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Jornalismo foi ponte para Fazenda Nova
Antes mesmo de conhecer Diva Pacheco, anos mais tarde, os des-
tinos de Plínio e Fazenda Nova já haviam se cruzado. Depois que Plínio
voltou de Fernando de Noronha, em 1953, ele ficou lotado na Base Aérea
do Recife e foi trabalhar no Aeroporto, no Ibura. Era um burocrata. Tinha
um birô e vivia escrevendo. Quando chegavam autoridades ou militares,
dava plantão. Em busca de notícias dos passageiros ilustres, os jornalis-
tas tinham livre acesso ao aeroporto. Plínio, como vivia por lá, fazia-lhes
camaradagem. Foi nessa época que conheceu José do Patrocínio, então
um jovem repórter do Jornal do Commercio. Com dupla função, além de
repórter, Zé do Pato, como era e é conhecido nas redações até hoje, era
também distribuidor do jornal O Globo. O repórter fazia isso para comple-
tar a renda com a venda nas bancas do centro, pois a condição de bisneto
do capitão Joaquim Cordeiro Falcão, herói da guerra do Paraguai, nascido
justamente em Brejo da Madre de Deus como Zé do Pato, não lhe garantia
o pão na mesa.
Patrocínio invariavelmente dava carona ao amigo no mesmo Jipe
usado para a distribuição de jornais e não era raro o colega se servir dele.
Acabaram ficando grandes amigos. Fazenda Nova já o havia escolhido e
ele mal sabia. Mais tarde, esse pequeno veículo seria usado como primeiro
meio de transporte das pedras usadas nas muralhas de Nova Jerusalém.
A rigor, as histórias do Jornal do Commercio e da Paixão de Cristo
estão intrinsecamente ligadas desde os primeiros anos. Antes que Plínio
adotasse o espetáculo, o radialista Ozires Caldas, correspondente do JC e
teatrólogo nas horas vagas, já havia colaborado e escrito com Luís Mendon-
ça, primeiro intérprete de Jesus e diretor do espetáculo de rua, na primeira
versão da peça, então chamada de O Drama do Calvário, em 1951.
Em 1954, quando Plínio estava começando no jornalismo, o ma-
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rechal Cordeiro de Farias foi eleito para o governo do Estado, com apoio
do líder político de Macaparana José Francisco de Moura Cavalcanti. A
2ª Guerra Mundial já havia acabado, mas o jornalista Mauro Mota, pontifi-
cando nas páginas do Diário de Pernambuco, ainda mostrava sua preocu-
pação com o futuro das pobres jovens engravidadas pelos soldados norte-
-americanos. “Meninas, tristes meninas, vossos dramas recordai, quando
eles no armistício vos disseram good bye, ouvirei a vida toda a ressonância
do choro dos vossos filhos sem pai”, escreveu. Na poesia, Carlos Pena Filho
já descrevia em versos o perfil de sua cidade, em A Vertigem Lúcida. “Reci-
fe, cruel cidade, águia sangrenta, leão. Ingrata para os da terra, boa para os
que não são. Amiga dos que a maltratam, inimiga dos que não”, reclamava
em versos.
O poeta mais tarde se tornaria um assíduo freqüentador de Fazenda
Nova em período de férias. Ali conheceria Plínio, de quem se tornou gran-
de amigo. Apaixonado pelas terras áridas como Plínio, Pena Filho chegou
a dedicar algumas linhas à “terra prometida” que o gaúcho construiria no
local:
“É como se fossem ruínas, mas não de muros ou casas.
São ruínas de terra antiga que o tempo estraga.
Vistas de longe, essas pedras de irregulares tamanhos
São lembranças renascidas de abandonados rebanhos”
Em meados dos anos 50, ainda não havia televisão no Estado. Os
pernambucanos só veriam pela primeira vez as imagens em um aparelho
de TV em 1960, graças ao arrojo do empresário F. Pessoa de Queiroz, que
foi buscar na Inglaterra os primeiros equipamentos de transmissão para a
TV Canal 2. Todos os programas eram produzidos lá e gerados na estação,
pois não chegara ainda a época das transmissões via satélite.
Sem sombra de dúvida, o Sistema Jornal do Commercio era mais
bem estruturado que qualquer outro grupo de comunicação fora do eixo
Rio-São Paulo. O império de Pessoa de Queiroz, nos anos 60, era tão sólido
quanto o fora na década anterior. O matutino carro-chefe da empresa, o
Jornal do Commercio, detinha uma liderança absoluta. A Rádio Jornal do
Commercio, que propagava o famoso slogan “Pernambuco falando para o
mundo”, fora criada em 1948, com equipamentos de ondas média e curtas
importado de Londres. Era uma emissora modelo de investimento e uma
ousadia para a região desde o final da década de 40. Emissoras menores,
em Caruaru, Garanhuns, Pesqueira e Limoeiro, os quatro municípios eco-
nômica e politicamente mais importantes, compunham a cadeia, cujo im-
pério seria completado com o emprendimento majestoso da TV Jornal do
Commercio, o Canal 2. A concorrência vinda dos Diários Associados e suas
emissoras, apesar de serem comandadas pelo mito Assis Chateaubriand,
5. 77
Reporter do JC, José do Patrocínio cedeu Jeep para o amigo carregar pedras em
era frágil, por carecer de decisão local.
Na imprensa escrita daquele período, a formação era apenas hu-
manística. Os jornais recrutavam leigos e os formavam na redação. O
exercício da profissão tendo como requisito básico o diploma universitá-
rio não existia ainda e a alma dos jornais, a redação, sofria o desgaste dos
baixos salários. No Recife daquela época, os jornalistas eram condenados
a fazer da profissão um bico. Havia apenas três fontes de pagamento: o
Diário de Pernambuco, o Jornal do Commercio e o Diário da Noite, jornal
vespertino que começara a circular em 13 de maio de 1946, quando Plínio
ainda estava se formando na Força Aérea Brasileira (FAB). O Dr. Pessoa de
Queiroz era o dono exclusivo dessas duas últimas fontes e não eram pou-
cos os que trabalhavam no JC e também no vespertino Diário da Noite,
ganhando uma mera gratificação. Nessa condição privilegiada, Dr. Pessoa
exercitava com toda desenvoltura sua filosofia, segundo a qual trabalhar
em suas empresas era uma honra e o prestígio da organização abriria
outras portas, mas não o cofre do jornal. Apesar disso, Pessoa de Queiroz
tinha uma boa e inabalável imagem e chegou a se eleger senador por Per-
nambuco, por ser um empreendedor local, amar sinceramente o Estado, e
investir aqui de forma grandiosa.
O jornalista Fernando Menezes, hoje um veterano repórter que
viveu aquela época, conta que a frágil concorrência estimulava esse equí-
voco do Dr. Pessoa. “Com isso, a boa escola da Rua do Imperador acabava
formando duas classes distintas. De um lado, excelentes profissionais. Do
6. 78
outro, um bando de picaretas, quase sempre os menos talentosos”, relem-
bra o jornalista. Essa era uma idéia tão corrente na época que o político
Paulo Guerra, governador do Estado entre 1964 e 1967 costumava dizer
que esse negócio de jornalismo não levava ninguém para a frente. Guerra,
segundo seu Perfil Parlamentar, escrito pela jornalista Christianne Alcânta-
ra e publicado pela Assembléia Legislativa do Estado, além de advogado e
criador de gado, também trabalhou como jornalista.
A despeito dos baixos salários, os dois jornais da Rua do Imperador
eram uma escola de craques. Naquele tempo, os repórteres usavam pale-
tós, os relógios eram de corda e máquinas de escrever eram um privilégio
para poucos. A redação era como se fosse uma segunda casa. Levavam-se
escovas de dentes, pasta e sabonete.
O jornalista Antônio Neto era conhecido como prefeito porque ad-
ministrava a redação com mão de ferro. Colocava os paletós nos cabides,
dava corda nos relógios e repreendia quando havia muito papel no chão,
além de reprimir as brincadeiras da turma mais jovem. A crítica ácida e
impiedosa era feita no ato e na presença de todos. Coimbra, um dos chefes
de reportagem, era especialmente implacável. Fernando Menezes lembra
até hoje o carão que levou por ter escrito um texto onde se lia “fulano de
tal, solteiro, 15 anos...” Sem olhar para o inexperiente repórter, Coimbra
determinou, de cara fechada, que fosse chamar o fotógrafo, para então
dar-lhe uma ordem, ríspida:
- Vá com este imbecil na Vila Ipiranga, para fotografar um solteirão
empedernido que, aos 15 anos, ainda não se casou!
- E o senhor nunca viu uma pessoa casada aos 15 anos, ainda tentou
se defender o pobre foca.
- Este é outro fenômeno que fotografaremos amanhã, respondeu, de
forma definitiva, o chefão.
As notícias policiais eram escritas pelo farejador Pinheiro, que sem-
pre sentava ao lado do prefeito, sem o cargo de vice. Pinheiro andava sem-
pre de branco e escrevia com canetas, sem muito ritmo. Suas laudas mais
pareciam poesia concreta. Leocádio de Moraes era o responsável pela tra-
dução dos telegramas. A página religiosa era escrita por Solón de Moura,
que andava sempre de preto.
Cronista social, na acepção de hoje em dia, não existia. Altamiro
Cunha se intitulava repórter social e de fato mesmo era um dos últimos
boêmios. Um episódio com o governador Cid Sampaio, no início de 1958,
consagrou-o para o resto da vida. Um homem refinado, Altamiro comple-
tava seus rendimentos com um emprego público numa repartição esta-
dual, mas pouco aparecia lá. Quando Cid assumiu, a onda de moralização
típica do udenismo atingiu Altamiro em cheio. Sem comparecer ao empre-
go público, recebeu uma intimação para começar a assinar o ponto, dia-
riamente, às sete da manhã! Na vida de um boêmio, aquilo era um ultraje,
7. 79
O colega Alexandrino Rocha fez as primeiras reportagens para a revista Manche-
além de um contratempo. Altamiro ignorou a intimação, mas não perdeu
a oportunidade de ridicularizar o governador por meio da coluna política,
escrita na época pelo jornalista Edson Regis. “Não sou cuscuzeiro. Às sete
da manhã vive uma população que não conheço. A esta hora ainda estou
sonhando com as mulheres de Paris. O que sou mesmo é um parisiense
perdido nas noites do Recife”, respondeu, com uma galhofa que lhe valeu
a demissão, mas a conquista de um emprego na Assembléia Legislativa,
naquela época nas mãos da oposição. Altamiro Cunha deixou o JC em
1966, quando a crise da publicação se agravou, em solidariedade ao dire-
tor de redação Esmaragdo Marroquim.
Antes de sair do jornal de Dr. Pessoa, Esmaragdo ia colocando jo-
vens aos poucos, em um processo de renovação. Plínio entrou no jorna-
lismo escrito local, justamente a convite de Esmaragdo Marroquim, sem
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maiores dificuldades. Em seu favor, contava o fato de ser uma pessoa culta,
depois dos anos e anos de leitura em Fernando de Noronha e mesmo an-
tes. Depois, porque antes dos militares não havia qualquer exigência para
o desempenho da profissão. O diploma de jornalismo só começaria a ser
exigido por um decreto-lei de 1969. “Eu tinha que fazer alguma coisa na
vida, como todo mundo faz. Então, eu fazia jornal e trabalhava na Aeronáu-
tica naquela época”, explicaria o próprio Plínio mais tarde.
Plínio entrou no Diário da Noite como diagramador, função que,
na época, chamava-se de paginador (profissionais que faziam o desenho
das páginas). O Diário da Noite era vespertino, uma folha ágil, colorida e
muito sensacionalista, ou o moleque da empresa, como classifica o vete-
rano Fernando Menezes. Indicado por Esmaragdo Marroquim, a função de
Plínio era ir até o espelho da oficina checar para nada sair errado. Conta-se
que, nessa função, certa feita Plínio quase ia se dando mal. Ao verificar as
páginas que iam para as oficinas, na coluna social, ele viu as fotos de cinco
mulheres que achava melhor vetar a aparição. Plínio procurou Marroquim
e disse que não era possível publicar pois as mulheres eram muito feias.
“Você vai publicar sim, porque a mulher aí do meio é a minha”, orientou o
chefe.
Além de paginador, Plínio extra-oficialmente passava a vista nas
matérias de alguns colegas de redação. “Eu mesmo pedia para ele revisar.
Não queria que escapasse nada”, revela o amigo Zé do Pato. O suboficial da
Aeronáutica e jornalista também mantinha uma coluna de foguetes, não
assinada, como eram chamadas as notas curtas, sobre variedades. “Era boa
e saía diariamente. Ele tinha as fontes dele pelo telefone”, conta Zé do Pato.
Com sua figura magra, Plínio chegava já tarde na redação e era
sempre muito reservado. “Era mesmo um tipo esquisito. Além de pouca
conversa, era muito competente. Sempre perfeccionista, queria tudo certi-
nho”, lembra Patrocínio. Depois do trabalho, madrugada adentro, não eram
raros os jornalistas que iam dançar e aproveitar a vida boêmia. Plínio, inva-
riavelmente, não ia, segundo conta o amigo Zé do Pato, que gastava sola
de sapato tanto na noite como de dia, atrás de notícia. “O negócio dele, na
redação, era cuidar do jornal, vivia a intelectualidade”, explica Zé do Pato,
sobre o amigo que era um apaixonado pelos romances de Aldous Huxley.
O próprio Plínio relataria mais tarde essa curiosidade permanente e
a eterna busca pelo aprendizado. “Abro livros, vejo coisas, falo com as pes-
soas, com a mesma curiosidade e interesse de uma criança que começa a
descobrir o mundo. Não meço a minha vida por horas, dias, meses e anos,
mas sim pelo que aprendo, pelo que vejo e pelo que vivo, e nisso tudo até
mesmo os desencantos, os desgostos, as dores, têm sua razão de ser”, reve-
lava.
Plínio chegou ao requinte de usar toda a sua erudição para tentar ca-
tivar uma atriz, escrevendo-lhe uma carta de 34 páginas, datilografadas em
9. 81
espaço 1! No meio, jogou uma reclamação em forma de poesia.
“Quanto mal me fizeste em me reviver para o amor. Quanto bem
me fizeste enquanto estive vivo em ti. Quanto mal me fizeste em apagar
em ti teu amor por mim. Quanto bem me fizeste ao matares para sempre
o teu e todos os amores dentro de mim”, declamava o intelectual, leitor de
Orwell e Kafka.
Mais tarde, com a proximidade da feira de Caruaru, Plínio adiciona-
ria às suas leituras a saborosa literatura de cordel. “Quando falta assunto
com os moradores locais, leio alguns folhetos de feira, que estou com-
prando e colecionando”, revelou, em 1967, já morando em Fazenda Nova.
Muitos desses cordéis estão até hoje guardados, entre livros de literatura,
política, religião, construção civil e vários outros temas, num dos cômodos
do antigo grupo escolar de Nova Jerusalém.
Hoje se sabe que ele era um consumidor compulsivo de infor-
mação. Interessava-se pelos discos mais tocados nas paradas e os mais
vendidos. Embora não fosse fanático por futebol, queria saber quais
eram os jogos da rodada e estar a par dos resultados. Interessava-se pelo
montante da dívida externa, pela cotação do dólar, por quem seria mi-
nistro ou quantos senadores ou deputados a Arena e o MDB fizeram. Até
curiosidades sobre as casas de show Hipopótamos, Lamss e Regine’s ou a
nova moda da calça comprida e bainha dobrada. “A gente tem que estar
informado de tudo isso, pois tudo isto é importante”, dizia, ele mesmo,
apresentando a relação de assuntos citados.
O costume da leitura invariavelmente deveria ocorrer antes do café
da manhã ou se possível até as 10h. “Quem lê após esse horário é brasilei-
ro burro, reacionário e todos aqueles que não sabem das coisas importan-
tes que estão acontecendo nos mais variados setores da vida nacional e a
gente já tem idade suficiente para conscientizar-se de como é importante
estar atualizado”, dizia. Para saber das coisas, na imprensa nacional, Plínio
lia e ainda era fã das colunas de Carlos Castelo Branco, Zózimo e Tavares
de Miranda, considerado por ele o maior colunista nacional.
Muito em razão de hábitos como esse, o amigo Zé do Pato conta
que Plínio redigia divinamente e deveria escrever romances, misturando
a “gaucheza”com a “pernambuqueza”, mas aos incentivos o colega Plínio
respondia apenas com sorrisos, como se, por hora, preferisse apenas de-
senvolver a sensibilidade incomum para a notícia. Como dizia o crítico
americano Harold Bloom, quanto mais as pessoas amam e compreendem
a literatura, menor é sua tendência à soberba. “Esmaragdo Marroquim
enxergava longe que Plínio era uma verdadeira vocação jornalística do
nosso Estado”, elogia o amigo Zé do Pato. “Vi a maneira sublime de ele
praticar a nobre missão, com método e inteligência, sem os cânones das
universidades, mas com a perfeição diametral do vôo livre dos pássaros”.
Certamente, com muitas fontes na área militar, especialmente na-
10. 82
quela conhecida como Asas da Liberdade, Plínio era bem informado e não
havia como passar batido. Embora não gostasse de expor toda a sua im-
portância profissional, não raro dava uma ajuda valiosa. Um bom exemplo
foi a cobertura do seqüestro do navio português Santa Maria por um gru-
po de combatentes do regime português de Franco Salazar. O navio veio
parar no Porto do Recife. “Plínio me deu o furo de mão beijada”, lembra Zé
do Pato que, nessa época, além de correspondente de O Globo, também
escrevia para a Time Life. “O Globo me deu o reforço de José Leal, mas ele
levou uma surra danada de Plínio. Eu fiquei a bordo do navio e ele me dava
cobertura na redação, com tudo muito bem apurado. Não tinha ambição
de dinheiro, fazia com uma boa vontade danada. Além disso, ainda tinha
a vantagem de não precisar fazer a limpeza dos telegramas”, relembra o
velho escriba.
Plínio teve, de fato, uma grande participação para que Patrocínio se
tornasse um dos astros das grandes reportagens no seu tempo. O próprio
Zé do Pato conta o episódio em que foi chamado para ser testemunha de
um casamento célebre de uma das filhas do dono da Pitú, seu Elmo, com
Antônio Pinheiro, um filho do jornalista Alves Pinheiro, então chefe de re-
dação de O Globo no Rio de Janeiro. Alves Pinheiro cometeu o desatino de
colocar o agnóstico Zé do Pato como testemunha, obrigando-o, além de
comprar roupa e sapato novos, a aprender a andar na igreja. “Passei vários
dias treinando”, conta. Por iniciativa própria, Zé do Pato fez então duas
reportagens de página inteira para o JC, transformando-se em cronista
social. “Essa reportagem passou pelas mãos de Plínio. Ele retocou aqui e ali
e publicou com grande destaque. Ganhei um prestígio enorme no Globo”,
rememora o jornalista, que guarda ainda hoje um telegrama de agradeci-
mento do próprio Roberto Marinho, por conta do factóide.
Mesmo na cozinha do jornal, com pouco tempo Plínio já gozava
de tão bom conceito que dava cursos para os iniciantes. Naqueles idos
de 1950, quando o Serviço Social do Comércio (Sesc) decidiu montar um
pioneiro curso de jornalismo, pelas mãos do diretor Ruy do Rêgo Barros e
do historiador Flávio Guerra, Plínio foi uma das primeiras pessoas chama-
das. Mas recusou, alegando que, fora o jornal, a parte militar lhe tomava
um bocado de tempo. Indicou então o amigo Zé do Pato e acompanhou a
distância, tendo feito palestras para os alunos, ao lado do colunista político
Édson Regis e Paulo Guerra, que era jornalista e mais tarde assumiria o go-
verno do Estado, após o Golpe de 64.
Em agosto de 1958, Plínio alugou uma casa na Rua do Progresso e
fixou residência. Antes de fugir com Diva, em 1957, ele dividia um aparta-
mento com seis rapazes. “Naquela época, Plínio tinha quatro empregos.
Trabalhava na aeronáutica, no JC, na Revista do Nordeste e no Diário da
Noite”.
Em julho de 1959, foi morar em Afogados e estava completamente
12. 84
esgotado da rotina estafante de jornal. Para reduzir a carga de trabalho,
pediu demissão do Diário da Noite e da Revista do Nordeste, concentrando
suas forças, a partir de setembro de 1959, apenas no suplemento cultural
do Jornal do Commercio, lançado com o amigo Victor Moreira e o pintor
Zé Cláudio, que então trabalhava como retocador de fotografias.
Diva reclamava que todos os domingos Plínio se enfurnava às 8h da
manhã e só saía por volta das 11h da noite, numa roda viva sem fim. “Nem
o jornal nem a Aeronáutica, nessa altura da minha vida, me preenchiam
mais. Eu não queria mais jornalismo porque às 9h da manhã o jornal está
morto, não diz mais nada. Eu era especialista em comunicações, mas que-
ria outra coisa. A Paixão então veio ao encontro do que eu queria e o que
eu esperava encontrar”, explicou, anos mais tarde, em um depoimento à TV
Globo.
A rede de relacionamentos que Plínio formou, a partir dos jornais, foi
outra grande conquista daquele período. Já morando em Fazenda Nova,
em 1966, ele promoveu o I Congresso de Jornalistas do Interior, com a
colaboração de uma rodoviária que levou o pessoal até lá. Um banco man-
dou imprimir flâmulas para colocar no paletó dos convidados, uma livraria
imprimiu os diplomas e a Coca-Cola mandou refrigerantes, enquanto Diva
preparou o almoço, servido no Botijinha. “O conjunto deu ótimo resultado
junto ao público. Na sexta-feira santa, cerca de 200 automóveis do Recife
vieram bater aqui”, comemorava Plínio, que abria seu parque de emoções à
visitação antes mesmo de concluí-lo.
Essa rede foi de grande valia naquele momento e para o resto da
vida. Uma dessas pessoas de Fazenda Nova que veio ao encontro de Plínio,
pelas mãos do destino, foi o jovem figurinista e ator Victor Moreira. Os dois
se conheceram por acaso em 1954 e tornaram-se amigos para o resto da
vida. Plínio estava acabando de chegar de Fernando de Noronha e foi man-
dar fazer roupas na alfaiataria Duas Américas, no centro do Recife, quando
conheceu Victor. A loja, por outra coincidência do destino, pertencia ao
sogro do comerciante Germano Haiut, que também veio a atuar na Paixão
de Cristo. Victor estava fazendo a roupa de formatura em Odontologia,
especialização que acabou abandonando para se dedicar à moda, sua ver-
dadeira paixão. “Eu percebi o valor de Plínio logo no primeiro contato. Ele
era uma pessoa muito envolvente. Nós conversamos muito e ficamos ami-
gos”, relembra Moreira, que já desenhava moda para o Teatro de Amadores
de Pernambuco (TAP).
Como um jornal sempre precisava de ilustradores, não tardou para
que Plínio convidasse o amigo para trabalhar no Jornal do Commercio, no
suplemento dominical. Com o entrosamento, levou Moreira para trabalhar
com ele também na Revista do Nordeste.
A amizade abriu uma porta para que Plínio travasse contato com ou-
tros jovens atores. Um desses amigos de Victor era Clênio Wanderley, den-
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tista como ele e que trabalhava em um consultório montado nos fundos
da Igreja da Penha, no bairro de São José. Clênio atuava no mesmo grupo
teatral, a exemplo de outro amigo de Victor chamado Luiz Mendonça, fi-
lho de Epaminondas Mendonça, um coletor de impostos que, na Semana
Santa, assumia o papel de Jesus no Drama do Calvário, em Fazenda Nova.
O figurinista conheceu Luiz Mendonça um ano antes de fazer amizade
com Plínio, quando foi assistir ao espetáculo em Brejo da Madre de Deus.
Os dois também trabalhavam na mesma sessão na Secretaria da Fazenda
e após o expediente se dedicavam em horário integral ao teatro.
O jornalista Alexandrino Rocha, que deu os seus primeiros passos
na carreira jornalística justamente na redação do Jornal do Commercio
e fez depois as primeiras matérias sobre o espetáculo de rua, para o JC, a
Revista Manchete e também o jornal Correio do Povo, para os quais es-
crevia à época, conta que foi ainda nas pranchetas de trabalho do JC que
Plínio Pacheco começou a colocar no papel o sonho de construir o maior
teatro ao ar livre do mundo. “A gente passava por ele, numa mesa que
ficava próxima ao banheiro, e lá estavam os primeiros traços daquilo que,
mais tarde, seriam as muralhas de pedra de Nova Jerusalém”, afirmou, em
depoimento ao próprio JC, em 24 de março de 1991.
O tempo que Plínio passou nas redações também foi importante
porque ele ganhou um raro senso de oportunidade, que mais tarde lhe
seria bastante útil para usar a mídia a seu favor. Muitas vezes não dava
certo porque os fatos não dependiam apenas dele. O produtor cultural
sabia que isso poderia fazer grande diferença, como revela em uma carta
de 1966, relatando a inauguração do grupo escolar bancado pelo gover-
nador Paulo Guerra. “Inauguramos a escola sem poder tirar o rendimento
publicitário que eu planejara. O governador mandou dizer, numa sexta-
-feira, que na segunda-feira viria inaugurar. Quando recebi o recado, qua-
se fiquei biruta. Não havia como preparar tudo em menos de 72 horas,
embora tenha dado tudo certo”, contou.
No tempo das redações, por exemplo, Plínio travou amizade com o
jornalista Paulo Fernando Craveiro. Ficaram tão amigos que a mulher do
jornalista, Léa, em 1972 comemorou seu aniversário na casa de praia que
Diva alugou para passar umas férias em Rio Doce. Um episódio pitoresco
entre o jornalista e o pessoal de Fazenda Nova quase acaba a amizade,
numa visita que Craveiro fez, em 1956, ao espetáculo de rua. Fazendo
parte de um grupo de visitantes, como Plínio, Craveiro passou várias horas
preso em um banheiro, que alguém havia trancado a porta por maldade.
“Craveiro passou 11 anos sem visitar Fazenda Nova, com raiva. Hoje, Nova
Jerusalém tem mais banheiros do que quartos em homenagem a Paulo
Fernando Craveiro”, diverte-se Diva Pacheco, conforme relata em seu livro
de memórias, no qual o jornalista escreveu o prefácio, sem demonstrar
nenhum rancor.
14. 86
Se não estivesse numa redação de jornal, talvez nunca o ator e dire-
tor Luis Mendonça, irmão de Diva e intérprete do primeiro Cristo quando
o espetáculo era nas ruas, tivesse lhe convidado para conhecer o drama,
numa das vezes em que foi à redação pedir a publicação de notas sobre o
evento, na metade da década de 50.
Vários contatos dessa época seriam muito importantes mais tarde,
quando o gaúcho de Santa Maria tomou a decisão de suspender tempora-
riamente o espetáculo e dar início a uma verdadeira via-crúcis, com muitas
viagens aos gabinetes ministeriais em Brasília, em busca de recursos para
as obras de Nova Jerusalém. Uma dessas pessoas foi o próprio dono do
jornal em que trabalhou e que em 1962 foi eleito senador por 14 partidos,
praticamente a unanimidade das forças políticas do Estado naquela época.
Era chegada a hora de colocar um dos homens mais importantes de Per-
nambuco para trabalhar a seu favor.
A decisão de abandonar o Jornal do Commercio, em outubro de
1962, mostrou-se uma das mais acertadas da sua vida. A partir de 1966, o
sistema JC começou a naufragar em uma grande e longa crise.
De 1966 a 1974, o JC foi gerido pelo filho do senador, Paulo Pessoa
de Queiroz, antes de sofrer intervenção extra-judicial. A derrocada do
grupo começou com a queda do governo Costa e Silva, quando uma junta
militar assumiu o poder central. Costa e Silva foi quem dera aval para a TV
da Bahia, que Paulo Pessoa de Queiroz iria montar em sociedade com o
banqueiro Clemente Mariano. A queda do padrinho político acentuou a
crise financeira.
A publicação só viria a se recuperar em 1987, com a sua compra e a
profissionalização promovida pelo empresário João Carlos Paes Mendonça.
No início daquele ano, o JC viveu uma greve histórica, que parou as ofici-
nas por mais de três meses, antes da venda para o empresário, então dono
da rede de supermercados Bompreço.
No começo de 1962, a rigor Plínio sabia há muito tempo que o jorna-
lismo era só um meio de sobrevivência. Era como se fossem duas pessoas
em um corpo só. No caso, o jornalista sustentava o produtor cultural, que
estava sempre lá, de tocaia. Então, chegou a hora em que o jornalista se
aposentou e o produtor cultural teve que sustentar a casa.
Correndo do patrulhamento
Os amigos de redação que conviveram com Plínio contam que ele
era um tipo esquisito, de pouca conversa e que nunca ia fardado para o
trabalho, apesar de ser suboficial da Aeronáutica. Fazia isso apesar do orça-
mento magro. Era quase certo que ele ainda não tinha dinheiro para gastar
15. 87
com roupas, embora mais tarde tivesse entre os seus luxos uma coleção
de chapéus, das marcas Lucky Hals, Prada e Ramenzoni. A mais provável
razão para evitar a farda, entretanto, era o receio de tornar-se vítima do
patrulhamento ideológico que reinava naquele momento político, entre
esquerda e direita. Não raro os militares em geral eram identificados com
as forças conservadoras.
Mesmo antes do Golpe de 64, as redações já reproduziam o clima
de beligerância entre esquerda e direita. O veterano jornalista José do
Patrocínio, numa coluna assinada em 12 de fevereiro de 1982, revela esse
clima pré-64. No artigo intitulado “As Tais Patrulhinhas Ideológicas”, Zé do
Pato cita as perseguições que um jovem repórter sofria de um chefe seu,
alinhado à esquerda. Segundo o relato de José do Patrocínio, depois de
participar de um curso de jornalismo no Sesc e ter sido indicado por ele
para o Diário da Noite, o rapaz começou a ser sabotado, por ser ligado a
Zé do Pato, identificado como conservador.
“Um desses alunos do cursinho do Sesc se destacou pela inteli-
gência, sagacidade, bom faro para reportagem, boa redação, enfim, uma
vocação incomum para o jornalismo. E ele veio bater com os costados
aqui na redação do Diário da Noite, onde pontificava um subsecretário
(não vou citar nomes) de tendência esquerdista, querendo subir e fazer-se
por si mesmo, fiel a seus companheiros de maior hierarquia no partido.
Certo dia, este meu aluno puxa-me pela gola e diz que vai desistir, pois
o chefe diz que tudo que faz não presta... mas está redondamente enga-
nado e vou dizer porque ele tenta convencer você disto. Ele é da ala da
esquerda, sabe de onde você saiu, nossas conseqüentes ligações afetivas
e por isso quer destruí-lo e com isso quer me atingir”, confidenciou, para
depois dar um conselho ao amigo. “Faça o seguinte: intrigue-se comigo
ou faça-se de indiferente. Torça-me o pescoço. Quando escutar a esquer-
dalhada esculhambar-me, pode ajudar ou, se quiser, fique calado. Não me
defenda de jeito nenhum”. Deu certo, segundo Zé do Pato. “Esse ex-aluno
chegou a secretário do jornal onde o esquerdinho lhe havia dito que ele
não dava para nada. Chegou a líder sindical, fez estágio nos Estados Uni-
dos, foi diretor-editor de revistas, empresário próspero a caminho de me-
lhores águas e voltou a ser meu amigo. Hoje, orgulha-se de ter saído do
cursinho de jornalismo do Sesc, mesmo depois de colocar num dos dedos
um anelão de bacharel em direito”, escreveu José do Patrocínio, em 1982.
Entrevistado para a produção do perfil de Plínio, Zé do Pato revelou que
o rapaz perseguido era o jornalista Olbiano Silveira, hoje dono da gráfica
Comunigraf, enquanto o “esquerdinho” era o jornalista Manoel Barbosa,
falecido em 1999.
Quando estourou o golpe, Plínio não estava mais atuando nos
jornais, mas a empresa Jornal do Commercio apoiou abertamente a dita-
dura, sem o menor constrangimento e sem ao menos mencionar que o
16. 88
senador F. Pessoa de Queiroz era de um partido de oposição, em 1962. Tal-
vez não fosse preciso, pois Dr. Pessoa era tido e havido por todos como um
conservador empedernido.
Certamente Plínio nunca seria preso, como Milton Coelho da Graça
– o chefe da Última Hora no Recife, conhecido pelo costume de entrar na
redação dando vivas ao comunismo – mas quem conviveu com o jornalista
gaúcho diz que Plínio chegou a ter alguma tendência de esquerda. “Plínio
era um daqueles militares que a gente chamava de melancia. Verde por
fora e vermelho por dentro. Ele falava com as pessoas mais próximas sobre
idéias marxistas, mas não se podia falar abertamente, ainda mais sendo
militar. Era sim um pouco pendido para a esquerda, mas era comedido”,
contou Zé do Pato. Os receios de Plínio não eram infundados. Em 1964, o
jornal Última Hora, por exemplo, foi fechado pelos militares, com apenas
dois anos de vida. Milton Coelho da Graça foi preso e espancado.
Homem de muita leitura, Plínio demonstrava ter-se aborrecido com
uma das profecias do marxismo, que previa o socialismo como o estágio
mais perfeito de organização da economia e da sociedade. “A pureza do
comunismo, no seu ideal de igualar a todos os homens em todas as suas
formas de vida, foi transformada em um regime de opressão, principal-
mente do pensamento”, escreveu, em 1966. Desde 1956, no famoso XX
Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), o então secre-
tário-geral da entidade, Nikita Kruschev, já havia denunciado os crimes de
Stalin. Isso abalou os comunistas e os partidos comunistas ocidentais. Na-
quele mesmo ano, ocorreu a invasão da Hungria e, em 1968, a invasão da
Tchecoslováquia, bem como eventos importantes, como a construção do
muro de Berlim, a constituição da Cortina de Ferro e do Pacto de Varsóvia.
“Todos esses acontecimentos estiveram relacionados com o crescente revi-
sionismo de muitos comunistas e partidos comunistas ocidentais”, explica
o historiador Túlio Velho Barreiro, da Fundação Joaquim Nabuco. “É bom
lembrar ainda que os partidários de Leon Trotsky – que se contrapunha à
III Internacional Socialista, criada e conduzida por Stalin e seus sucessores
– desde a morte de Lênin já combatiam a burocratização do PCUS e da III
Internacional Socialista e a tirania do Estado soviético”, acrescenta.
Se algum dia foi socialista, Plínio esqueceria dentro de mais alguns
anos. Em 1979, com base nas cartas que deixou, pode-se dizer que ele fez
uma clara opção pela economia de mercado, declarando-se capitalista e
contra o comunismo. A definição consta de uma correspondência em que
Plínio fala sobre a política internacional com o amigo Victor Moreira, mo-
rando nessa época em São Paulo. Nessa carta, aliás, Plínio antecipa aspec-
tos da geopolítica mundial com precisão. “No fim, o importante é o Oriente
Médio – o americano entrando lá, como fazia e muito bem na América La-
tina, tomando tudo, ficando dono, ficando com o petróleo e depois entran-
do em Israel também, tomando tudo, ficando dono, ficando com o ouro
17. 89
dos judeus e com o óleo dos árabes. Assim, é a única maneira de não ficar
com o comunismo e ficar com o capitalismo, que é católico”, escreveu.
Com sua capacidade de antecipação dos fatos, analisando informa-
ções e estratégia militar, Plínio vislumbrou um conflito que se materializou
no início do Século XXI e vem se eternizando desde então. Naquele ano, o
Irã já havia se transformado em um barril de pólvora. O Ayatolá Khomeini
havia assumido o poder e iniciado a república islâmica. Uma de suas pri-
meiras iniciativas foi ordenar a execução de todos os auxiliares do Xá Reza
Pahlevi. Em 1980, começou a guerra com o Iraque, que só viria a ter fim em
1988. Em 1990, explodiu a Guerra do Golfo, entre o Iraque e o Kuwait, justa-
mente por causa do petróleo. Os Estados Unidos, altamente dependentes
do petróleo, assumiram a guerra ao lado do Kuwait.
A coleção de cartas trocadas com o amigo é a prova mais consistente
de que, após a pausa oficial do jornalismo, Plínio manteve-se disciplinado,
escrevendo sempre, para manter o braço aquecido. Na verdade, era um
missivista compulsivo, naqueles tempos em que o e-mail ainda não tinha
sido inventado. Gabriel Garcia Marques já escreveu, explicando a questão
de forma definitiva, que o vício de escrever é abrasivo e insaciável.
Na política internacional, conforme a leitura de suas cartas, Plínio
interessava-se pelo mundo, sempre denotando uma posição conservado-
ra. No caso da França de sua época, ele demonstrava preocupação com o
destino do país, depois que Charles de Gaulle morresse. “Como eles vão
se arranjar? Aquilo vai é acabar nas mãos do Mitterrand”, escreve Plínio,
demonstrando sua predileção pelo líder conservador francês, em contrapo-
sição ao socialista François Mitterrand.
Além do JC,
Plínio trabalhou
em outras publi-
cações. Naquela
época era comum
a dupla jornada. No
Diário de Notícias
o amigo José do
Patrocínio assinou
sua carteira fun-
18. 90
Quando fala sobre os destinos da Itália, a orientação política de Plínio
parece ainda mais clara. “Na Itália, a melhor saída acho que era botar o papa
no lugar do Aldo Moro e o Aldo Moro no lugar do papa, mas acho que não
dá, pois parece que mataram o Aldo Moro”, brinca, referindo-se ao primeiro
ministro da Itália, morto em maio de 1978 pelas Brigadas Vermelhas, grupo
radical de esquerda, depois que o líder da Democracia Cristã fez uma coali-
zão com os comunistas para governar. Moro passou 55 dias refém, antes de
ser executado, sob o pontificado de Paulo VI.
Nesta mesma carta, escrita em 1979, o produtor cultural demonstrava
ainda interesse em mais dois países comunistas, China e Rússia, sempre des-
tacando problemas de desmandos das lideranças comunistas. “Já fuzilaram
ou enforcaram ou estrangularam a gang de Pequim? E o (Leonid) Brejnev,
faz quanto tempo que morreu? Já enterraram? Já botaram na cadeia o
substituto dele?”, reclama, em tom de questionamento e numa premoni-
ção alarmante. O líder soviético só viria a morrer em 1982, substituído pelo
presidente da KGB, Yuri Andropov. Somente em 1985 Michail Gorbachev
seria guindado ao posto de secretário-geral do Partido Comunista da União
Soviética, instituindo uma política de abertura política (Glasnost) e reestrutu-
ração econômica (Perestroika), para renovar o socialismo. Não durou muito
tempo, 1989 ficou conhecido como um ano de profundas transformações
na política mundial, sendo a principal delas justamente o fim dos regimes
da Cortina de Ferro. Três décadas depois de erguido, caiu o muro de Berlim,
a maior herança da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética,
que se extinguiu naquele ano. Em 1991, acaba-se oficialmente a União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas, que se tornam independentes. Além disso,
naquele ano Gorbachev renuncia à presidencia e recebe o Prêmio Nobel da
Paz.
Curiosamente, quando fala de Cuba, a sempre polêmica ilha do Cari-
be, Plínio comete um erro histórico, não se sabe se de forma intencional para
fugir da censura vigente na época. “Quem fez certo foi Cuba, que fuzilou
Fidel e botou o Guevara no Governo”, comenta. Na única referência negativa
aos americanos, Plínio se pergunta se (Richard) Nixon (reeleito presidente
dos Estados Unidos em 1972) iria entregar as fitas do caso Watergate.
Contraditoriamente, o mesmo Plínio que criticava comunistas tinha
palavras duras para os conservadores que governavam o Brasil ao longo
dos séculos. As críticas à indústria da seca são um exemplo, de acordo com
um longo relato extraído de uma carta escrita ao amigo Victor Moreira
em 1979. “O que tem hoje, partindo do sul de Minas, vindo da Bahia até o
Ceará, de promessa de Bom Jesus da Lapa, Senhor do Bonfim, São Severi-
no dos Ramos, São Francisco do Canindé, Padre Cícero, Frei Damião, além
de macumba, xangô, vela acessa, para vir logo e bem demorada e bem
grande uma grande seca ou uma grande enchente, e bom mesmo seria
as duas juntas, é de você dizer que é mentira minha”, espanta-se Plínio. “E
19. 91
não é apenas promessa e mais coisa só de governadores e prefeitos e co-
merciantes e fazendeiros que estão devendo tudo aos bancos, não. É todo
mundo, o povinho, o povo médio, o povo alto. Porque, no fim, no particu-
lar, todos perdem pouco e, no geral, todos ganham mais do que perdem”,
critica.
Até hoje, o flagelo da seca açoita e continua castigando o Sertão.
Pelos dados da extinta Sudene, a primeira estiagem teria sido registrada
em 1564, tendo ocorrido períodos de secas mais severas em 1915, 1952 e
1958.
Embora não tenha feito publicamente, Plínio também deixou regis-
trada sua crítica contra o mau uso da terra e os seus efeitos ambientais,
como erosão e desmatamento, apontando-os como principais causas do
fenômeno da estiagem no Nordeste. Os poetas costumam dizer que o
clima no Agreste é tão impiedoso que as sombras são leves, como se as
almas do outro mundo tivessem medo do próprio Sol. Para Plínio, a culpa
pelos agressivos e danosos costumes de produção locais de Fazenda Nova
era de gerações, vinda do avô dos avós deles.
Com sua grande erudição, em 1979 Plínio se compara, nessa ques-
tão do uso da terra, à figura de Mr. Propter, personagem principal do livro
Também o Cisne Morre, de Aldous Huxley. Na obra, como explicado, um
professor universitário vai morar num pedaço de terra herdado do pai. Prop-
ter constrói uma casa para morar e várias casinhas para alojar famílias que
subiam para a Califórnia no período da colheita da laranja. Em geral, essas
pessoas eram ex-agricultores que tinham perdido suas terras. Exaustas, es-
sas terras requeriam adubos químicos que eram fornecidos pelos bancos
e acabavam não sendo pagos devido às más colheitas. Como resultado, os
bancos tomavam as terras e os agricultores passavam à condição de traba-
lhadores alugados.
De uma maneira geral, para o produtor cultural, esse tipo de gente
era igual ao pessoal de Fazenda Nova, em termos de responsabilidade com
a terra. “Eles só fazem tirar tudo da terra, nada lhe retornando. Metem a
foice para cima, derrubam árvore e vegetação, tocam fogo, com as infames
queimadas. Então plantam e tudo muito bom no primeiro ano, mas o fogo
queimou as raízes que sustentavam a pequena camada de húmus e tam-
bém matou os bichinhos que faziam buracos, canais e labirintos na terra, por
onde entra o ar e se infiltra a água. Quando chegam as trovoadas, lá se vai
tudo na erosão e a terra vira um carrasco. Com isso, também a climatologia
foi modificada. A culpa já vem do avô do avô deles e todos são culpados,
mas como todo mundo se julga bom, ninguém aceita que a esterilidade da
terra é culpa própria e de todos os seus antepassados. Então o culpado é
Deus, que manda chuva demais ou de menos. E se Deus está fazendo isso
não é porque Deus é mau, pois Deus é bom. Está fazendo isso para que o
homem pague pelos pecados que cometeu ou está cometendo”, analisa,
20. 92
desmontando o discurso religioso ainda vigente em várias comunidades po-
bres do Nordeste.
Já fora das redações, os dramas de sua aldeia (a capital, Recife), tam-
bém eram objeto de suas preocupações e, não raro, um prato cheio para a
crítica aos costumes locais, mesmo na distante Fazenda Nova.
Em junho de 1966, por exemplo, uma forte cheia invadiu o Recife e
Plínio acompanhou tudo pelas imagens da TV. A força das águas acabou em
catástrofe, mas não para o espanto do produtor cultural. “Naquela zona, só se
permite a entrada com barcos a motor. Em todo canto, há vítimas. O Dr. Fábio
Corrêa ficou encurralado, com água no primeiro andar de sua casa. Sílvio Pes-
soa, deputado, rapaz pobre (hoje procurador-geral do Estado), perdeu tudo,
com três metros de água dando no teto da casa dele”, conta ao amigo Victor
Moreira. Plínio relata que as águas chegaram à Estrada dos Remédios e aca-
baram com a Rozenblit (fábrica de discos) e também invadiram o Clube In-
ternacional. “Era boiada e fardos de algodão, móveis, televisão, tambores de
gás, tudo de roldão na correnteza. A água não vinha enchendo pelos rios, ela
estourava pelas bocas dos esgotos, da Boa Vista à Varzea, incluindo o Derby,
Madalena... Era um mar só, com dois terços da cidade dentro d’água”, conta.
Apesar do cenário de desgraça, Plínio caçoou. “Agora imagine, no
meio, por cima d’água, querendo se salvar com as pessoas, aqueles milhões
de ratos que devia ter uma cidade suja e imunda como o Recife. E as cobras?
Ainda tem gente abrindo gaveta e encontrando cobra. As mulheres eram a
imagem do pavor, mastigando um rosário com cada conta do tamanho de
um coco de babaçu”.
Não se tratava de sadismo. Plínio achava que os transtornos poderiam
servir para alguma coisa. “A cheia veio despertar a consciência de que en-
chente não é privilégio de pobre, pois enchente no Recife não atinge apenas
quem construiu à beira-rio, mas também à beira-mar”, numa referência à elite
de Boa Viagem. O alvo de suas críticas era a especulação imobiliária, já forte
no Recife desde então. “As cheias são um problema de imprevidência geral.
Estão aterrando tudo, não canalizando”, reclamava, em dúvida se os proble-
mas despertariam mesmo as consciências. “A verdade é que daqui a um mês
está tudo na mesma. Todo mundo esqueceu. E tome aterro de novo, para ter
mais terreno, para poder vender e ganhar mais dinheiro e comprar um novo
automóvel e tome mulher boa e uísque”. Nessa questão, Plínio era impiedoso
com o comportamento imprevidente. “Eles pensam assim: e a próxima cheia?
Ora, essa vai ser lá no Beberibe, de 30 em 30 anos. Daqui para lá eu já morri e
quem estiver vivo que se fuzile”, ironiza.
Em plena censura militar, Plínio não perdoa nem mesmo a mobilização
para socorrer os mais necessitados, em que ele vê hipocrisia social. “Depois
da tragédia das águas, queriam tomar providências. Agora estão todos com
Dom Hélder, para cá e para lá. Hoje mesmo tem gente indo para São Paulo,
atrás de Roberto Carlos. Eles souberam que ele é muito bonzinho. Até então,
21. 93
Em 1956, Plínio ainda
atuava na imprensa local,
no mesmo ano em que
se apaixonaria
pelas serras
de Fazenda Nova
22. 94
era um cafajeste, afrangalhado, cabeludo, dessa geração maluca e barulhen-
ta, como dizem. Agora, eles querem que ele ajude os pobres, arrume roupa,
faça um festival de beneficência. Foram pedir para ele cantar aqui (em Nova
Jerusalém) por amor ao próximo. No andamento das coisas, não vou me
admirar se pedirem às putas para dar a renda de uma noite em benefício das
vítimas. Tudo porque a lama chegou também à casa deles”, critica. O cantor
Roberto Carlos, afrangalhado ou não, não chegou a se apresentar em qual-
quer show em Fazenda Nova. No ano de 1972, chegou a assistir ao espetácu-
lo, disfarçado para evitar o assédio dos fãs.
Naquele tempo, Plínio podia ser muito inteligente, muito bem in-
formado, discorrer sobre vários assuntos com desenvoltura, mas só Deus é
onisciente. O destino, conspirando sempre, seja contra ou a favor, também
costuma preparar armadilhas até para os menos incautos.
23. 95
Capítulo VII
No fórum de Pilatos
Não julgueis e não sereis julgados
A PAIXÃO DE PLÍNIO
25. 97
Não julgueis e não sereis julgados
No Carnaval de 1956, Plínio Pacheco, então com 30 anos, sem
saber que o destino conspirava a seu favor, deu-se umas férias do des-
gastante dia-a-dia do jornal e atendeu a um convite para ir descansar
em Brejo da Madre de Deus. Sua intenção era trocar o Recife e sua agita-
ção nos dias de Carnaval – festa da qual nunca gostou – para recarregar
as energias na famosa instância hidromineral de Fazenda Nova, distrito do
Brejo da Madre de Deus, distante 180 quilômetros da capital.
Plínio já ouvira falar das águas consideradas milagrosas. O que ele
não sabia era que aquele pequeno lugarejo interiorano também tirava
folga do puritanismo reinante e se entregava de corpo e alma à folia de
Momo.
Nos demais 362 dias do ano, o lugar era marcado pelo conservado-
rismo religioso mais arraigado. Um episódio admirável, ocorrido em 1865,
serve à perfeição para dar uma idéia dos rígidos limites impostos pela
moral católica local. Os mais antigos moradores contam que os frades ne-
cessitavam de uma linha (tora de madeira) grande o suficiente para servir
de cumeeira para a Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho do Brejo da
Madre de Deus, então em construção. A madeira só poderia vir das matas
de Bitury (próxima do Brejo da Madre de Deus, no limite do município de
Belo Jardim), de onde foi encomendada. O percurso da linha de Bitury até
a cidade somava alguns quilômetros e tinha que ser trazida nos ombros,
devido às dificuldades de transporte da época. Inúmeros moradores e
alguns escravos cumpriam a tarefa, recebendo no trajeto a ajuda de novas
pessoas desejosas também de colaborar com a construção da igreja.
Aconteceu, porém, que ao chegarem nas imediações da cidade,
num lugar chamado até hoje de Pedra Grande, depois de uma pequena
pausa para descanso da árdua tarefa, a linha empacou, sem mais nem
26. 98
menos. Por mais que tentassem erguer a madeira e prosseguir, não conse-
guiam nem levantá-la até a altura dos joelhos. O número de braços havia
sido multiplicado, mas a força desprendida mesmo assim não era suficien-
te para suspendê-la. Todos ficaram boquiabertos e pasmados. Podia ser
exaustão, face à fadiga durante o longo percurso. Mas outras pessoas que
não haviam carregado a linha também nenhum efeito conseguiam, quan-
do alguém teve a idéia de mandar chamar o frei Caetano. O missionário
correu para lá a fim de se inteirar do problema. Depois de ter feito várias
indagações, o religioso verificou que tudo não passava de interferência
satânica!
- Isto é arte do demônio, gritou em voz alta, tratando logo em segui-
da de fazer preces fervorosas, como que tentando exorcizar o mal.
- Aqui tem um amancebado segurando a linha, concluiu, virando-se
para os homens que tentavam conduzir a madeira a qualquer custo.
Logo um pobre homem foi apontado pelos demais como amasia-
do. Segundo a história é contada, a partir de então a condução da linha
ocorreu facilmente, com o seu transporte até a cidade, mesmo depois de o
mesmo padre ter colocado sobre a madeira uma criança bastante robusta.
Verdade ou ficção, com essa fábula, transmitida de geração em geração em
vários sermões, ficara decretado que viver maritalmente com uma mulher
sem ser casado no religioso era um pecado grave.
A igreja foi inaugurada em 1868, o lugarejo virou distrito, depois
cidade, mas os costumes locais não mudaram muito naquele distante ano
de 1956 em que Plínio desembarcou pela primeira vez em Brejo da Ma-
dre de Deus. Mais tarde, outro padre, o frei Sebastião das Virgens, marcou
época, em suas pregações evangélicas, contra as mulheres que usavam
vestidos com a maldita saia-balão. Assim, os excessos do Carnaval não
eram suficientes, por maior que pudesse ser a transgressão, para mudar a
moral vigente, embora os costumes já fossem bem mais liberais, ao ponto
de não faltar até mesmo um bloco de meretrizes, composto por prostitutas
brejenses e amigos destas. As mulheres perdidas, como eram chamadas,
saíam trajadas a rigor, com fantasias provocadoras para a época. Os seus
vestidos eram um pouco acima dos joelhos.
Não exatamente pela altura das saias, o Carnaval de 1956 seria ines-
quecível para o visitante ilustre, então secretário de redação do Correio do
Povo. E descanso foi o que Plínio menos teve naqueles dias.
A festa profana também era esperada com ansiedade pelas meninas
de família. Diva, a filha caçula do coronel Epaminondas, era uma delas. Ela
achava aquela a melhor festa do ano. Naquele ano, em que se fantasiou de
cigana rica, costurando o próprio vestido, ela havia pedido ao irmão Luiz
Mendonça, chamado carinhosamente por ela de Lourinho, que chamas-
se uns rapazes do Recife, pois assim a festa ficaria mais animada. Assim,
houve uma preparação anterior ao encontro dos dois. Diva não brotou do
27. 99
nada na vida de Plínio, como uma estrela a milhões de anos luz que só
agora era descoberta.
Quando o irmão chegou à cidade com o grupo de rapazes, Plínio no
meio deles, em pleno domingo de Carnaval, no dia 13 de fevereiro daque-
le ano, Diva já estava com sua troça na rua. “Fomos apresentados, mas ele
já me conhecia de nome. Na viagem, falaram muito de mim. Eles vinham
apostando quem ia namorar comigo”, conta Diva, em suas memórias.
Como o hotel da família estava lotado, Diva teve que emprestar sua cama
para o hóspede. “Ele era de cerimônia”, lembra. “Fiquei danada, mas era o
único jeito. Depois que serviram o jantar, vesti minha fantasia de cigana e
entrei na sala. Plínio ficou todo animadinho para dançar Carnaval. Eu, que
de besta só tenho a cara, notei logo”, conta.
Realmente não havia mesmo como ignorar a moça, de uma beleza
selvagem sem igual. Com dezesseis para 17 anos, poucos anos a mais do
que uma garrafa de bom uísque, a jovem menina fazia jus ao nome que
recebera no batismo. Os seus olhos azuis hipnotizaram muitos rapazes e
marmanjos. A descrição de Diva feita pelo jornalista e amigo da família
Paulo Fernando Craveiro, no prefácio do livro de memórias dela, de 1971,
não pareceria exagero aos olhos de um homem apaixonado, como Plí-
nio naqueles dias. “Diva tem uma vantagem sobre muita gente. Ela tem
pedaços de céu nos olhos. Talvez o cosmonauta soviético Gagarin tenha
exclamado que a terra é azul, lá das imensidões siderais, por estar fixando
os olhos de Diva naquele exato momento”, escreveu. “Naquele tempo, eu
pesava 68 quilos e era um material bom e enxuto”, diverte-se a atriz, aca-
tando os elogios.
Encantado com a beleza desabrochando em flor, Plínio quedou-se
nos excessos que sempre evitou. “Fomos ao clube e dançamos até as 4h
e Plínio lá. Na segunda-feira, logo às 10h, a troça foi até Brejo da Madre
de Deus, ao som de Vassourinhas, com todo mundo de preto e Plínio lá,
de preto também. Ele acompanhava firme, de vez em quando pergun-
tando se eu não estava cansada”, lembra Diva. “Como bebíamos até água
de sino, não havia como ficar cansado”, relembra. Diva fazia o estandarte
das troças e convidava várias pessoas. Os sanfoneiros vinham de Fazenda
Velha, pagos com uma vaquinha (nome popular de uma forma de arre-
cadar dinheiro com a comunidade). Naquele clima de festa, a maior fonte
de inspiração da jovem atriz era uma mulher chamada Maria Catingueira,
com quem Diva aprendeu o gosto pelo Carnaval, a arte do artesanato e as
primeiras lições de improvisação de figurinos para o Carnaval.
“Diva era uma alegoria pronta. Ela foi produzida para o Carnaval”,
conta o amigo Victor Moreira.
Apesar de seu temperamento circunspecto, Plínio, a partir daquele
ano e por causa da amada, acabava entrando no clima carnavalesco. A
filha mais velha dos Pacheco, Nena, conta no documentário Plínio, Terra
28. 100
e Flor, que num sábado de Zé Pereira, muitos anos depois do primeiro en-
contro do casal, acordou e encontrou o pai vestido de galo. Acompanharia
a mãe, fantasiada de galinha, no desfile do Galo da Madrugada. “Eu achei
ridículo. Mas foi a maior prova de amor, de sensibilidade dele”, lembra a
filha.
Na quarta-feira de cinzas do primeiro Carnaval de Diva e Plínio, os
rapazes foram embora para o Recife, mas a imagem daquele pedaço do
céu de Brejo da Madre de Deus não saiu da memória do rapaz. No sábado
seguinte, Diva recebeu, pelo ônibus, um pacote e uma carta dele. Um vidro
de perfume para ela, um punhal de prata para o pai, uma concha de prata
para a mãe, além de jornais e revistas, compunham o primeiro presente
com que Plínio tentava cortejar, expondo suas pretensões. “No meio de
tudo, havia uma pomada para passar nos pés. Ele era muito caprichoso”,
lembra Diva.
Os mimos mais tarde também se estenderiam ao clã dos Mendonça.
Plínio, com segundas e terceiras intenções ou não, começou a ajudar no
espetáculo naquele mesmo ano. Fretou um vagão com a Rede Ferroviá-
ria e levou uns 20 jornalistas e dois ônibus de turistas. “Os hotéis ficaram
lotados”, cita Diva. Naquele mesmo espetáculo de 1956, em que Plínio e
Diva se conheceram e se apaixonaram, um jovem chamado José Pimentel
ingressou no drama, fazendo um dos soldados romanos, menos pela expe-
riência teatral e mais pela exuberância física obtida em aulas de fisiculturis-
mo.
A primeira das 750 cartas que Diva diz ter recebido de Plínio dali em
diante foi escrita cinco dias depois de os dois terem se conhecido. “Tenho
saudades de você, Diva, mais do que devia. E temo que isto seja um mal.
Saudades dos breves momentos que passamos juntos. Dançando, con-
versando e mesmo em silêncio. Os quais, talvez, tenham sido os melhores.
Sinto vontade de estar com você, na janela do clube, como naquela última
noite, e então fazer o que naquele momento senti vontade de fazer e não
fiz...”, escreveu. “Gostaria de estar, outra vez, sentado ao seu lado, defronte
daquela casa, perto do clube. Vontade de ouvir sua voz. Saudade, enfim,
de todos os instantes”.
Naquele mesmo mês de fevereiro, Diva mandou um telegrama,
avisando que daria a resposta ao pedido de namoro no Recife, para onde
viajou com a irmã mais velha, Geni, que ia alugar uma casa no bairro de Rio
Doce, em Olinda. Oito dias depois os dois se encontraram na rodoviária da
capital. Plínio recebeu as duas todo de branco, com um terno de linho. “Pa-
recia uma vela branca”, lembra Diva, que acabou aceitando o namoro, não
sem antes impor cinco condições.
A primeira delas era ele não ser ciumento. Não era uma exigência
descabida, considerando que Diva sonhava desde cedo em seguir a car-
reira de atriz e as mulheres, naquela época, não contavam com muita
29. 101
Segundo o amigo Victor Moreira Diva nasceu para o carnaval. Fazenda Nova fervia nessa
liberdade, muito menos quando
tinham a coragem de subir num
palco. Na época, atrizes não
eram bem vistas pela sociedade
provinciana, mesmo no Recife,
e as moças eram condenadas
principalmente pelas beatas e
as mulheres mais religiosas do
lugar. Com os rígidos costumes
da época, os realizadores enfren-
tavam os maiores desafios para
conseguir moças para trabalhar
com eles. Depois de estrear,
em julho de 1955, como uma
bruxa em uma adaptação de
chapeuzinho vermelho, com os
irmãos, definitivamente Diva não
pensava em parar mais. Desde
os primórdios do espetáculo da
Paixão de Cristo, a garota estava
acostumada a lidar com o pesso-
al de teatro, que apoiou as pri-
meiras encenações. Gente como
Waldemar de Oliveira, Alfredo de
Oliveira e a jornalista Nair Bor-
30. 102
ba, convidados do seu irmão Luiz Mendonça, que também fazia teatro
no Recife e mais tarde se consagraria como importante diretor na Rede
Globo. Além disso, aos 15 anos, em 1954, seu pai já a tinha retirado do
colégio, alegando que estudar era luxo, obrigando-a a trabalhar no ho-
tel e na loja de tecidos da família. Tudo que Diva queria era respirar um
pouco de liberdade. “Meu colégio foi uma cozinha de hotel e um balcão
de loja. Até hoje detesto essas duas coisas”, contou, em 1971. Assim,
Diva não queria um novo coronel tolhendo seus passos.
A segunda condição para aceitar o namoro era Plínio gostar de
dançar, principalmente Carnaval e São João. Isso era tão caro a Diva que
ela mesmo já colocou, em seu testamento, já público, o pedido para que
no seu enterro ninguém chore. “Toquem, por favor, Vassourinhas. É a
única coisa que me anima”.
A terceira condição era que o candidato gostasse de dança, teatro
e música. Embora tivesse aceitado a regra, já no Carnaval do ano seguin-
te, o amor continuava, mas a animação de Plínio não era mais a mesma.
“Chegou novamente o Carnaval. Dessa vez não foi tão bom como o de
1956. Tudo correu bem, mas Plínio não era mais o rapaz que conheci. Ele
dizia que gostava, mas estava cansado”, contou Diva. Mais tarde, Plínio che-
garia mesmo a implicar com sua paixão pelo Carnaval, ficando zangado a
ponto de retirá-la de circulação sempre que possível. Com seu sarcasmo
habitual, Diva chegou a fundar, em 1971, a troça Vou, mas não volto, numa
referência aos reboques que Plínio promovia, no meio do caminho da folia,
muito possivelmente por causa das estripulias etílicas da companheira,
sempre calibrada, nessas festas, por bate-bate de maracujá e outras mis-
turas. “Nós entrávamos em todas as casas. Em cada uma, bebíamos um
pouquinho. Na casa onde entro, bebo até merda, seja de pobre ou de rico.
A nossa troça só tinha bêbado e eu era a primeira. Quem não bebe neste
mundo, no outro será bebido”, contou, em depoimento de 1971.
Diva, em sua quarta exigência, gostaria de ter liberdade para se ves-
tir e um companheiro que seguisse a moda. “Quando o vestido subir, eu
subo também. Quando o vestido descer, eu desço com ele”, pediu, expli-
cando que o pai e a mãe não gostavam de nada do que ela gostava e ela
só se casaria com um homem que gostasse de tudo que ela gostava.
A derradeira orientação era que o namorado detestasse futebol, o
que Plínio seguia sem nenhum esforço. Aliás, até mesmo com prazer.
Plínio aceitou as condições sem questionamentos, mas lhe fez uma
revelação estonteante para os padrões da época. Já era casado no civil e
desquitado. “Não caí porque estava sentada”, lembra Diva. “No entanto,
acabei aceitando porque ele tinha o direito de ser feliz”.
Plínio conhecera sua primeira mulher – a quem ele não se refere
nas suas cartas – ainda quando comandava o destacamento da FAB em
Fernando de Noronha. Olga Cid Pacheco trabalhava para a revista Reader’s
31. 103
Digest (publicada no Brasil com o nome de Seleções) quando visitou a
ilha com uma amiga. Era cubana, criada pela mãe espanhola, Esperanza
Cid Fernandes, e pelo padrasto, Luís Cid, natural de St. Thomas, nas Ilhas
Virgens (hoje uma possessão americana, mas na época do seu nascimento
era território Dinamarquês). Os pais deixaram Cuba quando Olga, filha
única, tinha apenas 10 anos. Plínio e Olga, seis anos mais velha que ele,
chegaram a morar em Noronha, mas quando ela engravidou, quis ter a
criança no Recife. “Não lembro dos detalhes desse período, porque eu
tinha apenas dois anos de idade, quando os dois se separaram”, conta
Virgínia Bonilla Pacheco, a Ginny, filha do casal, nascida em 1954, que está
radicada nos Estados Unidos desde os 8 anos de idade. Ginny lembra que,
ao deixar o Brasil, acompanhada da mãe, em direção a Nova Jersey, foi ao
Jornal do Commercio despedir-se do pai. Depois daquele momento, pas-
sou 35 anos sem ter nenhum contato com ele. Os laços foram retomados
em 1997, mesmo ano em que Plínio teve um AVC. Ela esteve na Paixão de
Cristo de 1998 e visitou o pai um mês antes da sua morte, em 2002. Entre
os livros de Plínio, um era guardado com carinho. Backyard birds (Pássaros
de jardim), da Barnes & Noble Books, veio com uma dedicatória bilíngüe
assinada em 1999: “Para papai, com amor. Sua filha, Virgína.”
Nos idos de 1956, a exemplo de Plínio (já separado de fato mas ain-
da não desquitado de Olga), a própria Diva buscava o direito de ser feliz.
Plínio representava o passaporte para essa felicidade. O ambiente em casa
não era dos melhores para a jovem. Não era raro receber reclamações por
ter ido a festas. Na sua casa, havia rádio, mas só era ligado para ouvir o
resultado do bicho ou os noticiários. Para ouvir novelas, Diva e sua irmãs
tinham que ir à casa de uma comadre. Quando chegavam, levavam carão.
“Só não me chamavam de santa”. Diva reclamava que o pai não conversa-
va muito com ela e dava mais atenção às irmãs mais velhas, despertando-
-lhe inveja das outras. Costumavam mangar dela, chamando-a de rainha
de Sabá, só porque ela prezava o hábito de tomar muitos banhos e viver
asseada. A mãe não era vista por ela como uma amiga, por proibir na-
moros e outras distrações. “Lá em casa, mamãe e papai só ficavam felizes
quando ia um padre. Aí eles ficavam doidos”, relembra.
Previamente acertados, os dois combinaram contar tudo à família
depois da Semana Santa. “Plínio era casado e para Seu Epaminondas e
dona Sebastiana isso era um bicho de sete cabeças sem limite, já que ele
era o chefe político e ela a chefe religiosa do lugar”, explica Victor Moreira.
Mesmo assim, o pai e a mãe aceitaram ou fizeram que aceitaram. O ar-
cebispo de Olinda e Recife, nesta época, dom Antônio de Moraes Júnior,
velho conhecido da família Mendonça, foi consultado e prometeu fazer o
casamento, sem saber do impedimento que havia. O casal acabou noivan-
do em novembro de 1956, quando Diva completou 17 anos.
Nem todos na família, entretanto, aceitaram o relacionamento. A
32. 104
vida de Diva transformou-se num
inferno sobre a Terra. A pressão de
parte dos integrantes da família
chegou às raias do absurdo. Até o
padre de Brejo da Madre de Deus
na época, o cônego Duarte, foi le-
vado à casa da ex-mulher de Plínio
no Recife. Em maio de 1956, Plínio
chegou a se transferir para Alagoas,
na tentativa de melhorar a situação.
Influenciado por essa campanha de
alguns familiares, o coronel Epami-
nondas chegou a ameaçar Plínio de
morte, segundo conta Diva. Apenas
os irmãos Luiz Mendonça e Geni
davam-lhe apoio.
Em agosto de 1957, sem
agüentar mais a pressão, Diva e
Plínio fugiram para o Rio Grande do
Sul, mais precisamente para Santa
Maria, cidade onde morava a mãe
de Plínio, dona Hilda. Com a descul-
Plínio e Olga Cid, pa de que faria um tratamento den-
sua primeira mulher,
tário em Caruaru, a moça ganhou
em Fernando de Noronha,
onde se conheceram a estrada, para desespero dos pais.
“Quando eu fugi, meu pai abraçou
um retrato meu e chorou. Ele con-
tou ao meu irmão Lourinho que
queria me ver vestida de noiva, mas
eu estava desesperada e só tinha
uma saída”, explicou Diva. “Naquela
época, até alguns familiares me
bateram as portas, mas não desejei
mal a ninguém, pois não estava fa-
zendo vergonha”. Plínio ainda teve
o cuidado de avisar com uma carta,
postada em Alagoas, que já estava
escrita.
Apesar de recriminado, a rigor
o procedimento não era inédito na
família. A própria mãe e o pai casa-
ram fugidos da cidade de Panelas,
onde ela morava com a família, em
33. 105
Certidão do primeiro
casamento de Plínio oficializa
o desquite de sua primeira mulher,
Olga, em 1958,
um ano após conhecer Diva
34. 106
1915. Ela tinha então 14 e ele 17 anos. Casaram-se em Quipapá, onde Epa-
minondas havia nascido e lá ficaram residindo. Mudaram-se para Panelas,
onde o patriarca chegou a ser prefeito e, de lá, seguiram para Brejo da
Madre de Deus. A exemplo de Plínio e Diva, os seus pais acertaram a fuga
por meio de cartas que trocavam. Diva conta que quando sua mãe estava
fugindo, deixou cair essas cartas na escada, recolhidas por sua avô, Caroli-
na Lucena, com uma praga: “Sebastiana, a dor que eu estou passando ago-
ra, tu vai passar duas vezes. A tua primeira filha vai casar fugida e a última
também”, teria dito. Destino ou não, Santa Maria era a nova Quipapá.
Certamente, a situação foi dificultada pelo fato de o pai de Diva ser
um coronel político e a fuga poder ser apontada pelos adversários como
um demérito. Mas, ali mesmo em Brejo da Madre de Deus, o primeiro pre-
feito constitucional da cidade, o coronel da guarda nacional Francisco Al-
ves Cavalcanti Camboim, mais conhecido como Barão de Buíque, casou-se
com uma menina de 13 anos. Ele contava então 32 anos de vida. O detalhe
curioso é que o pedido de casamento foi feito à futura sogra quando ele
tinha 20 anos e futura noiva ainda estava na barriga da mãe. Pelas leis de
hoje, seria um pedófilo, enquadrado em crime de estupro pelo Código Pe-
nal Brasileiro.
Além do casal Epaminondas, havia outro precedente na própria fa-
mília, que completava a praga lançada pela avó Carolina. A irmã de Diva,
Maria do Carmo, a Nanã, filha mais velha do casal Mendonça, não apareceu
na festa de 25 anos de matrimônio dos pais. Simplesmente havia fugido
com o noivo. Nessa época, Diva tinha apenas dez meses de vida e aparece
no colo da mãe, na foto da festa das Bodas de Prata. Pelo costume da épo-
ca, não se podia perder a pose, literalmente. “A hipocrisia era tanta neste
lugar que, antigamente, era tudo moça. Só tinha rapariga de Jataúba (po-
voado próximo), no mercado da Passarinha, na vizinhança com a Paraíba”,
conta Diva.
Dias depois da chegada em Santa Maria, o pai de Diva mandou uma
carta dizendo que os dois deviam voltar para casar, mas já era tarde. “Fui
donzela até o Rio Grande do Sul. Lá vesti um pijama de Plínio. Esta foi a ca-
misola da minha noite de núpcias”, diz. Na resposta ao pai, Diva disse que o
pior casamento do mundo era melhor do que a casa paterna.
Em Santa Maria, gozando de licença-prêmio da Aeronáutica, Plínio
arrumou um emprego em jornal para se sustentar, com a ajuda do amigo
de infância Robinson Flores, diretor de uma publicação local. A gratidão
ao amigo pelo apoio na hora difícil veio sob a forma de homenagem mais
tarde. Quando nasceu seu primeiro filho homem, em 21 de novembro de
1963, ele deu o nome do amigo ao menino. Foi na casa dele que Plínio e
Diva passaram o Natal de 1957. O Ano Novo foi comemorado na casa do
sogro de Robinson. “Na passagem de ano, chorei feito uma vaca desma-
mada. Graças a Deus, Plínio resolveu voltar e ficar definitivamente”, lembra
35. 107
Plínio e sua prole
no tempo do Circo
da Rapoza Malha-
da (Nena , Robin-
son, Paschoal e
Xuruca); ao lado
Virgínia Bonilla
Pacheco,
a filha do primeiro
36. 108
Diva.
Se Plínio se sentia em casa, Diva descobriu profundas diferenças
com os conterrâneos do marido. Ela não se adaptou muito bem ao Rio
Grande do Sul. “Eu não gostava muito do estilo da terra. Quando é inverno,
o frio mata. Quando é calor, o calor mata. O Carnaval, ninguém fala dele.
No São João, ninguém consegue sair de casa por causa do frio. Além disso,
a maioria das pessoas é muito mesquinha. Uma vez, uma tia de Plínio me
perguntou se eu estava gostando do Brasil. Eles achavam que o Nordeste é
o cu do Judas. É melhor morrer de fome aqui, com a cachaça na cabeça, do
que com a fartura deles”, escreveu, em 1971. “Gosto mesmo é de Pernam-
buco, a terra do caju e da Pitú. Dizem que é terra da miséria, mas aqui todo
nego sorri, o pobre e o rico”, compara.
O casal voltou de Santa Maria no início de 1958 e ganhou uma fes-
ta de recepção, na qual o patriarca rompeu de vez com a Igreja para se
posicionar ao lado da filha. No discurso que fez ao amigos, reunidos para
comemorar a chegada de Diva e Plínio, Epaminondas disse que a sua de-
cepção foi grande quando pela primeira vez precisou da Igreja Católica. “Eu
que sempre tive minhas portas abertas, sempre ajudei aos padres e aos
bispos, a única vez que precisei da igreja eles bateram a porta na minha
cara”, ralhou o velho, na presença do pároco local, o mesmo cônego Duarte
que fora ao Recife amolar a ex-mulher de Plínio para tentar desestabilizar a
união com Diva.
Na volta, a atriz já estava grávida de sua primeira filha. De volta à
terra do frevo, só não fez o passo no Carnaval porque o seu estado não
permitia, mas a gravidez não a impediu de atuar. Fez o papel de donzela
de Jerusalém! “Aqui é o único lugar do mundo que é possível fazer o papel
de donzela sem ser mais”. O ator José Pimentel vira o Demônio, herdando o
papel que era de Diva até então.
A primeira filha do casal, Fátima Geni, apelidada de Nena, nasceu
em junho daquele ano, homenageando Nossa Senhora
e a irmã Geni, nascida em 1926, a terceira filha do casal Epaminondas.
Novamente no convívio com os familiares, o casal voltou a sofrer com
comentários desairosos, criados, segundo seu relato, pela irmã Margari-
da e o cunhado Brasileiro. Diva lembra que diziam que ela tinha fugido
grávida, mas ela havia passado quase três meses sem ver Plínio antes da
fuga. Na maternidade, depois de distribuir 150 convites, de Caruaru ao
Recife, a atriz não perdeu a oportunidade
de fustigar os seus detratores. “Que acharam da menina de 12 meses?”,
ironizava, mostrando que os belos olhos azuis também podiam
ser bravos e selvagens, ao mesmo tempo, talvez tão belos justamente
por serem bravos e selvagens ao mesmo tempo.
Com sede de vingança dos seus detratores, Diva não desperdiçou
realmente nenhuma oportunidade que lhe surgia. Num dos espetácu-
37. 109
los, acenando a bandeira branca, um dos parentes que lhe jogaram pe-
dras, como uma Maria Madalena, chegou a pedir ingressos para a peça,
generosidade prontamente negada com um argumento igualmente
duro. “Nos únicos dias do ano em que tenho a maravilhosa oportunida-
de de ser puta (na cena de Herodes), embora só por meia hora, assiste
quem tiver vinte cruzeiros no bolso, pois ali consigo satisfazer algumas
pessoas”, devolvia.
Dois anos depois de voltar a Pernambuco, em maio de 1960, nas-
ceu a segunda filha do casal. Naquela época, Plínio e Diva moravam no
Recife, em uma casa comprada no final de setembro daquele ano com
um empréstimo da Caixa Econômica Federal, no bairro da Imbiribeira.
A menina Geórgia Maria nasceu em casa mesmo, de sete meses e com
um desvio no coração. Como era bem mirrada, era chamada pelos fa-
miliares de michuruca e depois apenas Xuruca, adotado como nome
artístico quando decidiu seguir a carreira de estilista. O primeiro filho
homem e terceiro do casal, Robinson Kennedy, nasceu em 1963. O caçu-
la, Paschoal Eugênio, nasceu em 1965.
Em junho de 1977 o Governo Geisel, em plena Ditadura, mesmo
contra a orientação da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
promoveu a aprovação da emenda constitucional nº 9, que permitiu a re-
alização do divórcio no Brasil. Em seguida, a Lei nº 6.515/77 o regulamen-
tou. Com isso, o casal pôde reunir as condições legais para calar a boca
dos detratores, mas àquela altura isso definitivamente não lhes fazia mais
falta. “Casamento no civil nunca me fez falta. Isto faz falta aos retardados
e aos complexados. Vejo tanta gente boa, casada na igreja, no civil, e às
vezes até na polícia, e que vive numa merda completa. O melhor exemplo
são quase todos da minha família. Quem quiser que me aceite assim, óti-
mo. Quem não quiser, ótimo. Para mim, isto é uma prova de que não pres-
tavam como amigos, pois os amigos são para todas as horas”, declarou,
em depoimento escrito seis anos antes da nova lei.
A oficialização do casamento de direito só se deu em 26 de julho
de 1982, exatos 25 anos depois da união de fato do casal. O matrimônio
foi realizado na matriz do Jucá, ligada à Diocese de Pesqueira, conforme
atesta o livro nº 01, folha 39, nº 07. O enlace teve como testemunhas An-
tônio Valdir de Oliveira e Paulo Fernando Góis Souza, de acordo com có-
pia assinada pelo padre Eliseu Francisco dos Santos, em 17 de agosto de
1973. Quando casaram, conforme a certidão, Plínio era solteiro e contava
55 anos de idade. Segundo o mesmo documento, Maria Diva Lucena de
Mendonça era solteira e tinha 42 anos de idade na época.
A data oficial do casamento dos dois encontra-se até hoje gravada
numa Bíblia comemorativa à visita do papa João Paulo II ao Brasil, em
1980. Como andavam sempre à frente de seu tempo, já ia longe a época
em que a uma mulher não podia entrar sozinha no carro do namorado
38. 110
e saia curta já não era mais motivo para uma mulher ser chamada de ga-
linha. Como o Jacó da Bíblia, Plínio também já havia servido muito mais
do que sete anos ao Labão do Agreste para obter a sua amada Raquel. Era
chegada a hora de Plínio fecundar as sementes que haviam sido lançadas
pela saga dos Mendonça nas ruas acanhadas de Fazenda Nova.
39. 111
Capítulo VIII
Tempo de plantar
A construção da obra
A PAIXÃO DE PLÍNIO
41. 113
A construção da obra
Os primeiros sinais da loucura de Plínio foram detectados em
outubro de 1962. Ele não falava com ninguém e mal respondia ao que
lhe perguntavam. Também não comia. Quase não dormia. Abandonou
o Jornal do Commercio e também queria deixar a Força Aérea Brasileira
(FAB). Vendeu a casa que tinha na Imbiribeira e só pensava em Nova Je-
rusalém. Todo final de semana Plínio viajava para Fazenda Nova, à pro-
cura do terreno ideal para a construção do seu sonho de pedra. “Fiquei
apavorada”, explicou Diva Pacheco, não sem motivo. O redemoinho de
loucura criadora estava posto em marcha, de forma irreversível.
Plínio ia para a Faculdade de Arquitetura do Recife e passava
horas lendo. Procurou o pessoal de lá para desenhar o projeto da obra,
mas ninguém de renome aceitou a empreitada. Além do amigo Victor
Moreira, apenas alguns estudantes acreditaram naquilo que aos demais
parecia um delírio. Como Plínio tinha uma visão mil anos à frente, dava
de ombros e seguia adiante, até ver materializado na pedra o seu sonho.
Estava chegando ao fim a fase da inspiração. Após 11 anos consecutivos,
desde 1951, iniciava-se a fase da transpiração, que se estenderia até 1968,
com a retomada dos espetáculos da Paixão, dessa vez em um novo cená-
rio.
A loucura era contagiante e o próprio Plínio tinha consciência de
sua alucinação. “O trabalho nas pedreiras era uma loucura. Não sei como
consegui enfiar dentro da alma deles tanta disposição. Como se tivessem
a força de uns demônios, o trabalho, negócio para um mês, saía em 10
dias. Você sente a raiva do homem contra a rocha de granito. Ele quer
fazer tudo num dia, e rocha é rocha...”, narra, em uma descrição dos traba-
lhos em fevereiro de 1967. “Os martelos tiram faísca dos ponteiros, o sol
queima, o suor lava... no fim, apesar de os estar matando, como a mim,
42. 114
os faz, e a mim também, felizes”. Além do marco de pedra, Plínio almejava
moldar vidas. “Depois dessa experiência, nenhum deles voltará a ser ape-
nas um homem da enxada, da foice e do machado. Eles evoluíram dentro
de si, não passaram pela vida deixando a marca de suas sandálias nas
veredas da terra árida. Eles deixaram em pedra a marca que o tempo não
apaga”.
A primeira visão daquele cenário nunca lhe saiu da memória. As ro-
chas impressionaram o jornalista Plínio Pacheco desde a sua primeira visi-
ta, a convite do então diretor do espetáculo, intérprete de Jesus e seu futu-
ro cunhado, Luiz Mendonça. “O que mais me impressionou foi o conjunto
de vales naturais. Um grande vale de rochas, com 100 quilômetros, muito
parecido com a Judéia, naquele pedaço de Sertão encravado no Agreste”,
contou, anos mais tarde, em depoimento à TV Globo. Noutro depoimento,
numa carta escrita ao amigo Victor Moreira, Plínio diz com todas as letras
que, na verdade, mais que uma simples paisagem, Fazenda Nova repre-
sentava uma vida nova para ele. “Somente agora, aos 40 anos, é que te-
nho certeza de estar no caminho certo”.
Naqueles idos de 1960, com a força que moral cristã impunha à
época no Recife e no país, a pequena cidade de Brejo da Madre de Deus
era a moldura apropriada para adornar as muralhas simétricas da ence-
nação bíblica. O período de Quaresma era muito diferente dos dias atu-
ais. A Sexta-feira da Paixão era um tempo de contrita e silenciosa reclu-
são. Em todos os lugares pairava uma atmosfera de respeito ao gesto de
imolação ao filho de Deus, em nome do bem e do ideal cristão. Nas me-
sas, todas as carnes entravam em absoluto recesso. Comia-se peixe e o
feijão ganhava o tempero de coco. Nas rádios, a programação limitava-se
a músicas clássicas e sacras. No cinema, exibia-se a Paixão de Cristo, em
preto e branco, e sem aparecer o rosto do ator que encarnava de Jesus.
O máximo de concessão que se permitia era a projeção de filmes como O
Manto Sagrado, com Richard Burton, ou Quo Vadis, com Robert Taylor e
Deborah Kerr. O profano somente retornava à cena depois do milagre da
Ressurreição.
O casal Pacheco herdara o espetáculo em março de 1961, quando
o pessoal do Grande Hotel procurou seu Epaminondas, pai de Diva, para
realizar a peça e ele não aceitou. Na sua negativa, o patriarca dos Men-
donça disse que não tinha condições, que estava velho e sem disposição.
Mas, se Plínio e Diva quisessem, ele entregava o espetáculo “de mão
beijada”. “Fomos procurados pelo pessoal do hotel e aceitamos”, contou
Diva, mais tarde.
Naquele ano, Plínio imprimiu as primeiras modificações no espe-
táculo, com a troca do guarda-roupa, a substituição de quase todos os
atores e até um texto novo, escrito por José Pimentel, sob a direção de
Clênio Wanderley. A cereja do bolo era a participação especial do Coral
43. 115
São Pedro Mártir, de Olinda, sob a regência do maestro Otoniel Mendes.
“Trabalhamos que só bicho”, diz Diva, lembrando as dificuldades daque-
la época. Até luz faltava, situação resolvida de forma improvisada com
um motor arranjado por Plínio na Aeronáutica. Mesmo assim, Plínio não
se dava por satisfeito.
Quando terminou a temporada, como as despesas superaram as
receitas, Plínio ficou aperreado e prometeu que só voltaria a encenar o
espetáculo quando construísse uma cidade igual a Jerusalém. “As des-
pesas aumentaram e o dinheiro do Grande Hotel não deu. Plínio ainda
pediu um empréstimo em um banco, para pagar as contas”, conta Diva.
Construir uma cidade-teatro vinha em princípio da necessidade de
cobrar ingressos, para cobrir as despesas, uma vez que era impossível
cobrar uma taxa em um espetáculo que se desenrolava até então numa
vila. “Vislumbrei aqui a possibilidade de um espetáculo grandioso. Na-
quela época, era pequeno. Eu sabia que, sem patrocínio, não tinha como
continuar. Resolvemos então parar para construir as muralhas”, contaria
Plínio, anos depois. Àquela altura, Diva nem imaginava, mas o começo
da história de Nova Jerusalém logo decretaria o fim do seu sossego.
“Meus amigos, com Nova Jerusalém sem dinheiro, tenham certeza que o
inferno é melhor. Plínio só faltava morder o povo”.
Mas Plínio não deixava isso transparecer. Ao contrário, com muito
jeito, munido com a infalível companhia de um projetor de slides Auto
Cabin, ele percorreu o país, realizando dezenas de reuniões, para apre-
sentar o projeto de construção de Nova Jerusalém, em busca de apoio e
patrocínio. Era uma luta sem descanso. O colunista social Alex, do Jornal
do Commercio, do Recife, cita essas andanças, até em vôos, com pessoal
da direita ou da esquerda. “O jornalista Plínio Pacheco acaba de retornar
de Brasília, onde fora tratar de assuntos relacionados com a construção
de Nova Jerusalém, em Fazenda Nova. Durante o vôo para Brasília, o se-
nador Barros de Carvalho, após tomar conhecimento detalhado do plano
que dará a Pernambuco o maior teatro ao ar livre do mundo e um grande
centro de turismo, prometeu 2 milhões de cruzeiros de sua verba de sub-
venção e auxílio para a construção da Nova Jerusalém”, diz a nota social,
publicada em 7 de fevereiro de 1963.
Assim, começou sua peregrinação em busca de recursos junto aos
governos de esquerda, valendo-se das amizades que fez no jornalismo
local. Até nos céus, a dez mil metros de altura, Plínio aproveitava a oportu-
nidade para angariar fundos. Naquele início de 1963, aproveitou as duas
horas de viagem até Brasília em companhia do senador pernambucano
Antônio Barros Carvalho para pedir ajuda para seu projeto. O senador
viajara ao Recife especialmente para assistir à posse do então governador
Miguel Arraes no governo do Estado e estava retornando à capital federal
numa comitiva que iria assistir à posse do senador F. Pessoa de Queiroz,
44. 116
empresário e controlador do Jornal do Commercio à época.
O senador Barros Carvalho tinha várias afinidades com Plínio e era
um dos mais importantes homens públicos de Pernambuco e do país
àquela época. Depois de nomeado superintendente da fiscalização dos
impostos federais, já tinha sido assessor técnico do ministério da Fazenda,
ao mesmo tempo em que desenvolveu também importante atividade
jornalística no Recife, como redator do Diário de Pernambuco e do Jornal
Pequeno. Como jornalista, colaborou ainda como O Estado de Minas e o
Diário de São Paulo, da cadeia dos Diários Associados.
O primeiro mandato, para a Câmara Federal, foi obtido em 1950,
pela UDN de Eduardo Gomes. Em 1953, já pelo PTB, reelegeu-se e che-
gou a ocupar o cargo de primeiro-secretário da Câmara. No Governo JK,
em 1960, Barros Carvalho ocupou o cargo de ministro da Agricultura, até
sair do governo, com a posse de Jânio Quadros, em 1961. Com a crise
que se instalou no Brasil após a renúncia de Jânio, Barros Carvalho teve
uma atuação destacada ao defender a antecipação do plebiscito que iria
ocorreria em 1965, para manutenção do parlamentarismo ou volta ao
presidencialismo. Realizado já em 1962, o plebiscito determinou a volta
do presidencialismo, beneficiando o vice-presidente João Goulart, ao
lado de quem Barros Carvalho se encontrava, integrado a uma comitiva
presidencial que visitava a China, quando Jânio anunciou a renúncia.
Em sinal de gratidão, Goulart apoiou o amigo petebista para a re-
eleição ao Senado, naquele mesmo ano de 1963, tendo ocupado a lide-
rança do PTB no Senado de 1962 a 1965. Nos anos de 1963 e 1964, Barros
Carvalho ocupou ainda os cargos de primeiro e segundo secretário do
Senado.
A morte de Barros Carvalho, falecido no Recife, em setembro de
1966, deve ter deixado Plínio bastante abalado, pois as cartas que es-
creveu, em outubro daquele ano, revelam muito pessimismo quanto ao
futuro. O senador revelou-se desde cedo um homem sensível às artes.
Natural de Palmares, onde nasceu em 1917, Barros Carvalho fundou, em
sua cidade natal, quando tinha 17 anos, uma sociedade literária com o
conterrâneo e poeta Ascenso Ferreira. No Recife, o sobrenome Barros
Carvalho até hoje é muito lembrado, pela sua ligação com o futebol. O
irmão de Antônio, Eládio, que dirigiu o Clube Náutico Capibaribe por 15
anos, construiu e deu nome ao estádio dos Aflitos.
A epopéia de Nova Jerusalém começou com a busca do terreno,
ainda no final de 1962. O espaço ideal escolhido foi uma área que per-
tencia à família de João Dão, de Fazenda Nova. Ele pediu 200 contos na
época pela terra. Achado o terreno, faltava o dinheiro para comprá-lo.
Um sonho ousado requer um gerente carismático e forte. Plínio tinha
carisma, estava preparado e sobretudo era um homem de sorte.
Por uma dessas ironias do destino, coube a um homem com o
45. 117
Sem ajuda de muitos, redemoinho de loucura é posto em curso em Nova Jerusa-
nome de um dos grandes imperadores romanos ajudar na fundação de
Nova Jerusalém. O então diretor do espetáculo, Clênio Wanderley, e o
homem de teatro Alfredo de Oliveira falaram com o amigo Paschoal Car-
los Magno e conseguiram o dinheiro para a compra do terreno, obtido
por intermédio do Conselho Nacional de Cultura. Escritor, diplomata e
acima de tudo um homem de teatro brasileiro, Carlos Magno era a pes-
soa certa no lugar certo, para os planos da Sociedade Teatral de Fazenda
Nova, que àquela altura se chamava Fundação de Arte de Nova Jerusa-
lém. Ao longo da sua vida, Paschoal contribuiu para o surgimento do
Teatro Experimental de Ópera, do Conjunto Coreográfico Brasileiro, do
Coral Bach, do Teatro Experimental do Negro, do Teatro Duse, do Gru-
po Oficina e da Aldeia de Arcozelo, além de ter fundado, 1938, o Teatro
do Estudante do Brasil, uma revolução artística e social na época. Com
influência sobre o Conselho Nacional de Cultura, como secretário do
Ministério da Educação e Cultura, Carlos Magno não pensou duas vezes
em ajudar os amigos nordestinos.
Plínio e Paschoal se conheceram na Aldeia de Arcozelo, experi-
ência criada por Paschoal no Rio de Janeiro para abrigar todas as artes.
Dispõe de 57 mil metros quadrados, sendo 10 mil metros quadrados de
área construída, refeitório, apartamentos, albergues, teatros, salas de ex-
posição e de música, biblioteca, capela e outros espaços para atividades
46. 118
Livro raro: autodidata, Plínio busca em Santa Maria orientação para construir muralhas
47. 119
Patrono do
teatro nacio-
nal Paschoal
Carlos Magno
viabilizou
os primeiros
recursos para
a cidade teatro
artísticas. Plínio esteve lá apresentando os esboços do seu projeto. “A
Aldeia de Arcozelo, feita Deus sabe como, é co-irmã de Nova Jerusalém”,
explicou, em 1975, Paschoal Carlos Magno, para quem “a cultura precisa-
va ser estendida para o interior, onde era sobremodo urgente”.
Plínio ficou-lhe tão grato que colocou o nome dele no seu quarto
filho, nascido em 1965, Paschoal Pacheco.
No segundo espetáculo, após a construção das muralhas de Nova
Jerusalém, em 1969, Paschoal Carlos Magno chegou a atuar na Paixão de
Cristo. Naqueles anos pós-64, não foi esquecido pelos militares. Homosse-
xual assumido, depois do Golpe de 64 foi acusado de corrupção de meno-
res. Muito possivelmente, Carlos Magno entrou na alça de mira dos milita-
res menos por sua orientação sexual e mais por suas ligações políticas. Foi
chefe de gabinete de JK e durante o governo João Goulart (afastado pelo
golpe) tinha o apoio do Ministério da Educação e Cultura para realizar as
caravanas da cultura, que levavam exposições, balés e teatro ao interior do
país. Carlos Magno foi um dos principais assessores do ministro da Educa-
ção e Cultura Darcy Ribeiro, um dos nomes da esquerda mais perseguidos
pelos militares.
Depois da ajuda para a construção de Nova Jerusalém, Carlos Magno
acabou amigo da família. Em março de 1968, ao lado de Luiz Mendonça,
estava no aeroporto do Rio de Janeiro, esperando para receber Plínio e
Diva, que voltavam de uma viagem ao Rio Grande do Sul, pouco antes da
Semana Santa. “Ele era um grande incentivador da arte e da cultura do Bra-
sil”, elogia Diva, no livro Sobras de Terras, de 2000. No Rio de Janeiro, Pas-
choal Carlos Magno, que morreu em 1980, é nome de rua e de um centro