O documento discute como o pensamento de Marx e Engels pode fornecer elementos para compreender a crise ambiental atual. Ele rastreia indícios de um marxismo ecológico na obra "A Ideologia Alemã", examinando como a separação entre homem e natureza foi construída através da influência do platonismo, aristotelismo e cristianismo na filosofia ocidental.
Versão enviada desenvolvimento e sustentabilidade em questão análise do desem...
O vermelho e o verde rastreando um marxismo ecológico n’a ideologia alemã
1. O VERMELHO E O VERDE: RASTREANDO UM MARXISMO ECOLÓGICO
N’A IDEOLOGIA ALEMÃ
José Arnaldo dos Santos Ribeiro Junior
Graduando em Geografia-UFMA
Juscinaldo Góes Almeida
Graduando em Geografia-UFMA
Thiers Fabrício Santos Tiers
Graduando em Geografia-UFMA
Prof. Dr. Baltazar Macaíba de Sousa
DESOC-UFMA
1 Considerações Iniciais: Ideologia, Marxismo e Ecologia
É sabido que a ecologia não era o tema central dos pensadores revolucionários
Karl Marx e Friedrich Engels. Os filósofos interessavam-se majoritariamente pela
economia política e questões filosóficas. De fato, as preocupações ambientais apenas se
generalizaram no final da década de 1960, tendo como marco histórico o Clube de
Roma (1968). Todavia, hoje, existe a necessidade de se compreender a crise ambiental
(LEFF, 2004). Nesse sentido, a crise ambiental é o resultado da reprodução das
relações capitalistas de produção (LEFEBVRE, 1973). Nos termos discutidos como
Marx e Engels, foram os grandes teóricos críticos do capitalismo, é possível, partindo
da sua cosmovisão, encontrar elementos que nos auxiliem a compreender a crise
ambiental. Portanto, neste trabalho buscamos procurar indícios de um marxismo
ecológico na obra ideologia alemã. Intencionamos também auscultar e perscrutar como
foi se construindo paulatinamente a separação entre homem e natureza, bem como,
através do materialismo histórico-dialético, questionar: 1) até que ponto a construção da
ideologia da natureza (SMITH, 1988), construída pela burguesia, compromete, com
suas práticas produtivas concretas, a relação entre homem e natureza? E 2) será possível
rastrear as bases de um pensamento ecológico marxiano nesta obra?
2 Rastreando um marxismo ecológico n’A Ideologia Alemã
Em síntese, A Ideologia Alemã é uma obra fundamentalmente histórica. Porém,
a história que se fazia na Alemanha era uma história das ideias: muito devido à
influência de Hegel, dos filósofos neo-hegelianos (como David Strauss e Max Stirner) e
Bruno Bauer. A filosofia alemã à época, salvo o materialismo mecanicista de Ludwig
Feuerbach, é uma “filosofia que desce do céu a terra”, ou seja, uma filosofia
especulativa influenciada pelo paradigma platônico-aristotélico, que tornou a
2. consciência autônoma do ser humano. Para entendermos a importância de Aristóteles
(384a.C - 322a.C) vejamos o que Marilena Chauí (2008:10) tem a nos dizer acerca do
pensamento do referido filósofo:
O filósofo Aristóteles afirmou que só há conhecimento da realidade
(portanto, da permanência e do movimento dos seres) quando há
conhecimento da causa - “conhecer é conhecer pela causa”. Para tornar
possível o conhecimento elaborou uma teoria da causalidade que ficou
conhecida como teoria das quatro causas. [...] haveria assim a causa material
(responsável pela matéria de alguma coisa), a causa formal (responsável pela
essência ou natureza da coisa), a causa motriz ou eficiente (responsável pela
presença de uma forma em uma matéria) e a causa final (responsável pelo
motivo e pelo sentido da existência da coisa).
Se Platão apontou que os objetos reais são apenas uma representação da ideia, o
filósofo de Estagira hierarquizou as causas acima referidas. As causas menos
importantes seriam a material e a motriz, e as mais valiosas seriam a formal e a final.
Por isso, a causa material e a eficiente são ditas causas externas, enquanto a
formal e a final são ditas causas internas. Percebe-se que são mais
importantes as causas da permanência e menos importantes as causas da
mudança ou do movimento (Chauí 2008:11).
A “preferência” de Aristóteles pela permanência e não pelo movimento é algo
que não foi exclusivo deste filósofo. Enquanto Heráclito de Éfeso (540-480 a.C)
pregava a existência constante da mudança, Parmênides professava que a essência do
ser era imutável e que o movimento era um fenômeno de superfície. A “escolha” pela
metafísica de Parmênides em detrimento da concepção de Heráclito é explicada por
Konder (2008:8) dizendo que:
Havia certa perplexidade em relação ao problema do movimento, da
mudança. O que é que explicava que os seres se transformassem, que eles
deixassem de ser aquilo que eram e passassem a ser algo que antes não eram?
Heráclito respondia a essa pergunta de maneira muito perturbadora, negando
a existência de qualquer estabilidade no ser.
Retomando a concepção aristotélica das quatro causas analisa-se que a causa
material (aquilo que alguma coisa é feita) está ligada à causa motriz ou eficiente (o
agente que faz o objeto). Em contrapartida a causa formal está ligada à final, pois os
seres são criados com uma finalidade. Assim, é a finalidade que determina a essência ou
natureza da coisa.
Se examinarmos as ações humanas, veremos que a teoria das quatro causas
leva a uma distinção entre dois tipos de atividades: a atividade técnica (ou o
que os gregos chamavam de poiésis) e a atividade ética e política (ou o que
os gregos chamam de práxis) a primeira é considerada uma rotina mecânica,
em que um trabalhador é uma causa eficiente que introduz uma forma numa
matéria e fabrica um objeto para alguém. Esse alguém é o usuário e a causa
final da fabricação. A práxis, porém, é a atividade própria dos homens livres,
dotados de razão e de vontade de deliberar e escolher uma ação. Na práxis, o
3. agente, a ação e a finalidade são idênticos e dependem apenas da força
interior ou mental daquele que age. Por isso, a práxis (ética e política) é
superior à poiésis (o trabalho) (CHAUÍ, 2008:11).
A dicotomia entre ideia e materia presente em Platão é reforçada com a
metafísica aristotélica que agora “racionaliza” a separação entre a técnica e a
ética/política, hierarquizando, tal como fez com as causas. Como o trabalhador, o
homem não-livre é aquele que faz tecnicamente um objeto, e não aquele que pensa
racionalmente deliberando a sua escolha, o homem livre. Logo, aqueles são inferiores a
estes em virtude da atividade que desempenham: uma prática/técnica e a outra
teórica/intelectual. Sacramenta-se então a oposição entre o trabalho “braçal” e mental.
A história e a filosofia medieval, nas figuras de [Santo] Agostinho e [São]
Tomás de Aquino irão solidificar o idealismo platônico e a herança aristotélica na
porção ocidental do mundo. Eles farão uma leitura (judaico) cristã da filosofia
platônica-aristotélica. A oposição entre ideia e materia, corpo e alma, sujeito e objeto
vão ganhar “tons” racionais, lógicos.
A assimilação aristotélico-platônica que o cristianismo fará em toda a Idade
Media levará a cristalização da separação entre espírito e matéria. Se Platão
falava que só a ideia era perfeita, em oposição à realidade mundana, o
cristianismo operará sua própria leitura, opondo a perfeição de Deus à
imperfeição do mundo material. Essa leitura de Aristóteles e Platão efetuada
pela Igreja na Idade Media se faz evitando-se outras leituras através da
censura, como muito bem o demonstrou Umberto Eco em O Nome da Rosa.
Enfim, com o cristianismo, os deuses já não habitam mais esse mundo, como
na concepção dos pré-socráticos. E, apesar da acusação de obscurantismo que
mais tarde os pensadores modernos lançarão aos tempos medievais, a dívida
que a Ciência e a Filosofia modernas têm para com a Idade Media é maior do
que se admite. Foi na Idade Media, por exemplo, que teve início a prática de
dissecação de cadáveres no ocidente europeu. Esse fato é de uma importância
muito grande e se constituiu numa decorrência lógica de uma Filosofia que
separa corpo e alma. Se a alma não habita mais o corpo depois de morto, este,
como objeto pode ser dissecado anatomicamente. Afinal, aquilo que o anima
(do grego ânima, alma) não está mais presente. O corpo, matéria, objeto pode
então ser dissecado, esquartejado, dividido. O sujeito, o que faz viver, foi
para os céus ou para os infernos e o corpo pode então virar objeto... O
método experimental já estava em prática nos monastérios e universidades
católicas muito antes de Galileu (PORTO-GONÇALVES, 2006a: 32-33).
Como se percebe a influência do platonismo, aristotelismo e do (judaico)
cristianismo é muito forte. A separação entre ideia e materia desembocou numa
oposição entre perfeição e imperfeição. Para os filósofos pré-socráticos existiam deuses
que faziam parte desse mundo material, terreno, da natureza (physys). Com os
ensinamentos platônico-aristotélicos os deuses sobem aos céus, ao mundo das ideias. A
leitura do judaico-cristianismo irá solidificar essa visão para afirmar a superioridade do
monismo teológico e do Homem
4. Deus não habita mais esse mundo material, terreno vicioso: ele está em outro
plano, no mundo das ideias, controlando a tudo e a todos; em outras palavras, o mundo
material, terreno, físico (physys) está sem alma. Se a Natureza está sem alma o Homem,
enquanto imagem e semelhança de Deus pode dissecá-la, esquartejá-la. No mundo
moderno, a separação entre ideia/materia, corpo/alma, sujeito/objeto representará
consequentemente a separação entre Deus/Homem e Natureza. Vejamos então o que se
passa com o mundo moderno.
Com os trabalhos de Galileu, Francis Bacon 1 e Descartes (entre outros), o
pensamento moderno reduziu as quatro causas apenas a duas, a eficiente e a
final, passando a dar à palavra “causa” o sentido que hoje lhe damos, isto é,
de operação ou ação que produz necessariamente um efeito determinado. [...]
A causa não “responde” simplesmente pelo efeito, mas o produz. A física
moderna considera que a Natureza age de modo inteiramente mecânico, isto
é, como um sistema necessário de relações de causa e efeito, tomando a causa
sempre e exclusivamente no sentido de causa motriz ou eficiente. Ou seja,
não há causas finais na Natureza. No plano da metafísica, porém, além da
causa eficiente, é conservada a causa final, pois esta refere-se a toda ação
voluntária e livre, ou seja, refere-se à ação de Deus e à dos homens. A
vontade (divina e humana) é livre e age tendo em vista fins ou objetivos a
serem alcançados. Assim, a Natureza distingue-se de Deus e dos homens
(enquanto espíritos); é que ela obedece a leis necessárias e impessoais - a
causa eficiente define o reino da Natureza como reino da necessidade
racional -, enquanto Deus e os homens agem por vontade livre, Deus e os
homens constituem o reino da finalidade e da liberdade. (CHAUÍ, 2008:14-
15).
A causa eficiente, de certa forma, engloba a causa material, ao passo que a causa
final recobre a causa formal, permitindo assim que haja uma relação dicotômica entre o
agente, aquele que faz o objeto e atualiza a potencialidade da matéria permitindo que a
causa material receba a causa formal. Causa e efeito estão intimamente ligados,
logicamente e racionalmente produzidos. Então se a Natureza age mecanicamente,
como um sistema de causa e efeito, se ela é apenas o agente da mudança, não existem
causas finais na Natureza, não há finalidade, motivo da existência de algo. Isso para o
mundo físico („physis’=natureza), pois no plano metafísico (que vai além da física, da
physis, da natureza) há a causa final, que é voluntária e livre: Deus e os homens. Temos
então cristalizada a oposição Deus/Homem - Natureza. A Natureza não é voluntária, não
é livre, pois não tem fins, nem objetivos a serem alcançados. A Natureza está presa às
vontades necessárias, impessoais e livres, aos interesses dos espíritos (tanto de Deus,
1
“Mas de maneira mais perniciosa se manifesta essa incapacidade da mente na descoberta das causas:
pois, como os princípios universais da natureza, tais como são encontrados, devem ser positivos, não
podem ter uma causa. Mas, mesmo assim, o intelecto humano, que se não pode deter, busca algo. Então,
acontece que buscando o que está mais além acaba por retroceder ao que está mais próximo, seja, as
causas finais, que claramente derivam da natureza do homem e não do universo” (BACON, 2002:17).
Está clarividente que Francis Bacon não admite causa final na Natureza.
5. como dos homens). O auge dessa dicotomia Homem-Natureza é visível em Descartes
(2008) quando este advoga que o homem torne-se senhor e possuidor da natureza.
O racionalismo cartesiano “mentor embrionário” de uma epistemologia
positivista que esquarteja a Natureza, bem como a Ciência com seu método, nos mostra
como a Natureza é vista como utilitária, um agregado mecânico de seres e indivíduos. O
materialismo mecanicista de Descartes que trata a Natureza como um corpo movido
pela causa eficiente, governada por leis mecânicas, faz com que o Homem sinta-se
separado dela.
Temos então todo um contexto montado: o paradigma platônico-aristotélico, a
modernidade fundada com Francis Bacon e o racionalismo material-mecanicista de
Descartes que fundamenta separação entre sujeito-objeto e Homem-Natureza.
Já sabemos que n‟A Ideologia Alemã Marx e Engels promovem um verdadeiro
acerto de contas, tal como na Sagrada Família, com os filósofos neo-hegelianos.
Segundo Marx e Engels, o objetivo desses filósofos era superar o sistema hegeliano a
partir da dialética. Todavia, para Marx e Engels a intenção podia até ser válida, mas
todos os filósofos fracassaram, pois a crítica feita a Hegel absteve-se dos aspectos
materiais e ignorando a realidade histórica da Alemanha. É necessário aqui apresentar
mesmo que de maneira esquemática, no dizer de Marilena Chauí (2008:39-46), a
caracterização da obra hegeliana:
1) um trabalho filosófico para compreender a origem e o sentido da
realidade como Cultura. A Cultura representa as relações dos homens com a
Natureza pelo desejo, pelo trabalho e pela linguagem, as instituições sociais,
o Estado a religião, a arte, a ciência, a filosofia. É o real enquanto
manifestação do Espírito.[...]
2) um trabalho filosófico que define o real pela Cultura e esta pelos
movimentos de exteriorização e de interiorização do Espírito. Ou seja, o
Espírito manifesta-se nas obras que produz (é isto sua exteriorização), e
quando sabe ou reconhece que é o produtor delas, interioriza (compreende)
essas obras porque sabe que elas são ele próprio. Por isso, o real é histórico.
[...]
3) um trabalho filosófico que revoluciona o conceito de história por
três motivos:
- em primeiro lugar, porque não pensa a história como uma sucessão
contínua de fatos no tempo [...]
- em segundo lugar, porque não pensa a história como uma sucessão
de causas e efeitos, mas como um processo dotado de uma força ou de um
motor interno que produz os acontecimentos. Esse motor interno é a
contradição. [...]
-em terceiro lugar, portanto, porque não pensa a história como
sucessão de fatos dispersos que seriam unificados pela consciência do
historiador, mas, sim, pensa a história como processo contraditório unificado
6. em si mesmo e por si mesmo, plenamente compreensível e racional. Por isso
Hegel afirma que o real é racional e o racional é real. [...]
4) um trabalho filosófico que concebe a história como história do
Espírito.[...] 5) um trabalho filosófico que pensa a história como reflexão.[...]
6) um trabalho filosófico que procura dar conta do fenômeno da
alienação.[...]
7) um trabalho filosófico que diferencia imediato de mediato,
abstrato e concreto, aparência e ser. Imediato, abstrato e aparência são
sinônimos; não significam irrealidade e falsidade, mas, sim, o modo pelo qual
uma realidade se oferece como algo dado como um fato positivo dotado de
características próprias e já prontas, ordenadas, classificadas e relacionadas
por nosso entendimento. Mediato, concreto e ser são sinônimos: referem-se
ao processo de constituição de uma realidade através de mediações
contraditórias.
Saliente-se que essa concepção hegeliana do real enquanto manifestação do
espírito é uma característica do judaico-cristianismo: Deus é o espírito e a materialidade
é apenas o reflexo das ações de Deus. A Natureza e os homens são apenas
exteriorizações de Deus e o próprio Deus se reconhece enquanto produtor destas
exteriorizações (interiorização). A própria história em Hegel, apesar de não concebê-la
como uma dimensão mecânica e sim como dialética, no final das contas é uma história
do Espírito, de Deus.
Marx e Engels vão então buscar reverter esse processo partindo de concepções
basilares do seu pensamento: 1) a contradição, que em Hegel é do Espírito consigo
mesmo, aparece em Marx e Engels concretamente como luta de classes; 2) a dialética,
que em Hegel é idealista, em Marx e Engels torna-se materialista; 3) não obstante, Marx
e Engels mantêm do entendimento hegeliano o fenômeno da alienação como algo
separado, estranho ao sujeito que produz a história. Em todo caso é o método dialético,
partindo de uma cosmovisão materialista da história que os dois filósofos vão se
encarregar de criticar a história (entendida como) das ideias e a filosofia “celestial” de
Hegel e os neo-hegelianos.
Os homens até hoje, sempre tiveram falsas noções sobre si mesmos, sobre o
que são ou deveriam ser. Suas relações foram organizadas a partir de
representações que faziam de Deus, do homem normal, etc. os criadores se
prostraram diante de suas próprias criações. Libertemo-los, portanto, das
ficções do cérebro, das ideias, dos dogmas, das entidades imaginárias, sob o
domínio dos quais definham (MARX; ENGELS, 2007:35-36).
Dentro desse contexto, e pelo que já foi interrogado e criticado, qual é o papel da
Natureza? Como se apresenta a Natureza? Qual a relação entre uma cosmovisão
materialista da história e a Natureza? Marx e Engels (2007:44, os grifos são nossos)
falam que “a forma pela qual os homens produzem seus meios de vida depende,
7. sobretudo da Natureza dos meios de vida já encontrados e que eles precisam
reproduzir”.
A Natureza aparece aqui como uma condição de existência do homem e de
reprodução da vida. O homem encontra-se dependente da Natureza para realizar a sua
vivência e reprodução. Nessa ótica, o homem está metabolicamente ligado à Natureza
através do trabalho, mas contraditoriamente separado dela.
Até agora, toda a concepção histórica tem omitido completamente a base real
da história, pois a tem considerado como algo secundário, sem qualquer
vinculação com o curso da história. Resultam daí noções de que a história
deva sempre ser escrita de acordo com um critério localizado fora dela. A
produção real da vida aparece como se estivesse separada da vida comum,
como alguma coisa extra e supraterrenal. Por isso, as relações dos homens
entre e natureza são excluídas da história, o que faz surgir a oposição
entre natureza e história (MARX; ENGELS, 2007:66-67, os grifos são
nossos).
A partir do momento em que se negligencia a base real da história vai-se pouco a
pouco dando alto relevo a base ideal da história. Como se releva a idealidade da história
acaba-se por desvencilhar a história da materialidade. Em se fazendo isso, a história
sobe da terra ao céu. E então o que ficou na base material, na realidade, é governado por
algo fora dela: uma Verdade Eterna, um Espírito. A Natureza aparece então como
materialidade, como algo terreno, e a história como coisa ideal, supraterrenal. Como
ambas estão em dimensões diferentes as relações que os homens têm com a Natureza e
com a história são separadas e opostas.
Posteriormente, Marx e Engels irão atacar Bruno Bauer e sua obra
Caracterização de Ludwig Feuerbach, no sentido de que “São Bruno” concebe a
Natureza e a História como “coisas” separadas, contraditórias, e que por esse motivo
não tinha capacidade de raciocinar que o Homem se encontra sempre diante de uma
história natural e uma natureza histórica. Os filósofos do materialismo histórico-
dialético também irão redargüir Feuerbach que, apesar de ser materialista, não percebe a
indistinção entre Homem e Natureza.
Certamente o primado da natureza exterior não subsiste, e tudo isso não pode
ser aplicado aos homens primitivos produzidos por generatio aequivoca
[lat.:geração espontânea], mas essa distinção só tem sentido se o homem é
considerado distinto da natureza. Em resumo, a natureza que precede a
história humana não é de maneira nenhuma a natureza em que vive
Feuerbach; (MARX; ENGELS, 2007:76, os grifos negritados são nossos).
De fato, o materialismo de Feuerbach não dá conta de explicar as relações
Homem-Natureza haja vista que o mesmo distingue sensivelmente Homem e Natureza,
e acaba caindo num materialismo mecanicista: homem e natureza entendidos como
8. agregados mecânicos de seres e indivíduos, suas relações são apenas de causa e efeito.
Em oposto, Marx e Engels não produzem tal distinção, pois o Homem é parte da
Natureza.
O campo (a água, etc.) pode ser considerado como um instrumento de
produção natural. No primeiro caso, quando se trata de um instrumento
de produção natural, os indivíduos encontram-se submetidos à natureza;
no segundo caso, estão subordinados a um produto do trabalho. [...] No
primeiro caso, o intercâmbio é essencialmente um intercâmbio entre os
homens e a natureza, um intercâmbio entre os homens no qual o
trabalho dos primeiros é comutado pelos produtos da natureza (MARX;
ENGELS, 2007:101, os grifos negritados são nossos).
Prosseguindo, Marx e Engels atestam que a submissão à Natureza deve-se aos
instrumentos da produção natural, ou seja, os homens permutam com a própria
Natureza. Todavia, com o desenvolvimento dos instrumentos de produção e formas de
propriedade civilizadas, a divisão do trabalho produz uma subjugação da Natureza ao
Homem e, por conseguinte, de homens para com homens (dominar a Natureza é,
portanto dominar os homens naturais: os homens inferiores, imaturos, débeis, bárbaros,
incivilizados). O câmbio, o intercâmbio, é agora uma relação apenas entre homens, a
Natureza está excetuada. Não olvidemos que parte dessa separação entre Homem e
Natureza está incrustada no paradigma platônico-aristotélico (que foi instituindo
paulatinamente a distinção entre trabalho prático/técnico e atividade teórica/intelectual)
e no racionalismo cartesiano.
Finalmente, após os dois pensadores alemães pulularem críticas aos neo-
hegelianos, bem como ao materialismo de Feuerbach, eis que surge uma conclusão
bastante interessante para nossa análise:
No desenvolvimento das forças produtivas chega-se a uma etapa em que são
originadas forças produtivas e formas de trocas as quais, no quadro das
relações existentes, produzem apenas estragos e não são mais forças
produtivas, e sim forças destrutivas (maquinaria e dinheiro); e junto disso,
surge uma classe que tem de suportar todos os ônus da sociedade sem
usufruir de suas vantagens; (MARX; ENGELS, 2007:105).
Os pensadores aqui tecem críticas às forças produtivas, mostrando que, ao
atingir um determinado nível “evolutivo”, elas podem transformar-se em forças
destrutivas. É claro que eles não lançam mão de um exemplo ecológico, tampouco se
pode afirmar, pelo exemplo, que a destruição em questão é a da Natureza (LÖWY,
2005).
Mas, suponhamos que a força destrutiva, suscitada por Marx e Engels em
questão, tenha como alvo a Natureza. A crítica então passa a ter um sentido ampliado:
de um lado a racionalidade capitalista condena uma classe, o proletariado, a suportar
9. todas as desvantagens da produção, como exemplo a precarização das condições de
trabalho; na outra ponta o produtivismo capitalista destrói a Natureza, rompe o
equilíbrio ecológico e promove impactos ambientais.
No dizer de Michael Löwy (2005), é esse produtivismo capitalista, essa
irracionalidade ecológica que se transforma em um liame entre as lutas sociais e as lutas
ecológicas. Tem-se, então, o embrião de um novo socialismo: o ecossocialismo. O
socialismo do século XXI.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS: a possibilidade de um Ecossocialismo
O grande objetivo de nossa análise foi buscar pistas nesta grande obra que
ajudassem a pensar os limites e contribuições de um possível marxismo ecológico no
que tange as relações Homem-Natureza.
Não foi simplório o caminho tortuoso pelo qual a humanidade percorreu até
chegar ao atual paradigma ecológico: as contribuições deixadas pelo paradigma
aristotélico-platônico fundamentaram embrionariamente a separação entre homem e
natureza, entre ideia e materia.
Posteriormente, na modernidade, principalmente com Descartes, canoniza-se a
separação entre homem e natureza. O racionalismo cartesiano é um dos muitos
fundamentos sobre os quais se assentam a modernidade: as dicotomias sujeito-objeto,
corpo-alma, cientificismo e evolucionismo. Neste âmbito, a modernidade seria um
estágio da humanidade superior aos anteriores. Mas um estágio essencialmente europeu.
Este entendido como o civilizado, culto, educado, superior.
Nesse contexto, Marx e Engels não escapam da atmosfera moderna: são
perceptíveis os traços do evolucionismo, do cientificismo, da visão de progresso e do
sentido da história (tomado de Hegel) em seus escritos
Todavia, Marx e Engels partido da crítica ao idealismo presente na Alemanha
ressalvam a dependência do homem para com a Natureza e criticam incisivamente a
separação entre Natureza e História mostrando que é impossível dissociar história
natural de natureza histórica.
Eles nos apontam uma saída filosófica e econômica que propõe uma mudança
estrutural no seio das relações socioambientais. Obviamente essa mudança estrutural
deve estar atenta para o momento histórico que vivemos: um momento de crise
ambiental cuja crença no desenvolvimento ilimitado das forças produtivas, no
10. industrialismo e no progresso, pode trazer sérios danos ambientais e nos encantar com
uma promessa inviável.
Portanto, livremo-nos das soluções simplificadas que a ecologia burguesa
dispõe, como se as soluções tecnológicas não fossem também fruto desse modelo de
racionalidade que separou, esquartejou e amortizou a Natureza do Homem. O
ecossocialismo parece-nos um liame necessário e um resultado das lutas sociais e
ecológicas que travamos desde o século XX. Temos que ter cuidado com as ideias
sedutoras, brilhantes, sintetizadoras, no século XIX e boa parte do século XX, para que
não nos desencantemos com uma promessa que não foi (LANDER, 2006). Para tanto, é
elementar entender o Espaço e a Natureza não como um palco imóvel onde os
acontecimentos históricos humanos se desenvolvem no mundo, mas sim como condição
de compreensão da modernidade, da colonialidade (PORTO-GONÇALVES, 2006b) e
de criação da riqueza. É preciso também ampliar o método marxiano do materialismo
histórico para o materialismo histórico-geográfico: dessa forma, poderemos entender e
criticar a visão da modernidade como um acontecimento provinciano europeu
enfatizando o seu caráter colonial e civilizatório (LANDER, 2006).
REFERÊNCIAS
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Interpretação da Natureza. Trad. José Aluysio Reis de ANDRADE. 2002. Versão
eletrônica disponível em: www.dominiopublico.gov.br.
CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 2ªed. São Paulo: Brasiliense, 2008.
KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2008
LANDER, Edgardo. Marxismo, eurocentrismo e colonialismo. In BORON, A;
AMADEO, J; GONZÁLEZ, S(orgs.). A teoria marxista hoje: problemas e
perspectivas. Buenos Aires: Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Clacso,
2006. pp. 201-236.
LEFEBVRE, Henri. A re-produção das relações de produção. Porto: Escorpião,
1973. (La survie Du capitalisme, 1).
LEFF, Enrique. Aventuras da epistemologia ambiental: da articulação das ciências ao
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LÖWY, Michael. Ecologia e Socialismo. São Paulo: Cortez, 2005.
11. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã. Feuerbach - A Oposição entre
as Cosmovisões Materialista e Idealista. Trad. Frank Müller. São Paulo: Martin Claret,
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PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. Os (des) caminhos do meio ambiente. 14ª ed.
São Paulo: Contexto, 2006a.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A geograficidade do social: uma contribuição
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América Latina. Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros - Seção
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SMITH, Neil. Desenvolvimento desigual. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988.
RIBEIRO JUNIOR, J. A. S; ALMEIDA, J. G; TIERS, T. F. S; SOUSA, B. M. O
VERMELHO E O VERDE: RASTREANDO UM MARXISMO ECOLÓGICO
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