○ Este documento apresenta um sumário detalhado sobre o tema da leitura, oralidade e escrita. O sumário descreve os principais tópicos abordados como leitura, escrita, tipos e gêneros textuais.
6. Apresentação da disciplina
Caro Aluno!
Tenho um convite para fazer a você. Para isso, usarei as palavras do poeta
mineiro Carlos Drummond de Andrade, em “A Procura da Poesia”:
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Bem, o convite está feito. As palavras e os textos estarão por toda parte do
caminho que iremos trilhar. Precisamos olhá-las, contemplá-las, amá-las. Elas são
basilares para a nossa percepção do mundo, para o reconhecimento da história da o
humanidade (que é a nossa própria história), para a valorização e a interação com
outro. É também através dela que nos inserimos como sujeitos ativos, reflexivos e
transformadores na sociedade.
A palavra tem, sim, mil faces: ora nos faz perceber o outro, ora nos faz conhecer
a nós mesmos; ora é arma, ora é bálsamo; ora nos leva a reflexão e descoberta, ora
nos leva ao prazer e ao deleite. Todavia, muitas vezes, nossa relação com a palavra
é tímida, agressiva ou simplesmente limitada e nos impede de tornar cotidiano o
exercício de contemplação. Ou pior, não temos a chave, ou seja, desconhecemos as
múltiplas maneiras de compreendermos as palavras que estão no mundo para serem
lidas, descobertas e saboreadas. Por conseguinte, também não sabemos usar as
nossas próprias palavras, temos dificuldades em produzir os nossos próprios
discursos.
Em suma, a inconsciência da importância da palavra em nossas vidas nos
confina num mundo superficial, sem dores nem delícias, sem conhecimento nem
reconhecimento. A disciplina Leitura e Produção de Texto é mais que um convite a
uma relação amorosa e utilitária (salve-se a contradição) com a palavra. Ela também
é um momento ímpar para acharmos a chave e começarmos a abrir as portas que
nos conduzem aos infinitos reinos da palavra, pois nos subsidia com informações
relevantes para ampliarmos os nossos conhecimentos lingüísticos, nos adentrando-
nos no processo de constante formação como leitores e produtores de texto.
O convite está feito. Permita-me, mais uma vez, trazer Drummond a nossa
conversa: “penetra surdamente no reino” das palavras. E usufrua todos os poderes
que a linguagem proporciona.
Seja bem vindo!
Profa. Luciana Moreno
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8. LEITURA, ORALIDADE E ESCRITA
LEITURA
Leitura: Novos Saberes, Novos Sabores
Saber ler sempre foi confundido com a possibilidade de reconhecer e decodificar o
código escrito, todavia fazer isso é meramente decifrar. Ler envolve mais saberes e, como
diria Rolland Barthes, muito mais “sabores”.
Aprendemos alguns modos de ler que já não mais condizem às necessidades do
mundo atual. Desta forma, cada leitor precisa ‘esquecer’ algumas técnicas de ler adotadas
pelas instituições educacionais (que cada vez mais demonstram a sua ineficácia na formação
de sujeitos leitores) e construir seus próprios modos de ler. Contudo, antes deste processo
de construção que se faz e se refaz (mas nunca se esgota), torna-se necessário o
entendimento do que é leitura.
A leitura possui muitos sentidos. Tomar um em detrimento dos outros é uma forma
parcial e superficial de concebê-la. É impossível tomar um conceito sem prejuízo dos outros,
pois estes se complementam. O leitor é o responsável pelo controle deste processo, que
compreende algumas etapas; aí vão elas: a obtenção da informação; o uso consciente ou
inconsciente de estratégias de compreensão leitora; a avaliação da informação obtida e a
produção de um juízo de valor sobre o lido.
Define-se leitura como atribuição de sentido à escrita, ou seja, quando
lemos, estamos não só fazendo a versão oral do escrito, mas,
sobretudo, construindo sentido a partir do escrito,
questionando-o e explorando o que está nele e além dele.
O ato de ler é um processo não linear, pois o significado do
texto não está na soma das sucessivas palavras que o
compõem, por isso, o uso do dicionário para decifrar todas
as palavras desconhecidas é muitas vezes irrelevante. Até
porque, sem precisar consultá-lo, o leitor está sempre
inferindo, criando hipóteses...adivinhando sentidos.
Então, onde estará o sentido?
Então,
Ousar e brincar, produzindo sucessivas adivinhações é uma ótima maneira de obter
o acerto. O leitor, a todo momento, antecipa índices, a partir do que já conhece e faz
associações com aquilo que desconhece, atribuindo os significados possíveis ao ‘ex-ótico’,
isto é, achando significação para tudo que até o momento encontrava-se fora (ex) do seu
campo de visão (ótico). Ler é tratar com os olhos a linguagem feita para os olhos, afirma
Foucambert (1994), ou seja, a leitura da linguagem escrita exige o uso constante da memória
visual.
Neste emaranhado de definições, ou melhor, nesta trama (termo mais propício quando
se trata de texto), confunde-se a oralização e a leitura em voz alta com leitura propriamente
7
9. dita. A primeira refere-se ao reconhecimento dos símbolos do código escrito
e posterior construção dele, oralmente, a segunda é “a opção de traduzir
oralmente o que já foi compreendido na leitura”(Foucambert, 1994).
Leitura e
Produção de
Finalmente, a leitura é atribuição de sentido ao texto escrito,
Texto usando as informações visuais e as informações prévias do leitor;
envolve um leitor ativo que processa e examina o texto, guiado por um
objetivo. Vale ressaltar que a interpretação do texto variará de acordo
com o objetivo do leitor. O sentido do texto não é uma tradução do
leitor ao sentido que o autor quis dar a ele, portanto torna-se descabida
a pergunta: ‘o que o autor quis dizer?’, tão recorrente nos exercícios
escolares de interpretação, pois a aventura da construção do sentido
do texto desenvolvido pelo leitor envolve o texto per si, os conhecimentos
prévios do leitor e seus objetivos.
‘Esse negócio de criança ler por conta própria é muito recente na história do mundo,
afirma Ziraldo (2001).Sabemos que a formação do leitor de forma voluntária é um fenômeno
recente em nossa sociedade, as crianças se tornam leitoras devido ao estímulo dos pais,
professores, curiosidade ou vocação. Desta forma, se nós professores não formos leitores
vorazes como podemos estimular a criança a buscar o prazer através da leitura?
O que dizem os teóricos?
Para Negamine (2001),
o ato de ler é um processo abrangente e complexo; é um processo de compreensão,
de intelecção de mundo que envolve uma característica essencial e singular ao homem: a
sua capacidade simbólica e de interação com o outro pela mediação da palavra.
Para Paulo Freire (1981),
o ato de ler não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem
escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede
a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade
da leitura daquele.
Para Marisa Lajolo (2001),
Ninguém nasce sabendo ler: aprende-se a ler à medida que se vive. Se ler livros
geralmente se aprende nos bancos da escola, outras leituras se aprendem por aí, na
chamada escola da vida...
Para Isabel Sole (1998),
a leitura é um processo de interação entre o leitor e o texto; neste processo tenta-se
satisfazer [obter uma informação pertinente para] os objetivos que guiam sua leitura.
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10. Para refletir...
Doze maneiras simples de tornar difícil a aprendizagem
da leitura:
1. Estabeleça como meta o domínio precoce das regras de leitura;
2. Cuide bem para que a fonética seja aprendida e utilizada;
3. Ensine as letras ou as palavras, uma a uma, certificando-se de que cada letra ou palavra
foi assimilada antes de passar para a seguinte;
4. Defina como objetivo principal uma leitura palavra por palavra perfeita;
5. Não deixe as crianças adivinharem; pelo contrário, exija que elas leiam com atenção;
6. Procure evitar de todas as maneiras que as crianças errem;
7. Dê um feed-back imediato;
8. Detecte e corrija os movimentos incorretos dos olhos;
9. Identifique os eventuais disléxicos e trate-os mais cedo possível;
10. Esforce-se para que as crianças aprendam a importância da leitura e a gravidade
do fracasso;
11. Aproveite as aulas de leitura para melhorar a ortografia e a expressão escrita; insista
também em que os alunos falem a melhor língua possível;
12. Se o método utilizado não lhe satisfizer, tente outro. Esteja sempre alerta para achar
material novo e técnicas novas.
(Artigo publicado em L’Education, 22 de maio de 1980. In: FOUCAMBERT, Jean. A leitura em
questão. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994).
Esse texto dirige-se ao professor; todavia, bem que poderia se referir à forma com
que nós aprendemos a ler na escola. Faça uma breve ‘viagem’ pela sua história de leitura,
respondendo o questionário abaixo e tentando relacioná-lo com o texto Doze maneiras
simples de tornar difícil a aprendizagem da leitura. Depois, socialize com seus colegas e
professor as diversas respostas e construam a definição de vocês para a leitura.
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11. O que é ler para você??
Em sua casa havia livros, revistas e jornais?
______________________________________________________________________
Leitura e
Havia alguém em sua casa que o (a) estimulava a ler? Quem era essa
Produção de pessoa? Antes de entrar na escola, já tinha familiaridade com o mundo da
Texto leitura?
______________________________________________________________________
Você considera que suas experiências de leitura foram enriquecidas e estimuladas pela
escola? Fale sobre isso.
______________________________________________________________________
Como eram as atividades de leitura desenvolvidas pela escola?
_______________________________________________________________
Quais os livros lidos por você durante seu período escolar?
____________________________________________________________
Havia biblioteca na sua escola? Ela era freqüentada por você? Quais das ações
desenvolvidas pelo professor aconteciam no espaço biblioteca?
______________________________________________________________________
Você participa de atividades culturais, tais como teatro, cinema, concertos, festivais
de música, de dança, exposições? Quais e com que freqüência?
______________________________________________________________________
Você costuma comprar jornais, revistas, livros?
_______________________________________________________________________
Você tem o hábito de tomar livros emprestados? De quem?
______________________________________________________________________
Você costuma compartilhar suas leituras com alguém? Exatamente com quem?
______________________________________________________________________
Você costuma freqüentar bibliotecas? Qual (is) e com que freqüência?
______________________________________________________________________
O que é um clássico para você? Você já leu algum? Qual/quais?
______________________________________________________________________
Nesse momento, você está lendo o quê?
_______________________________________________________________________
Qual o livro que você indicaria para :
Seus amigos:___________________________________________________________
Seus professores:_______________________________________________________
Seus pais:_____________________________________________________________
Seus alunos:_____________________________________________________________
Seus filhos:_____________________________________________________________
Seu (sua) companheiro (a):_________________________________________________
Um estrangeiro:_________________________________________________________
Saiba mais...
O leitor traça planos, estratégias para obter, avaliar e utilizar
informação e, assim, construir significados, compreender o texto
lido. As estratégias de leitura se constroem e se modificam, pois
o leitor desenvolve seus modos de ler através da leitura. Nós
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12. utilizamos as estratégias abaixo ao mesmo tempo e, muitas
vezes, inconscientemente.
São quatro as estratégias de leitura.
a)Seleção: o leitor elege os índices mais relevantes e úteis
para não ficar sobrecarregado de informações desnecessárias;
b)Antecipação: capacidade de antecipar o texto com base
nas pistas do mesmo;o leitor prevê o que ainda não apareceu a
partir de índices como gênero do texto, autor, título, contexto
de produção. Por exemplo, o leitor, ao deparar-se com um texto
de Esopo, certamente antecipará que se trata de uma fábula,
há animais como personagens e uma moral ao término da
história.
c)Inferência: percepção do que não está dito no texto de
forma explícita, ou seja, deduções que podem ser confirmadas
ou não no decorrer do texto. O leitor tenta adivinhar as
informações das ‘entrelinhas’.Tais predições não são casuais;
elas se baseiam nas pistas dadas pelo próprio texto, pelo
conhecimento conceitual e lingüístico do leitor.
d)Verificação: o leitor é o responsável pelo controle de
sua própria leitura; é ele que pode confirmar se foi capaz de
compreender o texto, de construir sentido a partir dele, por
isso faz a análise da compreensão, permitindo confirmar ou
rejeitar as deduções realizadas durante a estratégia de
inferência, por exemplo.
Brincar de Ler...
No texto abaixo, diversas palavras foram
subtraídas. Faça a leitura do texto vazado e recoloque
os vocabulos que você acha que foram retirados.
Existem várias possibilidades de colocação de palavra.
Só não é permitido alterar o sentido do texto!
As * pulgas
Muitas * caíram e caem na armadilha das * drásticas de coisas que não precisam
de alteração, apenas de * . O que lembra a história de * pulgas.
Duas pulgas estavam conversando e então uma comentou com a outra:
- Sabe qual é o nosso problema? Nós não voamos, só sabemos *. Daí nossa * de
sobrevivência quando somos percebidas pelo cachorro é *. É por isso que existem muito
mais moscas do que *.
E elas contrataram uma * como consultora, entraram num programa de reengenharia
de vôo e saíram voando. Passado algum tempo, a primeira pulga falou para a outra:
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13. - Quer saber? Voar não é o suficiente, porque ficamos grudadas ao *
do cachorro e nosso tempo de reação é bem menor do que a velocidade da
* dele. Temos de aprender a fazer como as * , que sugam o néctar e levantam
vôo rapidamente.
Leitura e
E elas contrataram o serviço de consultoria de uma abelha, que lhes
Produção de ensinou a técnica do chega-suga-voa. Funcionou, mas não resolveu. A
Texto primeira pulga explicou o porquê:
- Nossa bolsa para armazenar * é pequena, por isso temos de ficar
muito tempo sugando. Escapar, a gente até escapa, mas não estamos nos * direito. Temos
de aprender como os * fazem para se alimentar com aquela rapidez.
E um pernilongo lhes prestou uma * para incrementar o tamanho do abdômen.
Resolvido, mas por poucos minutos. Como tinham ficado *, a aproximação delas era
facilmente percebida pelo cachorro, e elas eram espantadas antes mesmo de pousar. Foi
aí que encontraram uma saltitante *:
- Ué, vocês estão *! Fizeram plástica?
- Não, reengenharia. Agora somos pulgas adaptadas aos desafios do **. Voamos,
picamos e podemos armazenar mais alimentos.
- E por que estão com cara de *?
- Isto é temporário. Já estamos fazendo consultoria com um *, que vai nos ensinar
a técnica de radar. E você?
- Ah, eu vou bem, obrigada. Forte e sadia.
Era verdade. A pulguinha estava viçosa e bem alimentada. Mas as pulgonas não
quiseram dar a pata a torcer.
- Mas você não está preocupada com o *? Não pensou em reengenharia?
- Quem disse que não? Contratei uma * como consultora.
- O que as lesmas têm a ver com pulgas?
- Tudo. Eu tinha o mesmo problema que vocês duas. Mas, em vez de dizer para a
lesma o que eu queria, deixei que ela * a situação e me sugerisse a melhor *. E ela
passou três dia ali, quietinha, só observando o * e então ela me deu *.
- E o que a lesma sugeriu fazer?
- “Não mude nada. Apenas sente no * do cachorro. É o único lugar que a * dele não
alcança”.
MORAL: Você não precisa de uma reengenharia radical para ser mais eficiente.
Muitas vezes a grande * é uma simples questão de *.
Texto atribuído a Max Gehringer
Antes de ler o texto abaixo, tente descobrir, através das dicas fornecidas, o tema a
ser abordado no texto. Anote as
deduções e hipóteses construídas por você. A cada informação nova, você rejeitará
algumas ‘adivinhações’ e confirmará outras.
DICA A: é um texto extraído do livro ‘Companheira de Viagem’.
DICA B: o título do texto é ‘A Última Crônica’.
DICA C: o gênero do texto é crônica.
DICA D: o texto fala sobre a inquietação que o processo de escrita provoca no escritor.
DICA E: no texto aparecem três personagens compondo uma família.
DICA F: o autor do texto é Fernando Sabino.
Leia o texto com atenção e veja se suas predições e inferências foram acertadas.
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14. A Última Crônica
Fernando Sabino
A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao
balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.
A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais
um ano esta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia
apenas escolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da
convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico.
Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de
uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção
do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o
verso do poeta se repete na lembrança: “assim eu quereria o meu último poema”. Não
sou poeta e estou sem assunto. Lanço, então, um último olhar fora de mim, onde vivem
os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim, um casal de pretos acaba de sentar-se numa das últimas
mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. À compostura da humildade, na
contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de
seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também
à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade
ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da
família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a
fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou
do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um
pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa,
como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem
e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-
se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do
freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho
- um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho
que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai,
mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de
plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos,
e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa
além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na
fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas.
Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com
força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada,
cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: “parabéns pra você, parabéns
pra você...” Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra
finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando
para ela com ternura, ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe
cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente
do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram,
ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando
o olhar e, enfim, se abre num sorriso.
Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.
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15. SABINO, Fernando. A Última Crônica. In: ______. A companheira de
viagem.
Rio de Janeiro: Do Autor, 1965. p. 174.
Leitura e
Produção de
Texto
Indicações de leitura...
Depois de tantas informações sobre leitura, um bom caminho para
verificar se tudo o que foi dito e discutido pode ser ‘saboreado’ é passar
para a prática. Que tal ter acesso, através da leitura, a uma palestra sobre
o a importância do ato de ler no Congresso Brasileiro de Leitura (evento
que até hoje acontece a cada biênio na UNICAMP), ministrada nada mais
nada menos por Paulo Freire, nosso ‘educador universal’?
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 39.ed.
– São Paulo, Cortez, 2000.
A arte, dentre elas, a literatura, acessível a tão poucos pode mudar a forma das
pessoas lerem o mundo.
Ficha Técnica:
Elenco Principal: José Dumont, Rodrigo Santoro, Rita Assemany e Ravi Ramos Lacerda
Direção: Walter Salles
Produção: Arthur Cohn
Brasil - Suíça - França 2001 1h39m Dolby SR/DTS e SRD
Uma co-produção VideoFilmes, Haut et Court, Bac Films e Dan Valley Film AG.
Abril Despedaçado é livremente inspirado no livro homônimo do escritor albanês Ismail
Kadaré.
Abril 1910 - Na geografia desértica do sertão brasileiro, uma camisa
manchada de sangue balança com o vento. Tonho, filho do meio da
família Breves, é impelido pelo pai a vingar a morte do seu irmão
mais velho, vítima de uma luta ancestral entre famílias pela posse
da terra. Se cumprir sua missão, Tonho sabe que sua vida ficará
partida em dois : os 20 anos que ele já viveu, e o pouco tempo que
lhe restará para viver. Ele será então perseguido por um membro
da família rival, como dita o código de vingança da região.
Angustiado pela perspectiva da morte e instigado pelo seu irmão
menor, Pacu, Tonho começa a questionar a lógica da violência e
da tradição. É quando dois artistas de um pequeno circo itinerante
cruzam o seu caminho...
[ Para saber mais acesse:
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www.abrildespedacado.com.br/
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16. A ESCRITA
A Escrita: : Importância e Peculiaridades
Duas concepções devem estar claras na
cabeça de quem almeja ampliar os conhecimentos
lingüísticos: a) a linguagem se aprende pelo uso; b)
existem vários usos de linguagem. O
aperfeiçoamento dos usos de linguagem provoca
o aperfeiçoamento do indivíduo, todavia, este ato
de aprimorar-se lingüisticamente não se refere
ao mero (e limitado) conhecimento da língua
padrão nem apenas ao conhecimento satisfatório
da linguagem oral, pois estas são algumas das
múltiplas possibilidades de uso da língua. É
também de enorme importância o conhecimento e domínio da modalidade
escrita da língua.
Escrever não é possível somente para os grandes autores; ‘é uma atividade social
indispensável (Câmara Jr. 1972) para qualquer pessoa. Alguns concebem que a escrita é
inerente a uns enquanto não é a outros, pois aqueles têm facilidades em redigir um texto.
Não é isto que ocorre de fato. Na verdade, apenas alguns se tornam grandes romancistas
ou escritores reconhecidos. Todavia, todos podem se comunicar de forma coerente e eficaz,
usando a escrita. Inicialmente, é preciso saber que não há modelo único para a redação,
não há sequer estrutura rígida. ‘Há apenas uma falta de preparação inicial que a prática e o
esforço vencem’ (Câmara Jr. 1972).
A fala é a primeira forma de expressão lingüística, todavia, a necessidade de fixá-la,
de levá-la para outros contextos, fomentou a busca pela possibilidade de uma representação
da mesma. Daí nasce a modalidade escrita da língua. A técnica da escrita consiste
simplesmente em usar sinais gráficos (que aprendemos por mera convenção por serem
tais sinais arbitrários) para simbolizar os signos da língua falada. Entretanto, diante das
múltiplas possibilidades oferecidas pela fala e pela inviabilidade de construir um sinal gráfico
para cada signo, a escrita é apenas uma tentativa de representação da fala, por ser um
suporte utilizado como recurso para não sobrecarregar a memória.
A comunicação oral é limitada quanto às distâncias e à fixação (mesmo que temporária
da mensagem), enquanto a comunicação escrita multiplica a mensagem, pois muitos podem
lê-la ao mesmo tempo e não precisam estar próximos ao emissor. Em contrapartida, a
escrita é uma técnica simples e barata, amplia os horizontes, aumenta as possibilidades de
comunicação, fixa a mensagem, aumenta a possibilidade de envio da mensagem em relação
a distância e número de receptores, exige do homem aprendizado, pois não é espontânea
nem natural como a fala, conferindo certo grau de poder a quem sabe utilizá-la.
Desta forma, como diz Gnerre (1987), devemos ‘ser poliglotas de uma mesma língua’.
Essa aparente contradição nos diz uma verdade incomensurável. Não nos bastar saber
apenas uma modalidade da língua ou somente a norma culta. Como existem diversos
contextos sociais, e para cada contexto exige-se um uso de linguagem, se quisermos transitar
em tais universos devemos também usar de forma competente a modalidade falada e escrita
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17. da língua. Mais do que isso, devemos saber usar a linguagem adequada tanto
ao contexto sócio-comunicativo acadêmico, quanto ao bar, ao funeral, à festa
de carnaval.
Leitura e
Produção de
Texto
O que dizem (e fazem) os Grandes Autores
“Quando escrevo para mim mesmo, costumo ficar corrigindo dias
e dias”.
Paulo Mendes Campos
“Para mim, o ato de escrever é muito difícil e penoso, tenho sempre de
corrigir e reescrever várias vezes”.
Fernando Sabino
Agora, leia os textos dos autores acima citados e veja se valeu a pena o esforço!
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19. Oralidade e Escrita: Diferentes,
mas não Dicotomicas
Leitura e
Produção de Falamos uma língua e escrevemos outra, pois apesar da escrita ser
posterior a fala e uma tentativa de representação da mesma, ela é mais
Texto
conservadora. Pode-se afirmar que fala e escrita são diferentes, cada uma
possui as suas peculiaridades. Isto não quer dizer, entretanto, que tais
modalidades da língua se oponham. Pelo contrário, elas se complementam.
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20. A língua não é uma uniformidade; ela é uma unidade composta pela diversidade, isto
é, pela variedade lingüística. Tais variedades podem ser de três tipos:
a) diatópicas; b) diafásicas; c) diastráticas1.
Dentre este corpus, temos a norma culta, também chamada de língua padrão. É
considerada geralmente como a única variedade correta da língua e associada tipicamente
aos conteúdos de prestígio. Segundo Maurizio Gnerre (1987), “uma variedade vale o que
valem na sociedade seus falantes”. Leia-se, as variedades que correspondem à língua não-
padrão são usadas por pessoas de baixa renda, de pouca ou nenhuma escolarização, de
meios rurais, de regiões distantes dos grandes centros econômicos.
Desta forma, tais variedades tendem a ser sempre consideradas inferiores a uma
outra de maior prestígio, ou pior, é muito comum serem consideradas erradas. Entretanto, a
noção de erro está atrelada sempre a uma impossibilidade quanto ao uso de determinada
coisa. Se a língua não-padrão é usada por tanta gente e comunica com coerência e eficiência
aos grupos que a utilizam e aos demais grupos, a noção de erro torna-se inadequada quando
a ela se refere.
O termo língua é comumente associado à escrita, todavia um não é sinônimo do
outro. Tal confusão é fruto das informações equivocadas passadas pela tradição escolar.
Por conseguinte, como no Brasil acesso à escola relaciona-se a poder econômico e político,
confere-se à escrita uma autoridade superior àquela que ela realmente tem. Historicamente,
a língua padrão é a língua dos vencedores, dos que mandam, sendo a escrita um registro
da fala.
Sendo assim, a elite escolhe conscientemente a língua merecedora de registro, que
é a norma culta, como paradigma para as demais. Por isso que ela é chamada de lingua
padrão. Diz-se que tal modelo é central na identidade nacional, enquanto portadora de uma
tradição e de uma cultura. Todavia, não será essa uma visão preconceituosa e
discriminatória, já que pressupõe que todo aquele que não usa a língua padrão não é
historicamente portador de tradição e cultura?
Nossa cultura é de caráter grafocêntrica, pois a nossa sociedade, em detrimento da
oralidade, supervaloriza o uso da escrita e aqueles que já se apropriaram deste conhecimento.
Entretanto, vale ressaltar que na maior parte dos povos modernos, somente uma parcela
(às vezes, mínima) da sociedade tem na escrita um elemento essencial da vida. Além disso,
há muitos povos que sequer utilizam tal modalidade da língua. Outro fator curioso é que até
mesmo as pessoas escolarizadas usam menos a escrita do que a oralidade em seu cotidiano.
Nos dois textos abaixo, perceba a diferença entre um texto oral e um texto escrito.
1
1º) diferenças no espaço geográfico, ou VARIAÇÕES DIATÓPICAS (falares locais, variantes regionais e,
até, intercontinentais).
2º) diferenças entre camadas socioculturais, ou VARIAÇÕES DIASTRÁTICAS (nível culto, língua padrão,
nível popular, etc.);
3º) diferenças entre os tipos de modalidade expressiva, ou VARIAÇÕES DIAFÁSICAS (língua falada, língua
escrita, língua literária, linguagens especiais, linguagem dos homens, linguagem das mulheres, etc.).
CUNHA, Celso; CINTA, Lindley. Nova Gramática do Português Contemporânea. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999.
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21. TEXTO 1 – Oral
Projeto NURC - Rio de Janeiro
Inquérito 261 - Bobina 85 - Duração 45 minutos
Leitura e
Data do registro: 22/11/74
Produção de Tema: Instituições: ensino e igreja.
Texto Dados do informante: sexo masculino, 29 anos, carioca, pais cariocas.
Área residencial: zona suburbana.
Formação universitária: Direito.
Entende? hoje eu vejo... depois de (que) M.L.... quando eu tive M.L. e vejo agora
M.L. estudando... preparando a... o material da escola... eu lamento não ter nascido nessa
época... acho muito mais interessante o estudo... a coisa é... é muito... muito mais
espontaneidade... a gente tinha Medo da professora... hoje a professora é uma amiga...
chama de você... de titia... não é? a gente tinha medo da professora... até aconteceu um
caso... um caso muito engraçado comigo... dia primeiro de de abril... eu era... primeiro de
abril... aí... dia dos tolos... né? eu estava com a minha prima... que é da minha idade...
então eu tive aquela idéia... né... eu era muito tímida mas tinha as minhas idéias...
naturalmente ( ) dona Vera Viana... dona Vera ( ) Viana... uma grande professora... diz
assim... dona Vera... seu vestido está rasgado... eu disse pra minha prima... quando ela
olhar... você diz... caiu... primeiro de abril...(risos)... ela fez... né... aí a dona Vera disse
assim ... você vê... primeiro de abril é um dia ... era na hora do recreio... ela já... mais que
depressa... foi T. que mandou... (risos) então nós passamos a... o tempo todo da aula
chorando, porque tínhamos ficado de castigo... né?
TEXTO 2 – Escrito
Recado ao senhor 903
Rubem Braga
Vizinho –
Quem fala aqui é o homem do1003. Recebi, outro dia, consternado, a visita do
zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu
apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua
veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso e lhe dou
inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria
ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e
é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor: é
impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o
senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a dois números, dois números empilhados entre
dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005; a Oeste pelo 1001; ao Sul pelo
Oceano Atlântico; ao Norte pelo1004; ao alto pelo 1103 e, embaixo, pelo 903 – que é o
senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos; apenas eu e o Oceano
Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas
nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo, sinceramente,
adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul.
Prometo. Quem vier a minha casa (perdão; ao meu número) será convidado a se retirar
às 21:45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7, pois às 8:15 deve deixar o 783
para tomar o 109 que o levará até o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305.
20
22. Nossa vida, vizinho, está toda numerada; e reconheço que ela só pode ser tolerável quando
um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de
seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio.
...Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um
homem batesse à porta do outro e dissesse: “Vizinho, são três da manhã e ouvi música
em tua casa. Aqui estou”. E o outro respondesse: “Entra, vizinho, e come de meu pão e
bebe de meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e cantar, pois descobrimos que a vida é
curta e a lua é bela”.
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas
do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio
da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.
BRAGA, Rubem. Para Gostar de ler. São Paulo: Ática, 1979, p. 74-75.
Níveis de Linguagem
“Entendem-se por ‘variação lingüística” pelo menos três fenômenos distintos (1) o
fato de que em uma sociedade complexa como a brasileira convivem variedades lingüísticas
diferentes, utilizadas por grupos sociais que são expostos em graus diferentes à educação
formal; (2) o fato de que pessoas de um mesmo grupo lingüístico usam, para expressar-se,
palavras, expressões diferentes de acordo com o caráter mais ou menos informal da situação
da fala; (3) o fato de que, o Português do Brasil, como toda língua de cultura, inclui falares
que são usados por alguns grupos específicos: os jovens, os malandros, os drogados, os
economistas etc. Além de todos esses tipos de variação, o Português do Brasil foi marcado,
ainda, pela variação histórica e pela variação regional”.
ILARI, Rodolfo. Introdução ao estudo do léxico: brincando com palavras. São Paulo:
Contexto, 2002.
As variações de registro podem ser de três tipos diferentes: grau de formalismo,
modo e sintonia.
O grau de formalismo refere-se ao maior ou menor cuidado do emissor no uso dos
recursos lingüísticos. O modo relaciona-se às possibilidades faladas ou escritas do uso da
língua. A sintonia é a adequação do texto que o emissor constrói a partir do conhecimento
que tem sobre o receptor ( seu status, as informações prévias, a cortesia, a variedade
lingüística que emprega).
No quadro abaixo, pode-se perceber as possibilidades de produção textual de
acordo com o modo e o grau de formalismo.
21
23. Leia os textos abaixo e veja como a diversidade é a maior riqueza de uma
língua.
Leitura e
Produção de
Texto
22
24. O Texto Escrito
A luta que os alunos enfrentam com relação à produção de textos escritos é muito
especial. Em geral, eles não apresentam dificuldades em se expressar através da fala
coloquial. Os problemas começam a surgir quando esse aluno tem necessidade de se
expressar formalmente, e se agravam no momento de produzir um texto escrito. Nesta última
situação, ele deve ter claro que há marcantes entre falar e escrever.
Na linguagem oral, o falante tem claro com quem fala e em que contexto. O
conhecimento da situação facilita a produção oral. Nela, o interlocutor, presente fisicamente,
é ativo, tendo possibilidade de intervir, de pedir esclarecimentos, ou até de mudar o curso
da conversação. O falante pode ainda recorrer a recursos que não são propriamente
lingüísticos, como gestos ou expressões faciais. Na linguagem escrita, a falta desses
elementos extratextuais precisa ser suprimida pelo texto, que se deve organizar de forma a
garantir a sua inteligibilidade.
Escrever não é apenas traduzir a fala em sinais gráficos. O fato de um texto escrito
não ser satisfatório não significa que seu produtor tenha dificuldades quanto ao manejo da
linguagens cotidiana, e sim que ele não domina os recursos específicos da modalidade
escrita.
A escrita tem normas próprias, tais como regras de ortografia - que, evidentemente,
não é marcada na fala - , de pontuação, de concordância, de uso de tempos verbais.
Entretanto, a simples utilização de tais regras e de outros recursos da norma culta não
garante o sucesso de um texto escrito. Não basta, também, saber que escrever é diferente
de falar. É necessário preocupar-se com a constituição de um discurso, entendido aqui
como um ato de linguagem que representa uma interação entre o produtor do texto e o seu
receptor; além disso, é preciso ter em mente a figura do interlocutor e a finalidade para a
qual o texto foi produzido.
Para que esse discurso seja bem-sucedido deve constituir um todo significativo e
não fragmentos isolados justapostos. No interior de um texto devem existir elementos que
estabeleçam uma ligação entre as partes, isto é, elos significativos que confiram coesão ao
discurso. Considera-se coeso o texto em que as partes referem-se mutuamente, só fazendo
sentido quando consideradas em relação umas com as outras.
Durigan, Regina H. de Almeida et alli. A dissertação no vestibular.In: A magia da mudança – vestibular
Unicamp:Língua e literatura. Campinas, Unicamp, 1987.p.13-4.
Estudo de Texto
1. O Primeiro parágrafo nos fala da capacidade de expressão
dos alunos. Qual o contraste apontado?
2. Quais as diferenças entre o falar e o escrever levantados
no segundo parágrafo?
3. Um texto escrito mal formulado não representa
necessariamente falta de domínio da linguagem cotidiana.
Justifique essa afirmação com base no terceiro parágrafo.
23
25. 4. No seu trabalho de produtor de textos, você tem
levado em conta a figura do receptor e a finalidade a que se
propõe seu texto? Qual a importância desses elementos para
a confecção do seu trabalho?
Leitura e
Produção de 5. Releia atentamente o último parágrafo e responda:
Texto a) O que um texto não deve ser?
b) O que é um texto coeso?
6. Você, ao escrever, fiscaliza seu trabalho, procurando
construir textos coesos? Como?
REDAÇÃO CRIATIVA
REDAÇÃO CRIATIV
TIVA
Leia (e se puder também ouça) a música abaixo de Chico Buarque, Bom Conselho:
Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça.
Inútil dormir
que a dor não passa.
Espere sentado
Ou você se cansa.
Está provado,
quem espera nunca alcança.
Venha, meu amigo,
Deixe esse regaço.
Brinque com meu fogo
Venha se queimar.
Faça como eu digo
Faça como eu faço.
Aja duas vezes,
antes de pensar.
Corro atrás do tempo,
Vim de não sei onde.
Devagar é que não se vai longe
Eu semeio o vento,
Na minha cidade.
Vou pra rua e bebo a tempestade!
Tente reconhecer a versão original dos provérbios usados por Chico como intertexto
na música.
24
26. De acordo com o que fez Chico Buarque, recrie os provérbios a fim de que o sentido
veiculado seja contrário ao que diz o provérbio.
a) Quem ama o feio, bonito lhe parece.
b) Dia de muito, véspera de pouco.
c) Quem dá aos pobres, empresta a Deus.
d) Quem não vive para servir, não serve para viver.
e) Deus dá nozes a quem não tem dente.
f) Deus dá o frio conforme o cobertor.
g) É melhor um passarinho na mão do que dois voando.
h) Nada melhor do que um dia após o outro.
i) Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura.
j) Casa de ferreiro, espeto de pau.
k) Pirão pouco, o meu primeiro.
l) Pense duas vezes antes de agir.
m) Por fora, bela viola. Por dentro, pão bolorento.
n) Rapadura é doce, mas não é mole.
o) Se casamento fosse bom não precisaria de testemunha.
p) Quando casar, a dor passa.
q) Quem espera sempre alcança.
r) Se conselho fosse bom, ninguém dava de graça.
s) Deus não dá asa a cobra.
Criando Estilos
Leia o texto abaixo:
OS DIFERENTES ESTILOS
... Narra-se aqui, em diversas modalidades de estilo, um fato comum da vida carioca,
a saber: o corpo de um homem de quarenta anos presumíveis é encontrado de madrugada
pelo vigia de uma construção, à margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, não existindo sinais
de morte violenta.
ESTILO INTERJETIVO – Um cadáver! Encontrado em plena madrugada! Em pleno
bairro de Ipanema! Coitado! Um homem desconhecido! Menos de quarenta anos! Um que
morreu quando a cidade acordava! Que pena!
ESTILO COLORIDO – Na hora cor de rosa da aurora, à margem da cinzenta Lagoa
Rodrigo de Freitas, um vigia de cor preta encontrou um cadáver de um homem branco,
cabelos louros, olhos azuis, trajando uma calça amarela, casaco pardo, sapato marrom,
gravata branca com bolinhas azuis. Para este, o destino foi negro.
ESTILO ANTIMUNICIPALISTA – Quando mais um dia de sofrimento e desmandos
nasceu para esta cidade tão mal governada, nas margens imundas, esburacadas e fétidas
da Lagoa Rodrigo de Freitas, e em cujos arredores falta água há vários meses, sem falar
nas freqüentes mortandades de peixes já famosas, o vigia de uma construção ( já permitiram,
por debaixo do pano, a ignominiosa elevação de gabarito em Ipanema ) encontrou o cadáver
de um desgraçado morador dessa cidade sem policiamento. Como não podia deixar de
25
27. ser, o corpo ficou ali entregue às moscas que pulam naquele perigoso foco de
epidemias. Até quando?
ESTILO REACIONÁRIO – Os moradores da Lagoa Rodrigo de Freitas
tiveram na manhã de hoje o profundo desagrado de deparar com o cadáver
Leitura e
de um vagabundo que foi logo escolher para morrer (de bêbado) dos bairros
Produção de mais elegantes desta cidade, como se já não bastasse para enfeiar aquele
Texto local uma sórdida favela que nos envergonha aos olhos dos americanos que
nos visitam ou que nos dão a honra de residir no Rio.
ESTILO ENTÃO – Então, um vigia de uma construção em Ipanema, não tendo sono,
saiu, então, para um passeio de madrugada. Encontrou, então, o cadáver de um homem.
Resolveu, então, procurar um guarda. Então, o guarda veio e tomou, então, as providências
necessárias. Aí, então, eu resolvi te contar isso.
ESTILO ÁULICO – À sobremesa, alguém falou ao Presidente que na manhã de hoje
o cadáver de um homem havia sido encontrado na Lagoa Rodrigo de Freitas. O presidente
exigiu imediatamente que um dos seus auxiliares telegrafasse em seu nome à família
enlutada. Como lhe informassem que a vítima ainda não fora identificada, Sua Excelência,
com o seu estimulante bom humor, alegrou os presentes com uma das suas apreciadas
blagues.
ESTILO COMPLEXO DE ÉDIPO – Onde andará a mãezinha do homem encontrado
morto na Lagoa Rodrigo de Freitas? Ela que amamentou, ela que o embalou em seus
braços carinhosos?
ESTILO PRECIOSISTA – No crepúsculo matutino de hoje, quando fugia solitária e
longínqua a Estrela D’alva, o atalaia de uma construção civil, que perambulava insone pela
orla sinuosa e murmurante de uma lagoa serena, deparou com a lúrida visão de um ignoto
e gélido ser humano, já eternamente sem o austro que o vivifica.
ESTILO NELSON RODRIGUES – Usava gravata de bolinhas azuis e morreu!
ESTILO SEM JEITO – Eu queria ter o dom da palavra, o gênio de um Ruy ou o estro
de um Castro Alves, para descrever o que se passou na manhã de hoje. Mas não sei escrever,
porque nem todas as pessoas que têm sentimento são capazes de expressar esse
sentimento. Mas eu gostaria de deixar ainda que sem brilho literário, tudo aquilo que senti.
Não sei se cabe a palavra sensibilidade. Talvez não caiba.Talvez seja tragédia. Não sei
escrever, mas o leitor poderá perfeitamente imaginar o que foi isso. Triste, muito triste. Ah,
se eu soubesse escrever.
ESTILO FEMININO – Imagine você, Tutsi, que ontem que eu fui ao Sacha’s,
legalíssimo, e dormir tarde. Com o Toni. Pois logo hoje, minha filha, que eu estava exausta e
tinha hora marcada no cabeleireiro e estava querendo dar uma passada na costureira, acho
mesmo que vou fazer aquele plissadinho, como o da Teresa, o Roberto resolveu me telefonar
quando eu estava no melhor do sono. Mas o que era mesmo que eu queria te contar? Ah,
menina, quando eu olhei da janela vi uma coisa horrível, um homem morto lá na beira da
Lagoa. Estou tão nervosa! Logo eu que tenho horror de gente morta!
ESTILO DIDÁTICO – Podemos encarar a morte do desconhecido encontrado morto
à margem da Lagoa em três aspectos: a) policial; b) humano; c) teológico. Policial: o homem
em sociedade; humano: o homem em si mesmo; teológico: o homem em Deus. Polícia em
homem: fenômeno; alma a Deus: epifenômeno. Muito simples como os senhores vêem.
CAMPOS, Paulo Mendes. Para gostar de ler, vol IV. São Paulo: Ed àtica, 1979.
A notícia é uma só: o corpo de um homem de quarenta anos presumíveis é encontrado
de madrugada pelo vigia de uma construção, à margem da Lagoa Rodrigo de Freitas, não
26
28. existindo sinais de morte violenta. As variedades lingüísticas e de registro é que variam.
Utilize a mesma notícia dada em vários estilos e a reescreva conforme os estilos abaixo:
a) Seu próprio estilo;
b) Estilo patricinha;
c) Estilo Luís Inácio Lula da Silva;
d) Estilo rapper;
e) Estilo adolescente vidrado em internet;
f) Estilo Gilberto Gil;
Indicações de leitura...
Preconceito Lingüístico
“Diz-se que o “brasileiro não sabe Português” e que
“Português é muito difícil”; estes são alguns dos mitos que compõem
um preconceito muito presente na cultura brasileira: o lingüístico.
Tudo por causa da confusão que se faz entre língua e
gramática normativa ( que não é a língua, mas só uma
descrição parcial dela). Separe uma coisa da outra com
este livro, que é um achado”.
Revista Nova Escola, maio de 1999.
O livro a que a revista Nova Escola se refere é
Preconceito Lingüístico: o que é, como se faz, Marcos
Bagno. Uma boa leitura para fazer uma auto-análise de
quantos preconceitos lingüísticos nós possuímos por mero
desconhecimento do que realmente é a língua.
Narradores de Javé
Ficha Técnica
Ano de Lançamento (Brasil): 2003
Direção: Eliane Caffé
Roteiro: Luiz Alberto de Abreu e Eliane Caffé
Elenco
José Dumont (Antônio Biá)
Matheus Nachtergaele
Gero Camilo
Somente uma ameaça à própria existência pode mudar a rotina dos
habitantes do pequeno vilarejo de Javé. É aí que eles se deparam com o
anúncio de que a cidade pode desaparecer sob as águas de uma enorme usina
hidrelétrica. Em resposta à notícia devastadora, a comunidade adota uma
ousada estratégia: decide preparar um documento contando todos os grandes
acontecimentos heróicos de sua história, para que Javé possa escapar da
destruição. Como a maioria dos moradores é analfabeta, a primeira tarefa é
encontrar alguém que possa escrever as histórias
27
29. TEXTOS: TIPOS E GÊNEROS
Leitura e
Produção de
Texto
TECENDO PALAVRAS E SENTIDOS
“A palavra texto provém do latim textum,
que significa “tecido, entrelaçamento”. Há,
portanto, uma razão etimológica para nunca
esquecermos que o texto resulta da ação de
tecer, de entrelaçar unidades e partes a fim
de formarmos um todo inter-relacionado.
Daí podermos falar em textura ou
tessitura de um texto: é a rede de
relações que garantem sua coesão, sua
unidade”.
Segundo Fiorin (2003), “não é
amontoando os ingredientes que se prepara
uma receita; assim também não é superpondo frases que se constrói um texto”.Utilizando
ainda a origem etimológica do termo, percebemos que um fio nem milhares deles compõem
um tecido. Para existir tecido é preciso que os fios, mesmo os mais diferentes entre si,
formem uma unidade, uma teia. Assim, também é com o bolo, pois colocar leite, ovos,
manteiga, açúcar e farinha de trigo num recipiente não resulta em bolo. Para que estes
ingredientes se transformem em bolo, é preciso que passem por vários processos, ou seja,
acontece uma metamorfose daqueles ingredientes que compunham meras individualidades
e agora passam a ser uma unidade composta pela diversidade. Num texto , as partes não
possuem significados independentes, mas cada sentido se relaciona com o outro a fim de
construir um sentido global. Entretanto, este não é dado pela soma das partes, mas sim por
uma combinação geradora de sentidos.
Todo texto possui algumas propriedades,O texto possui algumas pou seja, algumas
especificidades básicas que o tornam texto. São elas: a coerência de sentido, a delimitação
por dois brancos e o fato de ser produzido por um determinado sujeito num certo espaço e
tempo.
Possuir coerência de sentido significa que os símbolos constituintes do texto não
estão jogados no papel. Eles se inter-relacionam. Por isso, é perigoso ler as partes do
texto, juntá-las e conferir a elas um sentido global, pois o contexto em que se insere é
determinante para a compreensão do sentido. O contexto, declara Fiorin (2003), “é a unidade
maior em que uma unidade menor está inserida. Assim a frase (unidade maior) serve de
contexto para a palavra; o texto, para a frase etc”.
“Poder-se-ia, assim, conceituar o TEXTO como uma manifestação verbal, constituída
de elementos lingüísticos selecionados e ordenados pelos co-enunciadores, durante a
atividade verbal, de modo a permitir-lhes, na interação, não apenas a depreensão de
conteúdos semânticos, em decorrência da ativação de processos e estratégias de ordem
cognitiva, como também a interação (ou atuação) de acordo com práticas socioculturais”
(Koch, 1992).
28
30. Ao observarmos os dois exemplos abaixo, quais deles chamaríamos de texto?
Das falsas posições
Mário Quintana
Com a pele do leão vestiu-se o burro um dia.
Porém, no seu encalço, acad instante e hora,
“Olha o burro! Fiau! Fiau!”, gritava a bicharia...
Tinha o parvo esquecido as orelhas de fora!
Geralmente, associamos somente texto ao que está escrito. Todavia, se pensarmos
na primeira propriedade, coerência de sentido, perceberemos que os três exemplos acima
possuem coerência, apesar de os dois primeiros serem constituídos de imagens, figuras
geométricas, forma; e o terceiro, de palavras. Podemos perceber que os exemplos acima
não são um ‘amontoado’ de signos; eles formam um todo significativo.
Além disso, possuem um contexto ora explícito, ora implícito, mas determinantes na
compreensão textual.
A segunda propriedade parece irrelevante, para nós que temos contatos cotidianos
com os textos. É possível dizer que em nossa sociedade somos ‘bombardeados’ por textos
o tempo inteiro. Entretanto, de fato todo texto é delimitado por dois espaços vazios, isto é,
por dois espaços de não-sentido. Um antes dele, outro depois. E eles, por incrível que
pareça, têm uma função ímpar: sinalizar onde começa e onde termina o texto. Vejamos uma
fotografia do francês, radicado na Bahia, Pierre Verger. Tal imagem chama-se ‘O olhar
enigmático de Pierre Verger” que pode ser encontrada no site “http://www2.petrobras.com.br/
CulturaEsporte/ingles/cultura/ArtesVisuais/PierreFatumbi.htm”.
29
31. É fácil identificar onde começa a fotografia e onde termina. Assim, o
leitor percebe que só o que interessa para conferir sentido à imagem é o que
está dentro do espaço delimitado pelos dois brancos.
Leitura e Por último, todo texto é produzido por um sujeito, e este, por estar
atrelado ao seu tempo e ao seu espaço, sempre constrói sua produção,
Produção de
revelando os ideais e concepções de um tempo e de um espaço. Por isso, um
Texto leitor competente não faz a pergunta superficial: o que o autor quis dizer? Mas
no lugar dela, procura saber: quem foi o autor? Onde e quando ele produziu tal
texto? Tais elementos, sim, serão de suma importância para o entendimento do texto. Se,
ao lermos um texto de Machado de Assis, quisermos saber o que ele quis dizer, teremos
que perguntar a ele, e como o referido autor está morto, só temos duas saídas: ou ir até lá
ou fazermos uma sessão espírita. Todas as duas alternativas podem configurar-se como
esforços desnecessários, já que como leitores competentes nós mesmos podemos
apreender o sentido do texto.
No primeiro anúncio publicitário, a fotografia da mulher, seu penteado e vestuário
nos remetem à década de 50 do século XX, assim como a embalagem do produto. Quanto
à linguagem, encontramos o uso do termo dentifrício no lugar do mais moderno pasta de
dente. Já no segundo, a mulher, sua roupa e postura já denunciam um outro tempo. Além
disso, temos um bem tecnológico que sequer existia na época da veiculação da primeira
propaganda.
As Possibilidades Textuais:
Texto Literário e o Texto Não-Literário
O Texto Verbal e o Texto Não-Verbal
O texto pode ser literário ou não. O literário possui, como marca de sua produção, a
informação estética; já no não literário, a informação é semântica. O quadro abaixo, construído
pelo professor baiano, Jayme Barros, em seu livro Encontro de redação, é bastante
elucidativo para compreendermos as diferenças entre estes dois formatos textuais.
30
32. INFORMAÇÃO SEMÂNTICA
(texto não-literário)
1. A informação tem um sentido unívoco e exige do receptor uma percepção racional,
uma compreensão lógica. O receptor é atingido em sua inteligência: ou a mensagem é
compreendida ou deixará de ter sentido.
2. A essência é, portanto, a verdade. A beleza torna-se acidental, pois não se busca,
em essência, atingir a sensibilidade do receptor.
3. Os signos têm um valor denotativo, por isso são traduzíveis.
4. O conhecimento prévio da mensagem provoca uma saturação; esgota a
mensagem,
INFORMAÇÃO ESTÉTICA
(texto literário)
1. A informação tem um significado plurívoco, busca atingir a sensibilidade do receptor.
Exige dele uma percepção sensorial. Mesmo sem a compreensão lógica da mensagem,
ela tem um sentido estético: toca a sensibilidade do receptor.
2. A essência é, portanto, a beleza, o prazer estético provocado pela obra, que poderá
ter ou não um sentido lógico. A obra referir-se ou não a uma verdade ou fato cientificamente
comprovado torna-se secundário.
3. Os signos têm um valor conotativo, por isso não são traduzíveis.
4. O conhecimento prévio da mensagem não provoca um esgotamento. Ao contrário,
a depender da percepção sensorial do receptor, do gostar ou não gostar da obra, o
conhecimento prévio da mensagem poderá provocar a busca de novos contatos com a
obra.
Leia os dois textos abaixo:
TEXTO 1
Poema tirado de uma notícia de jornal
João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia, num
barracão sem número
Um noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.
Manuel Bandeira
TEXTO 2
Garçom morre após briga de bar
Por volta de 2h40min da madrugada de sábado, depois de ter se envolvido numa
briga iniciada por um amigo, num bar na Rua Direta do Canal do Bate Estaca, o garçom
Roberto Moreira da Cruz, 26 anos, saiu do estabelecimento de motocicleta. Uma das
pessoas com quem ele tinha brigado disparou com arma de fogo e o matou com um tiro nas
costas. As informações são da irmã dele, a ambulante Roberta Aparecida Santos da Cruz,
31
33. 22 anos, que prestou depoimento na 3ª Delegacia de Polícia. O garçom era
pai de duas crianças, de 2 e 4 anos, mas não era casado. A investigação está
sendo conduzida pela delegada Sônia M. Reis Paiva.
Jornal A Tarde, 02 de outubro de 2005.
Leitura e
Produção de No texto 2 é explícito o compromisso com o relato do fato da forma
Texto mais próxima daquela em que ele ocorreu, por isso há tantos detalhes e
informações relevantes para a compreensão do contexto. O leitor, para
compreendê-lo, usará aspectos racionais. Já no texto 1, não há uma preocupação do autor
em descrever o fato, em dar detalhes do acontecimento, não se sabe a razão do suicídio. A
intenção do autor é atingir a emoção do leitor ao colocá-lo frente à morte, seja trágica ou
não, pois sempre nos desestabiliza e assusta. Por fim, o leitor do texto 1 poderá não ter
uma compreensão lógica do acontecimento, mas certamente se permitirá a diversas
interpretações. Já no texto 2, só há uma possibilidade de compreensão do texto, caso o
leitor não a capte, estará demontrando que não o compreendeu.
O texto pode ser verbal ou não-verbal. Isto quer dizer que podemos construir um texto
somente com imagens, figuras, cores. A este tipo de texto, chamamos de texto não-verbal.
Caso o texto seja composto por palavras faladas ou escritas, teremos um texto verbal. É
possível haver textos constituídos tanto por palavras quanto por imagens, estes serão
considerados como textos mistos.
A tela de Candido Portinari denominada “Os retirantes” é um texto não-verbal, e o
trecho da obra Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto é verbal. Note que
ambos discorrem sobre o mesmo tema; a forma como organizam a mensagem é que é
diferente. O primeiro só se utiliza de imagens, cores e formas, enquanto o segundo usa
palavras.
Os Retirantes. Candido Portinari
32
34. O RETIRANTE EXPLICA AO LEITOR
QUEM É, E A QUE VAI
- O meu nome é Severino, iguais em tudo na vida:
como não tenho outro de pia. na mesma cabeça grande
Como há muitos Severinos, que a custo é que se equilibra,
que é santo de romaria, no mesmo ventre crescido
deram então de me chamar sobre as mesmas pernas finas
Severino de Maria; e iguais também porque o sangue,
como há muitos Severinos que usamos tem pouca tinta.
com mães chamadas Maria, E se somos Severinos
fiquei sendo o da Maria iguais em tudo na vida,
do finado Zacarias. morremos de morte igual,
Mais isso ainda diz pouco: mesma morte severina:
há muitos na freguesia, que é a morte de que se morre
por causa de um coronel de velhice antes dos trinta,
que se chamou Zacarias de emboscada antes dos vinte
e que foi o mais antigo de fome um pouco por dia
senhor desta sesmaria. (de fraqueza e de doença
Como então dizer quem falo é que a morte severina
ora a Vossas Senhorias? ataca em qualquer idade,
Vejamos: é o Severino e até gente não nascida).
da Maria do Zacarias, Somos muitos Severinos
lá da serra da Costela, iguais em tudo e na sina:
limites da Paraíba. a de abrandar estas pedras
(...) suando-se muito em cima,
Somos muitos Severinos a de tentar despertar
33
35. terra sempre mais extinta,
a de querer arrancar
Leitura e
alguns roçado da cinza.
Produção de
Texto Mas, para que me conheçam
melhor Vossas Senhorias
e melhor possam seguir
a história de minha vida,
passo a ser o Severino
que em vossa presença emigra.
O Texto e os Fatores de Contextualidade
Em 1983, Beaugrande e Dessler selecionaram sete características que conferem a
alguma coisa o caráter de texto. Ao considerarmos algo como texto, perceberemos que
nele aparecem os fatores abaixo:
1. Coesão
2. Coerência
3. Intencionalidade
4. Aceitabilidade
5. Situacionalidade
6. Informatividade
7. Intertextualidade
Coesão e Coerência serão temas discutidos no próximo tópico devido a enorme
relevância que possuem no processo de construção textual. Além disso, são nesses aspectos
que os produtores de texto mais cometem falhas.
Todo produtor tem uma intenção na produção textual; planeja o texto e o produz na
tentativa de satisfazer sua meta. A este fator denominamos intencionalidade.
Por outro lado, o receptor, ao se mobilizar para ler um texto, gera uma gama de
expectativas e pré-concepções em torno dele. Saber quem é o autor e a época o fará inferir,
por exemplo, sobre o tema do texto. Seus repertório de leitura e arcabouço de conhecimentos
o possibilitarão compreender o texto de forma parcial, ampla ou superficial. A este fator
denominamos aceitabilidade.
No mundo em que vivemos, em nosso cotidiano, circulam diversos tipos de texto.
Entretanto, eles são diferentes entre si. Uma palestra sobre a importância da leitura será
muito diferente de uma conversa num bar entre dois amigos. A linguagem usada em uma
situação será muito diferente da outra, assim como o grau de intimidade entre emissor e
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36. receptor. Sendo assim, cada contexto sócio-comunicativo requer uma produção de texto
mais pertinente a si mesmo. A esse fator denominamos situacionalidade.
Todo texto tem como característica peculiar a função referencial da linguagem, ou
seja, ele informa sobre algo. Por isso, o autor deve fornecer ao leitor uma suficiência de
dados necessários à compreensão do texto. A esse fator denominamos informatividade.
A lingüista Júlia Kristeva declara que o texto é um mosaico de citações. Isto significa
que não produzimos um texto do nada; todo texto é fruto das informações e conhecimentos
prévios que possuímos. Sendo assim, a leitura de mundo e de palavra escrita é determinante
para a produção textual. Por isso, os Parâmetros Curriculares Nacionais - PCN, que traçam
diretrizes para o ensino das escolas brasileiras, informam a ineficácia do estudo da gramática
normativa para formar leitores e produtores de texto. Segundo os PCN, é a leitura que subsidia
o produtor de textos no exercício da criação. Desta forma, não há como não aparecerem
implicitamente ou explicitamente – por meio de citações, paródias ou pastiches - outros
textos em um texto. A esse fator denominamos intertextualidade.
Coesão e Coerência: A Construção de Sentidos e seus
Mecanismos
A coerência é o fator responsável pelo estabelecimento do sentido no texto, pois a
partir dela ocorre o acerto das partes com relação ao todo. Um texto sem coerência perde
o princípio da interpretabilidade textual, ou seja, torna-se não-inteligível em relação a situação
comunicativa. Como afirmado anteriormente, o texto é como um mosaico, pois se constitui
de elementos diversos e diferentes entre si; todavia,z o entrelaçamento destas partes forma
uma unidade. A coerência é estabelecida nas relações entre os usuários do texto.
Tipos de coerência:
a) Semântica: relação entre os significados.
“Vamos deixar de sermos egoístas e pensarmos um pouco mais em nós mesmos”.
O significado do termo egoísta refere-se ao indivíduo pensar e agir apenas em prol
de si mesmo, se o autor propõe que não se pense em si mesmo somente, como ele pode
conclamar a “pensarmos mais em nós mesmo” que é a mesma coisa?
Forma coerente: Vamos deixar de ser egoístas e pensar mais nos outros.
b) Sintática: uso de recursos sintáticos.
“O Renato é meu filho, mas ele se parece comigo”.
Muitas vezes, não sabemos usar os recursos lingüísticos, pois desconhecemos os
significados das preposições, conjunções, etc. Por exemplo, a conjunção “mas” dá a idéia
de oposição. Assim, espera-se encontrá-la entre duas orações que se oponham ou se
contradigam. Se Renato é filho de alguém, espera-se que ele se pareça com alguém, não
há nenhuma contradição nisso. Haveria se Renato não se parecesse.
Forma coerente: O Renato é meu filho, por isso ele se parece comigo.
c) Estilística: adequação do texto ao estilo ou registro pertinente.
“Prezado Antônio, neste momento quero expressar meus sentimentos por seu pai ter
vestido o paletó de madeira, ter ido comer capim pela raiz....”.
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