1. VI Seminário Latino Americano de Geografia Física
II Seminário Ibero Americano de Geografia Física
Universidade de Coimbra, Maio de 2010
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Geoecologia das Paisagens, Cartografia Temática e Gestão Participativa: Estratégias de Elaboração de Planos Diretores Municipais
Edson Vicente da Silva
Universidade Federal do Ceará, Brasil.
cacau@ufc.br
Adryane Gorayeb
Universidade Federal do Ceará, Brasil.
adryanegorayeb@yahoo.com.br
José Manuel Mateo Rodriguez
Universidade de Havana, Cuba.
mairac@ceniai.inf.cu
Introdução
A Geoecologia das Paisagens constitui uma abordagem teórico-metodológico que apresenta um enfoque sistêmico e interdisciplinar. Ela subsidia as bases necessárias para o planejamento ambiental territorial fornecendo, para tanto, um diagnóstico operacional.
No intuito de propiciar as bases fundamentais para o planejamento ambiental, um dos objetivos principais da Geoecologia da Paisagem é desenvolver uma classificação e uma cartografia das unidades de paisagem de um território. Os produtos cartográficos tanto podem representar os resultados de análises e pesquisas realizadas, como também podem servir de referências para o desenvolvimento de outras investigações ou propostas de gestão ambiental.
Nesse contexto, entende-se que apenas o conhecimento científico não é capaz de proporcionar um planejamento ambiental eficiente. Para a sua plena funcionalidade, faz-se necessário a incorporação de estratégias de gestão participativa, onde os saberes tradicionais, os valores culturais acumulados e as demandas sociais integram- se ao processo de organização espacial.
Neste sentido, a elaboração de Planos Diretores Municipais tem constituído um importante instrumento legal de gestão participativa. Para tanto, a comunidade e seus representantes devem participar efetivamente de todas as etapas do plano, desde a constituição das equipes de execução, a participação em oficinas preparatórias e audiências públicas, até a elaboração do documento final (lei municipal).
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Portanto, este trabalho relata alguns resultados de Planos Diretores Municipais Participativos, nos quais os autores atuaram colaborando na instituição de uma análise geoecológica do território e na organização do material cartográfico básico e temático de alguns planos diretores municipais elaborados no estado do Ceará, região nordeste do Brasil.
A Geoecologia das Paisagens e seus Produtos Cartográficos
A metodologia geoecológica possibilita a representação de diferentes tipos de mapas representativos de unidades de paisagem, com enfoques e escalas diversas. Conforme Richlins e Mateo (1991) têm-se utilizado fundamentalmente três tipos de representações cartográficas: 1) Analítica: cada componente geoambiental ou informação temática é designada por uma simbologia específica; 2) Semi-sintética: a denominação da unidade indicada está representada por uma letra ou número e por uma textura diferenciada; e 3) Sintética: a legenda e os procedimentos de representação respondem a ordens de subordinação, hierarquia e taxonomia.
Com relação à escala, estabelecem-se quatro diferentes níveis de grandeza, cada uma com níveis taxonômicos específicos determinados pelas escalas, assim indicadas: a) mapas muito detalhados (1: 2.000 a 1: 10.000) fáceis; b) mapas detalhados (1: 10.000 a 1: 100.000) comarcas e localidades; c) mapas gerais (1: 100.000 a 1: 250.000) localidades e regiões; e d) mapas muito gerais (1: 250.000 a mais) tipos de paisagens.
Na elaboração dos Planos Diretores Municipais os níveis de escalas utilizadas na confeccção dos mapas foram os muito detalhados (1: 2.000 a 1: 10.000) para representar informações e propostas para os distritos municipais e detalhados (1: 10.000 a 1: 100.000), especificamente a escala de 1: 50.000, para informar temas referentes ao território municipal e às sedes municipais, dependendo da extensão territorial da mesma.
Inicialmente, confeccionaram-se as bases cartográficas de cada município (1: 50.000) e seus respectivos distritos (1: 10.000) e principais comunidades (1: 2.000), onde foram inseridas informações cartográficas analíticas (leituras da realidade sobre condições naturais e socioeconômicas), semi-sintéticas (conjugação de algumas condições ambientais e naturais) e sintéticas (zoneamento ambiental e funcional).
As leituras e elaborações cartográficas foram realizadas através de oficinas e audiências públicas, por meio de uma metodologia participativa, integrando os conhecimentos e os saberes tradicionais. Tanto na fase da leitura e representação da realidade socioambiental dos municípios, como nas etapas de diagnóstico e
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proposição, houve uma integração completa entre a equipe técnica e as representações comunitárias.
A elaboração dos mapas propositivos, entre os quais se destacam as representações cartográficas indicando propostas de zoneamento ambiental e funcional, seguiram as etapas recomendadas por Mateo e Silva (2007), assim estabelecidas: 1) recompilação e análise dos trabalhos e mapas já elaborados; 2) fundamentação da pesquisa, com definição de objetivos, levantamento de materiais e metodologias e escalas a serem utilizadas (cronograma e recursos necessários); 3) interpretação de mapas temáticos, de fotografias aéreas e imagens de satélite; 4) elaboração de um mapa preliminar de unidades de paisagens, com base na interpretação de sensores remotos e a declividade e caracterização geoambiental de cada uma delas; 5) checagem de campo; 6) definição da legenda e classificação das unidades identificadas; e 7) elaboração final dos mapas de unidades paisagísticas e dos mapas de propostas de zoneamento funcional direcionado ao Plano Diretor Municipal.
A Importância da Gestão Participativa nos Planos Diretores Municipais
As comunidades devem almejar a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável, não apenas social e econômico, mas também no que concerne à conservação de seus recursos naturais renováveis e paisagísticos. Com esse objetivo, torna-se necessário a efetivação de estratégias de gestão participativa local, que passe por etapas vinculadas ao Planejamento Ambiental, ao Desenvolvimento Organizacional Participativo e, finalmente, à elaboração do Plano Diretor Municipal.
A Agenda 21 ressalta em seu Capítulo 7 a importância do planejamento ambiental para a implementação de políticas de desenvolvimento sustentável. Franco (2000) destaca que o planejamento ambiental absorve princípios de valoração e conservação dos recursos naturais, respeita a autosustentabilidade da vida e as inter-relações dos sistemas ambientais. Em seu bojo, inclui três princípios básicos de gestão: preservação, conservação e recuperação ambiental.
A importância do Diagnóstico Operacional Participativo (DOP) é que ele avalia a cultura organizacional em base a um conjunto de normas, valores e atitudes, que devem estar presentes nos processos de gestão comunitária de caráter participativo. Segundo Brede e Ramos (2004), é necessário que a cultura organizacional assuma atitudes fortes perante o ambiente e a sociedade, considerando as realidades das relações espaço-temporais, da ética e da cidadania.
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Os mesmos autores afirmam que a aplicabilidade do DOP deve, inicialmente, verificar as condições de organização interna e sistema de parcerias e cooperações das associações comunitárias; analisar e diagnosticar a estrutura e funcionalidade, observando seus sintomas e potencialidade e, finalmente, incentivar o aprimoramento organizacional através de autocríticas e monitoramento.
Os Planos Diretores Municipais são os instrumentos legais que possibilitam uma maior participação das comunidades em seu processo de construção e aplicabilidade. Os mesmos são embasados legalmente no Estatuto da Cidade, Lei Federal n. 10.257 de 10 de julho de 2001, habilitando a todos os cidadãos a participarem ativamente do seu processo de elaboração. Nesta legislação, considerou-se que os instrumentos de planejamento fornecidos pelos Planos Diretores Municipais são fundamentais para contemplar as reinvidicações voltadas a uma gestão participativa.
As etapas a serem percorridas no processo de gestão participativa destinado à elaboração de um Plano Diretor Municipal são: i) efetivação de leituras técnicas e comunitárias da realidade do território, elaborando as devidas descrições; ii) Revisão de estudos existentes e interpretação das legislações específicas; iii) obtenção de mapas básicos e temáticos, e elaboração de mapas da realidade local, através da visão da comunidade; iv) confrontação de leituras técnicas e comunitárias, incluindo informações cartográficas, com o intuito de superar conflitos de uso e ocupação, sugerindo adequações nas formas de uso e ocupação e proteção ambiental; v) formulação e atuação de propostas com suas devidas estratégias de implantação, constituindo os devidos instrumentos legais.
Aplicabilidade e Resultados
Durante os trabalhos de assistência técnico-científica desenvolvida no Ceará, no período de 2007 a 2008, foram elaborados treze Planos Diretores Participativos, podendo-se destacar neste universo de análise o Plano Diretor Participativo do município de Forquilha, uma vez que este apresentou os melhores resultados referente ao trabalho técnico de elaboração dos mapas e à mobilização comunitária.
O município de Forquilha, com cerca de 517km2 e estimativa em 2008 de 21.233 habitantes (IPECE, 2009), localiza-se no sertão noroeste do estado do Ceará, na “zona do polígono das secas”, em virtude das condições semi-áridas dominantes. O clima semi-árido é caracterizado por elevadas temperaturas e índices de nebulosidade baixos, forte insolação, elevadas taxas de evaporação e irregularidade marcante das chuvas no tempo e no espaço, principal característica do regime pluviométrico.
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A metodologia de trabalho junto à equipe técnica municipal pode ser dividida em três momentos: 1) elaboração do projeto de lei, com a atualização da base cartográfica e a confeccção de diversos mapas temáticos municipais e da sede urbana (lazer, agricultura, saneamento básico, equipamentos de saúde e etc.) e 2) elaboração da lei do plano diretor, com a confeccção de diversos mapas propositivos, sinalizando os projetos da gestão municipal e as demandas das comunidades rurais e urbanas do município.
É importante ressaltar que todo o material cartográfico foi elaborado pela equipe técnica municipal, a partir de informações das populações rurais e urbanas e com o apoio técnico-científico da equipe de suporte.
Outro momento do trabalho foi a elaboração do macrozoneamento municipal e a delimitação do perímetro urbano da sede municipal, considerando-se as formas predominantes de uso e ocupação territorial e a expansão urbana, com as ocupações periféricas, a especulação imobiliária e os novos equipamentos urbanos.
A Figura 1 ilustra o mapa de macrozoneamento elaborado pela equipe técnica do município de Forquilha, considerando-se as diferentes formas de uso e ocupação do solo municipal: zona urbana, zona agropecuária, zona de extração vegetal, zona de preservação permanente e etc.
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Figura 1 – Mapa de Macrozoneamento do Município de Forquilha, Ceará, Brasil.
Por outra parte, a Figura 2 demonstra um mapa de propostas de infraestrutura para a cidade de Forquilha, a partir do zoneamento de áreas prioritárias propostas para a reestruturação da drenagem e das vias de acessibilidade, a construção de ciclovias, uma vez que é muito comum a utilização de bicicletas para a locomoção individual e coletiva, a delimitação de áreas previstas para a construção de equipamentos públicos, priorizando-se as áreas mais densamente povoadas e que atualmente possuem infraestrutura urbana escassa, o contorno de áreas prioritárias para a construção de conjuntos habitacionais, levando-se em consideração as diversas áreas de risco que são ocupadas pela população de baixa renda, a limitação de áreas de uso misto e áreas em que se deve controlar de modo mais efetivo o tráfego de automóveis, uma vez que a cidade de Forquilha revela-se como parte de uma das principais rotas de escoamento de mercadorias do estado do Ceará.
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Figura 2 – Mapa de Propostas de Infraestrutura para a Cidade de Forquilha, Ceará, Brasil.
Conclusão
Os Planos Diretores Municipais com metodologia de elaboração participativa, desenvolvido obrigatoriamente até o ano 2008 nos municípios brasileiros com mais de vinte mil habitantes, conforme o Estatuto da Cidade (Lei Federal n. 10.257 de 10 de julho de 2001), foi um marco para o poder público municipal e para o planejamento brasileiro em escala municipal e urbana.
Assim, este instrumento de planejamento municipal revelou-se como uma ferramenta essencial para o diagnóstico das problemáticas e potencialidades dos territórios municipais e urbanos devido, principalmente, ao caráter participativo de sua construção, em que as equipes técnicas municipais multidiscplinares e os diversos segmentos da sociedade tiveram que, efetivamente, elaborar e redigir suas próprias leis municipais que regem o uso do solo.
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Bibliografia
Brede, D. & Ramos, L. 2004, Desenvolvimento Organizacional Participativo: Fortalecimento de Organizações de Base, GTZ, Recife.
Franco, M. A. R. 2000, Planejamento Ambiental para Cidade Sustentável. Annablume/FAPESP, São Paulo.
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IPECE, 2009, Perfil Básico Municipal: Forquilha, SEPLAG, Fortaleza.
Mateo, J. M. & Silva, E. V. 2009, Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, Edições da UFC, Fortaleza.
Mateo, J. M. & Silva, E. V. 2007, Geoecologia das Paisagens: uma Visão Geossistêmica da Análise Ambiental, Edições UFC, Fortaleza.
Richling, A. & Mateo, J. M. 1991, Utilización de los Métodos Físico-Geograficos Completos de las Investigaciones de Cuba y Polônia, Actas Latinoamericanas de Varzovia, Warszawa.