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O “plano B” da Petrobras para o Polo Naval em face do amadorismo
                                                        Rio Grande, 3 de maio de 2012.
                                                Engenheiro civil e avaliador Rui Juliano


A Petrobras não tem colhido bons frutos com a construção de plataformas. O início da
fase de exploração do Pré-sal está comprometido: começou com o atraso na entrega do
dique seco do Porto de Rio Grande, passou e passa por grave problema de atraso de
cronograma da extensa carteira de embarcações que o Estaleiro Atlântico Sul precisa
entregar para a Petrobras, em Pernambuco, e agora estoura um novo entrave em Rio
Grande, a plataforma P-55 está com problemas estruturais, sem prazo de resolução, o
que atrasará o trabalho da Quip e Engevix, que operam em perfeita normalidade. A
Petrobras deve ter um “plano B” para enfrentar o amadorismo e pode já ter começado a
trabalhar nele no Polo Naval de Rio Grande.
       Tudo teve início com a contratação de uma empresa que não tinha conhecimento
na construção de dique seco. Erros grosseiros de engenharia ocorreram em Rio Grande,
coisas que não poderiam acontecer nos tempos de hoje. O que se viu no dique seco foi
puro despreparo. O navio chinês ZhenHua chegou a ficar fundeado por mais de dois
meses com as portas-batel do dique seco no convés. Não tinha como descarregar o
equipamento, pois o dique estava com a obra atrasada para recebê-las, devido a falhas
na engenharia. Além de o navio chinês estar carregado com as portas-batel, ainda
estavam nele imensas estruturas metálicas de outro cliente do armador, na Inglaterra.
Fica-se imaginando qual o valor da multa contratual diária cobrada pelo cliente europeu
ao armador, e por este ao recebedor das portas-batel. Na época, olhando-se o navio que
estava aqui, parecia mais uma embarcação sucateada, como se fosse um valor irrisório,
em contraste com o valor das multas contratuais.
        Depois foi a vez do Estaleiro Atlântico Sul, localizado no Polo Naval de Suape,
em Pernambuco, cujos proprietários são grandes empresas, empreiteiras da construção
civil do país, sem experiência na área de construção mecânica. Resultado: o estaleiro foi
fundado há seis anos, com capacidade de construção de cinco navios por ano, 22 navios
encomendados, mas, até agora, construiu apenas um navio, o João Cândido, que
demorou quase quatro anos, atraso perto de dois anos, e custou cinco vezes mais do que
o planejado. O pior é a condição de ter que terminar um para começar outro.
        No que se refere a Rio Grande, a edição de 13 de abril do jornal Zero Hora dá
uma notícia bombástica para a Engevix, a Quip e os rio-grandinos. A plataforma P-55,
que entrou nos Molhes da Barra em janeiro deste ano, teria sérios comprometimentos no
casco e módulos. Nos últimos, estaria o caso mais grave, já que as falhas ficariam nos
pontos que ligam todas as suas partes. O casco da P-55 foi construído justamente no
Estaleiro Atlântico Sul, enquanto os módulos, na empresa Techlabor, em São Gonçalo,
Rio de Janeiro. Em uma vistoria realizada em Rio Grande, foram constatadas falhas de
soldagem em um dos pontos que ligam as partes dos módulos, as quais levaram à
desconfiança de que outros também poderiam estar danificados. Assim, corria-se o risco
de quebrar o módulo quando fosse içado pela Quip no dique seco, afirma o texto do
jornal Zero Hora.
      Na plataforma P-55 serão ser colocados os módulos, dentro do dique seco.
Depois sai a plataforma, o dique é esvaziado e a Engevix começa a montagem dos
blocos que formarão o casco do primeiro navio a ser construído em Rio Grande. Com o
atraso, os blocos prontos já começam a se amontoar no estaleiro.
       O que acontece à P-55 é uma nova grave falha causada pela incipiente indústria
offshore brasileira. Não há como acontecer, atualmente, um erro de engenharia dessa
natureza dentro de um mínimo de competência, a não ser atribuindo-o à incipiência da
nova indústria naval, sucateada a partir da década de 80 e a renascida na presente
conjuntura.
       Somado aos erros de engenharia, está o custo da mão de obra para a construção
naval no país. Nesse ramo, o custo da mão de obra é algumas vezes maior do que no
Japão e na Coreia do Sul. Está certo apostar e incentivar a nossa construção naval: ela
dará envergadura à indústria nacional; porém, os cofres do país deverão ser respeitados.
        A Petrobras deve estar avaliando os custos e os erros de engenharia que
acarretaram atraso no início da efetiva exploração do Pré-sal. Entretanto, ela não deve
estar sentada assistindo ao amadorismo.
       Talvez a Petrobras já tenha tomado uma atitude: tenha dado início ao plano B
em Rio Grande. A sua presidenta, Maria das Graças Foster, na época diretora de
Energia e Gás, no início de fevereiro deste ano esteve em Porto Alegre para assinar um
protocolo de intenções com a Hyundai e a Samsung, em que contemplava o estudo da
construção de uma planta de desgaseificação no Rio Grande do Sul, sem mencionar, no
entanto, em qual município seria instalada.
        Não dá para entender: quanta oferta de empresas qualificadas existe para a
Petrobras firmar uma parceria no gás, mas, ao contrário, vai estabelecê-la logo com dois
gigantes da construção naval mundial. Dá para acreditar que a intenção futura não seja
incluir essas empresas como fornecedoras de embarcações offshore para uso no pré-
sal, sendo nós conhecedores de que a Hyundai e a Samsung têm interesses em
estaleiros no Brasil? A Samsung desistiu, em março deste ano, da parceria com o
Estaleiro Atlântico Sul. Pode-se imaginar o porquê de tal atitude. E quanto à Hyundai,
tem parceria de 10% de estaleiro com a empresa de Eike Batista, no Rio de Janeiro.
       E ainda, por quê escolher o Rio Grande do Sul para instalar a planta de
regasefeicação, logo o estado onde está o porto de São José do Norte, o melhor local
do país para instalar um imenso complexo de construção naval, e põe imenso nisso?

        As respostas saltam aos olhos. É lógico que uma empresa experiente vai querer
energia em abundância para instalar um estaleiro, já que soldas são feitas com energia
elétrica, produto que, no Brasil, é deficitário. Assim, o gás poderá abastecer turbinas
geradoras de energia elétrica aos estaleiros; o que exceder pode ser vendido à rede
nacional. Com o gás à disposição, estaleiros experientes se sentem tranquilos para
investir.
       Segundo o protocolo de intenções assinado com as coreanas Hyundai e
Samsung, a Petrobras tem um prazo de seis meses para anunciar onde irá instalar a
planta de regaseificação no estado. O prazo encerra em agosto, vamos aguardar. O
melhor lugar para instalar a planta de gás é em São José do Norte, sem mencionar o fato
de ser também um local excelente para a construção de estaleiros. E mais adequado
ainda se for construída a planta no local do Estaleiro BR, que já possui uma licença
ambiental inicial e uma área grande já consolidada.
É previsível que, em breve, estejamos vendo, nos restaurantes e comércio de Rio
Grande, muita gente de olho puxado: trata-se dos coreanos que, diga-se de passagem,
são um dos povos que ainda não participava do mosaico das etnias da história de Rio
Grande.

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O plano B da Petrobrás para o pólo naval frente ao amadorismo

  • 1. O “plano B” da Petrobras para o Polo Naval em face do amadorismo Rio Grande, 3 de maio de 2012. Engenheiro civil e avaliador Rui Juliano A Petrobras não tem colhido bons frutos com a construção de plataformas. O início da fase de exploração do Pré-sal está comprometido: começou com o atraso na entrega do dique seco do Porto de Rio Grande, passou e passa por grave problema de atraso de cronograma da extensa carteira de embarcações que o Estaleiro Atlântico Sul precisa entregar para a Petrobras, em Pernambuco, e agora estoura um novo entrave em Rio Grande, a plataforma P-55 está com problemas estruturais, sem prazo de resolução, o que atrasará o trabalho da Quip e Engevix, que operam em perfeita normalidade. A Petrobras deve ter um “plano B” para enfrentar o amadorismo e pode já ter começado a trabalhar nele no Polo Naval de Rio Grande. Tudo teve início com a contratação de uma empresa que não tinha conhecimento na construção de dique seco. Erros grosseiros de engenharia ocorreram em Rio Grande, coisas que não poderiam acontecer nos tempos de hoje. O que se viu no dique seco foi puro despreparo. O navio chinês ZhenHua chegou a ficar fundeado por mais de dois meses com as portas-batel do dique seco no convés. Não tinha como descarregar o equipamento, pois o dique estava com a obra atrasada para recebê-las, devido a falhas na engenharia. Além de o navio chinês estar carregado com as portas-batel, ainda estavam nele imensas estruturas metálicas de outro cliente do armador, na Inglaterra. Fica-se imaginando qual o valor da multa contratual diária cobrada pelo cliente europeu ao armador, e por este ao recebedor das portas-batel. Na época, olhando-se o navio que estava aqui, parecia mais uma embarcação sucateada, como se fosse um valor irrisório, em contraste com o valor das multas contratuais. Depois foi a vez do Estaleiro Atlântico Sul, localizado no Polo Naval de Suape, em Pernambuco, cujos proprietários são grandes empresas, empreiteiras da construção civil do país, sem experiência na área de construção mecânica. Resultado: o estaleiro foi fundado há seis anos, com capacidade de construção de cinco navios por ano, 22 navios encomendados, mas, até agora, construiu apenas um navio, o João Cândido, que demorou quase quatro anos, atraso perto de dois anos, e custou cinco vezes mais do que o planejado. O pior é a condição de ter que terminar um para começar outro. No que se refere a Rio Grande, a edição de 13 de abril do jornal Zero Hora dá uma notícia bombástica para a Engevix, a Quip e os rio-grandinos. A plataforma P-55, que entrou nos Molhes da Barra em janeiro deste ano, teria sérios comprometimentos no casco e módulos. Nos últimos, estaria o caso mais grave, já que as falhas ficariam nos pontos que ligam todas as suas partes. O casco da P-55 foi construído justamente no Estaleiro Atlântico Sul, enquanto os módulos, na empresa Techlabor, em São Gonçalo, Rio de Janeiro. Em uma vistoria realizada em Rio Grande, foram constatadas falhas de soldagem em um dos pontos que ligam as partes dos módulos, as quais levaram à desconfiança de que outros também poderiam estar danificados. Assim, corria-se o risco de quebrar o módulo quando fosse içado pela Quip no dique seco, afirma o texto do jornal Zero Hora. Na plataforma P-55 serão ser colocados os módulos, dentro do dique seco. Depois sai a plataforma, o dique é esvaziado e a Engevix começa a montagem dos
  • 2. blocos que formarão o casco do primeiro navio a ser construído em Rio Grande. Com o atraso, os blocos prontos já começam a se amontoar no estaleiro. O que acontece à P-55 é uma nova grave falha causada pela incipiente indústria offshore brasileira. Não há como acontecer, atualmente, um erro de engenharia dessa natureza dentro de um mínimo de competência, a não ser atribuindo-o à incipiência da nova indústria naval, sucateada a partir da década de 80 e a renascida na presente conjuntura. Somado aos erros de engenharia, está o custo da mão de obra para a construção naval no país. Nesse ramo, o custo da mão de obra é algumas vezes maior do que no Japão e na Coreia do Sul. Está certo apostar e incentivar a nossa construção naval: ela dará envergadura à indústria nacional; porém, os cofres do país deverão ser respeitados. A Petrobras deve estar avaliando os custos e os erros de engenharia que acarretaram atraso no início da efetiva exploração do Pré-sal. Entretanto, ela não deve estar sentada assistindo ao amadorismo. Talvez a Petrobras já tenha tomado uma atitude: tenha dado início ao plano B em Rio Grande. A sua presidenta, Maria das Graças Foster, na época diretora de Energia e Gás, no início de fevereiro deste ano esteve em Porto Alegre para assinar um protocolo de intenções com a Hyundai e a Samsung, em que contemplava o estudo da construção de uma planta de desgaseificação no Rio Grande do Sul, sem mencionar, no entanto, em qual município seria instalada. Não dá para entender: quanta oferta de empresas qualificadas existe para a Petrobras firmar uma parceria no gás, mas, ao contrário, vai estabelecê-la logo com dois gigantes da construção naval mundial. Dá para acreditar que a intenção futura não seja incluir essas empresas como fornecedoras de embarcações offshore para uso no pré- sal, sendo nós conhecedores de que a Hyundai e a Samsung têm interesses em estaleiros no Brasil? A Samsung desistiu, em março deste ano, da parceria com o Estaleiro Atlântico Sul. Pode-se imaginar o porquê de tal atitude. E quanto à Hyundai, tem parceria de 10% de estaleiro com a empresa de Eike Batista, no Rio de Janeiro. E ainda, por quê escolher o Rio Grande do Sul para instalar a planta de regasefeicação, logo o estado onde está o porto de São José do Norte, o melhor local do país para instalar um imenso complexo de construção naval, e põe imenso nisso? As respostas saltam aos olhos. É lógico que uma empresa experiente vai querer energia em abundância para instalar um estaleiro, já que soldas são feitas com energia elétrica, produto que, no Brasil, é deficitário. Assim, o gás poderá abastecer turbinas geradoras de energia elétrica aos estaleiros; o que exceder pode ser vendido à rede nacional. Com o gás à disposição, estaleiros experientes se sentem tranquilos para investir. Segundo o protocolo de intenções assinado com as coreanas Hyundai e Samsung, a Petrobras tem um prazo de seis meses para anunciar onde irá instalar a planta de regaseificação no estado. O prazo encerra em agosto, vamos aguardar. O melhor lugar para instalar a planta de gás é em São José do Norte, sem mencionar o fato de ser também um local excelente para a construção de estaleiros. E mais adequado ainda se for construída a planta no local do Estaleiro BR, que já possui uma licença ambiental inicial e uma área grande já consolidada.
  • 3. É previsível que, em breve, estejamos vendo, nos restaurantes e comércio de Rio Grande, muita gente de olho puxado: trata-se dos coreanos que, diga-se de passagem, são um dos povos que ainda não participava do mosaico das etnias da história de Rio Grande.