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A CRÍTICA TEOLÓGICA À ECONOMIA CAPITALISTA GLOBAL

                                                                                         1
                                                                      WAGNER FRANCESCO


Resumo


         Esse artigo, de caráter introdutório, quer levantar a problemática da
globalização da economia capitalista e o que a teologia tem a dizer sobre ela. Com
base em dados estatísticos e de leituras de teóricos, apresentamos o método
capitalista e os seus anseios e colocamos diante dele a ideia do Deus da Vida e do
pobre.

Palavras-Chave: Economia capitalista, globalização, socialismo, teologia.


Abstract


         This article, with an introductory nature, aims to raise the discussion about the
globalization of the capitalist economy and what theology has to say about it. Based
in statistics and theoretical readings, we present the capitalist method and its
aspirations, as well as we confront it with the idea of a God of Life and the poor.

Keywords: capitalist economy, globalization, socialism, theology


Introdução

         Uma vez que nos propomos a escrever sobre globalização e religião,
precisamos de antemão responder sobre conceitos. Começaremos definindo o que é
a globalização, qual o seu projeto e o que a teologia tem a ver com isso.

         O fato é que a globalização é um fenômeno imprescindível e isso nos força a
perguntar que tipo de sistema é que será globalizado – aqui, pois, surge a chamada
crítica a economia capitalista global. Partimos do pressuposto óbvio de que vivemos
num sistema capitalista, dominado pela lógica do capital de exploração e obtenção
implacável de lucros, logo eis o cenário ao qual todos serão, por meio da
globalização, obrigados a se sujeitarem.


1
 Bacharelando do curso de teologia da Faculdade Batista Brasileira.
wagnerfrancesco@gmail.com
Quanto falamos que a globalização é imprescindível e que todas as pessoas
serão obrigadas a se sujeitarem ao sistema do capital globalizado estamos entrando
de acordo com o Mészáros que escreve que:

                           Não se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente
                           absorvente – e, neste importante sentido, “totalitário” – do que o sistema do
                           capital globalmente dominante, que sujeita cegamente aos mesmos
                           imperativos a questão da saúde e a do comércio, a educação e a
                           agricultura, a arte e a indústria manufatureira, que implacavelmente
                           sobrepõe a tudo seus próprios critérios de viabilidade, desde as menores
                           unidades de seu “microcosmo” até as mais gigantescas empresas
                           transnacionais, desde as mais íntimas relações pessoais aos mais
                           complexos processos de tomada de decisão dos vastos monopólios
                                                                                      2
                           industriais, sempre a favor dos fortes e contra os fracos.

        Logo é desse sistema totalitário e sempre a favor dos fortes que estamos
falando. É esse sistema que quer ser globalizado e é a partir dele que devemos
perguntar se a teologia pode compactuar com esse caminho.




1.      O que é a globalização?



        Para Giddens a globalização é a intensificação de relações sociais mundiais
que unem localidades distantes de tal modo que os acontecimentos locais são
condicionados por eventos que acontecem mesmo a lugares extremamente
distantes. Ele diz que a globalização são “aqueles processos que estão
intensificando as relações e a interdependência sociais globais” 3. A globalização
seria, então, o estreitamento dos laços humanitários, a aproximação entre humanos,
o contato rápido e eficaz – não importando a distância. Giddens ainda segue
dizendo, com razão, que

                           A globalização está mudando o modo como o mundo se parece e a maneira
                           como vemos o mundo. Ao adotar uma perspectiva global, tornamo-nos mais
                           conscientes de nossas ligações com os povos de outras sociedades.
                           Tornamo-nos também mais conscientes dos diversos problemas que o
                           mundo enfrenta [...]. A perspectiva global nos mostra que os nossos laços
                           cada vez maiores com o resto do mundo podem significar que as nossas
                                                               4
                           ações têm consequências para nós.


2
  MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 96
3
  GIDDENS, Antony. Sociologia. Porto Alegre: Artmet, 2005, p. 61
4
  IDEM. IBDEM.
Essa afirmação sobre a globalização coloca em nós o senso de
responsabilidade enquanto seres que habitam numa mesma casa e responsáveis
pela preservação da mesma raça. Não somos mais seres de um lugar só, mas
habitantes imediatos de todo o globo. Isto fica claro nas palavras do Giddens quando
ele escreve

                           Não podemos separar nossas ações locais, do abrangente cenário social
                           que compreende o mundo como um todo. [...] O mundo em que vivemos
                           hoje nos faz muito mais interdependentes, mesmo a milhares de
                                                                          5
                           quilômetros de distância, do que jamais fomos.

        O que isso significa é que, daqui do Brasil, eu posso estar imediatamente por
dentro das lutas do povo da Palestina e ainda contribuir com as suas lutas. Fico
instantaneamente sabendo do que se passa por lá – num país que nunca fui, não sei
a língua, não conheço ninguém – e posso (através do facebook, twitter etc.)
participar de uma grande mobilização e demonstrar solidariedade. O fato é que,
como escreveu o italiano Piero Coda,

                           pela primeira vez, de forma irreversível, as diferentes identidades em que se
                           exprime a experiência humana, entram em relação de recíproca visibilidade
                           e comunicação”.6

        Mas nem tudo são apenas essas flores. Aliás, nem tudo são realmente flores.
O Antony Giddens, no seu livro que já citamos aqui, Sociologia, aponta algumas
dimensões da globalização. Ele chama a atenção para o fato de que não é somente
a dimensão econômica que é afetada – ou que afeta – o fenômeno da globalização,
pois, segundo Giddens

                           A globalização é criada pela convergência de fatores políticos, sociais,
                           culturais e econômicas. Foi impelida, sobretudo, pelo desenvolvimento de
                           tecnologias da informação e da comunicação que intensificaram a
                                                                                                 7
                           velocidade e o alcance da interação entre as pessoas ao redor do mundo .

        De fato a globalização não tem apenas uma dimensão, a econômica, mas por
questões de delimitação trataremos apenas dela. Na verdade, não apenas por
questão de delimitação, mas por entender que o conceito de materialismo histórico,
formulado por Engels e Marx, deve nortear todo e qualquer debate acerta da vida
social; não podemos partir de outro lugar senão da economia. Engels escreve, em

5
  IDEM. IBDEM, p. 60
6
  CODA, Piero. La globalizzazione. Una sfida all’esperienza umana, Nuova Umanità, XXV (2003/2), p. 125.
7
  GIDDENS, Antony. Sociologia. Porto Alegre: Artmet, 2005, p. 61
1890, uma carta para seu amigo Joseph Bloch, e nessa carta que dá respostas
sobre o materialismo histórico, ele escreve:

                               De acordo com a concepção materialista da história, o elemento
                               determinante final na história é a produção e reprodução da vida real. Mais
                               do que isso, nem eu e nem Marx jamais afirmamos. Assim, se alguém
                               distorce isto afirmando que o fator econômico é o único determinante, ele
                               transforma esta proposição em algo abstrato, sem sentido e em uma frase
                               vazia. As condições econômicas são a infraestrutura, a base, mas vários
                               outros vetores da superestrutura (formas políticas da luta de classes e seus
                               resultados, a saber, constituições estabelecidas pela classe vitoriosa após a
                               batalha, etc., formas jurídicas e mesmo os reflexos destas lutas nas
                               cabeças dos participantes, como teorias políticas, jurídicas ou filosóficas,
                               concepções religiosas e seus posteriores desenvolvimentos em sistemas de
                               dogmas) também exercitam sua influência no curso das lutas históricas e,
                                                                                               8
                               em muitos casos, preponderam na determinação de sua forma.

           Isso, em outras palavras, quer dizer que embora haja outras dimensões da
vida social, embora haja outras dimensões para o fenômeno da globalização, de
modo nenhum é, segundo a concepção marxista e materialista, possível partir para
outras questões se não passar pela infraestrutura da sociedade, pelas condições
econômicas.

2.         Economia Global ou Globalização da miséria.

                                             O capital teve de seguir seu curso e sua lógica de
                                 desenvolvimento: teve de abraçar a totalidade do planeta.
                                                                                            (István Mészáros)

           Marx e Engels revelam um sério problema da globalização. Escrevem eles,

                               [...] vemos que quando hoje é inventada uma máquina na Inglaterra, por
                               exemplo, incontáveis trabalhadores são postos na rua na Índia e na China,
                                                                                                             9
                               o que quer dizer que aquela invenção constitui um fato histórico universal.


                    Ora, se para Giddens e Piero Coda a globalização deveria ter (tem?) o
caráter de unir as pessoas numa grande aldeia, de aproximar os acontecimentos de
um povo etc., para Marx e Engels outro problema surge: é que a economia
capitalista é excludente e quando as coisas vão mal para os trabalhadores na
Europa isso irá refletir nos trabalhadores na América Latina. É por isso que uma


8
    http://www.marxists.org/portugues/marx/1890/09/22.htm - acesso 09/05/2012
9
    MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 70
crise do capitalismo afeta todo o mundo capitalista – e não capitalista se pensarmos
em Cuba e Venezuela. Um mundo que vive sob as rédeas do capitalismo sofre, por
causa da globalização, quando esse sistema entra (sempre, pois as crises são
inerentes à lógica do capital!) em colapso.

           As promessas da economia capitalista chocam-se com o mundo da realidade.
O capitalismo deu certo – o problema é que existe pobre! O paraíso da abundância
de consumo aparece como à disposição de todos, mas o sonho acaba quando o
trabalhador tem que acordar pra trabalhar. O teólogo Jung Mo Sung enfatiza que:

                              Para obter a satisfação de todos os desejos de consumo, eles (os
                              defensores do capitalismo) prometem a superabundância de produção via a
                              maximização do progresso técnico. Quanto mais técnica, mas produção e,
                              portanto, mais satisfação de desejos de consumo. Para a maximização do
                              progresso tecnológico – o segredo do progresso – é necessário, segundo
                              eles, a sobrevivência dos mais competentes e a exclusão – o sacrifício dos
                              menos competentes e dos mais pobres. Por isso, eles dizem que os
                                                                                                    10
                              sacrifícios impostos à população pobre não “sacrifícios necessários”.

           A economia capitalista é sui generis desigual. O sistema cria miséria, pois
coloca a riqueza – produzido pelos trabalhadores – na mão dos poucos patrões.
Bem escreveu Mészáros

                              O sistema do capital – como se dá com todas as formas concebíveis de
                              controle sociometabólico global, inclusive a socialista – está sujeito à lei
                              absoluta do desenvolvimento desigual, que, sob a regra do capital, vigora
                              numa forma em última análise destrutiva, por causa de seu princípio
                              estruturador interno antagônico. Assim, para prever uma resolução global,
                              legítima e sustentável dos antagonismos do sistema do capital, seria
                              necessário primeiro acreditar no conto de fadas da eliminação para todo o
                                                                                                 11
                              sempre da lei do desenvolvimento desigual das questões humanas.

           Dessa forma podemos dizer que a “globalização” em curso, é uma realidade
inegável dos nossos tempos. Dado o carácter insuperavelmente antagônico do
capital, este processo de globalização tem que impor-se de uma forma
extremamente discriminatória a favor dos mais poderosos, e assim não só preserva
como inclusivamente agrava as desigualdades opressoras do passado.

           O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2010 revela um dado
assustador:



10
     MO SUNG, Jung. Teologia e economia: uma introdução. São Paulo: Kairos, p. 8
11
     MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 114.
Estima-se que cerca de um terço da população em 104 países ou perto de
                        1,75 milhões de pessoas vivam em pobreza multidimensional. Por exemplo,
                        podem viver numa família que tem um elemento subnutrido, que sofreu uma
                        morte infantil ou que não tem nenhum elemento com cinco anos de
                        escolaridade ou crianças em idade escolar em que nenhuma está inscrita
                        na escola. Ou poderão viver numa habitação sem combustível para
                        cozinhar, instalações sanitárias, água, eletricidade, pavimento ou quaisquer
                              12
                        bens.

       Quando o RDH 2010 trás a novidade da multidimensionalidade, isso nos
remete imediatamente à globalização da miséria, pois se a economia global afeta
todas as esferas e dimensões sociais, logo as pessoas tendem a ter multiproblemas.
A economia global, com sua universal miserabilidade (para a maioria) não afeta
apenas uma parte da vida, mas a vida completa.

       Foi criado o IPM (Índice de Pobreza Multidimensional). Esse índice se
subdivide em dez indicadores: nutrição e mortalidade infantil (saúde); anos de
escolaridade e crianças matriculadas (educação); gás de cozinha, sanitários, água,
eletricidade, pavimento e bens domésticos (padrões de vida).

       Segue abaixo uma tabela sobre o IPM 13:




12
  http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr2010/chapters/pt/ acesso: 13/05/2012
13
  http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=3597&lay=pde acesso
13/05/2012
Dados do Brasil indicam que

                           8,5% da população vive em pobreza multidimensional, e 13,1% estão em
                           risco de entrar nessa condição. O país registra também 20,2% dos
                           habitantes com ao menos uma grave privação em educação, 5,2% em
                           saúde e 2,8% em padrão de vida. De acordo com os critérios internacionais
                           de pobreza, entre os que vivem com menos de US$ 1,25 por dia encontram-
                                             14
                           se 5,2% do total.

        Isso tudo indica que alguma coisa está muito errada com esse sistema
econômico e que a sua globalização é, sim, uma globalização da miséria. Menos
pessoas concentram mais renda e mais trabalhadores produzem mais riquezas e
são mais explorados.

        Já dizia Marx

                           O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto
                           mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna
                                                                                         15
                           uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria.

        A economia capitalista não tem compromissos éticos com o trabalhador. O
trabalhador é sempre o ser que será explorado. E falamos aqui em trabalhador
porque o trabalho – assalariado – é a fonte de onde o capital mata a sua sede. Por
meio do trabalho – assalariado – é que a economia capitalista extrai a mais valia e
se fortalece. Mas eis que surge um problema: o desemprego crônico. Ora: se para
viver na economia capitalista tem que ter dinheiro e para ter dinheiro tem que
trabalhar, então como ficam as pessoas que não conseguem trabalho?

        Mészáros fala de uma “globalização do desemprego” e argumenta

                           O drástico crescimento do desemprego nos países capitalisticamente
                           avançados não é um fenômeno recente. Apareceu no horizonte – após duas
                           décadas e meia de expansão relativamente intacta do capital no pós-guerra
                           – com o assalto da crise estrutural do sistema capitalista como um todo.
                           Surgiu como o aspecto necessário e casa vez pior dessa crise estrutural.
                           [...] O problema não mais se restringe à difícil situação dos trabalhadores
                           não qualificados, mas atinge também um grande número de trabalhadores
                           altamente qualificados, que agora disputam, somando-se ao estoque
                           anterior de desempregados, os escassos – e cada vez mais raros –
                                                 16
                           empregos disponíveis.




14
   Idem
15
   MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 80
16
   MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 143
A economia capitalista está em colapso – num colapso proposital, pois os
capitalistas lucram com as crises. O pobre tem cada vez menos acesso à fartura ( ou
se contar piada for interessante: o pobre tem fartura, pois “farta” tudo!) e cada vez
mais a sua existência é multidimensionalmente explorada e destruída. Globalizar
esse sistema é globalizar a morte.

3.         Para além da economia capitalista global: o evangelho da partilha

           O capital, hoje na figura do capitalismo, funciona na base do acúmulo de
riquezas. Marx escreve nas primeiras linhas do O capital que

                                A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em
                                “imensa acumulação de mercadorias”, e a mercadoria, isoladamente
                                                                                17
                                considerada, é a forma elementar dessa riqueza.

           O capitalismo não se sustenta se não for por meio de acumulação – e para
acumular ele precisa explorar a força de trabalho. O capitalismo não tem
misericórdia, não tem compaixão. Mata, se a vida estiver atrapalhando os lucros. O
trabalhador quem produz a riqueza é quem menos usufrui dessa riqueza: o
trabalhador, pobre, é quem sustenta a vida do capitalista. Ora, o que Jesus diria
sobre isso? O evangelho é contra a acumulação de riquezas. O texto de Mateus é
claro

                                Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e
                                onde os ladrões minam e roubam; (Mateus 6:19).


           A acumulação no capital é desonesta, pois engorda sempre a mesma
pequena parcela que detém os meios de produção – muito mais do que desonesta
ela é criminosa, pois deixa com que milhões de pessoas fiquem privadas, inclusive,
de coisas essenciais para a vida como alimentação e saúde. Segundo a ONU

                                Aproximadamente 925 milhões de pessoas no mundo não comem o
                                suficiente para serem consideradas saudáveis. Isso significa que uma em
                                                                                                       18
                                cada sete pessoas no planeta vai para a cama com fome todas as noites.

           Surge assim uma pergunta: como tanta riqueza acumulada é capaz de deixar
tantas pessoas em privação? Então eis que surge a lógica da partilha – ou em


17
     MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 57
18
     http://www.onu.org.br/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-fome-em-2012/ acesso: 14/05/2012
termos socialistas, a socialização dos meios de produção. É preciso tirar das mãos
dos poucos toda essa riqueza acumulada e fazer uma radical distribuição. Rosa
Luxemburgo escreveu, em 1918, um texto chamado A socialização da sociedade, e
citou que

                             Hoje, todas as riquezas - as maiores e melhores terras, as minas e
                             empresas, assim como as fábricas - pertencem a alguns poucos
                             latifundiários e capitalistas privados. A grande massa dos trabalhadores, por
                             um árduo trabalho, recebe apenas desses latifundiários e capitalistas um
                             parco salário para viver. O enriquecimento de um pequeno número de
                                                                       19
                             ociosos é o objetivo da economia atual.

           É mais do que necessário se opor a essa lógica de acúmulo e seguirmos pelo
caminho da partilha. Os evangelhos trazem o exemplo. Os textos de Mateus 14: 13-
21, Marcos 6: 30-44, Lucas 9: 10-17 e João 6: 1-15 trazem uma lição de justiça
social, partilha e fome saciada. Uma multidão faminta e apenas cinco pães de dois
peixes... Certamente que houve um milagre para que todos ficassem saciados – o
milagre da partilha. Imaginemos que cada um, ao ver o primeiro dar seus cinco pães
e dois peixes foi tocado por esse ato e foi dando o pouco que tinha. O pouco se
transforma em muito quando é juntado. A economia capitalista é baseada na
competitividade, na biologização – Darwiniana – da sociedade: a consideração de
que o mais forte é que tem que vencer (claro que eles não falam da ideologia que
cria, legitima e sustenta uma certa classe fortalecida...) Caminhar por esses tortos
caminhos da competitividade é peregrinar rumo ao abismo, pois precisamos, mais
do que nunca, de solidariedade. Precisamos de um sistema solidário, partilhante e
não competitivo. Precisamos destruir essa lógica do forte que inclusive encontra-se
dentro das igrejas, mais precisamente nas que aderem à teologia da prosperidade,
que estão possuídas pelo “capetalismo".

           O teólogo Luiz Solano Rossi escreve que

                             Estamos acostumados a pensar a partir da lógica dos vencedores e da
                             vitória. Essa lógica crê que todos aqueles que morrem antes do tempo por
                             causa da pobreza ou ainda de alguma doença facilmente curável é porque
                             já estavam fadados à derrota. São vítimas porque são derrotados. São
                             derrotados porque o Deus da vitória não se encontra ao seu lado. [...] Nesse




19
     http://insrolux.org/textosmarxistas/asocializarsociedade.htm Acesso: 14/05/2012
tipo de lógica, Deus se encontra ao lado daqueles que são vitoriosos, em
                                                          20
                           meio a multidão de derrotados.

        Nessa lógica, Deus é o Senhor que legitima e defende os donos do capital
que exploram o seu trabalhador e que, em nome da sua ganância por lucros – lucros
que é visto inclusive como manifestação da Graça de Deus – exclui a maioria dos
povos, levando inclusive muitos à morte.                   Segundo esse pensamento de que é
preciso acumular (e muitos dizem: sou muito rico, graças a Deus...) o Rossi
problematiza da seguinte forma:

                           Nessa visão triunfal, o próprio Deus passa a ser representado dentro da
                           lógica daquele que detém o domínio socioeconômico e político. [...] Deus,
                           nessa representação, é sempre exteriorizado como representante do rico,
                                                                     21
                           do dominador, do vitorioso e do saudável.

        Essa é uma visão que não condiz com os evangelhos, com a mensagem
cristã. No texto do Evangelho de João está escrito:

                           O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que
                           tenham vida, e a tenham com abundância. (João 10:10)

        O evangelho prega a vida e não a morte. Citarei só um dos muitos problemas
gerados pelo capitalismo e que mata:

                           A fome é o número um na lista dos 10 maiores riscos para a saúde. Ela
                           mata mais pessoas anualmente do que AIDS, malária e tuberculose
                                   22
                           juntas.

        Sustentar essa economia capitalista global é sustentar uma máquina
mortífera, sustentar um monstro devorador e desleal. A mensagem do Evangelho diz
que todos têm que ter vida e vida abundante, mas a economia capitalista – que quer
ser globalizada – funciona na base da sugação da vida do trabalhador ( e daqueles
que não têm trabalho...) e do seu sangue. A morte do trabalhador é a vida do capital.
Mas devemos escolher um outro sistema. Há outra opção. A partilha é o modo de
vida mais justo. Assim escreve Rosa Luxemburgo

                           Hoje, em cada empresa, a produção é dirigida pelo próprio capitalista
                           isolado. O que e como deve ser produzido, quando e como as mercadorias
                           fabricadas devem ser vendidas é o empresário quem determina. Os
                           trabalhadores jamais cuidam disso, eles são apenas máquinas vivas que

20
   ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Jesus vai ao Mc Donald`s: teologia e sociedade de consumo. São Paulo: Fonte
editorial, 2008, p. 142.
21
   Idem. Ibdem, p. 143
22
   UNAIDS, Relatório Global de 2010; OMS, Fome no mundo e Estatística Pobreza, 2011).
têm de executar seu trabalho. Na economia socialista tudo isso precisa ser
                           diferente! [...] A produção não tem mais como objetivo enriquecer o
                           indivíduo, mas fornecer à coletividade, meios de satisfazer todas as
                           necessidades. [...] A produção deve ter por objetivo assegurar a todos uma
                           vida digna, fornecer a todos alimentação abundante, vestuário e outros
                           meios culturais de existência [...] Para que na sociedade todos possam
                           usufruir do bem-estar, todos precisam trabalhar. Apenas quem executa
                           trabalho útil para a coletividade, quer trabalho manual, quer intelectual, pode
                           exigir da sociedade meios para a satisfação de suas necessidades. A
                           obrigação de trabalhar para todos os que são capazes, exceto naturalmente
                           as crianças pequenas, os velhos e os doentes é, na economia socialista,
                           uma coisa evidente. Quando aos incapazes de trabalhar, a coletividade
                           precisa simplesmente tomar conta dele – não como hoje, com esmolas
                           miseráveis, mas por meio de alimentação abundante, educação pública
                                                                                                      23
                           para as crianças, boas assistência médica pública para os doentes etc.

        Ora, devemos optar por um sistema includente e não excludente. Que gere
vida e conforto, a todos, e não a uma minoria absoluta e permanente.

            Concluindo

        Mészáros nos diz que

                           Vivemos hoje em um mundo firmemente mantido sob as rédeas do capital,
                           numa era de promessas não cumpridas e esperanças amargamente
                           frustradas, que até o momento só se sustentam por uma teimosa
                                      24
                           esperança.

        Essa frase do Mészáros de forma alguma é pessimista, mas, pelo contrário,
coloca em nós um desejo de continuar lutando. Tentamos apresentar nessas linhas
que foram escritas a problemática do capitalismo e as sérias questões no que diz
respeito à sua globalização e se estamos certos no que diz respeito ao caráter
destrutivo do sistema, então o que menos precisamos agora é recuar. Se formos a
favor do Deus que gera vida e se formos a favor de uma sociedade realmente justa,
então devemos no opor, veementemente, à globalização da economia capitalista.

        Citando novamente o Mészáros, escreve ele

                           [...] O processo de globalização, como de fato o conhecemos, se afirma
                           reforçando os centros mais dinâmicos de dominação (e exploração) do
                           capital, trazendo em sua esteira uma desigualdade crescente e uma dureza
                                                                        25
                           extrema para a avassaladora maioria do povo.

        E diz também

23
   http://insrolux.org/textosmarxistas/asocializarsociedade.htm Acesso: 14/05/2012
24
   MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 37
25
   Idem. Ibdem. p. 64
A “globalização” (tendência que emana da natureza do capital desde o seu
                           início), muito idealizada em nossos dias, na realidade significa: o
                           desenvolvimento necessário de um sistema internacional de dominação e
                                         26
                           subordinação.

        Devemos negar essa globalização e defender uma outra: uma globalização
da justiça. Na verdade poderemos fazer a seguinte pergunta: globalizar o mundo ou
humanizar o globo? Globalizar as oportunidades de trabalho, globalizar o acesso à
comida, diversão e arte. Precisamos, se queremos ser honestos com o que
chamamos de solidariedade, negarmos esse Deus que está do lado do mais forte.
Precisamos de um mundo onde as pessoas deixem de ser meras mercadorias ou
meras máquinas de fabricar riqueza, mas se tornem pessoas emancipadas e
contentes. Escreve Rossi

                           Devemos entender que o fato de Deus se solidarizar a favor dos oprimidos
                           é absoluto, pois Javé toma sobre si a condição humilhada deles e assim
                           abre um novo futuro para os pobres. O companheirismo e a solidariedade
                           de Deus são o começo e o fim da libertação. [...] A solidariedade para com o
                           povo é a força motriz que efetiva a transformação radical de sua condição.
                           A solidariedade para com a vida implica no exercício do amor, do
                           comprometimento com a justiça e à não solidarização com o cultivo de
                                       27
                           privilégio.

        Devemos nos perguntar sempre o que a economia capitalista quer e quem tá
lucrando com isso. Globalizar a economia capitalista seria a globalização dos lucros
de poucos e da miséria de muitos? Lucrar ou partilhar? Acumular ou socializar?
Façam suas escolhas...

Referências:

CODA, Piero. La globalizzazione. Una sfida all’esperienza umana, Nuova Umanità,
XXV (2003/2)

GIDDENS, Antony. Sociologia. Porto Alegre: Artmet, 2005

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2007.



26
  Idem. Ibdem, p. 111
27
  ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Jesus vai ao Mc Donald`s: teologia e sociedade de consumo. São Paulo: Fonte
editorial, 2008, p. 163.
_____________. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004

_____________. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2011, p. 57

MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São
Paulo: Boitempo, 2002

_____________. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007,
p. 143

MO SUNG, Jung. Teologia e economia: uma introdução. São Paulo: Kairos, 1988

ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Jesus vai ao Mc Donald`s: teologia e sociedade de
consumo. São Paulo: Fonte editorial, 2008

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A crítica teológica à economia capitalista globalizada

  • 1. A CRÍTICA TEOLÓGICA À ECONOMIA CAPITALISTA GLOBAL 1 WAGNER FRANCESCO Resumo Esse artigo, de caráter introdutório, quer levantar a problemática da globalização da economia capitalista e o que a teologia tem a dizer sobre ela. Com base em dados estatísticos e de leituras de teóricos, apresentamos o método capitalista e os seus anseios e colocamos diante dele a ideia do Deus da Vida e do pobre. Palavras-Chave: Economia capitalista, globalização, socialismo, teologia. Abstract This article, with an introductory nature, aims to raise the discussion about the globalization of the capitalist economy and what theology has to say about it. Based in statistics and theoretical readings, we present the capitalist method and its aspirations, as well as we confront it with the idea of a God of Life and the poor. Keywords: capitalist economy, globalization, socialism, theology Introdução Uma vez que nos propomos a escrever sobre globalização e religião, precisamos de antemão responder sobre conceitos. Começaremos definindo o que é a globalização, qual o seu projeto e o que a teologia tem a ver com isso. O fato é que a globalização é um fenômeno imprescindível e isso nos força a perguntar que tipo de sistema é que será globalizado – aqui, pois, surge a chamada crítica a economia capitalista global. Partimos do pressuposto óbvio de que vivemos num sistema capitalista, dominado pela lógica do capital de exploração e obtenção implacável de lucros, logo eis o cenário ao qual todos serão, por meio da globalização, obrigados a se sujeitarem. 1 Bacharelando do curso de teologia da Faculdade Batista Brasileira. wagnerfrancesco@gmail.com
  • 2. Quanto falamos que a globalização é imprescindível e que todas as pessoas serão obrigadas a se sujeitarem ao sistema do capital globalizado estamos entrando de acordo com o Mészáros que escreve que: Não se pode imaginar um sistema de controle mais inexoravelmente absorvente – e, neste importante sentido, “totalitário” – do que o sistema do capital globalmente dominante, que sujeita cegamente aos mesmos imperativos a questão da saúde e a do comércio, a educação e a agricultura, a arte e a indústria manufatureira, que implacavelmente sobrepõe a tudo seus próprios critérios de viabilidade, desde as menores unidades de seu “microcosmo” até as mais gigantescas empresas transnacionais, desde as mais íntimas relações pessoais aos mais complexos processos de tomada de decisão dos vastos monopólios 2 industriais, sempre a favor dos fortes e contra os fracos. Logo é desse sistema totalitário e sempre a favor dos fortes que estamos falando. É esse sistema que quer ser globalizado e é a partir dele que devemos perguntar se a teologia pode compactuar com esse caminho. 1. O que é a globalização? Para Giddens a globalização é a intensificação de relações sociais mundiais que unem localidades distantes de tal modo que os acontecimentos locais são condicionados por eventos que acontecem mesmo a lugares extremamente distantes. Ele diz que a globalização são “aqueles processos que estão intensificando as relações e a interdependência sociais globais” 3. A globalização seria, então, o estreitamento dos laços humanitários, a aproximação entre humanos, o contato rápido e eficaz – não importando a distância. Giddens ainda segue dizendo, com razão, que A globalização está mudando o modo como o mundo se parece e a maneira como vemos o mundo. Ao adotar uma perspectiva global, tornamo-nos mais conscientes de nossas ligações com os povos de outras sociedades. Tornamo-nos também mais conscientes dos diversos problemas que o mundo enfrenta [...]. A perspectiva global nos mostra que os nossos laços cada vez maiores com o resto do mundo podem significar que as nossas 4 ações têm consequências para nós. 2 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 96 3 GIDDENS, Antony. Sociologia. Porto Alegre: Artmet, 2005, p. 61 4 IDEM. IBDEM.
  • 3. Essa afirmação sobre a globalização coloca em nós o senso de responsabilidade enquanto seres que habitam numa mesma casa e responsáveis pela preservação da mesma raça. Não somos mais seres de um lugar só, mas habitantes imediatos de todo o globo. Isto fica claro nas palavras do Giddens quando ele escreve Não podemos separar nossas ações locais, do abrangente cenário social que compreende o mundo como um todo. [...] O mundo em que vivemos hoje nos faz muito mais interdependentes, mesmo a milhares de 5 quilômetros de distância, do que jamais fomos. O que isso significa é que, daqui do Brasil, eu posso estar imediatamente por dentro das lutas do povo da Palestina e ainda contribuir com as suas lutas. Fico instantaneamente sabendo do que se passa por lá – num país que nunca fui, não sei a língua, não conheço ninguém – e posso (através do facebook, twitter etc.) participar de uma grande mobilização e demonstrar solidariedade. O fato é que, como escreveu o italiano Piero Coda, pela primeira vez, de forma irreversível, as diferentes identidades em que se exprime a experiência humana, entram em relação de recíproca visibilidade e comunicação”.6 Mas nem tudo são apenas essas flores. Aliás, nem tudo são realmente flores. O Antony Giddens, no seu livro que já citamos aqui, Sociologia, aponta algumas dimensões da globalização. Ele chama a atenção para o fato de que não é somente a dimensão econômica que é afetada – ou que afeta – o fenômeno da globalização, pois, segundo Giddens A globalização é criada pela convergência de fatores políticos, sociais, culturais e econômicas. Foi impelida, sobretudo, pelo desenvolvimento de tecnologias da informação e da comunicação que intensificaram a 7 velocidade e o alcance da interação entre as pessoas ao redor do mundo . De fato a globalização não tem apenas uma dimensão, a econômica, mas por questões de delimitação trataremos apenas dela. Na verdade, não apenas por questão de delimitação, mas por entender que o conceito de materialismo histórico, formulado por Engels e Marx, deve nortear todo e qualquer debate acerta da vida social; não podemos partir de outro lugar senão da economia. Engels escreve, em 5 IDEM. IBDEM, p. 60 6 CODA, Piero. La globalizzazione. Una sfida all’esperienza umana, Nuova Umanità, XXV (2003/2), p. 125. 7 GIDDENS, Antony. Sociologia. Porto Alegre: Artmet, 2005, p. 61
  • 4. 1890, uma carta para seu amigo Joseph Bloch, e nessa carta que dá respostas sobre o materialismo histórico, ele escreve: De acordo com a concepção materialista da história, o elemento determinante final na história é a produção e reprodução da vida real. Mais do que isso, nem eu e nem Marx jamais afirmamos. Assim, se alguém distorce isto afirmando que o fator econômico é o único determinante, ele transforma esta proposição em algo abstrato, sem sentido e em uma frase vazia. As condições econômicas são a infraestrutura, a base, mas vários outros vetores da superestrutura (formas políticas da luta de classes e seus resultados, a saber, constituições estabelecidas pela classe vitoriosa após a batalha, etc., formas jurídicas e mesmo os reflexos destas lutas nas cabeças dos participantes, como teorias políticas, jurídicas ou filosóficas, concepções religiosas e seus posteriores desenvolvimentos em sistemas de dogmas) também exercitam sua influência no curso das lutas históricas e, 8 em muitos casos, preponderam na determinação de sua forma. Isso, em outras palavras, quer dizer que embora haja outras dimensões da vida social, embora haja outras dimensões para o fenômeno da globalização, de modo nenhum é, segundo a concepção marxista e materialista, possível partir para outras questões se não passar pela infraestrutura da sociedade, pelas condições econômicas. 2. Economia Global ou Globalização da miséria. O capital teve de seguir seu curso e sua lógica de desenvolvimento: teve de abraçar a totalidade do planeta. (István Mészáros) Marx e Engels revelam um sério problema da globalização. Escrevem eles, [...] vemos que quando hoje é inventada uma máquina na Inglaterra, por exemplo, incontáveis trabalhadores são postos na rua na Índia e na China, 9 o que quer dizer que aquela invenção constitui um fato histórico universal. Ora, se para Giddens e Piero Coda a globalização deveria ter (tem?) o caráter de unir as pessoas numa grande aldeia, de aproximar os acontecimentos de um povo etc., para Marx e Engels outro problema surge: é que a economia capitalista é excludente e quando as coisas vão mal para os trabalhadores na Europa isso irá refletir nos trabalhadores na América Latina. É por isso que uma 8 http://www.marxists.org/portugues/marx/1890/09/22.htm - acesso 09/05/2012 9 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 70
  • 5. crise do capitalismo afeta todo o mundo capitalista – e não capitalista se pensarmos em Cuba e Venezuela. Um mundo que vive sob as rédeas do capitalismo sofre, por causa da globalização, quando esse sistema entra (sempre, pois as crises são inerentes à lógica do capital!) em colapso. As promessas da economia capitalista chocam-se com o mundo da realidade. O capitalismo deu certo – o problema é que existe pobre! O paraíso da abundância de consumo aparece como à disposição de todos, mas o sonho acaba quando o trabalhador tem que acordar pra trabalhar. O teólogo Jung Mo Sung enfatiza que: Para obter a satisfação de todos os desejos de consumo, eles (os defensores do capitalismo) prometem a superabundância de produção via a maximização do progresso técnico. Quanto mais técnica, mas produção e, portanto, mais satisfação de desejos de consumo. Para a maximização do progresso tecnológico – o segredo do progresso – é necessário, segundo eles, a sobrevivência dos mais competentes e a exclusão – o sacrifício dos menos competentes e dos mais pobres. Por isso, eles dizem que os 10 sacrifícios impostos à população pobre não “sacrifícios necessários”. A economia capitalista é sui generis desigual. O sistema cria miséria, pois coloca a riqueza – produzido pelos trabalhadores – na mão dos poucos patrões. Bem escreveu Mészáros O sistema do capital – como se dá com todas as formas concebíveis de controle sociometabólico global, inclusive a socialista – está sujeito à lei absoluta do desenvolvimento desigual, que, sob a regra do capital, vigora numa forma em última análise destrutiva, por causa de seu princípio estruturador interno antagônico. Assim, para prever uma resolução global, legítima e sustentável dos antagonismos do sistema do capital, seria necessário primeiro acreditar no conto de fadas da eliminação para todo o 11 sempre da lei do desenvolvimento desigual das questões humanas. Dessa forma podemos dizer que a “globalização” em curso, é uma realidade inegável dos nossos tempos. Dado o carácter insuperavelmente antagônico do capital, este processo de globalização tem que impor-se de uma forma extremamente discriminatória a favor dos mais poderosos, e assim não só preserva como inclusivamente agrava as desigualdades opressoras do passado. O Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH) de 2010 revela um dado assustador: 10 MO SUNG, Jung. Teologia e economia: uma introdução. São Paulo: Kairos, p. 8 11 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 114.
  • 6. Estima-se que cerca de um terço da população em 104 países ou perto de 1,75 milhões de pessoas vivam em pobreza multidimensional. Por exemplo, podem viver numa família que tem um elemento subnutrido, que sofreu uma morte infantil ou que não tem nenhum elemento com cinco anos de escolaridade ou crianças em idade escolar em que nenhuma está inscrita na escola. Ou poderão viver numa habitação sem combustível para cozinhar, instalações sanitárias, água, eletricidade, pavimento ou quaisquer 12 bens. Quando o RDH 2010 trás a novidade da multidimensionalidade, isso nos remete imediatamente à globalização da miséria, pois se a economia global afeta todas as esferas e dimensões sociais, logo as pessoas tendem a ter multiproblemas. A economia global, com sua universal miserabilidade (para a maioria) não afeta apenas uma parte da vida, mas a vida completa. Foi criado o IPM (Índice de Pobreza Multidimensional). Esse índice se subdivide em dez indicadores: nutrição e mortalidade infantil (saúde); anos de escolaridade e crianças matriculadas (educação); gás de cozinha, sanitários, água, eletricidade, pavimento e bens domésticos (padrões de vida). Segue abaixo uma tabela sobre o IPM 13: 12 http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr2010/chapters/pt/ acesso: 13/05/2012 13 http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=3597&lay=pde acesso 13/05/2012
  • 7. Dados do Brasil indicam que 8,5% da população vive em pobreza multidimensional, e 13,1% estão em risco de entrar nessa condição. O país registra também 20,2% dos habitantes com ao menos uma grave privação em educação, 5,2% em saúde e 2,8% em padrão de vida. De acordo com os critérios internacionais de pobreza, entre os que vivem com menos de US$ 1,25 por dia encontram- 14 se 5,2% do total. Isso tudo indica que alguma coisa está muito errada com esse sistema econômico e que a sua globalização é, sim, uma globalização da miséria. Menos pessoas concentram mais renda e mais trabalhadores produzem mais riquezas e são mais explorados. Já dizia Marx O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna 15 uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias cria. A economia capitalista não tem compromissos éticos com o trabalhador. O trabalhador é sempre o ser que será explorado. E falamos aqui em trabalhador porque o trabalho – assalariado – é a fonte de onde o capital mata a sua sede. Por meio do trabalho – assalariado – é que a economia capitalista extrai a mais valia e se fortalece. Mas eis que surge um problema: o desemprego crônico. Ora: se para viver na economia capitalista tem que ter dinheiro e para ter dinheiro tem que trabalhar, então como ficam as pessoas que não conseguem trabalho? Mészáros fala de uma “globalização do desemprego” e argumenta O drástico crescimento do desemprego nos países capitalisticamente avançados não é um fenômeno recente. Apareceu no horizonte – após duas décadas e meia de expansão relativamente intacta do capital no pós-guerra – com o assalto da crise estrutural do sistema capitalista como um todo. Surgiu como o aspecto necessário e casa vez pior dessa crise estrutural. [...] O problema não mais se restringe à difícil situação dos trabalhadores não qualificados, mas atinge também um grande número de trabalhadores altamente qualificados, que agora disputam, somando-se ao estoque anterior de desempregados, os escassos – e cada vez mais raros – 16 empregos disponíveis. 14 Idem 15 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004, p. 80 16 MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 143
  • 8. A economia capitalista está em colapso – num colapso proposital, pois os capitalistas lucram com as crises. O pobre tem cada vez menos acesso à fartura ( ou se contar piada for interessante: o pobre tem fartura, pois “farta” tudo!) e cada vez mais a sua existência é multidimensionalmente explorada e destruída. Globalizar esse sistema é globalizar a morte. 3. Para além da economia capitalista global: o evangelho da partilha O capital, hoje na figura do capitalismo, funciona na base do acúmulo de riquezas. Marx escreve nas primeiras linhas do O capital que A riqueza das sociedades onde rege a produção capitalista configura-se em “imensa acumulação de mercadorias”, e a mercadoria, isoladamente 17 considerada, é a forma elementar dessa riqueza. O capitalismo não se sustenta se não for por meio de acumulação – e para acumular ele precisa explorar a força de trabalho. O capitalismo não tem misericórdia, não tem compaixão. Mata, se a vida estiver atrapalhando os lucros. O trabalhador quem produz a riqueza é quem menos usufrui dessa riqueza: o trabalhador, pobre, é quem sustenta a vida do capitalista. Ora, o que Jesus diria sobre isso? O evangelho é contra a acumulação de riquezas. O texto de Mateus é claro Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam; (Mateus 6:19). A acumulação no capital é desonesta, pois engorda sempre a mesma pequena parcela que detém os meios de produção – muito mais do que desonesta ela é criminosa, pois deixa com que milhões de pessoas fiquem privadas, inclusive, de coisas essenciais para a vida como alimentação e saúde. Segundo a ONU Aproximadamente 925 milhões de pessoas no mundo não comem o suficiente para serem consideradas saudáveis. Isso significa que uma em 18 cada sete pessoas no planeta vai para a cama com fome todas as noites. Surge assim uma pergunta: como tanta riqueza acumulada é capaz de deixar tantas pessoas em privação? Então eis que surge a lógica da partilha – ou em 17 MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 57 18 http://www.onu.org.br/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-fome-em-2012/ acesso: 14/05/2012
  • 9. termos socialistas, a socialização dos meios de produção. É preciso tirar das mãos dos poucos toda essa riqueza acumulada e fazer uma radical distribuição. Rosa Luxemburgo escreveu, em 1918, um texto chamado A socialização da sociedade, e citou que Hoje, todas as riquezas - as maiores e melhores terras, as minas e empresas, assim como as fábricas - pertencem a alguns poucos latifundiários e capitalistas privados. A grande massa dos trabalhadores, por um árduo trabalho, recebe apenas desses latifundiários e capitalistas um parco salário para viver. O enriquecimento de um pequeno número de 19 ociosos é o objetivo da economia atual. É mais do que necessário se opor a essa lógica de acúmulo e seguirmos pelo caminho da partilha. Os evangelhos trazem o exemplo. Os textos de Mateus 14: 13- 21, Marcos 6: 30-44, Lucas 9: 10-17 e João 6: 1-15 trazem uma lição de justiça social, partilha e fome saciada. Uma multidão faminta e apenas cinco pães de dois peixes... Certamente que houve um milagre para que todos ficassem saciados – o milagre da partilha. Imaginemos que cada um, ao ver o primeiro dar seus cinco pães e dois peixes foi tocado por esse ato e foi dando o pouco que tinha. O pouco se transforma em muito quando é juntado. A economia capitalista é baseada na competitividade, na biologização – Darwiniana – da sociedade: a consideração de que o mais forte é que tem que vencer (claro que eles não falam da ideologia que cria, legitima e sustenta uma certa classe fortalecida...) Caminhar por esses tortos caminhos da competitividade é peregrinar rumo ao abismo, pois precisamos, mais do que nunca, de solidariedade. Precisamos de um sistema solidário, partilhante e não competitivo. Precisamos destruir essa lógica do forte que inclusive encontra-se dentro das igrejas, mais precisamente nas que aderem à teologia da prosperidade, que estão possuídas pelo “capetalismo". O teólogo Luiz Solano Rossi escreve que Estamos acostumados a pensar a partir da lógica dos vencedores e da vitória. Essa lógica crê que todos aqueles que morrem antes do tempo por causa da pobreza ou ainda de alguma doença facilmente curável é porque já estavam fadados à derrota. São vítimas porque são derrotados. São derrotados porque o Deus da vitória não se encontra ao seu lado. [...] Nesse 19 http://insrolux.org/textosmarxistas/asocializarsociedade.htm Acesso: 14/05/2012
  • 10. tipo de lógica, Deus se encontra ao lado daqueles que são vitoriosos, em 20 meio a multidão de derrotados. Nessa lógica, Deus é o Senhor que legitima e defende os donos do capital que exploram o seu trabalhador e que, em nome da sua ganância por lucros – lucros que é visto inclusive como manifestação da Graça de Deus – exclui a maioria dos povos, levando inclusive muitos à morte. Segundo esse pensamento de que é preciso acumular (e muitos dizem: sou muito rico, graças a Deus...) o Rossi problematiza da seguinte forma: Nessa visão triunfal, o próprio Deus passa a ser representado dentro da lógica daquele que detém o domínio socioeconômico e político. [...] Deus, nessa representação, é sempre exteriorizado como representante do rico, 21 do dominador, do vitorioso e do saudável. Essa é uma visão que não condiz com os evangelhos, com a mensagem cristã. No texto do Evangelho de João está escrito: O ladrão não vem senão a roubar, a matar, e a destruir; eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância. (João 10:10) O evangelho prega a vida e não a morte. Citarei só um dos muitos problemas gerados pelo capitalismo e que mata: A fome é o número um na lista dos 10 maiores riscos para a saúde. Ela mata mais pessoas anualmente do que AIDS, malária e tuberculose 22 juntas. Sustentar essa economia capitalista global é sustentar uma máquina mortífera, sustentar um monstro devorador e desleal. A mensagem do Evangelho diz que todos têm que ter vida e vida abundante, mas a economia capitalista – que quer ser globalizada – funciona na base da sugação da vida do trabalhador ( e daqueles que não têm trabalho...) e do seu sangue. A morte do trabalhador é a vida do capital. Mas devemos escolher um outro sistema. Há outra opção. A partilha é o modo de vida mais justo. Assim escreve Rosa Luxemburgo Hoje, em cada empresa, a produção é dirigida pelo próprio capitalista isolado. O que e como deve ser produzido, quando e como as mercadorias fabricadas devem ser vendidas é o empresário quem determina. Os trabalhadores jamais cuidam disso, eles são apenas máquinas vivas que 20 ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Jesus vai ao Mc Donald`s: teologia e sociedade de consumo. São Paulo: Fonte editorial, 2008, p. 142. 21 Idem. Ibdem, p. 143 22 UNAIDS, Relatório Global de 2010; OMS, Fome no mundo e Estatística Pobreza, 2011).
  • 11. têm de executar seu trabalho. Na economia socialista tudo isso precisa ser diferente! [...] A produção não tem mais como objetivo enriquecer o indivíduo, mas fornecer à coletividade, meios de satisfazer todas as necessidades. [...] A produção deve ter por objetivo assegurar a todos uma vida digna, fornecer a todos alimentação abundante, vestuário e outros meios culturais de existência [...] Para que na sociedade todos possam usufruir do bem-estar, todos precisam trabalhar. Apenas quem executa trabalho útil para a coletividade, quer trabalho manual, quer intelectual, pode exigir da sociedade meios para a satisfação de suas necessidades. A obrigação de trabalhar para todos os que são capazes, exceto naturalmente as crianças pequenas, os velhos e os doentes é, na economia socialista, uma coisa evidente. Quando aos incapazes de trabalhar, a coletividade precisa simplesmente tomar conta dele – não como hoje, com esmolas miseráveis, mas por meio de alimentação abundante, educação pública 23 para as crianças, boas assistência médica pública para os doentes etc. Ora, devemos optar por um sistema includente e não excludente. Que gere vida e conforto, a todos, e não a uma minoria absoluta e permanente. Concluindo Mészáros nos diz que Vivemos hoje em um mundo firmemente mantido sob as rédeas do capital, numa era de promessas não cumpridas e esperanças amargamente frustradas, que até o momento só se sustentam por uma teimosa 24 esperança. Essa frase do Mészáros de forma alguma é pessimista, mas, pelo contrário, coloca em nós um desejo de continuar lutando. Tentamos apresentar nessas linhas que foram escritas a problemática do capitalismo e as sérias questões no que diz respeito à sua globalização e se estamos certos no que diz respeito ao caráter destrutivo do sistema, então o que menos precisamos agora é recuar. Se formos a favor do Deus que gera vida e se formos a favor de uma sociedade realmente justa, então devemos no opor, veementemente, à globalização da economia capitalista. Citando novamente o Mészáros, escreve ele [...] O processo de globalização, como de fato o conhecemos, se afirma reforçando os centros mais dinâmicos de dominação (e exploração) do capital, trazendo em sua esteira uma desigualdade crescente e uma dureza 25 extrema para a avassaladora maioria do povo. E diz também 23 http://insrolux.org/textosmarxistas/asocializarsociedade.htm Acesso: 14/05/2012 24 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002, p. 37 25 Idem. Ibdem. p. 64
  • 12. A “globalização” (tendência que emana da natureza do capital desde o seu início), muito idealizada em nossos dias, na realidade significa: o desenvolvimento necessário de um sistema internacional de dominação e 26 subordinação. Devemos negar essa globalização e defender uma outra: uma globalização da justiça. Na verdade poderemos fazer a seguinte pergunta: globalizar o mundo ou humanizar o globo? Globalizar as oportunidades de trabalho, globalizar o acesso à comida, diversão e arte. Precisamos, se queremos ser honestos com o que chamamos de solidariedade, negarmos esse Deus que está do lado do mais forte. Precisamos de um mundo onde as pessoas deixem de ser meras mercadorias ou meras máquinas de fabricar riqueza, mas se tornem pessoas emancipadas e contentes. Escreve Rossi Devemos entender que o fato de Deus se solidarizar a favor dos oprimidos é absoluto, pois Javé toma sobre si a condição humilhada deles e assim abre um novo futuro para os pobres. O companheirismo e a solidariedade de Deus são o começo e o fim da libertação. [...] A solidariedade para com o povo é a força motriz que efetiva a transformação radical de sua condição. A solidariedade para com a vida implica no exercício do amor, do comprometimento com a justiça e à não solidarização com o cultivo de 27 privilégio. Devemos nos perguntar sempre o que a economia capitalista quer e quem tá lucrando com isso. Globalizar a economia capitalista seria a globalização dos lucros de poucos e da miséria de muitos? Lucrar ou partilhar? Acumular ou socializar? Façam suas escolhas... Referências: CODA, Piero. La globalizzazione. Una sfida all’esperienza umana, Nuova Umanità, XXV (2003/2) GIDDENS, Antony. Sociologia. Porto Alegre: Artmet, 2005 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. 26 Idem. Ibdem, p. 111 27 ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Jesus vai ao Mc Donald`s: teologia e sociedade de consumo. São Paulo: Fonte editorial, 2008, p. 163.
  • 13. _____________. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004 _____________. O capital: crítica da economia política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011, p. 57 MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002 _____________. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 143 MO SUNG, Jung. Teologia e economia: uma introdução. São Paulo: Kairos, 1988 ROSSI, Luiz Alexandre Solano. Jesus vai ao Mc Donald`s: teologia e sociedade de consumo. São Paulo: Fonte editorial, 2008