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A potência do imaginário de Neuromancer nas origens da

                                        cibercultura




      I went out walking under an atomic sky

      Where the ground won't turn and the rain it burns

      Like the tears when I said goodbye.∗




      Colapso do futuro no presente. Pós-humanidade. Obsolescência do humano.

Globalização. Megalópoles decadentes e sombrias. Pervasividade tecnológica cotidiana.

Orientalização do Ocidente. Domínio ostensivo das megacorporações. Espetáculo e

consumo. Vigilância eletrônica. Próteses e extensões. Território informacional. Roupas

de couro e vinil preto. Fusão do sintético com o orgânico. Faça Você Mesmo.

Biotecnologias. Subculturas juvenis. Hackers. Matrix. Linguagem e gírias das ruas. Eu

poderia continuar essa lista e ainda assim não encerraria a discussão sobre os efeitos

teórico-conceituais, sociológicos, antropológicos e filosóficos que Neuromancer catalisou

e constituiu a partir de seu lançamento na década de 1980.

      Com Neuromancer, William Gibson rompeu as barreiras entre a chamada literatura

tradicional e o gueto do fandom típico da ficção-científica norte-americana, que permeou

os sonhos de muitos autores de gerações anteriores: sci-fi sem fronteiras. O conceito de

ciberespaço como matrix surgiu de sua prosa ácida e cinematográfica como um implante




  Eu saí andando por um céu atômico / Onde a terra não dá frutos e a chuva queima / Como as lágrimas
quando eu disse adeus. (U2 – The wanderer – 1993)


                                                                                                  1
metálico nas rodas acadêmicas. Por tudo isso, Gibson conquistou os prêmios Hugo

Award, Nebula Award e Philipp K. Dick Memorial Award.

     No recém-nascido, obscuro e transdisciplinar campo da cibercultura, a inegável e

inseparável relação cultura e tecnologia, e as próprias representações da tecnologia em

todos os formatos midiáticos da cultura contemporânea, em suas interfaces com as teorias

literárias e culturais pós-modernas, são compreendidas como as redes de conexão entre

humanos e máquinas.

     A geração dos autores texanos a que Gibson se refere no Prefácio (Bruce Sterling,

Pat Cadigan, John Shirley, entre outros) ganhou rapidamente o rótulo de “cyberpunk”,

unindo a cibernética das trocas de informações entre homem-máquina com a atitude punk

e niilista do Faça Você Mesmo, do cowboy cibernético que desafia as megacorporações

na solidão de seu próprio quarto, desestabilizando os sistemas informáticos a partir das

comunidades online do hacking de informações, além do termo ainda gerar mais

confusões, ao ser apropriado pela mídia de massa como um mero sinônimo de cracker

(“hacker do mal”) e não como gênero literário ou elemento estético.

     A força do imaginário de Neuromancer, no entanto, encontra-se para além da

análise da narrativa e dos personagens. Ela reside na visão de mundo que a obra nos

delineia à medida que avançamos em seus mistérios técnicos e corporativos, através de

sua “prosa exemplar”: tecnológica e mecânica para alguns; e pós-moderna, vulgar e

irônica para outros em sua confluência de citações, intertextos, colagens e paródias da

cultura pop e da própria história da ficção-científica. Na prosa urbana e sem censura de

Neuromancer, Gibson nos convoca, de certa forma, como Lou Reed, uma de suas

grandes influências, a “dar uma volta no lado selvagem” da guerra das gangues pelo

domínio do ciberespaço.




                                                                                      2
Neuromancer é a primeira parte do projeto de uma trilogia – a segunda e a terceira

partes, respectivamente Count Zero e Mona Lisa Overdrive, serão lançados em breve pela

Aleph - de um designer de palavras habilidoso que utiliza imagens, descrições e

sensações narrativas como ferramenta de observação da sociedade contemporânea e que

soube perceber a efervescência de um período histórico visceral – o início dos anos 1980

- no qual a cultura da microinformática começou a se popularizar, desenhado a partir de

diversas contraculturas – de um 1968 que volta em looping eterno - e subculturas nas

quais os personagens mergulham.

     Em uma trama intrincada e noir, Neuromancer apresenta o que alguns autores

anglo-saxões chamam de Social (Science) Fiction, ou seja, Ficção (Científica) Social que

nos oferece uma espécie de quadro fenomenológico para uma possível compreensão da

cultura tecnológica, sua sociedade, comportamentos, usos e apropriações. Usos esses que

se tornaram tão triviais vinte e cinco anos após o lançamento do livro, mas que na década

de 1980 ostentavam um caráter imaginativo e visionário.

     Em vez de descrever e acreditar num mundo perfeito, um paraíso tecnológico, com

computadores garantindo o bem-estar e ajudando na resolução de problemas das pessoas,

Neuromancer nos aponta o lado negro que os avanços podem ocasionar -

megacorporações substituindo a soberania dos governos, trazendo toda a sorte de

corrupção, aniquilação social e das relações interpessoais. À margem do permitido, só

resta incorporar-se a sintonia de um canal morto, o que é o próprio comportamento

cyberpunk, mesmo que se deixe de ser humano e se torne um ser mutilado.

     Assim, o impacto e a atração de Neuromancer perduram em um âmbito que

extrapola o literário e entra na areia movediça dos fluxos de influência e das

representações na cultura pop, tendo se disseminado em comerciais publicitários,

histórias em quadrinhos, games, filmes, moda, música e, até mesmo, no comportamento


                                                                                       3
das gerações que já nasceram em um mundo científico-ficcional e no qual as distinções

entre a vida real e virtual são cada vez mais tênues e se confundem a cada momento, para

além do bem e do mal.

      Sem Neuromancer, talvez, os Wachowski não teriam levado a trilogia Matrix para

o cinema; as drogas sintéticas não chamariam a atenção nos telejornais; o cientista Kevin

Warwick e seu implante robótico no braço não nos pareceria tão “déjà vu”; talvez

elementos eletrônicos não fossem misturados as guitarras; usar óculos escuros à noite,

jaquetas de couro e máscara de gás não nos remeteria aos bares de Shiba City; assistir à

“verdadeira vingança dos nerds” como Bill Gates e Steve Jobs, agora pastores

milionários do rebanho informático, não seria tão interessante e divertido; a cultura

juvenil japonesa talvez não tivesse se retroalimentado e praticamente apagado as suas

origens ocidentais, ao ponto de quase esquecermos de onde veio parte da estética

cyberpunk, das roupas e visuais de muitos otakus (fãs/colecionadores japoneses de

cultura pop juvenil como mangás, animes, bonecos etc.); e até uma banda como U2 não

teria composto uma música como The wanderer (O andarilho) um blues/country

eletrônico cujo vocal é do eterno cowboy fora-da-lei dark Johnny Cash e cuja letra foi

inspirada pela leitura do livro.

      No percurso de constituição da cibercultura há muitas origens, rupturas e

reconfigurações, todas elas possíveis e “reais”; no entanto, a versão ficcional presente em

Neuromancer ainda ressoa como a de fruição estética mais potente.




                                                                  Adriana Amaral

                                                                    maio de 2008




                                                                                         4
Adriana Amaral é jornalista e doutora em comunicação social pela PUC-RS com estágio de doutorado pelo

Boston College, EUA (com bolsa do CNPq). É autora de “Visões perigosas: uma arque-genealogia do

cyberpunk” (Editora Sulina, 2006). Pesquisadora e professora do Mestrado em Comunicação e Linguagens

da UTP-PR. Conselheira Científica da ABCiber – Associação Brasileira dos Pesquisadores em Cibercultura

(2007-2009).




                                                                                                    5

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Posfácio Neuromancer 2008

  • 1. A potência do imaginário de Neuromancer nas origens da cibercultura I went out walking under an atomic sky Where the ground won't turn and the rain it burns Like the tears when I said goodbye.∗ Colapso do futuro no presente. Pós-humanidade. Obsolescência do humano. Globalização. Megalópoles decadentes e sombrias. Pervasividade tecnológica cotidiana. Orientalização do Ocidente. Domínio ostensivo das megacorporações. Espetáculo e consumo. Vigilância eletrônica. Próteses e extensões. Território informacional. Roupas de couro e vinil preto. Fusão do sintético com o orgânico. Faça Você Mesmo. Biotecnologias. Subculturas juvenis. Hackers. Matrix. Linguagem e gírias das ruas. Eu poderia continuar essa lista e ainda assim não encerraria a discussão sobre os efeitos teórico-conceituais, sociológicos, antropológicos e filosóficos que Neuromancer catalisou e constituiu a partir de seu lançamento na década de 1980. Com Neuromancer, William Gibson rompeu as barreiras entre a chamada literatura tradicional e o gueto do fandom típico da ficção-científica norte-americana, que permeou os sonhos de muitos autores de gerações anteriores: sci-fi sem fronteiras. O conceito de ciberespaço como matrix surgiu de sua prosa ácida e cinematográfica como um implante  Eu saí andando por um céu atômico / Onde a terra não dá frutos e a chuva queima / Como as lágrimas quando eu disse adeus. (U2 – The wanderer – 1993) 1
  • 2. metálico nas rodas acadêmicas. Por tudo isso, Gibson conquistou os prêmios Hugo Award, Nebula Award e Philipp K. Dick Memorial Award. No recém-nascido, obscuro e transdisciplinar campo da cibercultura, a inegável e inseparável relação cultura e tecnologia, e as próprias representações da tecnologia em todos os formatos midiáticos da cultura contemporânea, em suas interfaces com as teorias literárias e culturais pós-modernas, são compreendidas como as redes de conexão entre humanos e máquinas. A geração dos autores texanos a que Gibson se refere no Prefácio (Bruce Sterling, Pat Cadigan, John Shirley, entre outros) ganhou rapidamente o rótulo de “cyberpunk”, unindo a cibernética das trocas de informações entre homem-máquina com a atitude punk e niilista do Faça Você Mesmo, do cowboy cibernético que desafia as megacorporações na solidão de seu próprio quarto, desestabilizando os sistemas informáticos a partir das comunidades online do hacking de informações, além do termo ainda gerar mais confusões, ao ser apropriado pela mídia de massa como um mero sinônimo de cracker (“hacker do mal”) e não como gênero literário ou elemento estético. A força do imaginário de Neuromancer, no entanto, encontra-se para além da análise da narrativa e dos personagens. Ela reside na visão de mundo que a obra nos delineia à medida que avançamos em seus mistérios técnicos e corporativos, através de sua “prosa exemplar”: tecnológica e mecânica para alguns; e pós-moderna, vulgar e irônica para outros em sua confluência de citações, intertextos, colagens e paródias da cultura pop e da própria história da ficção-científica. Na prosa urbana e sem censura de Neuromancer, Gibson nos convoca, de certa forma, como Lou Reed, uma de suas grandes influências, a “dar uma volta no lado selvagem” da guerra das gangues pelo domínio do ciberespaço. 2
  • 3. Neuromancer é a primeira parte do projeto de uma trilogia – a segunda e a terceira partes, respectivamente Count Zero e Mona Lisa Overdrive, serão lançados em breve pela Aleph - de um designer de palavras habilidoso que utiliza imagens, descrições e sensações narrativas como ferramenta de observação da sociedade contemporânea e que soube perceber a efervescência de um período histórico visceral – o início dos anos 1980 - no qual a cultura da microinformática começou a se popularizar, desenhado a partir de diversas contraculturas – de um 1968 que volta em looping eterno - e subculturas nas quais os personagens mergulham. Em uma trama intrincada e noir, Neuromancer apresenta o que alguns autores anglo-saxões chamam de Social (Science) Fiction, ou seja, Ficção (Científica) Social que nos oferece uma espécie de quadro fenomenológico para uma possível compreensão da cultura tecnológica, sua sociedade, comportamentos, usos e apropriações. Usos esses que se tornaram tão triviais vinte e cinco anos após o lançamento do livro, mas que na década de 1980 ostentavam um caráter imaginativo e visionário. Em vez de descrever e acreditar num mundo perfeito, um paraíso tecnológico, com computadores garantindo o bem-estar e ajudando na resolução de problemas das pessoas, Neuromancer nos aponta o lado negro que os avanços podem ocasionar - megacorporações substituindo a soberania dos governos, trazendo toda a sorte de corrupção, aniquilação social e das relações interpessoais. À margem do permitido, só resta incorporar-se a sintonia de um canal morto, o que é o próprio comportamento cyberpunk, mesmo que se deixe de ser humano e se torne um ser mutilado. Assim, o impacto e a atração de Neuromancer perduram em um âmbito que extrapola o literário e entra na areia movediça dos fluxos de influência e das representações na cultura pop, tendo se disseminado em comerciais publicitários, histórias em quadrinhos, games, filmes, moda, música e, até mesmo, no comportamento 3
  • 4. das gerações que já nasceram em um mundo científico-ficcional e no qual as distinções entre a vida real e virtual são cada vez mais tênues e se confundem a cada momento, para além do bem e do mal. Sem Neuromancer, talvez, os Wachowski não teriam levado a trilogia Matrix para o cinema; as drogas sintéticas não chamariam a atenção nos telejornais; o cientista Kevin Warwick e seu implante robótico no braço não nos pareceria tão “déjà vu”; talvez elementos eletrônicos não fossem misturados as guitarras; usar óculos escuros à noite, jaquetas de couro e máscara de gás não nos remeteria aos bares de Shiba City; assistir à “verdadeira vingança dos nerds” como Bill Gates e Steve Jobs, agora pastores milionários do rebanho informático, não seria tão interessante e divertido; a cultura juvenil japonesa talvez não tivesse se retroalimentado e praticamente apagado as suas origens ocidentais, ao ponto de quase esquecermos de onde veio parte da estética cyberpunk, das roupas e visuais de muitos otakus (fãs/colecionadores japoneses de cultura pop juvenil como mangás, animes, bonecos etc.); e até uma banda como U2 não teria composto uma música como The wanderer (O andarilho) um blues/country eletrônico cujo vocal é do eterno cowboy fora-da-lei dark Johnny Cash e cuja letra foi inspirada pela leitura do livro. No percurso de constituição da cibercultura há muitas origens, rupturas e reconfigurações, todas elas possíveis e “reais”; no entanto, a versão ficcional presente em Neuromancer ainda ressoa como a de fruição estética mais potente. Adriana Amaral maio de 2008 4
  • 5. Adriana Amaral é jornalista e doutora em comunicação social pela PUC-RS com estágio de doutorado pelo Boston College, EUA (com bolsa do CNPq). É autora de “Visões perigosas: uma arque-genealogia do cyberpunk” (Editora Sulina, 2006). Pesquisadora e professora do Mestrado em Comunicação e Linguagens da UTP-PR. Conselheira Científica da ABCiber – Associação Brasileira dos Pesquisadores em Cibercultura (2007-2009). 5