A conversa com Mariana Domitila aborda três tópicos principais: 1) a influência de Sorocaba e São Paulo em sua vida e carreira, 2) as saúdes mais descuidadas na sociedade atual, que são a espiritual e intelectual, e 3) as surpresas e semelhanças encontradas entre Montevidéu e o que esperava da cidade.
1. # 43 – agosto 2014
Conversafiada com Mariana Domitila
“Nossa principal doença é espiritual e intelectual”
ariana Domitila é jornalista, mestre
em Comunicação e Cultura, técnica
em Moda e especialista em
Programação Neurolinguística. Em sua última
viagem por Montevidéu, ministrou duas
palestras na Casa do Brasil e teve este franco
diálogo com o JornalDaCasa.
- Você nasceu em Sorocaba, mas já morou
em São Paulo. Que influências daqueles
lugares reconhece em você mesma?
- Nasci em Itu – outra cidade do Estado de
São Paulo. Fui para Sorocaba aos 14, quando
meu pai começou a trabalhar numa empresa
situada lá. Desde então Sorocaba também
faz parte do meu coração, pois nela fiz
grandes amigos, trabalhos e escrevi belas e
significativas histórias! Nunca morei em São
Paulo, mas faço vários trabalhos por lá.
Treinamentos em empresas, escolas e
agencias de recursos humanos. Também tive
algumas clientes de consultoria de imagem
pessoal lá.
- O que é que a São Paulo Fashion Week tem,
e só ela tem?
- O São Paulo Fashion Week é um evento
Nacional, realizado desde 1996 (no início era
chamado de Morumbi Fashion) , organizado
pelo produtor de moda Paulo Borges. É
considerado o maior evento de Moda do
Brasil e o mais importante da América Latina.
Esse evento trouxe transformações
significativas para o mercado da moda
brasileira, uma vez que apresentou e
disseminou marcas famosas como Chanel,
Versace e Gucci.
- O uruguaio entende de moda?
- Sim! Percebo que o país tem eventos,
revistas, blogs e marcas de muito bom gosto!
Em minha opinião, os uruguaios sabem fazer
um belo e especial mix de tendências de
moda internacional com estilos derivados da
cultura uruguaia e suas regionalidades.
JornalDaCasa é uma publicação de CasaDoBrasil | Editor: Leonardo Moreira
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M
2. # 41 – julho 2014
Ou seja, sabem seguir e brincar com as
tendências de moda, de forma criativa e
ousada, sem perder ou deixar de lado o estilo
forte e marcante uruguaio. Basta dar uma
olhada pelas ruas de Montevideo, por
exemplo, para deparar-se com mulheres e
homens bem arrumados e descolados indo e
vindo trabalhar, estudar e passear. Gosto das
echarpes e dos lenços uruguaios – eles têm
estampas maravilhosas que seguem o estilo
uruguaio de forma exemplar. Quando vou à
Montevideo rendo-me ao consumo e trago
vários para casa! Uso um em cada dia e
ocasião. Muitos amigos percebem a diferença
e sempre me questionam – Onde comprou
essa echarpe? Onde encontro dessa
estampa? Nossa que legal é diferente! Enfim,
chama a atenção. Também gosto dos sapatos
que são confortáveis e exóticos.
- Analisando a imagem pessoal de nossos
presidentes, Dilma Rousseff e José Mujica,
quais você considera que são seus atributos
mais poderosos e quais você mudaria neles?
- Dilma Rousseff segue o estilo e imagem já
construída e fortalecida pelo presidente
anterior, Lula – formal flexível (formalidade
sem excesso). Percebemos que o estilo é
formal buscando gerar credibilidade. O
vermelho é predominante nas roupas e
detalhes.
A postura dela é muito similar a de Lula,
porém, traz a característica feminina
diferenciada, revolucionaria, mas infelizmente
ora ou outra, neutra demais em
determinadas situações. O Brasil tinha uma
imagem da Dilma diferente no passado. Sua
história na política é marcante e justamente
isso influencia no que ela é e procura ser e
mostrar hoje.
Já José Mujica, diferente de Dilma e Lula,
manteve a imagem de simples, sem ser
despreocupado, na aparência e na postura.
Procurou não alterar hábitos antigos devido à
posição da presidência. Também não mexeu
no visual encaixando-se naquele padrão
formalizado que estamos tão acostumados a
ver. Ele procura mostrar que não mudou seus
pensamentos e atitudes. Mesmo que ora ou
outra, os uruguaios percebam que sim!
Ambos trabalham suas imagens pessoais de
forma estratégica. Isso não se pode negar.
Ambos têm assessores. Atualmente em
política tudo tem um porquê. Toda e qualquer
fala ou gesto ou atitude. Toda e qualquer
vestimenta ou expressão.
- Na sua primeira palestra na Casa do Brasil,
você dissertou sobre as 8 saúdes
fundamentais para o desenvolvimento
pessoal e profissional. Em qual você acha
que a maioria está mais doente e como
“curar-se”?
- As oito saúdes fundamentais são na
verdade as dimensões de nossas vidas. Uma
vida saudável precisa equilibrar cada uma
dessas dimensões. Não tem como estar bem
realmente, se sua dimensão, ou saúde
familiar, por exemplo, não vai bem. O que
importará ser um profissional de sucesso se
a saúde física não estiver em dia também? O
que adiantará estar bem emocionalmente, se
financeiramente não consegue se sustentar?
Enfim, se uma das dimensões estiver
descuidada teremos ora ou outra problemas
no dia a dia e principalmente nos projetos de
vida e seus andamentos. Temos objetivos e
metas. Precisamos traça-los, mas de forma
flexível e reflexiva. Organizar-se entre
atividades pessoais e profissionais. Reservar
um tempo para você e você. Ficar e gostar de
ficar com você. Conhecer-se. A chave está aí.
No autoconhecimento. Quanto mais nos
conhecemos, mais entendemos como
funcionamos diante tantas situações e mais
dominamos as diversas e possíveis formas de
lidar bem com elas.
Sobre as saúdes mais descuidadas ou
doentes em nossa sociedade, ou seja,
aquelas que geralmente estão descuidadas
ou doentes na vida da maioria das pessoas,
seriam a saúde espiritual e intelectual.
A saúde espiritual, aquela que é
Independente da crença religiosa, busca
cuidar da espiritualidade, o que é sempre
bom. Ansiedade e angústia são sintomas de
que algo não anda bem e que um pouco mais
de atenção está sendo cobrada. Atualmente
as pessoas estão sempre correndo,
trabalhando, consumindo, descartando,
tentando poupar tempo para ter mais tempo
e sempre se encontram sem tempo. Ou seja,
a sociedade pós-moderna e sua era da
informação estão a cada dia cobrando mais e
3. # 41 – julho 2014
mais das pessoas sem que elas percebam.
Assim, doenças emocionais, como
depressão, síndrome do pânico e toques são
os mais frequentes, justamente pelo fato de
muitas pessoas não saberem quem são,
onde estão e para onde vão! Algo que deveria
ser claro dentro de cada um de nós. Que tal
passar um tempo cuidando disso todos os
dias? Meditar, praticar ioga ou até mesmo
tirar um tempo para refletir sobre a vida são
maneiras de cuidar dessa saúde.
Quanto à saúde intelectual, aquela onde o
sujeito está com excesso de cansaço,
preguiça, falta de concentração e escassez
de ideias; percebo como professora
acadêmica, que ao mesmo tempo em que
temos uma grande oferta de cursos
profissionalizantes, superiores e livres, ainda
são poucas as pessoas que realmente
gostam de aprender! Aprender, estudar,
conhecer e reconhecer temas, assuntos
gerais ou específicos e principalmente refletir
sobre eles. Acredito que muitas não
aprenderam a refletir, e isso pode não ser
culpa delas, mas sim do sistema, governo,
mídia, etc. O problema é quando se
reconhece a falta do conhecimento e não o
busca! O habito de leitura, por exemplo, ainda
é baixo na maioria dos países. O nível de
escolaridade também. A educação e reflexão
sobre temas e produtos midiáticos não é
ativa. Ou seja, as pessoas parecem, na
maioria das vezes ter preguiça de pensar, e
parecem associar estudo, leitura,
conhecimento a chatice! Eis uma saúde
descuidada em muitos países ainda. Para
reequilibrar essa área bastaria se manter
informado por vontade própria: praticar uma
boa leitura, buscar por coisas novas que
deem motivação e estímulo; ter tempo e
vontade de refletir sobre as coisas que nos
rodeiam!
- Quando você veio para Montevidéu pela
primeira vez, com que cidade você esperava
encontrar e com que você se encontrou
realmente?
- Confesso que minha primeira vez em
Montevideo foi surpreendente. Não esperava
tanto quanto vi e senti! Na época, mais ou
menos há 4 anos, a imagem que se tinha do
Uruguai no Brasil era uma, hoje percebo que
é outra. Em pouco tempo a curiosidade pela
cultura uruguaia cresceu. Quando me deparei
com a arquitetura e o charme da mistura da
cidade velha, por exemplo, senti-me em casa!
A cidade tem muitos símbolos e gosto disso!
Vejo que ela tem muitas histórias pra contar e
aos poucos, conhecendo cada parte da
cidade, sentindo cada cheiro, cada textura,
ouvindo cada voz, cada cor, pude entender
porque me sinto tão bem por ali! Cada
pedacinho de simbologia e história reveladas.
- Que você gostaria que o Uruguai tivesse do
Brasil e vice-versa?
- Hum... (risos)... Queria o charme da
arquitetura da Cidade Velha no Brasil e o
clima quente e tropical do Brasil no Uruguai!
Mistura perfeita.
4. 43 – agosto 2014
Ao pé da letra
Como uma onda (Zen-surfismo)
processo de composição da dupla
Lulu Santos e Nelson Motta é marcado
por uma peculiaridade: os dois nunca
se encontraram para fazer canções. Nelson
não gostava, preferia que o parceiro gravasse
suas novidades em uma fita cassete para
depois, sozinho, ir engendrando versos que
se conformassem aos contornos melódicos e
as dimensões harmônicas da música.
Aos 38 anos, Nelson Motta vivia, segundo o
próprio relato, o paraíso e o inferno na terra
por ser dono da histórica casa de shows
Noites Cariocas, no morro da Urca, no Rio de
Janeiro. Em meio aos excessos da geração
yuppie, o jornalista e produtor musical
buscava equilíbrio espiritual, um contraponto
ao hedonismo que seduzia os frequentadores
do Posto 9, trecho mais cult da praia de
Ipanema.
Imerso em livros de Jorge Luis Borges e em
textos sobre zen-budismo, Nelson fez a letra
inspirado no poema O Dia da Criação, de
Vinicius de Moraes. A música também tinha
características que a distanciavam do que
vinham fazendo Barão Vermelho, Paralamas
do Sucesso e outros protagonistas daquela
geração do pop-rock nacional. Lulu, que havia
despontado como grande revelação do
gênero após seu primeiro LP, enveredava por
uma musicalidade mais influenciada pela
tradição brasileira, um estilo definido por
Nelson Motta como “bolero-havaiano-pop”.
Para o lançamento do segundo disco, O
Ritmo do Momento, a gravadora WEA-Warner
queria que a música de trabalho fosse
Adivinha o quê, mas Lulu insistiu em Como
uma Onda como a faixa que deveria
capitanear o álbum, contra a resistência
geral, inclusive do produtor Liminha, que
achava a canção “muito Roberto Carlos”.
Lulu passou uma semana ouvindo rádio para
acompanhar a execução da canção na qual
apostava. Deitado na cama e girando o dial,
escutou Como uma Onda tocar oito vezes em
apenas três horas. Era o ponto de partida
para a carreira de uma canção que
alcançaria a marca de 3 milhões de cópias.
Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia
Tudo passa
Tudo sempre passará
A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito
Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo
Não adianta fugir
Nem mentir
Pra si mesmo agora
Há tanta vida lá fora
Aqui dentro sempre
Como uma onda no mar
Discos onde ouvir
Lulu Santos – O Ritmo do Momento (1983)
Leila Pinheiro – Coisas do Brasil (1993)
Wanda Sá & Roberto Menescal – Eu e a
Música (1995)
Caetano Veloso – Noites do Norte Ao Vivo
(2001)
O
5. # 43 – agosto 2014
Sem papas na língua
O legado de João Ubaldo Ribeiro
escritor João Ubaldo Ribeiro, que
nasceu em Itaparica (BA) em 1941 e
faleceu no último dia 18 de julho no
Rio de Janeiro, além de romancista e
cronista, foi advogado (embora nunca tenha
chegado a advogar), jornalista, roteirista,
professor e mestre em Administração Pública
e Ciência Política. Era o 7º ocupante da
cadeira 34 da Academia Brasileira de Letras
(ABL) e, em 2008, recebeu o Prêmio Camões,
o mais importante da literatura em língua
portuguesa, pelo “alto nível de sua obra
literária, especialmente densa das culturas
portuguesa, africanas e dos habitantes
originais do Brasil”.
Publicado em 1968, com prefácio do colega
Glauber Rocha e apadrinhamento de Jorge
Amado, o primeiro romance Setembro não
tem sentido se passa durante as
comemorações do Sete de Setembro,
contando duas histórias em paralelo: a do
beberrão Tristão e a do jornalista aposentado
Orlando, um homem amargo que vai
perdendo a sanidade. Como pano de fundo,
Ubaldo abordou as tensões políticas do início
dos anos 1960.
Lançado em 1971, Sargento Getúlio deu a
João Ubaldo prestígio e popularidade. O livro,
inspirado em histórias que o pai do autor lhe
contava quando garoto, ganhou o Prêmio
Jabuti de 1972 na categoria revelação. Ele
narra em primeira pessoa a história de um
homem de confiança de um coronel de
Sergipe, que recebe uma missão e faz de
tudo para cumpri-la. A narrativa está
centrada num monólogo, quebrado por
alguns diálogos, do sargento da polícia militar
de Sergipe, Getúlio Santos Bezerra. Ele
recebera, como última incumbência antes da
aposentadoria, a ordem de prender um
adversário de um importante chefe político e
levá-lo de Paulo Afonso para Aracaju.
Inicialmente, o monólogo se dirige ao
prisioneiro, mas em seguida torna-se
monólogo interior e, mais tarde, fluxo de
consciência de Getúlio, que expõe não
apenas os acontecimentos presentes, mas
também seu passado, suas impressões e
fantasias de macho. Outras técnicas
sofisticadas utilizadas pelo autor são a não-
linearidade temporal dos episódios, o
emprego de redundâncias, neologismos,
regionalismos, frases incompletas e
retorcidas que buscam reproduzir a
linguagem oral, além de elementos da sátira
menipeia e do dialogismo. Assim, apesar do
enredo dessa obra ser simples, trata-se de
leitura sutil e complexa. Em 1983, foi
adaptado para o cinema, pelo diretor
Hermano Penna, com Lima Duarte no papel
de Getúlio.
Abordando os conflitos rurais e a miséria do
sertão nordestino, Vila Real foi lançado por
João Ubaldo em 1979: o livro trata da luta de
camponeses contra uma empresa
mineradora que tenta os expulsar de suas
terras.
Provavelmente o romance mais conhecido de
João Ubaldo e um dos mais celebrados da
literatura brasileira, Viva o povo brasileiro foi
lançado em 1984 e ganhou os prêmios Jabuti
e Golfinho de Ouro. O livro é uma saga que
recria os séculos da história do país a partir
de personagens populares, anônimos que
percorrem a narrativa do escritor. Apesar de o
título aludir a uma exaltação do povo
brasileiro o livro conta a trajetória do Brasil
de forma crítico-satírica com muitos
momentos de comicidade e escracho. Com
personagens negros e índios, portugueses e
holandeses, cada acontecimento do romance
O
6. # 43 – agosto 2014
representa um fato, situação ou modo de agir
que contribuiu para a construção da
identidade brasileira. A miscigenação
baseada no estupro, a crueldade com os
escravos e a consequente mentalidade casa-
grande senzala que se enraizou nas elites
brasileiras, a luta do povo negro pela sua
libertação e sobrevivência, a hipocrisia, a
devassidão e o jeitinho brasileiro são temas
retratados de forma fidedigna na trama.
Como ocorreu com vários livros de João
Ubaldo, a tradução para o inglês foi feita pelo
próprio autor. A obra foi escolhida como
samba-enredo da escola Império da Tijuca
para o Carnaval do Rio de Janeiro de 1987.
Lançado em 1989, O sorriso do lagarto parte
de um crime para tratar de romance,
corrupção, ambição, misticismo e até mesmo
experiências genéticas que criariam uma
raça híbrida entre o homem e o lagarto. Pelo
grande sucesso alcançado com os leitores,
foi adaptado por Walter Negrão para uma
minissérie da TV Globo em 1991, que
protagonizaram Tony Ramos, Maitê Proença
e José Lewgoy.
Criada pela imaginação de João Ubaldo, a
Ilha do Pavão fica na costa da Bahia e serve
como um microcosmo da sociedade brasileira
no período colonial: sua população é formada
por índios produtores de cachaça, brancos
traficantes de escravos e um quilombo com
ares de tirania. O feitiço da Ilha do Pavão foi
lançado em 1997.
Em 1999 juntamente com Cacá Diegues,
escreveu o roteiro de Deus é Brasileiro, em
cima de seu conto O santo que não
acreditava em Deus. Cansado de tantos erros
cometidos pela humanidade, Deus (Antônio
Fagundes) resolve tirar umas férias dela,
decidindo ir descansar em alguma estrela
distante. Para tanto precisa encontrar um
substituto para ficar em seu lugar enquanto
estiver fora. Deus resolve então procurá-lo no
Brasil, país tão religioso que ainda não tem
um santo seu reconhecido oficialmente. Seu
guia em sua busca é Taoca (Wagner Moura),
um esperto pescador que vê em seu encontro
com Deus sua grande chance de se livrar dos
problemas pessoais. Juntos eles rodarão o
Brasil em busca do substituto ideal. O filme,
dirigido por Diegues, foi lançado em 2003.
Escrito sob encomenda para a coleção
"Plenos pecados", da Editora Objetiva, em
que cada autor teve que se debruçar sobre
um pecado original, João Ubaldo Ribeiro
escolheu um que sempre percorreu sua obra:
a luxúria. A Casa dos Budas Ditosos, lançado
em 1999, narra as memórias de uma baiana
de 68 anos, um tanto devassa e misteriosa,
falando de sua própria vida, e de como
jamais se furtou a viver -com todo o prazer e
sem respingos de culpa- as infinitas
possibilidades do sexo. Foi adaptado para o
teatro por Domingos de Oliveira em 2004, em
forma de monólogo e encenado por Fernanda
Torres.
Miséria e grandeza do amor de Benedita foi
lançado em 2000, como o primeiro e-book
brasileiro: o livro permaneceu durante cinco
meses disponível apenas na internet e só
depois foi publicado em papel. O romance
conta a história de um Don Juan nordestino,
um homem conquistador com filhos
bastardos espalhados pela região, e de sua
mulher, a compreensiva Benedita.
Narrado em primeira pessoa por um ex-padre
exilado numa ilha, que a todo tempo dialoga
e prova o leitor, Diário do farol aborda a
maldade extrema: com direito a perversões
familiares e torturas durante a ditadura. O
livro foi lançado em 2002.
Publicado em 2009, O albatroz azul narra a
história de um homem muito velho que busca
algum sentido na vida. Trata-se de uma
abordagem de João Ubaldo Ribeiro sobre a
velhice.
"Ele não vinha sempre, mas quando vinha era
uma festa, com aquela voz de barítono,
aquela alegria. Ubaldo era um escritor
voltado para o povo brasileiro, a realidade
brasileira, com a justiça social”, diz Domício
Proença Filho, professor e secretário geral da
ABL, lamentando no dia de sua morte. “Tinha
personagens que retratavam bem essa
realidade. Tenho certeza que Zecamunista
deve estar muito triste hoje."
7. # 43 – agosto 2014
Telas e telinhas
Vale a pena abrir mão de tudo por um amor?
streou nas telinhas uruguaias Amor à
Vida (Teledoce, de segunda a quinta-
feira, às 21:15h), dirigida por Mauro
Mendonça Filho. A trama trata dos irmãos
Félix (Mateus Solano) e Paloma (Paola
Oliveira), que vão disputar a herança do pai,
César Khoury (Antônio Fagundes), dono do
hospital San Magno, em São Paulo. Com esse
objetivo, Félix não medirá esforços pra tentar
tirar sua irmã do caminho.
César é quem rege as regras no hospital.
Clínico geral e casado com Pilar (Susana
Vieira) desde os tempos de faculdade,
procura sempre na filha o seu sucesso na
vida. Parece que ele projeta seu próprio
futuro nela. Já a matriarca morre de amores
pelo filho mais velho, por quem o pai não tem
tanto apreço.
Félix é considerado a "ovelha-negra" da
família por César e acaba ganhando uma
superproteção exclusiva de Pilar. Incapaz de
se formar como médico, Félix acabou
enveredando pelos caminhos da
administração para conseguir uma patente
plausível para pôr em prática suas tramoias
dentro do hospital. Frio e ambicioso, desvia
dinheiro, se aproveita de informações
privilegiadas e planeja sempre a execução de
seu maior plano: tomar a frente dos negócios
da família. O que ninguém sabe é que ele
próprio vive um grande dilema: é
homossexual não assumido. Casado com
Edith (Bárbara Paz), tem um filho
adolescente, Jonathan (Thalles Cabral).
Durante uma viagem de família ao Peru,
Paloma se apaixona pelo aventureiro Ninho
(Juliano Cazarré), com quem acaba fugindo
para se ver livre das pressões da família
Khoury. Ela engravida, mas a relação dos
dois desmorona. De volta ao Brasil, Paloma
acaba dando à luz no banheiro de um bar do
centro de São Paulo, com a ajuda de Márcia
(Elizabeth Savalla), uma ex-chacrete que
dedica sua vida a instruir a filha, Valdirene
(Tatá Werneck), a encontrar um marido rico.
Félix vai atrás da irmã e, ao encontrá-la
desfalecida e sozinha após o parto, sequestra
sua sobrinha sem piedade e joga a recém-
E
8. # 42 – julho 2014
nascida numa caçamba de lixo. No mesmo
instante, no Hospital San Magno, Bruno
(Malvino Salvador) está arrasado por ter
perdido a esposa grávida e seu filho no
momento do parto. Abalado, ele anda
desorientado pelas ruas até que escuta um
choro de criança. Bruno acaba encontrando o
bebê jogado no lixo por Félix e decide adotar
a criança, comovido e fragilizado.
Doze anos depois, Paloma e Bruno se
conhecem ao acaso no hospital. Os dois se
apaixonaram por conta de Paulinha (Klara
Castanho), filha dele, que tem consultas
periódicas com a pediatra, sem que ela saiba
que a menina é sua cria. Uma forte ligação
une os três, inexplicavelmente.
No entanto, ao descobrir o paradeiro da filha
e a identidade da menina, Paloma fará de
tudo pra recuperá-la na justiça e assim
baterá de frente com Bruno. O amor à vida
colocará o casal em lados opostos,
provocando uma disputa entre eles, à medida
em que vão ruindo os segredos da família
Khoury, na qual Félix é o principal
personagem.
A trama tem ainda outras famílias especiais.
Como os Rodrigues, cujo patriarca é Amadeu
(Genézio de Barros). Irmão de Pilar, ele é
casado com Neide (Sandra Corveloni) e tem
três filhos: Leila (Fernanda Machado), Daniel
(Rodrigo Andrade) e Linda (Bruna Linzmeyer),
que nasceu autista e mudou tudo nesta casa.
Os Vianna, comandados por Ordália (Eliane
Giardini) e Denizard (Fúlvio Stefanini) têm
quatro filhos: Bruno, Gina (Carolina Casting),
Carlito (Anderson di Rizzi) e Luciano (Lucas
Romano). Honestos, eles dão duro para que,
no final do mês, a curta renda esteja
garantida.
Eron (Marcello Antony) e Niko (Thiago
Fragoso) vivem uma relação estável. Bem-
sucedidos, eles formam um modelo familiar
que se sustenta em pilares como o respeito e
o afeto. Mas nem tudo é fácil para esses
dois, especialmente porque eles pretendem
dar um grande passo no relacionamento: ter
um filho.
Primeira novela de Walcyr Carrasco no
horário das nove da Globo, o autor abordou
barriga solidária, adoção, racismo, amor na
terceira idade, incentivo à leitura, virgindade,
bigamia, assédio moral, a questão palestinos
x judeus, além de toda uma gama de
doenças (lúpus, câncer, aids, autismo,
alcoolismo etc.). Se a intenção era informar,
didaticamente, até conseguiu a contento.
Mas a maioria desses temas foi abordada de
forma superficial, sem se aprofundar ou
concluir.
Mesmo com muitas críticas ao seu estilo
narrativo ou à sua história -que pecou em
várias incoerências-, Amor à Vida foi bem no
Ibope e teve repercussão. Com ótimos
ganchos, alguns capítulos-chave e
sequências de impacto, o novelista
conseguiu manter o interesse de seu público
cativo por oito meses seguidos.
Nunca a homossexualidade foi discutida de
forma tão abrangente e clara dentro de um
folhetim. Este, talvez, tenha sido o maior feito
e contribuição de Amor à Vida. Se Carrasco
tratou vários temas de interesse social de
forma rasa, ao abordar a homossexualidade,
através de Félix, o autor acertou em cheio e
conseguiu levantar uma discussão
importante.
Um dos principais cenários da novela era o
fictício hospital San Magno, da família
Khoury, construído na cidade cenográfica no
Projac. Ele reunia, além da recepção e salas
dos médicos, uma entrada de emergência, o
pátio de ambulâncias, lojas de
conveniências, livraria, refeitório e
floricultura. Na trama, o hospital estava
localizado na Avenida Paulista.
O hospital fictício foi construído no mesmo
local onde foi construída a mansão da família
Tufão da novela Avenida Brasil, e foi
considerado o maior cenário já criado pela
emissora até então. Eram 8 mil metros
quadrados no total, o que equivalia a uma
cidade cenográfica por si só. Por meio de
computação gráfica, foram inseridos 30
andares.