão; outras, qual
episódio está sendo veiculado; há também as que perguntam se os fãs estão assistindo ou assistiram a um
episódio veiculado na televisão; ocorrem ainda publicações destinadas a fornecer o link de algum episódio com a
sugestão de que os fãs o assistam online em determinado momento.
10
Referente à interação entre os personagens nos episódios da série. Os personagens são apresentados pelos
perfis de heróis brasileiros que apresentam.
11
Nas "releituras" sobre determinadas situações do programa, há as que provêm de interações entre os
personagens. É verificado que a leitura destas situações são contemporâneas ou são feitas através de uma ótica
diferente da proposta pelos episódios à época em que foram gravados. Por este motivo, as interações destas
situações reinterpretadas fazem ser necessária uma análise à parte.
12
O "outro" diz respeito a um personagem que interage com o analisado no programa mas que não seja um dos
analisados.
18
Quando um ator social se depara com as publicações destas diversas categorias, ele escolhe
interagir com algumas, mas com outras, não. Também elege uma ferramenta para utilizar com
determinada publicação e uma diferente para se expressar perante outra. Assim, ele se
representa socialmente na rede gerando valor de capital social. Analisando as escolhas do ator
social é possível observar o perfil de herói representado pelos personagens de Chaves que é
mais apoiado, o que é mais espetacularizado e o que possui mais ideias replicadas.
Estas observações são de relevância para o campo da Comunicação Social. São notadas as
formas de se comunicar online e no que representa socialmente a comunicação por
ferramentas no site de redes sociais mais utilizado pelos brasileiros atualmente. Também
busca contribuir com a investigação do que leva a estes comportamentos: por que há
identificação com Chaves? A resposta mostra o que é singular na série para que esta perdure
por quase trinta anos no Brasil - até agora - ainda que tenha origem em outra nacionalidade.
Para o jornalismo, que hoje é multimídia, a verificação dos perfis e das interações sociais que
mais interessam aos brasileiros contribui para um conhecimento sobre o público na internet.
Entender as suas motivações é um caminho para realizar o jornalismo participativo nesta
mídia.13
Também neste estudo está mostrada a forma com que a construção social é feita no
ciberespaço. Conhecendo-a, o jornalista fica mais próximo de exercer no meio uma das
responsabilidades inerentes à profissão: formar cidadãos.
1 COMO SE CONSTRÓI UMA SOCIEDADE À BRASILEIRA
A compreensão das formas de sociabilidade de um povo ou nação necessita de um
entendimento primário sobre a relação entre identidade, sociedade e cultura. O primeiro fato a
se considerar é que comportamentos impostos pela condição humana estão presentes em todos
os indivíduos. A forma com que se realizam é que se diferencia entre as sociedades. Essas são
influenciadas pelas histórias - social, política e econômica - de cada uma (DAMATTA, 1986).
Na sociedade brasileira, há que avaliar as diversas culturas e povos que influenciaram o Brasil
13
O jornalismo participativo é chamado também de jornalismo cidadão. O seu objetivo "é prover informações
independentes, confiáveis, precisas, abrangentes e relevantes, necessárias à trajetória e ao equilíbrio da
democracia". (CORRÊA e MADRUREIRA, 2010, p. 167).
19
desde a sua descoberta. Um estudo baseado na formação social do Brasil se insere para
determinar as bases da sociabilidade, cultura e comportamento do brasileiro atual.
1.1 A identidade pelas relações sociais
É através das relações humanas que se aprende e transmite os costumes e as tradições entre as
gerações. Quando estas formas de manifestar os aspectos humanos são conhecidas
amplamente em uma sociedade e nela repetidos recebem a denominação de cultura. O
antropólogo brasileiro Roberto DaMatta (2010) a considera responsável por fazer os
comportamentos se diferenciarem entre as sociedades - como a forma com que se come e
dorme; e ainda a maneira de se criar e manter relações sociais.
A vida em uma sociedade, portanto, é determinada pela cultura. O antropólogo britânico
Edward Burnett Tylor (1871 apud DAMATTA, 2010) observa que é possível uma sociedade
não ter cultura, mas essa não existe sem uma sociedade para se manifestar. Assim, os
comportamentos culturais são formas de ser sociais.
São estas formas, sociais e culturais, que caracterizam a identidade. Ou seja, essa é
determinada pelas manifestações culturais nas relações sociais. E por serem um dado básico
da vida em sociedade no Brasil, é que DaMatta (1997) aponta a necessidade em se realizar um
estudo aprofundado nestas relações sociais a fim de traçar um perfil da identidade brasileira.
1.2 Alicerces da cultura nacional
A vida social brasileira é associada à "fábula das três raças", em que branco, negro e indígena
formam as três pontas de um triângulo equilátero.14
A antropóloga Ilana Seltzer Goldstein
(200-) descreve que o sociólogo Gilberto Freyre tentou combater o estudo antropológico do
ponto de vista biológico. O paradigma racial como chave da compreensão da sociedade
brasileira teria vigorado até os anos 20 do século XX. Com a publicação de "Casa grande e
Senzala" em 1933, Freyre teria apresentado a distinção dos traços de raça e de cultura, como
resultados de efeitos genéticos e de influências sociais, respectivamente. Para Renato Ortiz
(2005) , o estudo baseado na cultura traz maior abrangência dos aspectos sociais.
A passagem do conceito de raça para o de cultura elimina uma série de
dificuldades colocadas anteriormente a respeito da herança távica do
mestiço. Ela permite ainda um maior distanciamento entre o biológico
14
Triângulo que contém a mesma medida nos seus três lados. A metáfora auxilia na compreensão de que as três
raças em questão deram contribuições culturais ao Brasil na mesma intensidade.
20
e o social, o que possibilita uma análise mais rica da sociedade
(ORTIZ, 2005, p. 41).
Ainda que considerada por muitos historiadores em desuso, tal como foi para Freyre, DaMatta
(2010) analisa a "fábula das três raças" como fundamental porque ajuda a compreender as
questões sociais envolvidas no processo histórico.
Essa fábula é importante porque, entre outras coisas, ela permite juntar
as pontas do popular e do elaborado (ou erudito), essas duas pontas de
nossa cultura. Ela também permite especular, por outro lado, sobre as
relações entre o vivido (que é frequentemente o que chamamos de
popular e o que nele está contido) e o concebido (o erudito ou
científico - aquilo que impõe a distância e as intermediações)
(DAMATTA, 2010, p. 69).
Ao buscar nesta teoria a explicação para a conformação social do Brasil, são consideradas as
suas bases antropológicas. E, segundo o antropólogo norte-americano Clifford Gertz (1989), a
análise das relações humanas deve ser baseada nos seus significados, não nos seus
comportamentos. Através de uma análise interpretativa da cultura se pode compreender além
do comportamento: o que leva uma sociedade a se comportar de determinada maneira.
1.2.1 A "fábula das três raças"
Segundo a teoria da "fábula das três raças", a cultura que a sociedade brasileira tem hoje seria
resultado de influências dos grupos étnicos dos quais decorreu a sua formação primária.
Quanto à etnia, o estudo destes grupos é importante porque traz a consciência histórica da
mestiçagem. A influência cultural destes grupos no sentido em que o fez Gilberto Freyre,
descrito por Goldstein (200-), também necessita que se recorra à história. O antropólogo,
escritor e político brasileiro Darcy Ribeiro (1995) mostra no capítulo "O enfrentamento de
dois mundos" como se deu a princípio o choque étnico e cultural entre portugueses e
indígenas.
Dentre as matrizes étnicas formadoras do Brasil, descritas por Ribeiro (1995), estão os grupos
indígenas que habitavam a costa atlântica brasileira, formados principalmente por tribos que
falavam idiomas do tronco tupi. Sérgio Buarque de Holanda (1978) - crítico literário,
jornalista e historiador explica a entrada dos portugueses e a facilidade com que se pôde
realizar a colonização nas terras brasileiras. Os povos indígenas teriam facilitado a penetração
portuguesa por serem um só povo e possuírem facilidade tanto no aprendizado de culturas
diferentes quanto para transmitir a sua cultura aos povos estranhos (HOLANDA, 1978).
21
A fluidez da miscigenação ocorrida entre estes dois povos também se deve à falta do orgulho
de raça nos portugueses. Esses já seriam constituídos por mestiçagem com os nativos da
África Oriental e por isso não hesitariam em se relacionar com os índios que habitavam terras
brasileiras (HOLANDA, 1978).
Na dominação portuguesa, a tentativa de escravizar índios para que deles provesse lucro para
a Coroa foi, em parte, malograda. Os povos encontrados na costa brasileira não se deixavam
influir com facilidade quando o assunto era trabalho. A eles são atribuídas características
versáteis de trabalho físico. Quando os portugueses os quiseram submeter ao latifúndio, não
teriam se adaptado. Eles resistiam aos afazeres latifundiários porque tinham caça e pesca
como noções de ordem (HOLANDA, 1978). A importação de mão de obra africana se insere
neste contexto.
Pode-se dizer que a presença do negro representou sempre fator
obrigatório no desenvolvimento dos latifúndios coloniais. Os antigos
moradores da terra foram, eventualmente, prestimosos colaboradores
na indústria extrativa (...). Sua tendência espontânea era para
atividades menos sedentárias e que pudessem exercer-se sem
regularidade forçada e sem vigilância e fiscalização de estranhos.
Versáteis ao extremo, eram-lhes inacessíveis certas noções de ordem,
constância e exatidão, que no europeu formam uma segunda natureza
e parecem requisitos fundamentais da existência social e civil
(HOLANDA, 1978, p. 17).
Trazidos da costa ocidental africana, os negros eram separados de seus grupos de mesma
origem étnica. A separação do seu povo se dava pela tentativa de impedi-los de manter seus
traços culturais. Ribeiro (1995, p. 115) acredita que "os negros foram compelidos a
incorporar-se passivamente no universo cultural da nossa sociedade". Mais do que mera mão
de obra latifundiária, também teriam passado a ser em terras brasileiras "agentes da
europeização". Eram eles que difundiam a língua do seu colonizador e ensinavam, junto com
as técnicas de trabalho, os valores culturais aos escravos que chegavam (RIBEIRO, 1995,
p.116).
1.2.2 Contribuições dos grupos étnico-culturais
Associando portugueses e índios a estereótipos, os comportamentos e valores de cada grupo
são levados em consideração. Para classificá-los, Holanda (1978) faz uma distinção entre o
"aventureiro" e o "trabalhador". O modo aventureiro de se portar dos portugueses seria
fundamental para a expansão colonizadora que promoveram. Não teria sido com
racionalidade eles se lançaram ao mar, mas com uma manifestação de seu perfil desbravador.
22
A pouca disposição para o trabalho que têm os brasileiros hoje seria advinda culturalmente
deste perfil dos portugueses, de "aventureiro". Também associados a ele estão os
comportamentos que envolvem "audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade,
vagabundagem" (Holanda, 1978, p.13). A preguiça em se realizar o trabalho braçal explica o
prestígio que conferiam às questões relacionadas ao intelecto: o que importava para os
portugueses era lucrar mais com menos esforço físico.
Até a palavra "desleixo" é típica do idioma destes ibéricos e é colocada como obrigação no
fazer português: "A ordem que aceita não é a que compõem os homens com trabalho, mas a
que fazem com desleixo e certa liberdade (...). É também a ordem em que estão postas as
coisas divinas e naturais (...)" (HOLANDA, 1978, p. 82). E a ordem divina era oprimir. A
Igreja Católica declarou em 1493, através da bula Inter Coetera, que as terras do Novo
Mundo estavam à disposição para serem possuídas e seus povos, escravizáveis. Desta forma,
o povo era considerado "uma mera força de trabalho" (RIBEIRO, 1995, p.41).
Com respaldo na Igreja Católica, os ibéricos se viam promovendo uma expansão com
motivações mais nobres do que as mercantis durante o processo civilizatório. Eles se definiam
"os expansores da cristandade católica sobre os povos existentes e por existir no além-mar"
(RIBEIRO, 1995, p. 39). Mas não foi só na atitude dos colonizadores que a Igreja Católica
influiu. Através da catequização dos índios, os dogmas da igreja foram transmitidos junto a
comportamentos desejáveis para aqueles povos. A obediência era vista pelos povos ibéricos
como virtude suprema, e foi passada como princípio de disciplina pelos jesuítas (HOLANDA,
1978). Era desta forma que se tentava transformar os índios.
É essencial notar que as características que Ribeiro (1995) relacionava aos povos nativos no
Brasil eram as de bondade, esperança e solidariedade; considerando-as mais fortes do que os
seus temores. Também avaliados como inocentes por Holanda (1978), os indígenas achavam
que os portugueses eram pessoas generosas e se enchiam de esperanças que eles os pudessem
levar à morada de Maíra. Assim chamavam seu deus, no qual acreditavam estar em algum
lugar - físico - do além-mar.15
Os índios realizavam suas tarefas como meio de receber dádivas de seu deus. Eles
acreditavam que encontrariam em vida um lugar - geográfico - equivalente ao paraíso cristão
europeu. Até mesmo a possibilidade de realizar as suas atividades, como seus instintos e
sentidos aguçados, já eram considerados por eles como bênçãos. Por isso viam no trabalho
15
O mesmo autor atribui ideias precárias de solidariedade aos portugueses.
23
apenas uma atividade necessária para sobreviver e não compreendiam a ambição do acúmulo
de riquezas que tinham os portugueses (RIBEIRO, 1995).
Para entender a mentalidade ibérica da ambição, Holanda (1978) descreve que foram as
crenças religiosas que determinaram esta visão, com decorrente atitude contrária ao trabalho.
A ação sobre as coisas, sobre o universo material, implica submissão a
um objeto exterior, aceitação de uma lei estranha ao indivíduo. Ela
não é exigida por Deus, nada acrescenta à sua glória e não aumenta
nossa própria dignidade. Pode-se dizer, ao contrário, que a prejudica e
a avilta. O trabalho manual e mecânico visa a um fim exterior ao
homem e pretende conseguir a perfeição de uma obra distinta dele
(HOLANDA, 1978, p. 10).
Os portugueses se consideravam condenados ao trabalho, uma tarefa sofrida para eles, mas
que os subordinava ao lucro (RIBEIRO, 1995). Como ideal, tinham a projeção na ociosidade,
em "uma vida de grande senhor, exclusiva de qualquer esforço, de qualquer preocupação"
(HOLANDA, 1978, p. 10). DaMatta (1986) encontra este ideal ainda hoje existente nos
brasileiros e considera a origem católica a principal explicação para o conceito de trabalho.
Ao realizar a comparação da cultura brasileira com a norte-americana, ele aponta as
diferenças culturais quanto ao trabalho decorrentes das crenças religiosas.16
... o trabalho duro é visto no Brasil como algo bíblico. Muito diferente
da concepção anglo-saxã que equaciona o trabalho (work) com agir e
fazer, de acordo com sua concepção original. Entre nós, porém,
perdura a tradição católica romana e não a tradição reformadora de
Calvino, que transformou o trabalho como castigo numa ação
destinada à salvação. (...) O fato é que não temos a glorificação do
trabalhador, nem a ideia de que a rua e o trabalho são locais onde se
pode honestamente enriquecer e ganhar dignidade (DAMATTA, 1986,
p.31, 32).
Desta religiosidade católica decorrem a ânsia em prosperar sem muito esforço físico e a
ambição por títulos de honra. Essas integram as características do espírito de aventura que
possuíam os colonizadores. Contrariamente a eles, o perfil de trabalhador teve importante
função ao desempenhar a mão de obra braçal necessária aos aventureiros na sua dominação de
terras. "O indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente
ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do
aventureiro..." (HOLANDA, 1978, p. 13).
16
Para o antropólogo, a própria origem da palavra "trabalho" já é carregada de um significado e explica porque
hoje é considerada sinônimo de "pegar no batente". O vocábulo tem procedência no latim tripaliare. Esse faz
menção à tortura com um instrumento da Roma Antiga: o tripaliu, usado para castigar escravos (DAMATTA,
1986).
24
Por se verificar no indígena uma tendência para realizar trabalhos que envolviam esforço
físico, menos gratificantes de imediato, pode-se dizer que os índios tinham esta atitude
trabalhadora, mas com propósitos diferentes dos descritos pelo perfil de Holanda (1978). O
índio apresentava resistência ao trabalho latifundiário e se voltava apenas à subsistência.
Devido à "resistência obstinada" que os índios apresentaram ao trabalho latifundiário,
(HOLANDA, 1978, p. 18), os africanos desempenharam quanto à prática este papel de
trabalhador no Brasil. Foram impostos à condição de trabalhadores braçais e não possuíam
um lucro recompensador pelo seu trabalho.
O ócio aclamado pelos portugueses, representantes do grupo étnico de brancos, juntamente
com a imposição de trabalho escravo aos africanos trazidos ao Brasil, representantes do grupo
étnico de negros, podem ser caminhos para explicar o "exclusivismo racista" de hoje, que
nunca chegou a ser, aparentemente o fator determinante das medidas
que visavam reservar a brancos puros o exercício de determinados
empregos. Muito mais decisivo do que semelhante exclusivismo teria
sido o labéu tradicionalmente associado aos trabalhos vis a que obriga
a escravidão e que não infamava apenas quem os praticava, mas
igualmente seus descendentes (HOLANDA, 1978, p. 25).
Esta separação classista e racial se verifica em Ribeiro (1995, p. 131), na "superioridade
inegável" dos portugueses que, "por mais que se identificasse com a terra nova, gostava de se
ter como parte da gente metropolitana". Esta característica apresenta um contraste com a falta
do "orgulho de raça" que possuíam, descrito por Holanda.17
A submissão dos africanos ao trabalho e cultura impostos pelos portugueses, entretanto, não
os "desaculturou". Holanda (1978, p. 31) chama de "moral das senzalas" as contribuições dos
africanos em administração, economia e crenças religiosas que se formavam no Brasil. Assim
as denomina porque considera que a influência deste povo não foi somente da sua cultura
africana, mas teriam deixado como legado principalmente uma "cultura de escravos".
Decorrente da sua vida nas senzalas, exibiam "uma suavidade dengosa e açucarada" que se
exprime na arte e na literatura; juntamente com "o gosto pelo exótico, da sensualidade
brejeira, do chichisbeísmo, dos caprichos sentimentais" (HOLANDA, 1978, p. 31).
17
Tal embate enriquece o embasamento de ser a formação brasileira ao nível dos três grupo étnicos. Se esse
ocorre na tentativa de explicar os impasses dentro da cultura no Brasil, é inegável que dentro de cada grupo já se
notavam contradições culturais. O que leva a pensar na herança cultural também no fato de hoje o Brasil ser um
povo contraditório.
25
A partir destas bases escravocratas, Ribeiro (1995) considera que teria advindo a beleza da
cultura brasileira. Quando o negro rural migrou para os centros urbanos, ele se instalou nas
periferias das cidades. Essas teriam sido um espaço fértil para que ele difundisse o que
praticava nas senzalas: sua música, comida e religiosidade.
Com base nela é que se estrutura o nosso Carnaval, o culto de
Iemanjá, a capoeira e inumeráveis manifestações culturais. Mas o
negro aproveita cada oportunidade que lhe é dada para expressar o seu
valor. Isso ocorre em todos os campos que não se exige escolaridade.
É o caso da música popular, do futebol e de numerosas formas menos
visíveis de competição e de expressão. O negro vem a ser, por isso,
apesar de todas as vicissitudes que enfrenta, o componente mais
criativo da cultura brasileira e aquele que, junto com os índios, mais
singulariza o nosso povo (RIBEIRO, 1995, p. 223).
Se, por um lado, os escravos transmitiram claramente uma cultura popular que perdura até os
dias atuais no Brasil, por outro, os indígenas teriam contribuído quanto à estrutura social e as
relações nela envolvida. A base no parentesco e a sociabilidade em geral denotam de um
modo de vida solidário a que as sociedades tribais estariam submetidas; enquanto a
hierarquização classista e a ganância como objetivo das relações se associam ao português
(RIBEIRO, 1995).
Holanda (1978) acrescenta que a mentalidade capitalista portuguesa era fundada sobre a
"pessoalização" e com repulsa a qualquer tipo de racionalização. Decorria desses, "certa
incapacidade, que se diria congênita, de fazer prevalecer qualquer forma de ordenação
impessoal e mecânica sobre as relações de caráter orgânico e comunal, como o são as que se
fundam no parentesco, na vizinhança e na amizade" (HOLANDA, 1978, p. 99). Como
resultado, nas relações de negócio, a preferência é sempre por tratar o outro como amigo.
DaMatta (1986) considera o trabalho escravo a explicação para a falta de diferenciação entre
os espaços que ele chama de “casa” e “rua”18
, que representam os níveis pessoal e
profissional, respectivamente. "O patrão, num sistema escravocrata, é mais que um explorador
de trabalho, sendo dono e até mesmo responsável moral pelo escravo... aqui a relação vai do
econômico ao moral..." (DAMATTA, 1986, p. 32). Desta forma, as relações econômicas
atuais estão embebidas de simpatia e amizade. Holanda (1978) aponta a dificuldade em
18
"Casa" e "rua", assim como "outro mundo", são descritos por DaMatta (1997b) como meios com ações sociais,
emoções, reações e leis próprios de cada espaço.
26
aplicar a justiça e suas normas legais aos países de origem hispânica, incluindo Portugal e
Brasil devido a apresentarem estas características de cunho pessoal em diferentes relações.19
Estas e outras características, decorrentes dos três maiores grupos étnicos que povoaram o
Brasil no início de sua formação, ajudam a compor o brasileiro resultado destas
transformações. Essas podem ser chamadas de "transfiguração étnica", que é "o processo
através do qual os povos, enquanto entidades culturais, nascem, se transformam e morrem"
(RIBEIRO, 1995, p. 257).
1.3 Um triângulo de etnias, um triângulo de heróis20
A convivência entre grupos de diferentes costumes e tradições não fez com que as culturas
desaparecessem, mas contribuíssem para a transfiguração em uma sociedade na qual diversas
delas coexistiam. E, de acordo com cada impressão que sofreu, o brasileiro teria idealizado
um herói. Como sua formação étnica e cultural, uma triplicidade também heroica teria se
formado.
1.3.1 Brasileiro: um povo "relacional"
Ao longo do tempo histórico, a mentalidade do povo brasileiro foi se transformando e
aceitando a sua etnia diferenciada. Ele não é mais índio, também não se transformou em
branco nem virou um africano. Como uma sociedade de diversas origens étnicas, sobreviveu a
uma luta pela existência, a que Ribeiro (1995, p. 259) explica por já não haver mais índios
que ameacem o seu destino; teriam os negros se "desafricanizado" e se integrado; e o branco
seria orgulhoso por estar "mais moreno".
Neste aprendizado mútuo de culturas, a hierarquização típica do português teria esbarrado nos
sistemas igualitários indígenas. A disposição para o trabalho indígena, a atitude de trabalho
dos negros africanos - pela escravização - e o prestígio ao intelecto mais do que ao esforço
físico do português também teriam se chocado. Bondade e solidariedade indígena com alegria
escrava. A espontaneidade do carnaval, de Iemanjá e da capoeira, formados com base na
cultura africana, foi trazida para o Brasil e se mesclou com a obediência como princípio
19
Um ditado no Brasil que descreve "Aos inimigos, a lei. Aos amigos, tudo" é utilizado por Roberto DaMatta
(1997a, p. 217) para ilustrar a duplicidade do código de relações pessoais no Brasil. O autor descreve que é
comum a permissividade para burlar a lei quando se trata de alguém com quem se tem íntima relação: amigo,
parente, colega de atividade, enfim, qualquer um que se conheça e se tenha estima.
20
Assim como o triângulos de etnias é considerado equilátero, o de heróis também pode sê-lo. DaMatta (1997a)
diz que o três heróis brasileiros são decorrentes dos três principais grupos étnicos que formaram o Brasil. Ou
seja, os heróis também se apresentam de forma complementar e com mesmo peso nas suas contribuições; cada
um representa um tipo social indispensável no Brasil.
27
católico venerado pelos portugueses. Há também a esperança indígena de encontrar Maíra
mais o seu desencantamento com este mundo.
Todos nós, brasileiros, somos carne daqueles pretos e índios
supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa
que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se
conjugaram para fazer de nós a gente sofrida e sentida que somos e a
gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de
escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da
marginalidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da
dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício
da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças
convertidas em pasto de nossa fúria (RIBEIRO, 1995, p. 120).
Para explicar a compilação destes dramas em um só povo, há que se atribuir à sociedade
brasileira a característica "relacional". Não só em seus dramas, mas em seus comportamentos,
filosofias, atitudes e tradições - tudo que se relacione à sua identidade. DaMatta (1997b, p. 71)
diz que é através da relação que são possíveis de conviver "dimensões e esferas da vida cujos
valores são diferentes, embora complementares entre si". Além de ser "relacional", o Brasil
também é descrito pelo antropólogo como heterogêneo, desigual, inclusivo, complementar e
hierarquizado.
A heterogeneidade dos grupos étnicos, por exemplo, teria gerado uma associação entre eles de
forma complementar. Desta forma, o "mulato"21
e o "mestiço" são glorificados pelo brasileiro.
Ele tem orgulho desta mistura e acaba a considerando "uma síntese perfeita do melhor que
pode existir no negro, no branco e no índio" (DAMATTA, 1986, p. 40). Esta associação
demonstra que o brasileiro é um povo que associa os diversos modos de apresentação do seu
ambíguo.
Por relacionar triplos comportamentos sobre o mesmo aspecto, também teriam ficado
impressões quanto ao modo de ser e viver. A personalidade brasileira é delineada por
Holanda (1978). Socialmente, é definida como não individual; sua religião é humana e
terrena; sua cultura, apegada aos valores ligados à família; possui natureza emotiva e tem
aversão à monotonia. Na justiça, prevalece a indiferença à lei geral; e, politicamente, tem
intolerância a sistemas exigentes e disciplinadores; enquanto no trabalho, busca a sua própria
satisfação.
1.3.2 "Caxias", "malandros" e "renunciadores"
21
A palavra mulato deriva do animal mula, como uma associação racista à miscigenação. A mula é híbrida
porque é resultado do "cruzamento entre tipos genéticos altamente diferenciados" (DAMATTA, 1986, p. 39).
28
Roberto DaMatta (1997a) traz um triângulo de heróis brasileiros, formados no sofrimento
ligado a cada um dos grupos étnicos para ilustrar uma idealização, espelhando também uma
vida cotidiana. Não são heróis distantes, com superpoderes ou "endeusificados". Os heróis
brasileiros são como as pessoas que os imaginam.
Eles não vêm para salvar o mundo, nem são modelos a serem seguidos em nossa sociedade,
como os são os heróis norte-americanos.22
Os heróis brasileiros espelham a realidade social e
mostram formas de lidar com o cotidiano. São tão possíveis de se alcançar e de até mesmo se
transformar em um deles como os santos projetados pela mesma sociedade.23
DaMatta (1997a, p. 257) entende que no Brasil "o herói deve sempre ser um pouco trágico
para ser interessante". Desta forma, o herói brasileiro como personagem sempre começa pobre
e termina ascendido socialmente. Embebido de esperança na sua trajetória, o herói reflete o
povo brasileiro com seus anseios sociais. É principalmente o caráter moral de merecimento do
herói que determina este fim. O autor considera que nas sociedades hierarquizantes em geral
...a trajetória do herói segue sempre a mesma curvatura da sociedade
que engendra a dramatização, já que, em ambos os casos, deve-se ser
o que ainda não se é, o aceno do futuro aberto, rico e grandioso se
constituindo no ponto crucial de todas as reviravoltas e tragédias que
produzimos em nossas vidas, com sua vida sendo definida por meio de
uma trajetória tortuosa, cheia de peripécias e com desmascaramentos
(...) (DAMATTA, 1997a, p. 258).
Ao apresentar cada herói brasileiro que compõe o triângulo, DaMatta (1997a) associa um
comportamento típico: atitude "caxias",24
jeito "malandro" ou "renúncia". Estes estereótipos
foram construídos pelo antropólogo agregando atitudes e comportamentos típicos dos
brasileiros e extremados em duas pontas distintas: "caxias" e "malandro". Situados como
perfis que possuem espaço típico de atuação - o "caxias" na "rua" e o "malandro" em "casa" -,
surgiu a necessidade de pensar naquele que não se sente à vontade em nenhum destes dois
22
Adriano Beiras et al. (2006, p. 65) apresentam os heróis de quadrinhos norte americanos como modelos de
homem na sociedade: com ideal de justiça, "corpos que salvam o mundo" e atitudes de coragem. Em um
destaque feito através da musculosidade de seus corpos e atitudes protetoras apresentadas como benéficas à
sociedade, também estão presentes metáforas de relações sociais hierárquicas.
23
Eliane Tânia Martins Freitas (2000, p.198) aborda em artigo a existência no Brasil de "santos precários,
incompletos". Ao apresentar dois bandidos sociais santificados no estado de Rio Grande do Norte, a autora diz
que a vantagem que o brasileiro vê nesta santificação é que os santos são mais humanos, próximos e vulneráveis
às negociações (entre preces e promessas).
24
A denominação "caxias" é dada em homenagem ao duque de Caxias e "demonstra o poder do domínio
uniformizado e regular do qual saiu para ganhar popularidade numa sociedade também fascinada pela ordem e
hierarquia" (DAMATTA, 1997a, p. 264).
29
lugares. A figura do "renunciador" tem seu meio para se exercer em "outro mundo", distinto
da "casa" e da "rua", e frequentemente ligado a questões espirituais (DAMATTA, 1997b).25
O "malandro" é marcado pelo seu comportamento frente às adversidades da vida. É um
personagem que tem barreiras sociais a serem vencidas e o faz com atitudes que burlam a lei.
Ele usa de simpatia e apela ao parentesco, amizade ou qualquer outro laço social que produza
afeição e identificação com aquele com o qual se relaciona. Para este fim, o instrumento
utilizado é o "jeitinho" (DAMATTA, 1986).
Este comportamento do "malandro" advém da relação que o personagem faz entre o
tradicionalismo e a modernidade social. À tradição, estão ligadas as relações sociais como
formas de lidar com situações impostas pela lei ou pela moralidade. A justiça e a moral dizem
respeito à moderna forma de imposição de papéis sociais. Para DaMatta (1986), o brasileiro
opta por ligar estas duas pontas, do moderno e do tradicional, criando um comportamento
intermediário: a "malandragem". O resultado é uma mediação entre o que deveria ser
aplicável pelas leis e a influência das relações pessoais.
O jeito é um modo e um estilo de realizar. (...) É, sobretudo, um modo
simpático, desesperado ou humano de relacionar o impessoal com o
pessoal. (...). A verdade é que a invocação da relação pessoal, da
regionalidade, do gosto, da religião e de outros fatores externos àquela
situação poderá provocar uma resolução satisfatória ou menos injusta.
Essa é a forma típica do 'jeitinho' e há pessoas especialistas nela
(DAMATTA, 1986, p. 99-100).
É justamente esta mediação descrita que se constitui no dilema dos brasileiros. Ao lidar com o
tradicional e o moderno, a ordem e a desordem, as leis e as relações pessoais, a "pessoa" e o
"indivíduo",26
ou ainda com o branco e o negro, a escolha é sempre relacionar ambas as partes
(DAMATTA, 1997a). Ao fazer uma equação com estes dois extremos do dilema, o
intermediário surge e é amplamente utilizado pelo "malandro". Devido à mediação, este
personagem pode ser considerado um representante legítimo da sociedade brasileira.
25
Seria, portanto, na "casa" que o "malandro" tem o seu ambiente propício aos seus comportamentos típicos; o
"caxias", na "rua". O "outro mundo" é um espaço de significações criado pelo autor para designar uma nova
realidade proposta pelo personagem do "renunciador"; pode também fazer menção à vida espiritual,
frequentemente associada a este perfil (1997b).
26
Roberto DaMatta (1997a) faz a distinção entre estas duas unidades. Para o autor, o "indivíduo" é uma noção
moderna, no qual se aplica a lei geral; enquanto define "pessoa" como posição social. Essa necessita de uma
relação pessoal e uma conscientização do eu para passar a existir.
30
Na PESB (Pesquisa Social Brasileira) realizada em 2002 pelo cientista político Alberto Carlos
Almeida (2007), foi demonstrado que o "jeitinho" é praticado pelos "inferiores estruturais".27
No entanto, a explicação que o cientista considera mais prudente é a baixa escolaridade desta
camada social.
Apesar desta consideração, na PESB de 2002 também foi demonstrado que pessoas com
escolaridade alta já utilizaram esta forma de navegação social ao menos uma vez na vida. A
aceitação social desta fórmula - do "jeitinho" - é de meio a meio na sociedade brasileira: 50%
consideraram o seu uso errado e 50% o consideraram certo.
Existe, entretanto, outra ferramenta utilizada pelos "malandros" e que tem seu uso associado
aos "inferiores estruturais". O rito "Você sabe com quem está falando?" é invocado nas
mesmas situações que o "jeitinho". Mas o cunho autoritário deste rito se opõe à simpática
forma persuasiva da "malandragem".28
Almeida (2007) encontrou achados em pesquisas de opinião pública que comprovam a teoria
de DaMatta (1997a). A PESB de 2002 trouxe o resultado: "quanto mais hierárquica, mais
autoritária uma pessoa é" (ALMEIDA, 2007, p. 93). As pessoas com mais autoritarismo
segundo a pesquisa são os considerados "inferiores estruturais" por DaMatta (1986): não
moram em capitais, habitam nordeste e centro-oeste, são as mulheres, os mais velhos, quem
não faz parte da PEA (População Economicamente Ativa) e os que possuem escolaridade
baixa.
No extremo oposto do "malandro", está o "caxias". A leitura que faz do mundo é a de que leis,
normas e decretos devem vigorar; preza a hierarquia para a manutenção da ordem e dos
papéis sociais. Este perfil se relaciona às vestimentas que uniformizam, ao comportamento
exterior ordenado e a formas fixas de conduta calcadas na moral. Nomeações prestigiosas,
medalhas e reverências também são de importância para o "caxias" (DAMATTA, 1997a).
A principal diferença entre estes dois perfis de heróis apresentados é como se colocam com
relação à ordem moral. O "caxias" tenta mantê-la, enquanto o "malandro", se utiliza de
"jeitinhos" para burlá-la. O terceiro herói surge na negação desta ordem: ele não quer mantê-
27
Termo cunhado por DaMatta (1997a) para situar as pessoas que sofrem de preconceito social ao reivindicar
seus direitos. Elas consideram que não possuem poder para impor uma gradação vertical de posições sociais e
acabam sofrendo essa imposição. Geralmente, são elas que sofrem perante as decisões políticas. Essa pessoas
formam a grande massa, o "povo".
28
Para DaMatta (1997a), o rito demonstra claramente os preconceitos brasileiros que surgiram ainda na época da
escravidão. Nestes tempos, era necessário o estabelecimento de uma ordem que marcasse as diferenças.
31
la, nem se utilizar do "jeitinho" para burlá-la. DaMatta (1997a) apresenta o "renunciador"
como um personagem com desejo de criar outra realidade, assumindo um papel de
revolucionário na sociedade.29
Desse modo, o renunciador tem de se haver com suas vaidades e seu
orgulho; deve abandonar o mundo material, com suas riquezas e
explorações; deve ser altamente consistente, não podendo mais gozar
do privilégio da inconsistência entre o ser, o falar e o viver. Tem,
ainda, de viver para o seu grupo, deixando de lado seus interesses
egoísticos, criando - ao contrário - um imenso espaço externo, onde
deverá implementar as regras que inventa (DAMATTA, 1997a, p.
266-267).
Além da relação com os espaços sociais - "casa", "rua" e "outro mundo" -, DaMatta (1997a)
associa cada perfil de herói a uma festa típica brasileira. Os "malandros" são os foliões do
Carnaval, com atitudes pitorescas e com a visão do mundo como uma grande festa. As
paradas militares são o evento preferido dos "caxias"; esta festa da ordem possui uniformes,
armas, hierarquização militar com clara determinação dos papéis sociais, reverências e
honrarias. Aos "renunciadores" estão ligadas as procissões; festas de igreja veneram santos
que, como os "renunciadores", fogem da sociedade para concentrar suas energias em um
"outro mundo".
Mas, se cada um destes heróis exagerar na firmação de uma identidade ligada a estes perfis,
pode haver uma transfiguração nestas representações. Se o "caxias" for um seguidor das leis
muito fiel, pode demonstrar ingenuidade, se transformando em "otário", vítima preferida dos
"malandros". Esses podem utilizar o "jeitinho" como forma de ganhar a vida, passando da
"malandragem" à desonestidade, virando "bandidos sociais". Os "renunciadores", ao evitar
terminantemente o sistema, podem se afastar demais dele e se marginalizarem, também se
transformando em "bandidos". Em níveis de gradação, DaMatta (1997a) apresenta as
transfigurações destes perfis:
Pode-se então dizer que o risco do caxias é entrar totalmente na ordem
e, reificando-a, perder a consciência de que leis, atos e decretos foram
realizados num certo ponto de um calendário histórico (...). Mas, à
medida que deixamos essa posição dentro da ordem, ou melhor, a
posição na qual somos definidos pelo exterior, por meio de regras
gerais e plenamente visíveis, começamos a virar malandros. Se
29
É importante observar que esta é a função na qual se encontra o "renunciador" na sociedade brasileira como
um todo: a esperança de mudança, de revolução. Mas quando este perfil é observado em meios sociais que
formam uma sociedade local, como em empresas - públicas ou privadas - o "renunciador" assume um
comportamento oposto ao do "conciliador". O doutor em Ciências da Comunicação João José Azevedo Curvello
(1998) define o "renunciador" destes locais como um funcionário que se aposenta, se "encosta", desiste e trai a
confiança dos colegas.
32
caminhamos um pouco mais, dependendo dos motivos que nos
conduzem para fora, viramos bandidos ou renunciadores
(DAMATTA, 1997a, p. 270).
Os aspectos destes três perfis na sociedade brasileira se observam quando uma pessoa que
possui características de identificação com o "malandro" - que tem seu espaço de atuação em
"casa" - se comporta desta maneira na "rua". Ao se apresentar com atitudes "caxias" - as quais
têm seu lugar na "rua" - em "casa", a pessoa é vista com este estereótipo. O "renunciador"
também pode ser visto como uma figura caricata: um revolucionário ao extremo ou um
"beato". Isso ocorre quando ele apresenta suas ideias de renúncia às questões pessoais ou às
de ordem em "casa" ou na "rua", longe da igreja ou de um "outro mundo" que ele próprio
tenha criado para estas expressões (DAMATTA, 1997b).
Tais representações são encontradas na mídia. Nela, se notam figuras heroicas brasileiras,
como na literatura. A necessidade de se enxergar em personagens explica serem os heróis
desta sociedade, não uma idealização, mas o seu reflexo. Talvez seja uma herança relacionada
ainda àqueles primeiros brasileiros que eram fruto do envolvimento entre portugueses e
índios. O brasileiro ainda hoje pode carregar a necessidade de se identificar como povo.30
E como "não há domínio da vida contemporânea que não esteja, de certo modo, embebido na
experiência tecnológica", o pesquisador em Comunicação Erick Felinto (2006, p. 2) considera
o ambiente online "uma outra expressão para designar nossa complexa e intrigante pós-
modernidade". Portanto, a forma com que o brasileiro se mostra na internet dá pistas sobre
qual estereótipo de herói o representa melhor. Esta representação de si ocorre em um espaço
de atuação, chamado ciberespaço.
2 REPRESENTAÇÕES NAS REDES SOCIAIS DO CIBERESPAÇO
No Brasil, a aceitação do ciberespaço como campo de atuação é alta. O acesso à internet está
crescendo, e o computador, com todas suas possibilidades, já faz parte da vida cotidiana
brasileira. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram em
30
Chamados de "brasilíndios" ou "mamelucos" por Darcy Ribeiro (1995), os filhos de pai português e mãe índia
sofriam a rejeição dos pais portugueses, que os viam como "impuros filhos da terra". Já as mães índias os
rejeitavam porque na concepção indígena "a mulher é um simples saco em que o macho deposita sua semente.
Quem nasce é filho do pai e não da mãe..." (RIBEIRO, 1995, p. 108). Desta forma, o autor explica que a estes
primeiros brasileiros restou se enxergarem como um povo novo, devido à sua carência de identificação.
33
pesquisa realizada em 2005 que menos de um quarto da população brasileira, com dez anos
ou mais, tinha acesso à internet - apenas 20,9% de brasileiros. Em 2011, nova pesquisa foi
feita31
e constatou-se que o acesso à internet no país chegou a 46,5% da população - um
aumento de 143% entre 2005 e 2011.32
Ou seja, eram 31,9 milhões de internautas brasileiros
em 2005 e este número cresceu para 77,7 milhões no ano de 2011 (IBGE, 2013).
A expansão do acesso à internet começou no período entre 2001 e 200533
. Quando comparada
à aquisição dos outros bens domésticos duráveis, o computador demonstrou os maiores
crescimentos no período. Igual resultado se repetiu na análise feita entre 2005 e 2011. Entre
estes anos, a posse de um computador com internet cresceu 9,2 pontos percentuais, o maior
crescimento de consumo dentre os bens duráveis avaliados no Brasil (IBGE, 2013).
Dentre as novidades trazidas pela internet ao Brasil, estão os sites de redes sociais34
. Uma
pesquisa internacional sobre hábitos de leitura mostrou que estes sites chegaram a 89% de
popularidade no Brasil no ano de 2011 (PEW RESERACH CENTER, 2012) no estudo, o
Facebook se apresentou como o site de redes mais popular.35
2.1 A sociabilidade mediada pelo computador
A principal distinção entre os sites de redes sociais e os que são focados na informação é
interação que permitem. Raquel Recuero (2011) - jornalista e doutora em Comunicação e
Informação - observa que outras plataformas de informação na internet conectam apenas
computadores, enquanto os sites de redes sociais também ligam pessoas. Mas, como diferença
com relação às outras mídias, as redes sociais na internet inauguram uma nova configuração
de sociabilidade. Três formas são elencadas pelo antropólogo Jonatas Dornelles (2008). A
primeira seria a da comunicação presencial, marcada pelo compartilhamento dos mesmos
tempo e espaço pelos interagentes. A segunda, dos chats, traz a coincidência, ainda existente,
entre tempo e espaço de interação para as duas pessoas, sendo a mediação tecnológica o
diferencial na comunicação.
31
Esta é foi a última pesquisa feita sobre o tema, publicada pelo IBGE em 2013. Os dados para a pesquisa foram
coletados por visita a 146 mil domicílios e entrevista com 359 mil pessoas no Brasil em 2011 (IBGE, 2013).
32
Este resultado é expressivo em comparação ao crescimento populacional no mesmo período, que foi de 9,7%.
33
O resultado desta expansão foi refletido na pesquisa mundial do Pew Institute, realizado em 2007: o Brasil
ficou em terceiro lugar no ranking dos países que mais usam computador no mundo (DORNELLES, 2008).
34
São chamados apenas de "redes sociais" pelo senso comum, mas Raquel Recuero (2011) esclarece que os sites
apenas oferecem a oportunidade da formação de redes de sociabilidade neles: são plataformas em que se formam
as redes de relacionamentos entre as pessoas enquanto atores sociais no ciberespaço.
35
O México também demonstrou conferir um dos mais altos índices de popularidade aos sites de redes sociais -
88% - com relação aos outros países da América Latina, elegendo o Facebook como o site de redes mais
popular.
34
Os sites de redes sociais, além da comunicação mediada pelo computador, possibilitam
variantes em tempo e espaço, inaugurando a terceira forma de sociabilidade. Nos sites que
formam redes, a reciprocidade na comunicação não precisa existir ao mesmo tempo - pode-se
deixar um recado e o receptor responder em um outro momento, pois já existe uma rede de
relacionamento formada. Além disso, o espaço não é privativo da conversa entre estes dois.
Ao ser mostrado na página do receptor, outras pessoas podem ter acesso à conversa e até
interagir. Esta terceira forma de sociabilidade foi inaugurada no Brasil pelo site Orkut,
voltado para os relacionamentos através da formação de redes (DORNELLES, 2008).
A vida social teria se tornado mais ativa e estimulante com esta rede social. Há uma
explicação do grande sucesso de inserção dos brasileiros no Orkut que associa a prática à
imitação dos países desenvolvidos (DORNELLES, 2008).36
Mas em "comunidades do Orkut"
foi observado que os próprios brasileiros associam o fato de terem aderido ao site às
características de si como povo, que consideram ser "alegre" e "amigável" (FRAGOSO,
2006).
Sendo motivados pela imitação ou pela identificação, a sociabilidade mediada pelo
computador - dotada de possibilidades de interação pelas ferramentas do Orkut - foi
apropriada pelos brasileiros. E não só a quantidade desses, mas também a rápida aderência à
rede social online pelo povo brasileiro tem expressões consideráveis: em janeiro de 2004
começaram a ingressar no Orkut, e já eram 4,4 milhões de internautas brasileiros a possuir um
perfil - uma conta - no site em maio de 2005. Este número, também decorrente da rápida
expansão da tecnologia digital no Brasil (como já expresso anteriormente), chegou a
representar 71,08% de toda a "comunidade" do Orkut (MORAIS e ROCHA, 2005). A
"invasão" nacional levou este site de rede social - criado nos Estados Unidos - a ser chamado
de brasileiro (RECUERO, 2011, p. 178).
Ainda em 2008, Dornelles (2008) previa que o Orkut poderia "acabar" e dar lugar a novas
plataformas de interação. Hoje, outro site de rede social se encontra adotado pelos brasileiros.
O Facebook já é o site mais acessado do Brasil (COMSCORE, 2012). Este e outros sites
chamados de "redes sociais" são focados no conteúdo e nas funcionalidades propiciadas por
diversas ferramentas. Estas plataformas são orientadas a um contexto lúdico, promovendo
uma interação informal e recreativa (SANTANA et. al, 2009).
36
A realização das práticas propostas pelo sistema do Orkut teria como objetivo se tornar membro de uma
sociedade global e moderna, como o são os países desenvolvidos nos quais se espelham tecnologicamente os
brasileiros (DORNELLES, 2008).
35
Por este motivo, ao ser requerida a inclusão digital, é levado em consideração o acesso às
redes sociais online. A importância que têm se deve a estes sites serem canais de comunicação
orientados à troca de experiências com outras comunidades e para a divulgação de eventos;
também por permitirem um maior alcance na divulgação de produtos e serviços37
, e ainda o
resgate da identidade cultural de grupos minoritários (SANTANA et. al, 2009).
Esta recuperação da cultura é possível porque a identidade, pessoal e de grupos, é expressa no
ciberespaço de forma similar à dos espaços presenciais. Ao avaliar o comportamento do
brasileiro na internet,38
Rogerio Schlegel (2009, p. 15) observou que não há "uma
diferenciação de sentido claro em relação aos não usuários". Embora na sociabilidade o
brasileiro possua um "perfil diferenciado" quanto aos países analisados no artigo - Argentina e
Chile -, suas opiniões no ciberespaço são "indiferenciadas" às apresentadas fora dele. Isso
permite considerar a transposição de comportamentos do meio presencial para o virtual. Faz-
se necessário assim o estudo dos aspectos socializantes no ciberespaço.
2.2 Uma forma contemporânea de se representar
A internet hoje é utilizada para pensar, escrever e comunicar (SIBILIA, 2008). Nas redes
sociais, o que se escreve e comunica decorre do que se passa na subjetividade interior. Por
este motivo, Paula Sibilia (2008), diz que o ciberespaço se transformou em um "palco de
confissões". Ao convidar para a interação através de ferramentas, as redes sociais também
fazem seus usuários se despirem de uma moral da intimidade. Se, antes, a prática da escrita
sobre si se concentrava nos diários, hoje, a confissão de subjetividades é feita no ambiente
online. A autora compara o autorrelato nas redes sociais aos que ocorriam nos antigos diários
íntimos. O ciberespaço teria reconfigurado a exibição de si: o que antes era privado passou à
exibição pública. E ao dar visibilidade ao "eu", é feita uma autoconstrução. O resultado é uma
nova configuração de si orientada ao espetáculo público de sua vida privada.
2.2.1 A confissão de si nos diários "éxtimos"
Nos antigos diários íntimos, a escrita de si era feita para firmar um "eu", pessoal, íntimo.
Hoje, este "eu" precisa ser visto por olhares alheios para existir. A explicação para a transição
está no fato de que antigamente a vida era coletiva. Portanto, era necessário se esquivar de
37
O mercado hoje também se utiliza das ferramentas das redes sociais online, como Facebook, Hi5, My Space,
Orkut, entre outras (SANTANA et. al, 2009).
38
O estudo em questão foi direcionado à compreensão do impacto da internet na política brasileira.
36
olhares alheios e praticar a introspecção. Com a revolução industrial, e o consequente avanço
do capitalismo, as sociedades passaram a cultivar práticas individualistas. O mercado dos
meios de comunicação propiciou que sua própria presença fosse mais constante nas vidas das
pessoas. Os meios de massa passaram então a serem cada vez mais individuais. Essa
transformação do consumo coletivo para o individual se refletiu na vida social. Devido às
práticas, que antes eram coletivas, serem cada vez mais individuais, a autorreflexão, que antes
era individual, passou a ter necessidade de se exibir para a coletividade (SIBILIA, 2008).
A autobiografia deixou então de se restringir a um gênero literário para fazer parte do
cotidiano das pessoas. Sibilia (2008) conta que a ficção deixou de ser interessante; e o que
realmente passou a despertar a atenção foram os relatos verdadeiros: uma "sede de
veracidade" invadiu as sociedades contemporâneas e fez aumentar o consumo por vidas
alheias. Este mercado é alimentado por um "eu" que - antes era firmado com a escrita nos
diários, decorrente de uma autorreflexão - hoje requer visibilidade para existir. Aline Soares
Lima (2009) observa o lado positivo dessa transformação de local do autorrelato.
O contexto da cibercultura torna as condições para produção e
circulação de uma maior variedade de discursos mais acessíveis e traz
à tona novos ambientes de sociabilidade e uma modalidade de
construção de "narrativas do eu", que torna possível não somente
novas formas de representação, mas, sobretudo, torna visíveis
representações que nos permitem entrar em contato com experiências
de vida, histórias e pessoalidades, proporcionando também a
possibilidade de questionar e relatar posições e identidades
hegemônicas desde outros lugares. (LIMA, 2009, p. 6)
A sociabilidade praticada no ciberespaço também marca uma identidade nos espaços. Uma
sociedade que ali se encontra passa a tecer relações entre os seus membros de modo a formar
uma identidade coletiva. Dornelles (2008) acredita que é na coletividade que se manifesta a
identidade de um povo. E ainda que o ciberespaço seja um ambiente destinado às
representações individuais, a coletividade se manifesta na agregação de interesses comuns.
Estes interesses se apresentam durante a construção da individualidade. Quando se faz um
esforço para formar um "eu" único, são mostrados traços de identificação com a coletividade.
Essa manifestação representativa dos sujeitos e da coletividade no ciberespaço é considerada
por Dornelles (2008) idêntica à forma contemporânea de se representar presencialmente. Na
tese "Vida na rede: uma análise antropológica da virtualidade" (2008), o autor analisa o site
de relacionamentos Orkut e observa que não existe mais diferenciação entre o que é praticado
no site e no cotidiano das pessoas. Tanto Dornelles quanto Sibilia atribuem esta remoção da
37
"máscara da civilidade" ao "declínio do homem público", teorizado pelo sociólogo americano
Richard Sennet (1988, apud DORNELLES, 2008, e 1999, SIBILIA, 2008). O autor fez essa
observação nos anos setenta do século passado, antes da massificação pelo computador.
Segundo ele, ainda que estivessem em ambientes públicos, as pessoas já manifestavam suas
individualidades como "seres privados", igual ao que ocorre no ciberespaço hoje em dia.
Mas essa expressão do cotidiano realizada no ambiente virtual necessita de uma
transformação do "eu" para ser veiculada. Se, antes, a ficção recorria à realidade para se
tornar mais interessante, agora ocorre o caminho inverso. Sibilia (2008) diz que tem que haver
uma ficcionalização da realidade para que ela se torne aceitável na virtualidade. A veracidade
do que é publicado precisa de aspectos ficcionais para ser atraente. Ou seja, o "eu" real vira
um personagem para se apresentar39
no ciberespaço.
Pela apresentação de si sofrer mudanças quando se mostra em diferentes espaços, "uma
consideração habitual, quando se examinam esses estranhos costumes novos, é que os sujeitos
nele envolvidos 'mentem' ao narrar suas vidas na web" (SIBILIA, 2008, p. 29). Mas o
intercâmbio de representações do real e do virtual acontece nas duas vias. Também ocorre que
"a sociedade eleva o status do virtual (ciberespaço) a algo real" (DORNELLES, 2008, p. 286).
Por serem novos modelos de diários íntimos na construção de "modos de ser" e também
serem publicados, Sibilia (2008) chama os sites de redes sociais de "diários éxtimos". A
apresentação de si realizada neles é por meio de um personagem. Esse não precisa "ser" e nem
"ter", mas apenas "parecer".40
A lógica das aparências para a expressão das subjetividades se
consuma na visibilidade. Desta forma, o personagem visível contrasta com o "eu" real pela
ausência de solidão daquele. Como "eu" real, o sujeito pode ter momentos de solidão e de
introspecção com suas subjetividades. Enquanto o personagem precisa estar à mostra para
existir; para isso, é necessária a aprovação de "outros".
Mas, para além de uma mera aprovação social, há uma significação nesta exibição. Quando
surgiram os diários íntimos tradicionais, o objetivo era conservar "o que se é" e "o que se foi".
Na conformação atual, os diários cibernéticos se proliferam pela "ânsia de se conservar algo
próprio que se considera valioso, mas que inevitavelmente irá escapar no frenesi da
aceleração contemporânea" (SIBILIA, 2008, p. 135).
39
Para a autora, esta representação também é uma forma de apresentação do "eu" interiorizado.
40
Quando a interioridade psicológica era o campo das subjetividades, era preciso apenas "ser". Com a
proliferação da sociedade de consumo, o que era mais importante era "ter". Hoje, com "as morais da
visibilidade" em voga, é necessário "aparecer" para realmente existir. (SIBILIA, 2008).
38
Ao narrar em primeira pessoa, é permitido também que o "eu" fale do que lhe incomoda,
como um desabafo. Ocorre um distanciamento de tudo o que atormenta aquele "eu" real e o
permite reclamar do que o insatisfaz e demonstrar opiniões que antes guardava para seu
interior pelas morais sociais, enfim, permite "mostrar-se como for". Sibilia (2008) diz que é
como se o "eu" assumisse uma "identidade de férias".
Por mostrar a intimidade e as subjetividades, há uma espetacularização do "eu". Ao tornar
visível o cotidiano e a banalidade, são criados espetáculos da vida privada. E o "eu" é um
personagem no qual o "outro" se espelha para ser alguém. Paradoxalmente, a cotidianidade
que é mostrada para o outro de uma forma espetacular tem o objetivo de dizer-lhe que se é
igual a ele, que não tem nada de extraordinário naquele "show do eu" (SIBILIA, 2008).
2.2.2 Autoconstrução: um espetáculo alterdirigido
As ferramentas das redes sociais estão cada vez mais voltadas a promover um espetáculo do
"eu" interior. Ao ser personalizado pelas ferramentas do ciberespaço, este "eu" se transforma
em personagem, passando a necessitar de uma aceitação social para existir . Esta aprovação se
dá pela interação. E ao fazê-la com as ferramentas disponibilizadas pelo site de redes sociais é
demonstrado mais a respeito de quem se "é" do que quando é realizado o preenchimento de
dados que se pretendem apresentar como perfil pessoal. Dornelles (2008) considera a escolha
das características para se representar uma forma passiva de construção. A forma ativa se dá
na interação, ao permitir que as escolhas individuais sejam voltadas aos interesses do "eu".
O sujeito virtual também se apresenta quando publica textos, imagens, sons e vídeos. Através
desta representação multimídia, narra as suas visões de mundo e de si mesmo. Mas também a
partir de referencialidades esta autorrepresentação é feita. O "outro" que se busca reproduzir é
o que está na mídia - chamado por essa de celebridade -, nas ruas ou nas instituições sociais.
Também pode ser um referencial quem está no próprio ciberespaço (DORNELLES, 2008).
A representação pela multimidiatização é considerada para Sibilia (2008) o polo objetivo das
marcas da oralidade. Nesta caracterização, o texto online se insere com todos os "fortes"
atributos que lhe conferem o ciberespaço. O tom coloquial e a transcrição da expressão como
se estivesse em uma conversa presencial são algumas marcas do texto. Em uma nova
linguagem, parâmetros particulares do ciberespaço são criados.
Sua feitura não se apoia em parâmetros tipicamente literários ou
letrados, nem de maneira explícita, nem tampouco implícita nas
entrelinhas ou no sentido do gesto escritural. Além disso, impera certo
39
descuido com relação às formalidades da linguagem e às regras da
escrita. Mais propulsados pela perpétua pressa do que pela perfeição,
estes textos costumam ser breves. Abusam das abreviaturas, siglas,
acrônimos e emoticons. Às vezes juntam várias palavras eliminando
os espaços, enquanto ignoram os acentos ortográficos e os sinais de
pontuação, bem como todas as convenções referidas ao uso de
maiúsculas e minúsculas. O vocabulário também é limitado. Se
considerarmos ainda o fato de costumarem praticar uma ortografia
lastimosa e uma sintaxe relaxada, em casos extremos, os textos deste
tipo podem beirar os limites do incompreensível - pelo menos para
aqueles que não foram treinados na peculiar alfabetização do
ciberespaço. (SIBILIA, 2008, p. 38)
Esta variedade estilística demonstra que o sujeito virtual não só se confessa, mas também se
constrói pelas palavras. Sibilia (2008, p. 33) entende que "é preciso escrever para ser, além de
ser para escrever" e que não só palavras, mas também imagens têm a capacidade de realizar a
existência. Elas compõem um universo próprio de subjetividades utilizando a linguagem para
lhes conferir consistência.
Atualmente, a narrativa é consumida de forma interativa. Em uma relação com os outros e
com o mundo, o ser é construído. Ele se faz pela narrativa que, além de apresentá-lo, o
realiza. E como os sujeitos estão cada vez mais visuais do que verbais, o consumo de imagens
é alto no ciberespaço. Também os vídeos - imagens em sincronia com o som - têm se tornado
mais atraentes do que longos textos escritos (SIBILIA, 2008).
O "eu" mostra preferência pela representação multimídia porque se realiza na compreensão
imediata - na velocidade do instantâneo -, o que é permitido com fotos e vídeos (SIBILIA,
2008). Personalizados, estes arquivos trazem uma configuração alterdirigida de si, o "eu"
exteriorizado como personagem. Desta forma, tanto pelo consumo quanto pela exposição
multimídia, a construção do personagem é resultado do polo objetivo das marcas da oralidade.
Sibilia (2008) também expõe a existência de um polo subjetivo no ciberespaço, constituído
pela junção do autor com o narrador e o personagem do relato, ou seja, o "eu" com esta
tríplice função.41
A presença dos três papéis permite que a "realidade inventada" na
autodescrição se pareça com a ficção. E se assemelhar a este gênero é espetacularizar, no
caso, o "eu".
41
A autora considera fundamental para uma biografia - tanto literária quanto qualquer escrita de si, como nos
sites de redes sociais - que exista um pacto de leitura entre quem a escreveu e quem a lê. O leitor deve acreditar
que o autor, o narrador e o personagem da história sejam a mesma pessoa. E só assim é que uma obra deve ser
considerada uma biografia.
40
Por este motivo, a vida hoje é alterdirigida quando esse se apresenta na mídia e equacionada a
um filme por Sibilia (2008). Tudo no cotidiano tem que ser realizado como se o fizesse em
uma produção de ficção - tem que ser espetacular. E por ser a interioridade psicológica uma
construção histórica, ela acompanha os movimentos sociais, políticos e econômicos da
sociedade na qual está inserida. Como a representação de si é feita nos canais midiáticos, são
eles que retratam a vida - globalizada e espetacularizada - nas sociedades ocidentais.
Para Douglas Kellner (MORAIS, 2006, p. 134), o espetáculo está sempre presente na vida
político-social e hoje ele invade "todos os campos da experiência, desde a economia e a
cultura até a vida cotidiana, a política e a guerra". Esta expansão generalizada é marcada pela
transição de exibição, das outras mídias para o ciberespaço. Pelas características deste campo
comunicacional, ocorre uma nova configuração de formas culturais, relações sociais e tipos de
experiência.
Devido a estas novas formas, a personalidade também busca se espetacularizar, recorrendo ao
"glamour da mídia". A ficcionalização é feita ao se construir com os padrões dos personagens
midiáticos. Esta construção é de tal importância para a sociedade contemporânea que "se
alguém não vê alguma coisa é bem provável que essa coisa não exista" (SIBILIA, 2008, p.
112).
Também a lógica da velocidade e do instantâneo presente no ciberespaço se reflete nos
campos social, afetivo e cotidiano contemporâneos. Mas é interessante observar que mesmo
"sem tempo" é realizada a confissão nos "diários éxtimos". Trata-se de constância e
perseverança para passar a existir, ou só continuar existindo. Assim, a expressão de si é cada
vez mais praticada no Brasil, não só no ciberespaço. Notou-se que ela fez aumentar a
quantidade de biografias literárias publicadas. Hoje, qualquer pessoa, não só pode, "deve"
falar,42
mesmo que não tenha nada, "no sentido moderno", para dizer (SIBILIA, 2008).
Como "fazer falar" é uma das funções dos sites de redes sociais no ciberespaço, o tema destes
sites é sempre voltado à vida íntima. Ao comparar os blogs43
com os microblogs, Sibilia
(2008, p. 137) observa que a tendência é que os relatos de si em geral se tornem "cada vez
mais instantâneos, presentes, breves e explícitos": eles geralmente se voltam à resposta da
42
Esta obrigação à expressão, o "fazer falar", é considerada para Sibilia (2008) um tipo de censura, como a do
"fazer calar". Pois ninguém tem mais direito a se silenciar - se o fizer não é dotado de "existência".
43
Os blogs não são considerados sites de redes sociais por não explicitarem a formação de redes, embora elas se
constituam naqueles também (RECUERO, 2011).
41
questão "O que você está fazendo neste momento?".44
Mas o Facebook atualmente vai além
do interesse nas práticas de seus usuários. A pergunta que faz atualmente é "No que você está
pensando?", o que mostra claro interesse nas subjetividades e em promover a relação delas
entre os usuários. Como conclui Dornelles (2008, p. 286), "o resultado é a interação
constante, ilimitada e ininterrupta de uma diversidade extremamente ampla de subjetividades
em contato constante".45
2.3 No Facebook, em busca do sucesso social
Em 2004, o sistema do Facebook foi lançado nos Estados Unidos, por Mark Zuckerberg46
,
com o nome the facebook. Sua função primordial era promover o entrosamento dos alunos
que saiam do Ensino Médio e ingressavam na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos
(SIBILIA, 2008). A versão corporativa do Facebook, similar a como se apresenta hoje, foi
lançada em 2006 (SANTANA, 2009). A plataforma se expandiu e chegou a todo o mundo.
Com ampla aceitação na América Latina, o acesso ao Facebook no Brasil levou a "quase 44
milhões de visitantes únicos em dezembro de 2012, 22% a mais que no ano anterior"
(COMSCORE, 2013).
O Facebook funciona como um site de redes sociais. Ele apresenta seus usuários em perfis e
comunidades. Mas apesar de ser voltado à "publicização" da vida privada, o site é percebido
como uma rede social mais privada do que as outras. Isso se deve à exposição do perfil de um
usuário, com dados relacionados à construção passiva do seu personagem, ser disponível
apenas para outros usuários que façam parte da sua rede (SIBILIA, 2008).
A escolha sobre com quem se relacionar é uma das formas de demonstrar que o ciberespaço
engloba aspectos sociais da vida do usuário. Desta forma, é que Dornelles (2008, p. 164-165)
faz a colocação de que "viver" conectado na internet passou "de um comportamento exclusivo
de maníacos por computadores para se tornar uma prática comum", cotidiana. O resultado
para a parcela da sociedade brasileira que incorpora o ciberespaço é um comportamento no
ambiente online como se estivesse na "rua", onde impera um código aberto "ao mercado, à
44
Pergunta antes feita pelo microblog Twitter aos seus usuários no espaço para publicação (SIBILIA, 2008);
atualmente, está o imperativo: "Publique um novo tweet..." (TWITTER).
45
Embora o objeto de análise de Dornelles (2008) seja o Orkut, a pesquisa se volta à vida social nas redes do
ciberespaço, o que permite relacionar seus achados a outros sites de redes sociais.
46
Quando ocorreu a ideia, a programação e o lançamento do sistema, Mark Zuckerberg era estudante da
Universidade de Harvard, para a qual desenvolveu a plataforma.
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A relação entre Brasileiros e Chaves no Facebook - uma construção social de caxias, malandros e renunciadores

  • 1. UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL CABO FRIO 2013 A RELAÇÃO ENTRE BRASILEIROS E CHAVES NO FACEBOOK: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL DE CAXIAS, MALANDROS E RENUNCIADORES
  • 2. KARY HELLEN MARINS SUBIETA Monografia apresentada ao Curso de Comunicação Social da Universidade Veiga de Almeida - campus Cabo Frio, Rio de Janeiro, como requisito para a obtenção do título de bacharel em Jornalismo. Orientadora: Profª Me. Heloiza Beatriz Cruz dos Reis CABO FRIO 2013 A RELAÇÃO ENTRE BRASILEIROS E CHAVES NO FACEBOOK: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL DE CAXIAS, MALANDROS E RENUNCIADORES
  • 3. KARY HELLEN MARINS SUBIETA A RELAÇÃO ENTRE BRASILEIROS E CHAVES NO FACEBOOK: UMA CONSTRUÇÃO SOCIAL DE CAXIAS, MALANDROS E RENUNCIADORES Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social da Universidade Veiga de Almeida - campus Cabo Frio, Rio de Janeiro, como requisito para obtenção do título de bacharel em Jornalismo. Aprovada em 04 de dezembro de 2013. Banca Examinadora: _______________________________________________________ Profª. Me. Heloiza Reis (orientadora) Universidade Veiga de Almeida _______________________________________________________ Profª. Me. Vanessa Ribeiro Universidade Veiga de Almeida _______________________________________________________ Profª. Me. Vania Fortuna Universidade Veiga de Almeida
  • 4. A todos os fãs brasileiros de Chaves que sempre notaram na série um toque especial, extraordinário; e àqueles que, como eu, não só vivem os momentos ilustrados, mas buscam, por meio de pesquisas e trabalhos, mostrar a todos o porquê de sermos "chavesmaníacos".
  • 5. AGRADECIMENTOS Ao Roberto Bolaños, meu ídolo e inspiração como escritor, pelas suas criações, que me possibilitaram este estudo de caso. Ao Fórum Chaves, maior comunidade de fãs de Chaves da América do Sul e da internet, pela disposição em auxiliar e pelo apoio a este trabalho, contribuindo com dados que vieram a complementá-lo. À minha mãe e técnica de enfermagem, Helenice Marins, por confiar a mim os "seus" sonhos, que eu realizei em parte na conclusão deste curso de graduação. Ao meu companheiro e historiador, Cássio Campos, pelo apoio à realização do "meu" sonho: cursar jornalismo; e por me ajudar no decorrer desta pesquisa, me norteando com relação à história brasileira e trocando comigo aprendizados sobre antropologia. Ao meu pai e médico, Cesar Subieta, um exemplo de profissional por estudar até hoje, com seus 70 anos, me mostrando que o estudo é o melhor meio para exercer com profissionalismo a carreira que se escolhe para a vida. A toda minha família, por acreditar em mim. À minha orientadora e mestre em comunicação social, Heloiza Reis, pela dedicação ao projeto desta pesquisa e a esta monografia; pela paciência e tempo a mim dispensados nos horários de orientação; e por dar asas à minha imaginação, tornando-a realidade através deste trabalho. Aos meus colegas do curso de graduação, pelas horas de descontração e pelos trabalhos acadêmicos compartilhados; em especial, ao Luis Gurgel, futuro jornalista, à Cíntia Rocha, futura publicitária, e à Pâmela Boato, publicitária já graduada. Aos colegas de estágios e emprego, que tive no decorrer do curso, alguns também estagiários e outros profissionais, pelas experiências trocadas; principalmente ao Victor Delamar, publicitário, pelo presente que foi a minha principal inspiração para esta pesquisa: o livro "Chaves: a história oficial ilustrada"; e também à Viviane Machado, jornalista, pela ideia de eu ter como tema o assunto que eu mais me mostrava empolgada em discursar sobre ele no trabalho, Chaves.
  • 6. A todos os professores, mestres e doutores do curso de Comunicação Social da Universidade Veiga de Almeida - campus Cabo Frio, pelo respeito que sempre tiveram comigo, pelos ensinamentos com dedicação e por me fazerem jornalista. Ao ano de 2013, por ter me oferecido lindos dias e momentos, que propiciaram toda esta pesquisa, do projeto à finalização.
  • 7. "A arte é um produto das vivências e do trabalho de um ser humano, e, como tal, sejam quais forem as circunstâncias em que se realizou e a época em que se criou, o importante é o pensamento que ela transmite, inigualável pela personalidade do ser humano que retrata." (Eduardo Rincón, compositor e musicólogo)
  • 8. RESUMO SUBIETA, Kary. A relação entre brasileiros e Chaves no Facebook: uma construção social de caxias, malandros e renunciadores. 119 f. Monografia. Apresentada ao Curso de Comunicação Social, Universidade Veiga de Almeida - campus Cabo Frio, para a obtenção do título de bacharel em Jornalismo. Cabo Frio, 2013. A série Chaves é considerada um fenômeno curioso da comunicação devido ao sucesso e ao tempo que perduram. Esta pesquisa estuda o que promove a aproximação do brasileiro com os personagens e eventos roteirizados na série. O meio de análise é o ciberespaço. São utilizados os perfis de heróis nacionais descritos pelo antropólogo Roberto DaMatta. É verificado que a formação destes heróis tem base na história social brasileira. Estes perfis são observados nos comportamentos dos personagens em Chaves através das publicações. São observadas também as interações do brasileiro com publicações referentes a Chaves na comunidade virtual "Fórum Chaves", no site de relacionamentos Facebook. O comportamento dos atores sociais é extraído através da mensuração das interações. Nesta análise, é verificado o herói mais apoiado socialmente, o mais espetacularizado e o que possui mais ideias replicadas. Também é notado como o eu interior é apresentado no ciberespaço e o que representa socialmente a comunicação por ferramentas no Facebook. Palavras-chave: Chaves; Comunidade Virtual; Facebook; Heróis Brasileiros; Fórum Chaves.
  • 9. ABSTRACT SUBIETA, Kary. The relationship between Brazilians and El Chavo in Facebook: a social construction of caxias, malandros and renunciadores. 119 p. Monograph. Presented to Social Communication Course, Veiga de Almeida University - campus Cabo Frio, for obtain the title bachelor's degree in Journalism. Cabo Frio, 2013. The TV series El Chavo is considered a curious communication phenomenon because of its success and duration on air. This research studies which promotes closer relations between the Brazilians and the scripted events and characters in the series. The means of analysis is internet online research of cyberspace. The profiles of Brazilian heroes described by anthropologist Roberto DaMatta are used. These heroes have their base in Brazilian social history. The profiles of heroes are observed in the behavior of El Chavo's characters through observation of publications. Are also observed interactions between Brazilians and publications related to El Chavo on the virtual community "Fórum Chaves", on Facebook. The social actors behavior is extracted through measurements of interactions. On this analysis, is checked the hero most socially supported, the hero most spectacularized and the hero with more ideas are replicated. Also noted how social communication is done in cyberspace through Facebook's mechanisms and how people developing their inner self on this site. Keywords: El Chavo; Virtual Community; Facebook; Brazilian Heroes; Fórum Chaves.
  • 10. RESUMEN SUBIETA, Kary. La relación entre brasileños y El Chavo del Ocho en Facebook: una construcción social de caxias, malandros y renunciadores. 119 p. Monografía. Presentada al Curso de Comunicación Social, Universidad Veiga de Almeida - campus Cabo Frio, para obtener titulación de grado en periodismo. Cabo Frio, 2013. La serie El Chavo del Ocho es vista como un curioso fenómeno de la comunicación por la perduración del suceso y del tiempo. Esta búsqueda estudia el que hace los brasileños acercaren-se de los personajes de la serie y de los eventos que ocurren en esa. El medio para análisis es el ciberespacio. Usan-se los perfiles de héroes brasileños que han sido descritos por el antropólogo Roberto DaMatta. Nota-se que la formación de eses héroes ha venido de la historia social brasileña. Los perfiles son observados por las publicaciones cuando se ve los comportamientos de los personajes de El Chavo del Ocho. También notan-se los medios que el brasileño entejare con las publicaciones que se mencionan El Chavo en la comunidad virtual "Fórum Chaves", en el sitio de redes Facebook. La forma con que los actores sociales comportan-se es notado mediante la medición de las interacciones. En esta análisis se nota el héroe que los actores sociales más dan apoyo social, el héroe que más sensacionalismo le dan y el héroe que tiene la cantidad mayor de sus ideas replicados. También se observa como ocurre el desarrollo del íntimo en el ciberespacio y lo que representa la comunicación social por las herramientas en Facebook. Palabras clave: El Chavo Del Ocho; Comunidad Virtual; Facebook; Héroes Brasileños; Fórum Chaves.
  • 11. SUMÁRIO Página INTRODUÇÃO...........................................................................................................14 1 COMO SE CONSTRÓI UMA SOCIEDADE À BRASILEIRA............................18 1.1 A identidade pelas relações sociais............................................................................19 1.2 Alicerces da cultura nacional.....................................................................................19 1.2.1 A "fábula das três raças"...............................................................................................20 1.2.2 Contribuições dos grupos étnico-culturais....................................................................21 1.3 Um triângulo de etnias, um triângulo de heróis.......................................................26 1.3.1 Brasileiro: um povo relacional......................................................................................26 1.3.2 "Caxias", "malandros" e "renunciadores".....................................................................27 2 REPRESENTAÇÕES NAS REDES SOCIAIS DO CIBERESPAÇO...................32 2.1 A sociabilidade mediada pelo computador...............................................................33 2.2 Uma forma contemporânea de se representar.........................................................35 2.2.1 A confissão de si nos diários "éxtimos"........................................................................35 2.2.2 Autoconstrução: um espetáculo alterdirigido...............................................................38 2.3 No Facebook, em busca do sucesso social.................................................................41 2.3.1 Os mecanismos de interação como extensões do ator social........................................42 2.3.2 Capital social, o saldo das relações...............................................................................44 2.4 A sociedade brasileira no "Fórum Chaves".............................................................46 2.4.1 Chaves: do México para o Brasil, e da televisão para a internet..................................46
  • 12. 2.4.2 A maior comunidade de fãs de Chaves do ciberespaço................................................47 3 OS HERÓIS DE DAMATTA NOS PERSONAGENS DE BOLAÑOS.................48 3.1 A mãe "caxias" e o filho "otário"..............................................................................48 3.2 "Malandragem" de pai para filha.............................................................................51 3.3 Os "outros mundos": da magia e da fantasia...........................................................55 3.4 A construção social do brasileiro que interage com Chaves...................................60 CONSIDERAÇÕES....................................................................................................63 REFERÊNCIAS..........................................................................................................66 ANEXOS......................................................................................................................70 APÊNDICES..............................................................................................................109
  • 13. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Página ANEXOS..................................................................................................................................70 Curtir fan page........................................................................................................................70 Entrevista 1..............................................................................................................................70 Entrevista 2..............................................................................................................................70 Publicações da fan page Fórum Chaves (referentes aos personagens analisados)................71 Dona Florinda (anexo "1" ao anexo "7").............................................................................71-74 Quico (anexo "8" ao anexo "18").........................................................................................74-79 Seu Madruga (anexo "19" ao anexo "41")...........................................................................80-93 Chiquinha (anexo "42" ao anexo "44")................................................................................94-95 Dona Clotilde (anexo "45" ao anexo "51")..........................................................................95-98 Chaves (anexo "52" ao anexo "70")...................................................................................99-108 APÊNDICES..........................................................................................................................109 Gráficos..................................................................................................................................109 Personagens (apêndice "1").....................................................................................................109 Personagens x atores - curtir; comentar; compartilhar (apêndices "2" a "4")..................109-110 Marketing - curtir, comentar e compartilhar (apêndice "5")...................................................110 Personagens: Dona Florinda; Quico; Seu Madruga; Chiquinha; Dona Clotilde; Chaves - curtir, comentar e compartilhar (apêndices "6" a "11")..............................................................111-112 Personagens: frases x releituras - curtir; comentar; compartilhar (apêndices "12" a "14")........................................................................................................................................113
  • 14. Atores: vida/carreira x notícias/atualidades x shows - curtir; comentar; compartilhar (apêndices "15" a "17")....................................................................................................114-115 Personagens - quantidade de publicações (apêndice "18").....................................................115 Atores - quantidade de publicações (apêndice "19")..............................................................115 Marketing - quantidade de publicações (apêndice "20")........................................................116 Publicações - personagens, atores e marketing (apêndice "21").............................................116 Interações entre perfis no programa - malandro e caxias; renunciador e malandro; caxias e renunciador (apêndices "22" a "24")................................................................................116-117 Interação entre cada perfil e entre os três no programa - renunciadores, malandros, caxias e interação entre os três (apêndice "25")....................................................................................117 Categorias de interações entre perfis no programa - quantidade de publicações (apêndice "26")........................................................................................................................................118 Interações entre perfis em releituras - caxias e renunciador, renunciador e malandro, e malandro e caxias (apêndice "27")..........................................................................................118 Interações entre cada perfil ou entre o perfil e outro em releituras - renunciadores, malandros e caxias (apêndice "28")..........................................................................................................118 Categorias de interações em releituras - quantidade de publicações (apêndice "29")........................................................................................................................................119
  • 15. 14 INTRODUÇÃO Chaves é uma série transmitida há cerca de quarenta anos na televisão, dentre os quais é exibida há vinte e nove no Brasil - desde 1984. O programa já foi líder absoluto de audiência em todos os países nos quais foi transmitido. No Brasil, é exibido no SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) e se constitui, devido ao tempo e ao sucesso que perdura, em um fenômeno curioso da comunicação. São muitas as pesquisas acadêmicas que abordam o tema sugerindo os motivos para este sucesso. Mas, quanto ao meio estudado, não foi encontrado um estudo associado aos sites de redes sociais. Embora a internet seja uma mídia relativamente recente, traz alta relevância para o estudo da série: no Brasil se encontra o maior número de sites sobre o programa. Este trabalho estuda o que promove esta aproximação do brasileiro, que se expressa nos sites de redes sociais, com os personagens e eventos roteirizados na série. Temas similares foram abordados por Pablo Kaschner, e Luís Joly, Fernando Thuler e Paulo Franco, comunicadores sociais que realizaram estudos acadêmicos sobre Chaves. Em suas obras, apontam as possíveis causas do sucesso da série. Nesta pesquisa, a contribuição de ambos está nas características que apontam sobre os personagens. Kaschner (2006) também acrescenta por focar o seu trabalho no Brasil, já reconhecendo o sucesso da série na internet quando descreve a respeito da relação ídolo-fã. Para mostrar como ocorre a identificação do fã brasileiro com Chaves, é realizado no primeiro capítulo um estudo da história brasileira. São tomados teóricos que no decorrer de suas obras mostram indícios da formação social deste povo. O antropólogo Darcy Ribeiro e o historiador Sérgio Buarque de Holanda abordam como os diferentes aspectos sociais brasileiros surgiram no decorrer da construção da história nacional. Enquanto o antropólogo Roberto DaMatta apresenta os perfis sociais de heróis brasileiros existentes hoje. No estudo, se verifica que a base para a formação de heróis brasileiros está na história nacional descrita por Ribeiro (1995) e Holanda (1978). As características advindas das obras destes autores permitem traçar uma associação de herança cultural da sociedade brasileira relacionada aos grupos étnico-culturais que povoavam o Brasil.1 O resultado é apresentado por DaMatta (1997a). O autor traz o "renunciador", o "malandro" e o "caxias" como tipos 1 Não é intenção deste trabalho discutir a validade das teorias destes autores aqui apresentadas.
  • 16. 15 brasileiros estereotipados socialmente e considerados heróis nacionais. Cada um desses com seu lugar, tempo e ritual de comportamento mais adequados à sua atuação. Para investigar a sociabilidade destes perfis, é analisado no segundo capítulo o comportamento do brasileiro nos sites de redes sociais. Esses se mostram propícios por permitir uma melhor delimitação de segmentos sociais e observação de eventos relacionais. Nestes sites é possível extrair o comportamento dos atores sociais com maior facilidade de mensuração dos dados e visibilidade das interações do que se a análise fosse em meio off-line. O Facebook foi o site de relacionamentos escolhido para esta pesquisa por ser o mais acessado no Brasil.2 A fan page selecionada para estudo dentro deste site foi o "Fórum Chaves". Considerando o número de curtir na página, a mesma se encontra em quinto lugar com relação às outras fan pages que abordam o tema dentro do site Facebook. E no Google, o buscador mais usado no país3 , a página do "Fórum Chaves" no Facebook é a mais otimizada4 em busca orgânica pelo site5 . Outro critério para a escolha da página se deve ao fato de que, quando comparada às outras páginas sobre a série, "Fórum Chaves" apresenta maiores vantagens para análise de eventos sociais. Dentre os quais, ela realiza majoritariamente publicações voltadas ao tema que se destina e possui redes de conversação vivas - as interações realizadas são em grande número e constantes. Nesta pesquisa é observada especialmente a apresentação de alguns personagens - "Dona Florinda", "Quico", "Dona Clotilde", "Seu Madruga", "Chiquinha" e "Chaves" -, mas também as publicações que se referem aos atores intérpretes destes personagens e as que tem intenção mercadológica.6 Esta pesquisa está limitada a publicações, interações e outros eventos ocorridos na fan page "Fórum Chaves" entre julho de 2012 e junho de 2013.7 Na comunidade virtual "Fórum Chaves", é possível observar interações, conversações e outros dados mensuráveis através de ferramentas do próprio site: "curtir", "comentar" e "compartilhar". A análise destas formas de comunicação pode indicar a afinidade dos 2 O maior acesso ao Facebook por usuários brasileiros foi demonstrado na pesquisa "Facebook Continues it's Global Dominance Claiming the lead in Brazil" (COMSCORE). 3 Resultado da pesquisa "Google Brasil cresce na preferência de usuários de internet por buscadores em maio, de acordo com Hitwise" (SERASA EXPERIAN). 4 Classificação feita segundo critérios para "Otimização de sites para Mecanismos de Pesquisa (SEO) - Guia do Google para Iniciantes" (GOOGLE). 5 Quando pesquisadas as palavras-chaves "Chaves Facebook", nesta ordem, após a primeira indicação do buscador à sua página de pesquisas referente às imagens da busca, aparece a fan page "Fórum Chaves" com hiperlink para o seu endereço no site Facebook. 6 Neste trabalho, estas publicações são tratadas na categoria "marketing". 7 Excetuam-se as postagens referentes a outras séries e programas, contidas na página, que não sejam Chaves.
  • 17. 16 membros em realizar determinadas interações, e fazê-la com alguns personagens - e seus comportamentos - mais do que com outros. Todos estes dados são indicativos de "modos de ser" sociais que podem ser analisados abertamente na rede exposta do site. Para abordar a temática do ciberespaço, são utilizados trabalhos de duas pesquisadoras sociais contemporâneas às transformações cibernéticas. Paula Sibilia trata de como são exibidos os "modos de ser" nos espaços online; e Raquel Recuero contribui no que concerne às relações entre estes modos, de forma a criar redes sociais e a ocorrer trocas de capitais sociais. Doutora em Comunicação e Cultura, Paula Sibilia (2008) atribui atualmente aos sites de redes sociais a função de "diário íntimo", em que se delineia um "eu" de uma forma pessoal e possibilita a criação de um "você". Este processo acontece através de trocas que permitem a criação de "fortes laços afetivos". Partindo da teoria de que o laço representa a conexão realizada entre os atores sociais nas interações, a doutora em Comunicação e Informação Raquel Recuero (2011) apresenta dois tipos de laço, com os quais se trabalha: o laço relacional, formado pelas interações; e o laço associativo, no qual a conexão se dá por um sentimento de pertencimento. As contribuições de Recuero também perpassam pela percepção de capital social através das informações difundidas na rede. Para a autora, nas redes sociais há uma relação direta entre a informação que se publica e o impacto que se pretende causar na sua audiência. São dois os métodos utilizados para analisar as publicações. O primeiro toma como base a análise qualitativa das publicações na fan page. A escolha dos objetos para esta análise levou em consideração as características dos heróis apresentados por DaMatta (1997a). Foram elegidas as publicações que melhor ilustram as definições dos perfis de forma a contribuir para este estudo.8 Esse se realizou por associações das características dos perfis de heróis brasileiros aos personagens em Chaves. Foram observados comportamentos, frases e interações ilustrados nas publicações - e também alguns implícitos nelas e com a necessidade de serem explicados pelos contextos dos episódios da série aos quais se referem. Também são observadas as associações - realizadas pelo "Fórum Chaves" - dos personagens com alguns eventos sociais contemporâneos, e as releituras de situações dramatizadas no programa. No segundo domínio de análise, são tomados como base os dados quantitativos das interações por mensuração da utilização das ferramentas do Facebook. Para chegar aos objetivos 8 É de fundamental importância acrescentar que as características dos perfis expostos pelas publicações escolhidas são recorrentes nas demais publicações, as não expostas.
  • 18. 17 propostos nesta análise, se tem como referência a metodologia aplicada pelo comunicador social Orlando Neto em "Visão Mundial e seu capital social no Facebook: a comunicação influenciando internautas pelo bem do próximo" (2012). O método abrange a catalogação das inserções e a observação por tabulação dos impactos conquistados. Neste estudo, a tabulação foi realizada, mas, ao invés de tabelas, são mostrados gráficos para melhor ilustrar a comparação entre os personagens e os respectivos perfis a eles associados. A análise quantitativa foi feita separando as publicações - referentes a Chaves na fan page Fórum Chaves - segundo as categorias principais: "personagens", "atores", "marketing", "interações entre perfis no programa" e "interações entre perfis em releituras". Em "personagens", estão os seis já apresentados; e seus respectivos intérpretes se encontram na categoria "atores". Quanto ao "marketing", estão as publicações sobre a "marca própria (Fórum Chaves)", os "patrocinadores e/ou apoio", os "produtos Chaves" e "assistir Chaves"9 , todos divididos nestas subclassificações. Publicações que trazem a interação entre os personagens foram categorizadas em "interações entre perfis no programa"10 e "interações entre perfis em releituras"11 . Dentro de "personagens", houve uma subclassificação: "frases" e "releituras". Em "atores", foram separadas as publicações que se referiam à sua "vida/carreira", as relacionadas a "notícias/atualidades" sobre os mesmos e as que dizem respeito a "shows", que ainda são realizados por alguns. Sobre as interações, há subdivisões idênticas para cada categoria: "malandro e caxias", "renunciador e malandro" e "caxias e renunciador". Quanto às ocorridas no programa, há ainda "interação entre mesmo perfil e entre os três no programa"; e uma subclassificação equivalente nas "releituras" foi nomeada "interação entre mesmo perfil ou entre o perfil e outro12 em releituras". 9 A subclassificação "assistir Chaves" se refere às publicações em que se traz alguma menção ao ato de assistir ao programa. Há publicações que se voltam a informar aos fãs que a série está passando na televisão; outras, qual episódio está sendo veiculado; há também as que perguntam se os fãs estão assistindo ou assistiram a um episódio veiculado na televisão; ocorrem ainda publicações destinadas a fornecer o link de algum episódio com a sugestão de que os fãs o assistam online em determinado momento. 10 Referente à interação entre os personagens nos episódios da série. Os personagens são apresentados pelos perfis de heróis brasileiros que apresentam. 11 Nas "releituras" sobre determinadas situações do programa, há as que provêm de interações entre os personagens. É verificado que a leitura destas situações são contemporâneas ou são feitas através de uma ótica diferente da proposta pelos episódios à época em que foram gravados. Por este motivo, as interações destas situações reinterpretadas fazem ser necessária uma análise à parte. 12 O "outro" diz respeito a um personagem que interage com o analisado no programa mas que não seja um dos analisados.
  • 19. 18 Quando um ator social se depara com as publicações destas diversas categorias, ele escolhe interagir com algumas, mas com outras, não. Também elege uma ferramenta para utilizar com determinada publicação e uma diferente para se expressar perante outra. Assim, ele se representa socialmente na rede gerando valor de capital social. Analisando as escolhas do ator social é possível observar o perfil de herói representado pelos personagens de Chaves que é mais apoiado, o que é mais espetacularizado e o que possui mais ideias replicadas. Estas observações são de relevância para o campo da Comunicação Social. São notadas as formas de se comunicar online e no que representa socialmente a comunicação por ferramentas no site de redes sociais mais utilizado pelos brasileiros atualmente. Também busca contribuir com a investigação do que leva a estes comportamentos: por que há identificação com Chaves? A resposta mostra o que é singular na série para que esta perdure por quase trinta anos no Brasil - até agora - ainda que tenha origem em outra nacionalidade. Para o jornalismo, que hoje é multimídia, a verificação dos perfis e das interações sociais que mais interessam aos brasileiros contribui para um conhecimento sobre o público na internet. Entender as suas motivações é um caminho para realizar o jornalismo participativo nesta mídia.13 Também neste estudo está mostrada a forma com que a construção social é feita no ciberespaço. Conhecendo-a, o jornalista fica mais próximo de exercer no meio uma das responsabilidades inerentes à profissão: formar cidadãos. 1 COMO SE CONSTRÓI UMA SOCIEDADE À BRASILEIRA A compreensão das formas de sociabilidade de um povo ou nação necessita de um entendimento primário sobre a relação entre identidade, sociedade e cultura. O primeiro fato a se considerar é que comportamentos impostos pela condição humana estão presentes em todos os indivíduos. A forma com que se realizam é que se diferencia entre as sociedades. Essas são influenciadas pelas histórias - social, política e econômica - de cada uma (DAMATTA, 1986). Na sociedade brasileira, há que avaliar as diversas culturas e povos que influenciaram o Brasil 13 O jornalismo participativo é chamado também de jornalismo cidadão. O seu objetivo "é prover informações independentes, confiáveis, precisas, abrangentes e relevantes, necessárias à trajetória e ao equilíbrio da democracia". (CORRÊA e MADRUREIRA, 2010, p. 167).
  • 20. 19 desde a sua descoberta. Um estudo baseado na formação social do Brasil se insere para determinar as bases da sociabilidade, cultura e comportamento do brasileiro atual. 1.1 A identidade pelas relações sociais É através das relações humanas que se aprende e transmite os costumes e as tradições entre as gerações. Quando estas formas de manifestar os aspectos humanos são conhecidas amplamente em uma sociedade e nela repetidos recebem a denominação de cultura. O antropólogo brasileiro Roberto DaMatta (2010) a considera responsável por fazer os comportamentos se diferenciarem entre as sociedades - como a forma com que se come e dorme; e ainda a maneira de se criar e manter relações sociais. A vida em uma sociedade, portanto, é determinada pela cultura. O antropólogo britânico Edward Burnett Tylor (1871 apud DAMATTA, 2010) observa que é possível uma sociedade não ter cultura, mas essa não existe sem uma sociedade para se manifestar. Assim, os comportamentos culturais são formas de ser sociais. São estas formas, sociais e culturais, que caracterizam a identidade. Ou seja, essa é determinada pelas manifestações culturais nas relações sociais. E por serem um dado básico da vida em sociedade no Brasil, é que DaMatta (1997) aponta a necessidade em se realizar um estudo aprofundado nestas relações sociais a fim de traçar um perfil da identidade brasileira. 1.2 Alicerces da cultura nacional A vida social brasileira é associada à "fábula das três raças", em que branco, negro e indígena formam as três pontas de um triângulo equilátero.14 A antropóloga Ilana Seltzer Goldstein (200-) descreve que o sociólogo Gilberto Freyre tentou combater o estudo antropológico do ponto de vista biológico. O paradigma racial como chave da compreensão da sociedade brasileira teria vigorado até os anos 20 do século XX. Com a publicação de "Casa grande e Senzala" em 1933, Freyre teria apresentado a distinção dos traços de raça e de cultura, como resultados de efeitos genéticos e de influências sociais, respectivamente. Para Renato Ortiz (2005) , o estudo baseado na cultura traz maior abrangência dos aspectos sociais. A passagem do conceito de raça para o de cultura elimina uma série de dificuldades colocadas anteriormente a respeito da herança távica do mestiço. Ela permite ainda um maior distanciamento entre o biológico 14 Triângulo que contém a mesma medida nos seus três lados. A metáfora auxilia na compreensão de que as três raças em questão deram contribuições culturais ao Brasil na mesma intensidade.
  • 21. 20 e o social, o que possibilita uma análise mais rica da sociedade (ORTIZ, 2005, p. 41). Ainda que considerada por muitos historiadores em desuso, tal como foi para Freyre, DaMatta (2010) analisa a "fábula das três raças" como fundamental porque ajuda a compreender as questões sociais envolvidas no processo histórico. Essa fábula é importante porque, entre outras coisas, ela permite juntar as pontas do popular e do elaborado (ou erudito), essas duas pontas de nossa cultura. Ela também permite especular, por outro lado, sobre as relações entre o vivido (que é frequentemente o que chamamos de popular e o que nele está contido) e o concebido (o erudito ou científico - aquilo que impõe a distância e as intermediações) (DAMATTA, 2010, p. 69). Ao buscar nesta teoria a explicação para a conformação social do Brasil, são consideradas as suas bases antropológicas. E, segundo o antropólogo norte-americano Clifford Gertz (1989), a análise das relações humanas deve ser baseada nos seus significados, não nos seus comportamentos. Através de uma análise interpretativa da cultura se pode compreender além do comportamento: o que leva uma sociedade a se comportar de determinada maneira. 1.2.1 A "fábula das três raças" Segundo a teoria da "fábula das três raças", a cultura que a sociedade brasileira tem hoje seria resultado de influências dos grupos étnicos dos quais decorreu a sua formação primária. Quanto à etnia, o estudo destes grupos é importante porque traz a consciência histórica da mestiçagem. A influência cultural destes grupos no sentido em que o fez Gilberto Freyre, descrito por Goldstein (200-), também necessita que se recorra à história. O antropólogo, escritor e político brasileiro Darcy Ribeiro (1995) mostra no capítulo "O enfrentamento de dois mundos" como se deu a princípio o choque étnico e cultural entre portugueses e indígenas. Dentre as matrizes étnicas formadoras do Brasil, descritas por Ribeiro (1995), estão os grupos indígenas que habitavam a costa atlântica brasileira, formados principalmente por tribos que falavam idiomas do tronco tupi. Sérgio Buarque de Holanda (1978) - crítico literário, jornalista e historiador explica a entrada dos portugueses e a facilidade com que se pôde realizar a colonização nas terras brasileiras. Os povos indígenas teriam facilitado a penetração portuguesa por serem um só povo e possuírem facilidade tanto no aprendizado de culturas diferentes quanto para transmitir a sua cultura aos povos estranhos (HOLANDA, 1978).
  • 22. 21 A fluidez da miscigenação ocorrida entre estes dois povos também se deve à falta do orgulho de raça nos portugueses. Esses já seriam constituídos por mestiçagem com os nativos da África Oriental e por isso não hesitariam em se relacionar com os índios que habitavam terras brasileiras (HOLANDA, 1978). Na dominação portuguesa, a tentativa de escravizar índios para que deles provesse lucro para a Coroa foi, em parte, malograda. Os povos encontrados na costa brasileira não se deixavam influir com facilidade quando o assunto era trabalho. A eles são atribuídas características versáteis de trabalho físico. Quando os portugueses os quiseram submeter ao latifúndio, não teriam se adaptado. Eles resistiam aos afazeres latifundiários porque tinham caça e pesca como noções de ordem (HOLANDA, 1978). A importação de mão de obra africana se insere neste contexto. Pode-se dizer que a presença do negro representou sempre fator obrigatório no desenvolvimento dos latifúndios coloniais. Os antigos moradores da terra foram, eventualmente, prestimosos colaboradores na indústria extrativa (...). Sua tendência espontânea era para atividades menos sedentárias e que pudessem exercer-se sem regularidade forçada e sem vigilância e fiscalização de estranhos. Versáteis ao extremo, eram-lhes inacessíveis certas noções de ordem, constância e exatidão, que no europeu formam uma segunda natureza e parecem requisitos fundamentais da existência social e civil (HOLANDA, 1978, p. 17). Trazidos da costa ocidental africana, os negros eram separados de seus grupos de mesma origem étnica. A separação do seu povo se dava pela tentativa de impedi-los de manter seus traços culturais. Ribeiro (1995, p. 115) acredita que "os negros foram compelidos a incorporar-se passivamente no universo cultural da nossa sociedade". Mais do que mera mão de obra latifundiária, também teriam passado a ser em terras brasileiras "agentes da europeização". Eram eles que difundiam a língua do seu colonizador e ensinavam, junto com as técnicas de trabalho, os valores culturais aos escravos que chegavam (RIBEIRO, 1995, p.116). 1.2.2 Contribuições dos grupos étnico-culturais Associando portugueses e índios a estereótipos, os comportamentos e valores de cada grupo são levados em consideração. Para classificá-los, Holanda (1978) faz uma distinção entre o "aventureiro" e o "trabalhador". O modo aventureiro de se portar dos portugueses seria fundamental para a expansão colonizadora que promoveram. Não teria sido com racionalidade eles se lançaram ao mar, mas com uma manifestação de seu perfil desbravador.
  • 23. 22 A pouca disposição para o trabalho que têm os brasileiros hoje seria advinda culturalmente deste perfil dos portugueses, de "aventureiro". Também associados a ele estão os comportamentos que envolvem "audácia, imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem" (Holanda, 1978, p.13). A preguiça em se realizar o trabalho braçal explica o prestígio que conferiam às questões relacionadas ao intelecto: o que importava para os portugueses era lucrar mais com menos esforço físico. Até a palavra "desleixo" é típica do idioma destes ibéricos e é colocada como obrigação no fazer português: "A ordem que aceita não é a que compõem os homens com trabalho, mas a que fazem com desleixo e certa liberdade (...). É também a ordem em que estão postas as coisas divinas e naturais (...)" (HOLANDA, 1978, p. 82). E a ordem divina era oprimir. A Igreja Católica declarou em 1493, através da bula Inter Coetera, que as terras do Novo Mundo estavam à disposição para serem possuídas e seus povos, escravizáveis. Desta forma, o povo era considerado "uma mera força de trabalho" (RIBEIRO, 1995, p.41). Com respaldo na Igreja Católica, os ibéricos se viam promovendo uma expansão com motivações mais nobres do que as mercantis durante o processo civilizatório. Eles se definiam "os expansores da cristandade católica sobre os povos existentes e por existir no além-mar" (RIBEIRO, 1995, p. 39). Mas não foi só na atitude dos colonizadores que a Igreja Católica influiu. Através da catequização dos índios, os dogmas da igreja foram transmitidos junto a comportamentos desejáveis para aqueles povos. A obediência era vista pelos povos ibéricos como virtude suprema, e foi passada como princípio de disciplina pelos jesuítas (HOLANDA, 1978). Era desta forma que se tentava transformar os índios. É essencial notar que as características que Ribeiro (1995) relacionava aos povos nativos no Brasil eram as de bondade, esperança e solidariedade; considerando-as mais fortes do que os seus temores. Também avaliados como inocentes por Holanda (1978), os indígenas achavam que os portugueses eram pessoas generosas e se enchiam de esperanças que eles os pudessem levar à morada de Maíra. Assim chamavam seu deus, no qual acreditavam estar em algum lugar - físico - do além-mar.15 Os índios realizavam suas tarefas como meio de receber dádivas de seu deus. Eles acreditavam que encontrariam em vida um lugar - geográfico - equivalente ao paraíso cristão europeu. Até mesmo a possibilidade de realizar as suas atividades, como seus instintos e sentidos aguçados, já eram considerados por eles como bênçãos. Por isso viam no trabalho 15 O mesmo autor atribui ideias precárias de solidariedade aos portugueses.
  • 24. 23 apenas uma atividade necessária para sobreviver e não compreendiam a ambição do acúmulo de riquezas que tinham os portugueses (RIBEIRO, 1995). Para entender a mentalidade ibérica da ambição, Holanda (1978) descreve que foram as crenças religiosas que determinaram esta visão, com decorrente atitude contrária ao trabalho. A ação sobre as coisas, sobre o universo material, implica submissão a um objeto exterior, aceitação de uma lei estranha ao indivíduo. Ela não é exigida por Deus, nada acrescenta à sua glória e não aumenta nossa própria dignidade. Pode-se dizer, ao contrário, que a prejudica e a avilta. O trabalho manual e mecânico visa a um fim exterior ao homem e pretende conseguir a perfeição de uma obra distinta dele (HOLANDA, 1978, p. 10). Os portugueses se consideravam condenados ao trabalho, uma tarefa sofrida para eles, mas que os subordinava ao lucro (RIBEIRO, 1995). Como ideal, tinham a projeção na ociosidade, em "uma vida de grande senhor, exclusiva de qualquer esforço, de qualquer preocupação" (HOLANDA, 1978, p. 10). DaMatta (1986) encontra este ideal ainda hoje existente nos brasileiros e considera a origem católica a principal explicação para o conceito de trabalho. Ao realizar a comparação da cultura brasileira com a norte-americana, ele aponta as diferenças culturais quanto ao trabalho decorrentes das crenças religiosas.16 ... o trabalho duro é visto no Brasil como algo bíblico. Muito diferente da concepção anglo-saxã que equaciona o trabalho (work) com agir e fazer, de acordo com sua concepção original. Entre nós, porém, perdura a tradição católica romana e não a tradição reformadora de Calvino, que transformou o trabalho como castigo numa ação destinada à salvação. (...) O fato é que não temos a glorificação do trabalhador, nem a ideia de que a rua e o trabalho são locais onde se pode honestamente enriquecer e ganhar dignidade (DAMATTA, 1986, p.31, 32). Desta religiosidade católica decorrem a ânsia em prosperar sem muito esforço físico e a ambição por títulos de honra. Essas integram as características do espírito de aventura que possuíam os colonizadores. Contrariamente a eles, o perfil de trabalhador teve importante função ao desempenhar a mão de obra braçal necessária aos aventureiros na sua dominação de terras. "O indivíduo do tipo trabalhador só atribuirá valor moral positivo às ações que sente ânimo de praticar e, inversamente, terá por imorais e detestáveis as qualidades próprias do aventureiro..." (HOLANDA, 1978, p. 13). 16 Para o antropólogo, a própria origem da palavra "trabalho" já é carregada de um significado e explica porque hoje é considerada sinônimo de "pegar no batente". O vocábulo tem procedência no latim tripaliare. Esse faz menção à tortura com um instrumento da Roma Antiga: o tripaliu, usado para castigar escravos (DAMATTA, 1986).
  • 25. 24 Por se verificar no indígena uma tendência para realizar trabalhos que envolviam esforço físico, menos gratificantes de imediato, pode-se dizer que os índios tinham esta atitude trabalhadora, mas com propósitos diferentes dos descritos pelo perfil de Holanda (1978). O índio apresentava resistência ao trabalho latifundiário e se voltava apenas à subsistência. Devido à "resistência obstinada" que os índios apresentaram ao trabalho latifundiário, (HOLANDA, 1978, p. 18), os africanos desempenharam quanto à prática este papel de trabalhador no Brasil. Foram impostos à condição de trabalhadores braçais e não possuíam um lucro recompensador pelo seu trabalho. O ócio aclamado pelos portugueses, representantes do grupo étnico de brancos, juntamente com a imposição de trabalho escravo aos africanos trazidos ao Brasil, representantes do grupo étnico de negros, podem ser caminhos para explicar o "exclusivismo racista" de hoje, que nunca chegou a ser, aparentemente o fator determinante das medidas que visavam reservar a brancos puros o exercício de determinados empregos. Muito mais decisivo do que semelhante exclusivismo teria sido o labéu tradicionalmente associado aos trabalhos vis a que obriga a escravidão e que não infamava apenas quem os praticava, mas igualmente seus descendentes (HOLANDA, 1978, p. 25). Esta separação classista e racial se verifica em Ribeiro (1995, p. 131), na "superioridade inegável" dos portugueses que, "por mais que se identificasse com a terra nova, gostava de se ter como parte da gente metropolitana". Esta característica apresenta um contraste com a falta do "orgulho de raça" que possuíam, descrito por Holanda.17 A submissão dos africanos ao trabalho e cultura impostos pelos portugueses, entretanto, não os "desaculturou". Holanda (1978, p. 31) chama de "moral das senzalas" as contribuições dos africanos em administração, economia e crenças religiosas que se formavam no Brasil. Assim as denomina porque considera que a influência deste povo não foi somente da sua cultura africana, mas teriam deixado como legado principalmente uma "cultura de escravos". Decorrente da sua vida nas senzalas, exibiam "uma suavidade dengosa e açucarada" que se exprime na arte e na literatura; juntamente com "o gosto pelo exótico, da sensualidade brejeira, do chichisbeísmo, dos caprichos sentimentais" (HOLANDA, 1978, p. 31). 17 Tal embate enriquece o embasamento de ser a formação brasileira ao nível dos três grupo étnicos. Se esse ocorre na tentativa de explicar os impasses dentro da cultura no Brasil, é inegável que dentro de cada grupo já se notavam contradições culturais. O que leva a pensar na herança cultural também no fato de hoje o Brasil ser um povo contraditório.
  • 26. 25 A partir destas bases escravocratas, Ribeiro (1995) considera que teria advindo a beleza da cultura brasileira. Quando o negro rural migrou para os centros urbanos, ele se instalou nas periferias das cidades. Essas teriam sido um espaço fértil para que ele difundisse o que praticava nas senzalas: sua música, comida e religiosidade. Com base nela é que se estrutura o nosso Carnaval, o culto de Iemanjá, a capoeira e inumeráveis manifestações culturais. Mas o negro aproveita cada oportunidade que lhe é dada para expressar o seu valor. Isso ocorre em todos os campos que não se exige escolaridade. É o caso da música popular, do futebol e de numerosas formas menos visíveis de competição e de expressão. O negro vem a ser, por isso, apesar de todas as vicissitudes que enfrenta, o componente mais criativo da cultura brasileira e aquele que, junto com os índios, mais singulariza o nosso povo (RIBEIRO, 1995, p. 223). Se, por um lado, os escravos transmitiram claramente uma cultura popular que perdura até os dias atuais no Brasil, por outro, os indígenas teriam contribuído quanto à estrutura social e as relações nela envolvida. A base no parentesco e a sociabilidade em geral denotam de um modo de vida solidário a que as sociedades tribais estariam submetidas; enquanto a hierarquização classista e a ganância como objetivo das relações se associam ao português (RIBEIRO, 1995). Holanda (1978) acrescenta que a mentalidade capitalista portuguesa era fundada sobre a "pessoalização" e com repulsa a qualquer tipo de racionalização. Decorria desses, "certa incapacidade, que se diria congênita, de fazer prevalecer qualquer forma de ordenação impessoal e mecânica sobre as relações de caráter orgânico e comunal, como o são as que se fundam no parentesco, na vizinhança e na amizade" (HOLANDA, 1978, p. 99). Como resultado, nas relações de negócio, a preferência é sempre por tratar o outro como amigo. DaMatta (1986) considera o trabalho escravo a explicação para a falta de diferenciação entre os espaços que ele chama de “casa” e “rua”18 , que representam os níveis pessoal e profissional, respectivamente. "O patrão, num sistema escravocrata, é mais que um explorador de trabalho, sendo dono e até mesmo responsável moral pelo escravo... aqui a relação vai do econômico ao moral..." (DAMATTA, 1986, p. 32). Desta forma, as relações econômicas atuais estão embebidas de simpatia e amizade. Holanda (1978) aponta a dificuldade em 18 "Casa" e "rua", assim como "outro mundo", são descritos por DaMatta (1997b) como meios com ações sociais, emoções, reações e leis próprios de cada espaço.
  • 27. 26 aplicar a justiça e suas normas legais aos países de origem hispânica, incluindo Portugal e Brasil devido a apresentarem estas características de cunho pessoal em diferentes relações.19 Estas e outras características, decorrentes dos três maiores grupos étnicos que povoaram o Brasil no início de sua formação, ajudam a compor o brasileiro resultado destas transformações. Essas podem ser chamadas de "transfiguração étnica", que é "o processo através do qual os povos, enquanto entidades culturais, nascem, se transformam e morrem" (RIBEIRO, 1995, p. 257). 1.3 Um triângulo de etnias, um triângulo de heróis20 A convivência entre grupos de diferentes costumes e tradições não fez com que as culturas desaparecessem, mas contribuíssem para a transfiguração em uma sociedade na qual diversas delas coexistiam. E, de acordo com cada impressão que sofreu, o brasileiro teria idealizado um herói. Como sua formação étnica e cultural, uma triplicidade também heroica teria se formado. 1.3.1 Brasileiro: um povo "relacional" Ao longo do tempo histórico, a mentalidade do povo brasileiro foi se transformando e aceitando a sua etnia diferenciada. Ele não é mais índio, também não se transformou em branco nem virou um africano. Como uma sociedade de diversas origens étnicas, sobreviveu a uma luta pela existência, a que Ribeiro (1995, p. 259) explica por já não haver mais índios que ameacem o seu destino; teriam os negros se "desafricanizado" e se integrado; e o branco seria orgulhoso por estar "mais moreno". Neste aprendizado mútuo de culturas, a hierarquização típica do português teria esbarrado nos sistemas igualitários indígenas. A disposição para o trabalho indígena, a atitude de trabalho dos negros africanos - pela escravização - e o prestígio ao intelecto mais do que ao esforço físico do português também teriam se chocado. Bondade e solidariedade indígena com alegria escrava. A espontaneidade do carnaval, de Iemanjá e da capoeira, formados com base na cultura africana, foi trazida para o Brasil e se mesclou com a obediência como princípio 19 Um ditado no Brasil que descreve "Aos inimigos, a lei. Aos amigos, tudo" é utilizado por Roberto DaMatta (1997a, p. 217) para ilustrar a duplicidade do código de relações pessoais no Brasil. O autor descreve que é comum a permissividade para burlar a lei quando se trata de alguém com quem se tem íntima relação: amigo, parente, colega de atividade, enfim, qualquer um que se conheça e se tenha estima. 20 Assim como o triângulos de etnias é considerado equilátero, o de heróis também pode sê-lo. DaMatta (1997a) diz que o três heróis brasileiros são decorrentes dos três principais grupos étnicos que formaram o Brasil. Ou seja, os heróis também se apresentam de forma complementar e com mesmo peso nas suas contribuições; cada um representa um tipo social indispensável no Brasil.
  • 28. 27 católico venerado pelos portugueses. Há também a esperança indígena de encontrar Maíra mais o seu desencantamento com este mundo. Todos nós, brasileiros, somos carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sofrida e sentida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da marginalidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria (RIBEIRO, 1995, p. 120). Para explicar a compilação destes dramas em um só povo, há que se atribuir à sociedade brasileira a característica "relacional". Não só em seus dramas, mas em seus comportamentos, filosofias, atitudes e tradições - tudo que se relacione à sua identidade. DaMatta (1997b, p. 71) diz que é através da relação que são possíveis de conviver "dimensões e esferas da vida cujos valores são diferentes, embora complementares entre si". Além de ser "relacional", o Brasil também é descrito pelo antropólogo como heterogêneo, desigual, inclusivo, complementar e hierarquizado. A heterogeneidade dos grupos étnicos, por exemplo, teria gerado uma associação entre eles de forma complementar. Desta forma, o "mulato"21 e o "mestiço" são glorificados pelo brasileiro. Ele tem orgulho desta mistura e acaba a considerando "uma síntese perfeita do melhor que pode existir no negro, no branco e no índio" (DAMATTA, 1986, p. 40). Esta associação demonstra que o brasileiro é um povo que associa os diversos modos de apresentação do seu ambíguo. Por relacionar triplos comportamentos sobre o mesmo aspecto, também teriam ficado impressões quanto ao modo de ser e viver. A personalidade brasileira é delineada por Holanda (1978). Socialmente, é definida como não individual; sua religião é humana e terrena; sua cultura, apegada aos valores ligados à família; possui natureza emotiva e tem aversão à monotonia. Na justiça, prevalece a indiferença à lei geral; e, politicamente, tem intolerância a sistemas exigentes e disciplinadores; enquanto no trabalho, busca a sua própria satisfação. 1.3.2 "Caxias", "malandros" e "renunciadores" 21 A palavra mulato deriva do animal mula, como uma associação racista à miscigenação. A mula é híbrida porque é resultado do "cruzamento entre tipos genéticos altamente diferenciados" (DAMATTA, 1986, p. 39).
  • 29. 28 Roberto DaMatta (1997a) traz um triângulo de heróis brasileiros, formados no sofrimento ligado a cada um dos grupos étnicos para ilustrar uma idealização, espelhando também uma vida cotidiana. Não são heróis distantes, com superpoderes ou "endeusificados". Os heróis brasileiros são como as pessoas que os imaginam. Eles não vêm para salvar o mundo, nem são modelos a serem seguidos em nossa sociedade, como os são os heróis norte-americanos.22 Os heróis brasileiros espelham a realidade social e mostram formas de lidar com o cotidiano. São tão possíveis de se alcançar e de até mesmo se transformar em um deles como os santos projetados pela mesma sociedade.23 DaMatta (1997a, p. 257) entende que no Brasil "o herói deve sempre ser um pouco trágico para ser interessante". Desta forma, o herói brasileiro como personagem sempre começa pobre e termina ascendido socialmente. Embebido de esperança na sua trajetória, o herói reflete o povo brasileiro com seus anseios sociais. É principalmente o caráter moral de merecimento do herói que determina este fim. O autor considera que nas sociedades hierarquizantes em geral ...a trajetória do herói segue sempre a mesma curvatura da sociedade que engendra a dramatização, já que, em ambos os casos, deve-se ser o que ainda não se é, o aceno do futuro aberto, rico e grandioso se constituindo no ponto crucial de todas as reviravoltas e tragédias que produzimos em nossas vidas, com sua vida sendo definida por meio de uma trajetória tortuosa, cheia de peripécias e com desmascaramentos (...) (DAMATTA, 1997a, p. 258). Ao apresentar cada herói brasileiro que compõe o triângulo, DaMatta (1997a) associa um comportamento típico: atitude "caxias",24 jeito "malandro" ou "renúncia". Estes estereótipos foram construídos pelo antropólogo agregando atitudes e comportamentos típicos dos brasileiros e extremados em duas pontas distintas: "caxias" e "malandro". Situados como perfis que possuem espaço típico de atuação - o "caxias" na "rua" e o "malandro" em "casa" -, surgiu a necessidade de pensar naquele que não se sente à vontade em nenhum destes dois 22 Adriano Beiras et al. (2006, p. 65) apresentam os heróis de quadrinhos norte americanos como modelos de homem na sociedade: com ideal de justiça, "corpos que salvam o mundo" e atitudes de coragem. Em um destaque feito através da musculosidade de seus corpos e atitudes protetoras apresentadas como benéficas à sociedade, também estão presentes metáforas de relações sociais hierárquicas. 23 Eliane Tânia Martins Freitas (2000, p.198) aborda em artigo a existência no Brasil de "santos precários, incompletos". Ao apresentar dois bandidos sociais santificados no estado de Rio Grande do Norte, a autora diz que a vantagem que o brasileiro vê nesta santificação é que os santos são mais humanos, próximos e vulneráveis às negociações (entre preces e promessas). 24 A denominação "caxias" é dada em homenagem ao duque de Caxias e "demonstra o poder do domínio uniformizado e regular do qual saiu para ganhar popularidade numa sociedade também fascinada pela ordem e hierarquia" (DAMATTA, 1997a, p. 264).
  • 30. 29 lugares. A figura do "renunciador" tem seu meio para se exercer em "outro mundo", distinto da "casa" e da "rua", e frequentemente ligado a questões espirituais (DAMATTA, 1997b).25 O "malandro" é marcado pelo seu comportamento frente às adversidades da vida. É um personagem que tem barreiras sociais a serem vencidas e o faz com atitudes que burlam a lei. Ele usa de simpatia e apela ao parentesco, amizade ou qualquer outro laço social que produza afeição e identificação com aquele com o qual se relaciona. Para este fim, o instrumento utilizado é o "jeitinho" (DAMATTA, 1986). Este comportamento do "malandro" advém da relação que o personagem faz entre o tradicionalismo e a modernidade social. À tradição, estão ligadas as relações sociais como formas de lidar com situações impostas pela lei ou pela moralidade. A justiça e a moral dizem respeito à moderna forma de imposição de papéis sociais. Para DaMatta (1986), o brasileiro opta por ligar estas duas pontas, do moderno e do tradicional, criando um comportamento intermediário: a "malandragem". O resultado é uma mediação entre o que deveria ser aplicável pelas leis e a influência das relações pessoais. O jeito é um modo e um estilo de realizar. (...) É, sobretudo, um modo simpático, desesperado ou humano de relacionar o impessoal com o pessoal. (...). A verdade é que a invocação da relação pessoal, da regionalidade, do gosto, da religião e de outros fatores externos àquela situação poderá provocar uma resolução satisfatória ou menos injusta. Essa é a forma típica do 'jeitinho' e há pessoas especialistas nela (DAMATTA, 1986, p. 99-100). É justamente esta mediação descrita que se constitui no dilema dos brasileiros. Ao lidar com o tradicional e o moderno, a ordem e a desordem, as leis e as relações pessoais, a "pessoa" e o "indivíduo",26 ou ainda com o branco e o negro, a escolha é sempre relacionar ambas as partes (DAMATTA, 1997a). Ao fazer uma equação com estes dois extremos do dilema, o intermediário surge e é amplamente utilizado pelo "malandro". Devido à mediação, este personagem pode ser considerado um representante legítimo da sociedade brasileira. 25 Seria, portanto, na "casa" que o "malandro" tem o seu ambiente propício aos seus comportamentos típicos; o "caxias", na "rua". O "outro mundo" é um espaço de significações criado pelo autor para designar uma nova realidade proposta pelo personagem do "renunciador"; pode também fazer menção à vida espiritual, frequentemente associada a este perfil (1997b). 26 Roberto DaMatta (1997a) faz a distinção entre estas duas unidades. Para o autor, o "indivíduo" é uma noção moderna, no qual se aplica a lei geral; enquanto define "pessoa" como posição social. Essa necessita de uma relação pessoal e uma conscientização do eu para passar a existir.
  • 31. 30 Na PESB (Pesquisa Social Brasileira) realizada em 2002 pelo cientista político Alberto Carlos Almeida (2007), foi demonstrado que o "jeitinho" é praticado pelos "inferiores estruturais".27 No entanto, a explicação que o cientista considera mais prudente é a baixa escolaridade desta camada social. Apesar desta consideração, na PESB de 2002 também foi demonstrado que pessoas com escolaridade alta já utilizaram esta forma de navegação social ao menos uma vez na vida. A aceitação social desta fórmula - do "jeitinho" - é de meio a meio na sociedade brasileira: 50% consideraram o seu uso errado e 50% o consideraram certo. Existe, entretanto, outra ferramenta utilizada pelos "malandros" e que tem seu uso associado aos "inferiores estruturais". O rito "Você sabe com quem está falando?" é invocado nas mesmas situações que o "jeitinho". Mas o cunho autoritário deste rito se opõe à simpática forma persuasiva da "malandragem".28 Almeida (2007) encontrou achados em pesquisas de opinião pública que comprovam a teoria de DaMatta (1997a). A PESB de 2002 trouxe o resultado: "quanto mais hierárquica, mais autoritária uma pessoa é" (ALMEIDA, 2007, p. 93). As pessoas com mais autoritarismo segundo a pesquisa são os considerados "inferiores estruturais" por DaMatta (1986): não moram em capitais, habitam nordeste e centro-oeste, são as mulheres, os mais velhos, quem não faz parte da PEA (População Economicamente Ativa) e os que possuem escolaridade baixa. No extremo oposto do "malandro", está o "caxias". A leitura que faz do mundo é a de que leis, normas e decretos devem vigorar; preza a hierarquia para a manutenção da ordem e dos papéis sociais. Este perfil se relaciona às vestimentas que uniformizam, ao comportamento exterior ordenado e a formas fixas de conduta calcadas na moral. Nomeações prestigiosas, medalhas e reverências também são de importância para o "caxias" (DAMATTA, 1997a). A principal diferença entre estes dois perfis de heróis apresentados é como se colocam com relação à ordem moral. O "caxias" tenta mantê-la, enquanto o "malandro", se utiliza de "jeitinhos" para burlá-la. O terceiro herói surge na negação desta ordem: ele não quer mantê- 27 Termo cunhado por DaMatta (1997a) para situar as pessoas que sofrem de preconceito social ao reivindicar seus direitos. Elas consideram que não possuem poder para impor uma gradação vertical de posições sociais e acabam sofrendo essa imposição. Geralmente, são elas que sofrem perante as decisões políticas. Essa pessoas formam a grande massa, o "povo". 28 Para DaMatta (1997a), o rito demonstra claramente os preconceitos brasileiros que surgiram ainda na época da escravidão. Nestes tempos, era necessário o estabelecimento de uma ordem que marcasse as diferenças.
  • 32. 31 la, nem se utilizar do "jeitinho" para burlá-la. DaMatta (1997a) apresenta o "renunciador" como um personagem com desejo de criar outra realidade, assumindo um papel de revolucionário na sociedade.29 Desse modo, o renunciador tem de se haver com suas vaidades e seu orgulho; deve abandonar o mundo material, com suas riquezas e explorações; deve ser altamente consistente, não podendo mais gozar do privilégio da inconsistência entre o ser, o falar e o viver. Tem, ainda, de viver para o seu grupo, deixando de lado seus interesses egoísticos, criando - ao contrário - um imenso espaço externo, onde deverá implementar as regras que inventa (DAMATTA, 1997a, p. 266-267). Além da relação com os espaços sociais - "casa", "rua" e "outro mundo" -, DaMatta (1997a) associa cada perfil de herói a uma festa típica brasileira. Os "malandros" são os foliões do Carnaval, com atitudes pitorescas e com a visão do mundo como uma grande festa. As paradas militares são o evento preferido dos "caxias"; esta festa da ordem possui uniformes, armas, hierarquização militar com clara determinação dos papéis sociais, reverências e honrarias. Aos "renunciadores" estão ligadas as procissões; festas de igreja veneram santos que, como os "renunciadores", fogem da sociedade para concentrar suas energias em um "outro mundo". Mas, se cada um destes heróis exagerar na firmação de uma identidade ligada a estes perfis, pode haver uma transfiguração nestas representações. Se o "caxias" for um seguidor das leis muito fiel, pode demonstrar ingenuidade, se transformando em "otário", vítima preferida dos "malandros". Esses podem utilizar o "jeitinho" como forma de ganhar a vida, passando da "malandragem" à desonestidade, virando "bandidos sociais". Os "renunciadores", ao evitar terminantemente o sistema, podem se afastar demais dele e se marginalizarem, também se transformando em "bandidos". Em níveis de gradação, DaMatta (1997a) apresenta as transfigurações destes perfis: Pode-se então dizer que o risco do caxias é entrar totalmente na ordem e, reificando-a, perder a consciência de que leis, atos e decretos foram realizados num certo ponto de um calendário histórico (...). Mas, à medida que deixamos essa posição dentro da ordem, ou melhor, a posição na qual somos definidos pelo exterior, por meio de regras gerais e plenamente visíveis, começamos a virar malandros. Se 29 É importante observar que esta é a função na qual se encontra o "renunciador" na sociedade brasileira como um todo: a esperança de mudança, de revolução. Mas quando este perfil é observado em meios sociais que formam uma sociedade local, como em empresas - públicas ou privadas - o "renunciador" assume um comportamento oposto ao do "conciliador". O doutor em Ciências da Comunicação João José Azevedo Curvello (1998) define o "renunciador" destes locais como um funcionário que se aposenta, se "encosta", desiste e trai a confiança dos colegas.
  • 33. 32 caminhamos um pouco mais, dependendo dos motivos que nos conduzem para fora, viramos bandidos ou renunciadores (DAMATTA, 1997a, p. 270). Os aspectos destes três perfis na sociedade brasileira se observam quando uma pessoa que possui características de identificação com o "malandro" - que tem seu espaço de atuação em "casa" - se comporta desta maneira na "rua". Ao se apresentar com atitudes "caxias" - as quais têm seu lugar na "rua" - em "casa", a pessoa é vista com este estereótipo. O "renunciador" também pode ser visto como uma figura caricata: um revolucionário ao extremo ou um "beato". Isso ocorre quando ele apresenta suas ideias de renúncia às questões pessoais ou às de ordem em "casa" ou na "rua", longe da igreja ou de um "outro mundo" que ele próprio tenha criado para estas expressões (DAMATTA, 1997b). Tais representações são encontradas na mídia. Nela, se notam figuras heroicas brasileiras, como na literatura. A necessidade de se enxergar em personagens explica serem os heróis desta sociedade, não uma idealização, mas o seu reflexo. Talvez seja uma herança relacionada ainda àqueles primeiros brasileiros que eram fruto do envolvimento entre portugueses e índios. O brasileiro ainda hoje pode carregar a necessidade de se identificar como povo.30 E como "não há domínio da vida contemporânea que não esteja, de certo modo, embebido na experiência tecnológica", o pesquisador em Comunicação Erick Felinto (2006, p. 2) considera o ambiente online "uma outra expressão para designar nossa complexa e intrigante pós- modernidade". Portanto, a forma com que o brasileiro se mostra na internet dá pistas sobre qual estereótipo de herói o representa melhor. Esta representação de si ocorre em um espaço de atuação, chamado ciberespaço. 2 REPRESENTAÇÕES NAS REDES SOCIAIS DO CIBERESPAÇO No Brasil, a aceitação do ciberespaço como campo de atuação é alta. O acesso à internet está crescendo, e o computador, com todas suas possibilidades, já faz parte da vida cotidiana brasileira. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram em 30 Chamados de "brasilíndios" ou "mamelucos" por Darcy Ribeiro (1995), os filhos de pai português e mãe índia sofriam a rejeição dos pais portugueses, que os viam como "impuros filhos da terra". Já as mães índias os rejeitavam porque na concepção indígena "a mulher é um simples saco em que o macho deposita sua semente. Quem nasce é filho do pai e não da mãe..." (RIBEIRO, 1995, p. 108). Desta forma, o autor explica que a estes primeiros brasileiros restou se enxergarem como um povo novo, devido à sua carência de identificação.
  • 34. 33 pesquisa realizada em 2005 que menos de um quarto da população brasileira, com dez anos ou mais, tinha acesso à internet - apenas 20,9% de brasileiros. Em 2011, nova pesquisa foi feita31 e constatou-se que o acesso à internet no país chegou a 46,5% da população - um aumento de 143% entre 2005 e 2011.32 Ou seja, eram 31,9 milhões de internautas brasileiros em 2005 e este número cresceu para 77,7 milhões no ano de 2011 (IBGE, 2013). A expansão do acesso à internet começou no período entre 2001 e 200533 . Quando comparada à aquisição dos outros bens domésticos duráveis, o computador demonstrou os maiores crescimentos no período. Igual resultado se repetiu na análise feita entre 2005 e 2011. Entre estes anos, a posse de um computador com internet cresceu 9,2 pontos percentuais, o maior crescimento de consumo dentre os bens duráveis avaliados no Brasil (IBGE, 2013). Dentre as novidades trazidas pela internet ao Brasil, estão os sites de redes sociais34 . Uma pesquisa internacional sobre hábitos de leitura mostrou que estes sites chegaram a 89% de popularidade no Brasil no ano de 2011 (PEW RESERACH CENTER, 2012) no estudo, o Facebook se apresentou como o site de redes mais popular.35 2.1 A sociabilidade mediada pelo computador A principal distinção entre os sites de redes sociais e os que são focados na informação é interação que permitem. Raquel Recuero (2011) - jornalista e doutora em Comunicação e Informação - observa que outras plataformas de informação na internet conectam apenas computadores, enquanto os sites de redes sociais também ligam pessoas. Mas, como diferença com relação às outras mídias, as redes sociais na internet inauguram uma nova configuração de sociabilidade. Três formas são elencadas pelo antropólogo Jonatas Dornelles (2008). A primeira seria a da comunicação presencial, marcada pelo compartilhamento dos mesmos tempo e espaço pelos interagentes. A segunda, dos chats, traz a coincidência, ainda existente, entre tempo e espaço de interação para as duas pessoas, sendo a mediação tecnológica o diferencial na comunicação. 31 Esta é foi a última pesquisa feita sobre o tema, publicada pelo IBGE em 2013. Os dados para a pesquisa foram coletados por visita a 146 mil domicílios e entrevista com 359 mil pessoas no Brasil em 2011 (IBGE, 2013). 32 Este resultado é expressivo em comparação ao crescimento populacional no mesmo período, que foi de 9,7%. 33 O resultado desta expansão foi refletido na pesquisa mundial do Pew Institute, realizado em 2007: o Brasil ficou em terceiro lugar no ranking dos países que mais usam computador no mundo (DORNELLES, 2008). 34 São chamados apenas de "redes sociais" pelo senso comum, mas Raquel Recuero (2011) esclarece que os sites apenas oferecem a oportunidade da formação de redes de sociabilidade neles: são plataformas em que se formam as redes de relacionamentos entre as pessoas enquanto atores sociais no ciberespaço. 35 O México também demonstrou conferir um dos mais altos índices de popularidade aos sites de redes sociais - 88% - com relação aos outros países da América Latina, elegendo o Facebook como o site de redes mais popular.
  • 35. 34 Os sites de redes sociais, além da comunicação mediada pelo computador, possibilitam variantes em tempo e espaço, inaugurando a terceira forma de sociabilidade. Nos sites que formam redes, a reciprocidade na comunicação não precisa existir ao mesmo tempo - pode-se deixar um recado e o receptor responder em um outro momento, pois já existe uma rede de relacionamento formada. Além disso, o espaço não é privativo da conversa entre estes dois. Ao ser mostrado na página do receptor, outras pessoas podem ter acesso à conversa e até interagir. Esta terceira forma de sociabilidade foi inaugurada no Brasil pelo site Orkut, voltado para os relacionamentos através da formação de redes (DORNELLES, 2008). A vida social teria se tornado mais ativa e estimulante com esta rede social. Há uma explicação do grande sucesso de inserção dos brasileiros no Orkut que associa a prática à imitação dos países desenvolvidos (DORNELLES, 2008).36 Mas em "comunidades do Orkut" foi observado que os próprios brasileiros associam o fato de terem aderido ao site às características de si como povo, que consideram ser "alegre" e "amigável" (FRAGOSO, 2006). Sendo motivados pela imitação ou pela identificação, a sociabilidade mediada pelo computador - dotada de possibilidades de interação pelas ferramentas do Orkut - foi apropriada pelos brasileiros. E não só a quantidade desses, mas também a rápida aderência à rede social online pelo povo brasileiro tem expressões consideráveis: em janeiro de 2004 começaram a ingressar no Orkut, e já eram 4,4 milhões de internautas brasileiros a possuir um perfil - uma conta - no site em maio de 2005. Este número, também decorrente da rápida expansão da tecnologia digital no Brasil (como já expresso anteriormente), chegou a representar 71,08% de toda a "comunidade" do Orkut (MORAIS e ROCHA, 2005). A "invasão" nacional levou este site de rede social - criado nos Estados Unidos - a ser chamado de brasileiro (RECUERO, 2011, p. 178). Ainda em 2008, Dornelles (2008) previa que o Orkut poderia "acabar" e dar lugar a novas plataformas de interação. Hoje, outro site de rede social se encontra adotado pelos brasileiros. O Facebook já é o site mais acessado do Brasil (COMSCORE, 2012). Este e outros sites chamados de "redes sociais" são focados no conteúdo e nas funcionalidades propiciadas por diversas ferramentas. Estas plataformas são orientadas a um contexto lúdico, promovendo uma interação informal e recreativa (SANTANA et. al, 2009). 36 A realização das práticas propostas pelo sistema do Orkut teria como objetivo se tornar membro de uma sociedade global e moderna, como o são os países desenvolvidos nos quais se espelham tecnologicamente os brasileiros (DORNELLES, 2008).
  • 36. 35 Por este motivo, ao ser requerida a inclusão digital, é levado em consideração o acesso às redes sociais online. A importância que têm se deve a estes sites serem canais de comunicação orientados à troca de experiências com outras comunidades e para a divulgação de eventos; também por permitirem um maior alcance na divulgação de produtos e serviços37 , e ainda o resgate da identidade cultural de grupos minoritários (SANTANA et. al, 2009). Esta recuperação da cultura é possível porque a identidade, pessoal e de grupos, é expressa no ciberespaço de forma similar à dos espaços presenciais. Ao avaliar o comportamento do brasileiro na internet,38 Rogerio Schlegel (2009, p. 15) observou que não há "uma diferenciação de sentido claro em relação aos não usuários". Embora na sociabilidade o brasileiro possua um "perfil diferenciado" quanto aos países analisados no artigo - Argentina e Chile -, suas opiniões no ciberespaço são "indiferenciadas" às apresentadas fora dele. Isso permite considerar a transposição de comportamentos do meio presencial para o virtual. Faz- se necessário assim o estudo dos aspectos socializantes no ciberespaço. 2.2 Uma forma contemporânea de se representar A internet hoje é utilizada para pensar, escrever e comunicar (SIBILIA, 2008). Nas redes sociais, o que se escreve e comunica decorre do que se passa na subjetividade interior. Por este motivo, Paula Sibilia (2008), diz que o ciberespaço se transformou em um "palco de confissões". Ao convidar para a interação através de ferramentas, as redes sociais também fazem seus usuários se despirem de uma moral da intimidade. Se, antes, a prática da escrita sobre si se concentrava nos diários, hoje, a confissão de subjetividades é feita no ambiente online. A autora compara o autorrelato nas redes sociais aos que ocorriam nos antigos diários íntimos. O ciberespaço teria reconfigurado a exibição de si: o que antes era privado passou à exibição pública. E ao dar visibilidade ao "eu", é feita uma autoconstrução. O resultado é uma nova configuração de si orientada ao espetáculo público de sua vida privada. 2.2.1 A confissão de si nos diários "éxtimos" Nos antigos diários íntimos, a escrita de si era feita para firmar um "eu", pessoal, íntimo. Hoje, este "eu" precisa ser visto por olhares alheios para existir. A explicação para a transição está no fato de que antigamente a vida era coletiva. Portanto, era necessário se esquivar de 37 O mercado hoje também se utiliza das ferramentas das redes sociais online, como Facebook, Hi5, My Space, Orkut, entre outras (SANTANA et. al, 2009). 38 O estudo em questão foi direcionado à compreensão do impacto da internet na política brasileira.
  • 37. 36 olhares alheios e praticar a introspecção. Com a revolução industrial, e o consequente avanço do capitalismo, as sociedades passaram a cultivar práticas individualistas. O mercado dos meios de comunicação propiciou que sua própria presença fosse mais constante nas vidas das pessoas. Os meios de massa passaram então a serem cada vez mais individuais. Essa transformação do consumo coletivo para o individual se refletiu na vida social. Devido às práticas, que antes eram coletivas, serem cada vez mais individuais, a autorreflexão, que antes era individual, passou a ter necessidade de se exibir para a coletividade (SIBILIA, 2008). A autobiografia deixou então de se restringir a um gênero literário para fazer parte do cotidiano das pessoas. Sibilia (2008) conta que a ficção deixou de ser interessante; e o que realmente passou a despertar a atenção foram os relatos verdadeiros: uma "sede de veracidade" invadiu as sociedades contemporâneas e fez aumentar o consumo por vidas alheias. Este mercado é alimentado por um "eu" que - antes era firmado com a escrita nos diários, decorrente de uma autorreflexão - hoje requer visibilidade para existir. Aline Soares Lima (2009) observa o lado positivo dessa transformação de local do autorrelato. O contexto da cibercultura torna as condições para produção e circulação de uma maior variedade de discursos mais acessíveis e traz à tona novos ambientes de sociabilidade e uma modalidade de construção de "narrativas do eu", que torna possível não somente novas formas de representação, mas, sobretudo, torna visíveis representações que nos permitem entrar em contato com experiências de vida, histórias e pessoalidades, proporcionando também a possibilidade de questionar e relatar posições e identidades hegemônicas desde outros lugares. (LIMA, 2009, p. 6) A sociabilidade praticada no ciberespaço também marca uma identidade nos espaços. Uma sociedade que ali se encontra passa a tecer relações entre os seus membros de modo a formar uma identidade coletiva. Dornelles (2008) acredita que é na coletividade que se manifesta a identidade de um povo. E ainda que o ciberespaço seja um ambiente destinado às representações individuais, a coletividade se manifesta na agregação de interesses comuns. Estes interesses se apresentam durante a construção da individualidade. Quando se faz um esforço para formar um "eu" único, são mostrados traços de identificação com a coletividade. Essa manifestação representativa dos sujeitos e da coletividade no ciberespaço é considerada por Dornelles (2008) idêntica à forma contemporânea de se representar presencialmente. Na tese "Vida na rede: uma análise antropológica da virtualidade" (2008), o autor analisa o site de relacionamentos Orkut e observa que não existe mais diferenciação entre o que é praticado no site e no cotidiano das pessoas. Tanto Dornelles quanto Sibilia atribuem esta remoção da
  • 38. 37 "máscara da civilidade" ao "declínio do homem público", teorizado pelo sociólogo americano Richard Sennet (1988, apud DORNELLES, 2008, e 1999, SIBILIA, 2008). O autor fez essa observação nos anos setenta do século passado, antes da massificação pelo computador. Segundo ele, ainda que estivessem em ambientes públicos, as pessoas já manifestavam suas individualidades como "seres privados", igual ao que ocorre no ciberespaço hoje em dia. Mas essa expressão do cotidiano realizada no ambiente virtual necessita de uma transformação do "eu" para ser veiculada. Se, antes, a ficção recorria à realidade para se tornar mais interessante, agora ocorre o caminho inverso. Sibilia (2008) diz que tem que haver uma ficcionalização da realidade para que ela se torne aceitável na virtualidade. A veracidade do que é publicado precisa de aspectos ficcionais para ser atraente. Ou seja, o "eu" real vira um personagem para se apresentar39 no ciberespaço. Pela apresentação de si sofrer mudanças quando se mostra em diferentes espaços, "uma consideração habitual, quando se examinam esses estranhos costumes novos, é que os sujeitos nele envolvidos 'mentem' ao narrar suas vidas na web" (SIBILIA, 2008, p. 29). Mas o intercâmbio de representações do real e do virtual acontece nas duas vias. Também ocorre que "a sociedade eleva o status do virtual (ciberespaço) a algo real" (DORNELLES, 2008, p. 286). Por serem novos modelos de diários íntimos na construção de "modos de ser" e também serem publicados, Sibilia (2008) chama os sites de redes sociais de "diários éxtimos". A apresentação de si realizada neles é por meio de um personagem. Esse não precisa "ser" e nem "ter", mas apenas "parecer".40 A lógica das aparências para a expressão das subjetividades se consuma na visibilidade. Desta forma, o personagem visível contrasta com o "eu" real pela ausência de solidão daquele. Como "eu" real, o sujeito pode ter momentos de solidão e de introspecção com suas subjetividades. Enquanto o personagem precisa estar à mostra para existir; para isso, é necessária a aprovação de "outros". Mas, para além de uma mera aprovação social, há uma significação nesta exibição. Quando surgiram os diários íntimos tradicionais, o objetivo era conservar "o que se é" e "o que se foi". Na conformação atual, os diários cibernéticos se proliferam pela "ânsia de se conservar algo próprio que se considera valioso, mas que inevitavelmente irá escapar no frenesi da aceleração contemporânea" (SIBILIA, 2008, p. 135). 39 Para a autora, esta representação também é uma forma de apresentação do "eu" interiorizado. 40 Quando a interioridade psicológica era o campo das subjetividades, era preciso apenas "ser". Com a proliferação da sociedade de consumo, o que era mais importante era "ter". Hoje, com "as morais da visibilidade" em voga, é necessário "aparecer" para realmente existir. (SIBILIA, 2008).
  • 39. 38 Ao narrar em primeira pessoa, é permitido também que o "eu" fale do que lhe incomoda, como um desabafo. Ocorre um distanciamento de tudo o que atormenta aquele "eu" real e o permite reclamar do que o insatisfaz e demonstrar opiniões que antes guardava para seu interior pelas morais sociais, enfim, permite "mostrar-se como for". Sibilia (2008) diz que é como se o "eu" assumisse uma "identidade de férias". Por mostrar a intimidade e as subjetividades, há uma espetacularização do "eu". Ao tornar visível o cotidiano e a banalidade, são criados espetáculos da vida privada. E o "eu" é um personagem no qual o "outro" se espelha para ser alguém. Paradoxalmente, a cotidianidade que é mostrada para o outro de uma forma espetacular tem o objetivo de dizer-lhe que se é igual a ele, que não tem nada de extraordinário naquele "show do eu" (SIBILIA, 2008). 2.2.2 Autoconstrução: um espetáculo alterdirigido As ferramentas das redes sociais estão cada vez mais voltadas a promover um espetáculo do "eu" interior. Ao ser personalizado pelas ferramentas do ciberespaço, este "eu" se transforma em personagem, passando a necessitar de uma aceitação social para existir . Esta aprovação se dá pela interação. E ao fazê-la com as ferramentas disponibilizadas pelo site de redes sociais é demonstrado mais a respeito de quem se "é" do que quando é realizado o preenchimento de dados que se pretendem apresentar como perfil pessoal. Dornelles (2008) considera a escolha das características para se representar uma forma passiva de construção. A forma ativa se dá na interação, ao permitir que as escolhas individuais sejam voltadas aos interesses do "eu". O sujeito virtual também se apresenta quando publica textos, imagens, sons e vídeos. Através desta representação multimídia, narra as suas visões de mundo e de si mesmo. Mas também a partir de referencialidades esta autorrepresentação é feita. O "outro" que se busca reproduzir é o que está na mídia - chamado por essa de celebridade -, nas ruas ou nas instituições sociais. Também pode ser um referencial quem está no próprio ciberespaço (DORNELLES, 2008). A representação pela multimidiatização é considerada para Sibilia (2008) o polo objetivo das marcas da oralidade. Nesta caracterização, o texto online se insere com todos os "fortes" atributos que lhe conferem o ciberespaço. O tom coloquial e a transcrição da expressão como se estivesse em uma conversa presencial são algumas marcas do texto. Em uma nova linguagem, parâmetros particulares do ciberespaço são criados. Sua feitura não se apoia em parâmetros tipicamente literários ou letrados, nem de maneira explícita, nem tampouco implícita nas entrelinhas ou no sentido do gesto escritural. Além disso, impera certo
  • 40. 39 descuido com relação às formalidades da linguagem e às regras da escrita. Mais propulsados pela perpétua pressa do que pela perfeição, estes textos costumam ser breves. Abusam das abreviaturas, siglas, acrônimos e emoticons. Às vezes juntam várias palavras eliminando os espaços, enquanto ignoram os acentos ortográficos e os sinais de pontuação, bem como todas as convenções referidas ao uso de maiúsculas e minúsculas. O vocabulário também é limitado. Se considerarmos ainda o fato de costumarem praticar uma ortografia lastimosa e uma sintaxe relaxada, em casos extremos, os textos deste tipo podem beirar os limites do incompreensível - pelo menos para aqueles que não foram treinados na peculiar alfabetização do ciberespaço. (SIBILIA, 2008, p. 38) Esta variedade estilística demonstra que o sujeito virtual não só se confessa, mas também se constrói pelas palavras. Sibilia (2008, p. 33) entende que "é preciso escrever para ser, além de ser para escrever" e que não só palavras, mas também imagens têm a capacidade de realizar a existência. Elas compõem um universo próprio de subjetividades utilizando a linguagem para lhes conferir consistência. Atualmente, a narrativa é consumida de forma interativa. Em uma relação com os outros e com o mundo, o ser é construído. Ele se faz pela narrativa que, além de apresentá-lo, o realiza. E como os sujeitos estão cada vez mais visuais do que verbais, o consumo de imagens é alto no ciberespaço. Também os vídeos - imagens em sincronia com o som - têm se tornado mais atraentes do que longos textos escritos (SIBILIA, 2008). O "eu" mostra preferência pela representação multimídia porque se realiza na compreensão imediata - na velocidade do instantâneo -, o que é permitido com fotos e vídeos (SIBILIA, 2008). Personalizados, estes arquivos trazem uma configuração alterdirigida de si, o "eu" exteriorizado como personagem. Desta forma, tanto pelo consumo quanto pela exposição multimídia, a construção do personagem é resultado do polo objetivo das marcas da oralidade. Sibilia (2008) também expõe a existência de um polo subjetivo no ciberespaço, constituído pela junção do autor com o narrador e o personagem do relato, ou seja, o "eu" com esta tríplice função.41 A presença dos três papéis permite que a "realidade inventada" na autodescrição se pareça com a ficção. E se assemelhar a este gênero é espetacularizar, no caso, o "eu". 41 A autora considera fundamental para uma biografia - tanto literária quanto qualquer escrita de si, como nos sites de redes sociais - que exista um pacto de leitura entre quem a escreveu e quem a lê. O leitor deve acreditar que o autor, o narrador e o personagem da história sejam a mesma pessoa. E só assim é que uma obra deve ser considerada uma biografia.
  • 41. 40 Por este motivo, a vida hoje é alterdirigida quando esse se apresenta na mídia e equacionada a um filme por Sibilia (2008). Tudo no cotidiano tem que ser realizado como se o fizesse em uma produção de ficção - tem que ser espetacular. E por ser a interioridade psicológica uma construção histórica, ela acompanha os movimentos sociais, políticos e econômicos da sociedade na qual está inserida. Como a representação de si é feita nos canais midiáticos, são eles que retratam a vida - globalizada e espetacularizada - nas sociedades ocidentais. Para Douglas Kellner (MORAIS, 2006, p. 134), o espetáculo está sempre presente na vida político-social e hoje ele invade "todos os campos da experiência, desde a economia e a cultura até a vida cotidiana, a política e a guerra". Esta expansão generalizada é marcada pela transição de exibição, das outras mídias para o ciberespaço. Pelas características deste campo comunicacional, ocorre uma nova configuração de formas culturais, relações sociais e tipos de experiência. Devido a estas novas formas, a personalidade também busca se espetacularizar, recorrendo ao "glamour da mídia". A ficcionalização é feita ao se construir com os padrões dos personagens midiáticos. Esta construção é de tal importância para a sociedade contemporânea que "se alguém não vê alguma coisa é bem provável que essa coisa não exista" (SIBILIA, 2008, p. 112). Também a lógica da velocidade e do instantâneo presente no ciberespaço se reflete nos campos social, afetivo e cotidiano contemporâneos. Mas é interessante observar que mesmo "sem tempo" é realizada a confissão nos "diários éxtimos". Trata-se de constância e perseverança para passar a existir, ou só continuar existindo. Assim, a expressão de si é cada vez mais praticada no Brasil, não só no ciberespaço. Notou-se que ela fez aumentar a quantidade de biografias literárias publicadas. Hoje, qualquer pessoa, não só pode, "deve" falar,42 mesmo que não tenha nada, "no sentido moderno", para dizer (SIBILIA, 2008). Como "fazer falar" é uma das funções dos sites de redes sociais no ciberespaço, o tema destes sites é sempre voltado à vida íntima. Ao comparar os blogs43 com os microblogs, Sibilia (2008, p. 137) observa que a tendência é que os relatos de si em geral se tornem "cada vez mais instantâneos, presentes, breves e explícitos": eles geralmente se voltam à resposta da 42 Esta obrigação à expressão, o "fazer falar", é considerada para Sibilia (2008) um tipo de censura, como a do "fazer calar". Pois ninguém tem mais direito a se silenciar - se o fizer não é dotado de "existência". 43 Os blogs não são considerados sites de redes sociais por não explicitarem a formação de redes, embora elas se constituam naqueles também (RECUERO, 2011).
  • 42. 41 questão "O que você está fazendo neste momento?".44 Mas o Facebook atualmente vai além do interesse nas práticas de seus usuários. A pergunta que faz atualmente é "No que você está pensando?", o que mostra claro interesse nas subjetividades e em promover a relação delas entre os usuários. Como conclui Dornelles (2008, p. 286), "o resultado é a interação constante, ilimitada e ininterrupta de uma diversidade extremamente ampla de subjetividades em contato constante".45 2.3 No Facebook, em busca do sucesso social Em 2004, o sistema do Facebook foi lançado nos Estados Unidos, por Mark Zuckerberg46 , com o nome the facebook. Sua função primordial era promover o entrosamento dos alunos que saiam do Ensino Médio e ingressavam na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos (SIBILIA, 2008). A versão corporativa do Facebook, similar a como se apresenta hoje, foi lançada em 2006 (SANTANA, 2009). A plataforma se expandiu e chegou a todo o mundo. Com ampla aceitação na América Latina, o acesso ao Facebook no Brasil levou a "quase 44 milhões de visitantes únicos em dezembro de 2012, 22% a mais que no ano anterior" (COMSCORE, 2013). O Facebook funciona como um site de redes sociais. Ele apresenta seus usuários em perfis e comunidades. Mas apesar de ser voltado à "publicização" da vida privada, o site é percebido como uma rede social mais privada do que as outras. Isso se deve à exposição do perfil de um usuário, com dados relacionados à construção passiva do seu personagem, ser disponível apenas para outros usuários que façam parte da sua rede (SIBILIA, 2008). A escolha sobre com quem se relacionar é uma das formas de demonstrar que o ciberespaço engloba aspectos sociais da vida do usuário. Desta forma, é que Dornelles (2008, p. 164-165) faz a colocação de que "viver" conectado na internet passou "de um comportamento exclusivo de maníacos por computadores para se tornar uma prática comum", cotidiana. O resultado para a parcela da sociedade brasileira que incorpora o ciberespaço é um comportamento no ambiente online como se estivesse na "rua", onde impera um código aberto "ao mercado, à 44 Pergunta antes feita pelo microblog Twitter aos seus usuários no espaço para publicação (SIBILIA, 2008); atualmente, está o imperativo: "Publique um novo tweet..." (TWITTER). 45 Embora o objeto de análise de Dornelles (2008) seja o Orkut, a pesquisa se volta à vida social nas redes do ciberespaço, o que permite relacionar seus achados a outros sites de redes sociais. 46 Quando ocorreu a ideia, a programação e o lançamento do sistema, Mark Zuckerberg era estudante da Universidade de Harvard, para a qual desenvolveu a plataforma.