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Pegadas de stegossáurios o enigma!
1 Introdução
2 Localização da icnojazida
3 Considerações prévias
4 Revisão histórica dos icnotaxa stegossauriformes Stegopodus e Deltapodus e
comparação com as duas pegadas em estudo
5 Comparação das amostras em estudo com o icnotaxon Garbinia
6 Diferenças entre Stegopodus e Deltapodus como efeito de preservação variável ?
7 Um mesmo produtor stegossáurio, umas vezes digitígrado, outras plantígrado?
8. Problemas / enigmas ainda por resolver / desvendar
9. Uma escala para o grau de mesaxonia e a sua aplicação na diagnose de Stegopodus e
de Deltapodus.
10. Agradecimentos
Figuras, esquemas, fotografias, gráficos, encontram-se no anexo.
1. Introdução
As pegadas fossilizadas, como registo direto da atividade de seres vivos, fornecem informação
sobre animais extintos que não pode ser procurada nos ossos e dentes, sobretudo quando
estes são escassos ou inexistentes. A importância das pegadas como fonte de dados
paleobiológicos e paleoecológicos é portanto insubstituível, mas a sua interpretação está
sujeita a vários níveis de incerteza, incluindo a identificação dos autores. Um dos objetivos
óbvios de qualquer icnologista é o de tentar correlacionar icnitos e prováveis autores - o
"síndroma de Cinderela" (Lockley 1999). Mas esta associação de produtores com pegadas e
pistas fossilizadas só pode ser realizada, com rigor absoluto, se encontrarmos o autor fóssil
preservado no final da pista. O que, para os vertebrados, é desconhecido. Especialmente para
um grupo de dinossáurios, os stegossáurios, esse grau de incerteza é ainda maior e desde há
muito que os investigadores se referem às pegadas e pistas de stegossáurios como um
"enigma" (Gierlinski e Sabath 2008).
Em finais de 1997, no seguimento de prospeção das camadas calcárias do Jurássico final da
Serra do Bouro à procura de pegadas, os nossos colegas do GP descobriram uma nova jazida, a
que chamaram Bouro IV. Apesar de terem identificado mais de 200 pegadas, especialmente
uma pista de um enorme saurópode, ficou no esquecimento. Em 2019 voltámos a
«redescobrir» o local e durante o estudo dos exemplares, fomos descobrindo mais pegadas.
Este trabalho centra-se na descrição, análise e interpretação de dois contra-moldes de
pegadas que descobrimos em 2020 e 2021 (PBIV1 e PBIV2, armazenados na sala do Grupo de
Paleontologia na nossa escola) e que provavelmente representam a passagem de 2
stegossáurios distintos, tentando ajudar a decifrar o tal enigma das suas pegadas. A grande
pista do saurópode ficará para o próximo ano...
Procedemos a uma revisão histórica dos eventuais tipos de pegadas de stegossáurios e
avaliamos as diagnoses dos principais icnotaxa que os investigadores sugerem ter uma origem
nos stegossáurios. Comparamos estas características com as dos nossos exemplares e com o
registo icnológico de Portugal e global. Tentamos demonstrar a origem stegossauriana das
duas pegadas. Entre as características diagnósticas destas pegadas tridáctilas dos pés, está
uma mesaxonia muito fraca. Como não existe uma classificação numérica para a mesaxonia,
elaboramos uma escala que propomos seja utilizada para todas as pegadas tridáctilas e que
passe a diagnosticar também as pegadas dos stegossáurios. Com base nessas morfologias,
realizamos algumas inferências de natureza paleobiológica.
Comparamos as duas pegadas - PBIV1 e PBIV2- com os dois icnotaxa que todos os
investigadores sugerem terem origem tireoforana e que a grande maioria sugere ter origem
stegossariana: Deltapodus e Stegopodus. E concluímos que ambos os icnotaxa estão presentes
no Jurássico final do Bouro IV – o primeiro pé Deltapodus na região da serra do Bouro e a
primeira pegada Stegopodus de Portugal, que é ao mesmo tempo o segundo exemplar do
morfotipo muito assimétrico da Europa.
Também comparamos PBIV1 e PBIV2 com o icnotaxon Garbinia, instituído por Salisbury et al
(2016) para um produtor stegossáurio do Cretácico inferior da Austrália, com quem partilham
algumas características, mas que se podem distinguir em vários aspetos.
2. Localização geográfica e geológica da jazida de Bouro IV
Fig. 1 Localização geográfica e geológica de jazidas com pegadas analisadas:
A - Península Ibérica com localização da Bacia Lusitaniana; B – Principais sub-bacias do
Jurássico final das zonas ocidental e central da Bacia Lusitaniana; C – Mapa geológico das zonas
onde foram descobertas pegadas; D – Correlação estratigráfica das unidades do Jurássico final
das sub-bacias da Consolação e do Turcifal.
Descobrimos pegadas de dinossáurios em vários locais dos municípios de Alcobaça (Serra de
Mangues), Caldas da Rainha (Serra do Bouro, Boavista do Bouro, Salir do Porto) e Torres
Vedras, situadas nas sub-bacias da Consolação e do Turcifal. A Formação Praia da Amoreira -
Porto Novo está sobreposta pela Formação Sobral e ambas afloram de Santa Cruz a Salir do
Porto. A amostra deste trabalho data portanto do Kimmeridgiano (Jurássico final) (Fig 1).
https://app.pan.pl/archive/published/app65/app007072019.html
3. Algumas considerações prévias
Stegosauria
Stegosauria é um clade de dinossáurios ornistiquianos (“pélvis de ave”) caracterizado por uma
série de placas e espinhos prolongando-se do pescoço até ao fim da cauda em duas fiadas
parassagitais (Fig. 2).
Conhecidos desde o Jurássico médio até meados do Cretácico, os seus restos esqueléticos têm
sido encontrados na Laurasia, onde Raven e Maidment (2017) reconheceram 11 géneros
validos, quase todos monoespecíficos.
Seriam herbívoros e provavelmente quadrúpedes, reconhecidos por Stegosaurus como um dos
dinossáurios mais famosos. Eram formas de dimensões médias, alcançando até 9 m de
comprimento.
Stegosauria e o seu taxon irmão Ankylosauria, formam juntos o clade Eurypoda. Os
anquilossáurios são conhecidos por formas raras para o Jurássico, mas a sua diversidade
aumenta rapidamente durante o Cretácico, coincidindo com o declínio de espécies de
stegossáurios.
Os tireoforanos basais, portanto “não eurypodianos” são conhecidos para o Jurássico inferior,
com distribuição global:
. Scelidosaurus – Sinemuriano – Pliensbaquiano de Inglaterra
. Emausaurus – Toarciano da Alemanha
. Scutelosaurus – Estados Unidos
. Laquyntasaura – Hetangiano da Venezuela
. Lesothosaurus – Hetangiano – Sinemuriano da África do Sul e Lesotho
. “Bienosaurus” e “Tatisaurus” – Hetangiano – Sinemuriano da China
Os tireoforanos basais poderiam ser bípedes ou apresentarem uma combinação de locomoção
bípede com quadrúpede (para a maioria dos investigadores stegossáurios e anquilossáurios
seriam obrigatoriamente quadrúpedes (Madment e Barrett 2014) (Fig. 3).
Nos depósitos terrestres do Jurássico final os restos esqueléticos de stegossáurios são globais –
Formação Morrison dos Estados Unidos; Formação Lourinhã de Portugal; Formação Villar del
Arzebispo de Espanha; Camadas Tendaguru da Tanzânia; Formações Baixa e Alta Shaximiao da
China. Parece que seriam relativamente abundantes por todo o lado durante esses tempos.
Pelo contrário, os anquilossáurios seriam extremamente raros nesses tempos do Jurássico
final, representados por poucos taxa, como Mymooropelta e Gargoylosaurus da Formação
Morrison e Dracopelta da Formação Lourinhã.
Fig. 2. Os stegossáurios são dinossáurios ornistiquianos e tireoforanos.
https://www.geol.umd.edu/~tholtz/G104/lectures/104dinorise.html
Fig. 3. Cladograma simplificado de Thyreophora.
Em Stegosauridae reconhecem-se dois grupos: dacentrurineos e stegossaurineos. O primeiro
conhecido em Portugal por Dacentrurus e Miragaia e o segundo por Stegosaurus, todos do
Jurássico final.
Fig. 4. Cladograma de Thyreophora calibrado temporalmente.
Os TIreoforos surgem no Jurássico inferior. Os stegossáurios são membros importantes dos
ecossistemas do Jurássico superior e parece terem desaparecido em meados do Cretácico,
altura em que os anquilossáurios estão bem representados, até ao final do Cretácico (Fig.4).
Pegadas entaxónicas e mesaxónicas
Uma pegada é entaxónica quando os dígitos interiores (como o polegar – I) estão mais
desenvolvidos do que os exteriores. Uma pegada é considerada mesoxónica quando o eixo da
pegada é formado por um dígito central medio (III) (Fig 5).
Fig. 5 – Esquemas de pegada entaxónica (1) e mesaxónica (2).
Grau de mesaxonia
O grau de mesaxonia ou o grau com que o dígito III se projeta para além dos dígitos laterais II e
IV . É calculado como a razão entre a altura do triângulo anterior (te de AT) e a sua base (Pw).
Expressa um contraste entre elevada mesaxonia (forte tendência central) e fraca mesaxonia
(fraca tendência central) (Fig. 6).
Foi introduzido por Olsen (1980), Weems (1992); Lockley (2009) redefiniu este parâmetro para
o tornar aplicável a todas as pegadas tridáctilas, de forma a distingui-las, independentemente
da sua origem ou afinidade.
Fig.6. Numa pegada tridáctila, depois de definido o triângulo anterior (AT), a mesaxonia
calcula---se dividindo a altura (te) pela base (Pw).
As pegadas recebem nomes científicos
As pegadas recebem nomes atribuídos como a qualquer espécie animal ou de outro reino – em
latim, como nome de género e de espécie. Os nomes científicos começaram a ser aplicados a
pegadas no século XIX, antes mesmo de se saber que os dinossáurios tinham existido (Edward
Hitchcock -1858. E serviam para descrever e distinguir os vários tipos de pegadas que se iam
descobrindo e não os animais que as poderiam ter deixado. Por isso temos icnogéneros e
icnoespécies para as pegadas. E a tradição tem sido seguida…
Significado de cf.
Quando os paleontologistas têm dificuldade em atribuir um determinado exemplar a um
género, uma das soluções adotadas, se as características desse exemplar são semelhantes às
de outro(s) incluído(s) já num determinado género, é a de colocar "cf." antes do nome desse
género.
"Cf.", do latim confere, significa "comparar com".
Assim, quando antepomos a palavra "confere" a um género, estamos a querer dizer que o
nosso exemplar deve poder ser incluído nesse mesmo género, embora não o possamos afirmar
com uma certeza absoluta.
4. Revisão histórica dos icnotaxa stegossariformes Stegopodus e Deltapodus e comparação
com as duas pegadas em estudo
Todos conhecemos o Stegosaurus ! Juntamente com o Tyrannosasurus rex e o Brachiosaurus,
é um dos mais icónicos dinossáurios de todo o mundo! São vários os restos esqueléticos
encontrados em muitas jazidas, sobretudo do Jurássico final da América do Norte, como na
Formação Morrison, famosa pela abundância de dinossáurios herbívoros. E Stegosaurus é
mesmo o fóssil oficial do estado do Colorado!
Mas .... quanto a pegadas de stegossáurios......
Em 1991, Lockley afirmava que “apesar da abundância de esqueletos de ornistiquianos
quadrúpedes atribuíveis a stegossáurios, anquilossáurios, ceratopsianos e outros, pistas destes
grupos são muito mal conhecidas. Pegadas atribuíveis com segurança a stegossáurios são
totalmente desconhecidas “ (pag 57).
Em 1990, num também excelente livro sobre pegadas de dinossáurios, Thulborn confirmou a
não existência de pegadas / pistas atribuíveis a stegossáurios e, com base no que se conhecia
dos seus esqueletos, apresentou uma previsão de como seriam as pegadas e pistas, apoiando-
se na presunção de estarmos perante dinossáurios quadrúpedes. Na sua previsão, Thulborn
sugeriu que as pegadas dos pés fossem semi-plantígradas, com calcanhar alongado
posteriormente, e com três dígitos também alongados; e as das mãos digitígradas, com quatro
dígitos funcionais. Por outro lado, na sua conjetura, as pegadas das mãos teriam quase as
dimensões das pegadas dos pés, como "acontece geralmente nos animais habitualmente
quadrúpedes" (Thulborn 1990, pag 281), portanto com baixa heteropodia (Fig. 7).
Fig 7. Previsão de pista produzida por um tireoforano stegossauriano, apresentada por
Thulborn (1990), baseada na osteologia do grupo e de acordo com Thulborn (1984). O par mão
- pé teria um comprimento total rondando os 50 cm.
http://projectos.cienciaviva.pt/pw011/noticias/noticas_2006/noticias_2006.html
Em 1996, Bakker referiu que várias pegadas do Jurássico final da Formação Morrison do Utah,
apresentariam afinidade stegossauriana: o seu pé compacto produziria pegadas tridáctilas
com dígitos muito curtos, “com pouco desenvolvimento de um calcanhar semelhante a uma
almofada”. Ao contrário da previsão de Thulborn (1990), o exemplar ilustrado por Bakker
representa uma pegada digitígrada, com impressões de dígitos terminando por cascos (Fig. 8).
Fig. 8. Pegada (em baixo) e esqueleto de pé de Stegosaurus (em cima), ambos do Jurássico
final. Bakker não referiu a pegada a nenhum icnotaxon.
Mas havia alguns problemas….:
. porque é que as pegadas semelhantes às que Bakker sugeriu terem origem em stegossáurios
continuavam tão raras, quando o registo esquelético dos stegossáurios é bastante abundante,
especialmente para o Jurássico superior?
Os investigadores iam sugerindo razões:
. estes herbívoros não frequentariam as áreas húmidas onde a maioria das pegadas são
deixadas e preservadas; preferiam zonas montanhosas e secas;
. os paleontologistas confundiam pegadas de pés de ornitópodes com pegadas de pés de
stegossáurios;
simplesmente as pegadas de stegossáurios não eram procuradas nos locais certos;
. talvez os investigadores não encarecem a hipótese dos stegossáurios serem bípedes ou
bípedes facultativos, procurando sempre pistas de quadrúpedes..
Em 1998 foi publicada a descrição de Stegopodus czerkasi – a “pegada do Stegosaurus”.
Mas os problemas persistiam….
O material incluía uma pegada de mão tetradáctila bem preservada, encontrada na Formação
Morrison, famosa pelos exemplares de stegossáurios.
Lockley e Hunt (1998) descreveram o exemplar como representando uma impressão de mão
entaxónica, mais larga (26 cm) que longa (21,5 cm), preservada como um molde natural
profundo (12 cm). As impressões dos dígitos são alongadas e a partir do calcanhar prolongam-
se quase pela mesma distância, formando uma disposição numa espécie de leque (o ângulo
entre calcanhar e extremidades distais dos dígitos I e IV ronda os 90º). Os dígitos I, II e III são
equidimensionais (cerca de 5 cm de largura para 6 cm de comprimento (apesar da
extremidade distal do dígito estar partida). O dígito IV é mais reduzido que os digito I - III e
prolonga-se apenas parcialmente na direção da superfície plantar. Observaram também uma
calosidade convexa posterolateral por detrás do digito IV na posição em que estaria um
previsível digito V (que seria diminuto). A impressão do calcanhar é quase simétrica, com uma
forma triangular arredondada.
Perto desta pegada, mas a alguma distância, Lockley e Hunt encontraram uma pegada
tridáctila, de 44 cm de comprimento por 38 cm de largura, que reapresenta a pegada de um
provável pé. "A pegada de pé (?), é tridáctila, com impressões de dígitos largos. toscos e maior
do que a pegada da mão" (Lockley e Hunt 1998 pag 334) (Fig. 9).
"A interrelação do molde natural do pé com o da mão é incerta e o primeiro não está bem
preservado" (Lockley e Hunt 1998, pag 334).
Fig 9. À esquerda - pé (cima) e mão (baixo) de Stegosaurus.
À direita -pegadas Stegopodus - pé (em cima) e mão (em baixo)
Tendo em conta a posição estratigráfica, morfologia das pegadas e as suas dimensões, Lockley
e Hunt (1998) assumiram que Stegopodus representa provavelmente um stegossáurio.
Gierlinski e Sabath (2008) deram seguimento à sua proposta de 2002 - analisar exemplares de
pegadas semelhantes à pegada da Formação Morrison que Bakker (1996) tinha sugerido ter
origem stegossauriana, especialmente aqueles exemplares que mostrassem um padrão de pé
tipo iguanodontídeo, mas exagerado - pés com três dígitos reduzidos e largos, terminando por
cascos (Fig 10).
Depois de encontrarem alguns destes exemplares, voltaram a analisar o pé Stegopodus,
fizeram a sua revisão e diagnosticaram as caraterísticas que, segundo eles, teriam as pegadas
de pés de stegossáurios.
Fig. 10. Material tipo de Stegopodus czerkasi – o exemplar anterior -pegada de mão (A); e o
holótipo atual -pegada de pé (B). Exemplares à esquerda e esquemas à direita.
Incluíram ainda em Stegopodus várias pegadas da Formação Morrison de Cleveland Lloyd
Dinosaur Quarry, no Utah (Fig 11) e as pegadas que formam 4 pistas quase paralelas das
arribas de Terenes, nas Astúrias, (Espanha), (pegadas que Pinuela et al (2002) consideram
como de origem ornitópode) do Jurássico final (Fig. 12); e um exemplar de Moyenosauropus
karaszevskii (Jurássico final da Polónia) que tinham descrito como uma provável pegada de
stegossáurios (Fig. 13).
Fig. 11. Cinco exemplares de pegadas de pés Stegopodus czerkasi da Formação Morrison da
Cleveland Lloyd Dinosaur Quarry, no Utah (fotografias à esquerda e esquemas à direita).
Fig. 12. Três das pegadas com melhor preservação da jazida de Terenes, Jurássico final das
Astúrias.
https://info.igme.es/ielig/documentacion/ca/ca015/documentos/d-ca015-05.pdf
Fig. 13. Comparação de Moyenosauropus karaszevskii (Polónia) (A) com o novo holótipo de
Stegopodus (B).
StegosaurianfootprintsfromtheMorrisonFormationofUtah2008%20(1).pdf
Assim, com base em todos estes exemplares, Gierlinski e Sabath (2008) forneceram uma
revisão da diagnose do icnogénero Stegopodus, salientando a sua distribuição no Jurássico
final da América do Norte e da Europa:
. pegadas de pés médias a grandes, tridáctilas, com os dígitos largos, muito curtos e com
grande divergência;
. os dígitos do pé mal se projetam para alem do hypex;
. pegada assimétrica, com a almofada proximal localizada posterolateralmente;
. pegada de pé produzida por um semi-bipede digitígrado;
. pegada de mão entaxónica e tetradáctila
Apesar de Stegopodus ser, até essa data, monoespecifico, havia razões para distinguir, "pelo
menos, duas icnoespécies de Stegopodus“. As pegadas de Terenes são menos assimétricas,
mais em forma de coroa com os dígitos com comprimento mais semelhante do que as pegadas
de Morrison e da Polónia. O pé de Stegosaurus encaixa-se muito bem em Stegopodus czerskii
porque o seu dígito II é o maior, sempre mais largo que os dígitos III e IV, terminando por um
enorme casco(Fig. 14). Os dedos do pé de Kentrosaurus, mais uniformes em largura e
comprimento, podem corresponder melhor com a morfologia das pegadas de Terenes (Fig.
15). Gierlinki e Sabath (2008), como Klein et al (2022) sugeriram portanto que em Stegopodus
se podem distinguir dois morfotyipos .-´- o muito assimétrico e o mais simétrico.
Fig. 14. Esqueleto do pé de Stegosaurus (A) sobreposto com um exemplar de Stegopodus
czerkasi (B).
Fig 15. Esqueleto do pé de Kentrosaurus (A) comparado com Stegopodus sp. da jazida de
Terenes (B).
Como se vê, estes investigadores colocaram o foco na pegada de pé e, ao contrário de Lockley
e Hunt (1998), que tinham dúvidas sobre se a pegada do pé teria sido produzida pelo mesmo
animal que deixou a pegada da mão: "argumentamos para um novo conceito de Stegopodus
que reconhece a importância das pegadas dos pés" (pag 38).
Posteriormente, foram relatados exemplares cf. Stegopodus para a Formação Morrison
(Gierlinski et al 2010) – uma pegada isolada (Fig 16); Marrocos (Gierlinski et al. 2009; Klein et
al. 2022) – os mais antigos conhecidos (Batoniano) e que incluem pistas bípedes (Fig. 17). E
para a China, igualmente do Jurássico médio (Xing et al 2017) (Fig. 18).
Fig.16. Cf. Stegopodus Da Formação Morrison Utah (comprimento – 22 cm)
Fig. 17. Pegadas que integram uma pista cf. Stegopodus isp, de Imilchil, Marrocos (morfotipo
mais simétrico).
https://www.academia.edu/3085147/A_preliminary_report_on_dinosaur_track_assemblages
_from_the_Middle_Jurassic_of_the_Imilchil_area_Morocco
Fig 18. Duas das três pegadas atribuídas a cf. Stegopodus encontradas na jazida de Lijiacun,
que Xing et al. (2017) sugeriram representar o primeiro exemplo de comportamento gregário
para os seus produtores.
A pegada em estudo- código PBIV2- está preservada como um hiporrelevo convexo (=contra-
molde); foi descoberta durante uma saída de campo em 2021 por nós e outros colegas do GP.
Está depositada na sala de Paleontologia da nossa Escola (Fig. 19).
Inicialmente, foi interpretada como uma pegada de ornitópode, já que os 3 dígitos terminam
por um casco arredondado e porque a largura (19,8 cm) é superior ao comprimento (17,8 cm).
Logo, L / W = 0,89.
A mesaxonia é muito fraca – 0,18; a pegada é muito assimétrica; apresenta uma grande
almofada proximal localizada posterolateralmente; os dígitos são largos, curtos, terminando
por cascos, com grande divergência (ângulo II – III =29º e ângulo III – IV =25º); os dígitos II e IV
mal se projetam para além do hypex. O autor seria digitígrado.
E estas são caraterísticas diagnósticas do icnogénero Stegopodus.
Para o pé Stegopodus a largura é superior ao comprimento entre 13 a 25% - nesta pegada é
de 11%;
O valor da mesaxonia- 0,18 - está dentro dos valores do material tipo de Stegopodus (0,20),
das pegadas de Terrenes (0,16), da pegada cf. Stegopodus sp. de Marrocos (0,29) e das
pegadas cf. Stegopodus da China (0,23 e 0,34);
Para Stegopodus o ângulo II-III varia entre 25º e 34º e o ângulo III – IV varia entre 14º e 27º:
E a pegada de pé Stegopodus mais pequena tem 15 cm de comprimento.
Fig 19. Exemplar do Jurássico final da jazida do Bouro IV – PBIV2.
Assim, sugerimos que se trata de uma pegada de pé digitígrado, tridáctilo, que se encaixa
perfeitamente na diagnose de Stegopodus (Gierlinski e Sabath 2008). É o primeiro exemplar cf.
Stegopodus encontrado em Portugal, sendo o segundo exemplo do morfotipo “extremamente
assimétrico” conhecido para toda a Europa (Fig. 20; Fig. 21; Fig. 22).
Fig. 20. Esquema de cf. Stegopodus do Jurássico final da jazida do Bouro IV – PBIV2.
Fig. 21. b - Holótipo de Stegopodus czerkasi
c – Hipodigma de Stegopodus czerkasi
d- Stegopodus isp. da Polónia
(exemplos de “Stegopodus muito assimétrico”)
Fig. 22. g – cf. Stegopodus da Formação Morrison
h - Pegada da pista OT3 de Terenes, Astúrias
(exemplos de “Stegopodus mais simétricos”)
Quanto à pegada descoberta na mesma superfície da jazida do Bouro IV, pegada que recebeu
o código de PBIV1.
Quando chegamos a 1994 surgem os primeiros trabalhos sobre a pedreira do Galinha e as suas
famosas pistas de saurópodes. Whyte e Romano descreveram várias pegadas e uma pista do
Jurássico médio de Whytby - Yorkshire (Inglaterra) –, atribuindo-as a saurópodes, embora com
reticências.
As pegadas das mãos têm forma de crescente, entaxónicas, com cerca do dobro da largura em
relação ao comprimento e com uma eventual impressão de garra do polegar dirigida para
dentro. As pegadas dos pés com margem triangular, com calcanhar alongado, são tridáctilas,
mesaxónicas e com largura máxima na base das impressões dos dígitos, que são muito curtos
(o central – III – o mais longo). Pegadas com o dobro do comprimento em relação à largura.
Formam pistas largas (wide-guage) (Fig 23).
Esta amostra foi incluída em Deltapodus brodricki (Fig. 24).
http://www.arca.museus.ul.pt/ArcaSite/obj/gaia/MNHNL-0000256-MG-DOC-web.PDF
A favor de saurópode
.locomoção quadrúpede
. pegadas de pés bastante maiores que as pegadas das mãos
. pegadas de mãos em forma de crescente, mais largas que longas
. pegadas das mãos sem indicação de impressões dos dígitos ao longpo da margem anterior
Contra saurópode:
. pegadas de pés quase triangulares ( geralmente mais arredondadas ou ovoides nos
saurópodes)
. pés mesaxónicos, ao contrário da grande maioria dos pés dos saurópodes
. 3 impressões de garras ou unhas nas pegadas dos pés – quando ocorrem impressões de
dígitos nas pegadas de saurópodes, elas são 4 ou 5
. o tipo de ambiente frequentado pelos saurópodes está em oposição aos ambientes
preferidos pelos autores de Deltapodus (fluvio-deltaico)
Fig.23. Esquema da pista Deltapodus brodricki, com indicação das principais medidas tomadas.
Fig. 24. Esquemas de Deltapodus brodricki:
A - par esquerdo mão – pé (holótipo)
B – C – pegadas de pés
E em 2001, Whyte e Romano, depois de terem reanalisado as amostras Deltapodus e com
novas amostras, sugeriram que as pegadas Deltapodus tivessem sido produzidas por
stegossáurios, com base em argumentos de natureza anatómica, icnológica e estratigráfica
(Fig. 25).
Exemplo - a dimensão relativa das pegadas de mãos e pés sugere que pelo menos 75% do peso
do animal seria suportado pelos membros posteriores e "entre os dinossáurios quadrúpedes
apenas os stegossáurios e alguns determinados saurópodes são reconstruídos como tendo
uma tão elevada proporção do peso assentando sobre os pés" (pag 52). Também a provável
distância glenoacetabular do autor de Deltapodus sugere que estamos perante um animal do
grupo dos stegossáurios ou perto de uma das suas formas basais.
Assim, passámos a ter pegadas de stegossáurios progredindo de forma quadrúpede e deixando
pegadas de pés plantígrados e mãos digitígradas.
Fig. 25. Vários morfotipos de Deltapodus de Yorkshire.
As descobertas de pegadas Deltapodus sucederam-se….
Em 2008, Mateus e Milan relataram que em 2003 tinham descoberto uma grande pegada
tridáctila na praia de Vale de Frades, a 6 km da Lourinhã (Jurássico final). Ao lado dessa grande
pegada estava uma pegada mais pequena, com 36 cm de comprimento, de um pé de
stegossáurio. Esta pegada foi referida a Deltapodus brodricki, a primeira encontrada em
Portugal (Fig. 26).
https://docentes.fct.unl.pt/sites/default/files/omateus/files/mateus_and_milan_2008_ichnological_evidence_for_g
iant_ornithopod_big_ornithopod_track_from_u_j_lourinha_fm_portugal.pdf
Fig. 26. Pegada de pé Deltapodus de Vale de Frades, ao lado da grande pegada tridáctila.
Em 2008, Lockley e colegas, numa revisão da vasta amostra de pegadas de dinossáurios e
outros vertebrados já reconhecida para o Jurássico final das Astúrias. referiram que pelo
menos 40 pegadas tridáctilas, alongadas, com dedos largos e curtos em forma de casco,
podem ser incluídas numa categoria distinta, a que chamaram de "stegossauriana" (pag 58)
(Fig. 27; Fig. 28).
Lockley_etal_2008_AsturiasMorrison_tracks.pdf
Fig. 27. Pegadas Deltapodus de possível origem stegossauriana encontradas nas jazidas do
Jurássico final das Astúrias. Todas são moldes naturais e representam pés (as pegadas A e B
estão incompletas).
Fig. 28. Pista encontrada em Terenes (A) e pormenor de par mão -pé de Deltapodus
(originalmente atribuído a um saurópode).
As impressões dos dígitos apresentam uma caraterística muito consistente - são assimétricas
em relação ao eixo central (digito III). Assim, embora os dígitos apresentem um comprimento
quase igual, um deles, provavelmente o digito medial II, é significativamente mais largo que o
outro (digito lateral IV). “Estas pegadas têm muitas caraterísticas do icnogénero Deltapodus
(White e Romano 2001) que foram atribuídas a stegossaurianos" (pag 60).
Mateus e Mian (2009) e Mateus et al. (2011) descreveram 11 exemplares – 9 pés e 2 mãos
associadas- Deltapodus para o Jurássico final da Lourinhã. O pé Deltapodus de Vale de Frades
apresenta impressões de escamas (Fig. 29; Fig. 30).
https://docentes.fct.unl.pt/sites/default/files/omateus/files/mateus__milan_2010_-
_diverse_l_j_ichnofauna_from_lourinha_fm_portugal.pdf~
https://bioone.org/journals/acta-palaeontologica-polonica/volume-56/issue-
3/app.2009.0055/New-Finds-of-Stegosaur-Tracks-from-the-Upper-Jurassic-
Lourinh%C3%A3/10.4202/app.2009.0055.full
Fig. 29. Pegadas de pés Deltapodus do Jurássico final da Lourinhã
Fig. 30. Pegada de pé Deltapodus de Porto de Barcas com impressões de escamas.
Em 2009, Milan e Chiappe descreveram a primeira pegada de stegossáurio Deltapodus
brodricki, encontrada no Jurássico final da Formação Morrison, Utah em 1 de maio de 2008
(Estados Unidos). A pegada esta preservada como um molde natural e inclui "uma pegada bem
preservada de pé e os restos erodidos de uma pegada de mão" (pag 343) (Fig. 31).
Fig. 31. Fotografia e esquema do par mão – pé Deltapodus da Formação Morrison
Com o sugestivo título "Um paraíso ibérico para os stegossáurios - a formação Villar del
Aezobispo", Cobos et al. (2010) descreveram restos esqueléticos e pegadas de stegossáurios
encontrados nesta Formação de Teruel (Espanha) e datados do Jurássico final – Cretácico
inicial (Titoniano - Berriasiano).
Na jazida de El Castellar encontra-se uma pista excecional que Cobos et al (2010) atribuíram a
Deltapodus, mas assinalando que existem diferenças relativamente a D. brodricki, pelo que
propuseram uma nova icnoespécie para este material, D. ibericus, para além de terem
proposto algumas alterações na diagnose do Deltapodus (Fig. 32).
Fig. 32. C – Pista Deltapodus ibericus da jazida de El Castelar
D – E – par mão – pé holótipo de Deltapodus ibericus
Resumindo - a nova icnespecie Deltapodus ibericus é baseada em caraterísticas das apegadas
das mãos ( forma de rim, margem regular, cerca de 3 x mais largas que longas) e das pegadas
dos pés ( 3 vezes mais longas que largas e com pelo menos o dobro do comprimento das
pegadas das mãos; e caraterísticas da pista (pegadas das mãos imediatamente em frente das
pegadas dos pés ou colocadas anterolateromedialmente; um ângulo de passo posterior de
137 - 156º e um angulo de passo anterior de 75 - 90º; e um angulo de divergência entre
pegadas de pês consecutivos de 60 e 80º.
A área das pegadas dos pés é cerca de 2,5 vezes a área das pegadas das mãos (índice de
heteropodia de cerca de 1 para 2,5).
Belvedere e Mietto (2010) identificaram e descreveram duas pegadas de pês Deltapodus para
o Jurássico final da Formação Iouaridene, Marrocos, passando a constituir a primeira evidência
deste icnogénero em África (Fig. 33).
Fig. 33. Esquemas das duas pegadas Deltapodus ichnosp. Indet do Jurássico final de Marrocos
(escala : 10 cm).
https://www.academia.edu/369284/First_Evidence_of_Stegosaurian_Deltapodus_Footprints_
In_North_Africa_Iouarid%C3%A8ne_Formation_Upper_Jurassic_Morocco_
Pascual et al (2013) descreveram as primeiras pegadas de stegossáurios do Cretácico da
Europa. As pegadas foram encontradas na jazida de Valloria IV, Soria, Espanha (Bacia de
Cameros, Grupo Oncala) (Fig. 34).
A pegada do pé, com os seus 11,2 cm de comprimento, era na altura o mais pequeno exemplar de todo o mundo,
com exceção de uma pegada de pé com 8 cm de comprimento da Formação Scalby, Yorkhire, que tanto quanto
sabemos nunca foi documentada através de fotografia ou esquema.
Fig 34. Esquema e fotografia do exemplar de Valloria IV (escala: 2 cm).
A jazida do Jurássico final da serra de Mangues (Alcobaça) foi descoberta em 2003 por colegas
do GP. Em 2013 identificámos várias pegadas de pés cf. Deltapodus. Para uma amostra de 6
exemplares o comprimento médio é de 34 cm (Fig. 35).
Esta jazida revelou pela primeira vez em Portugal a presença de uma comunidade muito diversificada de
dinossáurios, incluindo terópodes, ornitópodes, saurópodes e stegossáurios.
Fig. 35. Fotografias e esquemas de pegadas de pés cf. Deltapodus descobertas por colegas do
GP em 2013 na jazida do Jurássico superior da Serra dxe Mangues.
E foi em 2013 que Xing e colegas publicaram a primeira descrição de pegadas de stegossáurios
encontrada na China e logo para o Cretácico inferior (como vimos, para o Cretácico inferior até
essa altura só havia relato de pegadas Deltapodus para Espanha) (Cobos et al., 2010)).
Estas pegadas foram descobertas na jazida de Huangyanquan, região autónoma de Xinjinagb
Uyghur, China, e datam do Cretácico inferior (?Berriasiano - Barremiano). O material
encontrado faz parte de duas pistas e inclui pegadas de mãos e de pés. As pegadas estão
preservadas como moldes naturais.
Xing et al (2013) incluíram esta amostra na nova icnoespécie Deltapodus curriei (Fig. 36; Fig.
37).
As impressões bem definidas dos dígitos I e II da mão distinguem D. curriei de D. brodricki
(este tem mãos com forma de crescente mas sem vestígios claros de dígitos). Estas impressões
nítidas dos dígitos I e II da mão também distinguem a amostra da de D. ibericus. As pegadas da
Lourinhã (Mateus et al 2011) tem morfologia semelhante às de Huangyangquan, incluindo
pegadas de mãos em forma de crescente, mas "apesar de profundamente impressas, não se
observam impressões de dígitos livres" (Xing et al 2013, pag7). Por outro lado, as impressões
dos 3 dígitos das pegadas dos pés tem comprimento quase igual e sobretudo, "apresentam
um grau maior de entaxonia do que outras espécies de Deltapodus" (Xing et al. 2013, pag 3)
(Fig. 38).
Fig. 36. Esquema de uma das pistas Deltapodus curriei da jazida de Huangyangquan
Fig. 37. Fotografias e esquemas de pegadas Deltapodus curriei (escala - 10 cm).
Fig. 38. Esqueleto da mão de Stegosaurus sulcatus (vista proximal) sobreposto sobre esquemas
de pegadas de mãos Deltapodus curriei da jazida de Huanguyangquan.
https://www.academia.edu/2763766/First_record_of_Deltapodus_tracks_from_the_Early_Cre
taceous_of_China
Em finais de 2014, Pinuela e colegas descreveram 3 novas pistas de stegossáurios encontradas
nas arribas de El Toral, Villaviciosa, Astúrias, conservadas num estrato arenítico, pertencente à
Formação Lastres, do Kimmeridgiano.
Estas pistas são ainda mais espetaculares e as suas pegadas estão conservadas como moldes
naturais, mas muito pouco profundos. Num total, foram mapeadas 57 pegadas (28 mãos e 29
pés), incluídas nessas 3 pistas, todas com orientação para NW. Embora Pinuela e colegas não
tenham referido, podemos inferir que esta jazida revela o primeiro exemplo de
comportamento gregário entre stegossáurios. Pinuela et al (2014) incluíram a amostra em
Deltapodus (Fig. 39; Fig. 40).
Fig. 39. Superfície de arenitos onde se observam estas espetaculares pistas de stegossáurios
em El Toral (Villaviciosa).
Fig. 40. Esquema das pistas de stegossáurios de El Toral.
.Pascual e Hernandez-Medrano (2015) descreveram novas pegadas de stegossáurios
encontradas na Formação Magana, Bacia de Cameros, datadas do Titoniano - Barriasiano. A
nova jazida de San Felices forneceu uma pista com pegadas de mãos e de pés que foi
classificada como Deltapodus isp (Fig. 41).
https://sge.usal.es/archivos/REV/28(2)/art2_2802.pd
Fig.41. Esquema da pista Deltapodus isp. da jazida de San Felices, Soria (Espanha).
Xing et al (2015) relataram a descoberta de pegadas Deltapodus, incluindo pares mão – pé, na
província de Haanxi, Zizhou, Formação Yanan, na jazida de Wang, do Jurássico médio (Fig. 42).
Fig. 42. Fotografia e esquemas de pegadas Deltapodus da jazida de Wang
http://www.xinglida.net/pdf/Xing%20et%20al%202015%20Dinosaur%20tracks%20myths%20a
nd%20buildings.pdf
Numa revisão geral sobre o registo icnológico encontrado na jazida de Clayton Lake, do
Albiano final do New Mexico, Estados Unidos, Lucas e Dalmon (2016) identificaram uma pista
com 4 passos, quadrúpede, que "é nitidamente ornistiquiana, mas não ornitópode"(pag 133)
(Fig 43).
Fig. 43. Esquema de “pista ornistiquiana quadrúpede na superfície principal da jazida de
Clayton Lake, possivelmente Deltapodus” (Lucas e Dalman 2016 pag 135).
"Se a pista é Deltapodus então indica a presença de um stegossáurio no Albiano final, uma considerável extensão
do registo estratigráfico do grupo na América do Norte" (Lucas e Dalman 2016, pag 133).
https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/02724634.2016.1269539?needAccess=true
Lockley et al. (2018) descreveram pegadas de dinossáurios descobertas na 71ª icnojazida da
Formação Morrison, que inclui o primeiro relato de uma pista Deltapodus encontrada na
América do norte (se a pista de Clayton Lake não for incluída) (Fig. 44).
https://www.moabhappenings.com/Archives/Paleo062020.htm
Fig. 44. Pista Deltapodus descoberta entre o aeroporto de Moab e o Green River.
Esta descoberta sublinha que globalmente as pistas Deltapodus ultrapassam em muito os
relatos de Stegopodus, quase sempre a partir de exemplares isolados. "As possíveis razões
icnotaxonómicas, preservacionais e/ou paleobiológicas permanecem desconhecidas ou, no
melhor dos casos, especulativas" (Lockley et al. 2018 pag 413).
dePolo et al. (2020) relataram a descoberta de uma grande variedade de pegadas, ao
descreverem duas novas jazidas de Rubha nam Brathairean, Jurássico médio da ilha de Skye,
Escócia. Entre essas pegadas está "um novo morfotipo de Skye: Deltapodus, que tem um
provável produtor stegossauriano" (Fig. 45).
https://journals.plos.org/plosone/article/file?id=10.1371/journal.pone.0229640&type=printab
le
Fig. 45. Fotografia e esquema do par mão -pé da pista atribuída a Deltapodus de Skye.
Estas características levaram os autores a inclui a amostra em cf. Deltapodus.
Mas também salientaram que existem diferenças entre esta amostra e a maioria das pegadas
Deltapodus brodricki de Yorkshire. Por exemplo as pegadas de pés de Skye são "demasiado "
pequenas, embora raras pegadas do Yorkshire e até uma pegada de Marrocos (comprimento
de 16,6 cm) possam ter dimensões comparáveis.
Esta pista é bastante mais larga do que as pistas Deltapodus conhecidas (Fig. 46).
Fig. 46. Comparação da largura interna de pistas Deltapodus:
a - pista de Skye
b – pista holótipo Deltapodus brodricki
.
Guillaume et al (2017) salientaram que para além do exemplar de Porto das Barcas já referido,
outras 3 pegadas de pés Deltapodus apresentam pequenas elevações que consideraram como
impressões de escamas da pele. O exemplar do Porto das Barcas apresenta as melhores e mais
nítidas impressões de escamas da pele (Fig. 47).
Para estes investigadores podem-se distinguir 4 tipo os de padrões de textura:
circulares com 2 a 3 mm de largura (a verde)
ovoides com 5 a 7 mm de largura (a laranja)
circulares com 3 a 4 mm de largura (a azul)
hexagonais ou retangulares com 5 a 7 mm de largura (a amarelo)
Segundo Guillaume et al. (2017) "a presença, no exemplares de Porto das Barcas de uma
elevação interpretada como uma prega da pele posterior a uma dos dígitos e as impressões
dos dígitos muito curtos sugere que os stegossáurios poderiam ter uma estrutura digitígrada
do pé mas uma utilização do pé plantiportal. Isto significa que o animal caminha sobre os
dígitos, mas que o calcanhar assentava sobre tecidos gordos, tal como acontece nos elefantes.
Fig. 47. Exemplar de pé Deltapodus de Porto de Barcas, com impressões de pele (vista plantar)
(b – estrutura tubular; f - prega da pele
(escala :10 cm)
https://docentes.fct.unl.pt/omateus/files/guillaumeetal.pdf
Xing et al (2021) num resumo alargado sobre as pegadas descobertas na jazida do reservatório
de Huangyabquyan (Cretácico inferior da área de Wuerhe) salientaram a existência de mais de
1500 pegadas incluindo pegadas de aves, terópodes, pterossáurios e tartarugas, para além de
stegossáurios - estas últimas muito menos abundantes (Fig 48)-
Na última expedição de exploração foram descobertas na jazida B, mais 17 pegadas de pés,
isoladas e uma pegada de mão e entre elas está a pegada de um stegossáurio juvenil (Fig. 49).
Fig. 48. Esquema de algumas das pegadas Deltapodus encontradas na jazida de
Huangyabquyan
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8166242/pdf/peerj-09-11476.pdf
Fig. 49. Esquemas de pegadas de mãos e de pés Deltapodus curriei, com 2 prováveis
exemplares de juvenis - B19m e B20p.
Na última exploração foram também descobertas pegadas de pequenas mãos e de um
pequeno pé. O pé é um molde natural bem preservado com 5,7 cm de comprimento, tridáctilo
com dígitos em forma de casco, simétricos (Fig. 50).
Fig. 50. Pegada de pequeno pé Deltapodus curriei, com cerca de 5,7 cm de comprimento.
A maior diferença é a razão mais pequena comprimento / largura - cerca de 1,1 (muitas vezes
1,6 em pegadas maiores Deltapodus currrie), refletindo um calcanhar mais curto. O seu autor
seria digitígrado ou semi-digitígrado. Isto pode representar uma diferença ontogenética na
postura do pé entre um juvenil e um adulto.
Assim a postura variaria entre digitígrada ou semi-digitígrada para plantígrada, entre os
estádios juvenil e adulto. Por outro lado a forma do calcanhar de Deltapodus pode também
variar bastante em pegadas de maiores dimensões, um fenómeno relacionado com diferentes
posturas do pé e com as condições do substrato
https://pubs.geoscienceworld.org/sepm/palaios/article-
abstract/36/2/68/595155/STEGOSAUR-TRACK-ASSEMBLAGE-FROM-XINJIANG-
CHINA?redirectedFrom=fulltex
Guillaume et al (2022) descreveram 27 novos exemplares de pegadas de stegossáurios do
Jurássico final da Lourinhã (desde o Kimmeridgiano final até à base do Titoniano). Todas as
pegadas (incluindo as 11 descobertas anteriormente) estão preservadas como moldes naturais
- hiporrelevos convexos - impressas em lamas e lodos preenchidos depois por silt e areias,
resultando em siltstone com interface lodo - areia detalhado que permitiu a preservação de
impressões de escamas da pele em pelo menos 4 exemplares. Ao todo foram identificadas 8
pegadas de mãos Deltapodus isp (Fig. 51; Fig. 52; Fig. 53).
Nenhum dos exemplares foi encontrado associado em pista.
Fig. 51. Esquema de pegadas de pé Deltapodus da região da Lourinhã.
Fig. 52. Esquema de pés Deltapodus isp. da zona da Lourinhã (escala: 20 cm).
Fig 53. Esquema de mãos Deltapodus isp. da zona da Lourinhã (escala: 20 cm).
Para as pegadas de pés Deltapodus Guillaume et al (2022) propuseram uma classificação de
acordo com as margens medial e lateral e com a resultante morfologia:
- a margem circular mostra margens redondas
- a margem exterior rectangular exibe os lados direitos e paralelos ou subparalelos (ambas as
linhas de margem parecem convergir num ponto afastado do calcanhar)
- a margem subrectangular é definida como as linhas da margem que parecem convergir num
ponto perto do calcanhar
Estes investigadores e para estas pegadas de mãos Deltapodus sugeriram ainda que se podem
distinguir três tipos de margens gerais externas (em vista plantar):
- semelhante a uma ferradura, com um profundo arco para dentro na direção do lado
posterior
. arqueada, sendo mais larga que longa com uma ligeira curvatura para dentro, na direção do
lado posterior, dando uma forma de rim a crescente
- não arqueada, com as mesmas caraterísticas que a arqueada, mas sem curva posterior
Guillaume et al (2022) modificaram a diagnose de Deltapodus apresentada por Whyte e
Romano (1994) :
mão - pegadas entaxónicas, com forma de crescente e anteriormente convexas;
desenvolvimento ocasional de uma impressão do dígito I (pollex) dirigida para dentro ou
medialmente;
pé - pegadas geralmente ovais, sub triangulares; lado interno ligeiramente côncavo; pegadas
mesaxónicas; com três impressões de dígitos muito curtos e arredondados
pista - com largura interna média (medio - guage), variando entre 10 e 30 cm
Na Formação Morrison, segundo Guillaume et al (2022) "Stegopodus parece ser muito mais
comum do que Deltapodus" (pag 55). Para a Formação Morrison são conhecidos abundantes
restos esqueléticos de stegossauríneos-- Stegosaurus, Hesperosaurus.
Segundo estes investigadores, para o Jurássico final da Europa ocidental Deltapodus é
relativamente abundante enquanto que Stegopodus é raro, em oposição o que se observa na
América do Norte.
Assim, considerando a distribuição geográfica, abundância e diversidade dos esqueletos e
pegadas de afinidade stegossauriana para o Jurássico final da Europa e América do norte
Guillaume et al (2022) sugeriram que Stegopodus tivesse sido produzido por stegossauríneos e
Deltapodus por dacentruríneos.
A hipótese oposta é menos credível, mas Guillaume et al (2022) referiram que não existem
dados que a possam confirmar.
De facto, stegossauríneos e dacentruríneos não mostram diferenças osteológicas que possam
ser utilizadas pata referir cada um dos icnogéneros a um determinado grupo de stegossáurios,
porque o esqueleto dos autopodes é bastante homólogo entre os stegossáurios (Galton 1985;
Maidment et al 2008) e porque restos de pés completos de dacentruríneos ainda não são
conhecidos.
Esta sugestão pode ser reforçada com a hipótese mais aceite sobre a sua origem geográfica -
os dacentruríneos ter-se-ão originado na Europa e os stegossauríneos na América do norte, em
meados do Jurássico médio.
Durante Jurássico final alguns membros de cada um deste grupos pode ter transitado de
"continente", já que é provável que uma ponte terrestre os tivesse unido (Mateus 2016).
Assim, temos ocorrências ocasionais de stegossauríneos na Europa e de dacentrurineos na
América do norte.
Segundo Costa e Mateus (2019) e Guillaume et al (2022) pode-se colocar a hipótese de os
stegossaurios dacentrurineos serem os autores de Deltapodus, já que estes se encaixam nas
dimensões, morfologia distribuição, cronologia e abundância.
Em Portugal, a mais pequena pegada atribuível a um pé de stegossáurio tem um comprimento
de 21 cm – jazida da serra de Mangues.
Fig. 54. Fotografia e esquema de pegada de pé Deltapodus da jazida de Mangues
Para a amostra Deltapodus descrita de todo o mundo, as pegadas representam indivíduos de
grandes dimensões. Comprimento médio:
Deltapodus ibericus – 44 cm
Deltapodus curriei - 40,1 cm
Lourinhã - 38,8 cm (N = 24)
jazida da serra de Mangues - 34 cm (N = 6).
Fig. 55. Fotografia do exemplar descoberto em 2020 na superfície da jazida do Bouro IV –
PBIV1
A pegada foi descoberta por colegas do GP em 2020. Está preservada como hiporrelevo
convexo; tem comprimento (31 cm) superior à largura máxima na base das impressões dos
dígitos (27 cm) (W / L = 1,14) – pegada mito alargada anteriormente. AS margens laterais têm
forma de triângulo. É uma pegada tridáctila, com 3 dígitos alargados e muito curtos, em forma
de grandes cascos, sendo o central o mais largo (10,.5 cm) e os laterais muito idênticos (8 e 7
cm de largura – muito simétrica), todos dirigidos para a frente. O dígito central (III) é
ligeiramente mais longo (6 cm). O grau de mesaxonia é de 0,23. A pegada é bastante profunda
(cerca de 16 cm). Apresenta uma concavidade lateral (Fig. 55; Fig. 56).
Fig. 56. Esquema do exemplar recolhido em 2020 – PBIV1.
Classificamos este material como cf.. Deltapodus ichnosp., porque as características para o seu
reconhecimento são claras, mas insuficientes para inclui-lo em uma das icnoespécies. Até
porque não possuímos qualquer pegada de mão. Estão presentes todas as caraterísticas do pé
Deltapodus apresentadas na mais recente diagnose (Gillaume et al 2022). (Fig 57).
Fig. 57. Holótipos de pegadas de stegossáurios:
A - Deltapodus brodricki
B - D. ibericus
C – D. curriei
(escala: 20 cm)
Estimamos a altura da anca do stegossáurio em cerca de 1,60 m (aplicando a “fórmula de
Cobos” h= 6 x W).
Como é que Cobos e colegas sugeriam que o autor da pista teria cerca de 1,8 m de altura da
anca? Sugeriram que a altura da anca para os stegossáurios seria calculada como
h = 6 X w
em que w é a largura da pegada do pé
e esta sugestão foi realizada com base nas proporções dos membros anteriores de um
esqueleto de Kentrosaurus.
A altura do ombro rondaria os 1,00 m (aplicando h’ = 3,5 x W – Sorby Geology Group
University of Sheffield).
Pamtipotrtal
Fig. 58. Nos elefantes o calcanhar (calcaneus) assenta sobre uma almofada de carne, indicando
que todo o pé suporta a pressão do peso do corpo quando caminha e por isso os elefantes são
animais plantiportais.
Scaling_of_plantar_pressures_in_mammals.pdf
Fig. 59. Pata de elefante do acervo do Laboratório da escola.
Lallensack et al (2019) inferiram que grau de mesaxonia muito baixo e grande largura dos
dígitos parece estarem relacionados com grande capacidade graviportal dos produtores destas
pegadas. Se os autores de Stegopodus forem distintos dos de Deltapodus, estes últimos, com
pegadas de pés plantígrados, estarão no extremo do espectro dos dinossáurios graviportais.
Um animal é graviportal quando o corpo assenta sobre membros que funcionam como pilares para suportarem o
seu peso – elefante.
O registo icnológico de dinossáurios stegossáurios é ampliado – pela primeira vez é referido o
icnogénero Stegopodus para Portugal, representado por uma pegada muito assimétrica, que
constitui o segundo exemplo deste morfotipo para toda a Europa. Pela primeira vez a nível
mundial é assinalada a co-ocorrência dos dois icnogénero Deltapodus e Stegopodus na mesma
superfície e a distância muito curta.
Deltapodus tem origem stegossauriana e não em anquilossáurios, especialmente pelo número
de dígitos nas pegadas dos pés. Embora o pé dos anquilossáurios tenha variado de tetradáctilo
a tridáctilo ao longo da história do clade, a tridactilia só é conhecida nos géneros do Cretácico
Euplocephalus, Pinacosaurus e Liainingosaurus. A maioria dos , anquilossáurios como
Sauropelta, tem 4 dígitos no pé.
Para alem disso, os tireoforanos mais basais que são grupos exteriores de Eurypoda
(Ankylosauridae + Stegosauridae), Scutellosaurus e Scelidosaurus, têm um pé tetradáctilo,
sugerindo que esta morfologia seja primitiva para os anquilossáurios e que será de esperar
encontrar nos primeiros e mais basais membros do grupo. Logo, um anquilossáurio produtor
de pegadas de pé com 3 dígitos do Jurássico médio ou final será pouco provável.
Análises biomecânicas das diferenças de postura entre anquilossáurios e stegossáurios
também suportam a afinidade de Deltapodus com stegossáurios (dePollo et al 2020).
Os stegossáurios, como os ceratopsídeos, manteriam os seus membros anteriores numa
posição fletida com os cotovelos abduzidos a partir do plano parassagital. Esta postura teria
pressionado o lado medial das mãos.
Pelo contrário, o cotovelo dos anquilossáurios manter-se-ia plano em relação ao plano
parassagital e portanto teriam o peso mais uniformemente distribuído sobre todos os dígitos
das mãos. As pegadas Deltapodus das mãos de Yorkshire preservam muitas vezes uma
projeção medial do pollex. O mesmo acontece com a mais nítida impressão de mão de Skye. A
preservação do pollex nas pegadas das mãos de Deltapodus como uma impressão mais
pronunciada do que as dos outros dígitos pode indicar que o animal que as deixou suportava
mais peso na porção medial das mãos do que nos dedos laterais. Segundo Galton (2017), as
pegadas Deltapodus "estão de acordo com o esqueleto do pé e preveem pegadas de um
stegossáurio quadrúpede como Stegosaurus e não com as de outros potenciais dinossáurios
contemporâneos".
As pegadas de tireoforanos stegossáurios são identificadas por algumas características a partir
do esqueleto dos pês e mãos, como pês tridáctilos com dígitos muito curtos, toscos. São
diferentes das pegadas de outros ornistiquianos, como anquilossáurios e ceratopsianos, que
tem um pé tetradáctilo, ou dos ornitópodes, com um pé tridáctilo mas com dígitos mais bem
definidos e mais longos, proporcionalmente.
Argumentos para justificarem que o produtor de Deltapodus tenha sido um stegossáurio:
As pegadas dos pés são semi-plantígradas e os pés mostram impressões expandidas dos
metatarsos, como acontece no clade Eurypoda. Os digitos II, III e IV apresentam comprimento
quase igual (sendo o digito III ligeiramente mais longo). "Assim, cada digito tinha
provavelmente duas falanges, uma caracteristica do clade Stegosauria (Carrano e Wilson
2001)" (pag233); a formula falangeal de Stegosaurus e de Kentrosaurus é de 0 - 2 - 2 - 2 - 0,
enquanto que o pé dos anquilossáurios é pentadáctilo, tetradáctilo ou tridáctilo. Váriois
stegossarios são encontrados em Portugal no Jurassico final através de muitíssimos elementos
esqueléticos
A grande abundância de restos esqueléticos de stegossáurios no Jurássico final da Península
ibérica é consistente com o que conhecido para o resto do mundo. Foi no Jurássico final que a
diversidade de taxa foi maior (Galton e Upchurch 2004) e é para este intervalo de tempo que a
maioria das pegadas atribuídas a stegossáurios é conhecida.
5. https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/02724634.2016.1269539?needAccess=true
Salisbury et al.(2016), numa revisão das pegadas de dinossáurios de Broome, instituíram o
icnotaxon Garbinia roeurum para um ornistiquiano quadrúpede.
As pegadas das mãos são relativamente grandes (comprimento entre 11,9 e 21,4 cm e largura
entre 17,2 e 25,4 cm), tetradáctilas, paraxónicas, tipicamente mais largas que longas. Os
dígitos são relativamente curtos e largos; com terminação alargada ou ligeiramente aguçada;
ângulo total de divergência de I - IV varia entre 137º e 170º; a margem proximal tem forma
variável; sem impressões de almofadas digitais nem de unguais; as impressões das mãos
podem estar ausentes apenas ligeiramente impressas ou profundamente impressas (Fig. 58;
Fig. 59).
As pegadas dos pés podem ter dimensões médias a muito grandes (o comprimento total da
pegada que inclui uma impressão de almofada metatarsal pode alcançar os 80 cm, para uma
largura variando entre 32m,5 s 70 cm); tridáctilas e mesaxónicas (entre 0,14 a 0,21),
tipicamente mais longas que largas quando a almofada metatarsal está impressa com uma
relação comprimento / largura variando entre 1,1 e 1,7; os dígitos são proporcionalmente
curtos (o comprimento máximo da impressão do digito é de 17 - 51% do comprimento total da
pegada excluindo a impressão da almofada metatarsal) e largos (17 - 40%), e distalmente
arredondados. A impressão do digito III prolonga-se distalmente para alem das impressões dos
dígitos II e IV por 14 - 21% do comprimento total da pegada, excluindo a impressão da
almofada metatarsal; o hypex das impressões dos dígitos III e IV geralmente mais largo do que
o dos dígitos II e III e mais pronunciado na pista bípede; o angulo total de divergência II - IV
varia entre 57 e 93º; quando presente, a almofada metatarsal é larga e com forma irregular.
Fig. 58.Garbinia roeorum - impressão de mão (A, B, C); impressão de pé esquerdo (D, E, F)
(MTP – impressão da falange metatarsal).
Fig. 59. Pegadas Garbinia roeorum e pegadas referíveis a cf. Garbina:
A – par direito mão -pé
B. C, D, E, F, G, H -- pegadas de pés
Pista, se quadrúpede, com uma passada de mãos de cerca de 3 a 5 vezes o comprimento
máximo da pegada da mão; as pegadas das mãos com rotação para dentro da linha média da
pista ou dirigidas cranialmente em relação à orientação da pista; em pistas quadrúpedes esta
presente a impressão da falange metatarsal; o ângulo de passo médio para as pegadas dos
pés é de 133º.
Se a pista é bípede não está presente a impressão da almofada metatarsal; as pegadas dos pés
apresentam rotação para dentro da linha média da pista; a pista é do tipo narrow.guage.
Garbinia partilha algumas características com a pegada PBIV1 - ambas são pegadas de pés,
mesaxónicas e tridáctilas, com impressões de 3 dígitos toscos e curtos, com uma longa
impressão metatarsal. Mas os dois icnotaxa distinguem-se pela morfologia mais triangular do
pé de cf Deltapodus, com uma ligeira concavidade na margem lateral. As pegadas dos pés cf.
Deltapodus não apresentam impressões de almofadas distintas, enquanto que as de Garbinia
apresentam uma nítida separação entre a impressão falangeal distal metatarsofalangeal e a
impressão distal digital - metatarsofalangeal.
A comparação de PBIV2 com Garbínia também tem que se restringir às pegadas dos pés. E elas
podem-se distinguir devido à presença em Garbínia de uma impressão metatarsal bem
definida e porque em cf. Stegopodus a divergência entre os dígitos II e II é maior do que entre
os dígitos III e IV; situação inversa ocorre em PBIV2.
6 Diferenças entre Stegopodus e Deltapodus como efeito de preservação variável ?
Tanto Deltapodus como Stegopodus são interpretadas como tendo origem tireoforana por
todos os investigadores e como pegadas de stegossáurios pela maioria.
Stegopodus czerkasi foi instituído por Lockley e Hunt (1998) (literalmente pegada de
stegossáurio) a partir de uma pegada de mão ectaxónica, tetradáctila (com um eventual
vestigio de um pequeno digito V) que estava localizada perto de uma pegada de pé, que pode
ou não ter sido produzida pelo mesmo animal responsável pela pegada da mão. Gierlinski e
Sabath (2008) emendarem depois a diagnose de Stegopodus para incluir uma descrição revista
do pé, indicando que era transversal (mais largo que longo), tridáctilo, com dígitos grossos e
com uma pequena impressão de calcanhar. Esta reconstrução era consistente com a previsão
de Thulborn (1990).
Assim Stegopodus passou a ser reconhecido através de pegada de mão tetra ou pentadáctila
com impressões bem definidas dos dígitos e por um pé largo com calcanhar relativamente
curto.
Deltapodus, do Jurássico inferior de Inglaterra baseia-se num pé tridáctilo com 3 dígitos
grossos, curtos e terminando por cascos, com calcanhar muito alongado e mão em forma de
crescente, mas mal preservada, com contorno irregular.
Assim, o tipo Stegopodus e o tipo Deltapodus são ostensivamente diferentes tanto na
morfologia das mãos como na dos pés.
Mas.... estas diferenças são em parte resultado de preservação sub-otima ?
Li et al. (2012) mostraram que as pegadas Shenmuichnus - um ornistiquiano quadrúpede -
provavelmente tireoforano, dos inícios do Jurássico da China, é muito parecido ao mesmo
tempo com Stegopodus e com Moyenosauropus (Fig 60; Fig. 61).
Li et al (2012) diagnosticaram Shenmuichnus como quadrúpede habitual com pé tridáctilo e
marcas de unguais alargados e uma grande mão pentadáctila (heteropodia reduzida), sem
vestígio de hallux no pé e marcas de garras nos pés e nas mãos alargadas (e não aguçadas).
Fig. 60. Jazida de Shenmu: pistas ornistiquianas (A -H); pista de terópode (I); pista holótipo de
Shenmichnus (C), com seta maior.
Shenmuichnus mostra dígitos da mão bem preservados e um pé tridáctilo sem vestígio de
calcanhar quando preservado com pegadas pouco profundas; mas parece mais Deltapodus,
com calcanhar bem alongado e mãos muito indistintas quando surge preservado como
pegadas profundas.
Fig. 61. Comparação entre pista com rebordos elevados (A) e pista(B), com pegadas pouco
profundas, mostra a diferença entre a preservação de pegadas semelhantes a Deltapodus e a
pista holótipo de Shenmuichnus.
Assim, várias pistas de Shenmu indicam que as características de Deltapodus podem
representar preservação sub-otima e não podem não ser inteiramente atribuídas à morfologia
original dos pés.
Isto levanta a questão - as diferenças entre Stegopodus e Deltapodus refletem diferenças na
morfologia do pé dos produtores, implicando uma maior diversidade entre os tireoforanos (ou
mesmo entre os stegossáurios) ou uma preservação variável, que pode indicar uma menor
diversidade do pé dos produtores das pegadas? Li et el (2012) concluíram que a interrelação
entre morfologia e preservação levanta questões icnotaxonómicas fundamentais sobre as
relações entre Deltapodus e Stegopodus.
Mas há mais …
Como vimos, embora Stegosaurus seja um dinossáurio relativamente comum para ao Jurássico
final da Formação Morrison (mais de 70 jazidas com elementos esqueléticos), as suas pegadas
continuavam a ser muito raras, e só se conheciam 3 ou 4 icnojazidas com pegadas Stegopodus
no Utah e Colorado.
Em 2008, Mossbrucker e colegas (entre eles, Lockley, Gierlinski e Bakker) acrescentaram um
exemplar que consideraram significativo (atualmente depositado no Morrison Natural History
Museum) por ser "o primeiro par mão -pé bem preservado da América do Norte e descoberto
na famosa "Lakes ale Quarry 5", a jazida da descoberta do holótipo de Stegosaurus armatus
(Marsh 1877)” (pag 26).
O exemplar inclui um par de impressões naturais de pegadas direitas preservadas na superfície
de um grande bloco de arenito. A pegada do pé tem cerca de 40 cm de comprimento por 30
cm de largura, com 3 dígitos grossos e curtos. O dígito médio (III) termina por um ungual quase
retangular. A pegada da mão tem cerca de 16 cm de comprimento por 30 cm de largura, com
pelo menos 4 impressões de dígitos grossos, com unguais nos dígitos I – III (Fig. 62).
Aparentemente poderá ser um exemplo de Stegopodus. Relativamente à mão as semelhanças
incluem um dígito I bem desenvolvido e dígitos laterais menos pronunciados. Em relação ao pé
a semelhança global é nítida. O exemplar parece diferir significativamente de Deltapodus.
Fig. 62. Par mão – pé semelhante a Stegopodus, da Formação Morrison. A reconstrução do pé
baseia-se em Stegosaurus.
De fato, e até essa data, as pegadas Deltapodus referem-se a pegadas de pé que apresentam
dígitos mais curtos e alargados do que o pé Stegopodus, e com impressões de calcanhar muito
mais alongadas e pronunciadas. Quanto à mão, em Deltapodus é muito diferente, consistindo
num vestígio em forma de crescente, sem as impressões nítidas dos dígitos observadas na
mão Stegopodus.
Mossbrucker et al (2008) inferiram que este exemplar é "mais semelhante a Stegopodus do
que a Deltapodus e que o poderá haver mais do que um tipo de pegada de stegossáurio " (pag
28). Referiram que com o que se conhece da mão dos stegossáurios e dos anquilossáurios é
quase impossível distinguir pegada de mãos do Jurássico para estes dois grupos de
tireoforanos e que compreendê-lo será crucial para a distinção das suas pegadas, já que o pé
dos stegossáurios tem 3 dedos, enquanto que o pé típico anquilossáurio apresenta 4 dígitos.
"Deltapodus encaixa-se na morfologia dos 3 dedos dos stegossáurios, mas temos que nos
lembrar que uma pegada de 4 dígitos, incompleta, pode surgir aos nossos olhos como tendo 3
dígitos" (pag 28).
Mas Gierlinski, em comunicação pessoal de 2022, considera que este exemplar “está entre
Stegopodus e Deltapodus”!!!.
7. Um mesmo produtor stegossáurio, umas vezes digitígrado, outras plantígrado?
Como referimos em 5., a expressão variável de uma impressão de almofada metatarsal nas
pegadas de pés de Garbinia roeorum, mesmo dento de uma mesma pista contínua, indica que
posturas funcionalmente plantígradas e digitígradas eram possíveis para seu autor e sugere
que o grau de flexão e extensão na articulação metatarsodigital e na articulação tarsal eram
também variáveis. Assumindo que produtor de Garbinia roeorum era um stegossáurio, os
membros anteriores mais curtos relativamente aos posteriores poderiam ter levado o animal a
uma postura dos pés mais plantígrada para que as mãos tocassem no solo. Como
consequência, o comprimento da passada dos membros posteriores ter-se ia aproximado da
dos membros anteriores, permitindo uma postura quadrúpede simétrica. Erguendo os
membros anteriores do solo teria libertado os membros anteriores para darem passadas de
forma mais livre, com extensão da articulação metatarsodigital e articulação tarsal, elevando
os metatarsos, de onde resultaria uma postura funcionalmente digitígrada. "Neste contexto,
colocamos a hipótese do autor de Garbinia roeorum ter sido um bípede facultativo, análogo às
duas espécies atuais de pangolins" (Salisbury et al. 2016, pag 98) (Fig. 63).
Fig. 63. Pista Garbínia roeorum – Fotografia (A) e esquema (B).
Lockley et al (2008a) consideraram «estranho», «intrigante» que os stegossáurios alternassem
entre pegadas dos pés digitígradas quando bípedes e pegadas dos pés plantígradas quando
quadrúpedes. "A variabilidade da morfologia das pegadas do pé de Garbinia roeorum sugere
fortemente que ambas as posturas digitígrada e plantígrada eram possíveis para os autores de
pegadas stegossaurianas e suporta hipóteses anteriores de que estes animais pudessem ter
sido bípedes facultativos" (Salisbury et al 2016, pag 99).
A interpretação das pegadas Deltapodus como representando stegossáurios quadrúpedes,
com pé alongados, está bem aceite pelos investigadores, com base na significativa amostra do
Jurássico médio ao Cretácico inferior reconhecida para uma grande distribuição geográfica e
apoiada numa distribuição estratigráfica idêntica para elementos esqueléticos. O que ainda é
reforçado pela presença de padrões de impressões de escamas semelhantes associados com
Deltapodus de Espanha, Portugal e Estados Unidos (e padrão distinto do reconhecido para
pegadas de saurópodes).
A evidência para stegossáurios bípedes é controversa e baseia-se em moldes isolados de
pegadas do Jurássico final do Utah, em duas pistas do Jurássico médio de Marrocos e em pistas
controversas do Jurássico final das Astúrias (que vários investigadores interpretaram como de
ornitópodes). Para além disso, temos um par mão - pé interpretado como Stegopodus
(Mossbrucker et al 2008) que indica progressão quadrúpede.
As pegadas de tireoforanos stegossáurios são identificadas por algumas características a partir
do esqueleto dos pês e mãos, como pês tridáctilos com digito muito curtos, toscos. São
diferentes das pegadas de outros ornistiquianos, como anquilossáurios e ceratopsianos, que
tem um pé tetradáctilo, ou dos ornitópodes, com um pé tridáctilo mas com dígitos mais bem
definidos e mais longos, proporcionalmente.
Xing et al. (2016) salientaram a raridade de pequenas pegadas e atribuíram-na a uma
distorção preservacional geral em favor de grandes pegadas e não a um sinal biológico. Mas de
qualquer modo parece haver uma distorção contra a preservação de pequenas pegadas
representativas de muitos dos icnogéneros ornistiquanos comuns. "Esta distorção ainda esta
por explicar" (Xing et al. 2021 pag 74). Para a vasta amostra Deltapodus descrita para todo o
mundo, as pegadas representam indivíduos de grandes dimensões. O pequeno juvenil
representado pela pequena pegada de pé teria uma altura de anca de cerca de 36 cm,
seguindo a formula proposta por Cobos et al. 2010) de h = 6 x W. Por exemplo, Deltapodus
ibericus tem um comprimento médio de 44 cm e Deltapodus curriei um comprimento médio
de 40,1 cm. Deltapodus da Lourinhã tem um comprimento médio de 38,8 cm (N = 24).
As pegadas de mangues Deltapodus adultos tem um comprimento de 34 cm (N = 6) e a do
Bouro IV tem 31 cm de comprimento.
Esta raridade de stegossaurianos juvenis ( e de tireoforanos em geral, até de ornistiquianos
globais) é notável tendo em conta que os juvenis deveriam ser em muito maior número que os
indivíduos que seriam capazes de sobreviver até ao estádio adulto (até porque muitos dos
ninhos de ornistiquianos indicam a presença de grandes ninhadas).
Uma distorção preservacional simples poderia explicar esta situação - os indivíduos juvenis
viveriam em grupos separados dos adultos, em habitats que não seriam favoráveis para a
preservação de pegadas. Outra explicação de ordem biológica - os ornistiquianos juvenis
poderiam viver vidas afastadas - ou seja, permaneciam nos ninhos ou zonas de nidificação
muito tempo ate atingirem dimensões de quase adultos - mesmo os juvenis já um pouco mais
velhos teriam tendência a não atravessarem leitos de rios ou pântanos, lagos, onde as
condições para a preservação da pegadas eram ideais, mas onde também eram muito
superiores a probabilidades de mortes por emboscadas. Por outro lado, refira-se que o
crescimento destes ornistiquianos poderia ser muito rápido. Provavelmente. ocorreria uma
combinação de todos estes fatores.
Note-se que para a Europa uma outra pequena pegada de pé Deltapodus foi descrita. Canudo
et al (2012) descobriram um par mão -pé Deltopodus isp., as primeiras pegadas de
stegossáurios conhecidas para o Cretácico inferior. O pé tem apenas 12 cm de comprimento,
mas ao contrário do exemplar da China, o autor seria plantígrado, já que o calcanhar é
bastante alongado.
O pequeno juvenil representado pela pequena pegada de pé teria uma altura de anca de cerca
de 36 cm, seguindo a fórmula proposta por Cobos et al. 2010) de h = 6 x W.
Note-se que Whyte e Romano (2001) referiram a existência de uma pequena pegada de pé
Deltapodus para o Jurássico inferior de Yorkshire, com apenas 8 cm de comprimento; mas esta
pegada nunca foi descrita em pormenor, nem se conhecem esquemas ou fotografias.
9. Problemas / enigmas ainda por resolver / desvendar
Relativamente às pegadas de stegossáurios são muitos os problemas e questões por resolver:
Os dois icnogéneros, Deltapodus e Stegopodus, podem ambos ser atribuídos a stegossáurios?
As pegadas Deltapodus e Stegopodus serão variantes preservacionais do mesmo tipo de
pegadas?
Há vários morfotipos de pegadas de pés Deltapodus em Portugal? E onde se incluem os
exemplares das jazidas do Bóuro IV e de Mangues?
- lados direitos convergindo num calcanhar redondo com forma triangular
-- lados relativamente paralelos, terminando numa forma de lágrima
-- lados subparalelos com a margem exterior do calcanhar angular
E em que icnoespécie ? Deltapodus brodrecki? D. ibericus? D. curriei?
Porque são tão raras as pegadas de stegossáurios juvenis?
Porque há muito mais pegadas Deltapodus que Stegopodus ?
Será que Deltapodus foi produzido por stegossáurios Dacentrurinae e Stegopodus por
stegossáurios Stegosaurinae?
Porque há muito mais pegadas de pés Deltapodus do que de mãos?
O mesmo stegossáurio podia adotar postura plantígrada e digitígrada dos pés?
Os stegossáurios podiam adotar postura bípede e/ou semi-bípede?
Se Deltapodus e Stegopodus forem apenas variantes relacionadas com a preservação,
podemos colocar a seguinte hipótese:
Deltapodus simétrico relaciona-se com Stegopodus mais simétrico
Deltapodus entaxónico relaciona-se com a Stegopodus muito assimétrico
Fig. 10. Uma escala para o grau de mesaxonia e a sua aplicação na diagnose de Stegopodus e
de Deltapodus.
Propomos uma escala em que o “termo médio” tenha como referência o grau de mesaxonia
para a icnofamíia Eubrontidae entre 0,46 e 0,60 (em termos genéricos, quase equivale a
termos um ângulo reto oposto à base do triângulo Te) – mesaxonia moderada.
Quando este ângulo é agudo, os valores serão mais elevados – entre 0,61 e 0,80 a mesaxonia
será forte e acima de 0,81, muito forte.
Quando esse ângulo for obtuso, a mesaxonia será fraca, entre 0,31 e 0,45.Para valores
inferiores a 0,30, será muito fraca.
E sugerimos que este último valor inferior a 0,30 diagnostique as pegadas de pés atribuídas a
stegossáurios, quer do icnotaxon Stegopodus, quer do icnotaxon Deltapodus.

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UMA NOVA COMUNIDADE DO JURÁSSICO FINAL DOMINADA POR GRANDES CARNÍVOROS
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Stegosaur tracks - a conundrum. Complete project 2022

  • 1. Pegadas de stegossáurios o enigma! 1 Introdução 2 Localização da icnojazida 3 Considerações prévias 4 Revisão histórica dos icnotaxa stegossauriformes Stegopodus e Deltapodus e comparação com as duas pegadas em estudo 5 Comparação das amostras em estudo com o icnotaxon Garbinia 6 Diferenças entre Stegopodus e Deltapodus como efeito de preservação variável ? 7 Um mesmo produtor stegossáurio, umas vezes digitígrado, outras plantígrado? 8. Problemas / enigmas ainda por resolver / desvendar 9. Uma escala para o grau de mesaxonia e a sua aplicação na diagnose de Stegopodus e de Deltapodus. 10. Agradecimentos Figuras, esquemas, fotografias, gráficos, encontram-se no anexo. 1. Introdução As pegadas fossilizadas, como registo direto da atividade de seres vivos, fornecem informação sobre animais extintos que não pode ser procurada nos ossos e dentes, sobretudo quando estes são escassos ou inexistentes. A importância das pegadas como fonte de dados paleobiológicos e paleoecológicos é portanto insubstituível, mas a sua interpretação está sujeita a vários níveis de incerteza, incluindo a identificação dos autores. Um dos objetivos óbvios de qualquer icnologista é o de tentar correlacionar icnitos e prováveis autores - o "síndroma de Cinderela" (Lockley 1999). Mas esta associação de produtores com pegadas e pistas fossilizadas só pode ser realizada, com rigor absoluto, se encontrarmos o autor fóssil preservado no final da pista. O que, para os vertebrados, é desconhecido. Especialmente para um grupo de dinossáurios, os stegossáurios, esse grau de incerteza é ainda maior e desde há muito que os investigadores se referem às pegadas e pistas de stegossáurios como um "enigma" (Gierlinski e Sabath 2008). Em finais de 1997, no seguimento de prospeção das camadas calcárias do Jurássico final da Serra do Bouro à procura de pegadas, os nossos colegas do GP descobriram uma nova jazida, a que chamaram Bouro IV. Apesar de terem identificado mais de 200 pegadas, especialmente uma pista de um enorme saurópode, ficou no esquecimento. Em 2019 voltámos a «redescobrir» o local e durante o estudo dos exemplares, fomos descobrindo mais pegadas. Este trabalho centra-se na descrição, análise e interpretação de dois contra-moldes de pegadas que descobrimos em 2020 e 2021 (PBIV1 e PBIV2, armazenados na sala do Grupo de Paleontologia na nossa escola) e que provavelmente representam a passagem de 2 stegossáurios distintos, tentando ajudar a decifrar o tal enigma das suas pegadas. A grande pista do saurópode ficará para o próximo ano...
  • 2. Procedemos a uma revisão histórica dos eventuais tipos de pegadas de stegossáurios e avaliamos as diagnoses dos principais icnotaxa que os investigadores sugerem ter uma origem nos stegossáurios. Comparamos estas características com as dos nossos exemplares e com o registo icnológico de Portugal e global. Tentamos demonstrar a origem stegossauriana das duas pegadas. Entre as características diagnósticas destas pegadas tridáctilas dos pés, está uma mesaxonia muito fraca. Como não existe uma classificação numérica para a mesaxonia, elaboramos uma escala que propomos seja utilizada para todas as pegadas tridáctilas e que passe a diagnosticar também as pegadas dos stegossáurios. Com base nessas morfologias, realizamos algumas inferências de natureza paleobiológica. Comparamos as duas pegadas - PBIV1 e PBIV2- com os dois icnotaxa que todos os investigadores sugerem terem origem tireoforana e que a grande maioria sugere ter origem stegossariana: Deltapodus e Stegopodus. E concluímos que ambos os icnotaxa estão presentes no Jurássico final do Bouro IV – o primeiro pé Deltapodus na região da serra do Bouro e a primeira pegada Stegopodus de Portugal, que é ao mesmo tempo o segundo exemplar do morfotipo muito assimétrico da Europa. Também comparamos PBIV1 e PBIV2 com o icnotaxon Garbinia, instituído por Salisbury et al (2016) para um produtor stegossáurio do Cretácico inferior da Austrália, com quem partilham algumas características, mas que se podem distinguir em vários aspetos. 2. Localização geográfica e geológica da jazida de Bouro IV Fig. 1 Localização geográfica e geológica de jazidas com pegadas analisadas: A - Península Ibérica com localização da Bacia Lusitaniana; B – Principais sub-bacias do Jurássico final das zonas ocidental e central da Bacia Lusitaniana; C – Mapa geológico das zonas onde foram descobertas pegadas; D – Correlação estratigráfica das unidades do Jurássico final das sub-bacias da Consolação e do Turcifal.
  • 3. Descobrimos pegadas de dinossáurios em vários locais dos municípios de Alcobaça (Serra de Mangues), Caldas da Rainha (Serra do Bouro, Boavista do Bouro, Salir do Porto) e Torres Vedras, situadas nas sub-bacias da Consolação e do Turcifal. A Formação Praia da Amoreira - Porto Novo está sobreposta pela Formação Sobral e ambas afloram de Santa Cruz a Salir do Porto. A amostra deste trabalho data portanto do Kimmeridgiano (Jurássico final) (Fig 1). https://app.pan.pl/archive/published/app65/app007072019.html 3. Algumas considerações prévias Stegosauria Stegosauria é um clade de dinossáurios ornistiquianos (“pélvis de ave”) caracterizado por uma série de placas e espinhos prolongando-se do pescoço até ao fim da cauda em duas fiadas parassagitais (Fig. 2). Conhecidos desde o Jurássico médio até meados do Cretácico, os seus restos esqueléticos têm sido encontrados na Laurasia, onde Raven e Maidment (2017) reconheceram 11 géneros validos, quase todos monoespecíficos. Seriam herbívoros e provavelmente quadrúpedes, reconhecidos por Stegosaurus como um dos dinossáurios mais famosos. Eram formas de dimensões médias, alcançando até 9 m de comprimento. Stegosauria e o seu taxon irmão Ankylosauria, formam juntos o clade Eurypoda. Os anquilossáurios são conhecidos por formas raras para o Jurássico, mas a sua diversidade aumenta rapidamente durante o Cretácico, coincidindo com o declínio de espécies de stegossáurios. Os tireoforanos basais, portanto “não eurypodianos” são conhecidos para o Jurássico inferior, com distribuição global: . Scelidosaurus – Sinemuriano – Pliensbaquiano de Inglaterra . Emausaurus – Toarciano da Alemanha . Scutelosaurus – Estados Unidos . Laquyntasaura – Hetangiano da Venezuela . Lesothosaurus – Hetangiano – Sinemuriano da África do Sul e Lesotho . “Bienosaurus” e “Tatisaurus” – Hetangiano – Sinemuriano da China Os tireoforanos basais poderiam ser bípedes ou apresentarem uma combinação de locomoção bípede com quadrúpede (para a maioria dos investigadores stegossáurios e anquilossáurios seriam obrigatoriamente quadrúpedes (Madment e Barrett 2014) (Fig. 3). Nos depósitos terrestres do Jurássico final os restos esqueléticos de stegossáurios são globais – Formação Morrison dos Estados Unidos; Formação Lourinhã de Portugal; Formação Villar del Arzebispo de Espanha; Camadas Tendaguru da Tanzânia; Formações Baixa e Alta Shaximiao da China. Parece que seriam relativamente abundantes por todo o lado durante esses tempos. Pelo contrário, os anquilossáurios seriam extremamente raros nesses tempos do Jurássico final, representados por poucos taxa, como Mymooropelta e Gargoylosaurus da Formação Morrison e Dracopelta da Formação Lourinhã.
  • 4. Fig. 2. Os stegossáurios são dinossáurios ornistiquianos e tireoforanos. https://www.geol.umd.edu/~tholtz/G104/lectures/104dinorise.html
  • 5. Fig. 3. Cladograma simplificado de Thyreophora. Em Stegosauridae reconhecem-se dois grupos: dacentrurineos e stegossaurineos. O primeiro conhecido em Portugal por Dacentrurus e Miragaia e o segundo por Stegosaurus, todos do Jurássico final. Fig. 4. Cladograma de Thyreophora calibrado temporalmente. Os TIreoforos surgem no Jurássico inferior. Os stegossáurios são membros importantes dos ecossistemas do Jurássico superior e parece terem desaparecido em meados do Cretácico, altura em que os anquilossáurios estão bem representados, até ao final do Cretácico (Fig.4). Pegadas entaxónicas e mesaxónicas Uma pegada é entaxónica quando os dígitos interiores (como o polegar – I) estão mais desenvolvidos do que os exteriores. Uma pegada é considerada mesoxónica quando o eixo da pegada é formado por um dígito central medio (III) (Fig 5).
  • 6. Fig. 5 – Esquemas de pegada entaxónica (1) e mesaxónica (2). Grau de mesaxonia O grau de mesaxonia ou o grau com que o dígito III se projeta para além dos dígitos laterais II e IV . É calculado como a razão entre a altura do triângulo anterior (te de AT) e a sua base (Pw). Expressa um contraste entre elevada mesaxonia (forte tendência central) e fraca mesaxonia (fraca tendência central) (Fig. 6). Foi introduzido por Olsen (1980), Weems (1992); Lockley (2009) redefiniu este parâmetro para o tornar aplicável a todas as pegadas tridáctilas, de forma a distingui-las, independentemente da sua origem ou afinidade. Fig.6. Numa pegada tridáctila, depois de definido o triângulo anterior (AT), a mesaxonia calcula---se dividindo a altura (te) pela base (Pw). As pegadas recebem nomes científicos As pegadas recebem nomes atribuídos como a qualquer espécie animal ou de outro reino – em latim, como nome de género e de espécie. Os nomes científicos começaram a ser aplicados a pegadas no século XIX, antes mesmo de se saber que os dinossáurios tinham existido (Edward Hitchcock -1858. E serviam para descrever e distinguir os vários tipos de pegadas que se iam
  • 7. descobrindo e não os animais que as poderiam ter deixado. Por isso temos icnogéneros e icnoespécies para as pegadas. E a tradição tem sido seguida… Significado de cf. Quando os paleontologistas têm dificuldade em atribuir um determinado exemplar a um género, uma das soluções adotadas, se as características desse exemplar são semelhantes às de outro(s) incluído(s) já num determinado género, é a de colocar "cf." antes do nome desse género. "Cf.", do latim confere, significa "comparar com". Assim, quando antepomos a palavra "confere" a um género, estamos a querer dizer que o nosso exemplar deve poder ser incluído nesse mesmo género, embora não o possamos afirmar com uma certeza absoluta. 4. Revisão histórica dos icnotaxa stegossariformes Stegopodus e Deltapodus e comparação com as duas pegadas em estudo Todos conhecemos o Stegosaurus ! Juntamente com o Tyrannosasurus rex e o Brachiosaurus, é um dos mais icónicos dinossáurios de todo o mundo! São vários os restos esqueléticos encontrados em muitas jazidas, sobretudo do Jurássico final da América do Norte, como na Formação Morrison, famosa pela abundância de dinossáurios herbívoros. E Stegosaurus é mesmo o fóssil oficial do estado do Colorado! Mas .... quanto a pegadas de stegossáurios...... Em 1991, Lockley afirmava que “apesar da abundância de esqueletos de ornistiquianos quadrúpedes atribuíveis a stegossáurios, anquilossáurios, ceratopsianos e outros, pistas destes grupos são muito mal conhecidas. Pegadas atribuíveis com segurança a stegossáurios são totalmente desconhecidas “ (pag 57). Em 1990, num também excelente livro sobre pegadas de dinossáurios, Thulborn confirmou a não existência de pegadas / pistas atribuíveis a stegossáurios e, com base no que se conhecia dos seus esqueletos, apresentou uma previsão de como seriam as pegadas e pistas, apoiando- se na presunção de estarmos perante dinossáurios quadrúpedes. Na sua previsão, Thulborn sugeriu que as pegadas dos pés fossem semi-plantígradas, com calcanhar alongado posteriormente, e com três dígitos também alongados; e as das mãos digitígradas, com quatro dígitos funcionais. Por outro lado, na sua conjetura, as pegadas das mãos teriam quase as dimensões das pegadas dos pés, como "acontece geralmente nos animais habitualmente quadrúpedes" (Thulborn 1990, pag 281), portanto com baixa heteropodia (Fig. 7).
  • 8. Fig 7. Previsão de pista produzida por um tireoforano stegossauriano, apresentada por Thulborn (1990), baseada na osteologia do grupo e de acordo com Thulborn (1984). O par mão - pé teria um comprimento total rondando os 50 cm. http://projectos.cienciaviva.pt/pw011/noticias/noticas_2006/noticias_2006.html Em 1996, Bakker referiu que várias pegadas do Jurássico final da Formação Morrison do Utah, apresentariam afinidade stegossauriana: o seu pé compacto produziria pegadas tridáctilas com dígitos muito curtos, “com pouco desenvolvimento de um calcanhar semelhante a uma almofada”. Ao contrário da previsão de Thulborn (1990), o exemplar ilustrado por Bakker representa uma pegada digitígrada, com impressões de dígitos terminando por cascos (Fig. 8). Fig. 8. Pegada (em baixo) e esqueleto de pé de Stegosaurus (em cima), ambos do Jurássico final. Bakker não referiu a pegada a nenhum icnotaxon. Mas havia alguns problemas….: . porque é que as pegadas semelhantes às que Bakker sugeriu terem origem em stegossáurios continuavam tão raras, quando o registo esquelético dos stegossáurios é bastante abundante, especialmente para o Jurássico superior?
  • 9. Os investigadores iam sugerindo razões: . estes herbívoros não frequentariam as áreas húmidas onde a maioria das pegadas são deixadas e preservadas; preferiam zonas montanhosas e secas; . os paleontologistas confundiam pegadas de pés de ornitópodes com pegadas de pés de stegossáurios; simplesmente as pegadas de stegossáurios não eram procuradas nos locais certos; . talvez os investigadores não encarecem a hipótese dos stegossáurios serem bípedes ou bípedes facultativos, procurando sempre pistas de quadrúpedes.. Em 1998 foi publicada a descrição de Stegopodus czerkasi – a “pegada do Stegosaurus”. Mas os problemas persistiam…. O material incluía uma pegada de mão tetradáctila bem preservada, encontrada na Formação Morrison, famosa pelos exemplares de stegossáurios. Lockley e Hunt (1998) descreveram o exemplar como representando uma impressão de mão entaxónica, mais larga (26 cm) que longa (21,5 cm), preservada como um molde natural profundo (12 cm). As impressões dos dígitos são alongadas e a partir do calcanhar prolongam- se quase pela mesma distância, formando uma disposição numa espécie de leque (o ângulo entre calcanhar e extremidades distais dos dígitos I e IV ronda os 90º). Os dígitos I, II e III são equidimensionais (cerca de 5 cm de largura para 6 cm de comprimento (apesar da extremidade distal do dígito estar partida). O dígito IV é mais reduzido que os digito I - III e prolonga-se apenas parcialmente na direção da superfície plantar. Observaram também uma calosidade convexa posterolateral por detrás do digito IV na posição em que estaria um previsível digito V (que seria diminuto). A impressão do calcanhar é quase simétrica, com uma forma triangular arredondada. Perto desta pegada, mas a alguma distância, Lockley e Hunt encontraram uma pegada tridáctila, de 44 cm de comprimento por 38 cm de largura, que reapresenta a pegada de um provável pé. "A pegada de pé (?), é tridáctila, com impressões de dígitos largos. toscos e maior do que a pegada da mão" (Lockley e Hunt 1998 pag 334) (Fig. 9). "A interrelação do molde natural do pé com o da mão é incerta e o primeiro não está bem preservado" (Lockley e Hunt 1998, pag 334).
  • 10. Fig 9. À esquerda - pé (cima) e mão (baixo) de Stegosaurus. À direita -pegadas Stegopodus - pé (em cima) e mão (em baixo) Tendo em conta a posição estratigráfica, morfologia das pegadas e as suas dimensões, Lockley e Hunt (1998) assumiram que Stegopodus representa provavelmente um stegossáurio. Gierlinski e Sabath (2008) deram seguimento à sua proposta de 2002 - analisar exemplares de pegadas semelhantes à pegada da Formação Morrison que Bakker (1996) tinha sugerido ter origem stegossauriana, especialmente aqueles exemplares que mostrassem um padrão de pé tipo iguanodontídeo, mas exagerado - pés com três dígitos reduzidos e largos, terminando por cascos (Fig 10). Depois de encontrarem alguns destes exemplares, voltaram a analisar o pé Stegopodus, fizeram a sua revisão e diagnosticaram as caraterísticas que, segundo eles, teriam as pegadas de pés de stegossáurios. Fig. 10. Material tipo de Stegopodus czerkasi – o exemplar anterior -pegada de mão (A); e o holótipo atual -pegada de pé (B). Exemplares à esquerda e esquemas à direita. Incluíram ainda em Stegopodus várias pegadas da Formação Morrison de Cleveland Lloyd Dinosaur Quarry, no Utah (Fig 11) e as pegadas que formam 4 pistas quase paralelas das arribas de Terenes, nas Astúrias, (Espanha), (pegadas que Pinuela et al (2002) consideram como de origem ornitópode) do Jurássico final (Fig. 12); e um exemplar de Moyenosauropus karaszevskii (Jurássico final da Polónia) que tinham descrito como uma provável pegada de stegossáurios (Fig. 13).
  • 11. Fig. 11. Cinco exemplares de pegadas de pés Stegopodus czerkasi da Formação Morrison da Cleveland Lloyd Dinosaur Quarry, no Utah (fotografias à esquerda e esquemas à direita).
  • 12. Fig. 12. Três das pegadas com melhor preservação da jazida de Terenes, Jurássico final das Astúrias. https://info.igme.es/ielig/documentacion/ca/ca015/documentos/d-ca015-05.pdf Fig. 13. Comparação de Moyenosauropus karaszevskii (Polónia) (A) com o novo holótipo de Stegopodus (B). StegosaurianfootprintsfromtheMorrisonFormationofUtah2008%20(1).pdf
  • 13. Assim, com base em todos estes exemplares, Gierlinski e Sabath (2008) forneceram uma revisão da diagnose do icnogénero Stegopodus, salientando a sua distribuição no Jurássico final da América do Norte e da Europa: . pegadas de pés médias a grandes, tridáctilas, com os dígitos largos, muito curtos e com grande divergência; . os dígitos do pé mal se projetam para alem do hypex; . pegada assimétrica, com a almofada proximal localizada posterolateralmente; . pegada de pé produzida por um semi-bipede digitígrado; . pegada de mão entaxónica e tetradáctila Apesar de Stegopodus ser, até essa data, monoespecifico, havia razões para distinguir, "pelo menos, duas icnoespécies de Stegopodus“. As pegadas de Terenes são menos assimétricas, mais em forma de coroa com os dígitos com comprimento mais semelhante do que as pegadas de Morrison e da Polónia. O pé de Stegosaurus encaixa-se muito bem em Stegopodus czerskii porque o seu dígito II é o maior, sempre mais largo que os dígitos III e IV, terminando por um enorme casco(Fig. 14). Os dedos do pé de Kentrosaurus, mais uniformes em largura e comprimento, podem corresponder melhor com a morfologia das pegadas de Terenes (Fig. 15). Gierlinki e Sabath (2008), como Klein et al (2022) sugeriram portanto que em Stegopodus se podem distinguir dois morfotyipos .-´- o muito assimétrico e o mais simétrico. Fig. 14. Esqueleto do pé de Stegosaurus (A) sobreposto com um exemplar de Stegopodus czerkasi (B). Fig 15. Esqueleto do pé de Kentrosaurus (A) comparado com Stegopodus sp. da jazida de Terenes (B).
  • 14. Como se vê, estes investigadores colocaram o foco na pegada de pé e, ao contrário de Lockley e Hunt (1998), que tinham dúvidas sobre se a pegada do pé teria sido produzida pelo mesmo animal que deixou a pegada da mão: "argumentamos para um novo conceito de Stegopodus que reconhece a importância das pegadas dos pés" (pag 38). Posteriormente, foram relatados exemplares cf. Stegopodus para a Formação Morrison (Gierlinski et al 2010) – uma pegada isolada (Fig 16); Marrocos (Gierlinski et al. 2009; Klein et al. 2022) – os mais antigos conhecidos (Batoniano) e que incluem pistas bípedes (Fig. 17). E para a China, igualmente do Jurássico médio (Xing et al 2017) (Fig. 18). Fig.16. Cf. Stegopodus Da Formação Morrison Utah (comprimento – 22 cm) Fig. 17. Pegadas que integram uma pista cf. Stegopodus isp, de Imilchil, Marrocos (morfotipo mais simétrico). https://www.academia.edu/3085147/A_preliminary_report_on_dinosaur_track_assemblages _from_the_Middle_Jurassic_of_the_Imilchil_area_Morocco
  • 15. Fig 18. Duas das três pegadas atribuídas a cf. Stegopodus encontradas na jazida de Lijiacun, que Xing et al. (2017) sugeriram representar o primeiro exemplo de comportamento gregário para os seus produtores. A pegada em estudo- código PBIV2- está preservada como um hiporrelevo convexo (=contra- molde); foi descoberta durante uma saída de campo em 2021 por nós e outros colegas do GP. Está depositada na sala de Paleontologia da nossa Escola (Fig. 19). Inicialmente, foi interpretada como uma pegada de ornitópode, já que os 3 dígitos terminam por um casco arredondado e porque a largura (19,8 cm) é superior ao comprimento (17,8 cm). Logo, L / W = 0,89. A mesaxonia é muito fraca – 0,18; a pegada é muito assimétrica; apresenta uma grande almofada proximal localizada posterolateralmente; os dígitos são largos, curtos, terminando por cascos, com grande divergência (ângulo II – III =29º e ângulo III – IV =25º); os dígitos II e IV mal se projetam para além do hypex. O autor seria digitígrado. E estas são caraterísticas diagnósticas do icnogénero Stegopodus. Para o pé Stegopodus a largura é superior ao comprimento entre 13 a 25% - nesta pegada é de 11%; O valor da mesaxonia- 0,18 - está dentro dos valores do material tipo de Stegopodus (0,20), das pegadas de Terrenes (0,16), da pegada cf. Stegopodus sp. de Marrocos (0,29) e das pegadas cf. Stegopodus da China (0,23 e 0,34); Para Stegopodus o ângulo II-III varia entre 25º e 34º e o ângulo III – IV varia entre 14º e 27º: E a pegada de pé Stegopodus mais pequena tem 15 cm de comprimento.
  • 16. Fig 19. Exemplar do Jurássico final da jazida do Bouro IV – PBIV2. Assim, sugerimos que se trata de uma pegada de pé digitígrado, tridáctilo, que se encaixa perfeitamente na diagnose de Stegopodus (Gierlinski e Sabath 2008). É o primeiro exemplar cf. Stegopodus encontrado em Portugal, sendo o segundo exemplo do morfotipo “extremamente assimétrico” conhecido para toda a Europa (Fig. 20; Fig. 21; Fig. 22). Fig. 20. Esquema de cf. Stegopodus do Jurássico final da jazida do Bouro IV – PBIV2.
  • 17. Fig. 21. b - Holótipo de Stegopodus czerkasi c – Hipodigma de Stegopodus czerkasi d- Stegopodus isp. da Polónia (exemplos de “Stegopodus muito assimétrico”) Fig. 22. g – cf. Stegopodus da Formação Morrison h - Pegada da pista OT3 de Terenes, Astúrias (exemplos de “Stegopodus mais simétricos”) Quanto à pegada descoberta na mesma superfície da jazida do Bouro IV, pegada que recebeu o código de PBIV1. Quando chegamos a 1994 surgem os primeiros trabalhos sobre a pedreira do Galinha e as suas famosas pistas de saurópodes. Whyte e Romano descreveram várias pegadas e uma pista do Jurássico médio de Whytby - Yorkshire (Inglaterra) –, atribuindo-as a saurópodes, embora com reticências. As pegadas das mãos têm forma de crescente, entaxónicas, com cerca do dobro da largura em relação ao comprimento e com uma eventual impressão de garra do polegar dirigida para dentro. As pegadas dos pés com margem triangular, com calcanhar alongado, são tridáctilas, mesaxónicas e com largura máxima na base das impressões dos dígitos, que são muito curtos (o central – III – o mais longo). Pegadas com o dobro do comprimento em relação à largura. Formam pistas largas (wide-guage) (Fig 23). Esta amostra foi incluída em Deltapodus brodricki (Fig. 24). http://www.arca.museus.ul.pt/ArcaSite/obj/gaia/MNHNL-0000256-MG-DOC-web.PDF
  • 18. A favor de saurópode .locomoção quadrúpede . pegadas de pés bastante maiores que as pegadas das mãos . pegadas de mãos em forma de crescente, mais largas que longas . pegadas das mãos sem indicação de impressões dos dígitos ao longpo da margem anterior Contra saurópode: . pegadas de pés quase triangulares ( geralmente mais arredondadas ou ovoides nos saurópodes) . pés mesaxónicos, ao contrário da grande maioria dos pés dos saurópodes . 3 impressões de garras ou unhas nas pegadas dos pés – quando ocorrem impressões de dígitos nas pegadas de saurópodes, elas são 4 ou 5 . o tipo de ambiente frequentado pelos saurópodes está em oposição aos ambientes preferidos pelos autores de Deltapodus (fluvio-deltaico) Fig.23. Esquema da pista Deltapodus brodricki, com indicação das principais medidas tomadas.
  • 19. Fig. 24. Esquemas de Deltapodus brodricki: A - par esquerdo mão – pé (holótipo) B – C – pegadas de pés E em 2001, Whyte e Romano, depois de terem reanalisado as amostras Deltapodus e com novas amostras, sugeriram que as pegadas Deltapodus tivessem sido produzidas por stegossáurios, com base em argumentos de natureza anatómica, icnológica e estratigráfica (Fig. 25). Exemplo - a dimensão relativa das pegadas de mãos e pés sugere que pelo menos 75% do peso do animal seria suportado pelos membros posteriores e "entre os dinossáurios quadrúpedes apenas os stegossáurios e alguns determinados saurópodes são reconstruídos como tendo uma tão elevada proporção do peso assentando sobre os pés" (pag 52). Também a provável distância glenoacetabular do autor de Deltapodus sugere que estamos perante um animal do grupo dos stegossáurios ou perto de uma das suas formas basais. Assim, passámos a ter pegadas de stegossáurios progredindo de forma quadrúpede e deixando pegadas de pés plantígrados e mãos digitígradas. Fig. 25. Vários morfotipos de Deltapodus de Yorkshire.
  • 20. As descobertas de pegadas Deltapodus sucederam-se…. Em 2008, Mateus e Milan relataram que em 2003 tinham descoberto uma grande pegada tridáctila na praia de Vale de Frades, a 6 km da Lourinhã (Jurássico final). Ao lado dessa grande pegada estava uma pegada mais pequena, com 36 cm de comprimento, de um pé de stegossáurio. Esta pegada foi referida a Deltapodus brodricki, a primeira encontrada em Portugal (Fig. 26). https://docentes.fct.unl.pt/sites/default/files/omateus/files/mateus_and_milan_2008_ichnological_evidence_for_g iant_ornithopod_big_ornithopod_track_from_u_j_lourinha_fm_portugal.pdf Fig. 26. Pegada de pé Deltapodus de Vale de Frades, ao lado da grande pegada tridáctila. Em 2008, Lockley e colegas, numa revisão da vasta amostra de pegadas de dinossáurios e outros vertebrados já reconhecida para o Jurássico final das Astúrias. referiram que pelo menos 40 pegadas tridáctilas, alongadas, com dedos largos e curtos em forma de casco, podem ser incluídas numa categoria distinta, a que chamaram de "stegossauriana" (pag 58) (Fig. 27; Fig. 28). Lockley_etal_2008_AsturiasMorrison_tracks.pdf
  • 21. Fig. 27. Pegadas Deltapodus de possível origem stegossauriana encontradas nas jazidas do Jurássico final das Astúrias. Todas são moldes naturais e representam pés (as pegadas A e B estão incompletas). Fig. 28. Pista encontrada em Terenes (A) e pormenor de par mão -pé de Deltapodus (originalmente atribuído a um saurópode). As impressões dos dígitos apresentam uma caraterística muito consistente - são assimétricas em relação ao eixo central (digito III). Assim, embora os dígitos apresentem um comprimento quase igual, um deles, provavelmente o digito medial II, é significativamente mais largo que o outro (digito lateral IV). “Estas pegadas têm muitas caraterísticas do icnogénero Deltapodus (White e Romano 2001) que foram atribuídas a stegossaurianos" (pag 60). Mateus e Mian (2009) e Mateus et al. (2011) descreveram 11 exemplares – 9 pés e 2 mãos associadas- Deltapodus para o Jurássico final da Lourinhã. O pé Deltapodus de Vale de Frades apresenta impressões de escamas (Fig. 29; Fig. 30). https://docentes.fct.unl.pt/sites/default/files/omateus/files/mateus__milan_2010_- _diverse_l_j_ichnofauna_from_lourinha_fm_portugal.pdf~ https://bioone.org/journals/acta-palaeontologica-polonica/volume-56/issue- 3/app.2009.0055/New-Finds-of-Stegosaur-Tracks-from-the-Upper-Jurassic- Lourinh%C3%A3/10.4202/app.2009.0055.full
  • 22. Fig. 29. Pegadas de pés Deltapodus do Jurássico final da Lourinhã Fig. 30. Pegada de pé Deltapodus de Porto de Barcas com impressões de escamas. Em 2009, Milan e Chiappe descreveram a primeira pegada de stegossáurio Deltapodus brodricki, encontrada no Jurássico final da Formação Morrison, Utah em 1 de maio de 2008 (Estados Unidos). A pegada esta preservada como um molde natural e inclui "uma pegada bem preservada de pé e os restos erodidos de uma pegada de mão" (pag 343) (Fig. 31).
  • 23. Fig. 31. Fotografia e esquema do par mão – pé Deltapodus da Formação Morrison Com o sugestivo título "Um paraíso ibérico para os stegossáurios - a formação Villar del Aezobispo", Cobos et al. (2010) descreveram restos esqueléticos e pegadas de stegossáurios encontrados nesta Formação de Teruel (Espanha) e datados do Jurássico final – Cretácico inicial (Titoniano - Berriasiano). Na jazida de El Castellar encontra-se uma pista excecional que Cobos et al (2010) atribuíram a Deltapodus, mas assinalando que existem diferenças relativamente a D. brodricki, pelo que propuseram uma nova icnoespécie para este material, D. ibericus, para além de terem proposto algumas alterações na diagnose do Deltapodus (Fig. 32).
  • 24. Fig. 32. C – Pista Deltapodus ibericus da jazida de El Castelar D – E – par mão – pé holótipo de Deltapodus ibericus Resumindo - a nova icnespecie Deltapodus ibericus é baseada em caraterísticas das apegadas das mãos ( forma de rim, margem regular, cerca de 3 x mais largas que longas) e das pegadas dos pés ( 3 vezes mais longas que largas e com pelo menos o dobro do comprimento das pegadas das mãos; e caraterísticas da pista (pegadas das mãos imediatamente em frente das pegadas dos pés ou colocadas anterolateromedialmente; um ângulo de passo posterior de 137 - 156º e um angulo de passo anterior de 75 - 90º; e um angulo de divergência entre pegadas de pês consecutivos de 60 e 80º. A área das pegadas dos pés é cerca de 2,5 vezes a área das pegadas das mãos (índice de heteropodia de cerca de 1 para 2,5). Belvedere e Mietto (2010) identificaram e descreveram duas pegadas de pês Deltapodus para o Jurássico final da Formação Iouaridene, Marrocos, passando a constituir a primeira evidência deste icnogénero em África (Fig. 33).
  • 25. Fig. 33. Esquemas das duas pegadas Deltapodus ichnosp. Indet do Jurássico final de Marrocos (escala : 10 cm). https://www.academia.edu/369284/First_Evidence_of_Stegosaurian_Deltapodus_Footprints_ In_North_Africa_Iouarid%C3%A8ne_Formation_Upper_Jurassic_Morocco_ Pascual et al (2013) descreveram as primeiras pegadas de stegossáurios do Cretácico da Europa. As pegadas foram encontradas na jazida de Valloria IV, Soria, Espanha (Bacia de Cameros, Grupo Oncala) (Fig. 34). A pegada do pé, com os seus 11,2 cm de comprimento, era na altura o mais pequeno exemplar de todo o mundo, com exceção de uma pegada de pé com 8 cm de comprimento da Formação Scalby, Yorkhire, que tanto quanto sabemos nunca foi documentada através de fotografia ou esquema. Fig 34. Esquema e fotografia do exemplar de Valloria IV (escala: 2 cm). A jazida do Jurássico final da serra de Mangues (Alcobaça) foi descoberta em 2003 por colegas do GP. Em 2013 identificámos várias pegadas de pés cf. Deltapodus. Para uma amostra de 6 exemplares o comprimento médio é de 34 cm (Fig. 35).
  • 26. Esta jazida revelou pela primeira vez em Portugal a presença de uma comunidade muito diversificada de dinossáurios, incluindo terópodes, ornitópodes, saurópodes e stegossáurios. Fig. 35. Fotografias e esquemas de pegadas de pés cf. Deltapodus descobertas por colegas do GP em 2013 na jazida do Jurássico superior da Serra dxe Mangues.
  • 27. E foi em 2013 que Xing e colegas publicaram a primeira descrição de pegadas de stegossáurios encontrada na China e logo para o Cretácico inferior (como vimos, para o Cretácico inferior até essa altura só havia relato de pegadas Deltapodus para Espanha) (Cobos et al., 2010)). Estas pegadas foram descobertas na jazida de Huangyanquan, região autónoma de Xinjinagb Uyghur, China, e datam do Cretácico inferior (?Berriasiano - Barremiano). O material encontrado faz parte de duas pistas e inclui pegadas de mãos e de pés. As pegadas estão preservadas como moldes naturais. Xing et al (2013) incluíram esta amostra na nova icnoespécie Deltapodus curriei (Fig. 36; Fig. 37). As impressões bem definidas dos dígitos I e II da mão distinguem D. curriei de D. brodricki (este tem mãos com forma de crescente mas sem vestígios claros de dígitos). Estas impressões nítidas dos dígitos I e II da mão também distinguem a amostra da de D. ibericus. As pegadas da Lourinhã (Mateus et al 2011) tem morfologia semelhante às de Huangyangquan, incluindo pegadas de mãos em forma de crescente, mas "apesar de profundamente impressas, não se observam impressões de dígitos livres" (Xing et al 2013, pag7). Por outro lado, as impressões dos 3 dígitos das pegadas dos pés tem comprimento quase igual e sobretudo, "apresentam um grau maior de entaxonia do que outras espécies de Deltapodus" (Xing et al. 2013, pag 3) (Fig. 38).
  • 28. Fig. 36. Esquema de uma das pistas Deltapodus curriei da jazida de Huangyangquan
  • 29. Fig. 37. Fotografias e esquemas de pegadas Deltapodus curriei (escala - 10 cm). Fig. 38. Esqueleto da mão de Stegosaurus sulcatus (vista proximal) sobreposto sobre esquemas de pegadas de mãos Deltapodus curriei da jazida de Huanguyangquan. https://www.academia.edu/2763766/First_record_of_Deltapodus_tracks_from_the_Early_Cre taceous_of_China Em finais de 2014, Pinuela e colegas descreveram 3 novas pistas de stegossáurios encontradas nas arribas de El Toral, Villaviciosa, Astúrias, conservadas num estrato arenítico, pertencente à Formação Lastres, do Kimmeridgiano.
  • 30. Estas pistas são ainda mais espetaculares e as suas pegadas estão conservadas como moldes naturais, mas muito pouco profundos. Num total, foram mapeadas 57 pegadas (28 mãos e 29 pés), incluídas nessas 3 pistas, todas com orientação para NW. Embora Pinuela e colegas não tenham referido, podemos inferir que esta jazida revela o primeiro exemplo de comportamento gregário entre stegossáurios. Pinuela et al (2014) incluíram a amostra em Deltapodus (Fig. 39; Fig. 40). Fig. 39. Superfície de arenitos onde se observam estas espetaculares pistas de stegossáurios em El Toral (Villaviciosa). Fig. 40. Esquema das pistas de stegossáurios de El Toral. .Pascual e Hernandez-Medrano (2015) descreveram novas pegadas de stegossáurios encontradas na Formação Magana, Bacia de Cameros, datadas do Titoniano - Barriasiano. A nova jazida de San Felices forneceu uma pista com pegadas de mãos e de pés que foi classificada como Deltapodus isp (Fig. 41). https://sge.usal.es/archivos/REV/28(2)/art2_2802.pd
  • 31. Fig.41. Esquema da pista Deltapodus isp. da jazida de San Felices, Soria (Espanha). Xing et al (2015) relataram a descoberta de pegadas Deltapodus, incluindo pares mão – pé, na província de Haanxi, Zizhou, Formação Yanan, na jazida de Wang, do Jurássico médio (Fig. 42).
  • 32. Fig. 42. Fotografia e esquemas de pegadas Deltapodus da jazida de Wang http://www.xinglida.net/pdf/Xing%20et%20al%202015%20Dinosaur%20tracks%20myths%20a nd%20buildings.pdf Numa revisão geral sobre o registo icnológico encontrado na jazida de Clayton Lake, do Albiano final do New Mexico, Estados Unidos, Lucas e Dalmon (2016) identificaram uma pista com 4 passos, quadrúpede, que "é nitidamente ornistiquiana, mas não ornitópode"(pag 133) (Fig 43).
  • 33. Fig. 43. Esquema de “pista ornistiquiana quadrúpede na superfície principal da jazida de Clayton Lake, possivelmente Deltapodus” (Lucas e Dalman 2016 pag 135). "Se a pista é Deltapodus então indica a presença de um stegossáurio no Albiano final, uma considerável extensão do registo estratigráfico do grupo na América do Norte" (Lucas e Dalman 2016, pag 133). https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/02724634.2016.1269539?needAccess=true Lockley et al. (2018) descreveram pegadas de dinossáurios descobertas na 71ª icnojazida da Formação Morrison, que inclui o primeiro relato de uma pista Deltapodus encontrada na América do norte (se a pista de Clayton Lake não for incluída) (Fig. 44). https://www.moabhappenings.com/Archives/Paleo062020.htm
  • 34. Fig. 44. Pista Deltapodus descoberta entre o aeroporto de Moab e o Green River. Esta descoberta sublinha que globalmente as pistas Deltapodus ultrapassam em muito os relatos de Stegopodus, quase sempre a partir de exemplares isolados. "As possíveis razões icnotaxonómicas, preservacionais e/ou paleobiológicas permanecem desconhecidas ou, no melhor dos casos, especulativas" (Lockley et al. 2018 pag 413). dePolo et al. (2020) relataram a descoberta de uma grande variedade de pegadas, ao descreverem duas novas jazidas de Rubha nam Brathairean, Jurássico médio da ilha de Skye, Escócia. Entre essas pegadas está "um novo morfotipo de Skye: Deltapodus, que tem um provável produtor stegossauriano" (Fig. 45). https://journals.plos.org/plosone/article/file?id=10.1371/journal.pone.0229640&type=printab le
  • 35. Fig. 45. Fotografia e esquema do par mão -pé da pista atribuída a Deltapodus de Skye. Estas características levaram os autores a inclui a amostra em cf. Deltapodus. Mas também salientaram que existem diferenças entre esta amostra e a maioria das pegadas Deltapodus brodricki de Yorkshire. Por exemplo as pegadas de pés de Skye são "demasiado " pequenas, embora raras pegadas do Yorkshire e até uma pegada de Marrocos (comprimento de 16,6 cm) possam ter dimensões comparáveis. Esta pista é bastante mais larga do que as pistas Deltapodus conhecidas (Fig. 46). Fig. 46. Comparação da largura interna de pistas Deltapodus: a - pista de Skye b – pista holótipo Deltapodus brodricki .
  • 36. Guillaume et al (2017) salientaram que para além do exemplar de Porto das Barcas já referido, outras 3 pegadas de pés Deltapodus apresentam pequenas elevações que consideraram como impressões de escamas da pele. O exemplar do Porto das Barcas apresenta as melhores e mais nítidas impressões de escamas da pele (Fig. 47). Para estes investigadores podem-se distinguir 4 tipo os de padrões de textura: circulares com 2 a 3 mm de largura (a verde) ovoides com 5 a 7 mm de largura (a laranja) circulares com 3 a 4 mm de largura (a azul) hexagonais ou retangulares com 5 a 7 mm de largura (a amarelo) Segundo Guillaume et al. (2017) "a presença, no exemplares de Porto das Barcas de uma elevação interpretada como uma prega da pele posterior a uma dos dígitos e as impressões dos dígitos muito curtos sugere que os stegossáurios poderiam ter uma estrutura digitígrada do pé mas uma utilização do pé plantiportal. Isto significa que o animal caminha sobre os dígitos, mas que o calcanhar assentava sobre tecidos gordos, tal como acontece nos elefantes. Fig. 47. Exemplar de pé Deltapodus de Porto de Barcas, com impressões de pele (vista plantar) (b – estrutura tubular; f - prega da pele (escala :10 cm) https://docentes.fct.unl.pt/omateus/files/guillaumeetal.pdf Xing et al (2021) num resumo alargado sobre as pegadas descobertas na jazida do reservatório de Huangyabquyan (Cretácico inferior da área de Wuerhe) salientaram a existência de mais de 1500 pegadas incluindo pegadas de aves, terópodes, pterossáurios e tartarugas, para além de stegossáurios - estas últimas muito menos abundantes (Fig 48)-
  • 37. Na última expedição de exploração foram descobertas na jazida B, mais 17 pegadas de pés, isoladas e uma pegada de mão e entre elas está a pegada de um stegossáurio juvenil (Fig. 49). Fig. 48. Esquema de algumas das pegadas Deltapodus encontradas na jazida de Huangyabquyan https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8166242/pdf/peerj-09-11476.pdf Fig. 49. Esquemas de pegadas de mãos e de pés Deltapodus curriei, com 2 prováveis exemplares de juvenis - B19m e B20p. Na última exploração foram também descobertas pegadas de pequenas mãos e de um pequeno pé. O pé é um molde natural bem preservado com 5,7 cm de comprimento, tridáctilo com dígitos em forma de casco, simétricos (Fig. 50).
  • 38. Fig. 50. Pegada de pequeno pé Deltapodus curriei, com cerca de 5,7 cm de comprimento. A maior diferença é a razão mais pequena comprimento / largura - cerca de 1,1 (muitas vezes 1,6 em pegadas maiores Deltapodus currrie), refletindo um calcanhar mais curto. O seu autor seria digitígrado ou semi-digitígrado. Isto pode representar uma diferença ontogenética na postura do pé entre um juvenil e um adulto. Assim a postura variaria entre digitígrada ou semi-digitígrada para plantígrada, entre os estádios juvenil e adulto. Por outro lado a forma do calcanhar de Deltapodus pode também variar bastante em pegadas de maiores dimensões, um fenómeno relacionado com diferentes posturas do pé e com as condições do substrato https://pubs.geoscienceworld.org/sepm/palaios/article- abstract/36/2/68/595155/STEGOSAUR-TRACK-ASSEMBLAGE-FROM-XINJIANG- CHINA?redirectedFrom=fulltex Guillaume et al (2022) descreveram 27 novos exemplares de pegadas de stegossáurios do Jurássico final da Lourinhã (desde o Kimmeridgiano final até à base do Titoniano). Todas as pegadas (incluindo as 11 descobertas anteriormente) estão preservadas como moldes naturais - hiporrelevos convexos - impressas em lamas e lodos preenchidos depois por silt e areias, resultando em siltstone com interface lodo - areia detalhado que permitiu a preservação de impressões de escamas da pele em pelo menos 4 exemplares. Ao todo foram identificadas 8 pegadas de mãos Deltapodus isp (Fig. 51; Fig. 52; Fig. 53). Nenhum dos exemplares foi encontrado associado em pista.
  • 39. Fig. 51. Esquema de pegadas de pé Deltapodus da região da Lourinhã. Fig. 52. Esquema de pés Deltapodus isp. da zona da Lourinhã (escala: 20 cm).
  • 40. Fig 53. Esquema de mãos Deltapodus isp. da zona da Lourinhã (escala: 20 cm). Para as pegadas de pés Deltapodus Guillaume et al (2022) propuseram uma classificação de acordo com as margens medial e lateral e com a resultante morfologia: - a margem circular mostra margens redondas - a margem exterior rectangular exibe os lados direitos e paralelos ou subparalelos (ambas as linhas de margem parecem convergir num ponto afastado do calcanhar) - a margem subrectangular é definida como as linhas da margem que parecem convergir num ponto perto do calcanhar Estes investigadores e para estas pegadas de mãos Deltapodus sugeriram ainda que se podem distinguir três tipos de margens gerais externas (em vista plantar): - semelhante a uma ferradura, com um profundo arco para dentro na direção do lado posterior . arqueada, sendo mais larga que longa com uma ligeira curvatura para dentro, na direção do lado posterior, dando uma forma de rim a crescente - não arqueada, com as mesmas caraterísticas que a arqueada, mas sem curva posterior Guillaume et al (2022) modificaram a diagnose de Deltapodus apresentada por Whyte e Romano (1994) : mão - pegadas entaxónicas, com forma de crescente e anteriormente convexas; desenvolvimento ocasional de uma impressão do dígito I (pollex) dirigida para dentro ou medialmente; pé - pegadas geralmente ovais, sub triangulares; lado interno ligeiramente côncavo; pegadas mesaxónicas; com três impressões de dígitos muito curtos e arredondados pista - com largura interna média (medio - guage), variando entre 10 e 30 cm Na Formação Morrison, segundo Guillaume et al (2022) "Stegopodus parece ser muito mais comum do que Deltapodus" (pag 55). Para a Formação Morrison são conhecidos abundantes restos esqueléticos de stegossauríneos-- Stegosaurus, Hesperosaurus. Segundo estes investigadores, para o Jurássico final da Europa ocidental Deltapodus é relativamente abundante enquanto que Stegopodus é raro, em oposição o que se observa na América do Norte.
  • 41. Assim, considerando a distribuição geográfica, abundância e diversidade dos esqueletos e pegadas de afinidade stegossauriana para o Jurássico final da Europa e América do norte Guillaume et al (2022) sugeriram que Stegopodus tivesse sido produzido por stegossauríneos e Deltapodus por dacentruríneos. A hipótese oposta é menos credível, mas Guillaume et al (2022) referiram que não existem dados que a possam confirmar. De facto, stegossauríneos e dacentruríneos não mostram diferenças osteológicas que possam ser utilizadas pata referir cada um dos icnogéneros a um determinado grupo de stegossáurios, porque o esqueleto dos autopodes é bastante homólogo entre os stegossáurios (Galton 1985; Maidment et al 2008) e porque restos de pés completos de dacentruríneos ainda não são conhecidos. Esta sugestão pode ser reforçada com a hipótese mais aceite sobre a sua origem geográfica - os dacentruríneos ter-se-ão originado na Europa e os stegossauríneos na América do norte, em meados do Jurássico médio. Durante Jurássico final alguns membros de cada um deste grupos pode ter transitado de "continente", já que é provável que uma ponte terrestre os tivesse unido (Mateus 2016). Assim, temos ocorrências ocasionais de stegossauríneos na Europa e de dacentrurineos na América do norte. Segundo Costa e Mateus (2019) e Guillaume et al (2022) pode-se colocar a hipótese de os stegossaurios dacentrurineos serem os autores de Deltapodus, já que estes se encaixam nas dimensões, morfologia distribuição, cronologia e abundância. Em Portugal, a mais pequena pegada atribuível a um pé de stegossáurio tem um comprimento de 21 cm – jazida da serra de Mangues.
  • 42. Fig. 54. Fotografia e esquema de pegada de pé Deltapodus da jazida de Mangues Para a amostra Deltapodus descrita de todo o mundo, as pegadas representam indivíduos de grandes dimensões. Comprimento médio: Deltapodus ibericus – 44 cm Deltapodus curriei - 40,1 cm Lourinhã - 38,8 cm (N = 24) jazida da serra de Mangues - 34 cm (N = 6).
  • 43. Fig. 55. Fotografia do exemplar descoberto em 2020 na superfície da jazida do Bouro IV – PBIV1 A pegada foi descoberta por colegas do GP em 2020. Está preservada como hiporrelevo convexo; tem comprimento (31 cm) superior à largura máxima na base das impressões dos dígitos (27 cm) (W / L = 1,14) – pegada mito alargada anteriormente. AS margens laterais têm forma de triângulo. É uma pegada tridáctila, com 3 dígitos alargados e muito curtos, em forma de grandes cascos, sendo o central o mais largo (10,.5 cm) e os laterais muito idênticos (8 e 7 cm de largura – muito simétrica), todos dirigidos para a frente. O dígito central (III) é ligeiramente mais longo (6 cm). O grau de mesaxonia é de 0,23. A pegada é bastante profunda (cerca de 16 cm). Apresenta uma concavidade lateral (Fig. 55; Fig. 56).
  • 44. Fig. 56. Esquema do exemplar recolhido em 2020 – PBIV1. Classificamos este material como cf.. Deltapodus ichnosp., porque as características para o seu reconhecimento são claras, mas insuficientes para inclui-lo em uma das icnoespécies. Até porque não possuímos qualquer pegada de mão. Estão presentes todas as caraterísticas do pé Deltapodus apresentadas na mais recente diagnose (Gillaume et al 2022). (Fig 57). Fig. 57. Holótipos de pegadas de stegossáurios: A - Deltapodus brodricki B - D. ibericus
  • 45. C – D. curriei (escala: 20 cm) Estimamos a altura da anca do stegossáurio em cerca de 1,60 m (aplicando a “fórmula de Cobos” h= 6 x W). Como é que Cobos e colegas sugeriam que o autor da pista teria cerca de 1,8 m de altura da anca? Sugeriram que a altura da anca para os stegossáurios seria calculada como h = 6 X w em que w é a largura da pegada do pé e esta sugestão foi realizada com base nas proporções dos membros anteriores de um esqueleto de Kentrosaurus. A altura do ombro rondaria os 1,00 m (aplicando h’ = 3,5 x W – Sorby Geology Group University of Sheffield). Pamtipotrtal Fig. 58. Nos elefantes o calcanhar (calcaneus) assenta sobre uma almofada de carne, indicando que todo o pé suporta a pressão do peso do corpo quando caminha e por isso os elefantes são animais plantiportais. Scaling_of_plantar_pressures_in_mammals.pdf
  • 46. Fig. 59. Pata de elefante do acervo do Laboratório da escola. Lallensack et al (2019) inferiram que grau de mesaxonia muito baixo e grande largura dos dígitos parece estarem relacionados com grande capacidade graviportal dos produtores destas pegadas. Se os autores de Stegopodus forem distintos dos de Deltapodus, estes últimos, com pegadas de pés plantígrados, estarão no extremo do espectro dos dinossáurios graviportais. Um animal é graviportal quando o corpo assenta sobre membros que funcionam como pilares para suportarem o seu peso – elefante. O registo icnológico de dinossáurios stegossáurios é ampliado – pela primeira vez é referido o icnogénero Stegopodus para Portugal, representado por uma pegada muito assimétrica, que constitui o segundo exemplo deste morfotipo para toda a Europa. Pela primeira vez a nível mundial é assinalada a co-ocorrência dos dois icnogénero Deltapodus e Stegopodus na mesma superfície e a distância muito curta. Deltapodus tem origem stegossauriana e não em anquilossáurios, especialmente pelo número de dígitos nas pegadas dos pés. Embora o pé dos anquilossáurios tenha variado de tetradáctilo a tridáctilo ao longo da história do clade, a tridactilia só é conhecida nos géneros do Cretácico Euplocephalus, Pinacosaurus e Liainingosaurus. A maioria dos , anquilossáurios como Sauropelta, tem 4 dígitos no pé. Para alem disso, os tireoforanos mais basais que são grupos exteriores de Eurypoda (Ankylosauridae + Stegosauridae), Scutellosaurus e Scelidosaurus, têm um pé tetradáctilo, sugerindo que esta morfologia seja primitiva para os anquilossáurios e que será de esperar encontrar nos primeiros e mais basais membros do grupo. Logo, um anquilossáurio produtor de pegadas de pé com 3 dígitos do Jurássico médio ou final será pouco provável. Análises biomecânicas das diferenças de postura entre anquilossáurios e stegossáurios também suportam a afinidade de Deltapodus com stegossáurios (dePollo et al 2020). Os stegossáurios, como os ceratopsídeos, manteriam os seus membros anteriores numa posição fletida com os cotovelos abduzidos a partir do plano parassagital. Esta postura teria pressionado o lado medial das mãos. Pelo contrário, o cotovelo dos anquilossáurios manter-se-ia plano em relação ao plano parassagital e portanto teriam o peso mais uniformemente distribuído sobre todos os dígitos das mãos. As pegadas Deltapodus das mãos de Yorkshire preservam muitas vezes uma projeção medial do pollex. O mesmo acontece com a mais nítida impressão de mão de Skye. A preservação do pollex nas pegadas das mãos de Deltapodus como uma impressão mais pronunciada do que as dos outros dígitos pode indicar que o animal que as deixou suportava mais peso na porção medial das mãos do que nos dedos laterais. Segundo Galton (2017), as pegadas Deltapodus "estão de acordo com o esqueleto do pé e preveem pegadas de um stegossáurio quadrúpede como Stegosaurus e não com as de outros potenciais dinossáurios contemporâneos". As pegadas de tireoforanos stegossáurios são identificadas por algumas características a partir do esqueleto dos pês e mãos, como pês tridáctilos com dígitos muito curtos, toscos. São diferentes das pegadas de outros ornistiquianos, como anquilossáurios e ceratopsianos, que tem um pé tetradáctilo, ou dos ornitópodes, com um pé tridáctilo mas com dígitos mais bem definidos e mais longos, proporcionalmente. Argumentos para justificarem que o produtor de Deltapodus tenha sido um stegossáurio:
  • 47. As pegadas dos pés são semi-plantígradas e os pés mostram impressões expandidas dos metatarsos, como acontece no clade Eurypoda. Os digitos II, III e IV apresentam comprimento quase igual (sendo o digito III ligeiramente mais longo). "Assim, cada digito tinha provavelmente duas falanges, uma caracteristica do clade Stegosauria (Carrano e Wilson 2001)" (pag233); a formula falangeal de Stegosaurus e de Kentrosaurus é de 0 - 2 - 2 - 2 - 0, enquanto que o pé dos anquilossáurios é pentadáctilo, tetradáctilo ou tridáctilo. Váriois stegossarios são encontrados em Portugal no Jurassico final através de muitíssimos elementos esqueléticos A grande abundância de restos esqueléticos de stegossáurios no Jurássico final da Península ibérica é consistente com o que conhecido para o resto do mundo. Foi no Jurássico final que a diversidade de taxa foi maior (Galton e Upchurch 2004) e é para este intervalo de tempo que a maioria das pegadas atribuídas a stegossáurios é conhecida. 5. https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/02724634.2016.1269539?needAccess=true Salisbury et al.(2016), numa revisão das pegadas de dinossáurios de Broome, instituíram o icnotaxon Garbinia roeurum para um ornistiquiano quadrúpede. As pegadas das mãos são relativamente grandes (comprimento entre 11,9 e 21,4 cm e largura entre 17,2 e 25,4 cm), tetradáctilas, paraxónicas, tipicamente mais largas que longas. Os dígitos são relativamente curtos e largos; com terminação alargada ou ligeiramente aguçada; ângulo total de divergência de I - IV varia entre 137º e 170º; a margem proximal tem forma variável; sem impressões de almofadas digitais nem de unguais; as impressões das mãos podem estar ausentes apenas ligeiramente impressas ou profundamente impressas (Fig. 58; Fig. 59). As pegadas dos pés podem ter dimensões médias a muito grandes (o comprimento total da pegada que inclui uma impressão de almofada metatarsal pode alcançar os 80 cm, para uma largura variando entre 32m,5 s 70 cm); tridáctilas e mesaxónicas (entre 0,14 a 0,21), tipicamente mais longas que largas quando a almofada metatarsal está impressa com uma relação comprimento / largura variando entre 1,1 e 1,7; os dígitos são proporcionalmente curtos (o comprimento máximo da impressão do digito é de 17 - 51% do comprimento total da pegada excluindo a impressão da almofada metatarsal) e largos (17 - 40%), e distalmente arredondados. A impressão do digito III prolonga-se distalmente para alem das impressões dos dígitos II e IV por 14 - 21% do comprimento total da pegada, excluindo a impressão da almofada metatarsal; o hypex das impressões dos dígitos III e IV geralmente mais largo do que o dos dígitos II e III e mais pronunciado na pista bípede; o angulo total de divergência II - IV varia entre 57 e 93º; quando presente, a almofada metatarsal é larga e com forma irregular.
  • 48. Fig. 58.Garbinia roeorum - impressão de mão (A, B, C); impressão de pé esquerdo (D, E, F) (MTP – impressão da falange metatarsal). Fig. 59. Pegadas Garbinia roeorum e pegadas referíveis a cf. Garbina: A – par direito mão -pé B. C, D, E, F, G, H -- pegadas de pés
  • 49. Pista, se quadrúpede, com uma passada de mãos de cerca de 3 a 5 vezes o comprimento máximo da pegada da mão; as pegadas das mãos com rotação para dentro da linha média da pista ou dirigidas cranialmente em relação à orientação da pista; em pistas quadrúpedes esta presente a impressão da falange metatarsal; o ângulo de passo médio para as pegadas dos pés é de 133º. Se a pista é bípede não está presente a impressão da almofada metatarsal; as pegadas dos pés apresentam rotação para dentro da linha média da pista; a pista é do tipo narrow.guage. Garbinia partilha algumas características com a pegada PBIV1 - ambas são pegadas de pés, mesaxónicas e tridáctilas, com impressões de 3 dígitos toscos e curtos, com uma longa impressão metatarsal. Mas os dois icnotaxa distinguem-se pela morfologia mais triangular do pé de cf Deltapodus, com uma ligeira concavidade na margem lateral. As pegadas dos pés cf. Deltapodus não apresentam impressões de almofadas distintas, enquanto que as de Garbinia apresentam uma nítida separação entre a impressão falangeal distal metatarsofalangeal e a impressão distal digital - metatarsofalangeal. A comparação de PBIV2 com Garbínia também tem que se restringir às pegadas dos pés. E elas podem-se distinguir devido à presença em Garbínia de uma impressão metatarsal bem definida e porque em cf. Stegopodus a divergência entre os dígitos II e II é maior do que entre os dígitos III e IV; situação inversa ocorre em PBIV2. 6 Diferenças entre Stegopodus e Deltapodus como efeito de preservação variável ? Tanto Deltapodus como Stegopodus são interpretadas como tendo origem tireoforana por todos os investigadores e como pegadas de stegossáurios pela maioria. Stegopodus czerkasi foi instituído por Lockley e Hunt (1998) (literalmente pegada de stegossáurio) a partir de uma pegada de mão ectaxónica, tetradáctila (com um eventual vestigio de um pequeno digito V) que estava localizada perto de uma pegada de pé, que pode ou não ter sido produzida pelo mesmo animal responsável pela pegada da mão. Gierlinski e Sabath (2008) emendarem depois a diagnose de Stegopodus para incluir uma descrição revista do pé, indicando que era transversal (mais largo que longo), tridáctilo, com dígitos grossos e com uma pequena impressão de calcanhar. Esta reconstrução era consistente com a previsão de Thulborn (1990). Assim Stegopodus passou a ser reconhecido através de pegada de mão tetra ou pentadáctila com impressões bem definidas dos dígitos e por um pé largo com calcanhar relativamente curto. Deltapodus, do Jurássico inferior de Inglaterra baseia-se num pé tridáctilo com 3 dígitos grossos, curtos e terminando por cascos, com calcanhar muito alongado e mão em forma de crescente, mas mal preservada, com contorno irregular. Assim, o tipo Stegopodus e o tipo Deltapodus são ostensivamente diferentes tanto na morfologia das mãos como na dos pés. Mas.... estas diferenças são em parte resultado de preservação sub-otima ?
  • 50. Li et al. (2012) mostraram que as pegadas Shenmuichnus - um ornistiquiano quadrúpede - provavelmente tireoforano, dos inícios do Jurássico da China, é muito parecido ao mesmo tempo com Stegopodus e com Moyenosauropus (Fig 60; Fig. 61). Li et al (2012) diagnosticaram Shenmuichnus como quadrúpede habitual com pé tridáctilo e marcas de unguais alargados e uma grande mão pentadáctila (heteropodia reduzida), sem vestígio de hallux no pé e marcas de garras nos pés e nas mãos alargadas (e não aguçadas). Fig. 60. Jazida de Shenmu: pistas ornistiquianas (A -H); pista de terópode (I); pista holótipo de Shenmichnus (C), com seta maior. Shenmuichnus mostra dígitos da mão bem preservados e um pé tridáctilo sem vestígio de calcanhar quando preservado com pegadas pouco profundas; mas parece mais Deltapodus, com calcanhar bem alongado e mãos muito indistintas quando surge preservado como pegadas profundas.
  • 51. Fig. 61. Comparação entre pista com rebordos elevados (A) e pista(B), com pegadas pouco profundas, mostra a diferença entre a preservação de pegadas semelhantes a Deltapodus e a pista holótipo de Shenmuichnus. Assim, várias pistas de Shenmu indicam que as características de Deltapodus podem representar preservação sub-otima e não podem não ser inteiramente atribuídas à morfologia original dos pés. Isto levanta a questão - as diferenças entre Stegopodus e Deltapodus refletem diferenças na morfologia do pé dos produtores, implicando uma maior diversidade entre os tireoforanos (ou mesmo entre os stegossáurios) ou uma preservação variável, que pode indicar uma menor diversidade do pé dos produtores das pegadas? Li et el (2012) concluíram que a interrelação entre morfologia e preservação levanta questões icnotaxonómicas fundamentais sobre as relações entre Deltapodus e Stegopodus. Mas há mais … Como vimos, embora Stegosaurus seja um dinossáurio relativamente comum para ao Jurássico final da Formação Morrison (mais de 70 jazidas com elementos esqueléticos), as suas pegadas continuavam a ser muito raras, e só se conheciam 3 ou 4 icnojazidas com pegadas Stegopodus no Utah e Colorado. Em 2008, Mossbrucker e colegas (entre eles, Lockley, Gierlinski e Bakker) acrescentaram um exemplar que consideraram significativo (atualmente depositado no Morrison Natural History Museum) por ser "o primeiro par mão -pé bem preservado da América do Norte e descoberto na famosa "Lakes ale Quarry 5", a jazida da descoberta do holótipo de Stegosaurus armatus (Marsh 1877)” (pag 26). O exemplar inclui um par de impressões naturais de pegadas direitas preservadas na superfície de um grande bloco de arenito. A pegada do pé tem cerca de 40 cm de comprimento por 30 cm de largura, com 3 dígitos grossos e curtos. O dígito médio (III) termina por um ungual quase retangular. A pegada da mão tem cerca de 16 cm de comprimento por 30 cm de largura, com pelo menos 4 impressões de dígitos grossos, com unguais nos dígitos I – III (Fig. 62).
  • 52. Aparentemente poderá ser um exemplo de Stegopodus. Relativamente à mão as semelhanças incluem um dígito I bem desenvolvido e dígitos laterais menos pronunciados. Em relação ao pé a semelhança global é nítida. O exemplar parece diferir significativamente de Deltapodus. Fig. 62. Par mão – pé semelhante a Stegopodus, da Formação Morrison. A reconstrução do pé baseia-se em Stegosaurus. De fato, e até essa data, as pegadas Deltapodus referem-se a pegadas de pé que apresentam dígitos mais curtos e alargados do que o pé Stegopodus, e com impressões de calcanhar muito mais alongadas e pronunciadas. Quanto à mão, em Deltapodus é muito diferente, consistindo num vestígio em forma de crescente, sem as impressões nítidas dos dígitos observadas na mão Stegopodus. Mossbrucker et al (2008) inferiram que este exemplar é "mais semelhante a Stegopodus do que a Deltapodus e que o poderá haver mais do que um tipo de pegada de stegossáurio " (pag 28). Referiram que com o que se conhece da mão dos stegossáurios e dos anquilossáurios é quase impossível distinguir pegada de mãos do Jurássico para estes dois grupos de tireoforanos e que compreendê-lo será crucial para a distinção das suas pegadas, já que o pé dos stegossáurios tem 3 dedos, enquanto que o pé típico anquilossáurio apresenta 4 dígitos. "Deltapodus encaixa-se na morfologia dos 3 dedos dos stegossáurios, mas temos que nos lembrar que uma pegada de 4 dígitos, incompleta, pode surgir aos nossos olhos como tendo 3 dígitos" (pag 28). Mas Gierlinski, em comunicação pessoal de 2022, considera que este exemplar “está entre Stegopodus e Deltapodus”!!!. 7. Um mesmo produtor stegossáurio, umas vezes digitígrado, outras plantígrado?
  • 53. Como referimos em 5., a expressão variável de uma impressão de almofada metatarsal nas pegadas de pés de Garbinia roeorum, mesmo dento de uma mesma pista contínua, indica que posturas funcionalmente plantígradas e digitígradas eram possíveis para seu autor e sugere que o grau de flexão e extensão na articulação metatarsodigital e na articulação tarsal eram também variáveis. Assumindo que produtor de Garbinia roeorum era um stegossáurio, os membros anteriores mais curtos relativamente aos posteriores poderiam ter levado o animal a uma postura dos pés mais plantígrada para que as mãos tocassem no solo. Como consequência, o comprimento da passada dos membros posteriores ter-se ia aproximado da dos membros anteriores, permitindo uma postura quadrúpede simétrica. Erguendo os membros anteriores do solo teria libertado os membros anteriores para darem passadas de forma mais livre, com extensão da articulação metatarsodigital e articulação tarsal, elevando os metatarsos, de onde resultaria uma postura funcionalmente digitígrada. "Neste contexto, colocamos a hipótese do autor de Garbinia roeorum ter sido um bípede facultativo, análogo às duas espécies atuais de pangolins" (Salisbury et al. 2016, pag 98) (Fig. 63). Fig. 63. Pista Garbínia roeorum – Fotografia (A) e esquema (B). Lockley et al (2008a) consideraram «estranho», «intrigante» que os stegossáurios alternassem entre pegadas dos pés digitígradas quando bípedes e pegadas dos pés plantígradas quando quadrúpedes. "A variabilidade da morfologia das pegadas do pé de Garbinia roeorum sugere fortemente que ambas as posturas digitígrada e plantígrada eram possíveis para os autores de pegadas stegossaurianas e suporta hipóteses anteriores de que estes animais pudessem ter sido bípedes facultativos" (Salisbury et al 2016, pag 99).
  • 54. A interpretação das pegadas Deltapodus como representando stegossáurios quadrúpedes, com pé alongados, está bem aceite pelos investigadores, com base na significativa amostra do Jurássico médio ao Cretácico inferior reconhecida para uma grande distribuição geográfica e apoiada numa distribuição estratigráfica idêntica para elementos esqueléticos. O que ainda é reforçado pela presença de padrões de impressões de escamas semelhantes associados com Deltapodus de Espanha, Portugal e Estados Unidos (e padrão distinto do reconhecido para pegadas de saurópodes). A evidência para stegossáurios bípedes é controversa e baseia-se em moldes isolados de pegadas do Jurássico final do Utah, em duas pistas do Jurássico médio de Marrocos e em pistas controversas do Jurássico final das Astúrias (que vários investigadores interpretaram como de ornitópodes). Para além disso, temos um par mão - pé interpretado como Stegopodus (Mossbrucker et al 2008) que indica progressão quadrúpede. As pegadas de tireoforanos stegossáurios são identificadas por algumas características a partir do esqueleto dos pês e mãos, como pês tridáctilos com digito muito curtos, toscos. São diferentes das pegadas de outros ornistiquianos, como anquilossáurios e ceratopsianos, que tem um pé tetradáctilo, ou dos ornitópodes, com um pé tridáctilo mas com dígitos mais bem definidos e mais longos, proporcionalmente. Xing et al. (2016) salientaram a raridade de pequenas pegadas e atribuíram-na a uma distorção preservacional geral em favor de grandes pegadas e não a um sinal biológico. Mas de qualquer modo parece haver uma distorção contra a preservação de pequenas pegadas representativas de muitos dos icnogéneros ornistiquanos comuns. "Esta distorção ainda esta por explicar" (Xing et al. 2021 pag 74). Para a vasta amostra Deltapodus descrita para todo o mundo, as pegadas representam indivíduos de grandes dimensões. O pequeno juvenil representado pela pequena pegada de pé teria uma altura de anca de cerca de 36 cm, seguindo a formula proposta por Cobos et al. 2010) de h = 6 x W. Por exemplo, Deltapodus ibericus tem um comprimento médio de 44 cm e Deltapodus curriei um comprimento médio de 40,1 cm. Deltapodus da Lourinhã tem um comprimento médio de 38,8 cm (N = 24). As pegadas de mangues Deltapodus adultos tem um comprimento de 34 cm (N = 6) e a do Bouro IV tem 31 cm de comprimento. Esta raridade de stegossaurianos juvenis ( e de tireoforanos em geral, até de ornistiquianos globais) é notável tendo em conta que os juvenis deveriam ser em muito maior número que os indivíduos que seriam capazes de sobreviver até ao estádio adulto (até porque muitos dos ninhos de ornistiquianos indicam a presença de grandes ninhadas). Uma distorção preservacional simples poderia explicar esta situação - os indivíduos juvenis viveriam em grupos separados dos adultos, em habitats que não seriam favoráveis para a preservação de pegadas. Outra explicação de ordem biológica - os ornistiquianos juvenis poderiam viver vidas afastadas - ou seja, permaneciam nos ninhos ou zonas de nidificação muito tempo ate atingirem dimensões de quase adultos - mesmo os juvenis já um pouco mais velhos teriam tendência a não atravessarem leitos de rios ou pântanos, lagos, onde as condições para a preservação da pegadas eram ideais, mas onde também eram muito superiores a probabilidades de mortes por emboscadas. Por outro lado, refira-se que o
  • 55. crescimento destes ornistiquianos poderia ser muito rápido. Provavelmente. ocorreria uma combinação de todos estes fatores. Note-se que para a Europa uma outra pequena pegada de pé Deltapodus foi descrita. Canudo et al (2012) descobriram um par mão -pé Deltopodus isp., as primeiras pegadas de stegossáurios conhecidas para o Cretácico inferior. O pé tem apenas 12 cm de comprimento, mas ao contrário do exemplar da China, o autor seria plantígrado, já que o calcanhar é bastante alongado. O pequeno juvenil representado pela pequena pegada de pé teria uma altura de anca de cerca de 36 cm, seguindo a fórmula proposta por Cobos et al. 2010) de h = 6 x W. Note-se que Whyte e Romano (2001) referiram a existência de uma pequena pegada de pé Deltapodus para o Jurássico inferior de Yorkshire, com apenas 8 cm de comprimento; mas esta pegada nunca foi descrita em pormenor, nem se conhecem esquemas ou fotografias. 9. Problemas / enigmas ainda por resolver / desvendar Relativamente às pegadas de stegossáurios são muitos os problemas e questões por resolver: Os dois icnogéneros, Deltapodus e Stegopodus, podem ambos ser atribuídos a stegossáurios? As pegadas Deltapodus e Stegopodus serão variantes preservacionais do mesmo tipo de pegadas? Há vários morfotipos de pegadas de pés Deltapodus em Portugal? E onde se incluem os exemplares das jazidas do Bóuro IV e de Mangues? - lados direitos convergindo num calcanhar redondo com forma triangular -- lados relativamente paralelos, terminando numa forma de lágrima -- lados subparalelos com a margem exterior do calcanhar angular E em que icnoespécie ? Deltapodus brodrecki? D. ibericus? D. curriei? Porque são tão raras as pegadas de stegossáurios juvenis? Porque há muito mais pegadas Deltapodus que Stegopodus ? Será que Deltapodus foi produzido por stegossáurios Dacentrurinae e Stegopodus por stegossáurios Stegosaurinae? Porque há muito mais pegadas de pés Deltapodus do que de mãos? O mesmo stegossáurio podia adotar postura plantígrada e digitígrada dos pés? Os stegossáurios podiam adotar postura bípede e/ou semi-bípede? Se Deltapodus e Stegopodus forem apenas variantes relacionadas com a preservação, podemos colocar a seguinte hipótese: Deltapodus simétrico relaciona-se com Stegopodus mais simétrico Deltapodus entaxónico relaciona-se com a Stegopodus muito assimétrico
  • 56. Fig. 10. Uma escala para o grau de mesaxonia e a sua aplicação na diagnose de Stegopodus e de Deltapodus. Propomos uma escala em que o “termo médio” tenha como referência o grau de mesaxonia para a icnofamíia Eubrontidae entre 0,46 e 0,60 (em termos genéricos, quase equivale a termos um ângulo reto oposto à base do triângulo Te) – mesaxonia moderada. Quando este ângulo é agudo, os valores serão mais elevados – entre 0,61 e 0,80 a mesaxonia será forte e acima de 0,81, muito forte. Quando esse ângulo for obtuso, a mesaxonia será fraca, entre 0,31 e 0,45.Para valores inferiores a 0,30, será muito fraca. E sugerimos que este último valor inferior a 0,30 diagnostique as pegadas de pés atribuídas a stegossáurios, quer do icnotaxon Stegopodus, quer do icnotaxon Deltapodus.