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RIO O GLOBO 2ª edição • Domingo, 22 de janeiro de 2012
.
PERFIL • CLÁUDIO JORGE, Violonista, compositor e arranjador
O bom
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Fo
bruxo do
Cachambi
Um dos mais requisitados
violonistas do Brasil, o carioca
Cláudio Jorge mostra por que a
vida não é feita só de samba
S
Arnaldo Bloch
arnaldo@oglobo.com.br
e existe uma
família da
qual o patriar-
ca não é uma
pessoa, mas
um violão, es-
sa é o clã on-
de nasceu
Cláudio Jorge
— um dos mais requisitados
instrumentistas em palcos e
estúdios do Brasil, parceiro
de Cartola, Martinho, Nei Lo-
p e s , Wi l s o n d a s N e v e s , e
compositor e letrista canta-
do pela nata dos intérpretes
— numa maternidade na Bo-
ca do Mato. Encerado e sem- NO APARTAMENTO onde vive há 17 anos, em Laranjeiras,
pre jovem à custa de check-
ups periódicos, esse patriar- Cláudio Jorge, considerado por muitos o melhor violão
ca ainda trabalha muito e, acompanhador do Brasil, empunha o instrumento mais
nas horas vagas, repousa nu-
ma boa e estilosa poltrona que centenário que pertenceu a seu avô e ensinou música
pé-palito em Laranjeiras: vio- a seu pai, sua mãe e seu filho.
lão mais que centenário, sem
marca, de caixa fina (“bola-
cha”, como se dizia), com um
colar de madrepérola na gar-
ganta que ressoa graves for-
tes e redondos. VOCÊ VEM NO FACEBOOK/COM A MAIOR CARA DE PAU/VEM ME
— Esse aqui eu não uso na dando um cutuque/ pra amizade virtual/O que deu nessa
rua, não. Só para compor, fa- cabeça apagou tua memória/ como pode essa ideia totalmente
zer arranjos e dar aulas de rit- sem noção/ Não há tecnologia/nem mandinga ou fantasia/ que
mos brasileiros: as várias for- me faça deletar tamanha desilusão
mas de se tocar um partido al-
to, um ijexá, um afoxé, uma Eu que já fui o seu domínio/amarguei com o declínio de um
guarânia, um maracatu, como amor que parecia ser tão bom/As coisas do teu mundo tão
eu mesmo fui aprendendo. real/me fizeram tanto mal/que eu quis a separação/
Agora junto com a modernidade/vens com ares de
Beatles, Bird
saudade/junto a mim querendo enfim compartilhar
e muito jazz
Não vem de play que eu não estou de pause/teu coração é uma
lan house qualquer um já pode entrar/
Você vem no Facebook...
● Em sua infância no Ca-
“ “
chambi, o violão que Cláudio “Coração lan house”, música e letra de Cláudio Jorge, samba recente e inédito
transformou em emissor de
seu estilo “falsamente sim-
ples”, como define Aldir temar Dutra, Frank Sinatra e O GLOBO NA INTERNET
Blanc, era ferramenta de tra- Jackson do Pandeiro. Nos fins VÍDEO Em vídeo exclusivo, Cláudio Jorge toca “Coração lan house”
balho do avô — que era jor- de semana em Rocha Miranda oglobo.com.br/rio
nalista e dava aulas de músi- juntava-se o pessoal chorão, e
ca. Um dia parou de ensinar, imperavam as sete cordas.
deixou-o um tempo com uma — Dormi muito no quintal
aluna e, quando precisou de A música não é ouvindo esse som. Mas, embo- É uma religião Nos anos 80 subia muito o — Foi o Nei Lopes que me
volta, pediu ao filho, Everaldo ra todos me conheçam como morro dos Macacos. Levava levou. Antes eu não dizia, mas
de Barros (crítico musical e suficiente para, por sambista, o que me orgulha, bonita e ecológica, uns angolanos, que se espan- hoje acho que todos têm que
também violonista) para bus- por ser título de nobreza, não tavam, a reviver sua infância afirmar sua fé. É uma religião
cá-lo. Chegando lá, o rapaz si só, sustentar o é o que sou exatamente. Mi- que sofre horrível nos terreirinhos e nas casas. bonita e ecológica, que depen-
apaixonou-se pela moça, ca-
saram-se e nasceu Cláudio.
prazer de viver. Este nha formação começou tocan-
do Beatles em baile de subúr-
preconceito. Sou um — Depois ficou difícil, com
essa coisa de movimento.
de da natureza e sofre um pre-
conceito horrível, daí a grande
Que, por sua vez, também sim, o principal bio, ouvindo jazz, coisas do ro- militante decidido Agora, parece que pode de massa de fiéis não se declarar
aprendeu música nele e, de- ck antigo, Birds. Não passei novo. Mas quem me abriu o nem ao Censo. Sou um militan-
pois, seu filho, Gabriel, jorna- assunto. por escola de samba. O encon- dos orixás. universo dos samba no morro te decidido dos orixás.
lista e violonista, para variar. tro foi muito depois. e nas quadras foi João No- Os orixás parecem estar
— Eu sou o único que dis- Dos 62 anos, viveu metade gueira. Logo ele, que se intitu- mesmo fazendo bem a Cláu-
pensou o jornalismo e se con- música, política e pensamento no subúrbio, metade na Zona com suas panelas e suas tra- lava um sambista da calçada, dio, mas não muito ao seu Bo-
centrou na música. Mas não livre, trabalha como jurado de Sul. Os afetos se dividem: vessas. Vi isso muito nos me- mas que tinha uma puta in- tafogo querido, frequentador
foi racional. Achava que pro- editais, tem um selo e um pro- — No tempo do Cachambi ses em que morei em Angola. fluencia do jazz. Era apresen- que é de estádios e de encon-
fissão era programar compu- grama na Rádio Nacional so- todo mundo tinha vontade de O toque de recolher era res- tador do Mackenzie, no tros alvinegros.
tador. Aprendi num que era do bre música independente. morar na Zona Sul. Muita gen- peitado, mas, antes dele, o Méier. O jazz no subúrbio era — Com todo o drama, o Bo-
tamanho deste apartamento. — Passo meu tempo como te conseguiu ir para Copaca- pessoal sempre que podia coisa séria. Muitos dos gran- tafogo me dá muito prazer.
Depois fiz decoração de inte- ele me é oferecido, sem gran- bana, quando Ipanema não festejava a sobrevivência. des músicos cariocas de jazz Pois quando somos campeões
riores, cheguei a tentar pré- de resistência: pois a música era nada e a Barra era terra Não se trata só de nostalgia: vieram de lá. é sempre singular. Nossa re-
vestibular para arquitetura. não é suficiente para, por si estrangeira. Suburbano é, Cláudio frequenta o Mercadão Há oito anos, abraçou o can- presentatividade é motivo de
Até a música me levar. só, sustentar o prazer de viver. mesmo, obcecado pela praia. de Madureira, onde faz com- domblé. O pai também fre- orgulho. A estrela solitária é
Talvez por isso ele seja hoje Este sim, o principal assunto. Mas o cara que sai da Zona pras e almoça quentava, mas não forçou a uma imagem de grande poe-
tão eclético: além de arranjar, Dos vatapás acompanhados Sul e vai a uma festa em Ma- — É o único lugar do mundo barra: por influência da mãe, sia. E quando Loco Abreu faz
produzir, gravar e fazer tri- de vitrola 78 rotações de seu dureira descobre que aquilo onde se come uma posta de foi coroinha e um dos primei- gol de cavadinha, isso vale um
lhas, mantém um blog sobre pai, que era baiano, vinham Al- ali é a vida. Famílias gigantes bacalhau legal por R$ 17. ros Cantores da Guanabara. campeonato inteiro... ■