SlideShare une entreprise Scribd logo
1  sur  115
Télécharger pour lire hors ligne
73




                   Capítulo VI




                      A boa nova
Jornalismo foi ponte para Fazenda Nova




                         A PAIXÃO DE PLÍNIO
74
75




                       Jornalismo foi ponte para Fazenda Nova




       Antes mesmo de conhecer Diva Pacheco, anos mais tarde, os des-
tinos de Plínio e Fazenda Nova já haviam se cruzado. Depois que Plínio
voltou de Fernando de Noronha, em 1953, ele ficou lotado na Base Aérea
do Recife e foi trabalhar no Aeroporto, no Ibura. Era um burocrata. Tinha
um birô e vivia escrevendo. Quando chegavam autoridades ou militares,
dava plantão. Em busca de notícias dos passageiros ilustres, os jornalis-
tas tinham livre acesso ao aeroporto. Plínio, como vivia por lá, fazia-lhes
camaradagem. Foi nessa época que conheceu José do Patrocínio, então
um jovem repórter do Jornal do Commercio. Com dupla função, além de
repórter, Zé do Pato, como era e é conhecido nas redações até hoje, era
também distribuidor do jornal O Globo. O repórter fazia isso para comple-
tar a renda com a venda nas bancas do centro, pois a condição de bisneto
do capitão Joaquim Cordeiro Falcão, herói da guerra do Paraguai, nascido
justamente em Brejo da Madre de Deus como Zé do Pato, não lhe garantia
o pão na mesa.
       Patrocínio invariavelmente dava carona ao amigo no mesmo Jipe
usado para a distribuição de jornais e não era raro o colega se servir dele.
Acabaram ficando grandes amigos. Fazenda Nova já o havia escolhido e
ele mal sabia. Mais tarde, esse pequeno veículo seria usado como primeiro
meio de transporte das pedras usadas nas muralhas de Nova Jerusalém.
       A rigor, as histórias do Jornal do Commercio e da Paixão de Cristo
estão intrinsecamente ligadas desde os primeiros anos. Antes que Plínio
adotasse o espetáculo, o radialista Ozires Caldas, correspondente do JC e
teatrólogo nas horas vagas, já havia colaborado e escrito com Luís Mendon-
ça, primeiro intérprete de Jesus e diretor do espetáculo de rua, na primeira
versão da peça, então chamada de O Drama do Calvário, em 1951.
       Em 1954, quando Plínio estava começando no jornalismo, o ma-
76



     rechal Cordeiro de Farias foi eleito para o governo do Estado, com apoio
     do líder político de Macaparana José Francisco de Moura Cavalcanti. A
     2ª Guerra Mundial já havia acabado, mas o jornalista Mauro Mota, pontifi-
     cando nas páginas do Diário de Pernambuco, ainda mostrava sua preocu-
     pação com o futuro das pobres jovens engravidadas pelos soldados norte-
     -americanos. “Meninas, tristes meninas, vossos dramas recordai, quando
     eles no armistício vos disseram good bye, ouvirei a vida toda a ressonância
     do choro dos vossos filhos sem pai”, escreveu. Na poesia, Carlos Pena Filho
     já descrevia em versos o perfil de sua cidade, em A Vertigem Lúcida. “Reci-
     fe, cruel cidade, águia sangrenta, leão. Ingrata para os da terra, boa para os
     que não são. Amiga dos que a maltratam, inimiga dos que não”, reclamava
     em versos.
            O poeta mais tarde se tornaria um assíduo freqüentador de Fazenda
     Nova em período de férias. Ali conheceria Plínio, de quem se tornou gran-
     de amigo. Apaixonado pelas terras áridas como Plínio, Pena Filho chegou
     a dedicar algumas linhas à “terra prometida” que o gaúcho construiria no
     local:

           “É como se fossem ruínas, mas não de muros ou casas.
           São ruínas de terra antiga que o tempo estraga.
           Vistas de longe, essas pedras de irregulares tamanhos
           São lembranças renascidas de abandonados rebanhos”

           Em meados dos anos 50, ainda não havia televisão no Estado. Os
     pernambucanos só veriam pela primeira vez as imagens em um aparelho
     de TV em 1960, graças ao arrojo do empresário F. Pessoa de Queiroz, que
     foi buscar na Inglaterra os primeiros equipamentos de transmissão para a
     TV Canal 2. Todos os programas eram produzidos lá e gerados na estação,
     pois não chegara ainda a época das transmissões via satélite.
           Sem sombra de dúvida, o Sistema Jornal do Commercio era mais
     bem estruturado que qualquer outro grupo de comunicação fora do eixo
     Rio-São Paulo. O império de Pessoa de Queiroz, nos anos 60, era tão sólido
     quanto o fora na década anterior. O matutino carro-chefe da empresa, o
     Jornal do Commercio, detinha uma liderança absoluta. A Rádio Jornal do
     Commercio, que propagava o famoso slogan “Pernambuco falando para o
     mundo”, fora criada em 1948, com equipamentos de ondas média e curtas
     importado de Londres. Era uma emissora modelo de investimento e uma
     ousadia para a região desde o final da década de 40. Emissoras menores,
     em Caruaru, Garanhuns, Pesqueira e Limoeiro, os quatro municípios eco-
     nômica e politicamente mais importantes, compunham a cadeia, cujo im-
     pério seria completado com o emprendimento majestoso da TV Jornal do
     Commercio, o Canal 2. A concorrência vinda dos Diários Associados e suas
     emissoras, apesar de serem comandadas pelo mito Assis Chateaubriand,
77




Reporter do JC, José do Patrocínio cedeu Jeep para o amigo carregar pedras em


era frágil, por carecer de decisão local.
       Na imprensa escrita daquele período, a formação era apenas hu-
manística. Os jornais recrutavam leigos e os formavam na redação. O
exercício da profissão tendo como requisito básico o diploma universitá-
rio não existia ainda e a alma dos jornais, a redação, sofria o desgaste dos
baixos salários. No Recife daquela época, os jornalistas eram condenados
a fazer da profissão um bico. Havia apenas três fontes de pagamento: o
Diário de Pernambuco, o Jornal do Commercio e o Diário da Noite, jornal
vespertino que começara a circular em 13 de maio de 1946, quando Plínio
ainda estava se formando na Força Aérea Brasileira (FAB). O Dr. Pessoa de
Queiroz era o dono exclusivo dessas duas últimas fontes e não eram pou-
cos os que trabalhavam no JC e também no vespertino Diário da Noite,
ganhando uma mera gratificação. Nessa condição privilegiada, Dr. Pessoa
exercitava com toda desenvoltura sua filosofia, segundo a qual trabalhar
em suas empresas era uma honra e o prestígio da organização abriria
outras portas, mas não o cofre do jornal. Apesar disso, Pessoa de Queiroz
tinha uma boa e inabalável imagem e chegou a se eleger senador por Per-
nambuco, por ser um empreendedor local, amar sinceramente o Estado, e
investir aqui de forma grandiosa.
       O jornalista Fernando Menezes, hoje um veterano repórter que
viveu aquela época, conta que a frágil concorrência estimulava esse equí-
voco do Dr. Pessoa. “Com isso, a boa escola da Rua do Imperador acabava
formando duas classes distintas. De um lado, excelentes profissionais. Do
78



     outro, um bando de picaretas, quase sempre os menos talentosos”, relem-
     bra o jornalista. Essa era uma idéia tão corrente na época que o político
     Paulo Guerra, governador do Estado entre 1964 e 1967 costumava dizer
     que esse negócio de jornalismo não levava ninguém para a frente. Guerra,
     segundo seu Perfil Parlamentar, escrito pela jornalista Christianne Alcânta-
     ra e publicado pela Assembléia Legislativa do Estado, além de advogado e
     criador de gado, também trabalhou como jornalista.
             A despeito dos baixos salários, os dois jornais da Rua do Imperador
     eram uma escola de craques. Naquele tempo, os repórteres usavam pale-
     tós, os relógios eram de corda e máquinas de escrever eram um privilégio
     para poucos. A redação era como se fosse uma segunda casa. Levavam-se
     escovas de dentes, pasta e sabonete.
             O jornalista Antônio Neto era conhecido como prefeito porque ad-
     ministrava a redação com mão de ferro. Colocava os paletós nos cabides,
     dava corda nos relógios e repreendia quando havia muito papel no chão,
     além de reprimir as brincadeiras da turma mais jovem. A crítica ácida e
     impiedosa era feita no ato e na presença de todos. Coimbra, um dos chefes
     de reportagem, era especialmente implacável. Fernando Menezes lembra
     até hoje o carão que levou por ter escrito um texto onde se lia “fulano de
     tal, solteiro, 15 anos...” Sem olhar para o inexperiente repórter, Coimbra
     determinou, de cara fechada, que fosse chamar o fotógrafo, para então
     dar-lhe uma ordem, ríspida:
             - Vá com este imbecil na Vila Ipiranga, para fotografar um solteirão
     empedernido que, aos 15 anos, ainda não se casou!
             - E o senhor nunca viu uma pessoa casada aos 15 anos, ainda tentou
     se defender o pobre foca.
             - Este é outro fenômeno que fotografaremos amanhã, respondeu, de
     forma definitiva, o chefão.
             As notícias policiais eram escritas pelo farejador Pinheiro, que sem-
     pre sentava ao lado do prefeito, sem o cargo de vice. Pinheiro andava sem-
     pre de branco e escrevia com canetas, sem muito ritmo. Suas laudas mais
     pareciam poesia concreta. Leocádio de Moraes era o responsável pela tra-
     dução dos telegramas. A página religiosa era escrita por Solón de Moura,
     que andava sempre de preto.
             Cronista social, na acepção de hoje em dia, não existia. Altamiro
     Cunha se intitulava repórter social e de fato mesmo era um dos últimos
     boêmios. Um episódio com o governador Cid Sampaio, no início de 1958,
     consagrou-o para o resto da vida. Um homem refinado, Altamiro comple-
     tava seus rendimentos com um emprego público numa repartição esta-
     dual, mas pouco aparecia lá. Quando Cid assumiu, a onda de moralização
     típica do udenismo atingiu Altamiro em cheio. Sem comparecer ao empre-
     go público, recebeu uma intimação para começar a assinar o ponto, dia-
     riamente, às sete da manhã! Na vida de um boêmio, aquilo era um ultraje,
79




O colega Alexandrino Rocha fez as primeiras reportagens para a revista Manche-


além de um contratempo. Altamiro ignorou a intimação, mas não perdeu
a oportunidade de ridicularizar o governador por meio da coluna política,
escrita na época pelo jornalista Edson Regis. “Não sou cuscuzeiro. Às sete
da manhã vive uma população que não conheço. A esta hora ainda estou
sonhando com as mulheres de Paris. O que sou mesmo é um parisiense
perdido nas noites do Recife”, respondeu, com uma galhofa que lhe valeu
a demissão, mas a conquista de um emprego na Assembléia Legislativa,
naquela época nas mãos da oposição. Altamiro Cunha deixou o JC em
1966, quando a crise da publicação se agravou, em solidariedade ao dire-
tor de redação Esmaragdo Marroquim.
       Antes de sair do jornal de Dr. Pessoa, Esmaragdo ia colocando jo-
vens aos poucos, em um processo de renovação. Plínio entrou no jorna-
lismo escrito local, justamente a convite de Esmaragdo Marroquim, sem
80



     maiores dificuldades. Em seu favor, contava o fato de ser uma pessoa culta,
     depois dos anos e anos de leitura em Fernando de Noronha e mesmo an-
     tes. Depois, porque antes dos militares não havia qualquer exigência para
     o desempenho da profissão. O diploma de jornalismo só começaria a ser
     exigido por um decreto-lei de 1969. “Eu tinha que fazer alguma coisa na
     vida, como todo mundo faz. Então, eu fazia jornal e trabalhava na Aeronáu-
     tica naquela época”, explicaria o próprio Plínio mais tarde.
            Plínio entrou no Diário da Noite como diagramador, função que,
     na época, chamava-se de paginador (profissionais que faziam o desenho
     das páginas). O Diário da Noite era vespertino, uma folha ágil, colorida e
     muito sensacionalista, ou o moleque da empresa, como classifica o vete-
     rano Fernando Menezes. Indicado por Esmaragdo Marroquim, a função de
     Plínio era ir até o espelho da oficina checar para nada sair errado. Conta-se
     que, nessa função, certa feita Plínio quase ia se dando mal. Ao verificar as
     páginas que iam para as oficinas, na coluna social, ele viu as fotos de cinco
     mulheres que achava melhor vetar a aparição. Plínio procurou Marroquim
     e disse que não era possível publicar pois as mulheres eram muito feias.
     “Você vai publicar sim, porque a mulher aí do meio é a minha”, orientou o
     chefe.
            Além de paginador, Plínio extra-oficialmente passava a vista nas
     matérias de alguns colegas de redação. “Eu mesmo pedia para ele revisar.
     Não queria que escapasse nada”, revela o amigo Zé do Pato. O suboficial da
     Aeronáutica e jornalista também mantinha uma coluna de foguetes, não
     assinada, como eram chamadas as notas curtas, sobre variedades. “Era boa
     e saía diariamente. Ele tinha as fontes dele pelo telefone”, conta Zé do Pato.
            Com sua figura magra, Plínio chegava já tarde na redação e era
     sempre muito reservado. “Era mesmo um tipo esquisito. Além de pouca
     conversa, era muito competente. Sempre perfeccionista, queria tudo certi-
     nho”, lembra Patrocínio. Depois do trabalho, madrugada adentro, não eram
     raros os jornalistas que iam dançar e aproveitar a vida boêmia. Plínio, inva-
     riavelmente, não ia, segundo conta o amigo Zé do Pato, que gastava sola
     de sapato tanto na noite como de dia, atrás de notícia. “O negócio dele, na
     redação, era cuidar do jornal, vivia a intelectualidade”, explica Zé do Pato,
     sobre o amigo que era um apaixonado pelos romances de Aldous Huxley.
            O próprio Plínio relataria mais tarde essa curiosidade permanente e
     a eterna busca pelo aprendizado. “Abro livros, vejo coisas, falo com as pes-
     soas, com a mesma curiosidade e interesse de uma criança que começa a
     descobrir o mundo. Não meço a minha vida por horas, dias, meses e anos,
     mas sim pelo que aprendo, pelo que vejo e pelo que vivo, e nisso tudo até
     mesmo os desencantos, os desgostos, as dores, têm sua razão de ser”, reve-
     lava.
            Plínio chegou ao requinte de usar toda a sua erudição para tentar ca-
     tivar uma atriz, escrevendo-lhe uma carta de 34 páginas, datilografadas em
81



espaço 1! No meio, jogou uma reclamação em forma de poesia.
        “Quanto mal me fizeste em me reviver para o amor. Quanto bem
me fizeste enquanto estive vivo em ti. Quanto mal me fizeste em apagar
em ti teu amor por mim. Quanto bem me fizeste ao matares para sempre
o teu e todos os amores dentro de mim”, declamava o intelectual, leitor de
Orwell e Kafka.
        Mais tarde, com a proximidade da feira de Caruaru, Plínio adiciona-
ria às suas leituras a saborosa literatura de cordel. “Quando falta assunto
com os moradores locais, leio alguns folhetos de feira, que estou com-
prando e colecionando”, revelou, em 1967, já morando em Fazenda Nova.
Muitos desses cordéis estão até hoje guardados, entre livros de literatura,
política, religião, construção civil e vários outros temas, num dos cômodos
do antigo grupo escolar de Nova Jerusalém.
        Hoje se sabe que ele era um consumidor compulsivo de infor-
mação. Interessava-se pelos discos mais tocados nas paradas e os mais
vendidos. Embora não fosse fanático por futebol, queria saber quais
eram os jogos da rodada e estar a par dos resultados. Interessava-se pelo
montante da dívida externa, pela cotação do dólar, por quem seria mi-
nistro ou quantos senadores ou deputados a Arena e o MDB fizeram. Até
curiosidades sobre as casas de show Hipopótamos, Lamss e Regine’s ou a
nova moda da calça comprida e bainha dobrada. “A gente tem que estar
informado de tudo isso, pois tudo isto é importante”, dizia, ele mesmo,
apresentando a relação de assuntos citados.
        O costume da leitura invariavelmente deveria ocorrer antes do café
da manhã ou se possível até as 10h. “Quem lê após esse horário é brasilei-
ro burro, reacionário e todos aqueles que não sabem das coisas importan-
tes que estão acontecendo nos mais variados setores da vida nacional e a
gente já tem idade suficiente para conscientizar-se de como é importante
estar atualizado”, dizia. Para saber das coisas, na imprensa nacional, Plínio
lia e ainda era fã das colunas de Carlos Castelo Branco, Zózimo e Tavares
de Miranda, considerado por ele o maior colunista nacional.
        Muito em razão de hábitos como esse, o amigo Zé do Pato conta
que Plínio redigia divinamente e deveria escrever romances, misturando
a “gaucheza”com a “pernambuqueza”, mas aos incentivos o colega Plínio
respondia apenas com sorrisos, como se, por hora, preferisse apenas de-
senvolver a sensibilidade incomum para a notícia. Como dizia o crítico
americano Harold Bloom, quanto mais as pessoas amam e compreendem
a literatura, menor é sua tendência à soberba. “Esmaragdo Marroquim
enxergava longe que Plínio era uma verdadeira vocação jornalística do
nosso Estado”, elogia o amigo Zé do Pato. “Vi a maneira sublime de ele
praticar a nobre missão, com método e inteligência, sem os cânones das
universidades, mas com a perfeição diametral do vôo livre dos pássaros”.
        Certamente, com muitas fontes na área militar, especialmente na-
82



     quela conhecida como Asas da Liberdade, Plínio era bem informado e não
     havia como passar batido. Embora não gostasse de expor toda a sua im-
     portância profissional, não raro dava uma ajuda valiosa. Um bom exemplo
     foi a cobertura do seqüestro do navio português Santa Maria por um gru-
     po de combatentes do regime português de Franco Salazar. O navio veio
     parar no Porto do Recife. “Plínio me deu o furo de mão beijada”, lembra Zé
     do Pato que, nessa época, além de correspondente de O Globo, também
     escrevia para a Time Life. “O Globo me deu o reforço de José Leal, mas ele
     levou uma surra danada de Plínio. Eu fiquei a bordo do navio e ele me dava
     cobertura na redação, com tudo muito bem apurado. Não tinha ambição
     de dinheiro, fazia com uma boa vontade danada. Além disso, ainda tinha
     a vantagem de não precisar fazer a limpeza dos telegramas”, relembra o
     velho escriba.
            Plínio teve, de fato, uma grande participação para que Patrocínio se
     tornasse um dos astros das grandes reportagens no seu tempo. O próprio
     Zé do Pato conta o episódio em que foi chamado para ser testemunha de
     um casamento célebre de uma das filhas do dono da Pitú, seu Elmo, com
     Antônio Pinheiro, um filho do jornalista Alves Pinheiro, então chefe de re-
     dação de O Globo no Rio de Janeiro. Alves Pinheiro cometeu o desatino de
     colocar o agnóstico Zé do Pato como testemunha, obrigando-o, além de
     comprar roupa e sapato novos, a aprender a andar na igreja. “Passei vários
     dias treinando”, conta. Por iniciativa própria, Zé do Pato fez então duas
     reportagens de página inteira para o JC, transformando-se em cronista
     social. “Essa reportagem passou pelas mãos de Plínio. Ele retocou aqui e ali
     e publicou com grande destaque. Ganhei um prestígio enorme no Globo”,
     rememora o jornalista, que guarda ainda hoje um telegrama de agradeci-
     mento do próprio Roberto Marinho, por conta do factóide.
            Mesmo na cozinha do jornal, com pouco tempo Plínio já gozava
     de tão bom conceito que dava cursos para os iniciantes. Naqueles idos
     de 1950, quando o Serviço Social do Comércio (Sesc) decidiu montar um
     pioneiro curso de jornalismo, pelas mãos do diretor Ruy do Rêgo Barros e
     do historiador Flávio Guerra, Plínio foi uma das primeiras pessoas chama-
     das. Mas recusou, alegando que, fora o jornal, a parte militar lhe tomava
     um bocado de tempo. Indicou então o amigo Zé do Pato e acompanhou a
     distância, tendo feito palestras para os alunos, ao lado do colunista político
     Édson Regis e Paulo Guerra, que era jornalista e mais tarde assumiria o go-
     verno do Estado, após o Golpe de 64.
            Em agosto de 1958, Plínio alugou uma casa na Rua do Progresso e
     fixou residência. Antes de fugir com Diva, em 1957, ele dividia um aparta-
     mento com seis rapazes. “Naquela época, Plínio tinha quatro empregos.
     Trabalhava na aeronáutica, no JC, na Revista do Nordeste e no Diário da
     Noite”.
            Em julho de 1959, foi morar em Afogados e estava completamente
83




Convidado por Plínio, Victor Moreira desenhou ilustrações para o Jornal do Com-
84



     esgotado da rotina estafante de jornal. Para reduzir a carga de trabalho,
     pediu demissão do Diário da Noite e da Revista do Nordeste, concentrando
     suas forças, a partir de setembro de 1959, apenas no suplemento cultural
     do Jornal do Commercio, lançado com o amigo Victor Moreira e o pintor
     Zé Cláudio, que então trabalhava como retocador de fotografias.
            Diva reclamava que todos os domingos Plínio se enfurnava às 8h da
     manhã e só saía por volta das 11h da noite, numa roda viva sem fim. “Nem
     o jornal nem a Aeronáutica, nessa altura da minha vida, me preenchiam
     mais. Eu não queria mais jornalismo porque às 9h da manhã o jornal está
     morto, não diz mais nada. Eu era especialista em comunicações, mas que-
     ria outra coisa. A Paixão então veio ao encontro do que eu queria e o que
     eu esperava encontrar”, explicou, anos mais tarde, em um depoimento à TV
     Globo.
            A rede de relacionamentos que Plínio formou, a partir dos jornais, foi
     outra grande conquista daquele período. Já morando em Fazenda Nova,
     em 1966, ele promoveu o I Congresso de Jornalistas do Interior, com a
     colaboração de uma rodoviária que levou o pessoal até lá. Um banco man-
     dou imprimir flâmulas para colocar no paletó dos convidados, uma livraria
     imprimiu os diplomas e a Coca-Cola mandou refrigerantes, enquanto Diva
     preparou o almoço, servido no Botijinha. “O conjunto deu ótimo resultado
     junto ao público. Na sexta-feira santa, cerca de 200 automóveis do Recife
     vieram bater aqui”, comemorava Plínio, que abria seu parque de emoções à
     visitação antes mesmo de concluí-lo.
            Essa rede foi de grande valia naquele momento e para o resto da
     vida. Uma dessas pessoas de Fazenda Nova que veio ao encontro de Plínio,
     pelas mãos do destino, foi o jovem figurinista e ator Victor Moreira. Os dois
     se conheceram por acaso em 1954 e tornaram-se amigos para o resto da
     vida. Plínio estava acabando de chegar de Fernando de Noronha e foi man-
     dar fazer roupas na alfaiataria Duas Américas, no centro do Recife, quando
     conheceu Victor. A loja, por outra coincidência do destino, pertencia ao
     sogro do comerciante Germano Haiut, que também veio a atuar na Paixão
     de Cristo. Victor estava fazendo a roupa de formatura em Odontologia,
     especialização que acabou abandonando para se dedicar à moda, sua ver-
     dadeira paixão. “Eu percebi o valor de Plínio logo no primeiro contato. Ele
     era uma pessoa muito envolvente. Nós conversamos muito e ficamos ami-
     gos”, relembra Moreira, que já desenhava moda para o Teatro de Amadores
     de Pernambuco (TAP).
            Como um jornal sempre precisava de ilustradores, não tardou para
     que Plínio convidasse o amigo para trabalhar no Jornal do Commercio, no
     suplemento dominical. Com o entrosamento, levou Moreira para trabalhar
     com ele também na Revista do Nordeste.
            A amizade abriu uma porta para que Plínio travasse contato com ou-
     tros jovens atores. Um desses amigos de Victor era Clênio Wanderley, den-
85



tista como ele e que trabalhava em um consultório montado nos fundos
da Igreja da Penha, no bairro de São José. Clênio atuava no mesmo grupo
teatral, a exemplo de outro amigo de Victor chamado Luiz Mendonça, fi-
lho de Epaminondas Mendonça, um coletor de impostos que, na Semana
Santa, assumia o papel de Jesus no Drama do Calvário, em Fazenda Nova.
O figurinista conheceu Luiz Mendonça um ano antes de fazer amizade
com Plínio, quando foi assistir ao espetáculo em Brejo da Madre de Deus.
Os dois também trabalhavam na mesma sessão na Secretaria da Fazenda
e após o expediente se dedicavam em horário integral ao teatro.
        O jornalista Alexandrino Rocha, que deu os seus primeiros passos
na carreira jornalística justamente na redação do Jornal do Commercio
e fez depois as primeiras matérias sobre o espetáculo de rua, para o JC, a
Revista Manchete e também o jornal Correio do Povo, para os quais es-
crevia à época, conta que foi ainda nas pranchetas de trabalho do JC que
Plínio Pacheco começou a colocar no papel o sonho de construir o maior
teatro ao ar livre do mundo. “A gente passava por ele, numa mesa que
ficava próxima ao banheiro, e lá estavam os primeiros traços daquilo que,
mais tarde, seriam as muralhas de pedra de Nova Jerusalém”, afirmou, em
depoimento ao próprio JC, em 24 de março de 1991.
        O tempo que Plínio passou nas redações também foi importante
porque ele ganhou um raro senso de oportunidade, que mais tarde lhe
seria bastante útil para usar a mídia a seu favor. Muitas vezes não dava
certo porque os fatos não dependiam apenas dele. O produtor cultural
sabia que isso poderia fazer grande diferença, como revela em uma carta
de 1966, relatando a inauguração do grupo escolar bancado pelo gover-
nador Paulo Guerra. “Inauguramos a escola sem poder tirar o rendimento
publicitário que eu planejara. O governador mandou dizer, numa sexta-
-feira, que na segunda-feira viria inaugurar. Quando recebi o recado, qua-
se fiquei biruta. Não havia como preparar tudo em menos de 72 horas,
embora tenha dado tudo certo”, contou.
        No tempo das redações, por exemplo, Plínio travou amizade com o
jornalista Paulo Fernando Craveiro. Ficaram tão amigos que a mulher do
jornalista, Léa, em 1972 comemorou seu aniversário na casa de praia que
Diva alugou para passar umas férias em Rio Doce. Um episódio pitoresco
entre o jornalista e o pessoal de Fazenda Nova quase acaba a amizade,
numa visita que Craveiro fez, em 1956, ao espetáculo de rua. Fazendo
parte de um grupo de visitantes, como Plínio, Craveiro passou várias horas
preso em um banheiro, que alguém havia trancado a porta por maldade.
“Craveiro passou 11 anos sem visitar Fazenda Nova, com raiva. Hoje, Nova
Jerusalém tem mais banheiros do que quartos em homenagem a Paulo
Fernando Craveiro”, diverte-se Diva Pacheco, conforme relata em seu livro
de memórias, no qual o jornalista escreveu o prefácio, sem demonstrar
nenhum rancor.
86



             Se não estivesse numa redação de jornal, talvez nunca o ator e dire-
     tor Luis Mendonça, irmão de Diva e intérprete do primeiro Cristo quando
     o espetáculo era nas ruas, tivesse lhe convidado para conhecer o drama,
     numa das vezes em que foi à redação pedir a publicação de notas sobre o
     evento, na metade da década de 50.
             Vários contatos dessa época seriam muito importantes mais tarde,
     quando o gaúcho de Santa Maria tomou a decisão de suspender tempora-
     riamente o espetáculo e dar início a uma verdadeira via-crúcis, com muitas
     viagens aos gabinetes ministeriais em Brasília, em busca de recursos para
     as obras de Nova Jerusalém. Uma dessas pessoas foi o próprio dono do
     jornal em que trabalhou e que em 1962 foi eleito senador por 14 partidos,
     praticamente a unanimidade das forças políticas do Estado naquela época.
     Era chegada a hora de colocar um dos homens mais importantes de Per-
     nambuco para trabalhar a seu favor.
             A decisão de abandonar o Jornal do Commercio, em outubro de
     1962, mostrou-se uma das mais acertadas da sua vida. A partir de 1966, o
     sistema JC começou a naufragar em uma grande e longa crise.
             De 1966 a 1974, o JC foi gerido pelo filho do senador, Paulo Pessoa
     de Queiroz, antes de sofrer intervenção extra-judicial. A derrocada do
     grupo começou com a queda do governo Costa e Silva, quando uma junta
     militar assumiu o poder central. Costa e Silva foi quem dera aval para a TV
     da Bahia, que Paulo Pessoa de Queiroz iria montar em sociedade com o
     banqueiro Clemente Mariano. A queda do padrinho político acentuou a
     crise financeira.
             A publicação só viria a se recuperar em 1987, com a sua compra e a
     profissionalização promovida pelo empresário João Carlos Paes Mendonça.
     No início daquele ano, o JC viveu uma greve histórica, que parou as ofici-
     nas por mais de três meses, antes da venda para o empresário, então dono
     da rede de supermercados Bompreço.
             No começo de 1962, a rigor Plínio sabia há muito tempo que o jorna-
     lismo era só um meio de sobrevivência. Era como se fossem duas pessoas
     em um corpo só. No caso, o jornalista sustentava o produtor cultural, que
     estava sempre lá, de tocaia. Então, chegou a hora em que o jornalista se
     aposentou e o produtor cultural teve que sustentar a casa.



                                             Correndo do patrulhamento
           Os amigos de redação que conviveram com Plínio contam que ele
     era um tipo esquisito, de pouca conversa e que nunca ia fardado para o
     trabalho, apesar de ser suboficial da Aeronáutica. Fazia isso apesar do orça-
     mento magro. Era quase certo que ele ainda não tinha dinheiro para gastar
87



com roupas, embora mais tarde tivesse entre os seus luxos uma coleção
de chapéus, das marcas Lucky Hals, Prada e Ramenzoni. A mais provável
razão para evitar a farda, entretanto, era o receio de tornar-se vítima do
patrulhamento ideológico que reinava naquele momento político, entre
esquerda e direita. Não raro os militares em geral eram identificados com
as forças conservadoras.
       Mesmo antes do Golpe de 64, as redações já reproduziam o clima
de beligerância entre esquerda e direita. O veterano jornalista José do
Patrocínio, numa coluna assinada em 12 de fevereiro de 1982, revela esse
clima pré-64. No artigo intitulado “As Tais Patrulhinhas Ideológicas”, Zé do
Pato cita as perseguições que um jovem repórter sofria de um chefe seu,
alinhado à esquerda. Segundo o relato de José do Patrocínio, depois de
participar de um curso de jornalismo no Sesc e ter sido indicado por ele
para o Diário da Noite, o rapaz começou a ser sabotado, por ser ligado a
Zé do Pato, identificado como conservador.
       “Um desses alunos do cursinho do Sesc se destacou pela inteli-
gência, sagacidade, bom faro para reportagem, boa redação, enfim, uma
vocação incomum para o jornalismo. E ele veio bater com os costados
aqui na redação do Diário da Noite, onde pontificava um subsecretário
(não vou citar nomes) de tendência esquerdista, querendo subir e fazer-se
por si mesmo, fiel a seus companheiros de maior hierarquia no partido.
Certo dia, este meu aluno puxa-me pela gola e diz que vai desistir, pois
o chefe diz que tudo que faz não presta... mas está redondamente enga-
nado e vou dizer porque ele tenta convencer você disto. Ele é da ala da
esquerda, sabe de onde você saiu, nossas conseqüentes ligações afetivas
e por isso quer destruí-lo e com isso quer me atingir”, confidenciou, para
depois dar um conselho ao amigo. “Faça o seguinte: intrigue-se comigo
ou faça-se de indiferente. Torça-me o pescoço. Quando escutar a esquer-
dalhada esculhambar-me, pode ajudar ou, se quiser, fique calado. Não me
defenda de jeito nenhum”. Deu certo, segundo Zé do Pato. “Esse ex-aluno
chegou a secretário do jornal onde o esquerdinho lhe havia dito que ele
não dava para nada. Chegou a líder sindical, fez estágio nos Estados Uni-
dos, foi diretor-editor de revistas, empresário próspero a caminho de me-
lhores águas e voltou a ser meu amigo. Hoje, orgulha-se de ter saído do
cursinho de jornalismo do Sesc, mesmo depois de colocar num dos dedos
um anelão de bacharel em direito”, escreveu José do Patrocínio, em 1982.
Entrevistado para a produção do perfil de Plínio, Zé do Pato revelou que
o rapaz perseguido era o jornalista Olbiano Silveira, hoje dono da gráfica
Comunigraf, enquanto o “esquerdinho” era o jornalista Manoel Barbosa,
falecido em 1999.
       Quando estourou o golpe, Plínio não estava mais atuando nos
jornais, mas a empresa Jornal do Commercio apoiou abertamente a dita-
dura, sem o menor constrangimento e sem ao menos mencionar que o
88



     senador F. Pessoa de Queiroz era de um partido de oposição, em 1962. Tal-
     vez não fosse preciso, pois Dr. Pessoa era tido e havido por todos como um
     conservador empedernido.
             Certamente Plínio nunca seria preso, como Milton Coelho da Graça
     – o chefe da Última Hora no Recife, conhecido pelo costume de entrar na
     redação dando vivas ao comunismo – mas quem conviveu com o jornalista
     gaúcho diz que Plínio chegou a ter alguma tendência de esquerda. “Plínio
     era um daqueles militares que a gente chamava de melancia. Verde por
     fora e vermelho por dentro. Ele falava com as pessoas mais próximas sobre
     idéias marxistas, mas não se podia falar abertamente, ainda mais sendo
     militar. Era sim um pouco pendido para a esquerda, mas era comedido”,
     contou Zé do Pato. Os receios de Plínio não eram infundados. Em 1964, o
     jornal Última Hora, por exemplo, foi fechado pelos militares, com apenas
     dois anos de vida. Milton Coelho da Graça foi preso e espancado.
             Homem de muita leitura, Plínio demonstrava ter-se aborrecido com
     uma das profecias do marxismo, que previa o socialismo como o estágio
     mais perfeito de organização da economia e da sociedade. “A pureza do
     comunismo, no seu ideal de igualar a todos os homens em todas as suas
     formas de vida, foi transformada em um regime de opressão, principal-
     mente do pensamento”, escreveu, em 1966. Desde 1956, no famoso XX
     Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), o então secre-
     tário-geral da entidade, Nikita Kruschev, já havia denunciado os crimes de
     Stalin. Isso abalou os comunistas e os partidos comunistas ocidentais. Na-
     quele mesmo ano, ocorreu a invasão da Hungria e, em 1968, a invasão da
     Tchecoslováquia, bem como eventos importantes, como a construção do
     muro de Berlim, a constituição da Cortina de Ferro e do Pacto de Varsóvia.
     “Todos esses acontecimentos estiveram relacionados com o crescente revi-
     sionismo de muitos comunistas e partidos comunistas ocidentais”, explica
     o historiador Túlio Velho Barreiro, da Fundação Joaquim Nabuco. “É bom
     lembrar ainda que os partidários de Leon Trotsky – que se contrapunha à
     III Internacional Socialista, criada e conduzida por Stalin e seus sucessores
     – desde a morte de Lênin já combatiam a burocratização do PCUS e da III
     Internacional Socialista e a tirania do Estado soviético”, acrescenta.
             Se algum dia foi socialista, Plínio esqueceria dentro de mais alguns
     anos. Em 1979, com base nas cartas que deixou, pode-se dizer que ele fez
     uma clara opção pela economia de mercado, declarando-se capitalista e
     contra o comunismo. A definição consta de uma correspondência em que
     Plínio fala sobre a política internacional com o amigo Victor Moreira, mo-
     rando nessa época em São Paulo. Nessa carta, aliás, Plínio antecipa aspec-
     tos da geopolítica mundial com precisão. “No fim, o importante é o Oriente
     Médio – o americano entrando lá, como fazia e muito bem na América La-
     tina, tomando tudo, ficando dono, ficando com o petróleo e depois entran-
     do em Israel também, tomando tudo, ficando dono, ficando com o ouro
89



dos judeus e com o óleo dos árabes. Assim, é a única maneira de não ficar
com o comunismo e ficar com o capitalismo, que é católico”, escreveu.
        Com sua capacidade de antecipação dos fatos, analisando informa-
ções e estratégia militar, Plínio vislumbrou um conflito que se materializou
no início do Século XXI e vem se eternizando desde então. Naquele ano, o
Irã já havia se transformado em um barril de pólvora. O Ayatolá Khomeini
havia assumido o poder e iniciado a república islâmica. Uma de suas pri-
meiras iniciativas foi ordenar a execução de todos os auxiliares do Xá Reza
Pahlevi. Em 1980, começou a guerra com o Iraque, que só viria a ter fim em
1988. Em 1990, explodiu a Guerra do Golfo, entre o Iraque e o Kuwait, justa-
mente por causa do petróleo. Os Estados Unidos, altamente dependentes
do petróleo, assumiram a guerra ao lado do Kuwait.
        A coleção de cartas trocadas com o amigo é a prova mais consistente
de que, após a pausa oficial do jornalismo, Plínio manteve-se disciplinado,
escrevendo sempre, para manter o braço aquecido. Na verdade, era um
missivista compulsivo, naqueles tempos em que o e-mail ainda não tinha
sido inventado. Gabriel Garcia Marques já escreveu, explicando a questão
de forma definitiva, que o vício de escrever é abrasivo e insaciável.
        Na política internacional, conforme a leitura de suas cartas, Plínio
interessava-se pelo mundo, sempre denotando uma posição conservado-
ra. No caso da França de sua época, ele demonstrava preocupação com o
destino do país, depois que Charles de Gaulle morresse. “Como eles vão
se arranjar? Aquilo vai é acabar nas mãos do Mitterrand”, escreve Plínio,
demonstrando sua predileção pelo líder conservador francês, em contrapo-
sição ao socialista François Mitterrand.




            Além do JC,
       Plínio trabalhou
      em outras publi-
       cações. Naquela
     época era comum
   a dupla jornada. No
     Diário de Notícias
      o amigo José do
    Patrocínio assinou
      sua carteira fun-
90



            Quando fala sobre os destinos da Itália, a orientação política de Plínio
     parece ainda mais clara. “Na Itália, a melhor saída acho que era botar o papa
     no lugar do Aldo Moro e o Aldo Moro no lugar do papa, mas acho que não
     dá, pois parece que mataram o Aldo Moro”, brinca, referindo-se ao primeiro
     ministro da Itália, morto em maio de 1978 pelas Brigadas Vermelhas, grupo
     radical de esquerda, depois que o líder da Democracia Cristã fez uma coali-
     zão com os comunistas para governar. Moro passou 55 dias refém, antes de
     ser executado, sob o pontificado de Paulo VI.
            Nesta mesma carta, escrita em 1979, o produtor cultural demonstrava
     ainda interesse em mais dois países comunistas, China e Rússia, sempre des-
     tacando problemas de desmandos das lideranças comunistas. “Já fuzilaram
     ou enforcaram ou estrangularam a gang de Pequim? E o (Leonid) Brejnev,
     faz quanto tempo que morreu? Já enterraram? Já botaram na cadeia o
     substituto dele?”, reclama, em tom de questionamento e numa premoni-
     ção alarmante. O líder soviético só viria a morrer em 1982, substituído pelo
     presidente da KGB, Yuri Andropov. Somente em 1985 Michail Gorbachev
     seria guindado ao posto de secretário-geral do Partido Comunista da União
     Soviética, instituindo uma política de abertura política (Glasnost) e reestrutu-
     ração econômica (Perestroika), para renovar o socialismo. Não durou muito
     tempo, 1989 ficou conhecido como um ano de profundas transformações
     na política mundial, sendo a principal delas justamente o fim dos regimes
     da Cortina de Ferro. Três décadas depois de erguido, caiu o muro de Berlim,
     a maior herança da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética,
     que se extinguiu naquele ano. Em 1991, acaba-se oficialmente a União das
     Repúblicas Socialistas Soviéticas, que se tornam independentes. Além disso,
     naquele ano Gorbachev renuncia à presidencia e recebe o Prêmio Nobel da
     Paz.
            Curiosamente, quando fala de Cuba, a sempre polêmica ilha do Cari-
     be, Plínio comete um erro histórico, não se sabe se de forma intencional para
     fugir da censura vigente na época. “Quem fez certo foi Cuba, que fuzilou
     Fidel e botou o Guevara no Governo”, comenta. Na única referência negativa
     aos americanos, Plínio se pergunta se (Richard) Nixon (reeleito presidente
     dos Estados Unidos em 1972) iria entregar as fitas do caso Watergate.
            Contraditoriamente, o mesmo Plínio que criticava comunistas tinha
     palavras duras para os conservadores que governavam o Brasil ao longo
     dos séculos. As críticas à indústria da seca são um exemplo, de acordo com
     um longo relato extraído de uma carta escrita ao amigo Victor Moreira
     em 1979. “O que tem hoje, partindo do sul de Minas, vindo da Bahia até o
     Ceará, de promessa de Bom Jesus da Lapa, Senhor do Bonfim, São Severi-
     no dos Ramos, São Francisco do Canindé, Padre Cícero, Frei Damião, além
     de macumba, xangô, vela acessa, para vir logo e bem demorada e bem
     grande uma grande seca ou uma grande enchente, e bom mesmo seria
     as duas juntas, é de você dizer que é mentira minha”, espanta-se Plínio. “E
91



não é apenas promessa e mais coisa só de governadores e prefeitos e co-
merciantes e fazendeiros que estão devendo tudo aos bancos, não. É todo
mundo, o povinho, o povo médio, o povo alto. Porque, no fim, no particu-
lar, todos perdem pouco e, no geral, todos ganham mais do que perdem”,
critica.
        Até hoje, o flagelo da seca açoita e continua castigando o Sertão.
Pelos dados da extinta Sudene, a primeira estiagem teria sido registrada
em 1564, tendo ocorrido períodos de secas mais severas em 1915, 1952 e
1958.
        Embora não tenha feito publicamente, Plínio também deixou regis-
trada sua crítica contra o mau uso da terra e os seus efeitos ambientais,
como erosão e desmatamento, apontando-os como principais causas do
fenômeno da estiagem no Nordeste. Os poetas costumam dizer que o
clima no Agreste é tão impiedoso que as sombras são leves, como se as
almas do outro mundo tivessem medo do próprio Sol. Para Plínio, a culpa
pelos agressivos e danosos costumes de produção locais de Fazenda Nova
era de gerações, vinda do avô dos avós deles.
        Com sua grande erudição, em 1979 Plínio se compara, nessa ques-
tão do uso da terra, à figura de Mr. Propter, personagem principal do livro
Também o Cisne Morre, de Aldous Huxley. Na obra, como explicado, um
professor universitário vai morar num pedaço de terra herdado do pai. Prop-
ter constrói uma casa para morar e várias casinhas para alojar famílias que
subiam para a Califórnia no período da colheita da laranja. Em geral, essas
pessoas eram ex-agricultores que tinham perdido suas terras. Exaustas, es-
sas terras requeriam adubos químicos que eram fornecidos pelos bancos
e acabavam não sendo pagos devido às más colheitas. Como resultado, os
bancos tomavam as terras e os agricultores passavam à condição de traba-
lhadores alugados.
        De uma maneira geral, para o produtor cultural, esse tipo de gente
era igual ao pessoal de Fazenda Nova, em termos de responsabilidade com
a terra. “Eles só fazem tirar tudo da terra, nada lhe retornando. Metem a
foice para cima, derrubam árvore e vegetação, tocam fogo, com as infames
queimadas. Então plantam e tudo muito bom no primeiro ano, mas o fogo
queimou as raízes que sustentavam a pequena camada de húmus e tam-
bém matou os bichinhos que faziam buracos, canais e labirintos na terra, por
onde entra o ar e se infiltra a água. Quando chegam as trovoadas, lá se vai
tudo na erosão e a terra vira um carrasco. Com isso, também a climatologia
foi modificada. A culpa já vem do avô do avô deles e todos são culpados,
mas como todo mundo se julga bom, ninguém aceita que a esterilidade da
terra é culpa própria e de todos os seus antepassados. Então o culpado é
Deus, que manda chuva demais ou de menos. E se Deus está fazendo isso
não é porque Deus é mau, pois Deus é bom. Está fazendo isso para que o
homem pague pelos pecados que cometeu ou está cometendo”, analisa,
92



     desmontando o discurso religioso ainda vigente em várias comunidades po-
     bres do Nordeste.
             Já fora das redações, os dramas de sua aldeia (a capital, Recife), tam-
     bém eram objeto de suas preocupações e, não raro, um prato cheio para a
     crítica aos costumes locais, mesmo na distante Fazenda Nova.
             Em junho de 1966, por exemplo, uma forte cheia invadiu o Recife e
     Plínio acompanhou tudo pelas imagens da TV. A força das águas acabou em
     catástrofe, mas não para o espanto do produtor cultural. “Naquela zona, só se
     permite a entrada com barcos a motor. Em todo canto, há vítimas. O Dr. Fábio
     Corrêa ficou encurralado, com água no primeiro andar de sua casa. Sílvio Pes-
     soa, deputado, rapaz pobre (hoje procurador-geral do Estado), perdeu tudo,
     com três metros de água dando no teto da casa dele”, conta ao amigo Victor
     Moreira. Plínio relata que as águas chegaram à Estrada dos Remédios e aca-
     baram com a Rozenblit (fábrica de discos) e também invadiram o Clube In-
     ternacional. “Era boiada e fardos de algodão, móveis, televisão, tambores de
     gás, tudo de roldão na correnteza. A água não vinha enchendo pelos rios, ela
     estourava pelas bocas dos esgotos, da Boa Vista à Varzea, incluindo o Derby,
     Madalena... Era um mar só, com dois terços da cidade dentro d’água”, conta.
             Apesar do cenário de desgraça, Plínio caçoou. “Agora imagine, no
     meio, por cima d’água, querendo se salvar com as pessoas, aqueles milhões
     de ratos que devia ter uma cidade suja e imunda como o Recife. E as cobras?
     Ainda tem gente abrindo gaveta e encontrando cobra. As mulheres eram a
     imagem do pavor, mastigando um rosário com cada conta do tamanho de
     um coco de babaçu”.
             Não se tratava de sadismo. Plínio achava que os transtornos poderiam
     servir para alguma coisa. “A cheia veio despertar a consciência de que en-
     chente não é privilégio de pobre, pois enchente no Recife não atinge apenas
     quem construiu à beira-rio, mas também à beira-mar”, numa referência à elite
     de Boa Viagem. O alvo de suas críticas era a especulação imobiliária, já forte
     no Recife desde então. “As cheias são um problema de imprevidência geral.
     Estão aterrando tudo, não canalizando”, reclamava, em dúvida se os proble-
     mas despertariam mesmo as consciências. “A verdade é que daqui a um mês
     está tudo na mesma. Todo mundo esqueceu. E tome aterro de novo, para ter
     mais terreno, para poder vender e ganhar mais dinheiro e comprar um novo
     automóvel e tome mulher boa e uísque”. Nessa questão, Plínio era impiedoso
     com o comportamento imprevidente. “Eles pensam assim: e a próxima cheia?
     Ora, essa vai ser lá no Beberibe, de 30 em 30 anos. Daqui para lá eu já morri e
     quem estiver vivo que se fuzile”, ironiza.
             Em plena censura militar, Plínio não perdoa nem mesmo a mobilização
     para socorrer os mais necessitados, em que ele vê hipocrisia social. “Depois
     da tragédia das águas, queriam tomar providências. Agora estão todos com
     Dom Hélder, para cá e para lá. Hoje mesmo tem gente indo para São Paulo,
     atrás de Roberto Carlos. Eles souberam que ele é muito bonzinho. Até então,
93




    Em 1956, Plínio ainda
atuava na imprensa local,
  no mesmo ano em que
           se apaixonaria
              pelas serras
       de Fazenda Nova
94



     era um cafajeste, afrangalhado, cabeludo, dessa geração maluca e barulhen-
     ta, como dizem. Agora, eles querem que ele ajude os pobres, arrume roupa,
     faça um festival de beneficência. Foram pedir para ele cantar aqui (em Nova
     Jerusalém) por amor ao próximo. No andamento das coisas, não vou me
     admirar se pedirem às putas para dar a renda de uma noite em benefício das
     vítimas. Tudo porque a lama chegou também à casa deles”, critica. O cantor
     Roberto Carlos, afrangalhado ou não, não chegou a se apresentar em qual-
     quer show em Fazenda Nova. No ano de 1972, chegou a assistir ao espetácu-
     lo, disfarçado para evitar o assédio dos fãs.
             Naquele tempo, Plínio podia ser muito inteligente, muito bem in-
     formado, discorrer sobre vários assuntos com desenvoltura, mas só Deus é
     onisciente. O destino, conspirando sempre, seja contra ou a favor, também
     costuma preparar armadilhas até para os menos incautos.
95




             Capítulo VII




     No fórum de Pilatos
Não julgueis e não sereis julgados




                     A PAIXÃO DE PLÍNIO
96
97




                               Não julgueis e não sereis julgados




       No Carnaval de 1956, Plínio Pacheco, então com 30 anos, sem
saber que o destino conspirava a seu favor, deu-se umas férias do des-
gastante dia-a-dia do jornal e atendeu a um convite para ir descansar
em Brejo da Madre de Deus. Sua intenção era trocar o Recife e sua agita-
ção nos dias de Carnaval – festa da qual nunca gostou – para recarregar
as energias na famosa instância hidromineral de Fazenda Nova, distrito do
Brejo da Madre de Deus, distante 180 quilômetros da capital.
       Plínio já ouvira falar das águas consideradas milagrosas. O que ele
não sabia era que aquele pequeno lugarejo interiorano também tirava
folga do puritanismo reinante e se entregava de corpo e alma à folia de
Momo.
       Nos demais 362 dias do ano, o lugar era marcado pelo conservado-
rismo religioso mais arraigado. Um episódio admirável, ocorrido em 1865,
serve à perfeição para dar uma idéia dos rígidos limites impostos pela
moral católica local. Os mais antigos moradores contam que os frades ne-
cessitavam de uma linha (tora de madeira) grande o suficiente para servir
de cumeeira para a Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho do Brejo da
Madre de Deus, então em construção. A madeira só poderia vir das matas
de Bitury (próxima do Brejo da Madre de Deus, no limite do município de
Belo Jardim), de onde foi encomendada. O percurso da linha de Bitury até
a cidade somava alguns quilômetros e tinha que ser trazida nos ombros,
devido às dificuldades de transporte da época. Inúmeros moradores e
alguns escravos cumpriam a tarefa, recebendo no trajeto a ajuda de novas
pessoas desejosas também de colaborar com a construção da igreja.
       Aconteceu, porém, que ao chegarem nas imediações da cidade,
num lugar chamado até hoje de Pedra Grande, depois de uma pequena
pausa para descanso da árdua tarefa, a linha empacou, sem mais nem
98



     menos. Por mais que tentassem erguer a madeira e prosseguir, não conse-
     guiam nem levantá-la até a altura dos joelhos. O número de braços havia
     sido multiplicado, mas a força desprendida mesmo assim não era suficien-
     te para suspendê-la. Todos ficaram boquiabertos e pasmados. Podia ser
     exaustão, face à fadiga durante o longo percurso. Mas outras pessoas que
     não haviam carregado a linha também nenhum efeito conseguiam, quan-
     do alguém teve a idéia de mandar chamar o frei Caetano. O missionário
     correu para lá a fim de se inteirar do problema. Depois de ter feito várias
     indagações, o religioso verificou que tudo não passava de interferência
     satânica!
            - Isto é arte do demônio, gritou em voz alta, tratando logo em segui-
     da de fazer preces fervorosas, como que tentando exorcizar o mal.
            - Aqui tem um amancebado segurando a linha, concluiu, virando-se
     para os homens que tentavam conduzir a madeira a qualquer custo.
            Logo um pobre homem foi apontado pelos demais como amasia-
     do. Segundo a história é contada, a partir de então a condução da linha
     ocorreu facilmente, com o seu transporte até a cidade, mesmo depois de o
     mesmo padre ter colocado sobre a madeira uma criança bastante robusta.
     Verdade ou ficção, com essa fábula, transmitida de geração em geração em
     vários sermões, ficara decretado que viver maritalmente com uma mulher
     sem ser casado no religioso era um pecado grave.
            A igreja foi inaugurada em 1868, o lugarejo virou distrito, depois
     cidade, mas os costumes locais não mudaram muito naquele distante ano
     de 1956 em que Plínio desembarcou pela primeira vez em Brejo da Ma-
     dre de Deus. Mais tarde, outro padre, o frei Sebastião das Virgens, marcou
     época, em suas pregações evangélicas, contra as mulheres que usavam
     vestidos com a maldita saia-balão. Assim, os excessos do Carnaval não
     eram suficientes, por maior que pudesse ser a transgressão, para mudar a
     moral vigente, embora os costumes já fossem bem mais liberais, ao ponto
     de não faltar até mesmo um bloco de meretrizes, composto por prostitutas
     brejenses e amigos destas. As mulheres perdidas, como eram chamadas,
     saíam trajadas a rigor, com fantasias provocadoras para a época. Os seus
     vestidos eram um pouco acima dos joelhos.
            Não exatamente pela altura das saias, o Carnaval de 1956 seria ines-
     quecível para o visitante ilustre, então secretário de redação do Correio do
     Povo. E descanso foi o que Plínio menos teve naqueles dias.
            A festa profana também era esperada com ansiedade pelas meninas
     de família. Diva, a filha caçula do coronel Epaminondas, era uma delas. Ela
     achava aquela a melhor festa do ano. Naquele ano, em que se fantasiou de
     cigana rica, costurando o próprio vestido, ela havia pedido ao irmão Luiz
     Mendonça, chamado carinhosamente por ela de Lourinho, que chamas-
     se uns rapazes do Recife, pois assim a festa ficaria mais animada. Assim,
     houve uma preparação anterior ao encontro dos dois. Diva não brotou do
99



nada na vida de Plínio, como uma estrela a milhões de anos luz que só
agora era descoberta.
       Quando o irmão chegou à cidade com o grupo de rapazes, Plínio no
meio deles, em pleno domingo de Carnaval, no dia 13 de fevereiro daque-
le ano, Diva já estava com sua troça na rua. “Fomos apresentados, mas ele
já me conhecia de nome. Na viagem, falaram muito de mim. Eles vinham
apostando quem ia namorar comigo”, conta Diva, em suas memórias.
Como o hotel da família estava lotado, Diva teve que emprestar sua cama
para o hóspede. “Ele era de cerimônia”, lembra. “Fiquei danada, mas era o
único jeito. Depois que serviram o jantar, vesti minha fantasia de cigana e
entrei na sala. Plínio ficou todo animadinho para dançar Carnaval. Eu, que
de besta só tenho a cara, notei logo”, conta.
       Realmente não havia mesmo como ignorar a moça, de uma beleza
selvagem sem igual. Com dezesseis para 17 anos, poucos anos a mais do
que uma garrafa de bom uísque, a jovem menina fazia jus ao nome que
recebera no batismo. Os seus olhos azuis hipnotizaram muitos rapazes e
marmanjos. A descrição de Diva feita pelo jornalista e amigo da família
Paulo Fernando Craveiro, no prefácio do livro de memórias dela, de 1971,
não pareceria exagero aos olhos de um homem apaixonado, como Plí-
nio naqueles dias. “Diva tem uma vantagem sobre muita gente. Ela tem
pedaços de céu nos olhos. Talvez o cosmonauta soviético Gagarin tenha
exclamado que a terra é azul, lá das imensidões siderais, por estar fixando
os olhos de Diva naquele exato momento”, escreveu. “Naquele tempo, eu
pesava 68 quilos e era um material bom e enxuto”, diverte-se a atriz, aca-
tando os elogios.
       Encantado com a beleza desabrochando em flor, Plínio quedou-se
nos excessos que sempre evitou. “Fomos ao clube e dançamos até as 4h
e Plínio lá. Na segunda-feira, logo às 10h, a troça foi até Brejo da Madre
de Deus, ao som de Vassourinhas, com todo mundo de preto e Plínio lá,
de preto também. Ele acompanhava firme, de vez em quando pergun-
tando se eu não estava cansada”, lembra Diva. “Como bebíamos até água
de sino, não havia como ficar cansado”, relembra. Diva fazia o estandarte
das troças e convidava várias pessoas. Os sanfoneiros vinham de Fazenda
Velha, pagos com uma vaquinha (nome popular de uma forma de arre-
cadar dinheiro com a comunidade). Naquele clima de festa, a maior fonte
de inspiração da jovem atriz era uma mulher chamada Maria Catingueira,
com quem Diva aprendeu o gosto pelo Carnaval, a arte do artesanato e as
primeiras lições de improvisação de figurinos para o Carnaval.
       “Diva era uma alegoria pronta. Ela foi produzida para o Carnaval”,
conta o amigo Victor Moreira.
       Apesar de seu temperamento circunspecto, Plínio, a partir daquele
ano e por causa da amada, acabava entrando no clima carnavalesco. A
filha mais velha dos Pacheco, Nena, conta no documentário Plínio, Terra
100



      e Flor, que num sábado de Zé Pereira, muitos anos depois do primeiro en-
      contro do casal, acordou e encontrou o pai vestido de galo. Acompanharia
      a mãe, fantasiada de galinha, no desfile do Galo da Madrugada. “Eu achei
      ridículo. Mas foi a maior prova de amor, de sensibilidade dele”, lembra a
      filha.
                Na quarta-feira de cinzas do primeiro Carnaval de Diva e Plínio, os
      rapazes foram embora para o Recife, mas a imagem daquele pedaço do
      céu de Brejo da Madre de Deus não saiu da memória do rapaz. No sábado
      seguinte, Diva recebeu, pelo ônibus, um pacote e uma carta dele. Um vidro
      de perfume para ela, um punhal de prata para o pai, uma concha de prata
      para a mãe, além de jornais e revistas, compunham o primeiro presente
      com que Plínio tentava cortejar, expondo suas pretensões. “No meio de
      tudo, havia uma pomada para passar nos pés. Ele era muito caprichoso”,
      lembra Diva.
                Os mimos mais tarde também se estenderiam ao clã dos Mendonça.
      Plínio, com segundas e terceiras intenções ou não, começou a ajudar no
      espetáculo naquele mesmo ano. Fretou um vagão com a Rede Ferroviá-
      ria e levou uns 20 jornalistas e dois ônibus de turistas. “Os hotéis ficaram
      lotados”, cita Diva. Naquele mesmo espetáculo de 1956, em que Plínio e
      Diva se conheceram e se apaixonaram, um jovem chamado José Pimentel
      ingressou no drama, fazendo um dos soldados romanos, menos pela expe-
      riência teatral e mais pela exuberância física obtida em aulas de fisiculturis-
      mo.
                A primeira das 750 cartas que Diva diz ter recebido de Plínio dali em
      diante foi escrita cinco dias depois de os dois terem se conhecido. “Tenho
      saudades de você, Diva, mais do que devia. E temo que isto seja um mal.
      Saudades dos breves momentos que passamos juntos. Dançando, con-
      versando e mesmo em silêncio. Os quais, talvez, tenham sido os melhores.
      Sinto vontade de estar com você, na janela do clube, como naquela última
      noite, e então fazer o que naquele momento senti vontade de fazer e não
      fiz...”, escreveu. “Gostaria de estar, outra vez, sentado ao seu lado, defronte
      daquela casa, perto do clube. Vontade de ouvir sua voz. Saudade, enfim,
      de todos os instantes”.
                Naquele mesmo mês de fevereiro, Diva mandou um telegrama,
      avisando que daria a resposta ao pedido de namoro no Recife, para onde
      viajou com a irmã mais velha, Geni, que ia alugar uma casa no bairro de Rio
      Doce, em Olinda. Oito dias depois os dois se encontraram na rodoviária da
      capital. Plínio recebeu as duas todo de branco, com um terno de linho. “Pa-
      recia uma vela branca”, lembra Diva, que acabou aceitando o namoro, não
      sem antes impor cinco condições.
                A primeira delas era ele não ser ciumento. Não era uma exigência
      descabida, considerando que Diva sonhava desde cedo em seguir a car-
      reira de atriz e as mulheres, naquela época, não contavam com muita
101




Segundo o amigo Victor Moreira Diva nasceu para o carnaval. Fazenda Nova fervia nessa


                                           liberdade, muito menos quando
                                           tinham a coragem de subir num
                                           palco. Na época, atrizes não
                                           eram bem vistas pela sociedade
                                           provinciana, mesmo no Recife,
                                           e as moças eram condenadas
                                           principalmente pelas beatas e
                                           as mulheres mais religiosas do
                                           lugar. Com os rígidos costumes
                                           da época, os realizadores enfren-
                                           tavam os maiores desafios para
                                           conseguir moças para trabalhar
                                           com eles. Depois de estrear,
                                           em julho de 1955, como uma
                                           bruxa em uma adaptação de
                                           chapeuzinho vermelho, com os
                                           irmãos, definitivamente Diva não
                                           pensava em parar mais. Desde
                                           os primórdios do espetáculo da
                                           Paixão de Cristo, a garota estava
                                           acostumada a lidar com o pesso-
                                           al de teatro, que apoiou as pri-
                                           meiras encenações. Gente como
                                           Waldemar de Oliveira, Alfredo de
                                           Oliveira e a jornalista Nair Bor-
102



      ba, convidados do seu irmão Luiz Mendonça, que também fazia teatro
      no Recife e mais tarde se consagraria como importante diretor na Rede
      Globo. Além disso, aos 15 anos, em 1954, seu pai já a tinha retirado do
      colégio, alegando que estudar era luxo, obrigando-a a trabalhar no ho-
      tel e na loja de tecidos da família. Tudo que Diva queria era respirar um
      pouco de liberdade. “Meu colégio foi uma cozinha de hotel e um balcão
      de loja. Até hoje detesto essas duas coisas”, contou, em 1971. Assim,
      Diva não queria um novo coronel tolhendo seus passos.
             A segunda condição para aceitar o namoro era Plínio gostar de
      dançar, principalmente Carnaval e São João. Isso era tão caro a Diva que
      ela mesmo já colocou, em seu testamento, já público, o pedido para que
      no seu enterro ninguém chore. “Toquem, por favor, Vassourinhas. É a
      única coisa que me anima”.
             A terceira condição era que o candidato gostasse de dança, teatro
      e música. Embora tivesse aceitado a regra, já no Carnaval do ano seguin-
      te, o amor continuava, mas a animação de Plínio não era mais a mesma.
      “Chegou novamente o Carnaval. Dessa vez não foi tão bom como o de
      1956. Tudo correu bem, mas Plínio não era mais o rapaz que conheci. Ele
      dizia que gostava, mas estava cansado”, contou Diva. Mais tarde, Plínio che-
      garia mesmo a implicar com sua paixão pelo Carnaval, ficando zangado a
      ponto de retirá-la de circulação sempre que possível. Com seu sarcasmo
      habitual, Diva chegou a fundar, em 1971, a troça Vou, mas não volto, numa
      referência aos reboques que Plínio promovia, no meio do caminho da folia,
      muito possivelmente por causa das estripulias etílicas da companheira,
      sempre calibrada, nessas festas, por bate-bate de maracujá e outras mis-
      turas. “Nós entrávamos em todas as casas. Em cada uma, bebíamos um
      pouquinho. Na casa onde entro, bebo até merda, seja de pobre ou de rico.
      A nossa troça só tinha bêbado e eu era a primeira. Quem não bebe neste
      mundo, no outro será bebido”, contou, em depoimento de 1971.
             Diva, em sua quarta exigência, gostaria de ter liberdade para se ves-
      tir e um companheiro que seguisse a moda. “Quando o vestido subir, eu
      subo também. Quando o vestido descer, eu desço com ele”, pediu, expli-
      cando que o pai e a mãe não gostavam de nada do que ela gostava e ela
      só se casaria com um homem que gostasse de tudo que ela gostava.
             A derradeira orientação era que o namorado detestasse futebol, o
      que Plínio seguia sem nenhum esforço. Aliás, até mesmo com prazer.
             Plínio aceitou as condições sem questionamentos, mas lhe fez uma
      revelação estonteante para os padrões da época. Já era casado no civil e
      desquitado. “Não caí porque estava sentada”, lembra Diva. “No entanto,
      acabei aceitando porque ele tinha o direito de ser feliz”.
             Plínio conhecera sua primeira mulher – a quem ele não se refere
      nas suas cartas – ainda quando comandava o destacamento da FAB em
      Fernando de Noronha. Olga Cid Pacheco trabalhava para a revista Reader’s
103



Digest (publicada no Brasil com o nome de Seleções) quando visitou a
ilha com uma amiga. Era cubana, criada pela mãe espanhola, Esperanza
Cid Fernandes, e pelo padrasto, Luís Cid, natural de St. Thomas, nas Ilhas
Virgens (hoje uma possessão americana, mas na época do seu nascimento
era território Dinamarquês). Os pais deixaram Cuba quando Olga, filha
única, tinha apenas 10 anos. Plínio e Olga, seis anos mais velha que ele,
chegaram a morar em Noronha, mas quando ela engravidou, quis ter a
criança no Recife. “Não lembro dos detalhes desse período, porque eu
tinha apenas dois anos de idade, quando os dois se separaram”, conta
Virgínia Bonilla Pacheco, a Ginny, filha do casal, nascida em 1954, que está
radicada nos Estados Unidos desde os 8 anos de idade. Ginny lembra que,
ao deixar o Brasil, acompanhada da mãe, em direção a Nova Jersey, foi ao
Jornal do Commercio despedir-se do pai. Depois daquele momento, pas-
sou 35 anos sem ter nenhum contato com ele. Os laços foram retomados
em 1997, mesmo ano em que Plínio teve um AVC. Ela esteve na Paixão de
Cristo de 1998 e visitou o pai um mês antes da sua morte, em 2002. Entre
os livros de Plínio, um era guardado com carinho. Backyard birds (Pássaros
de jardim), da Barnes & Noble Books, veio com uma dedicatória bilíngüe
assinada em 1999: “Para papai, com amor. Sua filha, Virgína.”
       Nos idos de 1956, a exemplo de Plínio (já separado de fato mas ain-
da não desquitado de Olga), a própria Diva buscava o direito de ser feliz.
Plínio representava o passaporte para essa felicidade. O ambiente em casa
não era dos melhores para a jovem. Não era raro receber reclamações por
ter ido a festas. Na sua casa, havia rádio, mas só era ligado para ouvir o
resultado do bicho ou os noticiários. Para ouvir novelas, Diva e sua irmãs
tinham que ir à casa de uma comadre. Quando chegavam, levavam carão.
“Só não me chamavam de santa”. Diva reclamava que o pai não conversa-
va muito com ela e dava mais atenção às irmãs mais velhas, despertando-
-lhe inveja das outras. Costumavam mangar dela, chamando-a de rainha
de Sabá, só porque ela prezava o hábito de tomar muitos banhos e viver
asseada. A mãe não era vista por ela como uma amiga, por proibir na-
moros e outras distrações. “Lá em casa, mamãe e papai só ficavam felizes
quando ia um padre. Aí eles ficavam doidos”, relembra.
       Previamente acertados, os dois combinaram contar tudo à família
depois da Semana Santa. “Plínio era casado e para Seu Epaminondas e
dona Sebastiana isso era um bicho de sete cabeças sem limite, já que ele
era o chefe político e ela a chefe religiosa do lugar”, explica Victor Moreira.
Mesmo assim, o pai e a mãe aceitaram ou fizeram que aceitaram. O ar-
cebispo de Olinda e Recife, nesta época, dom Antônio de Moraes Júnior,
velho conhecido da família Mendonça, foi consultado e prometeu fazer o
casamento, sem saber do impedimento que havia. O casal acabou noivan-
do em novembro de 1956, quando Diva completou 17 anos.
       Nem todos na família, entretanto, aceitaram o relacionamento. A
104



                                  vida de Diva transformou-se num
                                  inferno sobre a Terra. A pressão de
                                  parte dos integrantes da família
                                  chegou às raias do absurdo. Até o
                                  padre de Brejo da Madre de Deus
                                  na época, o cônego Duarte, foi le-
                                  vado à casa da ex-mulher de Plínio
                                  no Recife. Em maio de 1956, Plínio
                                  chegou a se transferir para Alagoas,
                                  na tentativa de melhorar a situação.
                                  Influenciado por essa campanha de
                                  alguns familiares, o coronel Epami-
                                  nondas chegou a ameaçar Plínio de
                                  morte, segundo conta Diva. Apenas
                                  os irmãos Luiz Mendonça e Geni
                                  davam-lhe apoio.
                                         Em agosto de 1957, sem
                                  agüentar mais a pressão, Diva e
                                  Plínio fugiram para o Rio Grande do
                                  Sul, mais precisamente para Santa
                                  Maria, cidade onde morava a mãe
                                  de Plínio, dona Hilda. Com a descul-
             Plínio e Olga Cid,   pa de que faria um tratamento den-
           sua primeira mulher,
                                  tário em Caruaru, a moça ganhou
      em Fernando de Noronha,
          onde se conheceram      a estrada, para desespero dos pais.
                                  “Quando eu fugi, meu pai abraçou
                                  um retrato meu e chorou. Ele con-
                                  tou ao meu irmão Lourinho que
                                  queria me ver vestida de noiva, mas
                                  eu estava desesperada e só tinha
                                  uma saída”, explicou Diva. “Naquela
                                  época, até alguns familiares me
                                  bateram as portas, mas não desejei
                                  mal a ninguém, pois não estava fa-
                                  zendo vergonha”. Plínio ainda teve
                                  o cuidado de avisar com uma carta,
                                  postada em Alagoas, que já estava
                                  escrita.
                                         Apesar de recriminado, a rigor
                                  o procedimento não era inédito na
                                  família. A própria mãe e o pai casa-
                                  ram fugidos da cidade de Panelas,
                                  onde ela morava com a família, em
105




             Certidão do primeiro
     casamento de Plínio oficializa
o desquite de sua primeira mulher,
                   Olga, em 1958,
      um ano após conhecer Diva
106



      1915. Ela tinha então 14 e ele 17 anos. Casaram-se em Quipapá, onde Epa-
      minondas havia nascido e lá ficaram residindo. Mudaram-se para Panelas,
      onde o patriarca chegou a ser prefeito e, de lá, seguiram para Brejo da
      Madre de Deus. A exemplo de Plínio e Diva, os seus pais acertaram a fuga
      por meio de cartas que trocavam. Diva conta que quando sua mãe estava
      fugindo, deixou cair essas cartas na escada, recolhidas por sua avô, Caroli-
      na Lucena, com uma praga: “Sebastiana, a dor que eu estou passando ago-
      ra, tu vai passar duas vezes. A tua primeira filha vai casar fugida e a última
      também”, teria dito. Destino ou não, Santa Maria era a nova Quipapá.
              Certamente, a situação foi dificultada pelo fato de o pai de Diva ser
      um coronel político e a fuga poder ser apontada pelos adversários como
      um demérito. Mas, ali mesmo em Brejo da Madre de Deus, o primeiro pre-
      feito constitucional da cidade, o coronel da guarda nacional Francisco Al-
      ves Cavalcanti Camboim, mais conhecido como Barão de Buíque, casou-se
      com uma menina de 13 anos. Ele contava então 32 anos de vida. O detalhe
      curioso é que o pedido de casamento foi feito à futura sogra quando ele
      tinha 20 anos e futura noiva ainda estava na barriga da mãe. Pelas leis de
      hoje, seria um pedófilo, enquadrado em crime de estupro pelo Código Pe-
      nal Brasileiro.
              Além do casal Epaminondas, havia outro precedente na própria fa-
      mília, que completava a praga lançada pela avó Carolina. A irmã de Diva,
      Maria do Carmo, a Nanã, filha mais velha do casal Mendonça, não apareceu
      na festa de 25 anos de matrimônio dos pais. Simplesmente havia fugido
      com o noivo. Nessa época, Diva tinha apenas dez meses de vida e aparece
      no colo da mãe, na foto da festa das Bodas de Prata. Pelo costume da épo-
      ca, não se podia perder a pose, literalmente. “A hipocrisia era tanta neste
      lugar que, antigamente, era tudo moça. Só tinha rapariga de Jataúba (po-
      voado próximo), no mercado da Passarinha, na vizinhança com a Paraíba”,
      conta Diva.
              Dias depois da chegada em Santa Maria, o pai de Diva mandou uma
      carta dizendo que os dois deviam voltar para casar, mas já era tarde. “Fui
      donzela até o Rio Grande do Sul. Lá vesti um pijama de Plínio. Esta foi a ca-
      misola da minha noite de núpcias”, diz. Na resposta ao pai, Diva disse que o
      pior casamento do mundo era melhor do que a casa paterna.
              Em Santa Maria, gozando de licença-prêmio da Aeronáutica, Plínio
      arrumou um emprego em jornal para se sustentar, com a ajuda do amigo
      de infância Robinson Flores, diretor de uma publicação local. A gratidão
      ao amigo pelo apoio na hora difícil veio sob a forma de homenagem mais
      tarde. Quando nasceu seu primeiro filho homem, em 21 de novembro de
      1963, ele deu o nome do amigo ao menino. Foi na casa dele que Plínio e
      Diva passaram o Natal de 1957. O Ano Novo foi comemorado na casa do
      sogro de Robinson. “Na passagem de ano, chorei feito uma vaca desma-
      mada. Graças a Deus, Plínio resolveu voltar e ficar definitivamente”, lembra
107




  Plínio e sua prole
no tempo do Circo
 da Rapoza Malha-
 da (Nena , Robin-
    son, Paschoal e
   Xuruca); ao lado
     Virgínia Bonilla
           Pacheco,
a filha do primeiro
108



      Diva.
              Se Plínio se sentia em casa, Diva descobriu profundas diferenças
      com os conterrâneos do marido. Ela não se adaptou muito bem ao Rio
      Grande do Sul. “Eu não gostava muito do estilo da terra. Quando é inverno,
      o frio mata. Quando é calor, o calor mata. O Carnaval, ninguém fala dele.
      No São João, ninguém consegue sair de casa por causa do frio. Além disso,
      a maioria das pessoas é muito mesquinha. Uma vez, uma tia de Plínio me
      perguntou se eu estava gostando do Brasil. Eles achavam que o Nordeste é
      o cu do Judas. É melhor morrer de fome aqui, com a cachaça na cabeça, do
      que com a fartura deles”, escreveu, em 1971. “Gosto mesmo é de Pernam-
      buco, a terra do caju e da Pitú. Dizem que é terra da miséria, mas aqui todo
      nego sorri, o pobre e o rico”, compara.
              O casal voltou de Santa Maria no início de 1958 e ganhou uma fes-
      ta de recepção, na qual o patriarca rompeu de vez com a Igreja para se
      posicionar ao lado da filha. No discurso que fez ao amigos, reunidos para
      comemorar a chegada de Diva e Plínio, Epaminondas disse que a sua de-
      cepção foi grande quando pela primeira vez precisou da Igreja Católica. “Eu
      que sempre tive minhas portas abertas, sempre ajudei aos padres e aos
      bispos, a única vez que precisei da igreja eles bateram a porta na minha
      cara”, ralhou o velho, na presença do pároco local, o mesmo cônego Duarte
      que fora ao Recife amolar a ex-mulher de Plínio para tentar desestabilizar a
      união com Diva.
              Na volta, a atriz já estava grávida de sua primeira filha. De volta à
      terra do frevo, só não fez o passo no Carnaval porque o seu estado não
      permitia, mas a gravidez não a impediu de atuar. Fez o papel de donzela
      de Jerusalém! “Aqui é o único lugar do mundo que é possível fazer o papel
      de donzela sem ser mais”. O ator José Pimentel vira o Demônio, herdando o
      papel que era de Diva até então.
              A primeira filha do casal, Fátima Geni, apelidada de Nena, nasceu
      em junho daquele ano, homenageando Nossa Senhora
      e a irmã Geni, nascida em 1926, a terceira filha do casal Epaminondas.
      Novamente no convívio com os familiares, o casal voltou a sofrer com
      comentários desairosos, criados, segundo seu relato, pela irmã Margari-
      da e o cunhado Brasileiro. Diva lembra que diziam que ela tinha fugido
      grávida, mas ela havia passado quase três meses sem ver Plínio antes da
      fuga. Na maternidade, depois de distribuir 150 convites, de Caruaru ao
      Recife, a atriz não perdeu a oportunidade
      de fustigar os seus detratores. “Que acharam da menina de 12 meses?”,
      ironizava, mostrando que os belos olhos azuis também podiam
      ser bravos e selvagens, ao mesmo tempo, talvez tão belos justamente
      por serem bravos e selvagens ao mesmo tempo.
              Com sede de vingança dos seus detratores, Diva não desperdiçou
      realmente nenhuma oportunidade que lhe surgia. Num dos espetácu-
109



los, acenando a bandeira branca, um dos parentes que lhe jogaram pe-
dras, como uma Maria Madalena, chegou a pedir ingressos para a peça,
generosidade prontamente negada com um argumento igualmente
duro. “Nos únicos dias do ano em que tenho a maravilhosa oportunida-
de de ser puta (na cena de Herodes), embora só por meia hora, assiste
quem tiver vinte cruzeiros no bolso, pois ali consigo satisfazer algumas
pessoas”, devolvia.
        Dois anos depois de voltar a Pernambuco, em maio de 1960, nas-
ceu a segunda filha do casal. Naquela época, Plínio e Diva moravam no
Recife, em uma casa comprada no final de setembro daquele ano com
um empréstimo da Caixa Econômica Federal, no bairro da Imbiribeira.
A menina Geórgia Maria nasceu em casa mesmo, de sete meses e com
um desvio no coração. Como era bem mirrada, era chamada pelos fa-
miliares de michuruca e depois apenas Xuruca, adotado como nome
artístico quando decidiu seguir a carreira de estilista. O primeiro filho
homem e terceiro do casal, Robinson Kennedy, nasceu em 1963. O caçu-
la, Paschoal Eugênio, nasceu em 1965.
        Em junho de 1977 o Governo Geisel, em plena Ditadura, mesmo
contra a orientação da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
promoveu a aprovação da emenda constitucional nº 9, que permitiu a re-
alização do divórcio no Brasil. Em seguida, a Lei nº 6.515/77 o regulamen-
tou. Com isso, o casal pôde reunir as condições legais para calar a boca
dos detratores, mas àquela altura isso definitivamente não lhes fazia mais
falta. “Casamento no civil nunca me fez falta. Isto faz falta aos retardados
e aos complexados. Vejo tanta gente boa, casada na igreja, no civil, e às
vezes até na polícia, e que vive numa merda completa. O melhor exemplo
são quase todos da minha família. Quem quiser que me aceite assim, óti-
mo. Quem não quiser, ótimo. Para mim, isto é uma prova de que não pres-
tavam como amigos, pois os amigos são para todas as horas”, declarou,
em depoimento escrito seis anos antes da nova lei.
        A oficialização do casamento de direito só se deu em 26 de julho
de 1982, exatos 25 anos depois da união de fato do casal. O matrimônio
foi realizado na matriz do Jucá, ligada à Diocese de Pesqueira, conforme
atesta o livro nº 01, folha 39, nº 07. O enlace teve como testemunhas An-
tônio Valdir de Oliveira e Paulo Fernando Góis Souza, de acordo com có-
pia assinada pelo padre Eliseu Francisco dos Santos, em 17 de agosto de
1973. Quando casaram, conforme a certidão, Plínio era solteiro e contava
55 anos de idade. Segundo o mesmo documento, Maria Diva Lucena de
Mendonça era solteira e tinha 42 anos de idade na época.
        A data oficial do casamento dos dois encontra-se até hoje gravada
numa Bíblia comemorativa à visita do papa João Paulo II ao Brasil, em
1980. Como andavam sempre à frente de seu tempo, já ia longe a época
em que a uma mulher não podia entrar sozinha no carro do namorado
110



      e saia curta já não era mais motivo para uma mulher ser chamada de ga-
      linha. Como o Jacó da Bíblia, Plínio também já havia servido muito mais
      do que sete anos ao Labão do Agreste para obter a sua amada Raquel. Era
      chegada a hora de Plínio fecundar as sementes que haviam sido lançadas
      pela saga dos Mendonça nas ruas acanhadas de Fazenda Nova.
111




  Capítulo VIII




Tempo de plantar
  A construção da obra




          A PAIXÃO DE PLÍNIO
112
113




                                                A construção da obra




       Os primeiros sinais da loucura de Plínio foram detectados em
outubro de 1962. Ele não falava com ninguém e mal respondia ao que
lhe perguntavam. Também não comia. Quase não dormia. Abandonou
o Jornal do Commercio e também queria deixar a Força Aérea Brasileira
(FAB). Vendeu a casa que tinha na Imbiribeira e só pensava em Nova Je-
rusalém. Todo final de semana Plínio viajava para Fazenda Nova, à pro-
cura do terreno ideal para a construção do seu sonho de pedra. “Fiquei
apavorada”, explicou Diva Pacheco, não sem motivo. O redemoinho de
loucura criadora estava posto em marcha, de forma irreversível.
       Plínio ia para a Faculdade de Arquitetura do Recife e passava
horas lendo. Procurou o pessoal de lá para desenhar o projeto da obra,
mas ninguém de renome aceitou a empreitada. Além do amigo Victor
Moreira, apenas alguns estudantes acreditaram naquilo que aos demais
parecia um delírio. Como Plínio tinha uma visão mil anos à frente, dava
de ombros e seguia adiante, até ver materializado na pedra o seu sonho.
Estava chegando ao fim a fase da inspiração. Após 11 anos consecutivos,
desde 1951, iniciava-se a fase da transpiração, que se estenderia até 1968,
com a retomada dos espetáculos da Paixão, dessa vez em um novo cená-
rio.
       A loucura era contagiante e o próprio Plínio tinha consciência de
sua alucinação. “O trabalho nas pedreiras era uma loucura. Não sei como
consegui enfiar dentro da alma deles tanta disposição. Como se tivessem
a força de uns demônios, o trabalho, negócio para um mês, saía em 10
dias. Você sente a raiva do homem contra a rocha de granito. Ele quer
fazer tudo num dia, e rocha é rocha...”, narra, em uma descrição dos traba-
lhos em fevereiro de 1967. “Os martelos tiram faísca dos ponteiros, o sol
queima, o suor lava... no fim, apesar de os estar matando, como a mim,
114



      os faz, e a mim também, felizes”. Além do marco de pedra, Plínio almejava
      moldar vidas. “Depois dessa experiência, nenhum deles voltará a ser ape-
      nas um homem da enxada, da foice e do machado. Eles evoluíram dentro
      de si, não passaram pela vida deixando a marca de suas sandálias nas
      veredas da terra árida. Eles deixaram em pedra a marca que o tempo não
      apaga”.
             A primeira visão daquele cenário nunca lhe saiu da memória. As ro-
      chas impressionaram o jornalista Plínio Pacheco desde a sua primeira visi-
      ta, a convite do então diretor do espetáculo, intérprete de Jesus e seu futu-
      ro cunhado, Luiz Mendonça. “O que mais me impressionou foi o conjunto
      de vales naturais. Um grande vale de rochas, com 100 quilômetros, muito
      parecido com a Judéia, naquele pedaço de Sertão encravado no Agreste”,
      contou, anos mais tarde, em depoimento à TV Globo. Noutro depoimento,
      numa carta escrita ao amigo Victor Moreira, Plínio diz com todas as letras
      que, na verdade, mais que uma simples paisagem, Fazenda Nova repre-
      sentava uma vida nova para ele. “Somente agora, aos 40 anos, é que te-
      nho certeza de estar no caminho certo”.
             Naqueles idos de 1960, com a força que moral cristã impunha à
      época no Recife e no país, a pequena cidade de Brejo da Madre de Deus
      era a moldura apropriada para adornar as muralhas simétricas da ence-
      nação bíblica. O período de Quaresma era muito diferente dos dias atu-
      ais. A Sexta-feira da Paixão era um tempo de contrita e silenciosa reclu-
      são. Em todos os lugares pairava uma atmosfera de respeito ao gesto de
      imolação ao filho de Deus, em nome do bem e do ideal cristão. Nas me-
      sas, todas as carnes entravam em absoluto recesso. Comia-se peixe e o
      feijão ganhava o tempero de coco. Nas rádios, a programação limitava-se
      a músicas clássicas e sacras. No cinema, exibia-se a Paixão de Cristo, em
      preto e branco, e sem aparecer o rosto do ator que encarnava de Jesus.
      O máximo de concessão que se permitia era a projeção de filmes como O
      Manto Sagrado, com Richard Burton, ou Quo Vadis, com Robert Taylor e
      Deborah Kerr. O profano somente retornava à cena depois do milagre da
      Ressurreição.
             O casal Pacheco herdara o espetáculo em março de 1961, quando
      o pessoal do Grande Hotel procurou seu Epaminondas, pai de Diva, para
      realizar a peça e ele não aceitou. Na sua negativa, o patriarca dos Men-
      donça disse que não tinha condições, que estava velho e sem disposição.
      Mas, se Plínio e Diva quisessem, ele entregava o espetáculo “de mão
      beijada”. “Fomos procurados pelo pessoal do hotel e aceitamos”, contou
      Diva, mais tarde.
             Naquele ano, Plínio imprimiu as primeiras modificações no espe-
      táculo, com a troca do guarda-roupa, a substituição de quase todos os
      atores e até um texto novo, escrito por José Pimentel, sob a direção de
      Clênio Wanderley. A cereja do bolo era a participação especial do Coral
115



São Pedro Mártir, de Olinda, sob a regência do maestro Otoniel Mendes.
“Trabalhamos que só bicho”, diz Diva, lembrando as dificuldades daque-
la época. Até luz faltava, situação resolvida de forma improvisada com
um motor arranjado por Plínio na Aeronáutica. Mesmo assim, Plínio não
se dava por satisfeito.
        Quando terminou a temporada, como as despesas superaram as
receitas, Plínio ficou aperreado e prometeu que só voltaria a encenar o
espetáculo quando construísse uma cidade igual a Jerusalém. “As des-
pesas aumentaram e o dinheiro do Grande Hotel não deu. Plínio ainda
pediu um empréstimo em um banco, para pagar as contas”, conta Diva.
Construir uma cidade-teatro vinha em princípio da necessidade de
cobrar ingressos, para cobrir as despesas, uma vez que era impossível
cobrar uma taxa em um espetáculo que se desenrolava até então numa
vila. “Vislumbrei aqui a possibilidade de um espetáculo grandioso. Na-
quela época, era pequeno. Eu sabia que, sem patrocínio, não tinha como
continuar. Resolvemos então parar para construir as muralhas”, contaria
Plínio, anos depois. Àquela altura, Diva nem imaginava, mas o começo
da história de Nova Jerusalém logo decretaria o fim do seu sossego.
“Meus amigos, com Nova Jerusalém sem dinheiro, tenham certeza que o
inferno é melhor. Plínio só faltava morder o povo”.
        Mas Plínio não deixava isso transparecer. Ao contrário, com muito
jeito, munido com a infalível companhia de um projetor de slides Auto
Cabin, ele percorreu o país, realizando dezenas de reuniões, para apre-
sentar o projeto de construção de Nova Jerusalém, em busca de apoio e
patrocínio. Era uma luta sem descanso. O colunista social Alex, do Jornal
do Commercio, do Recife, cita essas andanças, até em vôos, com pessoal
da direita ou da esquerda. “O jornalista Plínio Pacheco acaba de retornar
de Brasília, onde fora tratar de assuntos relacionados com a construção
de Nova Jerusalém, em Fazenda Nova. Durante o vôo para Brasília, o se-
nador Barros de Carvalho, após tomar conhecimento detalhado do plano
que dará a Pernambuco o maior teatro ao ar livre do mundo e um grande
centro de turismo, prometeu 2 milhões de cruzeiros de sua verba de sub-
venção e auxílio para a construção da Nova Jerusalém”, diz a nota social,
publicada em 7 de fevereiro de 1963.
        Assim, começou sua peregrinação em busca de recursos junto aos
governos de esquerda, valendo-se das amizades que fez no jornalismo
local. Até nos céus, a dez mil metros de altura, Plínio aproveitava a oportu-
nidade para angariar fundos. Naquele início de 1963, aproveitou as duas
horas de viagem até Brasília em companhia do senador pernambucano
Antônio Barros Carvalho para pedir ajuda para seu projeto. O senador
viajara ao Recife especialmente para assistir à posse do então governador
Miguel Arraes no governo do Estado e estava retornando à capital federal
numa comitiva que iria assistir à posse do senador F. Pessoa de Queiroz,
116



      empresário e controlador do Jornal do Commercio à época.
             O senador Barros Carvalho tinha várias afinidades com Plínio e era
      um dos mais importantes homens públicos de Pernambuco e do país
      àquela época. Depois de nomeado superintendente da fiscalização dos
      impostos federais, já tinha sido assessor técnico do ministério da Fazenda,
      ao mesmo tempo em que desenvolveu também importante atividade
      jornalística no Recife, como redator do Diário de Pernambuco e do Jornal
      Pequeno. Como jornalista, colaborou ainda como O Estado de Minas e o
      Diário de São Paulo, da cadeia dos Diários Associados.
             O primeiro mandato, para a Câmara Federal, foi obtido em 1950,
      pela UDN de Eduardo Gomes. Em 1953, já pelo PTB, reelegeu-se e che-
      gou a ocupar o cargo de primeiro-secretário da Câmara. No Governo JK,
      em 1960, Barros Carvalho ocupou o cargo de ministro da Agricultura, até
      sair do governo, com a posse de Jânio Quadros, em 1961. Com a crise
      que se instalou no Brasil após a renúncia de Jânio, Barros Carvalho teve
      uma atuação destacada ao defender a antecipação do plebiscito que iria
      ocorreria em 1965, para manutenção do parlamentarismo ou volta ao
      presidencialismo. Realizado já em 1962, o plebiscito determinou a volta
      do presidencialismo, beneficiando o vice-presidente João Goulart, ao
      lado de quem Barros Carvalho se encontrava, integrado a uma comitiva
      presidencial que visitava a China, quando Jânio anunciou a renúncia.
             Em sinal de gratidão, Goulart apoiou o amigo petebista para a re-
      eleição ao Senado, naquele mesmo ano de 1963, tendo ocupado a lide-
      rança do PTB no Senado de 1962 a 1965. Nos anos de 1963 e 1964, Barros
      Carvalho ocupou ainda os cargos de primeiro e segundo secretário do
      Senado.
             A morte de Barros Carvalho, falecido no Recife, em setembro de
      1966, deve ter deixado Plínio bastante abalado, pois as cartas que es-
      creveu, em outubro daquele ano, revelam muito pessimismo quanto ao
      futuro. O senador revelou-se desde cedo um homem sensível às artes.
      Natural de Palmares, onde nasceu em 1917, Barros Carvalho fundou, em
      sua cidade natal, quando tinha 17 anos, uma sociedade literária com o
      conterrâneo e poeta Ascenso Ferreira. No Recife, o sobrenome Barros
      Carvalho até hoje é muito lembrado, pela sua ligação com o futebol. O
      irmão de Antônio, Eládio, que dirigiu o Clube Náutico Capibaribe por 15
      anos, construiu e deu nome ao estádio dos Aflitos.
             A epopéia de Nova Jerusalém começou com a busca do terreno,
      ainda no final de 1962. O espaço ideal escolhido foi uma área que per-
      tencia à família de João Dão, de Fazenda Nova. Ele pediu 200 contos na
      época pela terra. Achado o terreno, faltava o dinheiro para comprá-lo.
      Um sonho ousado requer um gerente carismático e forte. Plínio tinha
      carisma, estava preparado e sobretudo era um homem de sorte.
             Por uma dessas ironias do destino, coube a um homem com o
117




Sem ajuda de muitos, redemoinho de loucura é posto em curso em Nova Jerusa-



nome de um dos grandes imperadores romanos ajudar na fundação de
Nova Jerusalém. O então diretor do espetáculo, Clênio Wanderley, e o
homem de teatro Alfredo de Oliveira falaram com o amigo Paschoal Car-
los Magno e conseguiram o dinheiro para a compra do terreno, obtido
por intermédio do Conselho Nacional de Cultura. Escritor, diplomata e
acima de tudo um homem de teatro brasileiro, Carlos Magno era a pes-
soa certa no lugar certo, para os planos da Sociedade Teatral de Fazenda
Nova, que àquela altura se chamava Fundação de Arte de Nova Jerusa-
lém. Ao longo da sua vida, Paschoal contribuiu para o surgimento do
Teatro Experimental de Ópera, do Conjunto Coreográfico Brasileiro, do
Coral Bach, do Teatro Experimental do Negro, do Teatro Duse, do Gru-
po Oficina e da Aldeia de Arcozelo, além de ter fundado, 1938, o Teatro
do Estudante do Brasil, uma revolução artística e social na época. Com
influência sobre o Conselho Nacional de Cultura, como secretário do
Ministério da Educação e Cultura, Carlos Magno não pensou duas vezes
em ajudar os amigos nordestinos.
      Plínio e Paschoal se conheceram na Aldeia de Arcozelo, experi-
ência criada por Paschoal no Rio de Janeiro para abrigar todas as artes.
Dispõe de 57 mil metros quadrados, sendo 10 mil metros quadrados de
área construída, refeitório, apartamentos, albergues, teatros, salas de ex-
posição e de música, biblioteca, capela e outros espaços para atividades
118




      Livro raro: autodidata, Plínio busca em Santa Maria orientação para construir muralhas
119




     Patrono do
   teatro nacio-
    nal Paschoal
 Carlos Magno
       viabilizou
    os primeiros
  recursos para
a cidade teatro

artísticas. Plínio esteve lá apresentando os esboços do seu projeto. “A
Aldeia de Arcozelo, feita Deus sabe como, é co-irmã de Nova Jerusalém”,
explicou, em 1975, Paschoal Carlos Magno, para quem “a cultura precisa-
va ser estendida para o interior, onde era sobremodo urgente”.
         Plínio ficou-lhe tão grato que colocou o nome dele no seu quarto
filho, nascido em 1965, Paschoal Pacheco.
         No segundo espetáculo, após a construção das muralhas de Nova
Jerusalém, em 1969, Paschoal Carlos Magno chegou a atuar na Paixão de
Cristo. Naqueles anos pós-64, não foi esquecido pelos militares. Homosse-
xual assumido, depois do Golpe de 64 foi acusado de corrupção de meno-
res. Muito possivelmente, Carlos Magno entrou na alça de mira dos milita-
res menos por sua orientação sexual e mais por suas ligações políticas. Foi
chefe de gabinete de JK e durante o governo João Goulart (afastado pelo
golpe) tinha o apoio do Ministério da Educação e Cultura para realizar as
caravanas da cultura, que levavam exposições, balés e teatro ao interior do
país. Carlos Magno foi um dos principais assessores do ministro da Educa-
ção e Cultura Darcy Ribeiro, um dos nomes da esquerda mais perseguidos
pelos militares.
         Depois da ajuda para a construção de Nova Jerusalém, Carlos Magno
acabou amigo da família. Em março de 1968, ao lado de Luiz Mendonça,
estava no aeroporto do Rio de Janeiro, esperando para receber Plínio e
Diva, que voltavam de uma viagem ao Rio Grande do Sul, pouco antes da
Semana Santa. “Ele era um grande incentivador da arte e da cultura do Bra-
sil”, elogia Diva, no livro Sobras de Terras, de 2000. No Rio de Janeiro, Pas-
choal Carlos Magno, que morreu em 1980, é nome de rua e de um centro
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova
A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova

Contenu connexe

Similaire à A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova

2011 novembro-especial
2011 novembro-especial2011 novembro-especial
2011 novembro-especialanneclinio
 
15.afonso pena
15.afonso pena15.afonso pena
15.afonso pena22leozao
 
Jb news informativo nr. 1129
Jb news   informativo nr. 1129Jb news   informativo nr. 1129
Jb news informativo nr. 1129JBNews
 
1964 o julgamento de deus capitulo 2
1964 o julgamento de deus   capitulo 21964 o julgamento de deus   capitulo 2
1964 o julgamento de deus capitulo 2Jamildo Melo
 
George Orwell - Lutando na Espanha e Recordando a Guerra Civil
George Orwell - Lutando na Espanha e Recordando a Guerra CivilGeorge Orwell - Lutando na Espanha e Recordando a Guerra Civil
George Orwell - Lutando na Espanha e Recordando a Guerra CivilWesley Guedes
 
Entrevista a germano silva sobre 25 de abril
Entrevista a germano silva sobre 25 de abrilEntrevista a germano silva sobre 25 de abril
Entrevista a germano silva sobre 25 de abrilIsabelPereira2010
 
A implantacao da_republica_em_mato_grosso_parte_2
A implantacao da_republica_em_mato_grosso_parte_2A implantacao da_republica_em_mato_grosso_parte_2
A implantacao da_republica_em_mato_grosso_parte_2João Pereira
 
Entrevista a germano silva sobre 25 de abril
Entrevista a germano silva sobre 25 de abrilEntrevista a germano silva sobre 25 de abril
Entrevista a germano silva sobre 25 de abrilIsabelPereira2010
 
Perfil Francisco Michielin
Perfil Francisco MichielinPerfil Francisco Michielin
Perfil Francisco Michielinclaualessi
 
Jb news informativo nr. 2103
Jb news   informativo nr. 2103Jb news   informativo nr. 2103
Jb news informativo nr. 2103JB News
 
O Pré - Modernismo - Professora Vivian Trombini
O Pré - Modernismo - Professora Vivian TrombiniO Pré - Modernismo - Professora Vivian Trombini
O Pré - Modernismo - Professora Vivian TrombiniVIVIAN TROMBINI
 
Aves De Arribação - AntôNio Sales
Aves De Arribação - AntôNio SalesAves De Arribação - AntôNio Sales
Aves De Arribação - AntôNio Salesadrisobri2
 
Aves De Arribação - AntôNio Sales
Aves De Arribação - AntôNio SalesAves De Arribação - AntôNio Sales
Aves De Arribação - AntôNio Salesadrisobri2
 
República velha questões
República velha questõesRepública velha questões
República velha questõescida0159
 
República velha questões
República velha questõesRepública velha questões
República velha questõescida0159
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)Luciana Moherdaui
 

Similaire à A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova (20)

2011 novembro-especial
2011 novembro-especial2011 novembro-especial
2011 novembro-especial
 
O Abacateiro
O AbacateiroO Abacateiro
O Abacateiro
 
Notícias Populares
Notícias PopularesNotícias Populares
Notícias Populares
 
15.afonso pena
15.afonso pena15.afonso pena
15.afonso pena
 
Redações ... propostas
Redações ... propostasRedações ... propostas
Redações ... propostas
 
Jb news informativo nr. 1129
Jb news   informativo nr. 1129Jb news   informativo nr. 1129
Jb news informativo nr. 1129
 
1964 o julgamento de deus capitulo 2
1964 o julgamento de deus   capitulo 21964 o julgamento de deus   capitulo 2
1964 o julgamento de deus capitulo 2
 
George Orwell - Lutando na Espanha e Recordando a Guerra Civil
George Orwell - Lutando na Espanha e Recordando a Guerra CivilGeorge Orwell - Lutando na Espanha e Recordando a Guerra Civil
George Orwell - Lutando na Espanha e Recordando a Guerra Civil
 
Entrevista a germano silva sobre 25 de abril
Entrevista a germano silva sobre 25 de abrilEntrevista a germano silva sobre 25 de abril
Entrevista a germano silva sobre 25 de abril
 
A implantacao da_republica_em_mato_grosso_parte_2
A implantacao da_republica_em_mato_grosso_parte_2A implantacao da_republica_em_mato_grosso_parte_2
A implantacao da_republica_em_mato_grosso_parte_2
 
Entrevista a germano silva sobre 25 de abril
Entrevista a germano silva sobre 25 de abrilEntrevista a germano silva sobre 25 de abril
Entrevista a germano silva sobre 25 de abril
 
Perfil Francisco Michielin
Perfil Francisco MichielinPerfil Francisco Michielin
Perfil Francisco Michielin
 
Jb news informativo nr. 2103
Jb news   informativo nr. 2103Jb news   informativo nr. 2103
Jb news informativo nr. 2103
 
O Pré - Modernismo - Professora Vivian Trombini
O Pré - Modernismo - Professora Vivian TrombiniO Pré - Modernismo - Professora Vivian Trombini
O Pré - Modernismo - Professora Vivian Trombini
 
Aves De Arribação - AntôNio Sales
Aves De Arribação - AntôNio SalesAves De Arribação - AntôNio Sales
Aves De Arribação - AntôNio Sales
 
Aves De Arribação - AntôNio Sales
Aves De Arribação - AntôNio SalesAves De Arribação - AntôNio Sales
Aves De Arribação - AntôNio Sales
 
República velha questões
República velha questõesRepública velha questões
República velha questões
 
República velha questões
República velha questõesRepública velha questões
República velha questões
 
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)
Ruy Mesquita, obituário Estadão (capa)
 
Carlos Pena Fº
Carlos Pena FºCarlos Pena Fº
Carlos Pena Fº
 

Plus de Jamildo Melo

Auxilio moradia para magistrados
Auxilio moradia para magistradosAuxilio moradia para magistrados
Auxilio moradia para magistradosJamildo Melo
 
Denuncia contrato jaboatao_mppe
Denuncia contrato jaboatao_mppeDenuncia contrato jaboatao_mppe
Denuncia contrato jaboatao_mppeJamildo Melo
 
Empe 2 claudia leite
Empe 2  claudia leiteEmpe 2  claudia leite
Empe 2 claudia leiteJamildo Melo
 
Emp 1º claudia leite
Emp 1º claudia leiteEmp 1º claudia leite
Emp 1º claudia leiteJamildo Melo
 
Defesa clube engenharia_galo_madrugada
Defesa clube engenharia_galo_madrugadaDefesa clube engenharia_galo_madrugada
Defesa clube engenharia_galo_madrugadaJamildo Melo
 
Incentivos do Governo de Pernambuco - dezembro de 2013
Incentivos do Governo de Pernambuco - dezembro de 2013Incentivos do Governo de Pernambuco - dezembro de 2013
Incentivos do Governo de Pernambuco - dezembro de 2013Jamildo Melo
 
Expectativas econômicas 2014
Expectativas econômicas 2014Expectativas econômicas 2014
Expectativas econômicas 2014Jamildo Melo
 
Pesquisa CNI Ibope - dezembro de 2013
Pesquisa CNI Ibope - dezembro de 2013Pesquisa CNI Ibope - dezembro de 2013
Pesquisa CNI Ibope - dezembro de 2013Jamildo Melo
 
Pedido de Eduardo da Fonte para presidente Dilma Rousseff
Pedido de Eduardo da Fonte para presidente Dilma RousseffPedido de Eduardo da Fonte para presidente Dilma Rousseff
Pedido de Eduardo da Fonte para presidente Dilma RousseffJamildo Melo
 
Lei de Nepotismo - Belo Jardim
Lei de Nepotismo - Belo JardimLei de Nepotismo - Belo Jardim
Lei de Nepotismo - Belo JardimJamildo Melo
 
Açao popular nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...
Açao popular   nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...Açao popular   nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...
Açao popular nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...Jamildo Melo
 
Acordo interno do PT
Acordo interno do PTAcordo interno do PT
Acordo interno do PTJamildo Melo
 
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogas
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogasPlano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogas
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogasJamildo Melo
 
Eleitoral pe out 01 dinâmica da eleição para o governo do estado
Eleitoral pe out 01   dinâmica da eleição para o governo do estadoEleitoral pe out 01   dinâmica da eleição para o governo do estado
Eleitoral pe out 01 dinâmica da eleição para o governo do estadoJamildo Melo
 
Ofício ss cgcva nº 12 2013
Ofício ss cgcva nº 12 2013Ofício ss cgcva nº 12 2013
Ofício ss cgcva nº 12 2013Jamildo Melo
 
Mapa de circulação proibição de giros rua 13 de maio e rua dos palmares
Mapa de circulação proibição de giros rua 13 de maio e rua dos palmaresMapa de circulação proibição de giros rua 13 de maio e rua dos palmares
Mapa de circulação proibição de giros rua 13 de maio e rua dos palmaresJamildo Melo
 

Plus de Jamildo Melo (20)

Auxilio moradia para magistrados
Auxilio moradia para magistradosAuxilio moradia para magistrados
Auxilio moradia para magistrados
 
Denuncia contrato jaboatao_mppe
Denuncia contrato jaboatao_mppeDenuncia contrato jaboatao_mppe
Denuncia contrato jaboatao_mppe
 
Empe 2 claudia leite
Empe 2  claudia leiteEmpe 2  claudia leite
Empe 2 claudia leite
 
Emp 1º claudia leite
Emp 1º claudia leiteEmp 1º claudia leite
Emp 1º claudia leite
 
Defesa clube engenharia_galo_madrugada
Defesa clube engenharia_galo_madrugadaDefesa clube engenharia_galo_madrugada
Defesa clube engenharia_galo_madrugada
 
Incentivos do Governo de Pernambuco - dezembro de 2013
Incentivos do Governo de Pernambuco - dezembro de 2013Incentivos do Governo de Pernambuco - dezembro de 2013
Incentivos do Governo de Pernambuco - dezembro de 2013
 
Expectativas econômicas 2014
Expectativas econômicas 2014Expectativas econômicas 2014
Expectativas econômicas 2014
 
Pesquisa CNI Ibope - dezembro de 2013
Pesquisa CNI Ibope - dezembro de 2013Pesquisa CNI Ibope - dezembro de 2013
Pesquisa CNI Ibope - dezembro de 2013
 
Pedido de Eduardo da Fonte para presidente Dilma Rousseff
Pedido de Eduardo da Fonte para presidente Dilma RousseffPedido de Eduardo da Fonte para presidente Dilma Rousseff
Pedido de Eduardo da Fonte para presidente Dilma Rousseff
 
Lei de Nepotismo - Belo Jardim
Lei de Nepotismo - Belo JardimLei de Nepotismo - Belo Jardim
Lei de Nepotismo - Belo Jardim
 
Açao popular nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...
Açao popular   nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...Açao popular   nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...
Açao popular nomeacao de secretario e fechamento de unidade de saude - 0020...
 
Ple 065.2013
Ple 065.2013Ple 065.2013
Ple 065.2013
 
Acordo interno do PT
Acordo interno do PTAcordo interno do PT
Acordo interno do PT
 
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogas
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogasPlano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogas
Plano Municipal de Atenção Integrada ao Crack e outras drogas
 
Processo cnj
Processo cnjProcesso cnj
Processo cnj
 
Decisão do TJPE
Decisão do TJPEDecisão do TJPE
Decisão do TJPE
 
Eleitoral pe out 01 dinâmica da eleição para o governo do estado
Eleitoral pe out 01   dinâmica da eleição para o governo do estadoEleitoral pe out 01   dinâmica da eleição para o governo do estado
Eleitoral pe out 01 dinâmica da eleição para o governo do estado
 
Ofício ss cgcva nº 12 2013
Ofício ss cgcva nº 12 2013Ofício ss cgcva nº 12 2013
Ofício ss cgcva nº 12 2013
 
Celpe
CelpeCelpe
Celpe
 
Mapa de circulação proibição de giros rua 13 de maio e rua dos palmares
Mapa de circulação proibição de giros rua 13 de maio e rua dos palmaresMapa de circulação proibição de giros rua 13 de maio e rua dos palmares
Mapa de circulação proibição de giros rua 13 de maio e rua dos palmares
 

A paixão de Plínio pelo jornalismo e por Fazenda Nova

  • 1. 73 Capítulo VI A boa nova Jornalismo foi ponte para Fazenda Nova A PAIXÃO DE PLÍNIO
  • 2. 74
  • 3. 75 Jornalismo foi ponte para Fazenda Nova Antes mesmo de conhecer Diva Pacheco, anos mais tarde, os des- tinos de Plínio e Fazenda Nova já haviam se cruzado. Depois que Plínio voltou de Fernando de Noronha, em 1953, ele ficou lotado na Base Aérea do Recife e foi trabalhar no Aeroporto, no Ibura. Era um burocrata. Tinha um birô e vivia escrevendo. Quando chegavam autoridades ou militares, dava plantão. Em busca de notícias dos passageiros ilustres, os jornalis- tas tinham livre acesso ao aeroporto. Plínio, como vivia por lá, fazia-lhes camaradagem. Foi nessa época que conheceu José do Patrocínio, então um jovem repórter do Jornal do Commercio. Com dupla função, além de repórter, Zé do Pato, como era e é conhecido nas redações até hoje, era também distribuidor do jornal O Globo. O repórter fazia isso para comple- tar a renda com a venda nas bancas do centro, pois a condição de bisneto do capitão Joaquim Cordeiro Falcão, herói da guerra do Paraguai, nascido justamente em Brejo da Madre de Deus como Zé do Pato, não lhe garantia o pão na mesa. Patrocínio invariavelmente dava carona ao amigo no mesmo Jipe usado para a distribuição de jornais e não era raro o colega se servir dele. Acabaram ficando grandes amigos. Fazenda Nova já o havia escolhido e ele mal sabia. Mais tarde, esse pequeno veículo seria usado como primeiro meio de transporte das pedras usadas nas muralhas de Nova Jerusalém. A rigor, as histórias do Jornal do Commercio e da Paixão de Cristo estão intrinsecamente ligadas desde os primeiros anos. Antes que Plínio adotasse o espetáculo, o radialista Ozires Caldas, correspondente do JC e teatrólogo nas horas vagas, já havia colaborado e escrito com Luís Mendon- ça, primeiro intérprete de Jesus e diretor do espetáculo de rua, na primeira versão da peça, então chamada de O Drama do Calvário, em 1951. Em 1954, quando Plínio estava começando no jornalismo, o ma-
  • 4. 76 rechal Cordeiro de Farias foi eleito para o governo do Estado, com apoio do líder político de Macaparana José Francisco de Moura Cavalcanti. A 2ª Guerra Mundial já havia acabado, mas o jornalista Mauro Mota, pontifi- cando nas páginas do Diário de Pernambuco, ainda mostrava sua preocu- pação com o futuro das pobres jovens engravidadas pelos soldados norte- -americanos. “Meninas, tristes meninas, vossos dramas recordai, quando eles no armistício vos disseram good bye, ouvirei a vida toda a ressonância do choro dos vossos filhos sem pai”, escreveu. Na poesia, Carlos Pena Filho já descrevia em versos o perfil de sua cidade, em A Vertigem Lúcida. “Reci- fe, cruel cidade, águia sangrenta, leão. Ingrata para os da terra, boa para os que não são. Amiga dos que a maltratam, inimiga dos que não”, reclamava em versos. O poeta mais tarde se tornaria um assíduo freqüentador de Fazenda Nova em período de férias. Ali conheceria Plínio, de quem se tornou gran- de amigo. Apaixonado pelas terras áridas como Plínio, Pena Filho chegou a dedicar algumas linhas à “terra prometida” que o gaúcho construiria no local: “É como se fossem ruínas, mas não de muros ou casas. São ruínas de terra antiga que o tempo estraga. Vistas de longe, essas pedras de irregulares tamanhos São lembranças renascidas de abandonados rebanhos” Em meados dos anos 50, ainda não havia televisão no Estado. Os pernambucanos só veriam pela primeira vez as imagens em um aparelho de TV em 1960, graças ao arrojo do empresário F. Pessoa de Queiroz, que foi buscar na Inglaterra os primeiros equipamentos de transmissão para a TV Canal 2. Todos os programas eram produzidos lá e gerados na estação, pois não chegara ainda a época das transmissões via satélite. Sem sombra de dúvida, o Sistema Jornal do Commercio era mais bem estruturado que qualquer outro grupo de comunicação fora do eixo Rio-São Paulo. O império de Pessoa de Queiroz, nos anos 60, era tão sólido quanto o fora na década anterior. O matutino carro-chefe da empresa, o Jornal do Commercio, detinha uma liderança absoluta. A Rádio Jornal do Commercio, que propagava o famoso slogan “Pernambuco falando para o mundo”, fora criada em 1948, com equipamentos de ondas média e curtas importado de Londres. Era uma emissora modelo de investimento e uma ousadia para a região desde o final da década de 40. Emissoras menores, em Caruaru, Garanhuns, Pesqueira e Limoeiro, os quatro municípios eco- nômica e politicamente mais importantes, compunham a cadeia, cujo im- pério seria completado com o emprendimento majestoso da TV Jornal do Commercio, o Canal 2. A concorrência vinda dos Diários Associados e suas emissoras, apesar de serem comandadas pelo mito Assis Chateaubriand,
  • 5. 77 Reporter do JC, José do Patrocínio cedeu Jeep para o amigo carregar pedras em era frágil, por carecer de decisão local. Na imprensa escrita daquele período, a formação era apenas hu- manística. Os jornais recrutavam leigos e os formavam na redação. O exercício da profissão tendo como requisito básico o diploma universitá- rio não existia ainda e a alma dos jornais, a redação, sofria o desgaste dos baixos salários. No Recife daquela época, os jornalistas eram condenados a fazer da profissão um bico. Havia apenas três fontes de pagamento: o Diário de Pernambuco, o Jornal do Commercio e o Diário da Noite, jornal vespertino que começara a circular em 13 de maio de 1946, quando Plínio ainda estava se formando na Força Aérea Brasileira (FAB). O Dr. Pessoa de Queiroz era o dono exclusivo dessas duas últimas fontes e não eram pou- cos os que trabalhavam no JC e também no vespertino Diário da Noite, ganhando uma mera gratificação. Nessa condição privilegiada, Dr. Pessoa exercitava com toda desenvoltura sua filosofia, segundo a qual trabalhar em suas empresas era uma honra e o prestígio da organização abriria outras portas, mas não o cofre do jornal. Apesar disso, Pessoa de Queiroz tinha uma boa e inabalável imagem e chegou a se eleger senador por Per- nambuco, por ser um empreendedor local, amar sinceramente o Estado, e investir aqui de forma grandiosa. O jornalista Fernando Menezes, hoje um veterano repórter que viveu aquela época, conta que a frágil concorrência estimulava esse equí- voco do Dr. Pessoa. “Com isso, a boa escola da Rua do Imperador acabava formando duas classes distintas. De um lado, excelentes profissionais. Do
  • 6. 78 outro, um bando de picaretas, quase sempre os menos talentosos”, relem- bra o jornalista. Essa era uma idéia tão corrente na época que o político Paulo Guerra, governador do Estado entre 1964 e 1967 costumava dizer que esse negócio de jornalismo não levava ninguém para a frente. Guerra, segundo seu Perfil Parlamentar, escrito pela jornalista Christianne Alcânta- ra e publicado pela Assembléia Legislativa do Estado, além de advogado e criador de gado, também trabalhou como jornalista. A despeito dos baixos salários, os dois jornais da Rua do Imperador eram uma escola de craques. Naquele tempo, os repórteres usavam pale- tós, os relógios eram de corda e máquinas de escrever eram um privilégio para poucos. A redação era como se fosse uma segunda casa. Levavam-se escovas de dentes, pasta e sabonete. O jornalista Antônio Neto era conhecido como prefeito porque ad- ministrava a redação com mão de ferro. Colocava os paletós nos cabides, dava corda nos relógios e repreendia quando havia muito papel no chão, além de reprimir as brincadeiras da turma mais jovem. A crítica ácida e impiedosa era feita no ato e na presença de todos. Coimbra, um dos chefes de reportagem, era especialmente implacável. Fernando Menezes lembra até hoje o carão que levou por ter escrito um texto onde se lia “fulano de tal, solteiro, 15 anos...” Sem olhar para o inexperiente repórter, Coimbra determinou, de cara fechada, que fosse chamar o fotógrafo, para então dar-lhe uma ordem, ríspida: - Vá com este imbecil na Vila Ipiranga, para fotografar um solteirão empedernido que, aos 15 anos, ainda não se casou! - E o senhor nunca viu uma pessoa casada aos 15 anos, ainda tentou se defender o pobre foca. - Este é outro fenômeno que fotografaremos amanhã, respondeu, de forma definitiva, o chefão. As notícias policiais eram escritas pelo farejador Pinheiro, que sem- pre sentava ao lado do prefeito, sem o cargo de vice. Pinheiro andava sem- pre de branco e escrevia com canetas, sem muito ritmo. Suas laudas mais pareciam poesia concreta. Leocádio de Moraes era o responsável pela tra- dução dos telegramas. A página religiosa era escrita por Solón de Moura, que andava sempre de preto. Cronista social, na acepção de hoje em dia, não existia. Altamiro Cunha se intitulava repórter social e de fato mesmo era um dos últimos boêmios. Um episódio com o governador Cid Sampaio, no início de 1958, consagrou-o para o resto da vida. Um homem refinado, Altamiro comple- tava seus rendimentos com um emprego público numa repartição esta- dual, mas pouco aparecia lá. Quando Cid assumiu, a onda de moralização típica do udenismo atingiu Altamiro em cheio. Sem comparecer ao empre- go público, recebeu uma intimação para começar a assinar o ponto, dia- riamente, às sete da manhã! Na vida de um boêmio, aquilo era um ultraje,
  • 7. 79 O colega Alexandrino Rocha fez as primeiras reportagens para a revista Manche- além de um contratempo. Altamiro ignorou a intimação, mas não perdeu a oportunidade de ridicularizar o governador por meio da coluna política, escrita na época pelo jornalista Edson Regis. “Não sou cuscuzeiro. Às sete da manhã vive uma população que não conheço. A esta hora ainda estou sonhando com as mulheres de Paris. O que sou mesmo é um parisiense perdido nas noites do Recife”, respondeu, com uma galhofa que lhe valeu a demissão, mas a conquista de um emprego na Assembléia Legislativa, naquela época nas mãos da oposição. Altamiro Cunha deixou o JC em 1966, quando a crise da publicação se agravou, em solidariedade ao dire- tor de redação Esmaragdo Marroquim. Antes de sair do jornal de Dr. Pessoa, Esmaragdo ia colocando jo- vens aos poucos, em um processo de renovação. Plínio entrou no jorna- lismo escrito local, justamente a convite de Esmaragdo Marroquim, sem
  • 8. 80 maiores dificuldades. Em seu favor, contava o fato de ser uma pessoa culta, depois dos anos e anos de leitura em Fernando de Noronha e mesmo an- tes. Depois, porque antes dos militares não havia qualquer exigência para o desempenho da profissão. O diploma de jornalismo só começaria a ser exigido por um decreto-lei de 1969. “Eu tinha que fazer alguma coisa na vida, como todo mundo faz. Então, eu fazia jornal e trabalhava na Aeronáu- tica naquela época”, explicaria o próprio Plínio mais tarde. Plínio entrou no Diário da Noite como diagramador, função que, na época, chamava-se de paginador (profissionais que faziam o desenho das páginas). O Diário da Noite era vespertino, uma folha ágil, colorida e muito sensacionalista, ou o moleque da empresa, como classifica o vete- rano Fernando Menezes. Indicado por Esmaragdo Marroquim, a função de Plínio era ir até o espelho da oficina checar para nada sair errado. Conta-se que, nessa função, certa feita Plínio quase ia se dando mal. Ao verificar as páginas que iam para as oficinas, na coluna social, ele viu as fotos de cinco mulheres que achava melhor vetar a aparição. Plínio procurou Marroquim e disse que não era possível publicar pois as mulheres eram muito feias. “Você vai publicar sim, porque a mulher aí do meio é a minha”, orientou o chefe. Além de paginador, Plínio extra-oficialmente passava a vista nas matérias de alguns colegas de redação. “Eu mesmo pedia para ele revisar. Não queria que escapasse nada”, revela o amigo Zé do Pato. O suboficial da Aeronáutica e jornalista também mantinha uma coluna de foguetes, não assinada, como eram chamadas as notas curtas, sobre variedades. “Era boa e saía diariamente. Ele tinha as fontes dele pelo telefone”, conta Zé do Pato. Com sua figura magra, Plínio chegava já tarde na redação e era sempre muito reservado. “Era mesmo um tipo esquisito. Além de pouca conversa, era muito competente. Sempre perfeccionista, queria tudo certi- nho”, lembra Patrocínio. Depois do trabalho, madrugada adentro, não eram raros os jornalistas que iam dançar e aproveitar a vida boêmia. Plínio, inva- riavelmente, não ia, segundo conta o amigo Zé do Pato, que gastava sola de sapato tanto na noite como de dia, atrás de notícia. “O negócio dele, na redação, era cuidar do jornal, vivia a intelectualidade”, explica Zé do Pato, sobre o amigo que era um apaixonado pelos romances de Aldous Huxley. O próprio Plínio relataria mais tarde essa curiosidade permanente e a eterna busca pelo aprendizado. “Abro livros, vejo coisas, falo com as pes- soas, com a mesma curiosidade e interesse de uma criança que começa a descobrir o mundo. Não meço a minha vida por horas, dias, meses e anos, mas sim pelo que aprendo, pelo que vejo e pelo que vivo, e nisso tudo até mesmo os desencantos, os desgostos, as dores, têm sua razão de ser”, reve- lava. Plínio chegou ao requinte de usar toda a sua erudição para tentar ca- tivar uma atriz, escrevendo-lhe uma carta de 34 páginas, datilografadas em
  • 9. 81 espaço 1! No meio, jogou uma reclamação em forma de poesia. “Quanto mal me fizeste em me reviver para o amor. Quanto bem me fizeste enquanto estive vivo em ti. Quanto mal me fizeste em apagar em ti teu amor por mim. Quanto bem me fizeste ao matares para sempre o teu e todos os amores dentro de mim”, declamava o intelectual, leitor de Orwell e Kafka. Mais tarde, com a proximidade da feira de Caruaru, Plínio adiciona- ria às suas leituras a saborosa literatura de cordel. “Quando falta assunto com os moradores locais, leio alguns folhetos de feira, que estou com- prando e colecionando”, revelou, em 1967, já morando em Fazenda Nova. Muitos desses cordéis estão até hoje guardados, entre livros de literatura, política, religião, construção civil e vários outros temas, num dos cômodos do antigo grupo escolar de Nova Jerusalém. Hoje se sabe que ele era um consumidor compulsivo de infor- mação. Interessava-se pelos discos mais tocados nas paradas e os mais vendidos. Embora não fosse fanático por futebol, queria saber quais eram os jogos da rodada e estar a par dos resultados. Interessava-se pelo montante da dívida externa, pela cotação do dólar, por quem seria mi- nistro ou quantos senadores ou deputados a Arena e o MDB fizeram. Até curiosidades sobre as casas de show Hipopótamos, Lamss e Regine’s ou a nova moda da calça comprida e bainha dobrada. “A gente tem que estar informado de tudo isso, pois tudo isto é importante”, dizia, ele mesmo, apresentando a relação de assuntos citados. O costume da leitura invariavelmente deveria ocorrer antes do café da manhã ou se possível até as 10h. “Quem lê após esse horário é brasilei- ro burro, reacionário e todos aqueles que não sabem das coisas importan- tes que estão acontecendo nos mais variados setores da vida nacional e a gente já tem idade suficiente para conscientizar-se de como é importante estar atualizado”, dizia. Para saber das coisas, na imprensa nacional, Plínio lia e ainda era fã das colunas de Carlos Castelo Branco, Zózimo e Tavares de Miranda, considerado por ele o maior colunista nacional. Muito em razão de hábitos como esse, o amigo Zé do Pato conta que Plínio redigia divinamente e deveria escrever romances, misturando a “gaucheza”com a “pernambuqueza”, mas aos incentivos o colega Plínio respondia apenas com sorrisos, como se, por hora, preferisse apenas de- senvolver a sensibilidade incomum para a notícia. Como dizia o crítico americano Harold Bloom, quanto mais as pessoas amam e compreendem a literatura, menor é sua tendência à soberba. “Esmaragdo Marroquim enxergava longe que Plínio era uma verdadeira vocação jornalística do nosso Estado”, elogia o amigo Zé do Pato. “Vi a maneira sublime de ele praticar a nobre missão, com método e inteligência, sem os cânones das universidades, mas com a perfeição diametral do vôo livre dos pássaros”. Certamente, com muitas fontes na área militar, especialmente na-
  • 10. 82 quela conhecida como Asas da Liberdade, Plínio era bem informado e não havia como passar batido. Embora não gostasse de expor toda a sua im- portância profissional, não raro dava uma ajuda valiosa. Um bom exemplo foi a cobertura do seqüestro do navio português Santa Maria por um gru- po de combatentes do regime português de Franco Salazar. O navio veio parar no Porto do Recife. “Plínio me deu o furo de mão beijada”, lembra Zé do Pato que, nessa época, além de correspondente de O Globo, também escrevia para a Time Life. “O Globo me deu o reforço de José Leal, mas ele levou uma surra danada de Plínio. Eu fiquei a bordo do navio e ele me dava cobertura na redação, com tudo muito bem apurado. Não tinha ambição de dinheiro, fazia com uma boa vontade danada. Além disso, ainda tinha a vantagem de não precisar fazer a limpeza dos telegramas”, relembra o velho escriba. Plínio teve, de fato, uma grande participação para que Patrocínio se tornasse um dos astros das grandes reportagens no seu tempo. O próprio Zé do Pato conta o episódio em que foi chamado para ser testemunha de um casamento célebre de uma das filhas do dono da Pitú, seu Elmo, com Antônio Pinheiro, um filho do jornalista Alves Pinheiro, então chefe de re- dação de O Globo no Rio de Janeiro. Alves Pinheiro cometeu o desatino de colocar o agnóstico Zé do Pato como testemunha, obrigando-o, além de comprar roupa e sapato novos, a aprender a andar na igreja. “Passei vários dias treinando”, conta. Por iniciativa própria, Zé do Pato fez então duas reportagens de página inteira para o JC, transformando-se em cronista social. “Essa reportagem passou pelas mãos de Plínio. Ele retocou aqui e ali e publicou com grande destaque. Ganhei um prestígio enorme no Globo”, rememora o jornalista, que guarda ainda hoje um telegrama de agradeci- mento do próprio Roberto Marinho, por conta do factóide. Mesmo na cozinha do jornal, com pouco tempo Plínio já gozava de tão bom conceito que dava cursos para os iniciantes. Naqueles idos de 1950, quando o Serviço Social do Comércio (Sesc) decidiu montar um pioneiro curso de jornalismo, pelas mãos do diretor Ruy do Rêgo Barros e do historiador Flávio Guerra, Plínio foi uma das primeiras pessoas chama- das. Mas recusou, alegando que, fora o jornal, a parte militar lhe tomava um bocado de tempo. Indicou então o amigo Zé do Pato e acompanhou a distância, tendo feito palestras para os alunos, ao lado do colunista político Édson Regis e Paulo Guerra, que era jornalista e mais tarde assumiria o go- verno do Estado, após o Golpe de 64. Em agosto de 1958, Plínio alugou uma casa na Rua do Progresso e fixou residência. Antes de fugir com Diva, em 1957, ele dividia um aparta- mento com seis rapazes. “Naquela época, Plínio tinha quatro empregos. Trabalhava na aeronáutica, no JC, na Revista do Nordeste e no Diário da Noite”. Em julho de 1959, foi morar em Afogados e estava completamente
  • 11. 83 Convidado por Plínio, Victor Moreira desenhou ilustrações para o Jornal do Com-
  • 12. 84 esgotado da rotina estafante de jornal. Para reduzir a carga de trabalho, pediu demissão do Diário da Noite e da Revista do Nordeste, concentrando suas forças, a partir de setembro de 1959, apenas no suplemento cultural do Jornal do Commercio, lançado com o amigo Victor Moreira e o pintor Zé Cláudio, que então trabalhava como retocador de fotografias. Diva reclamava que todos os domingos Plínio se enfurnava às 8h da manhã e só saía por volta das 11h da noite, numa roda viva sem fim. “Nem o jornal nem a Aeronáutica, nessa altura da minha vida, me preenchiam mais. Eu não queria mais jornalismo porque às 9h da manhã o jornal está morto, não diz mais nada. Eu era especialista em comunicações, mas que- ria outra coisa. A Paixão então veio ao encontro do que eu queria e o que eu esperava encontrar”, explicou, anos mais tarde, em um depoimento à TV Globo. A rede de relacionamentos que Plínio formou, a partir dos jornais, foi outra grande conquista daquele período. Já morando em Fazenda Nova, em 1966, ele promoveu o I Congresso de Jornalistas do Interior, com a colaboração de uma rodoviária que levou o pessoal até lá. Um banco man- dou imprimir flâmulas para colocar no paletó dos convidados, uma livraria imprimiu os diplomas e a Coca-Cola mandou refrigerantes, enquanto Diva preparou o almoço, servido no Botijinha. “O conjunto deu ótimo resultado junto ao público. Na sexta-feira santa, cerca de 200 automóveis do Recife vieram bater aqui”, comemorava Plínio, que abria seu parque de emoções à visitação antes mesmo de concluí-lo. Essa rede foi de grande valia naquele momento e para o resto da vida. Uma dessas pessoas de Fazenda Nova que veio ao encontro de Plínio, pelas mãos do destino, foi o jovem figurinista e ator Victor Moreira. Os dois se conheceram por acaso em 1954 e tornaram-se amigos para o resto da vida. Plínio estava acabando de chegar de Fernando de Noronha e foi man- dar fazer roupas na alfaiataria Duas Américas, no centro do Recife, quando conheceu Victor. A loja, por outra coincidência do destino, pertencia ao sogro do comerciante Germano Haiut, que também veio a atuar na Paixão de Cristo. Victor estava fazendo a roupa de formatura em Odontologia, especialização que acabou abandonando para se dedicar à moda, sua ver- dadeira paixão. “Eu percebi o valor de Plínio logo no primeiro contato. Ele era uma pessoa muito envolvente. Nós conversamos muito e ficamos ami- gos”, relembra Moreira, que já desenhava moda para o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP). Como um jornal sempre precisava de ilustradores, não tardou para que Plínio convidasse o amigo para trabalhar no Jornal do Commercio, no suplemento dominical. Com o entrosamento, levou Moreira para trabalhar com ele também na Revista do Nordeste. A amizade abriu uma porta para que Plínio travasse contato com ou- tros jovens atores. Um desses amigos de Victor era Clênio Wanderley, den-
  • 13. 85 tista como ele e que trabalhava em um consultório montado nos fundos da Igreja da Penha, no bairro de São José. Clênio atuava no mesmo grupo teatral, a exemplo de outro amigo de Victor chamado Luiz Mendonça, fi- lho de Epaminondas Mendonça, um coletor de impostos que, na Semana Santa, assumia o papel de Jesus no Drama do Calvário, em Fazenda Nova. O figurinista conheceu Luiz Mendonça um ano antes de fazer amizade com Plínio, quando foi assistir ao espetáculo em Brejo da Madre de Deus. Os dois também trabalhavam na mesma sessão na Secretaria da Fazenda e após o expediente se dedicavam em horário integral ao teatro. O jornalista Alexandrino Rocha, que deu os seus primeiros passos na carreira jornalística justamente na redação do Jornal do Commercio e fez depois as primeiras matérias sobre o espetáculo de rua, para o JC, a Revista Manchete e também o jornal Correio do Povo, para os quais es- crevia à época, conta que foi ainda nas pranchetas de trabalho do JC que Plínio Pacheco começou a colocar no papel o sonho de construir o maior teatro ao ar livre do mundo. “A gente passava por ele, numa mesa que ficava próxima ao banheiro, e lá estavam os primeiros traços daquilo que, mais tarde, seriam as muralhas de pedra de Nova Jerusalém”, afirmou, em depoimento ao próprio JC, em 24 de março de 1991. O tempo que Plínio passou nas redações também foi importante porque ele ganhou um raro senso de oportunidade, que mais tarde lhe seria bastante útil para usar a mídia a seu favor. Muitas vezes não dava certo porque os fatos não dependiam apenas dele. O produtor cultural sabia que isso poderia fazer grande diferença, como revela em uma carta de 1966, relatando a inauguração do grupo escolar bancado pelo gover- nador Paulo Guerra. “Inauguramos a escola sem poder tirar o rendimento publicitário que eu planejara. O governador mandou dizer, numa sexta- -feira, que na segunda-feira viria inaugurar. Quando recebi o recado, qua- se fiquei biruta. Não havia como preparar tudo em menos de 72 horas, embora tenha dado tudo certo”, contou. No tempo das redações, por exemplo, Plínio travou amizade com o jornalista Paulo Fernando Craveiro. Ficaram tão amigos que a mulher do jornalista, Léa, em 1972 comemorou seu aniversário na casa de praia que Diva alugou para passar umas férias em Rio Doce. Um episódio pitoresco entre o jornalista e o pessoal de Fazenda Nova quase acaba a amizade, numa visita que Craveiro fez, em 1956, ao espetáculo de rua. Fazendo parte de um grupo de visitantes, como Plínio, Craveiro passou várias horas preso em um banheiro, que alguém havia trancado a porta por maldade. “Craveiro passou 11 anos sem visitar Fazenda Nova, com raiva. Hoje, Nova Jerusalém tem mais banheiros do que quartos em homenagem a Paulo Fernando Craveiro”, diverte-se Diva Pacheco, conforme relata em seu livro de memórias, no qual o jornalista escreveu o prefácio, sem demonstrar nenhum rancor.
  • 14. 86 Se não estivesse numa redação de jornal, talvez nunca o ator e dire- tor Luis Mendonça, irmão de Diva e intérprete do primeiro Cristo quando o espetáculo era nas ruas, tivesse lhe convidado para conhecer o drama, numa das vezes em que foi à redação pedir a publicação de notas sobre o evento, na metade da década de 50. Vários contatos dessa época seriam muito importantes mais tarde, quando o gaúcho de Santa Maria tomou a decisão de suspender tempora- riamente o espetáculo e dar início a uma verdadeira via-crúcis, com muitas viagens aos gabinetes ministeriais em Brasília, em busca de recursos para as obras de Nova Jerusalém. Uma dessas pessoas foi o próprio dono do jornal em que trabalhou e que em 1962 foi eleito senador por 14 partidos, praticamente a unanimidade das forças políticas do Estado naquela época. Era chegada a hora de colocar um dos homens mais importantes de Per- nambuco para trabalhar a seu favor. A decisão de abandonar o Jornal do Commercio, em outubro de 1962, mostrou-se uma das mais acertadas da sua vida. A partir de 1966, o sistema JC começou a naufragar em uma grande e longa crise. De 1966 a 1974, o JC foi gerido pelo filho do senador, Paulo Pessoa de Queiroz, antes de sofrer intervenção extra-judicial. A derrocada do grupo começou com a queda do governo Costa e Silva, quando uma junta militar assumiu o poder central. Costa e Silva foi quem dera aval para a TV da Bahia, que Paulo Pessoa de Queiroz iria montar em sociedade com o banqueiro Clemente Mariano. A queda do padrinho político acentuou a crise financeira. A publicação só viria a se recuperar em 1987, com a sua compra e a profissionalização promovida pelo empresário João Carlos Paes Mendonça. No início daquele ano, o JC viveu uma greve histórica, que parou as ofici- nas por mais de três meses, antes da venda para o empresário, então dono da rede de supermercados Bompreço. No começo de 1962, a rigor Plínio sabia há muito tempo que o jorna- lismo era só um meio de sobrevivência. Era como se fossem duas pessoas em um corpo só. No caso, o jornalista sustentava o produtor cultural, que estava sempre lá, de tocaia. Então, chegou a hora em que o jornalista se aposentou e o produtor cultural teve que sustentar a casa. Correndo do patrulhamento Os amigos de redação que conviveram com Plínio contam que ele era um tipo esquisito, de pouca conversa e que nunca ia fardado para o trabalho, apesar de ser suboficial da Aeronáutica. Fazia isso apesar do orça- mento magro. Era quase certo que ele ainda não tinha dinheiro para gastar
  • 15. 87 com roupas, embora mais tarde tivesse entre os seus luxos uma coleção de chapéus, das marcas Lucky Hals, Prada e Ramenzoni. A mais provável razão para evitar a farda, entretanto, era o receio de tornar-se vítima do patrulhamento ideológico que reinava naquele momento político, entre esquerda e direita. Não raro os militares em geral eram identificados com as forças conservadoras. Mesmo antes do Golpe de 64, as redações já reproduziam o clima de beligerância entre esquerda e direita. O veterano jornalista José do Patrocínio, numa coluna assinada em 12 de fevereiro de 1982, revela esse clima pré-64. No artigo intitulado “As Tais Patrulhinhas Ideológicas”, Zé do Pato cita as perseguições que um jovem repórter sofria de um chefe seu, alinhado à esquerda. Segundo o relato de José do Patrocínio, depois de participar de um curso de jornalismo no Sesc e ter sido indicado por ele para o Diário da Noite, o rapaz começou a ser sabotado, por ser ligado a Zé do Pato, identificado como conservador. “Um desses alunos do cursinho do Sesc se destacou pela inteli- gência, sagacidade, bom faro para reportagem, boa redação, enfim, uma vocação incomum para o jornalismo. E ele veio bater com os costados aqui na redação do Diário da Noite, onde pontificava um subsecretário (não vou citar nomes) de tendência esquerdista, querendo subir e fazer-se por si mesmo, fiel a seus companheiros de maior hierarquia no partido. Certo dia, este meu aluno puxa-me pela gola e diz que vai desistir, pois o chefe diz que tudo que faz não presta... mas está redondamente enga- nado e vou dizer porque ele tenta convencer você disto. Ele é da ala da esquerda, sabe de onde você saiu, nossas conseqüentes ligações afetivas e por isso quer destruí-lo e com isso quer me atingir”, confidenciou, para depois dar um conselho ao amigo. “Faça o seguinte: intrigue-se comigo ou faça-se de indiferente. Torça-me o pescoço. Quando escutar a esquer- dalhada esculhambar-me, pode ajudar ou, se quiser, fique calado. Não me defenda de jeito nenhum”. Deu certo, segundo Zé do Pato. “Esse ex-aluno chegou a secretário do jornal onde o esquerdinho lhe havia dito que ele não dava para nada. Chegou a líder sindical, fez estágio nos Estados Uni- dos, foi diretor-editor de revistas, empresário próspero a caminho de me- lhores águas e voltou a ser meu amigo. Hoje, orgulha-se de ter saído do cursinho de jornalismo do Sesc, mesmo depois de colocar num dos dedos um anelão de bacharel em direito”, escreveu José do Patrocínio, em 1982. Entrevistado para a produção do perfil de Plínio, Zé do Pato revelou que o rapaz perseguido era o jornalista Olbiano Silveira, hoje dono da gráfica Comunigraf, enquanto o “esquerdinho” era o jornalista Manoel Barbosa, falecido em 1999. Quando estourou o golpe, Plínio não estava mais atuando nos jornais, mas a empresa Jornal do Commercio apoiou abertamente a dita- dura, sem o menor constrangimento e sem ao menos mencionar que o
  • 16. 88 senador F. Pessoa de Queiroz era de um partido de oposição, em 1962. Tal- vez não fosse preciso, pois Dr. Pessoa era tido e havido por todos como um conservador empedernido. Certamente Plínio nunca seria preso, como Milton Coelho da Graça – o chefe da Última Hora no Recife, conhecido pelo costume de entrar na redação dando vivas ao comunismo – mas quem conviveu com o jornalista gaúcho diz que Plínio chegou a ter alguma tendência de esquerda. “Plínio era um daqueles militares que a gente chamava de melancia. Verde por fora e vermelho por dentro. Ele falava com as pessoas mais próximas sobre idéias marxistas, mas não se podia falar abertamente, ainda mais sendo militar. Era sim um pouco pendido para a esquerda, mas era comedido”, contou Zé do Pato. Os receios de Plínio não eram infundados. Em 1964, o jornal Última Hora, por exemplo, foi fechado pelos militares, com apenas dois anos de vida. Milton Coelho da Graça foi preso e espancado. Homem de muita leitura, Plínio demonstrava ter-se aborrecido com uma das profecias do marxismo, que previa o socialismo como o estágio mais perfeito de organização da economia e da sociedade. “A pureza do comunismo, no seu ideal de igualar a todos os homens em todas as suas formas de vida, foi transformada em um regime de opressão, principal- mente do pensamento”, escreveu, em 1966. Desde 1956, no famoso XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), o então secre- tário-geral da entidade, Nikita Kruschev, já havia denunciado os crimes de Stalin. Isso abalou os comunistas e os partidos comunistas ocidentais. Na- quele mesmo ano, ocorreu a invasão da Hungria e, em 1968, a invasão da Tchecoslováquia, bem como eventos importantes, como a construção do muro de Berlim, a constituição da Cortina de Ferro e do Pacto de Varsóvia. “Todos esses acontecimentos estiveram relacionados com o crescente revi- sionismo de muitos comunistas e partidos comunistas ocidentais”, explica o historiador Túlio Velho Barreiro, da Fundação Joaquim Nabuco. “É bom lembrar ainda que os partidários de Leon Trotsky – que se contrapunha à III Internacional Socialista, criada e conduzida por Stalin e seus sucessores – desde a morte de Lênin já combatiam a burocratização do PCUS e da III Internacional Socialista e a tirania do Estado soviético”, acrescenta. Se algum dia foi socialista, Plínio esqueceria dentro de mais alguns anos. Em 1979, com base nas cartas que deixou, pode-se dizer que ele fez uma clara opção pela economia de mercado, declarando-se capitalista e contra o comunismo. A definição consta de uma correspondência em que Plínio fala sobre a política internacional com o amigo Victor Moreira, mo- rando nessa época em São Paulo. Nessa carta, aliás, Plínio antecipa aspec- tos da geopolítica mundial com precisão. “No fim, o importante é o Oriente Médio – o americano entrando lá, como fazia e muito bem na América La- tina, tomando tudo, ficando dono, ficando com o petróleo e depois entran- do em Israel também, tomando tudo, ficando dono, ficando com o ouro
  • 17. 89 dos judeus e com o óleo dos árabes. Assim, é a única maneira de não ficar com o comunismo e ficar com o capitalismo, que é católico”, escreveu. Com sua capacidade de antecipação dos fatos, analisando informa- ções e estratégia militar, Plínio vislumbrou um conflito que se materializou no início do Século XXI e vem se eternizando desde então. Naquele ano, o Irã já havia se transformado em um barril de pólvora. O Ayatolá Khomeini havia assumido o poder e iniciado a república islâmica. Uma de suas pri- meiras iniciativas foi ordenar a execução de todos os auxiliares do Xá Reza Pahlevi. Em 1980, começou a guerra com o Iraque, que só viria a ter fim em 1988. Em 1990, explodiu a Guerra do Golfo, entre o Iraque e o Kuwait, justa- mente por causa do petróleo. Os Estados Unidos, altamente dependentes do petróleo, assumiram a guerra ao lado do Kuwait. A coleção de cartas trocadas com o amigo é a prova mais consistente de que, após a pausa oficial do jornalismo, Plínio manteve-se disciplinado, escrevendo sempre, para manter o braço aquecido. Na verdade, era um missivista compulsivo, naqueles tempos em que o e-mail ainda não tinha sido inventado. Gabriel Garcia Marques já escreveu, explicando a questão de forma definitiva, que o vício de escrever é abrasivo e insaciável. Na política internacional, conforme a leitura de suas cartas, Plínio interessava-se pelo mundo, sempre denotando uma posição conservado- ra. No caso da França de sua época, ele demonstrava preocupação com o destino do país, depois que Charles de Gaulle morresse. “Como eles vão se arranjar? Aquilo vai é acabar nas mãos do Mitterrand”, escreve Plínio, demonstrando sua predileção pelo líder conservador francês, em contrapo- sição ao socialista François Mitterrand. Além do JC, Plínio trabalhou em outras publi- cações. Naquela época era comum a dupla jornada. No Diário de Notícias o amigo José do Patrocínio assinou sua carteira fun-
  • 18. 90 Quando fala sobre os destinos da Itália, a orientação política de Plínio parece ainda mais clara. “Na Itália, a melhor saída acho que era botar o papa no lugar do Aldo Moro e o Aldo Moro no lugar do papa, mas acho que não dá, pois parece que mataram o Aldo Moro”, brinca, referindo-se ao primeiro ministro da Itália, morto em maio de 1978 pelas Brigadas Vermelhas, grupo radical de esquerda, depois que o líder da Democracia Cristã fez uma coali- zão com os comunistas para governar. Moro passou 55 dias refém, antes de ser executado, sob o pontificado de Paulo VI. Nesta mesma carta, escrita em 1979, o produtor cultural demonstrava ainda interesse em mais dois países comunistas, China e Rússia, sempre des- tacando problemas de desmandos das lideranças comunistas. “Já fuzilaram ou enforcaram ou estrangularam a gang de Pequim? E o (Leonid) Brejnev, faz quanto tempo que morreu? Já enterraram? Já botaram na cadeia o substituto dele?”, reclama, em tom de questionamento e numa premoni- ção alarmante. O líder soviético só viria a morrer em 1982, substituído pelo presidente da KGB, Yuri Andropov. Somente em 1985 Michail Gorbachev seria guindado ao posto de secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, instituindo uma política de abertura política (Glasnost) e reestrutu- ração econômica (Perestroika), para renovar o socialismo. Não durou muito tempo, 1989 ficou conhecido como um ano de profundas transformações na política mundial, sendo a principal delas justamente o fim dos regimes da Cortina de Ferro. Três décadas depois de erguido, caiu o muro de Berlim, a maior herança da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética, que se extinguiu naquele ano. Em 1991, acaba-se oficialmente a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que se tornam independentes. Além disso, naquele ano Gorbachev renuncia à presidencia e recebe o Prêmio Nobel da Paz. Curiosamente, quando fala de Cuba, a sempre polêmica ilha do Cari- be, Plínio comete um erro histórico, não se sabe se de forma intencional para fugir da censura vigente na época. “Quem fez certo foi Cuba, que fuzilou Fidel e botou o Guevara no Governo”, comenta. Na única referência negativa aos americanos, Plínio se pergunta se (Richard) Nixon (reeleito presidente dos Estados Unidos em 1972) iria entregar as fitas do caso Watergate. Contraditoriamente, o mesmo Plínio que criticava comunistas tinha palavras duras para os conservadores que governavam o Brasil ao longo dos séculos. As críticas à indústria da seca são um exemplo, de acordo com um longo relato extraído de uma carta escrita ao amigo Victor Moreira em 1979. “O que tem hoje, partindo do sul de Minas, vindo da Bahia até o Ceará, de promessa de Bom Jesus da Lapa, Senhor do Bonfim, São Severi- no dos Ramos, São Francisco do Canindé, Padre Cícero, Frei Damião, além de macumba, xangô, vela acessa, para vir logo e bem demorada e bem grande uma grande seca ou uma grande enchente, e bom mesmo seria as duas juntas, é de você dizer que é mentira minha”, espanta-se Plínio. “E
  • 19. 91 não é apenas promessa e mais coisa só de governadores e prefeitos e co- merciantes e fazendeiros que estão devendo tudo aos bancos, não. É todo mundo, o povinho, o povo médio, o povo alto. Porque, no fim, no particu- lar, todos perdem pouco e, no geral, todos ganham mais do que perdem”, critica. Até hoje, o flagelo da seca açoita e continua castigando o Sertão. Pelos dados da extinta Sudene, a primeira estiagem teria sido registrada em 1564, tendo ocorrido períodos de secas mais severas em 1915, 1952 e 1958. Embora não tenha feito publicamente, Plínio também deixou regis- trada sua crítica contra o mau uso da terra e os seus efeitos ambientais, como erosão e desmatamento, apontando-os como principais causas do fenômeno da estiagem no Nordeste. Os poetas costumam dizer que o clima no Agreste é tão impiedoso que as sombras são leves, como se as almas do outro mundo tivessem medo do próprio Sol. Para Plínio, a culpa pelos agressivos e danosos costumes de produção locais de Fazenda Nova era de gerações, vinda do avô dos avós deles. Com sua grande erudição, em 1979 Plínio se compara, nessa ques- tão do uso da terra, à figura de Mr. Propter, personagem principal do livro Também o Cisne Morre, de Aldous Huxley. Na obra, como explicado, um professor universitário vai morar num pedaço de terra herdado do pai. Prop- ter constrói uma casa para morar e várias casinhas para alojar famílias que subiam para a Califórnia no período da colheita da laranja. Em geral, essas pessoas eram ex-agricultores que tinham perdido suas terras. Exaustas, es- sas terras requeriam adubos químicos que eram fornecidos pelos bancos e acabavam não sendo pagos devido às más colheitas. Como resultado, os bancos tomavam as terras e os agricultores passavam à condição de traba- lhadores alugados. De uma maneira geral, para o produtor cultural, esse tipo de gente era igual ao pessoal de Fazenda Nova, em termos de responsabilidade com a terra. “Eles só fazem tirar tudo da terra, nada lhe retornando. Metem a foice para cima, derrubam árvore e vegetação, tocam fogo, com as infames queimadas. Então plantam e tudo muito bom no primeiro ano, mas o fogo queimou as raízes que sustentavam a pequena camada de húmus e tam- bém matou os bichinhos que faziam buracos, canais e labirintos na terra, por onde entra o ar e se infiltra a água. Quando chegam as trovoadas, lá se vai tudo na erosão e a terra vira um carrasco. Com isso, também a climatologia foi modificada. A culpa já vem do avô do avô deles e todos são culpados, mas como todo mundo se julga bom, ninguém aceita que a esterilidade da terra é culpa própria e de todos os seus antepassados. Então o culpado é Deus, que manda chuva demais ou de menos. E se Deus está fazendo isso não é porque Deus é mau, pois Deus é bom. Está fazendo isso para que o homem pague pelos pecados que cometeu ou está cometendo”, analisa,
  • 20. 92 desmontando o discurso religioso ainda vigente em várias comunidades po- bres do Nordeste. Já fora das redações, os dramas de sua aldeia (a capital, Recife), tam- bém eram objeto de suas preocupações e, não raro, um prato cheio para a crítica aos costumes locais, mesmo na distante Fazenda Nova. Em junho de 1966, por exemplo, uma forte cheia invadiu o Recife e Plínio acompanhou tudo pelas imagens da TV. A força das águas acabou em catástrofe, mas não para o espanto do produtor cultural. “Naquela zona, só se permite a entrada com barcos a motor. Em todo canto, há vítimas. O Dr. Fábio Corrêa ficou encurralado, com água no primeiro andar de sua casa. Sílvio Pes- soa, deputado, rapaz pobre (hoje procurador-geral do Estado), perdeu tudo, com três metros de água dando no teto da casa dele”, conta ao amigo Victor Moreira. Plínio relata que as águas chegaram à Estrada dos Remédios e aca- baram com a Rozenblit (fábrica de discos) e também invadiram o Clube In- ternacional. “Era boiada e fardos de algodão, móveis, televisão, tambores de gás, tudo de roldão na correnteza. A água não vinha enchendo pelos rios, ela estourava pelas bocas dos esgotos, da Boa Vista à Varzea, incluindo o Derby, Madalena... Era um mar só, com dois terços da cidade dentro d’água”, conta. Apesar do cenário de desgraça, Plínio caçoou. “Agora imagine, no meio, por cima d’água, querendo se salvar com as pessoas, aqueles milhões de ratos que devia ter uma cidade suja e imunda como o Recife. E as cobras? Ainda tem gente abrindo gaveta e encontrando cobra. As mulheres eram a imagem do pavor, mastigando um rosário com cada conta do tamanho de um coco de babaçu”. Não se tratava de sadismo. Plínio achava que os transtornos poderiam servir para alguma coisa. “A cheia veio despertar a consciência de que en- chente não é privilégio de pobre, pois enchente no Recife não atinge apenas quem construiu à beira-rio, mas também à beira-mar”, numa referência à elite de Boa Viagem. O alvo de suas críticas era a especulação imobiliária, já forte no Recife desde então. “As cheias são um problema de imprevidência geral. Estão aterrando tudo, não canalizando”, reclamava, em dúvida se os proble- mas despertariam mesmo as consciências. “A verdade é que daqui a um mês está tudo na mesma. Todo mundo esqueceu. E tome aterro de novo, para ter mais terreno, para poder vender e ganhar mais dinheiro e comprar um novo automóvel e tome mulher boa e uísque”. Nessa questão, Plínio era impiedoso com o comportamento imprevidente. “Eles pensam assim: e a próxima cheia? Ora, essa vai ser lá no Beberibe, de 30 em 30 anos. Daqui para lá eu já morri e quem estiver vivo que se fuzile”, ironiza. Em plena censura militar, Plínio não perdoa nem mesmo a mobilização para socorrer os mais necessitados, em que ele vê hipocrisia social. “Depois da tragédia das águas, queriam tomar providências. Agora estão todos com Dom Hélder, para cá e para lá. Hoje mesmo tem gente indo para São Paulo, atrás de Roberto Carlos. Eles souberam que ele é muito bonzinho. Até então,
  • 21. 93 Em 1956, Plínio ainda atuava na imprensa local, no mesmo ano em que se apaixonaria pelas serras de Fazenda Nova
  • 22. 94 era um cafajeste, afrangalhado, cabeludo, dessa geração maluca e barulhen- ta, como dizem. Agora, eles querem que ele ajude os pobres, arrume roupa, faça um festival de beneficência. Foram pedir para ele cantar aqui (em Nova Jerusalém) por amor ao próximo. No andamento das coisas, não vou me admirar se pedirem às putas para dar a renda de uma noite em benefício das vítimas. Tudo porque a lama chegou também à casa deles”, critica. O cantor Roberto Carlos, afrangalhado ou não, não chegou a se apresentar em qual- quer show em Fazenda Nova. No ano de 1972, chegou a assistir ao espetácu- lo, disfarçado para evitar o assédio dos fãs. Naquele tempo, Plínio podia ser muito inteligente, muito bem in- formado, discorrer sobre vários assuntos com desenvoltura, mas só Deus é onisciente. O destino, conspirando sempre, seja contra ou a favor, também costuma preparar armadilhas até para os menos incautos.
  • 23. 95 Capítulo VII No fórum de Pilatos Não julgueis e não sereis julgados A PAIXÃO DE PLÍNIO
  • 24. 96
  • 25. 97 Não julgueis e não sereis julgados No Carnaval de 1956, Plínio Pacheco, então com 30 anos, sem saber que o destino conspirava a seu favor, deu-se umas férias do des- gastante dia-a-dia do jornal e atendeu a um convite para ir descansar em Brejo da Madre de Deus. Sua intenção era trocar o Recife e sua agita- ção nos dias de Carnaval – festa da qual nunca gostou – para recarregar as energias na famosa instância hidromineral de Fazenda Nova, distrito do Brejo da Madre de Deus, distante 180 quilômetros da capital. Plínio já ouvira falar das águas consideradas milagrosas. O que ele não sabia era que aquele pequeno lugarejo interiorano também tirava folga do puritanismo reinante e se entregava de corpo e alma à folia de Momo. Nos demais 362 dias do ano, o lugar era marcado pelo conservado- rismo religioso mais arraigado. Um episódio admirável, ocorrido em 1865, serve à perfeição para dar uma idéia dos rígidos limites impostos pela moral católica local. Os mais antigos moradores contam que os frades ne- cessitavam de uma linha (tora de madeira) grande o suficiente para servir de cumeeira para a Igreja de Nossa Senhora do Bom Conselho do Brejo da Madre de Deus, então em construção. A madeira só poderia vir das matas de Bitury (próxima do Brejo da Madre de Deus, no limite do município de Belo Jardim), de onde foi encomendada. O percurso da linha de Bitury até a cidade somava alguns quilômetros e tinha que ser trazida nos ombros, devido às dificuldades de transporte da época. Inúmeros moradores e alguns escravos cumpriam a tarefa, recebendo no trajeto a ajuda de novas pessoas desejosas também de colaborar com a construção da igreja. Aconteceu, porém, que ao chegarem nas imediações da cidade, num lugar chamado até hoje de Pedra Grande, depois de uma pequena pausa para descanso da árdua tarefa, a linha empacou, sem mais nem
  • 26. 98 menos. Por mais que tentassem erguer a madeira e prosseguir, não conse- guiam nem levantá-la até a altura dos joelhos. O número de braços havia sido multiplicado, mas a força desprendida mesmo assim não era suficien- te para suspendê-la. Todos ficaram boquiabertos e pasmados. Podia ser exaustão, face à fadiga durante o longo percurso. Mas outras pessoas que não haviam carregado a linha também nenhum efeito conseguiam, quan- do alguém teve a idéia de mandar chamar o frei Caetano. O missionário correu para lá a fim de se inteirar do problema. Depois de ter feito várias indagações, o religioso verificou que tudo não passava de interferência satânica! - Isto é arte do demônio, gritou em voz alta, tratando logo em segui- da de fazer preces fervorosas, como que tentando exorcizar o mal. - Aqui tem um amancebado segurando a linha, concluiu, virando-se para os homens que tentavam conduzir a madeira a qualquer custo. Logo um pobre homem foi apontado pelos demais como amasia- do. Segundo a história é contada, a partir de então a condução da linha ocorreu facilmente, com o seu transporte até a cidade, mesmo depois de o mesmo padre ter colocado sobre a madeira uma criança bastante robusta. Verdade ou ficção, com essa fábula, transmitida de geração em geração em vários sermões, ficara decretado que viver maritalmente com uma mulher sem ser casado no religioso era um pecado grave. A igreja foi inaugurada em 1868, o lugarejo virou distrito, depois cidade, mas os costumes locais não mudaram muito naquele distante ano de 1956 em que Plínio desembarcou pela primeira vez em Brejo da Ma- dre de Deus. Mais tarde, outro padre, o frei Sebastião das Virgens, marcou época, em suas pregações evangélicas, contra as mulheres que usavam vestidos com a maldita saia-balão. Assim, os excessos do Carnaval não eram suficientes, por maior que pudesse ser a transgressão, para mudar a moral vigente, embora os costumes já fossem bem mais liberais, ao ponto de não faltar até mesmo um bloco de meretrizes, composto por prostitutas brejenses e amigos destas. As mulheres perdidas, como eram chamadas, saíam trajadas a rigor, com fantasias provocadoras para a época. Os seus vestidos eram um pouco acima dos joelhos. Não exatamente pela altura das saias, o Carnaval de 1956 seria ines- quecível para o visitante ilustre, então secretário de redação do Correio do Povo. E descanso foi o que Plínio menos teve naqueles dias. A festa profana também era esperada com ansiedade pelas meninas de família. Diva, a filha caçula do coronel Epaminondas, era uma delas. Ela achava aquela a melhor festa do ano. Naquele ano, em que se fantasiou de cigana rica, costurando o próprio vestido, ela havia pedido ao irmão Luiz Mendonça, chamado carinhosamente por ela de Lourinho, que chamas- se uns rapazes do Recife, pois assim a festa ficaria mais animada. Assim, houve uma preparação anterior ao encontro dos dois. Diva não brotou do
  • 27. 99 nada na vida de Plínio, como uma estrela a milhões de anos luz que só agora era descoberta. Quando o irmão chegou à cidade com o grupo de rapazes, Plínio no meio deles, em pleno domingo de Carnaval, no dia 13 de fevereiro daque- le ano, Diva já estava com sua troça na rua. “Fomos apresentados, mas ele já me conhecia de nome. Na viagem, falaram muito de mim. Eles vinham apostando quem ia namorar comigo”, conta Diva, em suas memórias. Como o hotel da família estava lotado, Diva teve que emprestar sua cama para o hóspede. “Ele era de cerimônia”, lembra. “Fiquei danada, mas era o único jeito. Depois que serviram o jantar, vesti minha fantasia de cigana e entrei na sala. Plínio ficou todo animadinho para dançar Carnaval. Eu, que de besta só tenho a cara, notei logo”, conta. Realmente não havia mesmo como ignorar a moça, de uma beleza selvagem sem igual. Com dezesseis para 17 anos, poucos anos a mais do que uma garrafa de bom uísque, a jovem menina fazia jus ao nome que recebera no batismo. Os seus olhos azuis hipnotizaram muitos rapazes e marmanjos. A descrição de Diva feita pelo jornalista e amigo da família Paulo Fernando Craveiro, no prefácio do livro de memórias dela, de 1971, não pareceria exagero aos olhos de um homem apaixonado, como Plí- nio naqueles dias. “Diva tem uma vantagem sobre muita gente. Ela tem pedaços de céu nos olhos. Talvez o cosmonauta soviético Gagarin tenha exclamado que a terra é azul, lá das imensidões siderais, por estar fixando os olhos de Diva naquele exato momento”, escreveu. “Naquele tempo, eu pesava 68 quilos e era um material bom e enxuto”, diverte-se a atriz, aca- tando os elogios. Encantado com a beleza desabrochando em flor, Plínio quedou-se nos excessos que sempre evitou. “Fomos ao clube e dançamos até as 4h e Plínio lá. Na segunda-feira, logo às 10h, a troça foi até Brejo da Madre de Deus, ao som de Vassourinhas, com todo mundo de preto e Plínio lá, de preto também. Ele acompanhava firme, de vez em quando pergun- tando se eu não estava cansada”, lembra Diva. “Como bebíamos até água de sino, não havia como ficar cansado”, relembra. Diva fazia o estandarte das troças e convidava várias pessoas. Os sanfoneiros vinham de Fazenda Velha, pagos com uma vaquinha (nome popular de uma forma de arre- cadar dinheiro com a comunidade). Naquele clima de festa, a maior fonte de inspiração da jovem atriz era uma mulher chamada Maria Catingueira, com quem Diva aprendeu o gosto pelo Carnaval, a arte do artesanato e as primeiras lições de improvisação de figurinos para o Carnaval. “Diva era uma alegoria pronta. Ela foi produzida para o Carnaval”, conta o amigo Victor Moreira. Apesar de seu temperamento circunspecto, Plínio, a partir daquele ano e por causa da amada, acabava entrando no clima carnavalesco. A filha mais velha dos Pacheco, Nena, conta no documentário Plínio, Terra
  • 28. 100 e Flor, que num sábado de Zé Pereira, muitos anos depois do primeiro en- contro do casal, acordou e encontrou o pai vestido de galo. Acompanharia a mãe, fantasiada de galinha, no desfile do Galo da Madrugada. “Eu achei ridículo. Mas foi a maior prova de amor, de sensibilidade dele”, lembra a filha. Na quarta-feira de cinzas do primeiro Carnaval de Diva e Plínio, os rapazes foram embora para o Recife, mas a imagem daquele pedaço do céu de Brejo da Madre de Deus não saiu da memória do rapaz. No sábado seguinte, Diva recebeu, pelo ônibus, um pacote e uma carta dele. Um vidro de perfume para ela, um punhal de prata para o pai, uma concha de prata para a mãe, além de jornais e revistas, compunham o primeiro presente com que Plínio tentava cortejar, expondo suas pretensões. “No meio de tudo, havia uma pomada para passar nos pés. Ele era muito caprichoso”, lembra Diva. Os mimos mais tarde também se estenderiam ao clã dos Mendonça. Plínio, com segundas e terceiras intenções ou não, começou a ajudar no espetáculo naquele mesmo ano. Fretou um vagão com a Rede Ferroviá- ria e levou uns 20 jornalistas e dois ônibus de turistas. “Os hotéis ficaram lotados”, cita Diva. Naquele mesmo espetáculo de 1956, em que Plínio e Diva se conheceram e se apaixonaram, um jovem chamado José Pimentel ingressou no drama, fazendo um dos soldados romanos, menos pela expe- riência teatral e mais pela exuberância física obtida em aulas de fisiculturis- mo. A primeira das 750 cartas que Diva diz ter recebido de Plínio dali em diante foi escrita cinco dias depois de os dois terem se conhecido. “Tenho saudades de você, Diva, mais do que devia. E temo que isto seja um mal. Saudades dos breves momentos que passamos juntos. Dançando, con- versando e mesmo em silêncio. Os quais, talvez, tenham sido os melhores. Sinto vontade de estar com você, na janela do clube, como naquela última noite, e então fazer o que naquele momento senti vontade de fazer e não fiz...”, escreveu. “Gostaria de estar, outra vez, sentado ao seu lado, defronte daquela casa, perto do clube. Vontade de ouvir sua voz. Saudade, enfim, de todos os instantes”. Naquele mesmo mês de fevereiro, Diva mandou um telegrama, avisando que daria a resposta ao pedido de namoro no Recife, para onde viajou com a irmã mais velha, Geni, que ia alugar uma casa no bairro de Rio Doce, em Olinda. Oito dias depois os dois se encontraram na rodoviária da capital. Plínio recebeu as duas todo de branco, com um terno de linho. “Pa- recia uma vela branca”, lembra Diva, que acabou aceitando o namoro, não sem antes impor cinco condições. A primeira delas era ele não ser ciumento. Não era uma exigência descabida, considerando que Diva sonhava desde cedo em seguir a car- reira de atriz e as mulheres, naquela época, não contavam com muita
  • 29. 101 Segundo o amigo Victor Moreira Diva nasceu para o carnaval. Fazenda Nova fervia nessa liberdade, muito menos quando tinham a coragem de subir num palco. Na época, atrizes não eram bem vistas pela sociedade provinciana, mesmo no Recife, e as moças eram condenadas principalmente pelas beatas e as mulheres mais religiosas do lugar. Com os rígidos costumes da época, os realizadores enfren- tavam os maiores desafios para conseguir moças para trabalhar com eles. Depois de estrear, em julho de 1955, como uma bruxa em uma adaptação de chapeuzinho vermelho, com os irmãos, definitivamente Diva não pensava em parar mais. Desde os primórdios do espetáculo da Paixão de Cristo, a garota estava acostumada a lidar com o pesso- al de teatro, que apoiou as pri- meiras encenações. Gente como Waldemar de Oliveira, Alfredo de Oliveira e a jornalista Nair Bor-
  • 30. 102 ba, convidados do seu irmão Luiz Mendonça, que também fazia teatro no Recife e mais tarde se consagraria como importante diretor na Rede Globo. Além disso, aos 15 anos, em 1954, seu pai já a tinha retirado do colégio, alegando que estudar era luxo, obrigando-a a trabalhar no ho- tel e na loja de tecidos da família. Tudo que Diva queria era respirar um pouco de liberdade. “Meu colégio foi uma cozinha de hotel e um balcão de loja. Até hoje detesto essas duas coisas”, contou, em 1971. Assim, Diva não queria um novo coronel tolhendo seus passos. A segunda condição para aceitar o namoro era Plínio gostar de dançar, principalmente Carnaval e São João. Isso era tão caro a Diva que ela mesmo já colocou, em seu testamento, já público, o pedido para que no seu enterro ninguém chore. “Toquem, por favor, Vassourinhas. É a única coisa que me anima”. A terceira condição era que o candidato gostasse de dança, teatro e música. Embora tivesse aceitado a regra, já no Carnaval do ano seguin- te, o amor continuava, mas a animação de Plínio não era mais a mesma. “Chegou novamente o Carnaval. Dessa vez não foi tão bom como o de 1956. Tudo correu bem, mas Plínio não era mais o rapaz que conheci. Ele dizia que gostava, mas estava cansado”, contou Diva. Mais tarde, Plínio che- garia mesmo a implicar com sua paixão pelo Carnaval, ficando zangado a ponto de retirá-la de circulação sempre que possível. Com seu sarcasmo habitual, Diva chegou a fundar, em 1971, a troça Vou, mas não volto, numa referência aos reboques que Plínio promovia, no meio do caminho da folia, muito possivelmente por causa das estripulias etílicas da companheira, sempre calibrada, nessas festas, por bate-bate de maracujá e outras mis- turas. “Nós entrávamos em todas as casas. Em cada uma, bebíamos um pouquinho. Na casa onde entro, bebo até merda, seja de pobre ou de rico. A nossa troça só tinha bêbado e eu era a primeira. Quem não bebe neste mundo, no outro será bebido”, contou, em depoimento de 1971. Diva, em sua quarta exigência, gostaria de ter liberdade para se ves- tir e um companheiro que seguisse a moda. “Quando o vestido subir, eu subo também. Quando o vestido descer, eu desço com ele”, pediu, expli- cando que o pai e a mãe não gostavam de nada do que ela gostava e ela só se casaria com um homem que gostasse de tudo que ela gostava. A derradeira orientação era que o namorado detestasse futebol, o que Plínio seguia sem nenhum esforço. Aliás, até mesmo com prazer. Plínio aceitou as condições sem questionamentos, mas lhe fez uma revelação estonteante para os padrões da época. Já era casado no civil e desquitado. “Não caí porque estava sentada”, lembra Diva. “No entanto, acabei aceitando porque ele tinha o direito de ser feliz”. Plínio conhecera sua primeira mulher – a quem ele não se refere nas suas cartas – ainda quando comandava o destacamento da FAB em Fernando de Noronha. Olga Cid Pacheco trabalhava para a revista Reader’s
  • 31. 103 Digest (publicada no Brasil com o nome de Seleções) quando visitou a ilha com uma amiga. Era cubana, criada pela mãe espanhola, Esperanza Cid Fernandes, e pelo padrasto, Luís Cid, natural de St. Thomas, nas Ilhas Virgens (hoje uma possessão americana, mas na época do seu nascimento era território Dinamarquês). Os pais deixaram Cuba quando Olga, filha única, tinha apenas 10 anos. Plínio e Olga, seis anos mais velha que ele, chegaram a morar em Noronha, mas quando ela engravidou, quis ter a criança no Recife. “Não lembro dos detalhes desse período, porque eu tinha apenas dois anos de idade, quando os dois se separaram”, conta Virgínia Bonilla Pacheco, a Ginny, filha do casal, nascida em 1954, que está radicada nos Estados Unidos desde os 8 anos de idade. Ginny lembra que, ao deixar o Brasil, acompanhada da mãe, em direção a Nova Jersey, foi ao Jornal do Commercio despedir-se do pai. Depois daquele momento, pas- sou 35 anos sem ter nenhum contato com ele. Os laços foram retomados em 1997, mesmo ano em que Plínio teve um AVC. Ela esteve na Paixão de Cristo de 1998 e visitou o pai um mês antes da sua morte, em 2002. Entre os livros de Plínio, um era guardado com carinho. Backyard birds (Pássaros de jardim), da Barnes & Noble Books, veio com uma dedicatória bilíngüe assinada em 1999: “Para papai, com amor. Sua filha, Virgína.” Nos idos de 1956, a exemplo de Plínio (já separado de fato mas ain- da não desquitado de Olga), a própria Diva buscava o direito de ser feliz. Plínio representava o passaporte para essa felicidade. O ambiente em casa não era dos melhores para a jovem. Não era raro receber reclamações por ter ido a festas. Na sua casa, havia rádio, mas só era ligado para ouvir o resultado do bicho ou os noticiários. Para ouvir novelas, Diva e sua irmãs tinham que ir à casa de uma comadre. Quando chegavam, levavam carão. “Só não me chamavam de santa”. Diva reclamava que o pai não conversa- va muito com ela e dava mais atenção às irmãs mais velhas, despertando- -lhe inveja das outras. Costumavam mangar dela, chamando-a de rainha de Sabá, só porque ela prezava o hábito de tomar muitos banhos e viver asseada. A mãe não era vista por ela como uma amiga, por proibir na- moros e outras distrações. “Lá em casa, mamãe e papai só ficavam felizes quando ia um padre. Aí eles ficavam doidos”, relembra. Previamente acertados, os dois combinaram contar tudo à família depois da Semana Santa. “Plínio era casado e para Seu Epaminondas e dona Sebastiana isso era um bicho de sete cabeças sem limite, já que ele era o chefe político e ela a chefe religiosa do lugar”, explica Victor Moreira. Mesmo assim, o pai e a mãe aceitaram ou fizeram que aceitaram. O ar- cebispo de Olinda e Recife, nesta época, dom Antônio de Moraes Júnior, velho conhecido da família Mendonça, foi consultado e prometeu fazer o casamento, sem saber do impedimento que havia. O casal acabou noivan- do em novembro de 1956, quando Diva completou 17 anos. Nem todos na família, entretanto, aceitaram o relacionamento. A
  • 32. 104 vida de Diva transformou-se num inferno sobre a Terra. A pressão de parte dos integrantes da família chegou às raias do absurdo. Até o padre de Brejo da Madre de Deus na época, o cônego Duarte, foi le- vado à casa da ex-mulher de Plínio no Recife. Em maio de 1956, Plínio chegou a se transferir para Alagoas, na tentativa de melhorar a situação. Influenciado por essa campanha de alguns familiares, o coronel Epami- nondas chegou a ameaçar Plínio de morte, segundo conta Diva. Apenas os irmãos Luiz Mendonça e Geni davam-lhe apoio. Em agosto de 1957, sem agüentar mais a pressão, Diva e Plínio fugiram para o Rio Grande do Sul, mais precisamente para Santa Maria, cidade onde morava a mãe de Plínio, dona Hilda. Com a descul- Plínio e Olga Cid, pa de que faria um tratamento den- sua primeira mulher, tário em Caruaru, a moça ganhou em Fernando de Noronha, onde se conheceram a estrada, para desespero dos pais. “Quando eu fugi, meu pai abraçou um retrato meu e chorou. Ele con- tou ao meu irmão Lourinho que queria me ver vestida de noiva, mas eu estava desesperada e só tinha uma saída”, explicou Diva. “Naquela época, até alguns familiares me bateram as portas, mas não desejei mal a ninguém, pois não estava fa- zendo vergonha”. Plínio ainda teve o cuidado de avisar com uma carta, postada em Alagoas, que já estava escrita. Apesar de recriminado, a rigor o procedimento não era inédito na família. A própria mãe e o pai casa- ram fugidos da cidade de Panelas, onde ela morava com a família, em
  • 33. 105 Certidão do primeiro casamento de Plínio oficializa o desquite de sua primeira mulher, Olga, em 1958, um ano após conhecer Diva
  • 34. 106 1915. Ela tinha então 14 e ele 17 anos. Casaram-se em Quipapá, onde Epa- minondas havia nascido e lá ficaram residindo. Mudaram-se para Panelas, onde o patriarca chegou a ser prefeito e, de lá, seguiram para Brejo da Madre de Deus. A exemplo de Plínio e Diva, os seus pais acertaram a fuga por meio de cartas que trocavam. Diva conta que quando sua mãe estava fugindo, deixou cair essas cartas na escada, recolhidas por sua avô, Caroli- na Lucena, com uma praga: “Sebastiana, a dor que eu estou passando ago- ra, tu vai passar duas vezes. A tua primeira filha vai casar fugida e a última também”, teria dito. Destino ou não, Santa Maria era a nova Quipapá. Certamente, a situação foi dificultada pelo fato de o pai de Diva ser um coronel político e a fuga poder ser apontada pelos adversários como um demérito. Mas, ali mesmo em Brejo da Madre de Deus, o primeiro pre- feito constitucional da cidade, o coronel da guarda nacional Francisco Al- ves Cavalcanti Camboim, mais conhecido como Barão de Buíque, casou-se com uma menina de 13 anos. Ele contava então 32 anos de vida. O detalhe curioso é que o pedido de casamento foi feito à futura sogra quando ele tinha 20 anos e futura noiva ainda estava na barriga da mãe. Pelas leis de hoje, seria um pedófilo, enquadrado em crime de estupro pelo Código Pe- nal Brasileiro. Além do casal Epaminondas, havia outro precedente na própria fa- mília, que completava a praga lançada pela avó Carolina. A irmã de Diva, Maria do Carmo, a Nanã, filha mais velha do casal Mendonça, não apareceu na festa de 25 anos de matrimônio dos pais. Simplesmente havia fugido com o noivo. Nessa época, Diva tinha apenas dez meses de vida e aparece no colo da mãe, na foto da festa das Bodas de Prata. Pelo costume da épo- ca, não se podia perder a pose, literalmente. “A hipocrisia era tanta neste lugar que, antigamente, era tudo moça. Só tinha rapariga de Jataúba (po- voado próximo), no mercado da Passarinha, na vizinhança com a Paraíba”, conta Diva. Dias depois da chegada em Santa Maria, o pai de Diva mandou uma carta dizendo que os dois deviam voltar para casar, mas já era tarde. “Fui donzela até o Rio Grande do Sul. Lá vesti um pijama de Plínio. Esta foi a ca- misola da minha noite de núpcias”, diz. Na resposta ao pai, Diva disse que o pior casamento do mundo era melhor do que a casa paterna. Em Santa Maria, gozando de licença-prêmio da Aeronáutica, Plínio arrumou um emprego em jornal para se sustentar, com a ajuda do amigo de infância Robinson Flores, diretor de uma publicação local. A gratidão ao amigo pelo apoio na hora difícil veio sob a forma de homenagem mais tarde. Quando nasceu seu primeiro filho homem, em 21 de novembro de 1963, ele deu o nome do amigo ao menino. Foi na casa dele que Plínio e Diva passaram o Natal de 1957. O Ano Novo foi comemorado na casa do sogro de Robinson. “Na passagem de ano, chorei feito uma vaca desma- mada. Graças a Deus, Plínio resolveu voltar e ficar definitivamente”, lembra
  • 35. 107 Plínio e sua prole no tempo do Circo da Rapoza Malha- da (Nena , Robin- son, Paschoal e Xuruca); ao lado Virgínia Bonilla Pacheco, a filha do primeiro
  • 36. 108 Diva. Se Plínio se sentia em casa, Diva descobriu profundas diferenças com os conterrâneos do marido. Ela não se adaptou muito bem ao Rio Grande do Sul. “Eu não gostava muito do estilo da terra. Quando é inverno, o frio mata. Quando é calor, o calor mata. O Carnaval, ninguém fala dele. No São João, ninguém consegue sair de casa por causa do frio. Além disso, a maioria das pessoas é muito mesquinha. Uma vez, uma tia de Plínio me perguntou se eu estava gostando do Brasil. Eles achavam que o Nordeste é o cu do Judas. É melhor morrer de fome aqui, com a cachaça na cabeça, do que com a fartura deles”, escreveu, em 1971. “Gosto mesmo é de Pernam- buco, a terra do caju e da Pitú. Dizem que é terra da miséria, mas aqui todo nego sorri, o pobre e o rico”, compara. O casal voltou de Santa Maria no início de 1958 e ganhou uma fes- ta de recepção, na qual o patriarca rompeu de vez com a Igreja para se posicionar ao lado da filha. No discurso que fez ao amigos, reunidos para comemorar a chegada de Diva e Plínio, Epaminondas disse que a sua de- cepção foi grande quando pela primeira vez precisou da Igreja Católica. “Eu que sempre tive minhas portas abertas, sempre ajudei aos padres e aos bispos, a única vez que precisei da igreja eles bateram a porta na minha cara”, ralhou o velho, na presença do pároco local, o mesmo cônego Duarte que fora ao Recife amolar a ex-mulher de Plínio para tentar desestabilizar a união com Diva. Na volta, a atriz já estava grávida de sua primeira filha. De volta à terra do frevo, só não fez o passo no Carnaval porque o seu estado não permitia, mas a gravidez não a impediu de atuar. Fez o papel de donzela de Jerusalém! “Aqui é o único lugar do mundo que é possível fazer o papel de donzela sem ser mais”. O ator José Pimentel vira o Demônio, herdando o papel que era de Diva até então. A primeira filha do casal, Fátima Geni, apelidada de Nena, nasceu em junho daquele ano, homenageando Nossa Senhora e a irmã Geni, nascida em 1926, a terceira filha do casal Epaminondas. Novamente no convívio com os familiares, o casal voltou a sofrer com comentários desairosos, criados, segundo seu relato, pela irmã Margari- da e o cunhado Brasileiro. Diva lembra que diziam que ela tinha fugido grávida, mas ela havia passado quase três meses sem ver Plínio antes da fuga. Na maternidade, depois de distribuir 150 convites, de Caruaru ao Recife, a atriz não perdeu a oportunidade de fustigar os seus detratores. “Que acharam da menina de 12 meses?”, ironizava, mostrando que os belos olhos azuis também podiam ser bravos e selvagens, ao mesmo tempo, talvez tão belos justamente por serem bravos e selvagens ao mesmo tempo. Com sede de vingança dos seus detratores, Diva não desperdiçou realmente nenhuma oportunidade que lhe surgia. Num dos espetácu-
  • 37. 109 los, acenando a bandeira branca, um dos parentes que lhe jogaram pe- dras, como uma Maria Madalena, chegou a pedir ingressos para a peça, generosidade prontamente negada com um argumento igualmente duro. “Nos únicos dias do ano em que tenho a maravilhosa oportunida- de de ser puta (na cena de Herodes), embora só por meia hora, assiste quem tiver vinte cruzeiros no bolso, pois ali consigo satisfazer algumas pessoas”, devolvia. Dois anos depois de voltar a Pernambuco, em maio de 1960, nas- ceu a segunda filha do casal. Naquela época, Plínio e Diva moravam no Recife, em uma casa comprada no final de setembro daquele ano com um empréstimo da Caixa Econômica Federal, no bairro da Imbiribeira. A menina Geórgia Maria nasceu em casa mesmo, de sete meses e com um desvio no coração. Como era bem mirrada, era chamada pelos fa- miliares de michuruca e depois apenas Xuruca, adotado como nome artístico quando decidiu seguir a carreira de estilista. O primeiro filho homem e terceiro do casal, Robinson Kennedy, nasceu em 1963. O caçu- la, Paschoal Eugênio, nasceu em 1965. Em junho de 1977 o Governo Geisel, em plena Ditadura, mesmo contra a orientação da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) promoveu a aprovação da emenda constitucional nº 9, que permitiu a re- alização do divórcio no Brasil. Em seguida, a Lei nº 6.515/77 o regulamen- tou. Com isso, o casal pôde reunir as condições legais para calar a boca dos detratores, mas àquela altura isso definitivamente não lhes fazia mais falta. “Casamento no civil nunca me fez falta. Isto faz falta aos retardados e aos complexados. Vejo tanta gente boa, casada na igreja, no civil, e às vezes até na polícia, e que vive numa merda completa. O melhor exemplo são quase todos da minha família. Quem quiser que me aceite assim, óti- mo. Quem não quiser, ótimo. Para mim, isto é uma prova de que não pres- tavam como amigos, pois os amigos são para todas as horas”, declarou, em depoimento escrito seis anos antes da nova lei. A oficialização do casamento de direito só se deu em 26 de julho de 1982, exatos 25 anos depois da união de fato do casal. O matrimônio foi realizado na matriz do Jucá, ligada à Diocese de Pesqueira, conforme atesta o livro nº 01, folha 39, nº 07. O enlace teve como testemunhas An- tônio Valdir de Oliveira e Paulo Fernando Góis Souza, de acordo com có- pia assinada pelo padre Eliseu Francisco dos Santos, em 17 de agosto de 1973. Quando casaram, conforme a certidão, Plínio era solteiro e contava 55 anos de idade. Segundo o mesmo documento, Maria Diva Lucena de Mendonça era solteira e tinha 42 anos de idade na época. A data oficial do casamento dos dois encontra-se até hoje gravada numa Bíblia comemorativa à visita do papa João Paulo II ao Brasil, em 1980. Como andavam sempre à frente de seu tempo, já ia longe a época em que a uma mulher não podia entrar sozinha no carro do namorado
  • 38. 110 e saia curta já não era mais motivo para uma mulher ser chamada de ga- linha. Como o Jacó da Bíblia, Plínio também já havia servido muito mais do que sete anos ao Labão do Agreste para obter a sua amada Raquel. Era chegada a hora de Plínio fecundar as sementes que haviam sido lançadas pela saga dos Mendonça nas ruas acanhadas de Fazenda Nova.
  • 39. 111 Capítulo VIII Tempo de plantar A construção da obra A PAIXÃO DE PLÍNIO
  • 40. 112
  • 41. 113 A construção da obra Os primeiros sinais da loucura de Plínio foram detectados em outubro de 1962. Ele não falava com ninguém e mal respondia ao que lhe perguntavam. Também não comia. Quase não dormia. Abandonou o Jornal do Commercio e também queria deixar a Força Aérea Brasileira (FAB). Vendeu a casa que tinha na Imbiribeira e só pensava em Nova Je- rusalém. Todo final de semana Plínio viajava para Fazenda Nova, à pro- cura do terreno ideal para a construção do seu sonho de pedra. “Fiquei apavorada”, explicou Diva Pacheco, não sem motivo. O redemoinho de loucura criadora estava posto em marcha, de forma irreversível. Plínio ia para a Faculdade de Arquitetura do Recife e passava horas lendo. Procurou o pessoal de lá para desenhar o projeto da obra, mas ninguém de renome aceitou a empreitada. Além do amigo Victor Moreira, apenas alguns estudantes acreditaram naquilo que aos demais parecia um delírio. Como Plínio tinha uma visão mil anos à frente, dava de ombros e seguia adiante, até ver materializado na pedra o seu sonho. Estava chegando ao fim a fase da inspiração. Após 11 anos consecutivos, desde 1951, iniciava-se a fase da transpiração, que se estenderia até 1968, com a retomada dos espetáculos da Paixão, dessa vez em um novo cená- rio. A loucura era contagiante e o próprio Plínio tinha consciência de sua alucinação. “O trabalho nas pedreiras era uma loucura. Não sei como consegui enfiar dentro da alma deles tanta disposição. Como se tivessem a força de uns demônios, o trabalho, negócio para um mês, saía em 10 dias. Você sente a raiva do homem contra a rocha de granito. Ele quer fazer tudo num dia, e rocha é rocha...”, narra, em uma descrição dos traba- lhos em fevereiro de 1967. “Os martelos tiram faísca dos ponteiros, o sol queima, o suor lava... no fim, apesar de os estar matando, como a mim,
  • 42. 114 os faz, e a mim também, felizes”. Além do marco de pedra, Plínio almejava moldar vidas. “Depois dessa experiência, nenhum deles voltará a ser ape- nas um homem da enxada, da foice e do machado. Eles evoluíram dentro de si, não passaram pela vida deixando a marca de suas sandálias nas veredas da terra árida. Eles deixaram em pedra a marca que o tempo não apaga”. A primeira visão daquele cenário nunca lhe saiu da memória. As ro- chas impressionaram o jornalista Plínio Pacheco desde a sua primeira visi- ta, a convite do então diretor do espetáculo, intérprete de Jesus e seu futu- ro cunhado, Luiz Mendonça. “O que mais me impressionou foi o conjunto de vales naturais. Um grande vale de rochas, com 100 quilômetros, muito parecido com a Judéia, naquele pedaço de Sertão encravado no Agreste”, contou, anos mais tarde, em depoimento à TV Globo. Noutro depoimento, numa carta escrita ao amigo Victor Moreira, Plínio diz com todas as letras que, na verdade, mais que uma simples paisagem, Fazenda Nova repre- sentava uma vida nova para ele. “Somente agora, aos 40 anos, é que te- nho certeza de estar no caminho certo”. Naqueles idos de 1960, com a força que moral cristã impunha à época no Recife e no país, a pequena cidade de Brejo da Madre de Deus era a moldura apropriada para adornar as muralhas simétricas da ence- nação bíblica. O período de Quaresma era muito diferente dos dias atu- ais. A Sexta-feira da Paixão era um tempo de contrita e silenciosa reclu- são. Em todos os lugares pairava uma atmosfera de respeito ao gesto de imolação ao filho de Deus, em nome do bem e do ideal cristão. Nas me- sas, todas as carnes entravam em absoluto recesso. Comia-se peixe e o feijão ganhava o tempero de coco. Nas rádios, a programação limitava-se a músicas clássicas e sacras. No cinema, exibia-se a Paixão de Cristo, em preto e branco, e sem aparecer o rosto do ator que encarnava de Jesus. O máximo de concessão que se permitia era a projeção de filmes como O Manto Sagrado, com Richard Burton, ou Quo Vadis, com Robert Taylor e Deborah Kerr. O profano somente retornava à cena depois do milagre da Ressurreição. O casal Pacheco herdara o espetáculo em março de 1961, quando o pessoal do Grande Hotel procurou seu Epaminondas, pai de Diva, para realizar a peça e ele não aceitou. Na sua negativa, o patriarca dos Men- donça disse que não tinha condições, que estava velho e sem disposição. Mas, se Plínio e Diva quisessem, ele entregava o espetáculo “de mão beijada”. “Fomos procurados pelo pessoal do hotel e aceitamos”, contou Diva, mais tarde. Naquele ano, Plínio imprimiu as primeiras modificações no espe- táculo, com a troca do guarda-roupa, a substituição de quase todos os atores e até um texto novo, escrito por José Pimentel, sob a direção de Clênio Wanderley. A cereja do bolo era a participação especial do Coral
  • 43. 115 São Pedro Mártir, de Olinda, sob a regência do maestro Otoniel Mendes. “Trabalhamos que só bicho”, diz Diva, lembrando as dificuldades daque- la época. Até luz faltava, situação resolvida de forma improvisada com um motor arranjado por Plínio na Aeronáutica. Mesmo assim, Plínio não se dava por satisfeito. Quando terminou a temporada, como as despesas superaram as receitas, Plínio ficou aperreado e prometeu que só voltaria a encenar o espetáculo quando construísse uma cidade igual a Jerusalém. “As des- pesas aumentaram e o dinheiro do Grande Hotel não deu. Plínio ainda pediu um empréstimo em um banco, para pagar as contas”, conta Diva. Construir uma cidade-teatro vinha em princípio da necessidade de cobrar ingressos, para cobrir as despesas, uma vez que era impossível cobrar uma taxa em um espetáculo que se desenrolava até então numa vila. “Vislumbrei aqui a possibilidade de um espetáculo grandioso. Na- quela época, era pequeno. Eu sabia que, sem patrocínio, não tinha como continuar. Resolvemos então parar para construir as muralhas”, contaria Plínio, anos depois. Àquela altura, Diva nem imaginava, mas o começo da história de Nova Jerusalém logo decretaria o fim do seu sossego. “Meus amigos, com Nova Jerusalém sem dinheiro, tenham certeza que o inferno é melhor. Plínio só faltava morder o povo”. Mas Plínio não deixava isso transparecer. Ao contrário, com muito jeito, munido com a infalível companhia de um projetor de slides Auto Cabin, ele percorreu o país, realizando dezenas de reuniões, para apre- sentar o projeto de construção de Nova Jerusalém, em busca de apoio e patrocínio. Era uma luta sem descanso. O colunista social Alex, do Jornal do Commercio, do Recife, cita essas andanças, até em vôos, com pessoal da direita ou da esquerda. “O jornalista Plínio Pacheco acaba de retornar de Brasília, onde fora tratar de assuntos relacionados com a construção de Nova Jerusalém, em Fazenda Nova. Durante o vôo para Brasília, o se- nador Barros de Carvalho, após tomar conhecimento detalhado do plano que dará a Pernambuco o maior teatro ao ar livre do mundo e um grande centro de turismo, prometeu 2 milhões de cruzeiros de sua verba de sub- venção e auxílio para a construção da Nova Jerusalém”, diz a nota social, publicada em 7 de fevereiro de 1963. Assim, começou sua peregrinação em busca de recursos junto aos governos de esquerda, valendo-se das amizades que fez no jornalismo local. Até nos céus, a dez mil metros de altura, Plínio aproveitava a oportu- nidade para angariar fundos. Naquele início de 1963, aproveitou as duas horas de viagem até Brasília em companhia do senador pernambucano Antônio Barros Carvalho para pedir ajuda para seu projeto. O senador viajara ao Recife especialmente para assistir à posse do então governador Miguel Arraes no governo do Estado e estava retornando à capital federal numa comitiva que iria assistir à posse do senador F. Pessoa de Queiroz,
  • 44. 116 empresário e controlador do Jornal do Commercio à época. O senador Barros Carvalho tinha várias afinidades com Plínio e era um dos mais importantes homens públicos de Pernambuco e do país àquela época. Depois de nomeado superintendente da fiscalização dos impostos federais, já tinha sido assessor técnico do ministério da Fazenda, ao mesmo tempo em que desenvolveu também importante atividade jornalística no Recife, como redator do Diário de Pernambuco e do Jornal Pequeno. Como jornalista, colaborou ainda como O Estado de Minas e o Diário de São Paulo, da cadeia dos Diários Associados. O primeiro mandato, para a Câmara Federal, foi obtido em 1950, pela UDN de Eduardo Gomes. Em 1953, já pelo PTB, reelegeu-se e che- gou a ocupar o cargo de primeiro-secretário da Câmara. No Governo JK, em 1960, Barros Carvalho ocupou o cargo de ministro da Agricultura, até sair do governo, com a posse de Jânio Quadros, em 1961. Com a crise que se instalou no Brasil após a renúncia de Jânio, Barros Carvalho teve uma atuação destacada ao defender a antecipação do plebiscito que iria ocorreria em 1965, para manutenção do parlamentarismo ou volta ao presidencialismo. Realizado já em 1962, o plebiscito determinou a volta do presidencialismo, beneficiando o vice-presidente João Goulart, ao lado de quem Barros Carvalho se encontrava, integrado a uma comitiva presidencial que visitava a China, quando Jânio anunciou a renúncia. Em sinal de gratidão, Goulart apoiou o amigo petebista para a re- eleição ao Senado, naquele mesmo ano de 1963, tendo ocupado a lide- rança do PTB no Senado de 1962 a 1965. Nos anos de 1963 e 1964, Barros Carvalho ocupou ainda os cargos de primeiro e segundo secretário do Senado. A morte de Barros Carvalho, falecido no Recife, em setembro de 1966, deve ter deixado Plínio bastante abalado, pois as cartas que es- creveu, em outubro daquele ano, revelam muito pessimismo quanto ao futuro. O senador revelou-se desde cedo um homem sensível às artes. Natural de Palmares, onde nasceu em 1917, Barros Carvalho fundou, em sua cidade natal, quando tinha 17 anos, uma sociedade literária com o conterrâneo e poeta Ascenso Ferreira. No Recife, o sobrenome Barros Carvalho até hoje é muito lembrado, pela sua ligação com o futebol. O irmão de Antônio, Eládio, que dirigiu o Clube Náutico Capibaribe por 15 anos, construiu e deu nome ao estádio dos Aflitos. A epopéia de Nova Jerusalém começou com a busca do terreno, ainda no final de 1962. O espaço ideal escolhido foi uma área que per- tencia à família de João Dão, de Fazenda Nova. Ele pediu 200 contos na época pela terra. Achado o terreno, faltava o dinheiro para comprá-lo. Um sonho ousado requer um gerente carismático e forte. Plínio tinha carisma, estava preparado e sobretudo era um homem de sorte. Por uma dessas ironias do destino, coube a um homem com o
  • 45. 117 Sem ajuda de muitos, redemoinho de loucura é posto em curso em Nova Jerusa- nome de um dos grandes imperadores romanos ajudar na fundação de Nova Jerusalém. O então diretor do espetáculo, Clênio Wanderley, e o homem de teatro Alfredo de Oliveira falaram com o amigo Paschoal Car- los Magno e conseguiram o dinheiro para a compra do terreno, obtido por intermédio do Conselho Nacional de Cultura. Escritor, diplomata e acima de tudo um homem de teatro brasileiro, Carlos Magno era a pes- soa certa no lugar certo, para os planos da Sociedade Teatral de Fazenda Nova, que àquela altura se chamava Fundação de Arte de Nova Jerusa- lém. Ao longo da sua vida, Paschoal contribuiu para o surgimento do Teatro Experimental de Ópera, do Conjunto Coreográfico Brasileiro, do Coral Bach, do Teatro Experimental do Negro, do Teatro Duse, do Gru- po Oficina e da Aldeia de Arcozelo, além de ter fundado, 1938, o Teatro do Estudante do Brasil, uma revolução artística e social na época. Com influência sobre o Conselho Nacional de Cultura, como secretário do Ministério da Educação e Cultura, Carlos Magno não pensou duas vezes em ajudar os amigos nordestinos. Plínio e Paschoal se conheceram na Aldeia de Arcozelo, experi- ência criada por Paschoal no Rio de Janeiro para abrigar todas as artes. Dispõe de 57 mil metros quadrados, sendo 10 mil metros quadrados de área construída, refeitório, apartamentos, albergues, teatros, salas de ex- posição e de música, biblioteca, capela e outros espaços para atividades
  • 46. 118 Livro raro: autodidata, Plínio busca em Santa Maria orientação para construir muralhas
  • 47. 119 Patrono do teatro nacio- nal Paschoal Carlos Magno viabilizou os primeiros recursos para a cidade teatro artísticas. Plínio esteve lá apresentando os esboços do seu projeto. “A Aldeia de Arcozelo, feita Deus sabe como, é co-irmã de Nova Jerusalém”, explicou, em 1975, Paschoal Carlos Magno, para quem “a cultura precisa- va ser estendida para o interior, onde era sobremodo urgente”. Plínio ficou-lhe tão grato que colocou o nome dele no seu quarto filho, nascido em 1965, Paschoal Pacheco. No segundo espetáculo, após a construção das muralhas de Nova Jerusalém, em 1969, Paschoal Carlos Magno chegou a atuar na Paixão de Cristo. Naqueles anos pós-64, não foi esquecido pelos militares. Homosse- xual assumido, depois do Golpe de 64 foi acusado de corrupção de meno- res. Muito possivelmente, Carlos Magno entrou na alça de mira dos milita- res menos por sua orientação sexual e mais por suas ligações políticas. Foi chefe de gabinete de JK e durante o governo João Goulart (afastado pelo golpe) tinha o apoio do Ministério da Educação e Cultura para realizar as caravanas da cultura, que levavam exposições, balés e teatro ao interior do país. Carlos Magno foi um dos principais assessores do ministro da Educa- ção e Cultura Darcy Ribeiro, um dos nomes da esquerda mais perseguidos pelos militares. Depois da ajuda para a construção de Nova Jerusalém, Carlos Magno acabou amigo da família. Em março de 1968, ao lado de Luiz Mendonça, estava no aeroporto do Rio de Janeiro, esperando para receber Plínio e Diva, que voltavam de uma viagem ao Rio Grande do Sul, pouco antes da Semana Santa. “Ele era um grande incentivador da arte e da cultura do Bra- sil”, elogia Diva, no livro Sobras de Terras, de 2000. No Rio de Janeiro, Pas- choal Carlos Magno, que morreu em 1980, é nome de rua e de um centro