2. Ponto de partida
Ao final de um dia de trabalho, e repente, os
banheiros públicos de um certo parque em St. Louis,
Missouri, nos Estados Unidos, estão mais
movimentados do que seria de esperar. [...]. O que
esses homens fazem ali? Certamente, existem outros
banheiros em locais mais convenientes. Haverá
algum interesse comum, além dos banheiros, que os
traz a esse lugar?
Nenhum desses homens está no banheiro para usá-lo
para os fins para os quais foi construído oficialmente:
eles estão ali em busca de “sexo rápido”.
3. Pesquisa sociológica e sua controvérsia
Laud Humphreys, [...], visitou esses banheiros públicos para
fazer pesquisas sobre os participantes. Ele escreveu sobre eles
em seu livro Tearoom Trade (Humphreys, 1970). [...], o livro
causou grande controvérsia quando foi publicado e, para certas
pessoas, a questão ainda é difícil de lidar, [...]. [...], a
metodologia de pesquisa de Humphreys foi muito criticada, pois
seu trabalho de campo precisava ser oculto: ela não envolvia
obter o consentimento informado dos homens que estudou.
Todavia, sua pesquisa nos tearooms conseguiu lançar nova luz
sobre as dificuldades de homens que eram forçados a manter
suas tendências [homo]sexuais em segredo. [...]. A pesquisa de
Humphreys foi realizada em uma época em que havia muito
mais estigma associado a identidades homossexuais e em que a
polícia aplicava as leis contra tal comportamento.
4. Diretrizes da pesquisa de Humphreys
Humphreys passou um longo período de tempo
pesquisando os banheiros públicos, pois uma excelente
maneira de entender processos sociais é participar deles
e observá-los. Ele também fez entrevistas que lhe
possibilitaram obter mais informações do que teria se
apenas observasse os banheiros. A pesquisa de
Humphreys abriu uma janela para um aspecto da vida
que muitas pessoas ficaram chocadas ao saber que
sequer existia, e que certamente precisava ser entendido
em um nível mais profundo. Seu trabalho baseou-se na
pesquisa sistemática, mas também teve um tom de
paixão; foi realizado com um certo distanciamento
científico, mas, ao mesmo tempo, Humphreys estava
envolvido na busca de soluções para problemas sociais.
5. Preocupação social envolvida
Humphreys argumentava que a perseguição contra
estilos de vida homossexuais leva os homens a
existências angustiadas, nas quais devem recorrer ao
segredo extremo e a atividades muitas vezes
perigosas. Seu estudo foi realizado antes do advento
da Aids, mas essa atividade seria muito mais perigosa
atualmente. Ele argumentava que a tolerância pela
subcultura homossexual colocaria os gays em uma
posição em que poderiam proporcionar uns aos
outros autoestima, apoio mútuo e alívio do tormento.
7. Diálogo do sociólogo com os sujeitos
da pesquisa
[...], os pesquisadores não são mais vistos como os especialistas
inteligentes e os participantes como meros sujeitos da pesquisa.
Cada vez mais, os sujeitos da pesquisa se envolvem no processo
[...] e podem ajudar a formular perguntas, comentar a
interpretação do pesquisador sobre suas visões e, em certos
casos, esperar receber uma cópia do relatório final da pesquisa.
[...]. De fato, todos os órgãos financiadores perguntam
rotineiramente às equipes de pesquisa sobre quais questões
éticas esperam enfrentar e como pretendem lidar com elas, se
usarão alguma forma de ocultação, que medidas serão criadas
para proteger os participantes do risco e como seus resultados
serão informados aos participantes ao final do estudo.
8. Dilemas éticos e epistemológicos na
pesquisa de Humphreys
Quando escreveu Tearoom Trade, Humphreys disse que não era
totalmente verdadeiro com as pessoas cujo comportamento estava
estudando. [...]. Embora não contasse nenhuma mentira direta
durante suas observações, ele também não revelava a verdadeira
razão para sua presença no tearoom. Será que esse aspecto
particular do seu comportamento era ético? [...]. Com base no que
observava no tearoom, Humphreys não coletou informações sobre os
participantes que viessem a identificá-los. O que ele sabia sobre eles
era semelhante ao que todas as outras pessoas presentes sabiam.
Desse modo, sua presença não submeteu ninguém a mais risco do
que já encontravam em suas vidas cotidianas. Ao mesmo tempo, se
Humphreys tivesse sido totalmente franco a cada estágio, a pesquisa
poderia não ter avançado como avançou. De fato, alguns dos dados
mais valiosos que foram coletados por sociólogos nunca teriam sido
obtidos se o pesquisador tivesse explicado antes o projeto a cada
pessoa encontrada no processo de pesquisa.
9. Dilemas éticos e epistemológicos na
pesquisa de Humphreys
O que levantou mais dúvidas foi que Humphreys anotou
as placas dos carros das pessoas que vinham para os
tearooms, obteve seus endereços com um amigo que
trabalhava para o Departamento de Veículos Motores e
visitou seus lares sob o disfarce de estar realizando uma
pesquisa neutra. [...], o conhecimento que obteve
poderia ter sido prejudicial. Como a atividade que estava
documentando era ilegal, policiais poderiam ter exigido
que ele liberasse as informações sobre as identidades dos
sujeitos. Também é possível que um pesquisador menos
hábil tivesse deixado algo escapar ao entrevistar as
famílias dos sujeitos, ou que Humphreys tivesse perdido
suas anotações, que poderiam ser encontradas por outra
pessoa.
10. Posicionamento da sociologia a
respeito na atualidade
[...], os pesquisadores de hoje não consideram esse
tipo de projeto legítimo. Por todo o mundo, os órgãos
de fomento à pesquisa sociológica, como o European
Science Foundation ou o Economic and Social Science
Research Council do Reino Unido, bem como as
organizações profissionais a que os sociólogos
pertencem, como a International Sociological
Association (ISA), hoje têm diretrizes éticas muito
mais rígidas para pesquisadores envolvidos com
qualquer tipo de pesquisa sociológica.
12. O óbvio X o socialmente construído
[...], ao olhar as surpreendentes atividades que
ocorrem em banheiros públicos, Humphreys estava
perguntando como sociedade funciona, de maneiras
que são diferentes das versões oficiais de como ela
deveria funcionar. Ele também observou que aquilo
que consideramos natural – [...] – na verdade é
socialmente construído, dependendo de como é
usado. O construcionismo social é uma perspectiva
que parte da premissa de que a realidade social é –
em graus variados – produto das interações entre
indivíduos e grupos, e não algo óbvio para todos [...].
13. Diferentes perspectivas para o mesmo
tema de acordo com a abordagem teórica
Um interacionista talvez pergunte: como esse comportamento se dá nos processos de
interação? Que tipos de interação ocorrem? Humphreys observou que as pessoas que
frequentavam os tearooms aprendiam com o outros a fazer silêncio. Essa era uma
resposta à demanda de privacidade sem envolvimento. Outra observação foi que os
homens que iam ao banheiro e que não respondiam aos primeiros avanços sexuais
não eram mais abordados. [...]. Uma abordagem funcionalista poderia perguntar: qual
é a contribuição do tearoom para a continuação da sociedade como um todo? A
resposta é que ela proporciona uma válvula de escape para a atividade sexual que,
quando em segredo, proporciona que outros membros da sociedade continuem como
pessoas “normais” em suas vidas cotidianas, sem desafiarem a ordem aceita das
coisas. Uma abordagem marxista poderia perguntar: o pensamento sobre as relações
de classe econômicas é visível nos tearooms? Humphreys observou que o sexo
impessoal nos tearooms tinha uma qualidade democrática. Homens de todas as
classes sociais e raças se encontravam nesses lugares em busca de contato sexual. Por
fim, uma abordagem feminista talvez se perguntasse: como as vidas das mulheres
podem ser consideradas nesse estudo, realizado com um grupo formado apenas por
homens? [...], mas uma feminista, atualmente, poderia perguntar como as vidas das
mulheres – talvez das esposas e parceiras que nada sabiam sobre a atividade de seus
parceiros – são afetadas e colocadas em risco pelo comportamento secreto nos
tearooms.
14. Implicações práticas do estudo de
Humphreys
Depois da publicação desse livro, Humphreys
participou do movimento político – o movimento dos
direitos dos homossexuais – que tornou possível essa
mudança. Ele usou suas descobertas para convencer
os juízes e a polícia a diminuir a perseguição de
homens envolvidos no sexo homossexual, para aliviar
os efeitos colaterais prejudiciais da atividade sexual
oculta.
15. Sociologia parte do cotidiano
procurando ultrapassá-lo
Em que circunstâncias vivem as minorias raciais ou
sexuais? Como pode existir fome em massa em um
mundo que é muito mais rico do que jamais foi? Que
efeitos terá o uso cada vez maior da internet em nossas
vidas? A família está começando a se desintegrar como
instituição? [...]. [...], o objetivo da teorização e pesquisa
em sociologia sempre é romper com o modo especulativo
em que a pessoa comum geralmente considera estas
questões. O bom trabalho sociológico tenta tornar as
questões o mais precisas possível e tenta reunir
evidências factuais antes de chegar a conclusões.
16. Procedimento da sociologia
...perguntas factuais ou empíricas. Por exemplo,
muitos aspectos do comportamento sexual, [...],
exigem uma investigação sociológica direta e
sistemática. Desse modo, podemos perguntar: que
tipos de ocupações e arranjos domésticos são mais
comuns entre as pessoas que frequentam os
tearooms? Que proporção de frequentadores dos
tearooms a polícia prende?
17. Procedimento da sociologia
Os sociólogos muitas vezes querem fazer perguntas
comparativas, relacionando um contexto social dentro da
sociedade com outro, ou comparando exemplos de
sociedades diferentes. Existem diferenças significativas,
por exemplo, entre os sistemas sociais e legais dos
Estados Unidos, da Itália e da África do Sul.
...perguntas evolutivas ou históricas. Como chegamos de
lá até aqui? Para entender a natureza do mundo
moderno, temos que olhar as formas anteriores de
sociedade e também estudar a principal direção que os
processos de mudança tomaram.
18. Procedimento da sociologia
[...], a sociologia não consiste apenas de coletar fatos,
[...]. Sempre devemos interpretar o que os fatos
significam e, para fazê-lo, devemos aprender a fazer
perguntas teóricas – preocupados com por que as
coisas ocorrem.
19. Procedimento da sociologia
Ao mesmo tempo, os sociólogos tentam não buscar o
conhecimento teórico por si só. Uma visão comum é
que, embora não se deva permitir que os valores dos
sociólogos desviem suas conclusões, a pesquisa social
deve ser relevante para questões ligadas ao mundo
real.
21. Peculiaridade da sociologia
[...], estudar seres humanos é diferente de observar
fatos do mundo físico, de modo que a sociologia e as
ciências naturais não podem ser idênticas. Ao
contrário dos objetos da natureza, os humanos são
seres autoconscientes, que conferem significado e
propósito ao que fazem. Não podemos sequer
descrever a vida social propriamente, a menos que
primeiro entendamos os conceitos que as pessoas
aplicam em seu próprio comportamento.
22. Vantagens da sociologia com relação às
ciências naturais
Os pesquisadores sociológicos têm o benefício de
poderem fazer perguntas diretamente para aqueles
que estudam – [...] – e obter respostas que
entendam. Essa oportunidade de conversar com os
sujeitos da pesquisa e confirmar as interpretações dos
pesquisadores significa que os resultados sociológicos
são, pelo menos potencialmente, ainda mais
fidedignos (diferentes pesquisadores chegam aos
mesmos resultados) e válidos (a pesquisa avalia o que
deve avaliar) do que os das ciências naturais
23. Desvantagens da sociologia com
relação às ciências naturais
As pessoas que estão cientes de que suas atividades
estão sendo escrutinadas podem não agir da mesma
forma em que agem normalmente. Elas podem se
retratar consciente ou inconscientemente de um
modo que difira de suas atitudes usuais. Podem
mesmo tentar “ajudar” o pesquisador, dando as
respostas que acreditam que ele quer.
25. Busca da correlação
Uma relação causal entre dois fatos ou situações é
uma associação em que um fato ou situação produz o
outro. [...]. Como a ciência natural, a sociologia
depende da premissa de que todos os fatos têm
causas. A vida social não é um conjunto aleatório de
ocorrências, que acontecem sem rima ou razão. Uma
das principais tarefas da pesquisa sociológica – em
combinação com o pensamento teórico – é identificar
causas e efeitos.
26. Causação e correlação
A causação não pode ser inferida diretamente da
correlação. A correlação significa a existência de uma
relação regular entre dois grupos de ocorrências ou
variáveis. [...]. Pode parecer que, quando se observa
que duas variáveis estão intimamente
correlacionadas, uma seja a causa da outra. Todavia,
esse muitas das vezes não é o caso.
27. Exemplo do estudo sociológico de
Durkheim
Em seu trabalho clássico de 1897, Suicide [...], Emile Durkheim
encontrou uma correlação entre as taxas de suicídio e as estações do
ano. Nas sociedades que Durkheim estudou os níveis de suicídio
aumentaram progressivamente de janeiro até junho ou julho. A partir
dessa época, caíram ao longo do restante do ano. Pode-se supor que
isso demonstre que a temperatura ou as mudanças climáticas
estejam causalmente relacionadas com a propensão dos indivíduos a
se matar. [...]. Todavia, a relação causal aqui não tem nada a ver
diretamente com a temperatura ou clima. Na primavera e no verão, a
maioria das pessoas tem uma vida social mais intensa do que nos
meses do inverno. Os indivíduos que são isolados ou infelizes tendem
a experimentar uma intensificação desses sentimento à medida que
o nível de atividade das outras aumenta. Assim, são prováveis de ter
mais tendências suicidas agudas na primavera e no verão do que no
outono e no inverno, quando o ritmo da atividade social diminui.
28. Mecanismos causais
Existe uma forte correlação, [...], entre o nível de
desempenho educacional e o sucesso ocupacional nas
sociedade modernas. Quanto melhores as notas que um
indivíduo tira na escola, mais bem remunerado
provavelmente será o seu trabalho. O que explica essa
correlação? A pesquisa tende a mostrar que não é apenas
a experiência escolar; os níveis de desempenho escolar
são muito mais influenciados pelo tipo de lar de onde a
pessoa vem. [...]. Os mecanismos causais aqui são as
atitudes dos pais para com seus filhos, juntamente com
as facilidades para aprender que o lar proporciona.
29. Variáveis independentes e variáveis
dependentes
Uma variável independente é aquela que produz um
efeito sobre outra variável. A variável afetada é a
dependente. [...]. O mesmo fator pode ser uma
variável independente em um estudo e uma variável
dependente em outro. Tudo depende de quais
processos causais estão sendo analisados.
30. Controles
Para descobrir se uma correlação entre variáveis é
uma conexão causal, usamos controles, que
significam que mantemos certas variáveis constantes
para olhar os efeitos de outras. Dessa forma,
podemos avaliar explicações para correlações
observadas separando relações causais de não
causais.
31. Exemplo da correlação entre privação
materna e desvios de personalidade na
vida adulta
[...], os pesquisadores que estudam o
desenvolvimento infantil afirmam que existe uma
conexão causal entre a privação materna na infância e
problemas sérios de personalidade na idade adulta.
[...]. Como podemos testar se realmente há uma
relação causal entre privação materna e transtornos
da personalidade futuros? Faríamos isso tentando
controlar, ou “filtrar”, outras influências possíveis que
pudessem explicar a correlação
32. Identificando causas
A identificação de fatores causais normalmente é
orientada por pesquisas anteriores na área em
questão. Se não tivermos uma ideia razoável de
antemão sobre os mecanismos causais envolvidos em
uma correlação, provavelmente teríamos muita
dificuldade para descobrir quais são as conexões
causais reais. Não saberíamos o que procurar.