1. Jornal-laboratório produzido pelos alunos de Jornalismo da Universidade Cruzeiro do Sul
Ano XI - Número 35 - Outubro de 2010
Anderson Brito
Abandono e descaso é a situação atual dos imóveis históricos pertencentes ao poder público
na Vila Maria Zélia, no Belenzinho, Zona Leste de São Paulo. Páginas 4 e 5
Belém
Carol Marangoni
Ao atingir o patamar de bairro autossustentável, a região é considerada como
uma das melhores para se viver em São Paulo. Página 3
Anália Franco
Região é destaque no universo da
moda pela vocação no mercado de
confecções e venda de roupas e acessórios na
Zona Leste. Página 8
Brás
Tiago Paixão
Conheça o polêmico projeto da
av. Conselheiro Carrão, que prevê
corredores exclusivos para os ônibus e proíbe o
estacionamento de veículos. Página 7
Carrão
Carlos Alberto
Matéria mostra os fatores que
transformaram o antigo
reduto operário e os motivos de sua atual
desindustrialização. Página 6
Mooca
Henrique Jacob
Tatuapé Problemas como
trânsito e violência
incomodam quem mora há anos no
bairro, mas não retira do local a crescente
vocação para a gastronomia, o lazer, o
entretenimento e a moradia. Página 2
Isis Stelmokas
2. Jornal laboratório do curso de Comunicação Social (Jornalismo)
da Universidade Cruzeiro do Sul - Contato: (11) 2037-5706
Ano XI - Número 35 - Outubro de 2010
Impressão: Jornal Última Hora - (11) 4226-7272
Tiragem: 3 mil exemplares
Reitora: Sueli Cristina Marquesi
Pró-reitor de Graduação: Luiz Henrique Amaral
Pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários: Renato Padovese
Pró-reitor de Pós-graduação e Pesquisa: Danilo Antonio Duarte
Coordenador do Curso de Comunicação Social: Carlos Barros Monteiro
Professores orientadores: Cecília Luedemann (1º semestre de 2010),
Dirceu Roque de Sousa, Flávia Serralvo e Regina Tavares.
Também participaram desta edição:
Camila Servilha, Cristiano Almeida, Igor Mariano, Juliana Bacci,
Marcos Antonio Santos, Mayara Lopes e Thiago Quirino (Diagramação).
PÁGINA 2 - OUTUBRO DE 2010 TATUAPÉ
Violência preocupa morador tatuapeense
Bairro se torna foco de ações criminosas e tira sossego dos moradores
Rebeca Candido
Em 2008, o Instituto Datafolha
divulgou dados sobre o perfil do
paulistano morador da Zona Leste. A
pesquisaapontou quenoanoavaliado,
o Tatuapé registrou o maior número
de assaltos ou agressões sofridas por
moradores do próprio bairro. Ainda
segundooestudo,aviolênciaéamaior
preocupação de quem mora na região.
O historiador Pedro Abarca ex-
plica que a parte alta do Tatuapé ficou
lotada de pontos de encontro, em que
as bebidas, o funcionamento além da
meia noite e a prostituição são consi-
derados comuns. A área também sofre
com os altos níveis de violência e, por
consequência,aestagnaçãodachamada
“parte baixa” (localizada ao norte da
RadialLeste)refleteesofredosmesmos
males. “Junto com o progresso vêm os
problemas sociais”, diz Abarca.
Aviolênciapodeserexplicadapelo
crescimento descontrolado do comér-
cioemáreasresidenciais.Osbares,que
atraemvisitantesdeoutrosbairros,não
seguem a lei do silêncio. O público
que apenas frequenta a região não leva
em consideração
nem respeita os
moradores das ca-
sasnoentornodos
estabelecimentos.
Outra reclamação
constante dos ta-
tuapeenseséafalta
de fiscalização, o
que torna a área um alvo fácil para os
usuários de drogas e assaltantes.
Pontos de vista
QuemmoranobairrodoTatuapé,
comooadvogado LeandroZerbinatti,
reclama: “Antigamente aqui era tran-
quilo. Você podia ficar na porta da sua
casa, os bares fechavam cedo e quem
frequentava respeitava, eram pessoas
daqui. Hoje, o pessoal que frequenta
é de fora do bairro, usa drogas e para
o carro na porta das casas, ninguém se
responsabiliza por nada e os morado-
res, que não usam estes serviços dos
bares, são obrigados a conviver e se
tornam reféns.”
Para o comerciante Pedro Santos,
a melhora na situação da parte baixa
do Tatuapé só acontece quando há
interesse da prefeitura. Santos é dono
de bar e quadra de futebol na avenida
CelsoGarcia,econtaqueécomumver
usuáriosetraficantesdedrogasdurante
todo o dia nas redondezas. Outra
reclamação é a
respeito dos rou-
bos: “Tem muita
gente que tem
que passar pela
avenida para ir
trabalhareirpara
casa, e também
tem muita gente
que se aproveita do movimento e sai
assaltando.”
Já o cozinheiro William Patrick
Silva Neves é frequentador há quatro Fotos
Isis
Stelmokas
PATRULHA - Segurança reforçada na praça Sílvio Romero, uma das mais movimentadas da região
EDITORIAL
Identidade,
progresso e
consequências
Falar da Zona Leste de São
Paulo é como falar de uma cidade
dentro de outra. E dentro desta,
cada bairro com sua tradição, seus
moradores e seus diversos estilos
de vida.
Por razões históricas e geo-
gráficas, a segunda maior região
do município subdivide-se. A área
periférica registra menor concen-
tração de atividade econômica e
a pior renda média familiar, não
só da região, mas de toda capital.
O desenvolvimento é maior nas
áreas próximas ao centro, onde
também encontram-se os mais
variados temas e as inúmeras
curiosidades a serem discutidas
nesta edição.
O Jardim Anália Franco, por
exemplo, é hoje um dos bairros
mais valorizados de São Paulo por
sua concentração de condomínios
empresariais e residenciais. Consi-
derando o crescimento constante
de venda de imóveis e a quan-
tidade de serviços de qualidade
disponíveis, a tendência é que o
bairro siga em sua plena expansão.
Mas o progresso não traz só
benefícios. No Tatuapé, por conta
do excesso de comércio e opções
noturnas de lazer, moradores do
bairro sofrem com a violência.
E nas preocupações com a
vida moderna, pode haver certo
descaso por parte do poder públi-
co com os patrimônios históricos,
como acontece na Vila Maria
Zélia. Localizada no bairro do
Belém, a primeira vila operária
do Brasil encontra-se em ruínas.
Já na Mooca é dado o devido
valor à preservação desse tipo de
patrimônio, tendo em vista que
o bairro teve grande importância
histórica no período industrial da
cidade.
Nesta edição também vere-
mos como o Brás, procurado por
consumidores do país todo, tem
chamado a atenção pelos preços
baixos, pela qualidade e diversida-
de de suas confecções.
Em cada matéria, um bairro,
uma história, e incontáveis per-
sonagens que emprestam à Zona
Leste suas identidades. Estamos
diante de uma região incansável e
mutante. Constantes mudanças,
no ritmo da cidade que nunca
para. São transformações dia
após dia, em grandes e pequenos
detalhes que fazem uma história
que também é nossa.
anos e agora quer comprar um imóvel
nobairro.“QuandoeufalodoTatuapé
eu já logo penso em ‘bairro balada’,
aqui só tem isso. Bar tem em todo
canto.”Osnúmerosdaviolênciatatua-
peensenãoparecemafetaraescolhade
Neves, que conta: “Estaciono o carro
na rua sem me preocupar.”
O outro lado
O delegado titular André Pimentel,
da 81ª DP que fica na parte baixa da
Celso Garcia, explica que a maior parte
das queixas registradas são de peque-
nos furtos, como carteiras e celulares.
Segundo ele, “aqui é uma área de cons-
GCM – Postos móveis da Guarda Municipal procuram reduzir ocorrências violentas na região
tante desembarque, então, é comum as
pessoas serem furtadas nos ônibus, no
centro,esódãoqueixaquandochegam
aqui.” Isso mostra que nem todos os
crimes registrados na região realmente
ocorremnobairro.Odelegadodefende
que o alto número de ocorrências não
necessariamente indica que o bairro
seja perigoso.
Já o delegado da 52ª DP, Cármino
Pepe, fala das recomendações para
evitar os pequenos furtos. “Carregar
bolsas junto ao corpo e evitar o uso
de celulares nas calçadas.” O delegado
também explica que caso o crime
ocorraéimportantenãoreagireseguir
as instruções do assaltante. “Nada do
quevocêtemvalemaisqueasuavida.”
Após o ocorrido, é indicado procurar
uma delegacia para registrar o boletim
de ocorrência. A vítima também tem
a possibilidade de prestar queixa pela
internet por meio do site: www.ssp.
sp.gov.br/bo.
30º DP - Rua Antônio Camardo,
69, telefone: 2295-0103.
Delegado responsável: Adilson da
Silva Aquino.
52ºDP-RuaDr.CorintoBaldoino
Costa, 400, telefone: 2093-3632.
Delegado responsável: Cármino
Pepe.
81º DP - Avenida Celso Garcia,
2.875, telefone: 2693-9496.
Delegado responsável: André
Luiz Pimentel de Queiroz.
Delegacias
na região
Vivian
Fróes
“Junto com o
progresso vêm os
problemas sociais”
3. OUTUBRO DE 2010 - PÁGINA 3
ANÁLIA FRANCO
Mara Speri
Viviane Evangelista
Anália Franco, uma área em plena expansão
Para conquistar o conceito de “bairro-cidade”, há projetos para a instalação de teatros e hospitais
O Jardim Anália Franco, antes
habitado por agricultores e operários,
tornou-se há algumas décadas um
bairro “auto-sustentável”. De acordo
com a subprefeitura da região, o ob-
jetivo é cada vez mais tornar o Anália
Franco um “bairro-cidade”, ou seja,
trazer para o bairro diversos serviços
que hoje são encontrados apenas no
centro, como grandes empresas, tea-
tros, hospitais, entre outros. Assim,
evitando que a população precise se
deslocar do bairro para o centro em
busca de serviços de qualidade.
Um dos motivos de grande
procura pela população deve-se à
explosão imobiliária. Segundo o
delegado titular da Zona Leste do
Creci-SP (Conselho Regional de
Corretores de Imóveis de São Paulo),
José Francisco Paronette, o bairro
cresce anualmente de 30% a 46%,
aumentando cada vez mais o número
de vendas e o valor do aluguel. “As
vendas de imóveis na região não
param de crescer. Quanto à locação,
o valor dos alugueis é altíssimo,
tornando-se assim um ótimo negócio
para o investidor”, afirma Paronette.
CONCENTRAÇÃO - Condomínios empresariais e residenciais transformaram o bairro numa área luxuosa
Seguindo o mesmo estilo dos
condomínios, os prédios empresa-
riais são cada vez mais a aposta das
construtoras. O grande centro co-
mercial de compras movimenta R$
500 milhões, com empreendimentos
de luxo, como o Shopping Anália
Franco, concessionárias de carros im-
portados, clínicas de estética, salões
de beleza, escola de idiomas e vários
outros comércios.
A empresária e moradora da re-
gião há cinco anos, Eduarda Fonseca,
diz que se mudou para o bairro com
o objetivo de melhorar sua qualidade
de vida e de toda sua família. “Depois
que mudei, percebi que minha vida
ficou muito melhor, afinal tenho
tudo no bairro, como ótimas lojas,
hospitais, além de diversão, segurança
e conforto que sempre busquei para
minha família”, diz Eduarda.
O Anália Franco é classificado
pelo Creci como Zona de Valor A,
assim como Higienópolis, Jardins e
Moema, em razão do desenvolvi-
mento do bairro, infra-estrutura e
nível social dos moradores. A média
do valor de um imóvel na região
varia de R$ 250 mil a R$ 2 milhões
e, em alguns casos, esse valor pode
ser ainda mais alto.
Mesmo procurado por pessoas
de classe alta, existem aqueles que
não honram os pagamentos. “Como
em qualquer outro segmento, existem
os inadimplentes, apesar de o índice
ser considerado baixo, em vista de
outros bairros da capital”, acrescenta
o corretor de imóveis do Creci, Ideval
Schiavinato.
Andar de táxi também é cultura
Patrícia Ramos
que a rua Francisco Marengo tem
como origem a família de Benedito
Marengo, que produzia uvas Niágara.
As uvas de Marengo se tornaram
nacionalmente
conhecidas e jun-
to com seu su-
cessor, Francisco
Marengo, foram
importantes para
o crescimento
dos negócios da
família e do bair-
ro. Há também a
história do “Se-
nhor do Cuco”
que é a única pessoa do bairro que
ainda conserta os relógios.
Considerado pelos seus passagei-
ros um “homem de buscas”, Delfino
procura adquirir o máximo de conhe-
cimento sobre o bairro e a cidade.
Esse conhecimento é repassado a
todos que querem fazer de suas cor-
ridas um momento de aprendizado,
assim como o taxista diz aprender
muito com seus passageiros.
“Todo dia alimento meu caderno
de pensamentos, uma espécie de livro
onde cada passageiro deixa algo escri-
to durante a viagem”, relata Delfino,
que pretende publicar o livro Um beijo
pra São Paulo, com uma seleção das
melhores mensa-
gens deixadas ao
taxista. Após a
publicação, Del-
fino pretende
doar o dinhei-
ro arrecadado a
uma entidade de
assistência social
da região.
Além da pu-
blicação, outro
objetivo de Delfino é prestar vesti-
bular para Turismo, onde pretende
ampliar ainda mais seu conhecimento
retribuindo todo o aprendizado aos
seus fiéis passageiros.
Taxista Lineu Delfino, tele-
fone 9428-9840. De terça-feira a
domingo, das 12 horas ao último
passageiro. Ponto de táxi em frente
ao Shopping Anália Franco.
Terra de Regente vira espaço empresarial
No lugar de áreas descampadas e
terras de antigos agricultores, gran-
des edifícios residenciais e centros
empresariais. Foi assim que o Jardim
Anália Franco nasceu em 1968, e
como resultado de sua contínua
expansão, atualmente é considerado
um dos bairros mais valorizados da
cidade de São Paulo.
As terras onde está localizado o
bairro pertenciam ao Regente Feijó,
que na época construiu o Sítio do
Capão. Há alguns anos, o local foi
restaurado e tombado por ser um im-
portante remanescente da arquitetura
conhecida como bandeirista. “É mui-
to importante preservar a memória
histórica da cidade para que futuras
gerações possam ter conhecimento
de tudo que aconteceu no passado”,
diz a historiadora e moradora da re-
gião, Wildney Feres Contrera.
Quem foi
Regente Feijó?
Diogo Regente Feijó nasceu
em 17 de agosto de 1784, em São
Paulo. Ordenou-se padre e lecio-
nou como professor de história,
geografia e francês. Mudou-se
para a cidade de Itu onde iniciou
carreira política. Feijó comprou
em São Paulo o “sítio-do-capão”
para abrigar-se durante suas
passagens pela capital. Hoje,
parte da área abriga o campus
da Universidade Cruzeiro do Sul
e a principal avenida do Jardim
Anália Franco. Aos 59 anos, o
regente faleceu em São Paulo,
devido a uma parada cardior-
respiratória. Seus restos mortais
foram enterrados na Catedral da
Sé, no centro da capital.
Mara Speri
Viviane Evangelista
No começo do século XX as
terras foram vendidas à Associação
Feminina Beneficente e Instrutiva,
entidade dedicada à crianças abando-
nadas, criada pela educadora Anália
Franco. Em 2001, uma parte foi uti-
lizada para abrigar um dos campus da
Universidade Cruzeiro do Sul.
Segundo o arquiteto responsável
pelo projeto, Samuel Kruchin, a
construção da instituição no local
teve boa aprovação. “Na ápoca, o
projeto de restauração e instalação da
universidade foi muito bem recebido
pelos moradores”, afirma Kruchin.
Apesar da construção de um dos
campus da universidade, uma senzala
criada no final do século XIX pelo
Regente Feijó foi preservada e existe
até hoje nos fundos do terreno da
instituição. “Temos até hoje a senzala
que era habitada pelos escravos na
época do regente, isso tem um grande
valor histórico para as pessoas da re-
gião”, ressalta a historiadora Wildney.
SENZALA - Lugar histórico preservado nos fundos da Universidade Cruzeiro do Sul
O taxista mais famoso
da região do Anália
Franco transforma
suas corridas na
diversão de seus fiéis
passageiros
Fotos
Carol
Marangoni
Delfino, pronto para mais um passeio
Embalado ao som de jazz,
o taxista Lineu Delfino carrega
diariamente seus passageiros
que consideram a corrida um
passeio cultural. Antes de virar
taxista, Delfino trabalhava para
o governo paraguaio como segu-
rança pessoal, porém, por moti-
vos políticos, teve de se desligar
dessa atividade. Veio para São
Paulo, sentiu a necessidade de
mudança na carreira e decidiu se
tornar taxista.
Pelas ruas em que passa,
conta suas famosas histórias ex-
plicando tudo o que sabe daquele
lugar. Numa corrida exclusiva
com a repórter do Cidadão,
Delfino contou, por exemplo,
4. PÁGINA 4 - OUTUBRO DE 2010 BELÉM
Diogo Leite
Roberta Zambelli
Vanessa Perandin
Burocracia dificulta restaurações na Vila
Imóveis da primeira vila operária do Brasil estão em ruínas com o descaso do poder público
Localizada no bairro do Belém,
Zona Leste de São Paulo, a Vila Maria
Zélia abriga dezenas de construções
centenárias que fazem parte da
história de São Paulo. Apesar disso,
muitas dessas construções tombadas
pelo patrimônio histórico estão em
ruínas. Com o passar dos anos, o
desgaste das fachadas foi inevitável
e muitos imóveis acabaram perden-
do sua originalidade. A necessidade
de reformas e a falta de incentivo
financeiro fizeram com que alguns
moradores re-
formassem seus
imóveis em vez
de restaurá-los, o
que desencadeou
uma intensa des-
caracterização.
O projeto
arquitetônico da
Vila Maria Zé-
lia, assinado pelo
arquiteto francês Paulo Pedarrieux,
seguiu o padrão das vilas operárias
inglesas do século XIX. É um dos
locais mais requisitados para grava-
ções de comerciais, novelas, filmes e
reportagens.
De acordo com os registros his-
tóricos do Condephaat (Conselho
de Defesa do Patrimônio Histórico,
Artístico, Arqueológico e Turístico
do Estado de São Paulo), o industrial
Jorge Street fez um grande emprés-
timo junto aos bancos ingleses em
1912 para a criação de uma fábrica de
algodão, a Cia. de Tecidos da Juta, e
da primeira vila operária do Brasil. A
obra foi inaugurada em 1917 e rece-
beu de nome da filha de Street, que
morrera no mesmo ano: Maria Zélia.
Na época, foram erguidas 198
casas com dois, três e quatro dormi-
tórios, especialmente projetados para
os funcionários da fábrica de tecidos.
Havia água encanada, energia elétrica
e pavimentação. As casas tinham
assoalho de pinho-de-riga e portas
de madeira maciça. Os moradores
pagavam um valor simbólico pela
energia elétrica, aluguel e água.
O processo de tombamento da
Vila foi iniciado em 1985, mas só
concluído em 1992 pelo Conde-
phaat. Uma vez
tombada, a Vila
Maria Zélia cons-
titui patrimônio
cultural brasileiro
e seus imóveis
só podem ser
vendidos se fo-
rem oferecidos
primeiramente à
União, ao Estado
e ao Município.
Segundo a arquiteta Diana Da-
non, em relatório ao Condephaat, até
a década de 70, a Vila encontrava-se
bem preservada, com 74,80% das
residências apresentando poucas mo-
dificações. Naquela época, os imóveis
pertenciam ao Iapas (Instituto de
Administração Financeira da Previ-
dência e Assistência Social), extinto
ao ser fundido ao INPS na criação
do INSS, e somente depois foram
vendidos aos atuais proprietários.
Diana ressalta a necessidade da im-
plantação de incentivos fiscais e tri-
butários, que sirvam como estímulo
para que os proprietários conservem
os traços originais de seus imóveis, o
que já é previsto no Artigo nº 263 da
Constituição do Estado de São Paulo,
como incentivo para restauração de
imóveis na cidade.
A Lei Munici-
pal nº 10.598, de
19 de agosto de
1980, estabeleceu
aos proprietários
que investissem
na restauração de fachadas de imó-
veis no centro da cidade de São Paulo
ficariam isentos do pagamento de
IPTU por dois anos consecutivos.
Já em 1994, foi instituído o decreto
nº 34.720 que estendeu o incentivo
para outras áreas da cidade, mas bu-
tipo de preocupação por parte das
autoridades. Alguns moradores, que
preferiram não se identificar, relata-
ram o interesse de empresas privadas
na restauração do tradicional grupo
escolar. No entanto, até agora não
houve nenhuma iniciativa concreta.
Um dos mais
antigos mora-
dores, Nilton
Pimentel, tem
orgulho de mo-
rar na Vila Maria
Zélia desde os 14 anos de idade. Ele
é responsável pela organização da
Vila, pois não há um órgão definido
para administrá-la. “Ela foi fundada
no local onde o rio Tietê sofreu
um desvio. Na época, era possível
pescar peixes como cará e lambari e
É POSSÍVEL - À esquerda, imóvel original; à direita, imóvel restaurado
“Na época, era
possível pescar peixes
como cará e lambari
e os moradores até
nadavam no rio.”
SALÃO DE FESTAS - Ruínas de um patrimônio histórico abandonado
Fotos
Anderson
Brito
os moradores até nadavam no rio”,
relembra Pimentel.
Para o morador Edécio Pereira,
a Vila é um lugar único em São
Paulo. “Parece uma cidadezinha lá
do interior, escondidinha, fora desse
reboliço todo. Eu não sairia daqui por
dinheiro nenhum”, afirma Pereira.
De fato, as ruas são bastante tranqui-
las, cercadas por árvores e pássaros.
A Vila conta com alguns funcio-
nários que realizam a manutenção
das vias e de áreas sociais, os salários
são mantidos com a colaboração dos
moradores, que é parcial e insufi-
ciente. Dentre as atuais instalações
incluem-se quadra esportiva, salão
de festas e ginásio onde ocorre o
tradicional campeonato de bocha no
mês de junho.
rocratizou a lei anterior,
dificultando o pedido
de abatimento do im-
posto predial, uma vez
que os proprietários
precisariam apresentar
diversos documentos
do imóvel junto à pre-
feitura para obter o
benefício.
O problema mais
aparente do local é a
destruição e o aban-
dono dos imóveis, que
ainda hoje pertencem
ao INSS, como o teatro,
a escola de meninas, o
antigo açougue e o ve-
lho armazém. São ins-
talações históricas que
atualmente estão em
ruínas, destruídas pela
erosão e sem qualquer
“Eu não sairia daqui
por dinheiro nenhum”
5. OUTUBRO DE 2010 - PÁGINA 5
BELÉM
Roberta Zambelli
Vanessa Perandin
Patrimônio histórico em risco
Apesar de constantes reformas, a Vila mantém características arquitetônicas europeias do século XIX
Em 1912, o empresário Jorge
Street comprou algumas terras na re-
gião onde hoje se localiza o bairro do
Belenzinho, em São Paulo, para dar
início ao seu projeto de construção
da fábrica de tecidos e da Vila Ope-
rária Maria Zélia. A Vila foi projetada
pelo arquiteto Paul Pedraurrieux,
baseada nas cidades europeias do
início do século XX, conforme as
características de suas ruas e pela
ornamentação de suas edificações.
Tratava-se de uma mini cidade
com uma capela, jardins, duas escolas
(de meninos e de meninas), creche,
coreto, armazéns, ambulatório mé-
dico, dentista, açougue e salão de
festas. Isso representava um avanço
para a política industrial da época.
Street chefiava a execução do projeto
pessoalmente e acreditava que não iria
construir nenhuma obra de caridade,
mas sim uma obra de justiça e de
direito social. Cerca de 2.100 pessoas
moravam na vila operária e as casas
eram divididas entre as famílias dos
trabalhadores. As crianças eram
obrigadas a estudar e as que tinham
até seis anos de idade recebiam as-
sistência médica e odontológica. Só
os trabalhadores da fábrica de Jorge
Street podiam morar ali.
Depois da renúncia de Street
do comando da Cia. de Tecidos,
em 1923, a fábrica e a vila passaram
por vários compradores, ficando em
mãos da família Scarpa até 1928,
quando foi então rebatizada como
Vila Scarpa.
De acordo com o levantamento
histórico presente no site www.vila-
mariazelia.com.br, em 1929, como
pagamento das hipotecas vencidas,
o grupo Guinle toma posse da Vila,
restituindo-lhe o antigo nome: Vila
Maria Zélia. Devido às dívidas fiscais,
a Vila passa para o IAPI (Instituto de
Aposentadorias e Pensões dos Indus-
triários), atual INSS. Em 1931, a fá-
brica foi desativada, sendo mais tarde
utilizada como presídio político pelo
Estado Novo, abrigando cerca de 700
presos, como Caio Prado Jr., Quirino
Pucca, entre outros. Intelectuais na
época transformaram o presídio em
“Universidade Maria Zélia”.
Na Vila ocorreram filmagens de
comerciais, novelas e longas-metra-
gens, como “O Corintiano”, com
Mazzaropi (1966), “Ravina”, com
Eliana Lage (1959), e “O País dos
A Vila está localizada na rua dos Prazeres, 362, Belenzinho, SP
Vila esportiva
O esporte também fez história
na Maria Zélia. O Clube Atlético
Recreativo, por exemplo, foi
um celeiro de craques da várzea
paulistana, revelando jogadores
notáveis que, mais tarde, fizeram
parte de diversos times grandes da
capital, do interior de São Paulo
e de outros Estados do Brasil. O
sonho acabou em 1976 com a de-
sapropriação do terreno onde se
encontrava o campo, perdendo as-
sim o encanto do futebol de finais
de semana da várzea paulistana. O
Clube Atlético Recreativo Maria
Zélia se destacou como o primeiro
clube da várzea paulistana a ter o
campo com iluminação.
Tenentes” (1987), com Paulo Autran.
Em 9 de dezembro de 1992, a
Condephaat e o Conpresp (Con-
selho Municipal de Preservação do
Patrimônio Histórico, Cultural e
Ambiental da Cidade de São Paulo),
ambos órgãos de preservação de
nível estadual e municipal, optaram
por seu tombamento, em três níveis,
englobando os traços urbanos, ar-
quitetônicos e as árvores que esta-
vam no local. A Vila é de extremo
interesse para pesquisadores, o que
traz importantes colaborações para a
história de nossa cidade e para toda
uma sociedade.
Imóveis ainda conservam traços arquitetônicos originais, apesar do descaso do Poder Público e da inviabilidade da preservação do patrimônio por parte de determinados moradores
Fotos
Anderson
Brito
6. PÁGINA 6 - OUTUBRO DE 2010 MOOCA
Raquel Santos
Mooca industrial ganha mais residências
Como a desindustrialização mudou a cara de um dos bairros mais tradicionais de São Paulo
A Mooca é atualmente um
bairro de característica residencial e
comercial, com um alto valor imo-
biliário. O bairro abriga pelo menos
duas grandes universidades, super-
mercados, fácil acesso ao Metrô e
está próximo ao centro da cidade.
Mas quem conhece a história da
Mooca (Zona Leste) sabe que ela já
foi bem diferente. Um dos bairros
mais antigos e tradicionais de São
Paulo, a Mooca foi um dos pontos
estratégicos para a industrialização
da cidade, pois, assim como os bair-
ros do Bom Retiro (Centro), Lapa
(Zona Oeste), Barra Funda (Zona
Oeste) e Pari (Centro), localizava-se
ao longo da estrada de ferro que
ligava Santos à Jundiaí, inaugurada
em 1867 para fazer o escoamento
da produção brasileira de café.
No final do século XIX e início
do século XX, os bairros próximos
à malha ferroviária concentravam o
maior número de indústrias na cida-
de. A ferrovia facilitou o transporte
de matéria prima e o escoamento
da produção industrial. Outros
pontos importantes que tornaram
estes bairros tão atrativos para a
indústria foram sua proximidade
com fontes de água, como o rio
Tamanduateí, o baixo preço dos
terrenos e a energia, fornecida pela
São Paulo Tramway, Light and
Power Company, mais conhecida
como Light São Paulo, responsável
pelo fornecimento de energia aos
bondes do município de São Paulo.
Pedro Perduca, secretário da
Associação Amo a Mooca, explica
que esta industrialização começou
de forma simples, com a fabrica-
ção de produtos de baixo valor e
pouco elaborados, usando matérias
primas nacionais como o próprio
café, algodão, couro e o açúcar.
Chaminé da antiga fábrica da Companhia União em contraste com o avanço da especulação imobiliária
Labor, Frigorífico Anglo, Máqui-
nas Piratininga, Alumínios Fulgor,
Companhia União dos Refinadores,
Companhia Antarctica Paulista,
entre outras.
Com estas indústrias, o pro-
cesso natural foi a transformação
destes bairros em redutos operá-
rios. Os imigrantes trouxeram de
seus países de origem a tradição das
lutas trabalhistas, ideias modernas
para transformar a cidade, que era
basicamente liderada pela mão de
obra rural cafeeira.
Segundo a historiadora Eliza-
beth Florido, a saída real e maciça
destas indústrias começou nos anos
1990. Além da falta de incentivo
fiscal por parte dos governos da
época, a obsolescência também
foi um grande vilão na continui-
dade destas empresas. Basicamen-
te, não havia mais espaço de se
manter indústrias poluentes, com
maquinários e métodos obsoletos.
“Enquanto os governos paulistas
sobrecarregavam as indústrias com
tributos pesados, outros Estados
incentivavam a entrada dessas
empresas por meio de incentivos
fiscais”, diz Elizabeth.
As indústrias deixaram o bairro
e migraram para fora do centro
expandido da cidade e para outros
Estados brasileiros. A herança
deixada na Mooca são os galpões
vazios e o solo contaminado com
os resíduos que não foram tratados
pelos proprietários das fábricas,
resíduos que prejudicam a cons-
trução em várias áreas, tanto pela
instabilidade do solo, quanto pelo
perigo para a saúde das pessoas.
Sem as antigas indústrias, a Mooca
ganha uma vocação residencial e
de serviços.
Acácio Pereira da Costa, mo-
rador da Mooca há 37 anos, conta
que a qualidade de vida no bairro
melhorou muito nas últimas déca-
das. “Quando havia as indústrias,
o cheiro era muito ruim e no ar
sempre havia uma nuvem de poeira,
as portas e janelas das casas viviam
fechadas”, recorda.
Elizabeth ressalta que a voca-
ção da Mooca mudou, assim como
mudou a vocação da própria São
Paulo. Este já não é mais um bairro
operário. Segundo ela, a vinda de
novos empreendimentos imobi-
liários provoca a “retirada” dos
moradores originais. “Da tradição
do bairro restou muito pouco, mas
ainda é possível notar alguns traços
do que era antes, como as conversas
nas portas de casa e o cheiro forte
de temperos no ar”, comenta a
historiadora.
Fotos
Henrique
Jacob
Alessandra Costa
“História da Mooca merece ser preservada”
Arquitetura original do Cotonifício Rodolfo Crespi, atual Hipermercado Extra
“A partir de 1914, as indústrias na-
cionais tiveram a oportunidade de
crescimento, pois com a 1ª Guerra
Mundial as importações pararam e
as indústrias brasileiras precisaram
suprir as necessidades do nosso
mercado interno”, ressalta Perduca.
A pioneira foi a Indústria Ro-
dolpho Crespi, inaugurada em
1897. Depois vieram os Armazéns
Matarazzo, Moinhos Gamba, Casa
Vanordim, Tecelagem Três Irmãos,
Andrauss Cia Paulista de Louças
Esmaltadas, Fábrica de Tecidos
A arquiteta e urbanista Lucila
Lacreta, diretora técnica do mo-
vimento Defenda São Paulo, fala
sobre o Plano Diretor da Mooca.
Cidadão - O que rege o Plano Di-
retor e qual a sua atuação em cada
bairro?
Lucila Lacreta - O Plano Diretor
atual foi promulgado em 13 de setembro
de 2002 e é a lei máxima que rege a orga-
nização do desenvolvimento urbano de uma
região. O Plano Diretor é um instrumento
de estratégia de política do desenvolvimento
urbano, determinante, tanto para os agentes
públicos quanto privados, para saber o que
está acontecendo no município de São Paulo,
ceu uma série de medidas para um melhor
crescimento da cidade, estabeleceu operações
urbanas , que são áreas onde você pode au-
mentar a construção a partir do pagamento
da Outorga Onerosa (é um instrumento que
consiste na autoriza-
ção para construir
além dos limites
estabelecidos para
o local, mediante
pagamento ao poder
público).
Cidadão - Para
um bairro como
a Mooca, qual a
importância de
um Plano Dire-
tor adequado?
Lucila - A Mooca
tem muitos prédios
interessantes que
retratam uma época
da cidade de São
Paulo que já aca-
bou, e justamente
é uma região de muito conflito, porque o
Compresp (órgão municipal responsável
pelo tombamento dos bens considerados
de interesse histórico, cultural e ambiental
para a preservação da memória da cidade
de São Paulo) tombou vários prédios como
o antigo Moinhos Gamba, atual Moinho
Eventos, projetado entre 1909 e 1938, e o
conjunto de armazéns da antiga São Paulo
Railway, construídos entre 1898 e 1900.
Como o bairro tem
toda esta história
a ser preservada e
também é hoje uma
área em franco cres-
cimento imobiliário,
as compras de ter-
renos e contruções
são questões muito
delicadas.
Cidadão - Como
resolver esta
questão?
Lucila - O bairro
tem diversos exem-
plos de imóveis in-
dustriais, um patri-
mônio importante a
ser preservado. Uma
alternativa interes-
sante é a chamada “retrofit”, que pode
ser entendido como uma “reciclagem”; você
adapta um prédio antigo para um novo
uso sem demolí-lo, é uma modernização do
prédio sem alteração em sua estética original.
“Como o bairro tem
toda esta história a
ser preservada e
também é hoje
uma área em
franco crescimento
imobiliário, as
compras de terrenos
e construções são
questões muito
delicadas”
Ano de fundação
Cotonifício Crespi - 1897
Alpargatas - 1907
Di Cunto - 1935
Lorenzetti - 1923
Antarctica - 1891
Companhia União dos
Refinadores - 1910
Moinho Gamba - 1914
Atividade atual
Extra Hipermercado
Faculdade Anhembi Morumbi
Em atividade
Em atividade
Galpão desativado
Galpão demolido e terreno
sem ocupação
Moinho Eventos
é uma orientação
na construção dos
espaços urbanos e
na oferta dos serviços
públicos essenciais,
visando assegurar
melhores condições
de vida para a po-
pulação.
Cidadão - O que
prevê o Plano
Diretor da Moo-
ca?
Lucila - O Plano
Diretor da Mooca
estabeleceu o zonea-
mento urbano entre
os 31 planos regio-
nais, planos estes
em que a Mooca está
inserida e localizada
no livro 25, disponí-
vel na subprefeitura
do bairro. Estabele-
7. OUTUBRO DE 2010 - PÁGINA 7
VILA CARRÃO
Aline Messias
Naiara Teles
Projeto de revitalização causa polêmica
A Vila Carrão, principal eixo de ligação entre os bairros Tatuapé e Vila Formosa, precisa de mudanças
A obra que prevê melhorias na
avenida Conselheiro Carrão e criará
corredores de ônibus e maior aces-
sibilidade nas calçadas, causa um
dilema entre moradores e comer-
ciantes locais. Em pesquisa informal
realizada pela equipe de reportagem
do Cidadão na região, 70% dos
entrevistados são contra a criação
dos corredores. Sem esclarecimentos
em audiência pública para discutir o
projeto, os moradores acabam sendo
influenciados pelos próprios comer-
ciantes, que fazem parte de uma área
de nove quadras da avenida, avaliada
em R$ 19 milhões. Os empresários
alegam que não foram consultados
e temem a desvalorização dos seus
negócios, assim como ocorreu na
avenida Celso Garcia, no Tatuapé.
O trânsito intenso na região é
problema para os lojistas, transeuntes
e principalmente para os moradores,
já que o local é, em sua maioria, resi-
dencial. Por essas questões, o Comitê
Técnico de Política Urbana da Dis-
trital Tatuapé da ACSP (Associação
Comercial de São Paulo), juntamente
com o engenheiro Vagner Landi e a
arquiteta Paula Zanelato, criaram em
2008 um projeto de revitalização para
a avenida, apresentado ao subprefeito
da época, Vicente Marques.
Visando a criação de corredores
para aliviar o fluxo de 3.270 metros
da Conselheiro, que vai do viaduto
Antônio Abdo até a avenida Dezeno-
ve de Janeiro, com faixas exclusivas
de ônibus próximas às calçadas e de
duas pistas em cada sentido ao longo
da via para carros e motos. Para isso,
a avenida deverá ser alargada por
meio da desapropriação de imóveis
em uma área total de 8,9 mil m², em
trecho que vai da rua Valente Xavier
até o viaduto. “Fizemos esse projeto
não pensando só nos ônibus, mas
também nas motos e nos carros;
quanto aos imóveis, haverá desapro-
priação somente no ponto baixo da
Conselheiro, depois do Córrego do
Sapateiro”, afirma Landi.
A arquiteta e urbanista explica
que para o alargamento da via haverá
o recuo de nove metros para dentro
de cada imóvel e que cerca de 60%
desses imóveis estão degradados,
enquanto 30% estão fechados ou
para alugar.
Além dos corredores, o projeto
prevê também padronização das
calçadas para 3 metros de largura,
confeccionadas em piso de concreto
moldado, facilitando o deslocamento
de cadeirantes; plataforma elevada
em diversos trechos, com piso des-
tacado e mais alto para a travessia de
pedestres e redução da velocidade
de veículos; proibição de estaciona-
mento, possibilitando maior fluidez
no trânsito; transformação de toda a
extensão da avenida em mão dupla e
implantação de lixeiras, mobiliário ur-
bano completo e plantio de árvores.
A questão da acessibilidade divide
opiniões, pois as calçadas já possuem
rampas de acesso, porém, a maioria
dos comércios, não. “Sou a favor da
revitalização, nem tanto pelas calça-
das, pois essas estão em plena condi-
ção para os deficientes, mas sim pelo
comércio que não tem estrutura para
eles”, afirma a funcionária de loja de
roupas, Priscila de Sousa.
“Sou a favor porque a melhoria
do trânsito da região seria nítida,
principalmente nos horários de pico.
A acessibilidade para os deficientes
físicos aumentaria de modo conside-
rável, facilitando a sua locomoção e
independência”, afirma a moradora
Bruna de Lima Rodrigues.
“Revitalizar a avenida é incen-
tivar o crescimento de comércio e
entidades, deixar bonitas as praças
e as fachadas dos estabelecimentos,
deixando-os visíveis para que todos
encontrem logo o lugar que pro-
curam, e melhorar a iluminação de
todas as partes da avenida durante
a noite”, opina o comerciante Ales-
sandro Go Nozaki. “Os corredores
atingiriam o comércio local e trariam
desemprego para região”, completa o
trabalhador Everton Santos.
Segundo o engenheiro urbanista,
“o custo aproximado é de R$ 20 mi-
lhões, traz a valorização comercial e
residencial, e a expansão da região.
Além de valorizar imóveis, surgirão
compradores interessados em esta-
cionamentos, uma das propostas do
Plano Diretor”.
Encaminhado em 16 de junho
de 2008 pela subprefeitura para a
Coordenadoria de Projetos da Siurb
(Secretaria de Infra-Estrutura Urba-
na), o projeto continua em fase de
avaliação. Procurados pela equipe de
reportagem do Cidadão, o departe-
manto alega que recebe mais de 70
mil projetos por ano e que verificaria
se houve alguma alteração no projeto.
Até o fechamento, não recebemos
resposta sobre a situação do mesmo.
“Todas as obras que são pedidas
por subprefeitos são encaminhadas
para a Siurb. Não há prazos, pode
ser que saia, como pode ser que não,
estamos aguardando”, pontua Landi.
“Posteriormente, abriremos uma
audiência pública, na qual a comuni-
dade poderá participar em diversas
questões. Queremos que o projeto
satisfaça a todos”, conclui Paula.
ACSP - Associação Comercial
de São Paulo Ditrital Tatuapé,
praça Silvio Romero, 29, telefone:
2092-2979.
Siurb - Secretaria de Infra-estru-
tura Urbana, av. São João, 473 -
Centro, telefone: 3337-9700.
Subprefeitura Aricanduva/Vila
Formosa/Carrão, rua Eponina,
82 - Carrão, telefone: 3396-0800.
Mais informações
De bairro
agrícola a centro
comercial
O bairro comemorou em
setembro 93 anos de história.
Serviu como pousada para os
bandeirantes, em 1698, como
Sítio do Capão Grande do Tatu-
apé. A princípio bairro agrícola,
passou por diversos proprie-
tários e recebeu vários nomes
como Tucuri, Bom Retiro e, em
1865, tornou-se Chácara Carrão,
pertencente ao conselheiro José
João da Silva Carrão. Após o seu
falecimento, em 1888, o local foi
nomeado em sua homenagem.
A Vila Carrão, situada na
Zona Leste de São Paulo, con-
ta com aproximadamente 7,5
quilômetros quadrados e cerca
de 74 mil habitantes, segundo a
subprefeitura local.
HOJE - Trânsito intenso nos horários de pico é problema atual da avenida Conselheiro Carrão; a solução seria o alargamento da pista e a implantação de corredores de ônibus
Carlos
Alberto
Cemitérios podem virar área de lazer
O ponto principal da proposta é a criação de um parque ecumênico
PRÉVIA - Visão geral dos cemitérios I e II após a reforma completa
Aline Messias
Naiara Teles
Assim como a av. Conselheiro
Carrão, os cemitérios da Vila Formo-
sa I e II podem passar por mudanças.
A arquiteta Paula Zanelato criou um
projeto que visa, entre outros pontos,
a criação de um parque ecumênico e
de um crematório.
“É comum em outros países
que os cemitérios sejam integrados a
parques. Isso melhoraria o valor do
bairro, traria mais uma opção de lazer
e mais dignidade para as famílias que
têm seus entes sepultados ali”, afirma.
Segundo a administradora dos
cemitérios, Lucia de Carvalho, uma
área verde seria excelente, pois alguns
moradores já praticam caminhadas
enquanto as crianças aproveitam o
espaço para empinar pipas.
Há nove anos Lucia saiu do
cemitério da Vila Alpina e assumiu,
em 2004, a direção do Vila Formosa
I para posteriormente administrar o
Formosa II. “Fiquei receosa em acei-
tar a proposta, pois aquela unidade
estava mais maltratada”, confessa.
Considerado o maior da Amé-
rica Latina, com 763 mil m², possui
mais de 77 quadras, abriga 87 mil
sepulturas ativas, que têm rodízio de
sepultamentos a cada três anos, além
dos 110 mil ossários. Para a manuten-
ção dessa área há o empenho de 59
funcionários concursados, jardineiros
credenciados e limpeza terceirizada.
Em 2007, foram plantadas 7 mil
mudas de árvores, além das já exis-
tentes que formam uma paisagem
verde. As cruzes foram proibidas
nos túmulos, pois eram feitas de
ferro e cimento, materiais que geram
um lixo pesado. Foi inaugurado em
2010 um novo velório na área central,
com estacionamento e guarita para
segurança 24 horas. Está em cons-
trução no lugar do antigo velório um
reservatório de contenção de água
para evitar enchentes do Aricanduva.
O projeto foi enviado para a
subprefeitura Aricanduva/Carrão e
Vila Formosa e na ACSP – Distrital
Tatuapé, para futuro encaminhamen-
to à Siurb.
Divulgação
8. PÁGINA 8 - OUTUBRO DE 2010 BRÁS
Mônica Naomi
Tiago Paixão
O bairro que virou moda
O Brás conquista o reduto da moda em São Paulo e atrai consumidores de todo o país
Amplamente conhecido, o bair-
ro do Brás é o reduto da moda do
país e vem passando por constantes
mudanças.
Há mais de 50 anos consumi-
dores de diversas regiões do país
vão atrás de montanhas de roupas e
confecções baratas, no varejo e ata-
cado. Mas o público está mudando e,
consequentemente, o bairro também.
Hoje, além de comercializar produtos
de vestuário mais barato, o distrito
de São Paulo oferece diversidade e
qualidade nas roupas.
As vitrines chamam a atenção e
os produtos nelas expostos têm inspi-
rações internacionais como México,
Estados Unidos e Europa.
Laura Ferreira, estudante de
Administração, faz compras no
Brás no mínimo uma vez por mês e
acredita que a variedade de estilos e
preços baixos são os diferenciais no
momento das compras: “O que me
atrai realmente é o preço. Já era o
tempo em que o Brás vendia roupas
que pareciam baratas e que vestiam
mal. Hoje em dia, a mesma peça que
você compra lá, você encontra no
shopping também.”
Rose Mello, estilista de umas das
lojas mais importantes e famosas
do Brás, explica que o bairro aposta
fortemente nas tendências de moda
internacional.
Silva Telles - A rua mais frequentada do bairro do Brás
O paetê largo, com formato va-
riado, em dourado ou preto, aparece
em várias coleções de grifes famosas,
e não poderia faltar nas vitrines do
bairro do Brás.
Especialmen-
te contrastando
c o m t e c i d o s
foscos e opacos,
como tule, chi-
fon, alfaiataria,
malha e crepe,
que estão com
tudo. “Geralmente em preto, muita
calça e até bota de paetês. Tachas e
pinos, bem rock n’ roll, estão em tops,
ora em detalhes de mangas, ora em
toda a peça. Brilhos aplicados a quen-
te aparecem também em jaquetas e
camisetas”, finaliza a estilista.
As tendên-
cias de moda que
o bairro oferece,
também chamam
a atenção de lojis-
tas de todo o país
que revendem as
peças que com-
pram no atacado.
“Tenho uma loja de roupas no litoral
e toda semana venho até o Brás para
reabastecer meu estoque. O atacado
de roupas daqui é o melhor do Brasil
e minhas clientes adoram quando
levo produtos novos”, diz Ana Maria
Macedo, lojista da região.
O Brás é nomeado como pólo
de moda brasileiro porque estimula
o comércio nacional. Shoppings,
lojas de rua e até mesmo grandes
marcas vão de encontro ao bairro
para buscar fornecedores e as vezes
até compradores.
O comerciante paulista Carlos
Maeda tem uma loja de bolsas e sem-
pre comprou produtos para revender
no Brás: “Um dia, o papel se inverteu,
comecei a costurar alguns cintos e
um fornecedor meu acabou virando
meu cliente, pois passei a vender para
ele também.”
Para conquistar ainda mais o
reduto do comércio e da moda bra-
sileira, o bairro aposta em desfiles
da Mega Pólo Moda. As grifes que
habitam o empreendimento do Brás
que é o maior shopping atacadista da
América Latina mostram as roupas
que serão vistas nas ruas do país.
Os desfiles são destinados à lojis-
tas, mas estão abertos ao público em
geral. As apresentações acontecem
em quatro horários durante o dia.
Toda a produção que vai aos des-
files está à venda no local para lojistas.
Cerca de cem modelos mostram mais
de três mil peças, de 290 marcas.
O bairro já reconhecido mun-
dialmente é o centro de comércio de
roupas bonitas e baratas.
Durante a semana o bairro recebe
os atacadistas, que compram peças
para revender, e nos finais de semana
está aberto para receber o público
varejista.
A estudante Laura, que se diz es-
pecialista em pechinchar roupas aos
sábados, dá a dica de como fazer boas
compras no bairro e já adianta: “O
lugar é um paraíso para fãs da moda
como eu, mas precisa ter paciência
para escolher, porque todas as lojas
são muito cheias, e quase nunca pode
provar a roupa. E é preciso distinguir
o barato que vale a pena, e o que não
vale a pena”.
Exploração denigre o mercado da moda
O Brás, que já foi o berço dos imi-
grantes italianos, portugueses e espa-
nhóis no século XVIII, hoje é o local
de trabalho e moradia de bolivianos,
libaneses e coreanos. A perspectiva
de trabalho nos cafezais e mais tarde
nas indústrias, foi o atrativo inicial
para que os imigrantes começassem a
construir suas vidas no país. Cerca de
1,5 mil bolivianos chegam por mês ao
Brasil em busca de emprego.
A maior parte encontra trabalho
em pequenas confecções e oficinas
clandestinas de costura já identificadas
em18bairros,comoBomRetiro,Pari,
Brás e Itaquera, e ao menos em oito
municípios do interior paulista. Esti-
ma-se que existam aproximadamente
60 mil bolivianos no país, segundo
dados da Polícia Federal. No Brasil,
90% dos bolivianos são encontrados
em São Paulo trabalhando em oficinas
de costura.
Mônica Naomi Uma boliviana, que não quis se
identificar, trabalha numa barraca de
roupas infantis na feira boliviana de
Kantuta, localizada perto da estação
do Metrô Armênia, diz que vale mais
a pena vender uma calça por R$ 5
do que trabalhar no Brás. “Nunca
trabalhei nas indústrias no Brás, mas
sei que lá os imigrantes trabalham de
maneira irregular
e escrava.”
A boliviana,
que veio para
o Brasil há três
anos, casou-se e
teve uma filha,
responde com
um sorriso tími-
do quando questionada se sente falta
de seu país de origem: “Não. Aqui no
Brasil está bom...”
No Cartório da 6ª Oficial de
registro civil das pessoas naturais do
Brás, Marli Maria Cruz, oficial interi-
na, explica o processo de legalização
Tiago
Paixão
“O atacado de
roupas do Brás é o
melhor do Brasil”
“Nas indústrias os
imigrantes trabalham
quase como escravos”
Origem a partir
da implantação da
ferrovia
O bairro do Brás teve sua ori-
gem na igreja Senhor Bom Jesus de
Matosinhos, erguida pelo português
José Brás, no século XVIII. Co-
meçou a se desenvolver a partir da
implantação da ferrovia, em 1877, o
que definiu a posterior configuração
do espaço, pois atraiu atividades
industriais e comerciais. Seus ter-
renos inférteis e de baixo custo e
as indústrias que começavam a se
instalar ali, transformaram-no num
bairro consideravelmente popular.
Segundo o professor de História
Caio Victor Schiavinatto, o bairro
cresceu com a doação legal de ter-
ras e com a posse ilegal de terrenos
devolutos. Gente humilde construía
suas casas de taipa ao lado de chá-
caras de famílias ricas. “Os viajantes
descreviam o bairro como um con-
junto de elegantes casas de campo
e chácaras, onde residiam famílias
abastadas, ao lado de casebres e ran-
chos menos aristocráticos”, explica.
No século XX o Brás mudou de
feição, hoje as ruas do bairro são si-
nônimo de comércio popular. Como
outros bairros paulistanos com fortes
traços de imigração italiana, o Brás
também criou sua festa tradicional. É
a festa de São Vito, comemorada nas
ruas do bairro desde 1919. Em 1895,
um grupo de imigrantes italianos
trouxe a imagem de São Vito Mártir
para o Brasil. O santo começou a ser
reverenciado no bairro e, em 1940,
foi criada a paróquia de São Vito.
Bianca Perez
Mônica Naomi
dos imigrantes: “Eles procuram re-
gistros para poderem ficar no Brasil,
então se casam, ou, se já têm registro
no país, vêm tirar a certidão de nasci-
mento dos seus filhos. O cartório, só
tira documentos de imigrantes que já
têm a cidadania brasileira.”
Apesar de o bairro ser o pólo bra-
sileiro de moda, existem especulações
contra grandes
lojas de roupas.
Por trás da marca
e da propagan-
da, as confecções
são produzidas
em indústrias
irregulares que
trabalham com
mão de obra imigrante escrava.
Outra boliviana, que mantém
uma barraca na Kantuta, desabafa:
“Estou no Brasil há 60 anos, já vi
e vivi em muitas indústrias que mal
pagavam pelo nosso trabalho, pare-
cíamos máquinas, só costurávamos.”
IMIGRANTES - Bolivianos caminham pela feira da Kantuta; à direita, artesanato regional presente na feira
Fotos
Bianca
Perez
Todos os domingos, das 11
às 19 horas, na praça da Kantuta
- altura do no
625 da rua Pedro
Vicente, bairro do Pari, São Paulo
(SP), acontece a feira de Kantuta.
Para chegar de transporte público,
desça na estação Armênia do Me-
trô, saída para a rua Pedro Vicen-
te. A praça da Kantuta está a 700
metros. De carro, vá pela avenida
Cruzeiro do Sul, sentido bairro, e
vire à direita na rua Pedro Vicente.
Aproveite as ocasiões: Festa
das Alacitas (24 de janeiro); Carna-
val; Dia das Mães; Independência
daBolívia(6deagosto);aniversário
de cidades bolivianas (o de Copa-
cabana, por exemplo, é em 6 de
junho); Dia das Crianças e Natal.
Apresentações folclóricas ocorrem
também fora das datas festivas.
A feira de Kantuta