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Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1379-1387, set-out, 2002
ARTIGO ARTICLE
Musculação, uso de esteróides anabolizantes
e percepção de risco entre jovens fisiculturistas
de um bairro popular de Salvador, Bahia, Brasil
Body-building, steroid use, and risk
perception among young body-builders
from a low-income neighborhood in the city
of Salvador, Bahia State, Brazil
1 Instituto de Saúde
Coletiva, Universidade
Federal da Bahia.
Rua Padre Feijó 29,
Salvador, BA
40110-170, Brasil.
iriart@ufba.br
2 Pós-graduação em
Medicina e Saúde, Faculdade
de Medicina, Universidade
Federal da Bahia.
Rua Pedro Lessa 123,
Salvador, BA
40110-050, Brasil.
tarcisio@ufba.br
Jorge Alberto Bernstein Iriart 1
Tarcísio Matos de Andrade 2
Abstract Recent studies in different countries have shown an increase in anabolic steroid con-
sumption among young people and the harm caused by indiscriminate use. In Brazil, research
on steroid abuse is scarce. The present study examines the risk perception of health problems as-
sociated with anabolic steroid consumption among young working-class adults engaged in
body-building practices in a poor neighborhood in the city of Salvador, Bahia. The methodology
involved an anthropological approach based on qualitative research techniques consisting of
ethnography, in-depth interviews, and a focus group with steroid users. The data describe the
most common substances consumed and highlight the lack of information among interviewees
concerning potential related health hazards, showing that for many steroid consumers the quest
for muscle-mass development to achieve an idealized body supersedes the risk of harmful side
effects. The results indicate the need for culturally sensitive measures to prevent steroid abuse
among youth.
Key words Substance Abuse; Anabolic Steroids; Exercise; Risk Factors; Anthropology
Resumo Estudos recentes em diferentes países têm apontado o aumento do consumo de esterói-
des anabolizantes entre jovens fisiculturistas e atletas, e os danos à saúde causados pelo seu uso
indiscriminado. No Brasil, estudos sobre o uso de anabolizantes são escassos. No presente traba-
lho, examina-se a percepção de risco à saúde, associada ao consumo de anabolizantes, entre jo-
vens fisiculturistas de um bairro pobre da cidade de Salvador. A metodologia privilegiou méto-
dos de coleta de dados qualitativos tais como etnografia, entrevistas semi-estruturadas e grupo
focal com usuários de anabolizantes. Os dados produzidos descrevem as principais substâncias
utilizadas e os padrões de uso, e apontam a falta de informação dos jovens entrevistados sobre a
extensão dos danos à saúde decorrentes do consumo de anabolizantes, mostrando que para mui-
tos, o desejo de desenvolver massa muscular e alcançar o corpo ideal se sobrepõe ao risco de efei-
tos colaterais. Os resultados indicam a necessidade de se desenvolver ações culturalmente apro-
priadas, voltadas para a prevenção do abuso de anabolizantes junto à essa população.
Palavras-chave Abuso de Substância; Esteróides Anabólicos; Exercício; Fatores de Risco; Antro-
pologia
IRIART, J. A. B. & ANDRADE, T. M.1380
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(3):1379-1387, set-out, 2002
Introdução
A crescente valorização do corpo nas socieda-
des de consumo pós-industriais – refletida nos
meios de comunicação de massa, que expõem
como modelo de corpo ideal e de masculinida-
de um corpo inflado de músculos – pode estar
contribuindo para que um número crescente
de jovens envolva-se com o uso de esteróides
anabolizantes, na intenção de rapidamente de-
senvolver massa muscular (Courtine, 1995). O
consumo dessas substâncias, especialmente
entre jovens fisiculturistas e atletas, tem sido
registrado com freqüência ascendente em vá-
rios países (Lise et al., 1999; Nilson, 1995; Perry
et al., 1992; Scott et al., 1996) e diversos estu-
dos têm documentado os danos à saúde causa-
dos pelo seu uso (Evans, 1997; Korkia & Stim-
son, 1997; Rich et al., 1999).
Nos Estados Unidos, estudo populacional
realizado em 1993 estimou em mais de um mi-
lhão o número de usuários de anabolizantes
(Yesalis et al., 1993). Em relatório recente, o
National Institute on Drug Abuse (NIDA, 2001)
informa que a porcentagem de estudantes do
curso secundário (high school) que utilizou es-
tas substâncias cresceu 50% nos últimos qua-
tro anos, passando de 1,8% para 2,8. O aumen-
to do consumo de suplementos alimentares e
anabolizantes nessa população (Durant et al.,
1993; Yesalis, 1997) levou o governo norte-ame-
ricano a lançar, no ano passado, uma campa-
nha nacional para alertar os jovens dos perigos
associados à sua utilização (NIDA, 2001).
No Brasil, estudos que abordem o uso de
anabolizantes são escassos, não existindo da-
dos epidemiológicos que indiquem a extensão
do consumo dessas substâncias. Alguns indí-
cios, no entanto, sugerem que o uso de anabo-
lizantes pode estar crescendo entre os jovens
pertencentes a diferentes classes sociais, po-
dendo representar, em breve, um importante
problema de saúde pública. Os meios de comu-
nicação de massa têm noticiado com alguma
freqüência o consumo dessas substâncias nas
academias de musculação, e chamado a atenção
para os casos de efeitos colaterais graves decor-
rentes de seu uso abusivo (Folha de São Paulo,
2000a, 2000b). Sabe-se ainda, segundo estimati-
va do CEBRID (Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas), que o consumidor
preferencial no Brasil está entre os 18 e 34 anos
de idade e, em geral, é do sexo masculino.
Nossa atenção para o problema originou-se
no trabalho de redução de danos que o CETAD
(Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Dro-
gas da Universidade Federal da Bahia), vem rea-
lizando em bairros populares de Salvador, e que
sugere um elevado consumo de diversos tipos
de anabolizantes entre jovens fisiculturistas. O
termo fisiculturista está sendo aqui utilizado
para designar os praticantes de exercícios físi-
cos com pesos, que visam a modelagem do
corpo através do desenvolvimento de massa
muscular (body-building). Nos bairros popula-
res, a prática do fisiculturismo se realiza fre-
qüentemente em academias de musculação que
funcionam em espaços improvisados e equipa-
das de forma precária. O alto consumo dessas
substâncias entre os fisiculturistas, é atestado
pelo grande número de seringas usadas, que
são trocadas por esses jovens, junto aos agen-
tes comunitários de saúde do CETAD, assim
como pelos relatos dos cadernos de campo dos
agentes que documentam o padrão de uso des-
sas substâncias, e os efeitos colaterais que es-
tão produzindo entre os usuários.
Este estudo, visa contribuir para a produ-
ção de conhecimento sobre o uso de anaboli-
zantes entre os jovens fisiculturistas das clas-
ses populares de Salvador, buscando fornecer
subsídios para projetos de prevenção – assim
como para redução dos efeitos nocivos decor-
rentes do seu uso – que sejam culturalmente
apropriados junto à essa população. Os objeti-
vos específicos são: (1) analisar os significados
associados à fisicultura e as razões do uso de
anabolizantes entre jovens fisiculturistas; (2)
descrever as principais substâncias utilizadas,
o seu padrão de uso e os efeitos colaterais per-
cebidos e (3) analisar a percepção de risco dos
usuários.
Metodologia
O presente estudo aborda o problema do abu-
so de esteróides anabolizantes com uma pers-
pectiva sócio-antropológica utilizando-se, con-
sequentemente, de métodos de pesquisa qua-
litativos. A escolha metodológica deve-se ao
caráter exploratório do estudo e à necessidade
de produzir dados em profundidade sobre o uso
dessas substâncias, procurando compreender
os fatores sócio-culturais subjacentes à prática
da musculação e ao uso de anabolizantes.
A pesquisa foi realizada em um bairro po-
bre de Salvador, que tem aproximadamente 60
mil habitantes, e cujo nome será omitido para
preservar a privacidade dos informantes. As-
sim como outros bairros periféricos das gran-
des cidades brasileiras, esse possui uma infra-
estrutura urbana extremamente precária, ca-
racterizada pela presença de esgotos a céu aber-
to, ausência de unidades de saúde e áreas de
lazer. Somam-se à essa realidade, o alto índice
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1379-1387, set-out, 2002
de desemprego da população do bairro e a for-
te presença do comércio ilegal de drogas, inti-
mamente associada ao aumento da violência
urbana.
Os dados aqui analisados, foram produzi-
dos empregando-se as seguintes técnicas: (1)
grupo focal, realizado com dez usuários de ana-
bolizantes de uma academia de musculação do
bairro; (2) entrevistas em profundidade (semi-
estruturadas), realizadas com seis informan-
tes-chave (cinco usuários de anabolizantes e
um agente de saúde do CETAD), residentes no
bairro; (3) relatos transcritos ao longo de dois
anos nos diários de campo de dois agentes co-
munitários de saúde do CETAD e (4) observa-
ção sistemática realizada pelos pesquisadores
em uma academia de musculação do bairro.
Trata-se de uma academia popular, equipada
de forma precária, mas freqüentada regular-
mente por cerca de 75 fisiculturistas. Os usuá-
rios da academia são jovens das classes popu-
lares, na sua grande maioria do sexo masculi-
no, com idades que variam de 17 a 37 anos.
Eles trabalham sobretudo, no mercado infor-
mal como vigilantes, seguranças, guardadores
de carro, vendedores ambulantes ou biscatei-
ros. Alguns são estudantes e ainda não estão no
mercado de trabalho. Para se exercitar na aca-
demia, cada fisiculturista paga uma mensali-
dade de R$ 5,00.
Significados associados à musculação
entre fisiculturistas das classes populares
A prática da musculação – “malhação” na gíria
utilizada pelos fisiculturistas – assume múlti-
plos significados no discurso dos jovens entre-
vistados. Em suas narrativas sobre as razões
que os levaram a começar o trabalho de fisicul-
tura, os informantes freqüentemente fazem
alusão à admiração neles suscitada pela visão
de corpos fortes e musculosos, que passam a ser
tomados como modelo de corpo ideal, e ser-
vem de estímulo para o início da musculação.
“Eu comecei a treinar com 14 anos. Comecei
a gostar porque eu via... eu achava bonito a pes-
soa com o corpo bem definido...” (fisiculturista,
29 anos).
“Um camarada meu me emprestou uma re-
vista, eu olhei, nessa revista tinha até Arnold
Schwarzenegger, então daí por diante, com me-
nos de 18 anos, eu comecei a malhar. Como eu dis-
se a você, né, a gente vê uma pessoa forte... e aí me
interessou a musculação” (fisiculturista, 33 anos).
“Uma vontade que eu tinha de querer ficar
forte, criar muitos músculos, dividir o corpo”
(fisiculturista, 22 anos).
USO DE ESTERÓIDES ANABOLIZANTES E PERCEPÇÃO DE RISCO 1381
Os fisiculturistas utilizam com freqüência
em sua narrativa, expressões que remetem ao
“desejo de crescer”, “ficar grande”, “ficar forte”,
de forma a chamar a atenção das pessoas, atra-
vés de um corpo dilatado e com “músculos
bem definidos”. Uma análise mais atenta dos
termos utilizados pelos informantes sugere,
porém, que esses transcendem a idéia de cor-
po físico, remetendo a uma vontade de crescer
e se fortalecer subjetivamente. Em um contex-
to de periferia urbana – marcado pela violên-
cia, pelo tráfico de drogas e pelo desemprego –
que não proporciona aos jovens muitas pers-
pectivas de construir uma identidade positiva,
a fisicultura surge como uma possibilidade de
construção identitária. Através do trabalho so-
bre o corpo, esses jovens buscam uma forma
de se destacar na comunidade e de compensar
uma baixa auto-estima. Uma dimensão da iden-
tidade positiva construída pelos fisiculturistas
é a que enfatiza sua condição de atleta. Muito
referida nas entrevistas, a percepção de si mes-
mo, enquanto atleta, é elemento de sua identi-
dade capaz de opor-se à condição de desempre-
gados/desocupados em que muitos se encon-
tram. O corpo torna-se então, um instrumento
privilegiado, por meio do qual a pessoa busca
reconstruir o Eu (Self), fortalecendo uma iden-
tidade fragilizada. A repercussão externa da
imagem corporal projetada, passa a ser extre-
mamente valorizada pelos fisiculturistas, que
se percebem como possuidores de um corpo
modelo, símbolo de masculinidade, admirado
e invejado pelos homens, e desejado pelas mu-
lheres.
“A importância (da musculação) é a gente
chegar num lugar e poder botar uma camisinha
decotada, tá com os músculos trabalhado, tudo
em dia, chegar numa praia e poder botar uma
sunga, que tá o corpo todo trabalhado, boniti-
nho... (...) o pessoal começa a falar com a gente
assim, tipo achar um ídolo, alguma coisa assim:
‘Pô, tá forte, tá bonito, tá beleza’, e param mais
pra prestar atenção na gente (...)” (fisiculturis-
ta, 22 anos).
O aumento dos músculos e a sua manuten-
ção, tornam-se uma obsessão para os fisicultu-
ristas, que competem entre si, comparando
suas medidas de braços e pernas e passando a
não poupar esforços para atingir um corpo
ideal. O culto ao corpo se traduz em um inves-
timento narcísico que aparece bem evidencia-
do no discurso dos informantes, onde se enfa-
tiza o prazer na admiração do próprio corpo
em frente ao espelho:
“Rapaz, a gente passa a amar nosso corpo, a
gostar dele, se olha no espelho com... se achan-
do.... você se gosta mais ainda. Porque você olha
IRIART, J. A. B. & ANDRADE, T. M.1382
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(3):1379-1387, set-out, 2002
pra sua perna e vê sua perna grossa, você olha
pra seu peito e vê seu peito grande, olha pra seus
bíceps e vê eles aumentando, então você passa
assim, não vou dizer adorar, mas a se amar
mais ainda, se cuidar mais ainda” (fisiculturis-
ta, 33 anos).
É presente no discurso dos informantes,
uma freqüente insatisfação com suas medidas
corporais, por maiores que essas sejam, o que
remete à existência de uma dicotomia entre o
corpo real e o corpo ideal. Se o corpo represen-
ta o envelope do sujeito subjetivamente cons-
tituído, entre os nossos informantes, a hiância
entre o somático e o psíquico parece aumenta-
da. Esse fato está expresso no próprio ato de
malhar, onde a relação não é mais com o corpo
como um todo, mas com partes do mesmo. Tra-
balha-se individualmente os braços, as pernas,
o peito e às vezes apenas determinados grupos
musculares; fala-se em corpo dividido, e se es-
tabelece parâmetros para cada parte. O corpo
é investido de uma função instrumental, tor-
nando-se um corpo para ser visto e voltado pa-
ra o consumo. Para muitos desses jovens fisi-
culturistas, essa função instrumental do corpo
toma a forma de um investimento profissional,
no qual a posse de um corpo musculoso au-
menta as chances de conseguir colocação no
mercado de trabalho como seguranças e vigi-
lantes. Para outros, a exibição do corpo malha-
do nas festas populares da cidade, torna-se uma
forma de atrair clientes homossexuais, que pa-
gam aos fisiculturistas por seus serviços, exa-
cerbando seu papel instrumental como fonte
de renda.
Substâncias utilizadas, padrões
de uso e razões para o consumo de
anabolizantes entre os fisiculturistas
Os esteróides anabólico-androgênicos, comu-
mente chamados simplesmente de anaboli-
zantes, são substâncias sintetizadas em labora-
tório, relacionadas aos hormônios masculinos
(androgênios). Essas substâncias aumentam a
síntese protéica, a oxigenação e o armazena-
mento de energia resultando em incremento
da massa muscular e de sua capacidade de tra-
balho. Na gíria popular, os anabolizantes são
vulgarmente conhecidos pelo nome de “bom-
ba” (em referência ao efeito de inchaço muscu-
lar por eles produzido), e é também comum que
fisiculturistas sejam chamados pejorativamen-
te de “bombados”.
Cerca de 25 substâncias, a maioria esterói-
des anabólico-androgênicos, foram menciona-
das pelos sujeitos da pesquisa como sendo uti-
lizadas nas academias freqüentadas por eles.
Essa relação também inclui hormônios femini-
nos, usados de forma isolada ou em combina-
ção com androgênios, e também produtos ve-
terinários, a exemplo de complexos vitamíni-
cos e antiparasitários. Entre os esteróides an-
drogênicos, os mais utilizados são: Durateston
(Testosterona), Stradon P (Testosterona + Es-
tradiol) e Deca-durabolim (Nandrolona). Os
hormônios femininos mais mencionados pelos
informantes foram os anovulatórios Uniciclo
(Algestona e Estradiol) e Premarim. O baixo po-
der aquisitivo dos fisiculturistas dos bairros po-
pulares, leva à opção pelos produtos mais ba-
ratos, incluindo nessa categoria os de uso vete-
rinário. Entre esses, os mais freqüentemente
mencionados foram o ADE (vitaminas A, D e E),
Potenai (complexo vitamínico à base de vitami-
na B) e o antiparasitário Ivomec (Ivermectina).
Os dados coletados revelam que o consumo
de anabolizantes tem início logo após os pri-
meiros meses de contato dos iniciantes com os
colegas de musculação na academia. A consta-
tação de que companheiros, que iniciaram as
atividades físicas na academia à mesma época,
conseguiram desenvolver massa muscular con-
sideravelmente maior, no mesmo tempo de prá-
tica, leva os novatos a procurar informações
sobre as razões desse fato. A escuta e participa-
ção nas conversas entre os fisiculturistas vete-
ranos, onde o uso de anabolizantes é um tema
muito freqüente, cria a curiosidade e facilita a
inserção do iniciante nos meandros de seu con-
sumo.
P: “Como uma pessoa se inicia no uso de
anabolizantes?”
R: “Primeiro é... tá vendo a pessoa que tá lá,
com mais tempo de academia, aí vai se chegan-
do, procurando saber como a pessoa tá forte...
Aí, procura saber como é pra ficar forte rápido,
em dois, três meses ficar... aumentar o peso ra-
pidamente, aí o colega vai e ensina. Diz a ele.
Ele procura saber o nome, a gente dá o nome, ele
vai lá e compra. (...) quando eles perguntam co-
mo é que toma, tudo, a gente explica tudo direi-
tinho a eles, como é que toma, como a gente to-
mou né” (fisiculturista, 22 anos).
A impaciência com o tempo necessário pa-
ra o desenvolvimento da massa muscular com
o exercício físico isoladamente, não se restrin-
ge, no entanto, aos iniciantes. Os veteranos tam-
bém referem não se contentar com a lentidão
do crescimento muscular, e com os minguados
resultados obtidos por meio de uma suada mus-
culação destituída de ajuda química. O anabo-
lizante é visto então, como uma droga podero-
sa que permite ao organismo trabalhar mais ra-
pidamente, proporcionando resultados quase
USO DE ESTERÓIDES ANABOLIZANTES E PERCEPÇÃO DE RISCO 1383
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1379-1387, set-out, 2002
mágicos, e recompensando imediatamente o
suor despendido na malhação.
“É pra ter o resultado rápido, né, chegar rá-
pido ao nosso objetivo, que é ficar forte, criar
massa muscular, ganhar peso. A gente toma pra
chegar rápido lá. Uma Decadurabolim mistu-
rada com Estradon-P, ela dá um desenvolvi-
mento corporal bastante excessivo, chega ao
ponto de aumentar um quilo e meio a dois qui-
los por semana, certo?” (fisiculturista, 29 anos).
“O efeito positivo é que eu tava com mais ou
menos 37, 38 centímetros de braço, né? Aí foi pra
40, 42 centímetros. Aí fica todo mundo surpreso,
aquele negócio, você nem acredita quando você
se olha no espelho e você se vê forte” (fisicultu-
rista, 22 anos).
As substâncias são usadas em dosagem e
freqüência variáveis, determinadas pelo maior
ou menor imediatismo dos fisiculturistas na
aquisição de forma física desejada, pelo nível
de conhecimento dos mesmos sobre essas subs-
tâncias, pelas experiências pregressas em rela-
ção aos seus efeitos colaterais e pelos recursos
disponíveis para a aquisição dos produtos.
Os ciclos sistemáticos do tipo pirâmide des-
critos na literatura, em que o usuário utiliza do-
ses crescentes até o final da segunda ou tercei-
ra semana, seguidas por doses decrescentes, por
igual período, até o final do ciclo (NIDA, 2001),
não foram observados nos dados coletados
neste trabalho. O uso referido acontece de for-
ma irregular, algumas vezes contínuo, quase
diário ou com intervalos maiores, com inter-
rupções motivadas pelos efeitos colaterais, e
retorno ao uso pela falta de motivação para
malhar e insatisfação com as formas corpóreas
na ausência do uso de anabolizantes. Coque-
téis à base de dois ou três esteróides androgê-
nicos e ADE, são freqüentemente preparados e
compartilhados pelos atletas: “O ADE vem num
frasco de 50ml. A gente pega o frasco de ADE, ti-
ra 25ml e guarda em outro frasco, e dentro da-
quele 25ml de ADE a gente coloca 5ml de Dura-
teston, coloca 10ml de Androgenol e coloca 5
Primabolan, aí mistura tudo no mesmo frasco e
toma” (fisiculturista, 26 anos).
Associado ao imediatismo de resultados,
presente no discurso dos informantes, encon-
tra-se a firme suposição da impossibilidade de
atingir o “corpo ideal”, que se caracteriza não
apenas pela massa muscular, mas também pe-
lo delineamento dos músculos, sem o auxílio
dos anabolizantes.
“Ver alguém ‘empenado’ naturalmente, só
com produtos naturais, ficar com o corpão enor-
me, todo definido, todo gigante, tem condições?
Não existe! Tem que ter muito produto químico
dentro do corpo!” (fisiculturista, 27 anos).
Os informantes não referem limitação da
oferta dos produtos utilizados, relatando ser
fácil a sua aquisição, tanto nas farmácias quan-
to nas casas de produtos veterinários. Os pro-
dutos importados, como o Winstrol (Stanazo-
lol), por serem mais caros, são mais cortejados
pelos fisiculturistas. A via de administração
mais freqüentemente utilizada é a injetável,
preferida pelos informantes por ser a mais ba-
rata e produzir um efeito imediato, embora,
entre os produtos mencionados na pesquisa,
alguns são disponíveis no mercado apenas pa-
ra uso oral.
“Praticamente, eu gosto mais de tomar é a
injetável. O efeito bate logo. Aqui, em geral, nin-
guém tem condição de comprar o de uso oral,
pois os melhores são a partir de vinte reais” (fi-
siculturista, 33 anos).
O culto ao corpo musculoso, que estimula a
competição entre os freqüentadores da acade-
mia pela escolha do mais forte, do que tem os
músculos mais bem definidos ou de quem tem
o corpo que atrai mais atenção nas ruas, con-
tribui para o aumento do consumo de anaboli-
zantes. Esse consumo atinge seu ápice nos me-
ses que antecedem o carnaval, mais precisa-
mente a partir do mês de outubro, quando os
fisiculturistas se preparam para o ciclo de fes-
tas populares de verão. Nesse período, os atle-
tas intensificam o treinamento e partilham os
custos dos coquetéis de anabolizantes. O obje-
tivo é estar com o corpo bem desenvolvido pa-
ra ser exibido no verão.
Efeitos colaterais e percepção de risco
entre os usuários de anabolizantes
Os múltiplos e freqüentes efeitos colaterais re-
lacionados ao uso de anabolizantes têm sido
amplamente descritos na literatura. Esses vão,
desde as alterações orgânicas provocadas pelas
próprias características farmacológicas dos
produtos utilizados – a grande maioria deles
relacionados com o hormônio masculino tes-
tosterona – habitualmente em doses muito
além das fisiologicamente manejáveis pelo or-
ganismo; às infecções de transmissão sangüí-
neas pelo uso de equipamentos não estéreis de
injeção, até os traumas locais relacionados com
aplicação incorreta desses produtos. Embora
seja difícil comprovar a relação causal do uso
de anabolizantes e infarto agudo do miocárdio,
fatores de risco como dislipidemia, alteração
nos fatores da coagulação e hipertrofia do mio-
cárdio relacionados ao uso desses produtos,
têm sido registrados na literatura (Kennedy &
Lawrence, 1993). Outros importantes efeitos
IRIART, J. A. B. & ANDRADE, T. M.1384
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(3):1379-1387, set-out, 2002
colaterais, associados ao uso de anabolizantes,
descritos na literatura são a atrofia testicular, a
ginecomastia e a hipertensão arterial (Korkia &
Stimson, 1997). Entre as complicações decor-
rentes do uso de equipamentos de injeção não
esterilizados estão os abcessos cutâneos (Rich
et al., 1999), a infecção pelo HIV, pelos vírus
das Hepatites B e C e por outros agentes de
transmissão parenteral.
De maneira geral, os fisiculturistas entre-
vistados não demonstram bom nível de infor-
mação sobre os danos causados à saúde pelos
anabolizantes que utilizam. Os conhecimentos
que possuem sobre esses produtos, muitas ve-
zes, não guardam relação com as suas proprie-
dades farmacológicas. As informações sobre os
efeitos colaterais são sobretudo oriundas da
experiência pessoal, da observação de colegas
da academia e dos relatos de casos vivenciados
por amigos ou conhecidos, nos quais o uso des-
sas substâncias acarretou sintomas graves. Os
sintomas menores e temporários tais como ce-
faléia, náuseas, tonturas, irritabilidade, acne, fe-
bre e aumento dos pêlos corpóreos, com o tem-
po, passam a ser percebidos pelos usuários de
anabolizantes como normais. Não transparece
no discurso dos entrevistados, preocupação
com os possíveis efeitos a longo prazo que o uso
contínuo dessas substâncias possa produzir.
“A gente toma em uma segunda, quando é
na terça a gente já sente febre, dor de cabeça,
aqueles efeitos colaterais... a primeira vez que
eu tomei eu fiquei com medo. Depois, todo
mundo dizia que dava febre mesmo, dava dor
de cabeça, eu acabei me acostumando e achan-
do normal quando eu tomava” (fisiculturista,
29 anos).
Entre os iniciantes, que ainda não possuem
bagagem empírica no uso de anabolizantes, a
desinformação quanto aos seus efeitos sobre a
saúde é ainda maior. No afã de rapidamente hi-
pertrofiar seus músculos e sem consciência do
risco que incorrem, eles muitas vezes exage-
ram nas doses injetadas, na expectativa de po-
tencializar seu efeito.
“Tem muitos caras (iniciantes) aí que a gente
explicou: ‘Tem que tomar tanto, tomar 1ml, 2ml’.
Só que eles pensam que se tomar 5ml eles ficam
mais rápido ainda. Aí acaba tomando 5ml, co-
mo tem um caso lá recente, que um colega to-
mou parece que foi 10ml de ADE, um negócio
que pra cada 50kg tem que tomar 1ml, o animal,
um cavalo. Aí ele tomou 10ml e parou no hospi-
tal, teve convulsão” (fisiculturista, 22 anos).
Muitos informantes fizeram referência às
alterações no desempenho sexual e redução do
volume de esperma provocado pelo uso dos
anabolizantes. Esses sintomas, porém, são tra-
tados com aparente naturalidade e não levam
à interrupção do uso das substâncias. Os fisi-
culturistas veteranos demonstram ter mais
consciência dos riscos à saúde, presentes no
consumo de anabolizantes. Eles referem, em
seu discurso, vários efeitos colaterais como
complicações locais associados à aplicação dos
produtos, problemas renais, atrofia muscular
atribuída ao uso de Ivermectina (Ivomec), ton-
turas e desmaios secundários ao uso de ADE e
até mesmo infarto agudo do miocárdio.
O conhecimento do risco potencial e dos
danos sofridos por outrem, não se transforma
necessariamente, porém, em ação preventiva,
por diversas razões. Primeiro, o desejo de fazer
crescer a massa muscular e alcançar o corpo
ideal, se sobrepõe ao risco potencial. Em se-
gundo lugar, o fisiculturista percebe o risco co-
mo uma “aventura”, assegurando-se, na ilusão
do pensamento mágico, de que o problema
nunca irá acontecer com ele.
“Todo mundo que começa a tomar esses ne-
gócios sabe que corre o risco de não dar certo né,
de parar em um hospital, alguma coisa assim.
Mas a gente acaba arriscando e tomando” (fisi-
culturista, 22 anos).
P: “Qual o risco que você acha que corre?”
R: “O risco que corre é da gente ter um abces-
so. Tem um colega que teve um abcesso, teve que
abrir o braço pra tirar, teve um colega que per-
deu a perna tomando injeção localizada na
perna. Esses riscos todo a gente sabe que pode
acontecer com um da gente. P: E como é que vo-
cês lidam com esse risco? R: É aquele tipo, aven-
tura. Você pensa: ‘Ah, vou aventurar. Comigo
não acontece’. Aí você vê que todo mundo pensa
assim” (fisiculturista, 22 anos).
A consciência do risco, presente no discur-
so de nossos entrevistados mostra-se frágil e
fugaz. A ocorrência de algum caso de efeito co-
lateral grave, decorrente do uso de anabolizan-
tes na rede de relações dos usuários ou mesmo
noticiado na mídia, causa um impacto apenas
temporário na percepção do risco dos fisicul-
turistas: “Logo quando acontece assim (algum
caso grave de efeito colateral) a gente fica com
medo: ‘Não, eu vou parar, não vou tomar mais’,
aquele negócio todo, pensa que se conscienti-
zou, mas passa dois, três meses, a poeira baixa,
aí todo mundo começa de novo” (fisiculturista,
22 anos).
P: “Sempre correndo esse risco por causa do
corpo, pra manter o corpo?”
R: “Com certeza. Corre esse risco pra manter
o corpo forte, manter a massa muscular” (fisi-
culturista, 22 anos).
A certeza de que problemas de saúde mais
graves, subseqüentes ao uso de anabolizantes,
USO DE ESTERÓIDES ANABOLIZANTES E PERCEPÇÃO DE RISCO 1385
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1379-1387, set-out, 2002
nunca acontecerá com o usuário se reafirma a
partir de sua experiência pessoal. O fato dele
nunca ter percebido sintomas mais graves e
conhecer pessoas, que apesar do alto consu-
mo, nunca manifestaram maiores problemas
associados ao uso dos esteróides anabolizan-
tes, faz com que o usuário confie em que é pos-
sível utilizar essas substâncias sem comprome-
ter a saúde.
“Eu penso assim, eu sei o que eu tô fazendo,
né, eu sei que aquilo ali prejudica minha saúde.
Eu tô tomando, mais sei que eu posso morrer
naquela hora ali” (fisiculturista, 29 anos).
P: “Mas você prefere continuar?”
R: “Mas eu prefiro continuar... Eu acho que
com fé em Deus não vai acontecer nada comigo.
Até agora eu tô tranqüilo. Até agora eu não senti
nada. É até pra eu fazer uma lavagem no orga-
nismo porque eu tô nessas drogas e nunca acon-
teceu nada comigo” (fisiculturista, 29 anos).
É comum entre os fisiculturistas entrevista-
dos, a referência a diferentes estratégias para
lidar com risco associado ao uso de anaboli-
zantes, de forma a minorá-lo. Alguns informan-
tes afirmam que não se sentem muito em risco
porque seguem um padrão de utilização de ana-
bolizantes que eles consideram mais seguro.
Esse padrão de uso apresenta algumas va-
riações segundo cada usuário, e incorpora di-
ferentes estratégias percebidas como proteto-
ras. Entre essas, encontra-se a procura por
aplicação da injeção de anabolizantes por ami-
gos, parentes ou colegas que tenham algum
curso de enfermagem ou experiência nessa
prática, o que diminuiria os riscos de uma apli-
cação mal feita. Foi também citado como es-
tratégia protetora por alguns, a precaução na
ingestão de coquetéis, onde diferentes tipos de
anabolizantes são misturados, assim como a
diminuição das doses e aumento do intervalo
entre uma aplicação e outra.
“Eu mesmo tomo, mas eu tomo controlada-
mente, tomo duas vezes por mês, eu não sou
igual aos outros colegas que tomam toda sema-
na, duas, três por semana, não sabendo o efeito
depois” (fisiculturista, 27 anos).
É importante ressaltar, no entanto, que al-
gumas dessas estratégias protetoras não pos-
suem embasamento científico ou são realiza-
das de forma incorreta ou pouco sistemática, o
que reduz sua eficácia. É o caso, por exemplo,
da muito citada prática de, periodicamente,
realizar uma limpeza intestinal através da in-
gestão de chás e purgantes que purificariam o
organismo e, supostamente, o prepararia para
melhor receber novas doses de anabolizantes.
Todavia, isto não possui respaldo nas caracte-
rísticas farmacológicas dos produtos utilizados.
“Eles tomam limonada Bezerra, Purgoleite.
São medicamentos que eu acho que existem prá
lavar o organismo, o intestino. Eles acham que
tá tirando a sujeira” (Agente comunitário do
CETAD).
P: “Que influência isso tem depois, no uso do
anabolizante?”
R: “Eles acham que tão aptos a usar mais,
que limpou, lavou tudo, e aí começa a fazer no-
vamente o uso. (...) Isso quer dizer que o corpo
tá preparado pra receber... vai fazer mal, mas ele
vai resistir”. P: “O corpo fica mais forte, então?”
R: “Exatamente. Ficou com menos sujeira” (Agen-
te comunitário do CETAD).
É importante também, para compreender a
percepção de risco dos usuários de anabolizan-
tes, levar em conta os seus possíveis efeitos psi-
co-fármacológicos. Várias publicações científi-
cas têm chamado a atenção para mudanças de
humor, aumento da agressividade e dependên-
cia psíquica entre os usuários, durante o perío-
do de utilização dessas substâncias (Choi & Po-
pe Jr., 1994; Kleinman, 1990; Lise et al., 1999).
No presente estudo, os informantes relataram
dificuldade em deixar de usar anabolizantes,
referindo sentir desânimo e falta de energia pa-
ra malhar quando não estão sob o efeito dos
mesmos. Em alguns usuários, a dependência
parece se manifestar de forma semelhante à
que ocorre com quem utiliza substâncias psi-
co-ativas, produzindo comportamentos como
a “fissura” que se caracteriza pela necessidade
premente de consumo das substâncias.
P: “Se você parar de usar anabolizante, você
sente falta?”
R: “No começo eu sentia. Quando eu parei
assim, uma, duas semanas, é tipo um vício, tipo
um cigarro. Dizem que cigarro não tem jeito de
parar de fumar e era assim, a gente pensava que
nunca ia deixar de tomar” (fisiculturista, 25
anos).
“Tem cerca de cinco usuários lá que todos os
dias, o dinheiro que pegam é para comprar. Me
lembra muito aquele cara fissurado em cocaí-
na, que pega qualquer dinheiro e vai comprar
um papel seja de que qualidade for. É quase a
mesma coisa (...) usam todo dia e ficam naque-
la fissura, pedem logo a seringa: ‘Vamos logo,
vamos logo. Me dê logo aí que eu tomo essa
pancada’ (gíria usada pelos UDI para se referir
à injeção de drogas)” (Agente comunitário do
CETAD, notas de campo).
Por fim, o compartilhamento de seringas
na aplicação do anabolizante, representa tam-
bém um grande risco para a transmissão de
doenças entre os usuários. A maioria dos infor-
mantes afirmou não compartilhar aparelhos de
injeção e utilizar o serviço de troca de seringas,
IRIART, J. A. B. & ANDRADE, T. M.1386
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(3):1379-1387, set-out, 2002
implantado no bairro pelo programa de redu-
ção de danos do CETAD. Entretanto, o risco do
compartilhamento existe e pode encontrar ter-
reno fértil na crença, manifesta no discurso de
um informante, de que todos os fisiculturistas,
pelo simples fato de investirem muito em seus
corpos, são necessariamente saudáveis. Subja-
cente a este discurso está o imaginário, muito
disseminado, de que a doença é sempre trazida
pelo outro, no presente caso, aquele que não
faz parte do grupo de amigos fisiculturistas.
“Esse lance de dividir seringas, tens uns que
divide” (fisiculturista, 26 anos).
P: “Uma seringa para todo mundo?”.
R: “Prá todo mundo não, mas um, dois, eles
dividem. Mas essa galera que malha é muito di-
fícil de ver esse negócio de doença, de AIDS, isso
é muito difícil. O cara que malha ele gosta mui-
to dele, ele não divide seringa. Mas quando ele
divide, ele sabe que não vai pegar nada. Quan-
do ele divide é porque ele tá com o camarada,
aparece assim: ‘Pô, vamos tomar’, e bota. É mui-
to difícil, o cara que malha assim de ter doença.
Porque todo mundo que malha usa camisinha,
em qualquer relação. Aí não é muito fácil ele pe-
gar essas doenças não” (fisiculturista, 26 anos).
Conclusão
Os dados produzidos neste estudo, documen-
tam o uso indevido de anabolizantes e os da-
nos à saúde causados por essas substâncias,
entre jovens fisiculturistas das classes popula-
res de Salvador. O estudo analisa o consumo
dessas drogas à luz do contexto sócio-cultural
local e das condições psicossociais dos fisicul-
turistas, onde a construção do corpo musculo-
so e a sua exposição pública, constituem-se em
importante instrumento de construção identi-
tária, assumindo também uma função utilitá-
ria relacionada à sexualidade e à inserção no
mercado de trabalho. Os dados apontam a falta
de informação dos jovens entrevistados sobre
a extensão dos danos à saúde decorrentes do
uso de anabolizantes, mostrando que para mui-
tos, o desejo de desenvolver massa muscular e
alcançar um suposto corpo ideal se sobrepõe
ao risco de efeitos colaterais.
Informações que começam a ser coletadas
pelo Programa de Redução de Danos do CE-
TAD, em bairros da periferia de Salvador, per-
mitem supor que a realidade encontrada no
bairro do estudo, provavelmente se repete em
outros locais populares da cidade. O culto ao
corpo, extremamente disseminado na socieda-
de brasileira e refletido na mídia, associado à
desinformação, pode criar condições favorá-
veis ao abuso de anabolizantes tornando-o um
significativo problema de saúde pública, como
vem ocorrendo nos Estados Unidos. Há neces-
sidade de estudos de prevalência que apontem
a magnitude do consumo dessas substâncias,
sobretudo entre os jovens de cidades brasilei-
ras de médio e grande porte. Existem indícios
de que o uso de anabolizantes possa estar ocor-
rendo significativamente também, em acade-
mias de musculação dos bairros de classe mé-
dia, mas estudos qualitativos e quantitativos
são necessários para verificar este fato.
Os resultados indicam a necessidade de se
desenvolver ações culturalmente apropriadas,
voltadas para a prevenção do abuso de anabo-
lizantes pelos jovens fisiculturistas, ou seja,
ações que levem em conta o contexto sócio-
cultural em que ocorre o consumo de anaboli-
zantes e os significados que lhe são associados
pelos usuários.
No que tange à prevenção junto à popula-
ção de usuários no presente estudo, conside-
rando-se o perfil dos fisiculturistas e os com-
portamentos de risco relacionados ao consu-
mo de anabolizantes descritos, sugere-se a ado-
ção dos mesmos princípios e práticas que nor-
teiam as políticas de redução de danos entre os
usuários de substâncias psico-ativas.
Essas incluem, além da orientação e infor-
mação preventiva, a provisão de preservativos,
equipamentos estéreis de injeção e a criação
de serviços de assistência à saúde para essa po-
pulação. O aumento de consumo de anaboli-
zantes nos meses que precedem as festas po-
pulares de verão, aponta para a necessidade de
intensificação das ações preventivas nesse pe-
ríodo do ano.
USO DE ESTERÓIDES ANABOLIZANTES E PERCEPÇÃO DE RISCO 1387
Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1379-1387, set-out, 2002
Referências
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Sports Medicine, 18:557-562.
Agradecimentos
A pesquisa foi parcialmente financiada pelo Ministé-
rio da Saúde (Coordenação Nacional de DST-AIDS)/
Organização Mundial da Saúde, e o primeiro autor
contou com bolsa do Conselho Nacional de Desen-
volvimento Científico e Tecnológico (DCR/CNPq) du-
rante a realização do estudo. Agradecemos também à
colaboração de Jane Montes, Edward MacRae e Beni-
mário Silva.
LISE, M. L. Z.; GAMA-E-SILVA, T. S.; FERIGOLO, M. &
BARROS, H. M. T., 1999. O abuso de esteróides
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Recebido em 13 de junho de 2001
Versão final reapresentada em 20 de fevereiro de 2002
Aprovado em 1 de abril de 2002

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Risco e uso de esteróides entre fisiculturistas

  • 1. 1379 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1379-1387, set-out, 2002 ARTIGO ARTICLE Musculação, uso de esteróides anabolizantes e percepção de risco entre jovens fisiculturistas de um bairro popular de Salvador, Bahia, Brasil Body-building, steroid use, and risk perception among young body-builders from a low-income neighborhood in the city of Salvador, Bahia State, Brazil 1 Instituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia. Rua Padre Feijó 29, Salvador, BA 40110-170, Brasil. iriart@ufba.br 2 Pós-graduação em Medicina e Saúde, Faculdade de Medicina, Universidade Federal da Bahia. Rua Pedro Lessa 123, Salvador, BA 40110-050, Brasil. tarcisio@ufba.br Jorge Alberto Bernstein Iriart 1 Tarcísio Matos de Andrade 2 Abstract Recent studies in different countries have shown an increase in anabolic steroid con- sumption among young people and the harm caused by indiscriminate use. In Brazil, research on steroid abuse is scarce. The present study examines the risk perception of health problems as- sociated with anabolic steroid consumption among young working-class adults engaged in body-building practices in a poor neighborhood in the city of Salvador, Bahia. The methodology involved an anthropological approach based on qualitative research techniques consisting of ethnography, in-depth interviews, and a focus group with steroid users. The data describe the most common substances consumed and highlight the lack of information among interviewees concerning potential related health hazards, showing that for many steroid consumers the quest for muscle-mass development to achieve an idealized body supersedes the risk of harmful side effects. The results indicate the need for culturally sensitive measures to prevent steroid abuse among youth. Key words Substance Abuse; Anabolic Steroids; Exercise; Risk Factors; Anthropology Resumo Estudos recentes em diferentes países têm apontado o aumento do consumo de esterói- des anabolizantes entre jovens fisiculturistas e atletas, e os danos à saúde causados pelo seu uso indiscriminado. No Brasil, estudos sobre o uso de anabolizantes são escassos. No presente traba- lho, examina-se a percepção de risco à saúde, associada ao consumo de anabolizantes, entre jo- vens fisiculturistas de um bairro pobre da cidade de Salvador. A metodologia privilegiou méto- dos de coleta de dados qualitativos tais como etnografia, entrevistas semi-estruturadas e grupo focal com usuários de anabolizantes. Os dados produzidos descrevem as principais substâncias utilizadas e os padrões de uso, e apontam a falta de informação dos jovens entrevistados sobre a extensão dos danos à saúde decorrentes do consumo de anabolizantes, mostrando que para mui- tos, o desejo de desenvolver massa muscular e alcançar o corpo ideal se sobrepõe ao risco de efei- tos colaterais. Os resultados indicam a necessidade de se desenvolver ações culturalmente apro- priadas, voltadas para a prevenção do abuso de anabolizantes junto à essa população. Palavras-chave Abuso de Substância; Esteróides Anabólicos; Exercício; Fatores de Risco; Antro- pologia
  • 2. IRIART, J. A. B. & ANDRADE, T. M.1380 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(3):1379-1387, set-out, 2002 Introdução A crescente valorização do corpo nas socieda- des de consumo pós-industriais – refletida nos meios de comunicação de massa, que expõem como modelo de corpo ideal e de masculinida- de um corpo inflado de músculos – pode estar contribuindo para que um número crescente de jovens envolva-se com o uso de esteróides anabolizantes, na intenção de rapidamente de- senvolver massa muscular (Courtine, 1995). O consumo dessas substâncias, especialmente entre jovens fisiculturistas e atletas, tem sido registrado com freqüência ascendente em vá- rios países (Lise et al., 1999; Nilson, 1995; Perry et al., 1992; Scott et al., 1996) e diversos estu- dos têm documentado os danos à saúde causa- dos pelo seu uso (Evans, 1997; Korkia & Stim- son, 1997; Rich et al., 1999). Nos Estados Unidos, estudo populacional realizado em 1993 estimou em mais de um mi- lhão o número de usuários de anabolizantes (Yesalis et al., 1993). Em relatório recente, o National Institute on Drug Abuse (NIDA, 2001) informa que a porcentagem de estudantes do curso secundário (high school) que utilizou es- tas substâncias cresceu 50% nos últimos qua- tro anos, passando de 1,8% para 2,8. O aumen- to do consumo de suplementos alimentares e anabolizantes nessa população (Durant et al., 1993; Yesalis, 1997) levou o governo norte-ame- ricano a lançar, no ano passado, uma campa- nha nacional para alertar os jovens dos perigos associados à sua utilização (NIDA, 2001). No Brasil, estudos que abordem o uso de anabolizantes são escassos, não existindo da- dos epidemiológicos que indiquem a extensão do consumo dessas substâncias. Alguns indí- cios, no entanto, sugerem que o uso de anabo- lizantes pode estar crescendo entre os jovens pertencentes a diferentes classes sociais, po- dendo representar, em breve, um importante problema de saúde pública. Os meios de comu- nicação de massa têm noticiado com alguma freqüência o consumo dessas substâncias nas academias de musculação, e chamado a atenção para os casos de efeitos colaterais graves decor- rentes de seu uso abusivo (Folha de São Paulo, 2000a, 2000b). Sabe-se ainda, segundo estimati- va do CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), que o consumidor preferencial no Brasil está entre os 18 e 34 anos de idade e, em geral, é do sexo masculino. Nossa atenção para o problema originou-se no trabalho de redução de danos que o CETAD (Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Dro- gas da Universidade Federal da Bahia), vem rea- lizando em bairros populares de Salvador, e que sugere um elevado consumo de diversos tipos de anabolizantes entre jovens fisiculturistas. O termo fisiculturista está sendo aqui utilizado para designar os praticantes de exercícios físi- cos com pesos, que visam a modelagem do corpo através do desenvolvimento de massa muscular (body-building). Nos bairros popula- res, a prática do fisiculturismo se realiza fre- qüentemente em academias de musculação que funcionam em espaços improvisados e equipa- das de forma precária. O alto consumo dessas substâncias entre os fisiculturistas, é atestado pelo grande número de seringas usadas, que são trocadas por esses jovens, junto aos agen- tes comunitários de saúde do CETAD, assim como pelos relatos dos cadernos de campo dos agentes que documentam o padrão de uso des- sas substâncias, e os efeitos colaterais que es- tão produzindo entre os usuários. Este estudo, visa contribuir para a produ- ção de conhecimento sobre o uso de anaboli- zantes entre os jovens fisiculturistas das clas- ses populares de Salvador, buscando fornecer subsídios para projetos de prevenção – assim como para redução dos efeitos nocivos decor- rentes do seu uso – que sejam culturalmente apropriados junto à essa população. Os objeti- vos específicos são: (1) analisar os significados associados à fisicultura e as razões do uso de anabolizantes entre jovens fisiculturistas; (2) descrever as principais substâncias utilizadas, o seu padrão de uso e os efeitos colaterais per- cebidos e (3) analisar a percepção de risco dos usuários. Metodologia O presente estudo aborda o problema do abu- so de esteróides anabolizantes com uma pers- pectiva sócio-antropológica utilizando-se, con- sequentemente, de métodos de pesquisa qua- litativos. A escolha metodológica deve-se ao caráter exploratório do estudo e à necessidade de produzir dados em profundidade sobre o uso dessas substâncias, procurando compreender os fatores sócio-culturais subjacentes à prática da musculação e ao uso de anabolizantes. A pesquisa foi realizada em um bairro po- bre de Salvador, que tem aproximadamente 60 mil habitantes, e cujo nome será omitido para preservar a privacidade dos informantes. As- sim como outros bairros periféricos das gran- des cidades brasileiras, esse possui uma infra- estrutura urbana extremamente precária, ca- racterizada pela presença de esgotos a céu aber- to, ausência de unidades de saúde e áreas de lazer. Somam-se à essa realidade, o alto índice
  • 3. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1379-1387, set-out, 2002 de desemprego da população do bairro e a for- te presença do comércio ilegal de drogas, inti- mamente associada ao aumento da violência urbana. Os dados aqui analisados, foram produzi- dos empregando-se as seguintes técnicas: (1) grupo focal, realizado com dez usuários de ana- bolizantes de uma academia de musculação do bairro; (2) entrevistas em profundidade (semi- estruturadas), realizadas com seis informan- tes-chave (cinco usuários de anabolizantes e um agente de saúde do CETAD), residentes no bairro; (3) relatos transcritos ao longo de dois anos nos diários de campo de dois agentes co- munitários de saúde do CETAD e (4) observa- ção sistemática realizada pelos pesquisadores em uma academia de musculação do bairro. Trata-se de uma academia popular, equipada de forma precária, mas freqüentada regular- mente por cerca de 75 fisiculturistas. Os usuá- rios da academia são jovens das classes popu- lares, na sua grande maioria do sexo masculi- no, com idades que variam de 17 a 37 anos. Eles trabalham sobretudo, no mercado infor- mal como vigilantes, seguranças, guardadores de carro, vendedores ambulantes ou biscatei- ros. Alguns são estudantes e ainda não estão no mercado de trabalho. Para se exercitar na aca- demia, cada fisiculturista paga uma mensali- dade de R$ 5,00. Significados associados à musculação entre fisiculturistas das classes populares A prática da musculação – “malhação” na gíria utilizada pelos fisiculturistas – assume múlti- plos significados no discurso dos jovens entre- vistados. Em suas narrativas sobre as razões que os levaram a começar o trabalho de fisicul- tura, os informantes freqüentemente fazem alusão à admiração neles suscitada pela visão de corpos fortes e musculosos, que passam a ser tomados como modelo de corpo ideal, e ser- vem de estímulo para o início da musculação. “Eu comecei a treinar com 14 anos. Comecei a gostar porque eu via... eu achava bonito a pes- soa com o corpo bem definido...” (fisiculturista, 29 anos). “Um camarada meu me emprestou uma re- vista, eu olhei, nessa revista tinha até Arnold Schwarzenegger, então daí por diante, com me- nos de 18 anos, eu comecei a malhar. Como eu dis- se a você, né, a gente vê uma pessoa forte... e aí me interessou a musculação” (fisiculturista, 33 anos). “Uma vontade que eu tinha de querer ficar forte, criar muitos músculos, dividir o corpo” (fisiculturista, 22 anos). USO DE ESTERÓIDES ANABOLIZANTES E PERCEPÇÃO DE RISCO 1381 Os fisiculturistas utilizam com freqüência em sua narrativa, expressões que remetem ao “desejo de crescer”, “ficar grande”, “ficar forte”, de forma a chamar a atenção das pessoas, atra- vés de um corpo dilatado e com “músculos bem definidos”. Uma análise mais atenta dos termos utilizados pelos informantes sugere, porém, que esses transcendem a idéia de cor- po físico, remetendo a uma vontade de crescer e se fortalecer subjetivamente. Em um contex- to de periferia urbana – marcado pela violên- cia, pelo tráfico de drogas e pelo desemprego – que não proporciona aos jovens muitas pers- pectivas de construir uma identidade positiva, a fisicultura surge como uma possibilidade de construção identitária. Através do trabalho so- bre o corpo, esses jovens buscam uma forma de se destacar na comunidade e de compensar uma baixa auto-estima. Uma dimensão da iden- tidade positiva construída pelos fisiculturistas é a que enfatiza sua condição de atleta. Muito referida nas entrevistas, a percepção de si mes- mo, enquanto atleta, é elemento de sua identi- dade capaz de opor-se à condição de desempre- gados/desocupados em que muitos se encon- tram. O corpo torna-se então, um instrumento privilegiado, por meio do qual a pessoa busca reconstruir o Eu (Self), fortalecendo uma iden- tidade fragilizada. A repercussão externa da imagem corporal projetada, passa a ser extre- mamente valorizada pelos fisiculturistas, que se percebem como possuidores de um corpo modelo, símbolo de masculinidade, admirado e invejado pelos homens, e desejado pelas mu- lheres. “A importância (da musculação) é a gente chegar num lugar e poder botar uma camisinha decotada, tá com os músculos trabalhado, tudo em dia, chegar numa praia e poder botar uma sunga, que tá o corpo todo trabalhado, boniti- nho... (...) o pessoal começa a falar com a gente assim, tipo achar um ídolo, alguma coisa assim: ‘Pô, tá forte, tá bonito, tá beleza’, e param mais pra prestar atenção na gente (...)” (fisiculturis- ta, 22 anos). O aumento dos músculos e a sua manuten- ção, tornam-se uma obsessão para os fisicultu- ristas, que competem entre si, comparando suas medidas de braços e pernas e passando a não poupar esforços para atingir um corpo ideal. O culto ao corpo se traduz em um inves- timento narcísico que aparece bem evidencia- do no discurso dos informantes, onde se enfa- tiza o prazer na admiração do próprio corpo em frente ao espelho: “Rapaz, a gente passa a amar nosso corpo, a gostar dele, se olha no espelho com... se achan- do.... você se gosta mais ainda. Porque você olha
  • 4. IRIART, J. A. B. & ANDRADE, T. M.1382 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(3):1379-1387, set-out, 2002 pra sua perna e vê sua perna grossa, você olha pra seu peito e vê seu peito grande, olha pra seus bíceps e vê eles aumentando, então você passa assim, não vou dizer adorar, mas a se amar mais ainda, se cuidar mais ainda” (fisiculturis- ta, 33 anos). É presente no discurso dos informantes, uma freqüente insatisfação com suas medidas corporais, por maiores que essas sejam, o que remete à existência de uma dicotomia entre o corpo real e o corpo ideal. Se o corpo represen- ta o envelope do sujeito subjetivamente cons- tituído, entre os nossos informantes, a hiância entre o somático e o psíquico parece aumenta- da. Esse fato está expresso no próprio ato de malhar, onde a relação não é mais com o corpo como um todo, mas com partes do mesmo. Tra- balha-se individualmente os braços, as pernas, o peito e às vezes apenas determinados grupos musculares; fala-se em corpo dividido, e se es- tabelece parâmetros para cada parte. O corpo é investido de uma função instrumental, tor- nando-se um corpo para ser visto e voltado pa- ra o consumo. Para muitos desses jovens fisi- culturistas, essa função instrumental do corpo toma a forma de um investimento profissional, no qual a posse de um corpo musculoso au- menta as chances de conseguir colocação no mercado de trabalho como seguranças e vigi- lantes. Para outros, a exibição do corpo malha- do nas festas populares da cidade, torna-se uma forma de atrair clientes homossexuais, que pa- gam aos fisiculturistas por seus serviços, exa- cerbando seu papel instrumental como fonte de renda. Substâncias utilizadas, padrões de uso e razões para o consumo de anabolizantes entre os fisiculturistas Os esteróides anabólico-androgênicos, comu- mente chamados simplesmente de anaboli- zantes, são substâncias sintetizadas em labora- tório, relacionadas aos hormônios masculinos (androgênios). Essas substâncias aumentam a síntese protéica, a oxigenação e o armazena- mento de energia resultando em incremento da massa muscular e de sua capacidade de tra- balho. Na gíria popular, os anabolizantes são vulgarmente conhecidos pelo nome de “bom- ba” (em referência ao efeito de inchaço muscu- lar por eles produzido), e é também comum que fisiculturistas sejam chamados pejorativamen- te de “bombados”. Cerca de 25 substâncias, a maioria esterói- des anabólico-androgênicos, foram menciona- das pelos sujeitos da pesquisa como sendo uti- lizadas nas academias freqüentadas por eles. Essa relação também inclui hormônios femini- nos, usados de forma isolada ou em combina- ção com androgênios, e também produtos ve- terinários, a exemplo de complexos vitamíni- cos e antiparasitários. Entre os esteróides an- drogênicos, os mais utilizados são: Durateston (Testosterona), Stradon P (Testosterona + Es- tradiol) e Deca-durabolim (Nandrolona). Os hormônios femininos mais mencionados pelos informantes foram os anovulatórios Uniciclo (Algestona e Estradiol) e Premarim. O baixo po- der aquisitivo dos fisiculturistas dos bairros po- pulares, leva à opção pelos produtos mais ba- ratos, incluindo nessa categoria os de uso vete- rinário. Entre esses, os mais freqüentemente mencionados foram o ADE (vitaminas A, D e E), Potenai (complexo vitamínico à base de vitami- na B) e o antiparasitário Ivomec (Ivermectina). Os dados coletados revelam que o consumo de anabolizantes tem início logo após os pri- meiros meses de contato dos iniciantes com os colegas de musculação na academia. A consta- tação de que companheiros, que iniciaram as atividades físicas na academia à mesma época, conseguiram desenvolver massa muscular con- sideravelmente maior, no mesmo tempo de prá- tica, leva os novatos a procurar informações sobre as razões desse fato. A escuta e participa- ção nas conversas entre os fisiculturistas vete- ranos, onde o uso de anabolizantes é um tema muito freqüente, cria a curiosidade e facilita a inserção do iniciante nos meandros de seu con- sumo. P: “Como uma pessoa se inicia no uso de anabolizantes?” R: “Primeiro é... tá vendo a pessoa que tá lá, com mais tempo de academia, aí vai se chegan- do, procurando saber como a pessoa tá forte... Aí, procura saber como é pra ficar forte rápido, em dois, três meses ficar... aumentar o peso ra- pidamente, aí o colega vai e ensina. Diz a ele. Ele procura saber o nome, a gente dá o nome, ele vai lá e compra. (...) quando eles perguntam co- mo é que toma, tudo, a gente explica tudo direi- tinho a eles, como é que toma, como a gente to- mou né” (fisiculturista, 22 anos). A impaciência com o tempo necessário pa- ra o desenvolvimento da massa muscular com o exercício físico isoladamente, não se restrin- ge, no entanto, aos iniciantes. Os veteranos tam- bém referem não se contentar com a lentidão do crescimento muscular, e com os minguados resultados obtidos por meio de uma suada mus- culação destituída de ajuda química. O anabo- lizante é visto então, como uma droga podero- sa que permite ao organismo trabalhar mais ra- pidamente, proporcionando resultados quase
  • 5. USO DE ESTERÓIDES ANABOLIZANTES E PERCEPÇÃO DE RISCO 1383 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1379-1387, set-out, 2002 mágicos, e recompensando imediatamente o suor despendido na malhação. “É pra ter o resultado rápido, né, chegar rá- pido ao nosso objetivo, que é ficar forte, criar massa muscular, ganhar peso. A gente toma pra chegar rápido lá. Uma Decadurabolim mistu- rada com Estradon-P, ela dá um desenvolvi- mento corporal bastante excessivo, chega ao ponto de aumentar um quilo e meio a dois qui- los por semana, certo?” (fisiculturista, 29 anos). “O efeito positivo é que eu tava com mais ou menos 37, 38 centímetros de braço, né? Aí foi pra 40, 42 centímetros. Aí fica todo mundo surpreso, aquele negócio, você nem acredita quando você se olha no espelho e você se vê forte” (fisicultu- rista, 22 anos). As substâncias são usadas em dosagem e freqüência variáveis, determinadas pelo maior ou menor imediatismo dos fisiculturistas na aquisição de forma física desejada, pelo nível de conhecimento dos mesmos sobre essas subs- tâncias, pelas experiências pregressas em rela- ção aos seus efeitos colaterais e pelos recursos disponíveis para a aquisição dos produtos. Os ciclos sistemáticos do tipo pirâmide des- critos na literatura, em que o usuário utiliza do- ses crescentes até o final da segunda ou tercei- ra semana, seguidas por doses decrescentes, por igual período, até o final do ciclo (NIDA, 2001), não foram observados nos dados coletados neste trabalho. O uso referido acontece de for- ma irregular, algumas vezes contínuo, quase diário ou com intervalos maiores, com inter- rupções motivadas pelos efeitos colaterais, e retorno ao uso pela falta de motivação para malhar e insatisfação com as formas corpóreas na ausência do uso de anabolizantes. Coque- téis à base de dois ou três esteróides androgê- nicos e ADE, são freqüentemente preparados e compartilhados pelos atletas: “O ADE vem num frasco de 50ml. A gente pega o frasco de ADE, ti- ra 25ml e guarda em outro frasco, e dentro da- quele 25ml de ADE a gente coloca 5ml de Dura- teston, coloca 10ml de Androgenol e coloca 5 Primabolan, aí mistura tudo no mesmo frasco e toma” (fisiculturista, 26 anos). Associado ao imediatismo de resultados, presente no discurso dos informantes, encon- tra-se a firme suposição da impossibilidade de atingir o “corpo ideal”, que se caracteriza não apenas pela massa muscular, mas também pe- lo delineamento dos músculos, sem o auxílio dos anabolizantes. “Ver alguém ‘empenado’ naturalmente, só com produtos naturais, ficar com o corpão enor- me, todo definido, todo gigante, tem condições? Não existe! Tem que ter muito produto químico dentro do corpo!” (fisiculturista, 27 anos). Os informantes não referem limitação da oferta dos produtos utilizados, relatando ser fácil a sua aquisição, tanto nas farmácias quan- to nas casas de produtos veterinários. Os pro- dutos importados, como o Winstrol (Stanazo- lol), por serem mais caros, são mais cortejados pelos fisiculturistas. A via de administração mais freqüentemente utilizada é a injetável, preferida pelos informantes por ser a mais ba- rata e produzir um efeito imediato, embora, entre os produtos mencionados na pesquisa, alguns são disponíveis no mercado apenas pa- ra uso oral. “Praticamente, eu gosto mais de tomar é a injetável. O efeito bate logo. Aqui, em geral, nin- guém tem condição de comprar o de uso oral, pois os melhores são a partir de vinte reais” (fi- siculturista, 33 anos). O culto ao corpo musculoso, que estimula a competição entre os freqüentadores da acade- mia pela escolha do mais forte, do que tem os músculos mais bem definidos ou de quem tem o corpo que atrai mais atenção nas ruas, con- tribui para o aumento do consumo de anaboli- zantes. Esse consumo atinge seu ápice nos me- ses que antecedem o carnaval, mais precisa- mente a partir do mês de outubro, quando os fisiculturistas se preparam para o ciclo de fes- tas populares de verão. Nesse período, os atle- tas intensificam o treinamento e partilham os custos dos coquetéis de anabolizantes. O obje- tivo é estar com o corpo bem desenvolvido pa- ra ser exibido no verão. Efeitos colaterais e percepção de risco entre os usuários de anabolizantes Os múltiplos e freqüentes efeitos colaterais re- lacionados ao uso de anabolizantes têm sido amplamente descritos na literatura. Esses vão, desde as alterações orgânicas provocadas pelas próprias características farmacológicas dos produtos utilizados – a grande maioria deles relacionados com o hormônio masculino tes- tosterona – habitualmente em doses muito além das fisiologicamente manejáveis pelo or- ganismo; às infecções de transmissão sangüí- neas pelo uso de equipamentos não estéreis de injeção, até os traumas locais relacionados com aplicação incorreta desses produtos. Embora seja difícil comprovar a relação causal do uso de anabolizantes e infarto agudo do miocárdio, fatores de risco como dislipidemia, alteração nos fatores da coagulação e hipertrofia do mio- cárdio relacionados ao uso desses produtos, têm sido registrados na literatura (Kennedy & Lawrence, 1993). Outros importantes efeitos
  • 6. IRIART, J. A. B. & ANDRADE, T. M.1384 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(3):1379-1387, set-out, 2002 colaterais, associados ao uso de anabolizantes, descritos na literatura são a atrofia testicular, a ginecomastia e a hipertensão arterial (Korkia & Stimson, 1997). Entre as complicações decor- rentes do uso de equipamentos de injeção não esterilizados estão os abcessos cutâneos (Rich et al., 1999), a infecção pelo HIV, pelos vírus das Hepatites B e C e por outros agentes de transmissão parenteral. De maneira geral, os fisiculturistas entre- vistados não demonstram bom nível de infor- mação sobre os danos causados à saúde pelos anabolizantes que utilizam. Os conhecimentos que possuem sobre esses produtos, muitas ve- zes, não guardam relação com as suas proprie- dades farmacológicas. As informações sobre os efeitos colaterais são sobretudo oriundas da experiência pessoal, da observação de colegas da academia e dos relatos de casos vivenciados por amigos ou conhecidos, nos quais o uso des- sas substâncias acarretou sintomas graves. Os sintomas menores e temporários tais como ce- faléia, náuseas, tonturas, irritabilidade, acne, fe- bre e aumento dos pêlos corpóreos, com o tem- po, passam a ser percebidos pelos usuários de anabolizantes como normais. Não transparece no discurso dos entrevistados, preocupação com os possíveis efeitos a longo prazo que o uso contínuo dessas substâncias possa produzir. “A gente toma em uma segunda, quando é na terça a gente já sente febre, dor de cabeça, aqueles efeitos colaterais... a primeira vez que eu tomei eu fiquei com medo. Depois, todo mundo dizia que dava febre mesmo, dava dor de cabeça, eu acabei me acostumando e achan- do normal quando eu tomava” (fisiculturista, 29 anos). Entre os iniciantes, que ainda não possuem bagagem empírica no uso de anabolizantes, a desinformação quanto aos seus efeitos sobre a saúde é ainda maior. No afã de rapidamente hi- pertrofiar seus músculos e sem consciência do risco que incorrem, eles muitas vezes exage- ram nas doses injetadas, na expectativa de po- tencializar seu efeito. “Tem muitos caras (iniciantes) aí que a gente explicou: ‘Tem que tomar tanto, tomar 1ml, 2ml’. Só que eles pensam que se tomar 5ml eles ficam mais rápido ainda. Aí acaba tomando 5ml, co- mo tem um caso lá recente, que um colega to- mou parece que foi 10ml de ADE, um negócio que pra cada 50kg tem que tomar 1ml, o animal, um cavalo. Aí ele tomou 10ml e parou no hospi- tal, teve convulsão” (fisiculturista, 22 anos). Muitos informantes fizeram referência às alterações no desempenho sexual e redução do volume de esperma provocado pelo uso dos anabolizantes. Esses sintomas, porém, são tra- tados com aparente naturalidade e não levam à interrupção do uso das substâncias. Os fisi- culturistas veteranos demonstram ter mais consciência dos riscos à saúde, presentes no consumo de anabolizantes. Eles referem, em seu discurso, vários efeitos colaterais como complicações locais associados à aplicação dos produtos, problemas renais, atrofia muscular atribuída ao uso de Ivermectina (Ivomec), ton- turas e desmaios secundários ao uso de ADE e até mesmo infarto agudo do miocárdio. O conhecimento do risco potencial e dos danos sofridos por outrem, não se transforma necessariamente, porém, em ação preventiva, por diversas razões. Primeiro, o desejo de fazer crescer a massa muscular e alcançar o corpo ideal, se sobrepõe ao risco potencial. Em se- gundo lugar, o fisiculturista percebe o risco co- mo uma “aventura”, assegurando-se, na ilusão do pensamento mágico, de que o problema nunca irá acontecer com ele. “Todo mundo que começa a tomar esses ne- gócios sabe que corre o risco de não dar certo né, de parar em um hospital, alguma coisa assim. Mas a gente acaba arriscando e tomando” (fisi- culturista, 22 anos). P: “Qual o risco que você acha que corre?” R: “O risco que corre é da gente ter um abces- so. Tem um colega que teve um abcesso, teve que abrir o braço pra tirar, teve um colega que per- deu a perna tomando injeção localizada na perna. Esses riscos todo a gente sabe que pode acontecer com um da gente. P: E como é que vo- cês lidam com esse risco? R: É aquele tipo, aven- tura. Você pensa: ‘Ah, vou aventurar. Comigo não acontece’. Aí você vê que todo mundo pensa assim” (fisiculturista, 22 anos). A consciência do risco, presente no discur- so de nossos entrevistados mostra-se frágil e fugaz. A ocorrência de algum caso de efeito co- lateral grave, decorrente do uso de anabolizan- tes na rede de relações dos usuários ou mesmo noticiado na mídia, causa um impacto apenas temporário na percepção do risco dos fisicul- turistas: “Logo quando acontece assim (algum caso grave de efeito colateral) a gente fica com medo: ‘Não, eu vou parar, não vou tomar mais’, aquele negócio todo, pensa que se conscienti- zou, mas passa dois, três meses, a poeira baixa, aí todo mundo começa de novo” (fisiculturista, 22 anos). P: “Sempre correndo esse risco por causa do corpo, pra manter o corpo?” R: “Com certeza. Corre esse risco pra manter o corpo forte, manter a massa muscular” (fisi- culturista, 22 anos). A certeza de que problemas de saúde mais graves, subseqüentes ao uso de anabolizantes,
  • 7. USO DE ESTERÓIDES ANABOLIZANTES E PERCEPÇÃO DE RISCO 1385 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1379-1387, set-out, 2002 nunca acontecerá com o usuário se reafirma a partir de sua experiência pessoal. O fato dele nunca ter percebido sintomas mais graves e conhecer pessoas, que apesar do alto consu- mo, nunca manifestaram maiores problemas associados ao uso dos esteróides anabolizan- tes, faz com que o usuário confie em que é pos- sível utilizar essas substâncias sem comprome- ter a saúde. “Eu penso assim, eu sei o que eu tô fazendo, né, eu sei que aquilo ali prejudica minha saúde. Eu tô tomando, mais sei que eu posso morrer naquela hora ali” (fisiculturista, 29 anos). P: “Mas você prefere continuar?” R: “Mas eu prefiro continuar... Eu acho que com fé em Deus não vai acontecer nada comigo. Até agora eu tô tranqüilo. Até agora eu não senti nada. É até pra eu fazer uma lavagem no orga- nismo porque eu tô nessas drogas e nunca acon- teceu nada comigo” (fisiculturista, 29 anos). É comum entre os fisiculturistas entrevista- dos, a referência a diferentes estratégias para lidar com risco associado ao uso de anaboli- zantes, de forma a minorá-lo. Alguns informan- tes afirmam que não se sentem muito em risco porque seguem um padrão de utilização de ana- bolizantes que eles consideram mais seguro. Esse padrão de uso apresenta algumas va- riações segundo cada usuário, e incorpora di- ferentes estratégias percebidas como proteto- ras. Entre essas, encontra-se a procura por aplicação da injeção de anabolizantes por ami- gos, parentes ou colegas que tenham algum curso de enfermagem ou experiência nessa prática, o que diminuiria os riscos de uma apli- cação mal feita. Foi também citado como es- tratégia protetora por alguns, a precaução na ingestão de coquetéis, onde diferentes tipos de anabolizantes são misturados, assim como a diminuição das doses e aumento do intervalo entre uma aplicação e outra. “Eu mesmo tomo, mas eu tomo controlada- mente, tomo duas vezes por mês, eu não sou igual aos outros colegas que tomam toda sema- na, duas, três por semana, não sabendo o efeito depois” (fisiculturista, 27 anos). É importante ressaltar, no entanto, que al- gumas dessas estratégias protetoras não pos- suem embasamento científico ou são realiza- das de forma incorreta ou pouco sistemática, o que reduz sua eficácia. É o caso, por exemplo, da muito citada prática de, periodicamente, realizar uma limpeza intestinal através da in- gestão de chás e purgantes que purificariam o organismo e, supostamente, o prepararia para melhor receber novas doses de anabolizantes. Todavia, isto não possui respaldo nas caracte- rísticas farmacológicas dos produtos utilizados. “Eles tomam limonada Bezerra, Purgoleite. São medicamentos que eu acho que existem prá lavar o organismo, o intestino. Eles acham que tá tirando a sujeira” (Agente comunitário do CETAD). P: “Que influência isso tem depois, no uso do anabolizante?” R: “Eles acham que tão aptos a usar mais, que limpou, lavou tudo, e aí começa a fazer no- vamente o uso. (...) Isso quer dizer que o corpo tá preparado pra receber... vai fazer mal, mas ele vai resistir”. P: “O corpo fica mais forte, então?” R: “Exatamente. Ficou com menos sujeira” (Agen- te comunitário do CETAD). É importante também, para compreender a percepção de risco dos usuários de anabolizan- tes, levar em conta os seus possíveis efeitos psi- co-fármacológicos. Várias publicações científi- cas têm chamado a atenção para mudanças de humor, aumento da agressividade e dependên- cia psíquica entre os usuários, durante o perío- do de utilização dessas substâncias (Choi & Po- pe Jr., 1994; Kleinman, 1990; Lise et al., 1999). No presente estudo, os informantes relataram dificuldade em deixar de usar anabolizantes, referindo sentir desânimo e falta de energia pa- ra malhar quando não estão sob o efeito dos mesmos. Em alguns usuários, a dependência parece se manifestar de forma semelhante à que ocorre com quem utiliza substâncias psi- co-ativas, produzindo comportamentos como a “fissura” que se caracteriza pela necessidade premente de consumo das substâncias. P: “Se você parar de usar anabolizante, você sente falta?” R: “No começo eu sentia. Quando eu parei assim, uma, duas semanas, é tipo um vício, tipo um cigarro. Dizem que cigarro não tem jeito de parar de fumar e era assim, a gente pensava que nunca ia deixar de tomar” (fisiculturista, 25 anos). “Tem cerca de cinco usuários lá que todos os dias, o dinheiro que pegam é para comprar. Me lembra muito aquele cara fissurado em cocaí- na, que pega qualquer dinheiro e vai comprar um papel seja de que qualidade for. É quase a mesma coisa (...) usam todo dia e ficam naque- la fissura, pedem logo a seringa: ‘Vamos logo, vamos logo. Me dê logo aí que eu tomo essa pancada’ (gíria usada pelos UDI para se referir à injeção de drogas)” (Agente comunitário do CETAD, notas de campo). Por fim, o compartilhamento de seringas na aplicação do anabolizante, representa tam- bém um grande risco para a transmissão de doenças entre os usuários. A maioria dos infor- mantes afirmou não compartilhar aparelhos de injeção e utilizar o serviço de troca de seringas,
  • 8. IRIART, J. A. B. & ANDRADE, T. M.1386 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(3):1379-1387, set-out, 2002 implantado no bairro pelo programa de redu- ção de danos do CETAD. Entretanto, o risco do compartilhamento existe e pode encontrar ter- reno fértil na crença, manifesta no discurso de um informante, de que todos os fisiculturistas, pelo simples fato de investirem muito em seus corpos, são necessariamente saudáveis. Subja- cente a este discurso está o imaginário, muito disseminado, de que a doença é sempre trazida pelo outro, no presente caso, aquele que não faz parte do grupo de amigos fisiculturistas. “Esse lance de dividir seringas, tens uns que divide” (fisiculturista, 26 anos). P: “Uma seringa para todo mundo?”. R: “Prá todo mundo não, mas um, dois, eles dividem. Mas essa galera que malha é muito di- fícil de ver esse negócio de doença, de AIDS, isso é muito difícil. O cara que malha ele gosta mui- to dele, ele não divide seringa. Mas quando ele divide, ele sabe que não vai pegar nada. Quan- do ele divide é porque ele tá com o camarada, aparece assim: ‘Pô, vamos tomar’, e bota. É mui- to difícil, o cara que malha assim de ter doença. Porque todo mundo que malha usa camisinha, em qualquer relação. Aí não é muito fácil ele pe- gar essas doenças não” (fisiculturista, 26 anos). Conclusão Os dados produzidos neste estudo, documen- tam o uso indevido de anabolizantes e os da- nos à saúde causados por essas substâncias, entre jovens fisiculturistas das classes popula- res de Salvador. O estudo analisa o consumo dessas drogas à luz do contexto sócio-cultural local e das condições psicossociais dos fisicul- turistas, onde a construção do corpo musculo- so e a sua exposição pública, constituem-se em importante instrumento de construção identi- tária, assumindo também uma função utilitá- ria relacionada à sexualidade e à inserção no mercado de trabalho. Os dados apontam a falta de informação dos jovens entrevistados sobre a extensão dos danos à saúde decorrentes do uso de anabolizantes, mostrando que para mui- tos, o desejo de desenvolver massa muscular e alcançar um suposto corpo ideal se sobrepõe ao risco de efeitos colaterais. Informações que começam a ser coletadas pelo Programa de Redução de Danos do CE- TAD, em bairros da periferia de Salvador, per- mitem supor que a realidade encontrada no bairro do estudo, provavelmente se repete em outros locais populares da cidade. O culto ao corpo, extremamente disseminado na socieda- de brasileira e refletido na mídia, associado à desinformação, pode criar condições favorá- veis ao abuso de anabolizantes tornando-o um significativo problema de saúde pública, como vem ocorrendo nos Estados Unidos. Há neces- sidade de estudos de prevalência que apontem a magnitude do consumo dessas substâncias, sobretudo entre os jovens de cidades brasilei- ras de médio e grande porte. Existem indícios de que o uso de anabolizantes possa estar ocor- rendo significativamente também, em acade- mias de musculação dos bairros de classe mé- dia, mas estudos qualitativos e quantitativos são necessários para verificar este fato. Os resultados indicam a necessidade de se desenvolver ações culturalmente apropriadas, voltadas para a prevenção do abuso de anabo- lizantes pelos jovens fisiculturistas, ou seja, ações que levem em conta o contexto sócio- cultural em que ocorre o consumo de anaboli- zantes e os significados que lhe são associados pelos usuários. No que tange à prevenção junto à popula- ção de usuários no presente estudo, conside- rando-se o perfil dos fisiculturistas e os com- portamentos de risco relacionados ao consu- mo de anabolizantes descritos, sugere-se a ado- ção dos mesmos princípios e práticas que nor- teiam as políticas de redução de danos entre os usuários de substâncias psico-ativas. Essas incluem, além da orientação e infor- mação preventiva, a provisão de preservativos, equipamentos estéreis de injeção e a criação de serviços de assistência à saúde para essa po- pulação. O aumento de consumo de anaboli- zantes nos meses que precedem as festas po- pulares de verão, aponta para a necessidade de intensificação das ações preventivas nesse pe- ríodo do ano.
  • 9. USO DE ESTERÓIDES ANABOLIZANTES E PERCEPÇÃO DE RISCO 1387 Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 18(5):1379-1387, set-out, 2002 Referências CHOI, P. Y. & POPE Jr., H. G., 1994. Violence toward women and illicit androgenic-anabolic steroid use. Annals of Clinical Psychiatry, 6:21-25. COURTINE, J. J., 1995. Os Stakhanovistas do narcisis- mo: Body-building e puritanismo ostentatório na cultura americana. In: Políticas do Corpo (D. B. Sant’Anna, org.), pp. 39-48, São Paulo: Estação Li- berdade. DURANT, R. H.; RICKERT, V. I.; ASHWORTH, C. S.; NEWMAN, C. & SLAVENS, G., 1993. Use of multi- ples drugs among adolescents who use anabolic steroids. New England Journal of Medicine, 328: 922-926. EVANS, N., 1997. Gym and tonic: Profile of 100 male steroid users. British Journal of Sports Medicine, 31:54-58. FOLHA DE SÃO PAULO, 2000a. Anabolizante leva à internação psiquiátrica. Folha de São Paulo, São Paulo, 29 out., Caderno Cotidiano, p. C4. FOLHA DE SÃO PAULO, 2000b. Pesquisa mostra nú- meros do doping em academias paulistas. Folha de São Paulo, São Paulo, 11 nov., Caderno Espor- tes, p. D10. KENNEDY, M. C. & LAWRENCE, C., 1993. Anabolic steroid abuse and cardiac death. Medical Journal of Australia, 15:346-348. KLEINMAN, C. C., 1990. Forensic issues arising from the use of anabolic steroids. Psychiatric Annals, 20:219-221. KORKIA, P. & STIMSON, G. V., 1997. Indication of prevalence, practice and effects of anabolic steroid use in Great Britain. International Journal of Sports Medicine, 18:557-562. Agradecimentos A pesquisa foi parcialmente financiada pelo Ministé- rio da Saúde (Coordenação Nacional de DST-AIDS)/ Organização Mundial da Saúde, e o primeiro autor contou com bolsa do Conselho Nacional de Desen- volvimento Científico e Tecnológico (DCR/CNPq) du- rante a realização do estudo. Agradecemos também à colaboração de Jane Montes, Edward MacRae e Beni- mário Silva. LISE, M. L. Z.; GAMA-E-SILVA, T. S.; FERIGOLO, M. & BARROS, H. M. T., 1999. O abuso de esteróides anabólico-androgênicos em atletismo. Revista da Associação Médica Brasileira, 45:1-11. NILSON, S., 1995. Androgenic anabolic steroid use among male adolescents in Falkenberg. European Journal of Clinical Pharmacology, 48:9-11. PERRY, H. M.; WRIGHT, D. & LITTLEPAGE, B. N., 1992. Dying to the big: A review of anabolic steroid use. British Journal of Sports Medicine, 26:259- 261. RICH, J. D.; DICKINSON, B. P.; FELLER, A.; PUGATCH, D. & MYLONAKIS, E., 1999. The infectious com- plications of anabolic-androgenic steroids injec- tion. International Journal of Sports Medicine, 20:563-566. SCOTT, D. M.; WAGNER, C. J. & BARLOW, T. W., 1996. Anabolic steroid use among adolescents in Ne- braska schools. American Journal of Health-Sys- tem Pharmacy, 53:2068-2072. NIDA (The National Institute on Drug Abuse), 2001. Research Report Series. Anabolic Steroids Abuse. Washington, DC: NIDA. YESALIS, C. E., 1997. Trends in anabolic-androgenic steroid use among adolescents. Archives of Pedi- atrics and Adolescent Medicine, 151:1197-1206. YESALIS, C. E.; KENNEDY, J. C.; KOPSTEIN, N. A. & BAHRKE, M. S., 1993. Anabolic-androgenic steroid use in the United States. JAMA, 270:1217-1221. Recebido em 13 de junho de 2001 Versão final reapresentada em 20 de fevereiro de 2002 Aprovado em 1 de abril de 2002