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A Importância da África para as Ciências Humanas*
Robert W. Slenes*
Resumo
Desde aproximadamente os anos 1960, desmoronou-se boa parte do mundo
que as ciências humanas haviam construído. Mais precisamente, houve um
profundo “descentramento” (decentering) desse mundo na academia – isto
é, uma mudança dos paradigmas que guiam a pesquisa. Quero refletir sobre
essa mudança, enfocando particularmente os estudos africanistas. Pretendo
abordar meu tema com ênfase na disciplina de história e a partir de três
perspectivas. Primeiro, delineio o perfil geral da mudança de paradigmas
para propor uma atualização urgente na estrutura curricular das ciências
sociais brasileiras. Segundo, discuto trajetórias intelectuais e mudanças
institucionais dentro da academia do “centro” como exemplo cabal do
descentramento – ou subversão – causado pela “vivência com a periferia”:
isto é, pela intensa experiência de pesquisa de campo de estudiosos do
Atlântico-norte fora de sua região, e a progressiva incorporação de
intelectuais dos países do “Sul” como seus interlocutores. Terceiro, enfoco
os estudos afro-brasileiros para sugerir a necessidade de um deslocamento
semelhante, operado a partir das “margens” da sociedade brasileira.
Palavras-chave: História da África; Ciências Humanas; Epistemologia; Estudos
Afro-brasileiros.
Abstract
Since approximately the 1960s, much of the world built by the humanities
and social sciences has collapsed. More precisely, a profound decentering
of that world has occurred in the academy – that is, a change in the paradigms
* Texto apresentado no seminário “Respostas ao racismo: produção acadêmica e
compromisso político em tempos de ações afirmativas” realizado em 3 de dezembro de
2009 no IFCH/UNICAMP.
** Professor Titular, Departamento de História, UNICAMP.
Robert W. Slenes
20
guiding research. I wish to reflect on that change, focusing particularly on
studies about Africa. I approach my theme with an emphasis on the
discipline of history and from three vantage points. First, I sketch the general
profile of the change in paradigms to propose an urgent updating of Brazilian
social science curricula. Second, I discuss intellectual trajectories and
institutional changes within the academy of the “center” as a prime example
of the decentering – or subversion – caused by “living with the periphery”:
that is, by North-Atlantic scholars’ intense experience of field research
outside their region and their progressive incorporation of intellectuals
from the countries of the “South” as interlocutors. Third, I focus on African-
Brazilian studies to suggest the necessity of a similar dislocation, provoked
from the “margins” of Brazilian society.
Keywords: African History; Humanities and Social Sciences; Epistemology;
African-Brazilian studies.
Desde aproximadamente os anos 1960 – a década da aceleração do
processo de independência das colônias europeias, da derrubada da
segregação racial nos Estados Unidos, dos movimentos estudantis de 1968
– desmoronou-se boa parte do mundo que as ciências humanas haviam
construído. Mais precisamente, houve um profundo “descentramento”
(decentering) desse mundo na academia – isto é, uma mudança dos
paradigmas que guiam a pesquisa. A experiência europeia/norte-
americana deixou de ser o padrão para se pensar a história do restante da
humanidade. A relação entre “centro” e “periferia” no mundo moderno
foi radicalmente re-definida a partir de uma perspectiva dialética,
enfatizando a profunda interação e interpenetração entre esses dois
“extremos”. Paralelamente, no imaginário dos pesquisadores, os
“subalternos” (os “de baixo” na pirâmide social) ganharam voz,
pensamento estratégico e participação ativa no processo histórico.
Quero refletir sobre essa mudança, enfocando particularmente os
estudos africanistas. A África, afinal, esteve na encruzilhada dos caminhos
da expansão europeia, desde a época do tráfico de escravos para a América
História Social, n. 19, segundo semestre de 2010
A Importância da África para as Ciências Humanas
21
até o período da “segunda colonização”, nos séculos XIX e XX; por causa
disso, foi um dos alvos preferenciais das reflexões da academia a respeito
dessa expansão e da relação entre povos europeus e não europeus.
Pretendo abordar meu tema com enfoque na disciplina de história e a
partir de três perspectivas. Primeiro, delineio o perfil geral da mudança
de paradigmas para propor uma atualização urgente na estrutura curricular
das ciências sociais brasileiras. Segundo, discuto trajetórias intelectuais
e mudanças institucionais dentro da academia do “centro” como exemplo
cabal do descentramento – ou subversão – causado pela “vivência com a
periferia”, no caso, o “Living with Africa”, para usar o título de um livro de
Jan Vansina (1994). Refiro-me às intensas experiências de pesquisa de
campo na África e alhures vividas por professores do Atlântico-norte, como
também à progressiva interlocução destes com intelectuais africanos
(e latino-americanos e asiáticos). Terceiro, enfoco os estudos afro-
brasileiros para sugerir a necessidade de um deslocamento semelhante,
operado a partir das “margens” da sociedade brasileira.
Vamos à primeira questão: o perfil geral da mudança e suas
implicações para a universidade brasileira. Em 1993, a Editora da
Universidade de Chicago publicou uma coletânea de ensaios chamada
África e as disciplinas: as contribuições da pesquisa sobre a África às ciências
sociais e humanas (BATES, MUDIMBE e O’BARR, 1993). Os diversos autores-
colaboradores, cada um refletindo sobre sua própria disciplina, foram
instigados pelos organizadores do livro a responder à seguinte pergunta,
colocada por um hipotético reitor ou diretor de instituto a um (também
hipotético) chefe de departamento: por que, numa conjuntura de escassez
de recursos, contratar um historiador [ou antropólogo, economista,
cientista político, filósofo, estudioso da literatura] que seja especialista em
África, em vez de um perito em outra área geográfica? A resposta unânime
dos autores: os estudos africanistas marcaram profundamente a própria
formação teórica e metodológica de suas respectivas disciplinas no século
XX (é o caso especialmente na antropologia), provocaram profundas
reinterpretações dentro delas (o caso particularmente na história, na
Robert W. Slenes
22
história da arte e nos estudos literários na segunda metade do século) ou
prometiam fazer isso dentro em breve (na economia e na ciência política).
Steven Feierman, autor do ensaio sobre a história, atribui ao desafio
empírico das novas pesquisas africanistas uma parcela significativa da
profunda crise que se abateu sobre a disciplina (no hemisfério norte)
a partir de meados dos anos 1980 – crise caracterizada por uma crescente
percepção de “fragmentação” teórica e metodológica no campo da pesquisa
e uma descrença na possibilidade de se construir uma “história universal”
(FEIERMAN, 1993: 167-212). Feierman dá vários exemplos desse desafio,
a começar pela desconstrução da “teoria hamítica”, que atribuía aos povos
hamitas do oriente médio qualquer inovação tecnológica na África
subsaariana que não tivesse sua origem na Europa. Ele também chama a
atenção (como muitos outros já haviam feito) para a extraordinária inovação
de fontes e métodos obtida pela historiografia africanista, profundamente
interdisciplinar desde seu nascimento como especialidade acadêmica nas
décadas de 1950 e 1960 (VANSINA, 1994). Particularmente impactantes, a
meu ver, são os estudos da “tradição oral” e, mais ainda, os de “arqueologia
lingüística”. Esses últimos procuram reconstruir a história social e cultural a
partir da evolução de vocabulários, especialmente na área linguística bantu
da África Central e Meridional entre c. 5.000 a. C. e o presente. As pesquisas
nas duas áreas demoliram o mito da impossibilidade de se fazer uma história
do continente profunda no tempo e de grande densidade.1
Finalmente,
Feierman destaca os resultados impressionantes que decorreram da decisão
– tomada pela maioria dos africanistas europeus e norte-americanos, mas
especialmente pelos historiadores africanos – de concentrar seus esforços
na análise do “protagonismo consequente” (agency) das pessoas comuns,
algo absolutamente negado pelo paradigma anterior.2
1
Nessas duas áreas, as obras de Jan Vansina são fundamentais: por exemplo,
“A tradição oral e sua metodologia” (in: KI-ZERBO (org.), 1980: 157-179) e Paths in the
Rainforests: Toward a History of Political Tradition in Equatorial África (1990). Um livro que
sai no exato momento em que este ensaio vai para o prelo: EHRET, History and the
Testimony of Language (2010).
2
Ver Boubacar Barry, “Escrevendo história na África depois da Independência: o caso
da Escola
História Social, n. 19, segundo semestre de 2010
A Importância da África para as Ciências Humanas
23
De fato, para Feierman o choque vindo da historiografia africana
(ou, mais amplamente, do estudo das “margens” do mundo ocidental,
incluindo-se aqui as pesquisas que revelam o protagonismo da classe
operária e dos escravos e negros no Atlântico-norte) 3
não aniquilou
a possibilidade de se criar uma ciência histórica universal. Apenas
tornou impossível a promoção de uma versão “provinciana” (no caso,
eurocêntrica e elitista) dela – para usar a expressão posterior do
historiador indiano Dipesh Chakrabarty (2000). Feierman ironiza a
sensação de crise no “establishment” da academia do “Norte”:
É um paradoxo profundo da “escrita da história” nos
últimos tempos que nossa fé no conhecimento histórico
objetivo tem sido abalada precisamente por causa do avanço
do “conhecimento” em seu sentido objetivo. A versão de
conhecimento histórico tida como verídica [authoritative] tem
sido minada porque os historiadores, nas décadas recentes,
construíram conjuntos de conhecimentos [“sobre gente
anteriormente excluída da história geral da humanidade”]
a respeito dos quais seus predecessores só podiam sonhar.
(...) [Essas] histórias excluídas não apenas apresentam novos
dados para serem integrados à narrativa mais ampla; elas
levantam dúvidas sobre a validade dessa mesma narrativa
(FEIERMAN, 1993: 168-169).
Eis, enfim, a conclusão de África e as Disciplinas, ou seja, a
resposta do hipotético chefe de departamento ao seu diretor de
instituto ou reitor: não há universidade de pesquisa que se preze que
não reserve para a África um lugar central nos cursos das ciências sociais
de Dakar” (in: BARRY, 2000), e (FALOLA, 2001 cap. 6), sobre as escolas historiográficas
de Ibadan e Dar-es-Salaam. N.B. a participação nesta última de Terence Ranger
(inglês) e Walter Rodney (da Guyana, na América do Sul); ver “The ‘New Historiography’
in Dar es Salaam: An Answer” (RANGER, 1971: 50-61) e Como a Europa subdesenvolveu a
África (RODNEY, 1975 [1962]).
3
Por exemplo, as obras de THOMPSON, especialmente A formação da classe operária
inglesa, 3 vols. (1988 [1963]); GUTMAN, Work, Culture and Society in Industrializing America
(1977 [1976]) e The Black Family in Slavery and Freedom, 1750-1925 ( 1976); GENOVESE, Roll,
Jordan, Roll: the World the Slaves Made (1974); MINTZ e PRICE, O Nascimento da cultura afro-
americana: uma perspectiva antropológica (2003 [1976]).
Robert W. Slenes
24
e humanas.4
Se isso era verdade em 1993, é mais ainda hoje, dado o
continuado crescimento e influência dos estudos africanistas
(notadamente na área de história) e, especialmente, da pesquisa
realizada por professores africanos, trabalhando em seu continente de
origem ou nas universidades do Ocidente.5
Traduzindo para o contexto
brasileiro: em universidades que já desafiaram as ideias vindas do “Norte” –
em particular no que diz respeito ao conhecimento sobre o Brasil e a América
Latina – urge agora aprofundar o diálogo com os novos estudos africanistas.
Em termos práticos, isto quer dizer que é de absoluta necessidade abrir
vagas para professores especialistas em história (antropologia, literatura,
etc.) da África, como passo essencial para que as universidades brasileiras
dialoguem em termos de igualdade científica, não apenas com seus
congêneres no Sul, mas também com a academia renovada do Norte.
Esta última, aliás, se encontra profundamente transformada pela
vivência com o hemisfério “Sul”. Começo a segunda parte de minha
apresentação observando que o “centro” – o círculo inteiro, aliás –
é visualizado melhor a partir das margens. Aprendi isso quando iniciei meus
estudos de pós-graduação em história brasileira e latino-americana na
Universidade de Stanford. Li Celso Furtado, Raul Prebisch e os proponentes
da teoria da dependência, autores pouco conhecidos por meus colegas que
cursavam história dos Estados Unidos (FURTADO, 1959), (PREBISCH, 1964),
(CARDOSO E FALETO, 1970). Percebi também, especialmente na minha
pesquisa de tese no Brasil, que as margens se conectavam. Fui até um
4
Evidentemente, argumento semelhante pode ser feito a respeito de outras áreas
fora do Atlântico-norte (a América Latina, por exemplo), onde houve crescimento
extraordinário no conhecimento histórico nas últimas décadas.
5
Ver a grande presença de artigos de historiadores africanos na General History of
Africa, 8 vols. (Berkeley: Unesco/University of California Press, 1981-1993), agora (final
de 2010) totalmente traduzido para o português – História Geral da África, 8 vols
(Brasilia: UNESCO, Secad/MEC, UFSCar, 2010) – e disponível na internet:
http://www.unesco.org /en/brasilia/dynamic-content-single-view/news/
general_history_of_africa_collection_in_portuguese/back/9669/cHash/d6c86ae49c/;
idem nas bibliografias dos capítulos em Elikia M’Bokolo, África negra: história e
civilizações, Tomo I: Até o século XVIII (Salvador/São Paulo: EDUFBA/ Casa da África,
2009), e Tomo II: Do século XIX aos nossos dias (Lisboa: Ed. Colibri, 2007).
História Social, n. 19, segundo semestre de 2010
A Importância da África para as Ciências Humanas
25
pequeno vetor nesse processo de costura quando voltei aos Estados Unidos,
no final de 1971, via Europa. Nessa viagem, levei publicações do CEBRAP,
enviadas por um eminente intelectual brasileiro a quem eu dava aulas de
conversação em inglês, para o sociólogo Samir Amin, em Dakar, Senegal –
parada obrigatória para os pequenos aviões da época na rota Rio-Paris
(AMIN, 1970).
A minha experiência não foi única. De fato, creio que a maioria
dos cientistas sociais norte-americanos que se tornaram especialistas
sobre regiões fora do eixo Europa/América-anglófona nos anos 1960 em
diante passou por um aprendizado semelhante. Certamente foi o caso
daqueles que mais se destacaram. Menciono, como exemplos, Immanuel
Wallerstein, africanista (na disciplina de Ciência Política), portanto leitor
dos “dependentistas” africanos (e latino-americanos), antes de mapear
o sistema-mundo capitalista em formação, e os cinco autores de uma
coletânea impactante, Confrontando paradigmas históricos:
camponeses, trabalhadores e o sistema mundial capitalista na África e
na América Latina (1993): Frederick Cooper e Alan Izaacman, africanistas,
e Florência Mallon, William Roseberry e Steve Stern, especialistas em
América Latina.6
O livro destes autores, marcado pelo conceito de
sistema-mundo, incorpora também como contraponto necessário a
abordagem dos “estudos subalternos”, que atribui protagonismo, ou a
capacidade de interferir decididamente na formação do próprio sistema
(descentrando-se, portanto) a grupos situados em diversas “margens”
sociais e geográficas: trabalhadores industriais, camponeses, escravos,
povos autóctones e colonizados, entre outros. Os “estudos subalternos”,
por sua vez, tiveram origem em trabalhos inovadores não só na
“metrópole” (ver, por exemplo, as obras de Eric Hobsbawm, E. P.
6
WALLERSTEIN, The Modern World System: Capitalist Agriculture and the Origins of the
European World Economy in the Sixteenth Century (1974), seguido de outros dois volumes
(1980, 1989), levando a história do sistema-mundo capitalista até 1840. COOPER et al,
Confronting historical paradigms: peasants, labor, and the capitalist world system in Africa and
Latin America (1993).
Robert W. Slenes
26
Thompson e os micro-historiadores italianos ), como também na
“colônia”. O nome, de fato, foi cunhado por um grupo de jovens
historiadores indianos influenciados pelo teórico marxista Antônio
Gramsci, que rejeitava a ideia de que “as classes subalternas” estivessem
sob a “hegemonia” total das dominantes, mas poderia ter-se originado
entre colegas africanos e latino-americanos que estavam ensaiando
idéias semelhantes no mesmo período nas décadas de 1970 e 1980. 7
No caso norte-americano, que conheço melhor, a mudança foi facilitada
pela criação e pela enorme expansão dos programas de “estudos de área”
(“estudos africanos”, ou, freqüentemente, “africanos e afro-americanos”, foi o
nometipicamentedadoaprogramassobreÁfricaeadiáspora)duranteoperíodo
da Guerra Fria. (Embora financiados por dotações e bolsas vindas do governo
americano a partir da “National Defense Education Act” de 1958, esses
programasnãoproduziram,emsuamaioria,especialistasafinadoscomapolítica
estrangeira norte-americana – muito pelo contrário, como a frequente oposição
a essa política por parte da Latin American Studies Association demonstra). Um
fato crucial para entender o impacto na academia estado-unidense dos “estudos
de área” é que estes geralmente tiveram estatuto universitário interdisciplinar.
Isto é, o grande ingresso nas universidades de especialistas nessas áreas se deu
através da tradicional estrutura disciplinar. Como os historiadores (ou os
7
Por exemplo, THOMPSON, A formação..., (1988[1963]); GINZBURG, O queijo e os vermes:
o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição (2006 [1976: 1ª ed. em
italiano]); LEVI, “Sobre a micro-história” (in: BURKE, 1992: 133-161); BARRY, “Escrevendo
história na África” (in: BARRY, 2000); RANGER, “The ‘New Historiography...’” (1971);
BARRY, La Sénégambie du xve au xixe siècle: traite négrière, Islam et conquête coloniale
(1988); RODNEY, A History of the Guyanese Working People, 1881-1905 (1981); CHALHOUB e
SILVA, “Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia
brasileira desde os anos 1980” (2009); GUHA, Elementary Aspects of Peasant Insurgency
in Colonial India (1983) e como coord. Subaltern Studies I: Writings on South Asian History and
Society (1982). Este último foi seguido, até 1999, por outros nove volumes de Subaltern
Studies, não todos organizados por Guha. Sobre a influência de Gramsci, não apenas
na Índia, mas também no grupo de historiadores marxistas ingleses (especialmente
Hobsbawm e Thompson) e na micro-história italiana, ver: CHATURVEDI, “introduction”,
e ARNOLD, “Gramsci and Peasant Subalternity in India” (in: CHATUVERDI, 2000:
respectivamente vii-xix e 50-71); LIMA, A micro-história italiana: escalas, indícios e
singularidades (2006: 73-75 e 174).
História Social, n. 19, segundo semestre de 2010
A Importância da África para as Ciências Humanas
27
antropólogos, cientistas políticos, etc.) tomam café juntos, reúnem-se nos
mesmos congressos e publicam nas mesmas revistas, a presença cada vez maior
de professores que (no início) podiam ser vistos como intrusos – junto com a
contratação de gente especializada em estudos sobre grupos “nas margens” da
sociedade norte-americana (escravos, negros, índios, trabalhadores, hispânicos,
mulheres) – acabou mudando profundamente o perfil de cada disciplina. Mais
recentemente, o afluxo de professores estrangeiros para os Estados Unidos –
reflexo trágico da perda de cérebros dos países do “Sul”, especialmente da
África – tem levado grandes pesquisadores africanos, indianos e outros para os
principais centros norte-americanos em “estudos de área”. Lá, eles são os
beneficiários das bolsas de incentivo à pesquisa das agências de financiamento
americano, com o resultado de que eles têm mais facilidades de publicar obras
de ponta que dialoguem com a academia (descentrada) do “Norte” do que
teriam em seus países de origem. Outra consequência é que a “vivência com a
área” (no caso em discussão, com a África) dos novos especialistas norte-
americanos começa de forma intensa cada vez mais nas salas de aula e
seminários da pós-graduação, antes da experiência de pesquisa de campo para
a tese.8
A última parte de minha apresentação – que enfoca os “estudos
africanistas e afro-brasileiros”, ou o estudo da diáspora negra especialmente
no Brasil – propõe quase um corolário daquilo que falei até aqui.
A historiografia das últimas décadas sobre o Brasil tem produzido
descentramentos semelhantes aos que surgiram nos estudos históricos
internacionais. Por exemplo, a “periferia” social e econômica da plantation
– ou seja, o mundo envolvido na produção para o mercado interno – tem-se
revelado muito maior e muito mais dinâmica e importante para entender o
“centro” exportador do que se pensava antes (quando o Brasil era tido, com
referência ao período antes de 1850, como pouco mais do que uma grande
fazenda). Da mesma forma, os escravos, os negros libertos e livres, os índios,
8
Sobre o lado sombrio dessa perda de cérebros para a construção de uma história
africana por historiadores africanos, ver Nationaism and African Intellectuals, (FALOLA,
cap. 7).
Robert W. Slenes
28
os trabalhadores em geral não são mais vistos como gente marginalizada
do processo histórico – anômica, alienada, vitimada ao ponto de não ter
capacidade de agir “politicamente” para frear, desafiar ou compactuar com
os grupos dominantes. Como resultado desta mudança, há um imperativo
teórico cada vez maior na academia brasileira para entender as razões desses
diversos grupos – suas experiências, suas culturas, suas estratégias
identitárias, enfim, a visão “êmica” que eles tinham de si – mesmo que até
recentemente a maioria dos pesquisadores envolvidos nesse trabalho tenha
sido gente branca e de classe média. Sugiro que houve no Brasil um processo
semelhante ao que descrevi acima a respeito dos “estudos de área” nos
Estados Unidos, onde especialistas não africanos, por um esforço de
pesquisa e imaginação, se aproximaram à “vivência com a África”. Sugiro
também que essa mudança tem preparado o caminho para um passo decisivo
e necessário: a incorporação maior de negros (e índios e outros subalternos
ainda marginalizados) como alunos de graduação, pós-graduandos e
professores.
Não quero dizer com isso que um pesquisador negro tem
necessariamente mais capacidade de entender a história dos negros no
Brasil ou na diáspora em geral do que um pesquisador branco. Tem-se dito
que “o passado é outro país”. Portanto, em graus maiores ou menores,
somos todos estrangeiros nele, o que traz problemas, mas também
vantagens; o “estrangeiro”, pela capacidade de sentir estranhamento em
face de algo diferente daquilo que lhe é próprio, às vezes consegue levantar
perguntas mais perspicazes do que o “nativo”. (Observo aqui que um dos
grandes problemas com a historiografia sobre os Estados Unidos é a relativa
falta de pesquisadores estrangeiros capacitados para dialogar com – e
desafiar – as visões dos especialistas norte-americanos.) Entretanto, se
definirmos “ciência” nos termos usados por Thomas Kuhn – como um
processo de diálogo e debate dentro de uma comunidade que aceite
determinadas normas e regras a respeito daquilo que constitui o “discurso
da prova” –, é óbvio que, quanto mais democrático o acesso a essa
comunidade, especialmente para o grupo que a ciência em questão toca
História Social, n. 19, segundo semestre de 2010
A Importância da África para as Ciências Humanas
29
mais de perto, melhor (KUHN, 2006 [1962]). Chego dessa maneira às minhas
conclusões finais. Primeiro, da mesma forma como a África e a história da
diáspora negra deveriam ocupar um lugar privilegiado nos programas
brasileiros em ciências sociais e humanas, os pesquisadores e professores
negros deveriam ter uma presença de destaque na criação e transmissão
de novos conhecimentos nessa área. Segundo, como a capacidade de
empatia com o “outro” e de imaginação crítica é algo inerente à condição
humana, os negros deveriam ocupar o lugar a que têm direito, dado o seu
peso demográfico, em todas as áreas do conhecimento (por exemplo, no
estudo da antiguidade europeia ou da história da China, para não falar das
ciências físicas e biológicas). Trata-se, sem dúvida, de uma questão de
direitos sociais; mas aqui quero frisar que também é uma questão de política
científica, ou seja, de um projeto visando a maior aproximação entre as
preocupações dos pesquisadores na área das humanas (de fato, em todas
as áreas) e as preocupações dos cidadãos. Tal projeto, se realizado,
certamente tornaria a ciência mais afinada com as demandas da sociedade,
alterando substancialmente as prioridades e agendas de pesquisa das
diversas disciplinas. A mudança rumo a essas metas deveria começar a
acontecer já: com políticas, de um lado, em prol da ação afirmativa e da
expansão de vagas nas universidades, e, de outro, com a melhoria radical
do sistema de educação pública no nível primário e secundário.
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A importância da África para as ciências humanas

  • 1. A Importância da África para as Ciências Humanas* Robert W. Slenes* Resumo Desde aproximadamente os anos 1960, desmoronou-se boa parte do mundo que as ciências humanas haviam construído. Mais precisamente, houve um profundo “descentramento” (decentering) desse mundo na academia – isto é, uma mudança dos paradigmas que guiam a pesquisa. Quero refletir sobre essa mudança, enfocando particularmente os estudos africanistas. Pretendo abordar meu tema com ênfase na disciplina de história e a partir de três perspectivas. Primeiro, delineio o perfil geral da mudança de paradigmas para propor uma atualização urgente na estrutura curricular das ciências sociais brasileiras. Segundo, discuto trajetórias intelectuais e mudanças institucionais dentro da academia do “centro” como exemplo cabal do descentramento – ou subversão – causado pela “vivência com a periferia”: isto é, pela intensa experiência de pesquisa de campo de estudiosos do Atlântico-norte fora de sua região, e a progressiva incorporação de intelectuais dos países do “Sul” como seus interlocutores. Terceiro, enfoco os estudos afro-brasileiros para sugerir a necessidade de um deslocamento semelhante, operado a partir das “margens” da sociedade brasileira. Palavras-chave: História da África; Ciências Humanas; Epistemologia; Estudos Afro-brasileiros. Abstract Since approximately the 1960s, much of the world built by the humanities and social sciences has collapsed. More precisely, a profound decentering of that world has occurred in the academy – that is, a change in the paradigms * Texto apresentado no seminário “Respostas ao racismo: produção acadêmica e compromisso político em tempos de ações afirmativas” realizado em 3 de dezembro de 2009 no IFCH/UNICAMP. ** Professor Titular, Departamento de História, UNICAMP.
  • 2. Robert W. Slenes 20 guiding research. I wish to reflect on that change, focusing particularly on studies about Africa. I approach my theme with an emphasis on the discipline of history and from three vantage points. First, I sketch the general profile of the change in paradigms to propose an urgent updating of Brazilian social science curricula. Second, I discuss intellectual trajectories and institutional changes within the academy of the “center” as a prime example of the decentering – or subversion – caused by “living with the periphery”: that is, by North-Atlantic scholars’ intense experience of field research outside their region and their progressive incorporation of intellectuals from the countries of the “South” as interlocutors. Third, I focus on African- Brazilian studies to suggest the necessity of a similar dislocation, provoked from the “margins” of Brazilian society. Keywords: African History; Humanities and Social Sciences; Epistemology; African-Brazilian studies. Desde aproximadamente os anos 1960 – a década da aceleração do processo de independência das colônias europeias, da derrubada da segregação racial nos Estados Unidos, dos movimentos estudantis de 1968 – desmoronou-se boa parte do mundo que as ciências humanas haviam construído. Mais precisamente, houve um profundo “descentramento” (decentering) desse mundo na academia – isto é, uma mudança dos paradigmas que guiam a pesquisa. A experiência europeia/norte- americana deixou de ser o padrão para se pensar a história do restante da humanidade. A relação entre “centro” e “periferia” no mundo moderno foi radicalmente re-definida a partir de uma perspectiva dialética, enfatizando a profunda interação e interpenetração entre esses dois “extremos”. Paralelamente, no imaginário dos pesquisadores, os “subalternos” (os “de baixo” na pirâmide social) ganharam voz, pensamento estratégico e participação ativa no processo histórico. Quero refletir sobre essa mudança, enfocando particularmente os estudos africanistas. A África, afinal, esteve na encruzilhada dos caminhos da expansão europeia, desde a época do tráfico de escravos para a América
  • 3. História Social, n. 19, segundo semestre de 2010 A Importância da África para as Ciências Humanas 21 até o período da “segunda colonização”, nos séculos XIX e XX; por causa disso, foi um dos alvos preferenciais das reflexões da academia a respeito dessa expansão e da relação entre povos europeus e não europeus. Pretendo abordar meu tema com enfoque na disciplina de história e a partir de três perspectivas. Primeiro, delineio o perfil geral da mudança de paradigmas para propor uma atualização urgente na estrutura curricular das ciências sociais brasileiras. Segundo, discuto trajetórias intelectuais e mudanças institucionais dentro da academia do “centro” como exemplo cabal do descentramento – ou subversão – causado pela “vivência com a periferia”, no caso, o “Living with Africa”, para usar o título de um livro de Jan Vansina (1994). Refiro-me às intensas experiências de pesquisa de campo na África e alhures vividas por professores do Atlântico-norte, como também à progressiva interlocução destes com intelectuais africanos (e latino-americanos e asiáticos). Terceiro, enfoco os estudos afro- brasileiros para sugerir a necessidade de um deslocamento semelhante, operado a partir das “margens” da sociedade brasileira. Vamos à primeira questão: o perfil geral da mudança e suas implicações para a universidade brasileira. Em 1993, a Editora da Universidade de Chicago publicou uma coletânea de ensaios chamada África e as disciplinas: as contribuições da pesquisa sobre a África às ciências sociais e humanas (BATES, MUDIMBE e O’BARR, 1993). Os diversos autores- colaboradores, cada um refletindo sobre sua própria disciplina, foram instigados pelos organizadores do livro a responder à seguinte pergunta, colocada por um hipotético reitor ou diretor de instituto a um (também hipotético) chefe de departamento: por que, numa conjuntura de escassez de recursos, contratar um historiador [ou antropólogo, economista, cientista político, filósofo, estudioso da literatura] que seja especialista em África, em vez de um perito em outra área geográfica? A resposta unânime dos autores: os estudos africanistas marcaram profundamente a própria formação teórica e metodológica de suas respectivas disciplinas no século XX (é o caso especialmente na antropologia), provocaram profundas reinterpretações dentro delas (o caso particularmente na história, na
  • 4. Robert W. Slenes 22 história da arte e nos estudos literários na segunda metade do século) ou prometiam fazer isso dentro em breve (na economia e na ciência política). Steven Feierman, autor do ensaio sobre a história, atribui ao desafio empírico das novas pesquisas africanistas uma parcela significativa da profunda crise que se abateu sobre a disciplina (no hemisfério norte) a partir de meados dos anos 1980 – crise caracterizada por uma crescente percepção de “fragmentação” teórica e metodológica no campo da pesquisa e uma descrença na possibilidade de se construir uma “história universal” (FEIERMAN, 1993: 167-212). Feierman dá vários exemplos desse desafio, a começar pela desconstrução da “teoria hamítica”, que atribuía aos povos hamitas do oriente médio qualquer inovação tecnológica na África subsaariana que não tivesse sua origem na Europa. Ele também chama a atenção (como muitos outros já haviam feito) para a extraordinária inovação de fontes e métodos obtida pela historiografia africanista, profundamente interdisciplinar desde seu nascimento como especialidade acadêmica nas décadas de 1950 e 1960 (VANSINA, 1994). Particularmente impactantes, a meu ver, são os estudos da “tradição oral” e, mais ainda, os de “arqueologia lingüística”. Esses últimos procuram reconstruir a história social e cultural a partir da evolução de vocabulários, especialmente na área linguística bantu da África Central e Meridional entre c. 5.000 a. C. e o presente. As pesquisas nas duas áreas demoliram o mito da impossibilidade de se fazer uma história do continente profunda no tempo e de grande densidade.1 Finalmente, Feierman destaca os resultados impressionantes que decorreram da decisão – tomada pela maioria dos africanistas europeus e norte-americanos, mas especialmente pelos historiadores africanos – de concentrar seus esforços na análise do “protagonismo consequente” (agency) das pessoas comuns, algo absolutamente negado pelo paradigma anterior.2 1 Nessas duas áreas, as obras de Jan Vansina são fundamentais: por exemplo, “A tradição oral e sua metodologia” (in: KI-ZERBO (org.), 1980: 157-179) e Paths in the Rainforests: Toward a History of Political Tradition in Equatorial África (1990). Um livro que sai no exato momento em que este ensaio vai para o prelo: EHRET, History and the Testimony of Language (2010). 2 Ver Boubacar Barry, “Escrevendo história na África depois da Independência: o caso da Escola
  • 5. História Social, n. 19, segundo semestre de 2010 A Importância da África para as Ciências Humanas 23 De fato, para Feierman o choque vindo da historiografia africana (ou, mais amplamente, do estudo das “margens” do mundo ocidental, incluindo-se aqui as pesquisas que revelam o protagonismo da classe operária e dos escravos e negros no Atlântico-norte) 3 não aniquilou a possibilidade de se criar uma ciência histórica universal. Apenas tornou impossível a promoção de uma versão “provinciana” (no caso, eurocêntrica e elitista) dela – para usar a expressão posterior do historiador indiano Dipesh Chakrabarty (2000). Feierman ironiza a sensação de crise no “establishment” da academia do “Norte”: É um paradoxo profundo da “escrita da história” nos últimos tempos que nossa fé no conhecimento histórico objetivo tem sido abalada precisamente por causa do avanço do “conhecimento” em seu sentido objetivo. A versão de conhecimento histórico tida como verídica [authoritative] tem sido minada porque os historiadores, nas décadas recentes, construíram conjuntos de conhecimentos [“sobre gente anteriormente excluída da história geral da humanidade”] a respeito dos quais seus predecessores só podiam sonhar. (...) [Essas] histórias excluídas não apenas apresentam novos dados para serem integrados à narrativa mais ampla; elas levantam dúvidas sobre a validade dessa mesma narrativa (FEIERMAN, 1993: 168-169). Eis, enfim, a conclusão de África e as Disciplinas, ou seja, a resposta do hipotético chefe de departamento ao seu diretor de instituto ou reitor: não há universidade de pesquisa que se preze que não reserve para a África um lugar central nos cursos das ciências sociais de Dakar” (in: BARRY, 2000), e (FALOLA, 2001 cap. 6), sobre as escolas historiográficas de Ibadan e Dar-es-Salaam. N.B. a participação nesta última de Terence Ranger (inglês) e Walter Rodney (da Guyana, na América do Sul); ver “The ‘New Historiography’ in Dar es Salaam: An Answer” (RANGER, 1971: 50-61) e Como a Europa subdesenvolveu a África (RODNEY, 1975 [1962]). 3 Por exemplo, as obras de THOMPSON, especialmente A formação da classe operária inglesa, 3 vols. (1988 [1963]); GUTMAN, Work, Culture and Society in Industrializing America (1977 [1976]) e The Black Family in Slavery and Freedom, 1750-1925 ( 1976); GENOVESE, Roll, Jordan, Roll: the World the Slaves Made (1974); MINTZ e PRICE, O Nascimento da cultura afro- americana: uma perspectiva antropológica (2003 [1976]).
  • 6. Robert W. Slenes 24 e humanas.4 Se isso era verdade em 1993, é mais ainda hoje, dado o continuado crescimento e influência dos estudos africanistas (notadamente na área de história) e, especialmente, da pesquisa realizada por professores africanos, trabalhando em seu continente de origem ou nas universidades do Ocidente.5 Traduzindo para o contexto brasileiro: em universidades que já desafiaram as ideias vindas do “Norte” – em particular no que diz respeito ao conhecimento sobre o Brasil e a América Latina – urge agora aprofundar o diálogo com os novos estudos africanistas. Em termos práticos, isto quer dizer que é de absoluta necessidade abrir vagas para professores especialistas em história (antropologia, literatura, etc.) da África, como passo essencial para que as universidades brasileiras dialoguem em termos de igualdade científica, não apenas com seus congêneres no Sul, mas também com a academia renovada do Norte. Esta última, aliás, se encontra profundamente transformada pela vivência com o hemisfério “Sul”. Começo a segunda parte de minha apresentação observando que o “centro” – o círculo inteiro, aliás – é visualizado melhor a partir das margens. Aprendi isso quando iniciei meus estudos de pós-graduação em história brasileira e latino-americana na Universidade de Stanford. Li Celso Furtado, Raul Prebisch e os proponentes da teoria da dependência, autores pouco conhecidos por meus colegas que cursavam história dos Estados Unidos (FURTADO, 1959), (PREBISCH, 1964), (CARDOSO E FALETO, 1970). Percebi também, especialmente na minha pesquisa de tese no Brasil, que as margens se conectavam. Fui até um 4 Evidentemente, argumento semelhante pode ser feito a respeito de outras áreas fora do Atlântico-norte (a América Latina, por exemplo), onde houve crescimento extraordinário no conhecimento histórico nas últimas décadas. 5 Ver a grande presença de artigos de historiadores africanos na General History of Africa, 8 vols. (Berkeley: Unesco/University of California Press, 1981-1993), agora (final de 2010) totalmente traduzido para o português – História Geral da África, 8 vols (Brasilia: UNESCO, Secad/MEC, UFSCar, 2010) – e disponível na internet: http://www.unesco.org /en/brasilia/dynamic-content-single-view/news/ general_history_of_africa_collection_in_portuguese/back/9669/cHash/d6c86ae49c/; idem nas bibliografias dos capítulos em Elikia M’Bokolo, África negra: história e civilizações, Tomo I: Até o século XVIII (Salvador/São Paulo: EDUFBA/ Casa da África, 2009), e Tomo II: Do século XIX aos nossos dias (Lisboa: Ed. Colibri, 2007).
  • 7. História Social, n. 19, segundo semestre de 2010 A Importância da África para as Ciências Humanas 25 pequeno vetor nesse processo de costura quando voltei aos Estados Unidos, no final de 1971, via Europa. Nessa viagem, levei publicações do CEBRAP, enviadas por um eminente intelectual brasileiro a quem eu dava aulas de conversação em inglês, para o sociólogo Samir Amin, em Dakar, Senegal – parada obrigatória para os pequenos aviões da época na rota Rio-Paris (AMIN, 1970). A minha experiência não foi única. De fato, creio que a maioria dos cientistas sociais norte-americanos que se tornaram especialistas sobre regiões fora do eixo Europa/América-anglófona nos anos 1960 em diante passou por um aprendizado semelhante. Certamente foi o caso daqueles que mais se destacaram. Menciono, como exemplos, Immanuel Wallerstein, africanista (na disciplina de Ciência Política), portanto leitor dos “dependentistas” africanos (e latino-americanos), antes de mapear o sistema-mundo capitalista em formação, e os cinco autores de uma coletânea impactante, Confrontando paradigmas históricos: camponeses, trabalhadores e o sistema mundial capitalista na África e na América Latina (1993): Frederick Cooper e Alan Izaacman, africanistas, e Florência Mallon, William Roseberry e Steve Stern, especialistas em América Latina.6 O livro destes autores, marcado pelo conceito de sistema-mundo, incorpora também como contraponto necessário a abordagem dos “estudos subalternos”, que atribui protagonismo, ou a capacidade de interferir decididamente na formação do próprio sistema (descentrando-se, portanto) a grupos situados em diversas “margens” sociais e geográficas: trabalhadores industriais, camponeses, escravos, povos autóctones e colonizados, entre outros. Os “estudos subalternos”, por sua vez, tiveram origem em trabalhos inovadores não só na “metrópole” (ver, por exemplo, as obras de Eric Hobsbawm, E. P. 6 WALLERSTEIN, The Modern World System: Capitalist Agriculture and the Origins of the European World Economy in the Sixteenth Century (1974), seguido de outros dois volumes (1980, 1989), levando a história do sistema-mundo capitalista até 1840. COOPER et al, Confronting historical paradigms: peasants, labor, and the capitalist world system in Africa and Latin America (1993).
  • 8. Robert W. Slenes 26 Thompson e os micro-historiadores italianos ), como também na “colônia”. O nome, de fato, foi cunhado por um grupo de jovens historiadores indianos influenciados pelo teórico marxista Antônio Gramsci, que rejeitava a ideia de que “as classes subalternas” estivessem sob a “hegemonia” total das dominantes, mas poderia ter-se originado entre colegas africanos e latino-americanos que estavam ensaiando idéias semelhantes no mesmo período nas décadas de 1970 e 1980. 7 No caso norte-americano, que conheço melhor, a mudança foi facilitada pela criação e pela enorme expansão dos programas de “estudos de área” (“estudos africanos”, ou, freqüentemente, “africanos e afro-americanos”, foi o nometipicamentedadoaprogramassobreÁfricaeadiáspora)duranteoperíodo da Guerra Fria. (Embora financiados por dotações e bolsas vindas do governo americano a partir da “National Defense Education Act” de 1958, esses programasnãoproduziram,emsuamaioria,especialistasafinadoscomapolítica estrangeira norte-americana – muito pelo contrário, como a frequente oposição a essa política por parte da Latin American Studies Association demonstra). Um fato crucial para entender o impacto na academia estado-unidense dos “estudos de área” é que estes geralmente tiveram estatuto universitário interdisciplinar. Isto é, o grande ingresso nas universidades de especialistas nessas áreas se deu através da tradicional estrutura disciplinar. Como os historiadores (ou os 7 Por exemplo, THOMPSON, A formação..., (1988[1963]); GINZBURG, O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição (2006 [1976: 1ª ed. em italiano]); LEVI, “Sobre a micro-história” (in: BURKE, 1992: 133-161); BARRY, “Escrevendo história na África” (in: BARRY, 2000); RANGER, “The ‘New Historiography...’” (1971); BARRY, La Sénégambie du xve au xixe siècle: traite négrière, Islam et conquête coloniale (1988); RODNEY, A History of the Guyanese Working People, 1881-1905 (1981); CHALHOUB e SILVA, “Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980” (2009); GUHA, Elementary Aspects of Peasant Insurgency in Colonial India (1983) e como coord. Subaltern Studies I: Writings on South Asian History and Society (1982). Este último foi seguido, até 1999, por outros nove volumes de Subaltern Studies, não todos organizados por Guha. Sobre a influência de Gramsci, não apenas na Índia, mas também no grupo de historiadores marxistas ingleses (especialmente Hobsbawm e Thompson) e na micro-história italiana, ver: CHATURVEDI, “introduction”, e ARNOLD, “Gramsci and Peasant Subalternity in India” (in: CHATUVERDI, 2000: respectivamente vii-xix e 50-71); LIMA, A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades (2006: 73-75 e 174).
  • 9. História Social, n. 19, segundo semestre de 2010 A Importância da África para as Ciências Humanas 27 antropólogos, cientistas políticos, etc.) tomam café juntos, reúnem-se nos mesmos congressos e publicam nas mesmas revistas, a presença cada vez maior de professores que (no início) podiam ser vistos como intrusos – junto com a contratação de gente especializada em estudos sobre grupos “nas margens” da sociedade norte-americana (escravos, negros, índios, trabalhadores, hispânicos, mulheres) – acabou mudando profundamente o perfil de cada disciplina. Mais recentemente, o afluxo de professores estrangeiros para os Estados Unidos – reflexo trágico da perda de cérebros dos países do “Sul”, especialmente da África – tem levado grandes pesquisadores africanos, indianos e outros para os principais centros norte-americanos em “estudos de área”. Lá, eles são os beneficiários das bolsas de incentivo à pesquisa das agências de financiamento americano, com o resultado de que eles têm mais facilidades de publicar obras de ponta que dialoguem com a academia (descentrada) do “Norte” do que teriam em seus países de origem. Outra consequência é que a “vivência com a área” (no caso em discussão, com a África) dos novos especialistas norte- americanos começa de forma intensa cada vez mais nas salas de aula e seminários da pós-graduação, antes da experiência de pesquisa de campo para a tese.8 A última parte de minha apresentação – que enfoca os “estudos africanistas e afro-brasileiros”, ou o estudo da diáspora negra especialmente no Brasil – propõe quase um corolário daquilo que falei até aqui. A historiografia das últimas décadas sobre o Brasil tem produzido descentramentos semelhantes aos que surgiram nos estudos históricos internacionais. Por exemplo, a “periferia” social e econômica da plantation – ou seja, o mundo envolvido na produção para o mercado interno – tem-se revelado muito maior e muito mais dinâmica e importante para entender o “centro” exportador do que se pensava antes (quando o Brasil era tido, com referência ao período antes de 1850, como pouco mais do que uma grande fazenda). Da mesma forma, os escravos, os negros libertos e livres, os índios, 8 Sobre o lado sombrio dessa perda de cérebros para a construção de uma história africana por historiadores africanos, ver Nationaism and African Intellectuals, (FALOLA, cap. 7).
  • 10. Robert W. Slenes 28 os trabalhadores em geral não são mais vistos como gente marginalizada do processo histórico – anômica, alienada, vitimada ao ponto de não ter capacidade de agir “politicamente” para frear, desafiar ou compactuar com os grupos dominantes. Como resultado desta mudança, há um imperativo teórico cada vez maior na academia brasileira para entender as razões desses diversos grupos – suas experiências, suas culturas, suas estratégias identitárias, enfim, a visão “êmica” que eles tinham de si – mesmo que até recentemente a maioria dos pesquisadores envolvidos nesse trabalho tenha sido gente branca e de classe média. Sugiro que houve no Brasil um processo semelhante ao que descrevi acima a respeito dos “estudos de área” nos Estados Unidos, onde especialistas não africanos, por um esforço de pesquisa e imaginação, se aproximaram à “vivência com a África”. Sugiro também que essa mudança tem preparado o caminho para um passo decisivo e necessário: a incorporação maior de negros (e índios e outros subalternos ainda marginalizados) como alunos de graduação, pós-graduandos e professores. Não quero dizer com isso que um pesquisador negro tem necessariamente mais capacidade de entender a história dos negros no Brasil ou na diáspora em geral do que um pesquisador branco. Tem-se dito que “o passado é outro país”. Portanto, em graus maiores ou menores, somos todos estrangeiros nele, o que traz problemas, mas também vantagens; o “estrangeiro”, pela capacidade de sentir estranhamento em face de algo diferente daquilo que lhe é próprio, às vezes consegue levantar perguntas mais perspicazes do que o “nativo”. (Observo aqui que um dos grandes problemas com a historiografia sobre os Estados Unidos é a relativa falta de pesquisadores estrangeiros capacitados para dialogar com – e desafiar – as visões dos especialistas norte-americanos.) Entretanto, se definirmos “ciência” nos termos usados por Thomas Kuhn – como um processo de diálogo e debate dentro de uma comunidade que aceite determinadas normas e regras a respeito daquilo que constitui o “discurso da prova” –, é óbvio que, quanto mais democrático o acesso a essa comunidade, especialmente para o grupo que a ciência em questão toca
  • 11. História Social, n. 19, segundo semestre de 2010 A Importância da África para as Ciências Humanas 29 mais de perto, melhor (KUHN, 2006 [1962]). Chego dessa maneira às minhas conclusões finais. Primeiro, da mesma forma como a África e a história da diáspora negra deveriam ocupar um lugar privilegiado nos programas brasileiros em ciências sociais e humanas, os pesquisadores e professores negros deveriam ter uma presença de destaque na criação e transmissão de novos conhecimentos nessa área. Segundo, como a capacidade de empatia com o “outro” e de imaginação crítica é algo inerente à condição humana, os negros deveriam ocupar o lugar a que têm direito, dado o seu peso demográfico, em todas as áreas do conhecimento (por exemplo, no estudo da antiguidade europeia ou da história da China, para não falar das ciências físicas e biológicas). Trata-se, sem dúvida, de uma questão de direitos sociais; mas aqui quero frisar que também é uma questão de política científica, ou seja, de um projeto visando a maior aproximação entre as preocupações dos pesquisadores na área das humanas (de fato, em todas as áreas) e as preocupações dos cidadãos. Tal projeto, se realizado, certamente tornaria a ciência mais afinada com as demandas da sociedade, alterando substancialmente as prioridades e agendas de pesquisa das diversas disciplinas. A mudança rumo a essas metas deveria começar a acontecer já: com políticas, de um lado, em prol da ação afirmativa e da expansão de vagas nas universidades, e, de outro, com a melhoria radical do sistema de educação pública no nível primário e secundário. Bibliografia AMIN, Samir. L’accumulation à l’échelle mondiale. Critique de la théorie du sous-développement. Paris: Éditions Anthropos, 1970. ARNOLD, David. Gramsci and Peasant Subalternity in India. In: CHATURVEDI, Vinayak. Mapping Subaltern Studies and the Postcolonial. London: Verso, 2000. BARRY, Boubacar. La Sénégambie du XVe au XIXe siècle: Traite négrière, Islam et conquête coloniale. Paris: L’Harmattan, 1988.
  • 12. Robert W. Slenes 30 ______. Escrevendo história na África depois da Independência: o caso da Escola de Dakar. In: BARRY, Boubacar. Senegâmbia: o desafío da história regional. Amsterdam/Rio de Janeiro: SEPHIS/Centro de Estudos Afro- Asiáticos, Universidade Cândido Mendes, 2000. BATES, Robert H., V. Y. MUDIMBE, and Jean F. O’BARR. Africa and the Disciplines: The Contributions of Research in Africa to the Social Sciences and Humanities. Chicago: University Of Chicago Press, 1993. CARDOSO, Fernando Henrique e FALETTO, Enzo. Dependência e desenvolvimento na America Latina: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1970 CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press, 2000. CHALHOUB, Sidney e SILVA, Fernando Teixeira da. , “Sujeitos no imaginário acadêmico: escravos e trabalhadores na historiografia brasileira desde os anos 1980”. Cadernos AEL, Campinas, vol. 14, n. 26, 13-57, 2009 COOPER, Frederick, Et Al. Confronting Historical Paradigms: Peasants, Labor, and the Capitalist World System in Africa and Latin America. Madison: University of Wisconsin Press, 1993. EHRET, Christopher. History and the Testimony of Language. Berkeley: University of California Press, 2010. FALOLA, Toyin. Nationalism and African Intellectuals. University of Rochester Press, 2001. FURTADO, Celso. Formação Econômica Do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1959 GENOVESE, Eugene D. Roll, Jordan, Roll: The World the Slaves Made. New York: Pantheon Books [Random House], 1974. GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Cia das letras, 2006 [1976]. GUHA, Ranajit. Elementary Aspects of Peasant Insurgency in Colonial India. Delhi: Oxford University Press, 1983 ______. Subaltern Studies I: Writings on South Asian History and Society. Delhi: Oxford University Press, 1982
  • 13. História Social, n. 19, segundo semestre de 2010 A Importância da África para as Ciências Humanas 31 GUTMAN, Herbert G. The Black Family in Slavery and Freedom, 1750-1925. New York: Random House, 1976. ______. Work, Culture and Society in Industrializing America. New York: Vintage books [Random House], 1977[1976]. KI-ZERBO, Joseph (coord.). História Geral da África. Vol. I. Metodologia e pré-história da África. UNESCO/ÁTICA, 1982 [1980]. KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. 9ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2006 [1962]. LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-História. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Editora da Unesp, 1992 [1991] LIMA, Henrique Espada. A micro-história italiana: escalas, indícios e singularidades. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006 M’BOKOLO, Elikia. Africa negra - historia e civilizaçoes - t.1: até ao século XVIII. Salvador/São Paulo: EDUFBA/Casa da África, 2009 ______. Africa negra - história e civilizações - t.2: Do século XIX até nossos dias. Lisboa: Colibri, 2007 MINTZ, Sidney e PRICE, Richard. O Nascimento da cultura afro-americana: uma perspectiva antropológica. Rio de Janeiro: Pallas/Universidade Cândido Menders, 2003 [1976] PREBISCH, Raul. Dinâmica do desenvolvimento latino-americano. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1964 RANGER, Terence. “The ‘New Historiography’ in Dar es Salaam: An Answer”, African Affairs, Vol 70, n. 278, pp. 50-61 (janeiro de 1971) RODNEY, Walter. A History of the Guyanese Working People, 1881-1905. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1981. ______. Como a Europa subdesenvolveu a África. Lisboa: Seara Nova, 1975 THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. 3 vols. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988 [1963] VANSINA, Jan. A tradição oral e sua metodologia In: KI-ZERBO, Joseph (coord.). História Geral da África . Vol. I. Metodologia e pré-história da África. UNESCO/ÁTICA, 1982 [1980].
  • 14. Robert W. Slenes 32 ______. Living With Africa. Madison: University of Wisconsin Press, 1994. ______. Paths in the Rainforests: Toward a History of Political Tradition in Equatorial Africa. Madison: University of Wisconsin Press, 1990. WALLERSTEIN, Immanuel. The Modern World-System I: Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-Economy in the Sixteenth Century. New York: Academic Press, 1974.