O autor visitou uma igreja batista frequentada principalmente por negros nos Estados Unidos. Ele observou que a igreja promovia a aceitação e o empoderamento de todas as pessoas, independentemente de sua raça, orientação sexual ou identidade de gênero. O pastor encorajou os membros a terem orgulho de quem são e a construírem sua autoestima. A atmosfera acolhedora da igreja contrastava com outros lugares religiosos que promovem a exclusão.
Afirmação da Identidade Juvenil a partir dos Conselhos de Juventude
Homens e mulheres de oração, onde a sexualidade não produz diferenças
1. HOMENS E MULHERES DE ORAÇÃO: Onde a sexualidade não
produz diferenças
1
José Aniervson Souza dos Santos
Dez pontos de poder, esse foi o tema central do culto dominical da Igreja Batista
Tabernáculo, no último domingo, 24 de fevereiro. A igreja que está situada em um
dos bairros do subúrbio de Atlanta, Georgia, Estados Unidos, reúne a cada
celebração dezenas de fiéis e curiosos, como eu, na celebração da palavra e da
boa nova. Esta é uma daquelas igrejas que, nós brasileiros, estamos acostumados
a ver nos filmes americanos, frequentada, de modo geral, pela comunidade negra
e com um toque especial na Black Gospel Music com cantores e cantoras que nos
faz delirar com suas vozes fortes e vibrantes.
Eu conheci essa igreja da mesma forma como decidi ir a uma: de forma aleatória.
Eu havia decidido que queria visitar uma igreja nos Estados Unidos e então após
assistir mais um daqueles filmes meio musical em que a personagem principal
aparece cantando no coro em uma dessas igrejas que são frequentadas por
negros(as) me veio a ideia brilhante: quero ir a uma igreja dessas. Então foi
apenas procurar na internet, com ajuda de um amigo americano, e encontramos a
Igreja Batista Tabernáculo e assim fomos.
Meio acanhado, sem jeito e envergonhado entrei na igreja e me sentei na
penúltima fileira de cadeiras. Na realidade eu estava meio que curioso, eu queria,
é claro além de agradecer a Deus pelas conquistas diárias, descobrir se a imagem
constante dos filmes era verdade.
Então, alguém estava fazendo algumas preces e orações no altar quando a igreja
ficou praticamente lotada de pessoas. Eu olhava de um lado e de outro e o único
de pele branca que eu encontrava era eu, sentado quase que escondendo meu
próprio rosto para não ser descoberto. Ninguém havia me notado, ou melhor, para
ninguém fazia diferença a minha cor de pele, pois outras diferenças eram aceitas
pela igreja, como um todo. Atrás do altar um espaço belo de cadeiras de cobertura
vermelha, como um coro, com plataforma do piso mais elevada do que as demais
cadeiras da assembleia.
1
Possui Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade de Pernambuco – UPE e Pós-Graduação em
Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE. Ativista de
movimentos sociais e líder de organizações juvenis. Coordenador da Escola de Educadores de Jovens online
do Instituto de Protagonismo Juvenil – IPJ.
2. De repente aquele espaço começa a ser tomado por diversos rostos. Jovens,
adultos, homens e mulheres começam a tomar lugar naquelas cadeiras vermelhas
enquanto outras três pessoas assumem a posição do altar, cada uma segurando
um microfone. Foi quando uma dessas vozes femininas abriu a boca e começou a
cantar. Nesse momento eu estava dentro da gravação de um filme americano em
que a atriz tem a voz maravilhosa e consegue entoar notas agudas que parecem
ser impossíveis para a voz humana, a diferença era que não tinha diretor, figurino,
figurantes e nenhuma dessas grandes estruturas das estrelas de Hollywood, pois
o filme era real e ao vivo.
Eu não acreditava no que eu estava vendo. É de verdade. O que vejo nos filmes é
verdade. Claro sem toda a pompa e maquiagem das estrelas americanas, mas
com todo glamour com que aquela voz fazia vibrar toda a igreja. Cantos, palmas e
danças faziam com que as vozes do coro soassem como música suave em meus
ouvidos. Aquela cena era linda aos meus olhos. Mas ainda o mais inesperado e
verdadeiramente emocionante estava por vir e eu não fazia nem noção disso.
“Eu acho que estamos numa igreja gay” – disse meu amigo americano a mim.
Numa resposta óbvia e direta eu apenas respondo: “todas as igrejas tem gays”.
Bem, eu acho que eu não errei, verdade? Porém aquilo não fazia diferença
alguma diante da impressionante demonstração de fé que eu estava imerso.
Quem conhece minha trajetória sócio-política-religiosa, sabe que fiz parte de
alguns diferentes movimentos dentro da Igreja Católica (Renovação Carismática
Católica e Pastoral da Juventude) e também tive alguns contatos com outras
denominações religiosas de diferentes matrizes: espiritismo, protestantismo e
candomblé, e tenho estudado a manifestação religiosa juvenil em diferentes outras
religiões. Recentemente tive um maravilhoso contato com uma igreja africana
chamada “Igreja Velha Apostólica”, onde fiz uma pequena montagem em vídeo da
experiência em que tive lá. Todas essas diferentes experiências me deram uma
visão ampla e diversa sobre a compreensão do Sagrado na vida das pessoas e
em especial na juventude. Na minha visão essa experiência tem me mantido de
pé.
Uma das palavras proferida pelo pastor que me chamou atenção naquele domingo
foi: “conheça a si mesmo e se orgulhe de ser quem és”. Esse foi um dos dez
pontos que ele se comprometera a apresentar como pontos de poder. Todos os
dez pontos foram interessantes, mas minha intenção nesse texto é apresentar
outro tipo de conteúdo e não o sermão proferido pelo mesmo, que modestamente,
merecia uma apresentação específica.
3. Eu via pessoas empoderadas com as palavras do pastor. Pessoas que vibravam
com suas afirmativas. Eu via pessoas que discordavam do pastor quando o
significado de suas palavras não soavam claras em seus ouvidos. Eu vi pessoas
levantarem suas mãos em um gesto em que fazemos quando não aprovamos
alguma coisa. Eu vi pessoas mudarem de expressão ao longo das palavras do
pastor. Eu vi pessoas ressuscitarem.
O mais bonito de tudo aquilo era que pessoas diferentes se encontravam em
comum lugar e celebravam o mesmo Deus e esse Deus que elas celebravam as
tornavam um. Eu ainda não sabia por que a atmosfera daquele lugar era diferente
de outras tantas experiências religiosas que eu tenho experimentado. Ainda não
tinha ficado claro os motivos que fazia daquele lugar um espaço tão aconchegante
e humanizador.
As pessoas estavam sendo encorajadas de serem quem elas são
verdadeiramente. “Honre-se e construa sua própria autoestima, pois as pessoas
respeitam quem tem boa autoestima” – dizia o pastor naquela manhã de domingo.
“Se olhe no espelho e se orgulhe de ser quem você é”, acrescenta. Vocês hão de
concordar comigo que essas não são palavras mágicas, mas são muito
pronunciadas nos discursos e sermões religiosos e palestras de autoestima
proferidas por profissionais de diferentes áreas do conhecimento ao redor do
mundo. O que me chamou atenção foi para qual público específico estava sendo
proferidas aquelas palavras exatamente naquele momento.
Homens, mulheres, crianças, jovens e adultos com diferentes gostos,
pensamentos e expectativas de vida se encontravam naquela assembleia.
Diferentes experiências sexuais, gays, lésbicas, travestis e heterossexuais se
encontravam no mesmo espaço de vivência da fé para celebrar a vida. E era isso,
com certeza, que tornou aquele espaço tão espiritual.
Talvez fosse esse o motivo pelo qual ninguém estava me encarando e me
condenando por ser de pele branca e estar no meio de um espaço de
aglomeração da cultura e protagonismo negro. Não era a cor da minha pele, a
roupa que eu vestia ou o cabelo grande e bagunçado que eu exibia que me fazia
estranho naquele espaço. Isso tudo me fazia apenas diferente, mas iguais a
todos(as).
“Estou numa igreja gay?” eu me perguntava, mas não era esse rótulo que a
mesma recebia, mas de ser uma representação da fé e da aceitação total do ser
humano. Na sua fala o pastor cita um exemplo: “porque você participa daquela
igreja?”, perguntou alguém a um dos membros da igreja, e sua resposta foi:
“porque lá é igual ao mundo em que vivo”. Essa afirmativa me fez pensar um
4. pouco se de fato não era aquilo totalmente verdade. Afinal, o mundo o qual
vivemos é diverso, cheio de pessoas diferentes, com pensamentos, cores, altura,
peso, idiomas... diferentes e é isso que nos faz completar um ao outro.
Nesta igreja então as pessoas poderiam ser quem elas são em sua essência. E eu
me perguntava como seria bom se todas as outras igrejas e espaços sociais
promovessem essa aceitação interior da pessoa. Pelo contrário, já ouvi diversos
líderes dizerem a seus seguidores que aquelas pessoas deveriam se esconder
daquele monstro que estava dentro de cada um(a), que aquilo era abominável, era
terrível e vergonhoso. Não será uma dessas palavras que provoque a morte
espiritual da pessoa em algum momento de sua trajetória de vida?
Alguém poderá dizer, ao ler esse texto, que sua igreja aceita os homossexuais,
pois eles podem participar do culto. Ou até mesmo assumir coordenações de
ministérios. Eu já ouvi e presenciei esses discursos de que “aceitamos o
homossexual, mas abominamos sua prática”, então diga-se também ao casal de
noivos heterossexuais que não aceitam sua prática. Muitos jovens que tenho
acompanhado ao longo do meu trabalho têm testemunhado sua diminuição nos
espaços religiosos por causa de sua sexualidade. A aceitação das instituições
religiosas à pessoa homossexual, em sua grande maioria, é simplesmente um
discurso que não passa da imagem dos doutores da lei, representados pela
passagem bíblica.
São milhares de homens que nasceram em corpo de mulher e mulheres que
nasceram em corpo de homem que são limados de assumirem sua posição
religiosa e estarem a frentes de ministérios e assumirem postos de
responsabilidade nas igrejas atualmente. São milhares de gays e lésbicas que são
forçados a calarem e se esconderem em seu gueto por acreditarem, a partir dos
sermões dos seus pastores, que não são dignos de sentarem-se à mesa da
celebração e partir o pão com seus irmãos(ãs). São milhares de vidas que estão
sendo desconfiguradas pela intenção de tornarem-na imagens de uma sociedade
heteronormativa, regida pelo patriarcalismo.
“Tenha orgulho de ser quem você é”, essa palavra do pastor fazia com que aquela
travestir de salto alto, vestido vermelho e traços no rosto de uma barba feita,
escondida pela maquiagem e doses de hormônios; e aquele homem gay que
havia entrado na igreja de mãos dadas com seu companheiro se sentissem a
vontade para rezar/orar. Aquelas palavras os tornavam vivos e os faziam perceber
que não existia nada que os tornassem inferiores diante dos outros(as). E assim o
pastor atraia mais e mais pessoas para aquele rebanho.
5. A igreja estava longe de ser rotulada de igreja gay ou qualquer denominação
parecida. Ela estava mais, a meu ver, uma celebração da vida a partir do respeito
dela como um todo. Aquelas pessoas não precisavam se travestirem do que elas
não eram para poderem ir louvar ao seu Deus, ao contrário, eram incentivadas a
retirarem as máscaras e deixar que o “verdadeiro eu” aparecesse. Sentavam-se
uns entre os outros, o que dificultava o rótulo de área de acento para gays,
lésbicas, travestis, crianças, héteros, etc. Ministros(as) da palavra, da música, do
dízimo, da acolhida, etc. eram todos(as) uma só família e a roupa ou o sexo pelo
qual se sentiam atraídos era apenas uma área particular da vida de cada um que
precisava ser vivida pela pessoa e só por ela.
Ao fim da celebração, além de aprender dez pontos de poder, vivi na pele uma
experiência de fé e vida em que o ser humano é elevado em sua máxima condição
e que a pessoa é respeitada em sua essência, o que promove a conquista dos
direitos, a elevação da autoestima e ainda promove a paz mundial e
principalmente a paz interior, essa que nós temos esquecido ao longo dos anos.
Então fica a palavra de vida: “se olhe no espelho e se orgulhe de ser quem você é,
honre-se e construa sua própria autoestima, pois as pessoas respeitam quem tem
boa autoestima”.
Atlanta, 25 de fevereiro de 2013.