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FATOR HUMANO: CARREIRA SEM GRAVIDADE




                              FATOR HUMANO




                                            Carreira sem
                                             gravidade
                               H
                                           á um discurso oficial sobre gestão de carreira na atualida-
                                           de. Ao mesmo tempo em que ele contribui para a cons-
                                           trução de uma linguagem comum entre especialistas, con-
                               sultores e profissionais sobre o que constitui o desenvolvimento e a
                               progressão destas mesmas carreiras, ele também é responsável pelo
                               acobertamento de alguns dilemas importantes que envolvem hoje o
                               tema. O artigo analisa as premissas centrais desse discurso oficial
                               sobre carreira e destaca três de seus dilemas, tentando provocar no
                               leitor uma reflexão sobre suas principais conseqüências e formas de
                               enfrentamento.
                               por Pedro F. Bendassolli FGV-EAESP


                               No repertório de temas que compõem a moderna gestão         ascensão organizacional. No que diz respeito à gestão, o
   IMAGEM: DANIELA MOUNTIAN




                               de pessoas, o da gestão de carreira vem ganhando impor-     tema envolve a consideração de que as organizações de-
                               tância crescente não só entre gestores e especialistas da   vem prover seus profissionais com estruturas, processos e
                               área como também entre profissionais desafiados pelos       recursos sob medida para o desenvolvimento de suas car-
                               atuais imperativos do mercado em relação ao emprego e à     reiras. Já no que diz respeito aos profissionais, a ênfase



                                                                                                                                        © GV   executivo • 69




069-074                                            69                                                     04.12.05, 11:01
FATOR HUMANO: CARREIRA SEM GRAVIDADE




            vem recaindo sobre uma progressiva tomada de consciên-        tores e profissionais. Na prática, esse discurso constitui
            cia de que, não obstante as iniciativas da empresa, a parte   um conjunto de lugares-comuns e falas usados, sem mo-
            mais importante do desenvolvimento da carreira deve           déstia, por consultores, professores, gestores e pelos pró-
            depender deles próprios.                                      prios profissionais na tentativa de diagnosticar, interpre-
                 Apesar de partirem de ênfases pragmáticas diferen-       tar e intervir sobre as carreiras em um momento no qual o
            tes, tanto gestores de carreiras e suas empresas quanto os    problema do emprego tornou-se crônico. No entanto, o
            próprios profissionais parecem partilhar de crenças co-       principal problema com esse discurso é seu efeito retórico:
            muns no que se refere a concepção, desenvolvimento e          ele tende a ocultar os dilemas envolvidos com a gestão de
            progressão da carreira na atualidade. Essas crenças ampa-     carreira na atualidade, especificamente do ponto de vista
            ram-se no fato, alardeado por diversos especialistas, de      do indivíduo. Por essa razão, o artigo destaca quais são
            que grandes transformações produziram uma drástica rup-       esses dilemas e discute algumas formas de enfrentá-los.
            tura nos modelos tradicionais de carreira e emprego e que,
            por essa razão, temos todos de nos haver agora com desa-      Reivindicações de época. O discurso oficial sobre
            fios inéditos neste campo.                                    carreira pode ser analisado segundo o que alguns autores
                 Pretende-se mostrar neste artigo que as crenças refe-    vêm chamando de reivindicações de época. De acordo com
            rentes à gestão de carreira dependem de um tipo de dis-       isto, há, em cada época, determinadas formas de abordar
            curso que vem se generalizando e consolidando entre ges-      alguns temas que se baseiam no estabelecimento de
                                                                                     dicotomias. No caso da gestão de carreira, e de
                                                                                     muitos outros temas dentro do campo da admi-
                                                                                     nistração, é comum encontrarmos uma
                                                                                     dicotomia entre o passado, no qual residiriam
                                                                                     práticas obsoletas, burocráticas e tradicionais, e
                                                                                     o presente (e até o futuro), no qual novas práti-
                                                                                     cas sugeririam rupturas radicais com esse mes-
                                                                                     mo passado.
                                                                                          Ao enfatizar a ruptura, esse discurso assume
                                                                                     três outras características. A primeira é o fato de
                                                                                     ele ser construído a partir de premissas tomadas
                                                                                     como verdadeiras de antemão, mas que, à luz de
                                                                                     análises mais rigorosas, talvez se mostrem menos
                                                                                     evidentes ou até mesmo problemáticas, como bus-
                                                                                     car-se-á demonstrar na seqüência deste artigo. Em
                                                                                     particular em relação à carreira, destacamos três
                                                                                     premissas, todas elas enfatizando alguma moda-
                                                                                     lidade de ruptura com o passado.
                                                                                          Premissa número um: carreira tornou-se um
                                                                                     problema de foro íntimo, ou seja, entrou para a
                                                                                     lista de responsabilidades do próprio profissio-
                                                                                     nal. Isso significa que ele tem agora a necessida-
                                                                                     de de se autoconhecer para, então, discernir so-
                                                                                     bre as melhores escolhas. Premissa número dois:
                                                                                     o trabalho morreu. Na prática, isso equivale a
                                                                                     dizer que os profissionais não devem mais bus-



          70 • VOL.4 • Nº 4 • NOV. 2005 A JAN. 2006




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          car empregos, e sim desenvolver um projeto de vida coe-       dos, professores de negócios, especialistas e consultores.
          rente com os próprios valores e aspirações pessoais,          Esses personagens são os porta-vozes oficiais do discurso
          maximizando ganhos e colecionando desafios. Premissa          sobre emprego, sucesso e felicidade.
          número três: a aceleração do tempo. O que valia ontem já           Assim como os padres, no passado, precisavam mui-
          não vale mais hoje. Isso significa que, a todo momento, é     tas vezes “inventar” ou “exagerar” o que aconteceria no
          preciso revisar o projeto e estabelecer novas coordenadas,    caso de as pessoas não seguirem os preceitos divinos,
          sem, no entanto, desviar-se do centro de valores pessoais.    hoje são esses especialistas que cumprem o mesmo pa-
                                                                        pel quando, oportunisticamente, usam o discurso de
          Generalizações e autoridade. A segunda caracte-               autoridade para amedrontar (ou “conscientizar”, como
          rística deste discurso sobre carreira é sua generalidade.     se costuma dizer) os profissionais e, conseqüentemente,
          Cada uma das premissas anteriores, em graus variados, é       prestar-lhes socorro. Mas, diferentemente dos padres, cuja
          usada para explicar um conjunto amplo e díspar de fenô-       autoridade derivava diretamente do poder outorgado por
          menos. Na medida em que o trabalho tornou-se uma rea-         Deus, esses personagens contemporâneos retiram sua au-
          lidade complexa, a finalidade das generalizações é simpli-    toridade dos “fatos”, que imediatamente se transformam
          ficar a realidade e dar ao receptor do discurso uma sensa-    em benchmark.
          ção de coerência e ordem. Por
          exemplo, ao instruir os profissio-
          nais a cuidar de sua própria car-
                                                   Assim como os padres, no passado, precisavam
          reira, diversos consultores espe-
                                                           muitas vezes inventar ou exagerar o que
          cializados partem do princípio de
          que esta é a melhor maneira de                       aconteceria no caso de as pessoas não
          lidar com o ambiente caótico e
          instável do emprego, transmitin-             seguirem os preceitos divinos, hoje são os
          do a seus clientes uma sensação
          de segurança relativa, no caso de            especialistas que cumprem o mesmo papel
          eles estarem seguindo as prescri-
          ções – por exemplo: investindo          quando, oportunisticamente, usam o discurso
          em cursos de reciclagem, pós-gra-
          duação, coaching, mentoring,            de autoridade para amedrontar os indivíduos.
          assessment ou simplesmente es-
          tando “preocupados”, “antenados”.                                  Em uma cultura que valoriza a ciência, como a oci-
               A terceira característica deste discurso é o fato de ele dental, poucos arriscam a se opor a um discurso basea-
          basear-se em figuras de autoridade. É bom lembrar que a       do em fatos ou em autores respeitados na comunidade
          autoridade sempre está ligada aos valores centrais de uma     acadêmica, do mesmo modo que poucos, no passado,
          determinada sociedade e a seus discursos dominantes.          opunham-se ao discurso baseado na vontade de Deus.
          Assim, por exemplo, em uma sociedade orientada por            Na prática, o problema é que fatos são realidades especí-
          valores religiosos cristãos, é de se esperar que a autorida-  ficas, necessariamente dependentes de interpretação (por-
          de provenha de personagens, como papa, padres e seus          tanto, sujeitos aos valores e interesses de quem os inter-
          representantes laicos (reis, rainhas, príncipes etc.), e que  preta) e cuja generalização deve ser feita com cautela na
          o discurso dominante seja o religioso. E quais são nossas     medida em que nem todas as situações são idênticas.
          principais figuras de autoridade? Certamente não são os       Vejamos, a seguir, alguns dos dilemas da gestão de car-
          políticos; tampouco os padres. Nossas figuras de autori-      reira que podem estar sendo mascarados por esse dis-
          dade são hoje representadas por executivos bem-sucedi-        curso de época, oficial, sobre carreira.



                                                                                                                     © GV   executivo • 71




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FATOR HUMANO: CARREIRA SEM GRAVIDADE




            Dilema da escolha. Comecemos com uma revisão da
                                             mesmo tempo em que se afirma que a carreira é uma rea-
            primeira premissa do discurso de época sobre carreira.
                                             lidade instável, sem gravidade, sujeita a rupturas,
            Trata-se da afirmação de que a carreira se tornou um pro-
                                             descontinuidades e fragmentações, admite-se, implicita-
            blema privado, isto é, dependente das próprias forças e
                                             mente, que há uma identidade que não varia ou que, se
            disposições do indivíduo. O pressuposto é de que ele tem
                                             variar, o faz apenas a título de ajustes de curso.
            de se autoconhecer para descobrir quais são seus verda-
                                                 O último aspecto acerca deste tema refere-se ao pró-
            deiros interesses e valores, motivações e “perfil”. Depende
                                             prio profissional. Ocorre que, submetido ao discurso da
            desse autoconhecimento a escolha da carreira mais apro-
                                             identidade, ele pode acreditar que, antes de fazer suas es-
            priada ou então o discernimento sobre quais caminhos
                                             colhas, tem de primeiro descobrir qual sua identidade, ou
            trilhar na que já foi escolhida. Quanto menos alguém se
                                             então seu perfil. Com isso, pode perder – ou adiar – a
            conhecer, mais aumentam as chances de perder-se no flu-
                                             oportunidade de descobrir que não há nenhuma identi-
            xo caótico e acelerado de transformações de que as carrei-
                                             dade, não ao menos no sentido de algo estático que reside
            ras são hoje alvo.               dentro de si em algum recôndito escondido, como uma
                 Três aspectos merecem destaque aqui. Primeiro, esse
                                             essência. Talvez o que o discurso oficial não mencione é
            pressuposto da escolha depende de uma concepção espe-
                                             que a ausência de gravidade chegou também à área da
            cífica sobre o que é o indivíduo. Aplicam-se aqui os mes-
                                             identidade. Em outras palavras, não só as carreiras são
            mos princípios que norteiam grande parte do pensamen-
                                             indefinidas de antemão, como também o é a identidade.
            to administrativo: o do indivíduo racional, capaz de isolar
                                                 A escolha no campo da carreira é um processo con-
            motivadores centrais internos e de basear sua ação nesses
                                             tínuo, simultâneo à construção da própria identidade,
            mesmos motivadores. Em acréscimo, essa idéia sugere que
                                             de modo que é preciso lidar com dilemas pessoais deli-
            alguém é capaz de fazer escolhas na medida em que con-
                                             cados, como a ausência de garantias e de fontes seguras
            seguir se conhecer. O problema é que esse autoconheci-
                                             de reconhecimento. É preciso, neste contexto de
            mento muitas vezes é sugerido a partir de fórmulas pron-
                                             fragilização, ajudar para que o profissional não recorra
            tas e pré-fabricadas ou então construído a partir da apli-
                                             às autoridades de plantão ou então para que não sucum-
            cação de testes de personalidade. Com isso, o objetivo é
                                             ba à “pane decisória” – ter muitas opções para decidir e
            descobrir qual é a identidade do profissional.
                                             pouca disposição em abrir mão da maioria delas, ou seja,
                                                             responsabilizar-se pela escolha assumida
                                                             perante si mesmo. Além do mais, não é no
            O indivíduo pode mudar freqüentemente            mínimo paradoxal o fato de que todos de-
                                                             sejam hoje a “liberdade de escolha” pela
            de emprego menos pela busca de                   carreira mas, ao mesmo tempo, consomem
                                                             com avidez os remédios prometidos pelas
            desafios do que pela miragem de que              autoridades do sucesso profissional?

            trabalho é sempre desafiador e
                                                                                     Dilema da morte do trabalho. A se-
            empolgante “ali no quintal do vizinho”.                                  gunda premissa do discurso oficial sobre
                                                                                     carreira é de que o trabalho morreu. Isso
                                                                                     significa que não devemos mais buscar em-
                Esse ponto nos leva ao segundo aspecto que gostaría-   pregos, mas sim desafios e oportunidades, estejam eles
            mos de mencionar. O conceito de identidade, além de for-   onde estiverem. Se, por um lado, é possível afirmar que a
            temente polêmico, é uma invenção moderna. Isso quer        formatação do trabalho mudou nas novas modalidades
            dizer que, em sua origem, identidade significa algo que, a produtivas (trabalho flexível, tempo parcial, teletrabalho,
            despeito das mudanças, permanece inalterável. Ora, ao      subemprego, terceirizações etc.), por outro constitui exa-



          72 • VOL.4 • Nº 4 • NOV. 2005 A JAN. 2006




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FATOR HUMANO: CARREIRA SEM GRAVIDADE




          gero acreditar que ele cedeu lugar a arranjos completa-        vigora hoje? Os principais componentes dessa ideologia
          mente inovadores e que, por essa razão, as pessoas não         reforçam que o trabalho foi diluído em práticas de empre-
          devem mais ambicionar “antigos” desejos (como o de tra-        endedorismo regidas por um único imperativo: a perfor-
          balhar em poucas atividades ou empresas, por exemplo).         mance. Trabalhar, então, não consiste apenas em um con-
               É preciso separar ideologia do trabalho e trabalho pro-   junto de atividades repetitivas e monótonas, mas de uma
          priamente dito. A primeira diz respeito a um conjunto de       oportunidade para a autodescoberta, para o exercício do
          crenças de época sobre o valor do trabalho, seja em ter-       que há de melhor em si mesmo, sempre tendo em vista o
          mos econômicos, sociais ou psicológicos. O segundo diz         colecionamento de desafios, riscos e oportunidades. Não
          respeito às atividades práticas exercidas pelos indivíduos     é à toa, conforme demonstram alguns sociólogos, como o
          e que constituem uma relação de troca com um emprega-          francês Alain Ehrenberg, que a ideologia do trabalho se
          dor que a remunera economicamente. Este último ponto           aproxima de muitos dos conteúdos tipicamente ligados
          tornou-se historicamente conhecido a partir do que auto-       ao universo do esporte e os absorve. Por razões óbvias, a
          res, como Karl Marx, identificaram como a acumulação           mesma ideologia mascara o fato de que, para a maioria
          primitiva dos meios de produção. Na linguagem prática,         dos brasileiros, trabalho ainda é sinônimo de tarefas
          tal colocação pode ser traduzida pela constatação corri-       repetitivas e pouco remuneradas.
                       queira de que não temos garantida nossa so-            Do ponto de vista da gestão de carreira, esta ideologia
                        brevivência por origem familiar nem de es-       gera alguns resultados importantes. Primeiro, coloca os
                          tirpe, mas que temos de conquistá-la, dia-     profissionais em estado perpétuo de caça a desafios. É
                            riamente, com nosso próprio empenho.         comum ouvir hoje de um profissional que deixa seu em-
                                  Podemos neste ponto nos interro-       prego a justificativa de que “lá eu não tinha mais desafios
                               gar: qual a ideologia do trabalho que     nem oportunidades”. Tal justificativa, que à primeira vista
                                                                         soa como bastante plausível, pode esconder uma dificul-
                                                                         dade pessoal de investimento nas próprias atividades cor-
                                                                         rentes. Em outras palavras, o indivíduo pode mudar fre-




                                                                                                                       © GV   executivo • 73




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FATOR HUMANO: CARREIRA SEM GRAVIDADE




            qüentemente de emprego menos pela busca de desafios            do tempo também é diferente. Basta mencionar o tempo
            do que pela miragem de que trabalho é sempre desafiador        das atividades lúdicas, quando simplesmente o deixamos
            e empolgante “ali no quintal do vizinho”. Levada ao extre-     passar, sem pressa. Estas horas (cronológicas) sequer são per-
            mo, essa crença pode dar vazão a estados crônicos de an-       cebidas, pois o fator determinante aqui é a intensidade com
            siedade, frustração e a sensação de que é preciso mudar        que o tempo subjetivo foi vivido, e não o correr do relógio.
            sempre de emprego e trabalho para não ser “mal visto pelo           Infelizmente, quando o assunto aparece no discurso
            mercado”.                                                      oficial sobre carreira, o tempo é quase sempre tratado em
                 Adicionalmente, essa ideologia também pode mas-           sua dimensão puramente mecânica: “Como e onde você
            carar que, por detrás da ânsia por desafio, se encontra,       quer estar daqui a cinco anos?” é a pergunta padrão que
            na verdade, um desejo de aumento de salário ou de po-          se costuma fazer nos cursos de orientação de carreira. Re-
            der, mas admitir isso ainda é alvo de tabu e supostas          correr a dados de realidade para comprovar a aceleração
            recriminações. Conseqüência: aumento do cinismo e di-          do tempo e, portanto, a velocidade das mudanças, tam-
            ficuldade de debater abertamente as prioridades e exi-         bém não parece ajudar em muita coisa. O aspecto mais
            gências profissionais, ou então de analisar com maior          importante é perceber que há aqui um dilema, e este con-
            maturidade a natureza do vínculo de troca simbólica e          siste na necessidade de o indivíduo entender o efeito que
            financeira estabelecido com a empresa a partir da rela-        o tempo, tal como ele é percebido, exerce sobre suas pre-
            ção de trabalho.                                               ferências, escolhas e desejos. Por mais que se criem fór-
                                                                           mulas e se estabeleça vigoroso planejamento, é quase cer-
            Dilema do tempo. O terceiro e último dilema que de-            to que os efeitos da passagem do tempo sobre tais desejos
            sejamos analisar aqui é o do tempo. De acordo com a ter-       serão imprevisíveis.
            ceira premissa do discurso oficial sobre carreira, o tempo          Uma dimensão importante da relação do indivíduo
            está hoje acelerado, o que impõe a todos os profissionais      com o tempo é o estado de angústia que ela provoca. Em
            o lendário trabalho de Sísifo de recomeçar sempre, de          orientação de carreira, é aquela conhecida sensação de que
            reelaborar a cada instante o projeto de carreira.              “ainda não fiz tudo o que eu queria e não sei se vai dar
                 Ora, talvez poucos dos que trabalham 14 horas por         tempo”, ou então “estou velho e já deveria ter conseguido
            dia duvidem de que o tempo, entendido como o tempo             chegar aonde eu queria”. É uma preocupação difusa, mas
            cronológico, abstrato, do relógio, está cada vez mais aper-    presente, de que o tempo está passando, se perdendo, e
            tado, haja vista a grande quantidade de coisas que são         que as escolhas ainda não foram feitas ou de que as coisas
            inseridas em cada unidade cronológica (horas, minutos e        “importantes” ainda não aconteceram. O risco que a pes-
            segundos). Parodiando o que dizia há mais um século o          soa corre aqui é o de viver excessivamente voltada para
            filósofo alemão Arthur Schopehauer, o tempo só falta quan-     um futuro numa angústia que reforça o que ainda não foi
            do não encontramos, em nosso dia, a quantidade suficiente      alcançado. A saída, é claro, não é abandonar completa-
            de bolsos para guardar nossas coisas. Talvez o filósofo não    mente o planejamento, mas desenvolver maturidade para
            tivesse previsto a hipocondríaca quantidade de coisas que      lidar, sem fórmulas e tabelas, com as mudanças internas
            alguém que trabalhe 14 horas por dia consegue reunir em        às vezes radicais que passamos pela influência do tempo.
            torno de si!                                                   Eis aí um nobre desafio para profissionais e especialistas.
                 O tempo que importa quando falamos de gestão de
            carreira não é apenas esse tempo cronológico, do relógio
            e das horas. É o tempo tal como ele é percebido pelas
            pessoas. Neste caso, não vale falar em horas, dias, às vezes   Pedro F. Bendassolli
                                                                           Prof. do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da
            nem em anos ou décadas. Fatos que ocorreram há muito
                                                                           Administração da FGV-EAESP
            tempo (cronológico) parecem ter acontecido ontem. Além         Editor associado da GV-executivo
            do mais, para cada dimensão de nossa vida a perspectiva        E-mail: pbendassolli@fgvsp.br



          74 • VOL.4 • Nº 4 • NOV. 2005 A JAN. 2006




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Carreiras sem gravidade

  • 1. FATOR HUMANO: CARREIRA SEM GRAVIDADE FATOR HUMANO Carreira sem gravidade H á um discurso oficial sobre gestão de carreira na atualida- de. Ao mesmo tempo em que ele contribui para a cons- trução de uma linguagem comum entre especialistas, con- sultores e profissionais sobre o que constitui o desenvolvimento e a progressão destas mesmas carreiras, ele também é responsável pelo acobertamento de alguns dilemas importantes que envolvem hoje o tema. O artigo analisa as premissas centrais desse discurso oficial sobre carreira e destaca três de seus dilemas, tentando provocar no leitor uma reflexão sobre suas principais conseqüências e formas de enfrentamento. por Pedro F. Bendassolli FGV-EAESP No repertório de temas que compõem a moderna gestão ascensão organizacional. No que diz respeito à gestão, o IMAGEM: DANIELA MOUNTIAN de pessoas, o da gestão de carreira vem ganhando impor- tema envolve a consideração de que as organizações de- tância crescente não só entre gestores e especialistas da vem prover seus profissionais com estruturas, processos e área como também entre profissionais desafiados pelos recursos sob medida para o desenvolvimento de suas car- atuais imperativos do mercado em relação ao emprego e à reiras. Já no que diz respeito aos profissionais, a ênfase © GV executivo • 69 069-074 69 04.12.05, 11:01
  • 2. FATOR HUMANO: CARREIRA SEM GRAVIDADE vem recaindo sobre uma progressiva tomada de consciên- tores e profissionais. Na prática, esse discurso constitui cia de que, não obstante as iniciativas da empresa, a parte um conjunto de lugares-comuns e falas usados, sem mo- mais importante do desenvolvimento da carreira deve déstia, por consultores, professores, gestores e pelos pró- depender deles próprios. prios profissionais na tentativa de diagnosticar, interpre- Apesar de partirem de ênfases pragmáticas diferen- tar e intervir sobre as carreiras em um momento no qual o tes, tanto gestores de carreiras e suas empresas quanto os problema do emprego tornou-se crônico. No entanto, o próprios profissionais parecem partilhar de crenças co- principal problema com esse discurso é seu efeito retórico: muns no que se refere a concepção, desenvolvimento e ele tende a ocultar os dilemas envolvidos com a gestão de progressão da carreira na atualidade. Essas crenças ampa- carreira na atualidade, especificamente do ponto de vista ram-se no fato, alardeado por diversos especialistas, de do indivíduo. Por essa razão, o artigo destaca quais são que grandes transformações produziram uma drástica rup- esses dilemas e discute algumas formas de enfrentá-los. tura nos modelos tradicionais de carreira e emprego e que, por essa razão, temos todos de nos haver agora com desa- Reivindicações de época. O discurso oficial sobre fios inéditos neste campo. carreira pode ser analisado segundo o que alguns autores Pretende-se mostrar neste artigo que as crenças refe- vêm chamando de reivindicações de época. De acordo com rentes à gestão de carreira dependem de um tipo de dis- isto, há, em cada época, determinadas formas de abordar curso que vem se generalizando e consolidando entre ges- alguns temas que se baseiam no estabelecimento de dicotomias. No caso da gestão de carreira, e de muitos outros temas dentro do campo da admi- nistração, é comum encontrarmos uma dicotomia entre o passado, no qual residiriam práticas obsoletas, burocráticas e tradicionais, e o presente (e até o futuro), no qual novas práti- cas sugeririam rupturas radicais com esse mes- mo passado. Ao enfatizar a ruptura, esse discurso assume três outras características. A primeira é o fato de ele ser construído a partir de premissas tomadas como verdadeiras de antemão, mas que, à luz de análises mais rigorosas, talvez se mostrem menos evidentes ou até mesmo problemáticas, como bus- car-se-á demonstrar na seqüência deste artigo. Em particular em relação à carreira, destacamos três premissas, todas elas enfatizando alguma moda- lidade de ruptura com o passado. Premissa número um: carreira tornou-se um problema de foro íntimo, ou seja, entrou para a lista de responsabilidades do próprio profissio- nal. Isso significa que ele tem agora a necessida- de de se autoconhecer para, então, discernir so- bre as melhores escolhas. Premissa número dois: o trabalho morreu. Na prática, isso equivale a dizer que os profissionais não devem mais bus- 70 • VOL.4 • Nº 4 • NOV. 2005 A JAN. 2006 069-074 70 04.12.05, 11:01
  • 3. FATOR HUMANO: CARREIRA SEM GRAVIDADE car empregos, e sim desenvolver um projeto de vida coe- dos, professores de negócios, especialistas e consultores. rente com os próprios valores e aspirações pessoais, Esses personagens são os porta-vozes oficiais do discurso maximizando ganhos e colecionando desafios. Premissa sobre emprego, sucesso e felicidade. número três: a aceleração do tempo. O que valia ontem já Assim como os padres, no passado, precisavam mui- não vale mais hoje. Isso significa que, a todo momento, é tas vezes “inventar” ou “exagerar” o que aconteceria no preciso revisar o projeto e estabelecer novas coordenadas, caso de as pessoas não seguirem os preceitos divinos, sem, no entanto, desviar-se do centro de valores pessoais. hoje são esses especialistas que cumprem o mesmo pa- pel quando, oportunisticamente, usam o discurso de Generalizações e autoridade. A segunda caracte- autoridade para amedrontar (ou “conscientizar”, como rística deste discurso sobre carreira é sua generalidade. se costuma dizer) os profissionais e, conseqüentemente, Cada uma das premissas anteriores, em graus variados, é prestar-lhes socorro. Mas, diferentemente dos padres, cuja usada para explicar um conjunto amplo e díspar de fenô- autoridade derivava diretamente do poder outorgado por menos. Na medida em que o trabalho tornou-se uma rea- Deus, esses personagens contemporâneos retiram sua au- lidade complexa, a finalidade das generalizações é simpli- toridade dos “fatos”, que imediatamente se transformam ficar a realidade e dar ao receptor do discurso uma sensa- em benchmark. ção de coerência e ordem. Por exemplo, ao instruir os profissio- nais a cuidar de sua própria car- Assim como os padres, no passado, precisavam reira, diversos consultores espe- muitas vezes inventar ou exagerar o que cializados partem do princípio de que esta é a melhor maneira de aconteceria no caso de as pessoas não lidar com o ambiente caótico e instável do emprego, transmitin- seguirem os preceitos divinos, hoje são os do a seus clientes uma sensação de segurança relativa, no caso de especialistas que cumprem o mesmo papel eles estarem seguindo as prescri- ções – por exemplo: investindo quando, oportunisticamente, usam o discurso em cursos de reciclagem, pós-gra- duação, coaching, mentoring, de autoridade para amedrontar os indivíduos. assessment ou simplesmente es- tando “preocupados”, “antenados”. Em uma cultura que valoriza a ciência, como a oci- A terceira característica deste discurso é o fato de ele dental, poucos arriscam a se opor a um discurso basea- basear-se em figuras de autoridade. É bom lembrar que a do em fatos ou em autores respeitados na comunidade autoridade sempre está ligada aos valores centrais de uma acadêmica, do mesmo modo que poucos, no passado, determinada sociedade e a seus discursos dominantes. opunham-se ao discurso baseado na vontade de Deus. Assim, por exemplo, em uma sociedade orientada por Na prática, o problema é que fatos são realidades especí- valores religiosos cristãos, é de se esperar que a autorida- ficas, necessariamente dependentes de interpretação (por- de provenha de personagens, como papa, padres e seus tanto, sujeitos aos valores e interesses de quem os inter- representantes laicos (reis, rainhas, príncipes etc.), e que preta) e cuja generalização deve ser feita com cautela na o discurso dominante seja o religioso. E quais são nossas medida em que nem todas as situações são idênticas. principais figuras de autoridade? Certamente não são os Vejamos, a seguir, alguns dos dilemas da gestão de car- políticos; tampouco os padres. Nossas figuras de autori- reira que podem estar sendo mascarados por esse dis- dade são hoje representadas por executivos bem-sucedi- curso de época, oficial, sobre carreira. © GV executivo • 71 069-074 71 04.12.05, 11:01
  • 4. FATOR HUMANO: CARREIRA SEM GRAVIDADE Dilema da escolha. Comecemos com uma revisão da mesmo tempo em que se afirma que a carreira é uma rea- primeira premissa do discurso de época sobre carreira. lidade instável, sem gravidade, sujeita a rupturas, Trata-se da afirmação de que a carreira se tornou um pro- descontinuidades e fragmentações, admite-se, implicita- blema privado, isto é, dependente das próprias forças e mente, que há uma identidade que não varia ou que, se disposições do indivíduo. O pressuposto é de que ele tem variar, o faz apenas a título de ajustes de curso. de se autoconhecer para descobrir quais são seus verda- O último aspecto acerca deste tema refere-se ao pró- deiros interesses e valores, motivações e “perfil”. Depende prio profissional. Ocorre que, submetido ao discurso da desse autoconhecimento a escolha da carreira mais apro- identidade, ele pode acreditar que, antes de fazer suas es- priada ou então o discernimento sobre quais caminhos colhas, tem de primeiro descobrir qual sua identidade, ou trilhar na que já foi escolhida. Quanto menos alguém se então seu perfil. Com isso, pode perder – ou adiar – a conhecer, mais aumentam as chances de perder-se no flu- oportunidade de descobrir que não há nenhuma identi- xo caótico e acelerado de transformações de que as carrei- dade, não ao menos no sentido de algo estático que reside ras são hoje alvo. dentro de si em algum recôndito escondido, como uma Três aspectos merecem destaque aqui. Primeiro, esse essência. Talvez o que o discurso oficial não mencione é pressuposto da escolha depende de uma concepção espe- que a ausência de gravidade chegou também à área da cífica sobre o que é o indivíduo. Aplicam-se aqui os mes- identidade. Em outras palavras, não só as carreiras são mos princípios que norteiam grande parte do pensamen- indefinidas de antemão, como também o é a identidade. to administrativo: o do indivíduo racional, capaz de isolar A escolha no campo da carreira é um processo con- motivadores centrais internos e de basear sua ação nesses tínuo, simultâneo à construção da própria identidade, mesmos motivadores. Em acréscimo, essa idéia sugere que de modo que é preciso lidar com dilemas pessoais deli- alguém é capaz de fazer escolhas na medida em que con- cados, como a ausência de garantias e de fontes seguras seguir se conhecer. O problema é que esse autoconheci- de reconhecimento. É preciso, neste contexto de mento muitas vezes é sugerido a partir de fórmulas pron- fragilização, ajudar para que o profissional não recorra tas e pré-fabricadas ou então construído a partir da apli- às autoridades de plantão ou então para que não sucum- cação de testes de personalidade. Com isso, o objetivo é ba à “pane decisória” – ter muitas opções para decidir e descobrir qual é a identidade do profissional. pouca disposição em abrir mão da maioria delas, ou seja, responsabilizar-se pela escolha assumida perante si mesmo. Além do mais, não é no O indivíduo pode mudar freqüentemente mínimo paradoxal o fato de que todos de- sejam hoje a “liberdade de escolha” pela de emprego menos pela busca de carreira mas, ao mesmo tempo, consomem com avidez os remédios prometidos pelas desafios do que pela miragem de que autoridades do sucesso profissional? trabalho é sempre desafiador e Dilema da morte do trabalho. A se- empolgante “ali no quintal do vizinho”. gunda premissa do discurso oficial sobre carreira é de que o trabalho morreu. Isso significa que não devemos mais buscar em- Esse ponto nos leva ao segundo aspecto que gostaría- pregos, mas sim desafios e oportunidades, estejam eles mos de mencionar. O conceito de identidade, além de for- onde estiverem. Se, por um lado, é possível afirmar que a temente polêmico, é uma invenção moderna. Isso quer formatação do trabalho mudou nas novas modalidades dizer que, em sua origem, identidade significa algo que, a produtivas (trabalho flexível, tempo parcial, teletrabalho, despeito das mudanças, permanece inalterável. Ora, ao subemprego, terceirizações etc.), por outro constitui exa- 72 • VOL.4 • Nº 4 • NOV. 2005 A JAN. 2006 069-074 72 04.12.05, 11:01
  • 5. FATOR HUMANO: CARREIRA SEM GRAVIDADE gero acreditar que ele cedeu lugar a arranjos completa- vigora hoje? Os principais componentes dessa ideologia mente inovadores e que, por essa razão, as pessoas não reforçam que o trabalho foi diluído em práticas de empre- devem mais ambicionar “antigos” desejos (como o de tra- endedorismo regidas por um único imperativo: a perfor- balhar em poucas atividades ou empresas, por exemplo). mance. Trabalhar, então, não consiste apenas em um con- É preciso separar ideologia do trabalho e trabalho pro- junto de atividades repetitivas e monótonas, mas de uma priamente dito. A primeira diz respeito a um conjunto de oportunidade para a autodescoberta, para o exercício do crenças de época sobre o valor do trabalho, seja em ter- que há de melhor em si mesmo, sempre tendo em vista o mos econômicos, sociais ou psicológicos. O segundo diz colecionamento de desafios, riscos e oportunidades. Não respeito às atividades práticas exercidas pelos indivíduos é à toa, conforme demonstram alguns sociólogos, como o e que constituem uma relação de troca com um emprega- francês Alain Ehrenberg, que a ideologia do trabalho se dor que a remunera economicamente. Este último ponto aproxima de muitos dos conteúdos tipicamente ligados tornou-se historicamente conhecido a partir do que auto- ao universo do esporte e os absorve. Por razões óbvias, a res, como Karl Marx, identificaram como a acumulação mesma ideologia mascara o fato de que, para a maioria primitiva dos meios de produção. Na linguagem prática, dos brasileiros, trabalho ainda é sinônimo de tarefas tal colocação pode ser traduzida pela constatação corri- repetitivas e pouco remuneradas. queira de que não temos garantida nossa so- Do ponto de vista da gestão de carreira, esta ideologia brevivência por origem familiar nem de es- gera alguns resultados importantes. Primeiro, coloca os tirpe, mas que temos de conquistá-la, dia- profissionais em estado perpétuo de caça a desafios. É riamente, com nosso próprio empenho. comum ouvir hoje de um profissional que deixa seu em- Podemos neste ponto nos interro- prego a justificativa de que “lá eu não tinha mais desafios gar: qual a ideologia do trabalho que nem oportunidades”. Tal justificativa, que à primeira vista soa como bastante plausível, pode esconder uma dificul- dade pessoal de investimento nas próprias atividades cor- rentes. Em outras palavras, o indivíduo pode mudar fre- © GV executivo • 73 069-074 73 04.12.05, 11:02
  • 6. FATOR HUMANO: CARREIRA SEM GRAVIDADE qüentemente de emprego menos pela busca de desafios do tempo também é diferente. Basta mencionar o tempo do que pela miragem de que trabalho é sempre desafiador das atividades lúdicas, quando simplesmente o deixamos e empolgante “ali no quintal do vizinho”. Levada ao extre- passar, sem pressa. Estas horas (cronológicas) sequer são per- mo, essa crença pode dar vazão a estados crônicos de an- cebidas, pois o fator determinante aqui é a intensidade com siedade, frustração e a sensação de que é preciso mudar que o tempo subjetivo foi vivido, e não o correr do relógio. sempre de emprego e trabalho para não ser “mal visto pelo Infelizmente, quando o assunto aparece no discurso mercado”. oficial sobre carreira, o tempo é quase sempre tratado em Adicionalmente, essa ideologia também pode mas- sua dimensão puramente mecânica: “Como e onde você carar que, por detrás da ânsia por desafio, se encontra, quer estar daqui a cinco anos?” é a pergunta padrão que na verdade, um desejo de aumento de salário ou de po- se costuma fazer nos cursos de orientação de carreira. Re- der, mas admitir isso ainda é alvo de tabu e supostas correr a dados de realidade para comprovar a aceleração recriminações. Conseqüência: aumento do cinismo e di- do tempo e, portanto, a velocidade das mudanças, tam- ficuldade de debater abertamente as prioridades e exi- bém não parece ajudar em muita coisa. O aspecto mais gências profissionais, ou então de analisar com maior importante é perceber que há aqui um dilema, e este con- maturidade a natureza do vínculo de troca simbólica e siste na necessidade de o indivíduo entender o efeito que financeira estabelecido com a empresa a partir da rela- o tempo, tal como ele é percebido, exerce sobre suas pre- ção de trabalho. ferências, escolhas e desejos. Por mais que se criem fór- mulas e se estabeleça vigoroso planejamento, é quase cer- Dilema do tempo. O terceiro e último dilema que de- to que os efeitos da passagem do tempo sobre tais desejos sejamos analisar aqui é o do tempo. De acordo com a ter- serão imprevisíveis. ceira premissa do discurso oficial sobre carreira, o tempo Uma dimensão importante da relação do indivíduo está hoje acelerado, o que impõe a todos os profissionais com o tempo é o estado de angústia que ela provoca. Em o lendário trabalho de Sísifo de recomeçar sempre, de orientação de carreira, é aquela conhecida sensação de que reelaborar a cada instante o projeto de carreira. “ainda não fiz tudo o que eu queria e não sei se vai dar Ora, talvez poucos dos que trabalham 14 horas por tempo”, ou então “estou velho e já deveria ter conseguido dia duvidem de que o tempo, entendido como o tempo chegar aonde eu queria”. É uma preocupação difusa, mas cronológico, abstrato, do relógio, está cada vez mais aper- presente, de que o tempo está passando, se perdendo, e tado, haja vista a grande quantidade de coisas que são que as escolhas ainda não foram feitas ou de que as coisas inseridas em cada unidade cronológica (horas, minutos e “importantes” ainda não aconteceram. O risco que a pes- segundos). Parodiando o que dizia há mais um século o soa corre aqui é o de viver excessivamente voltada para filósofo alemão Arthur Schopehauer, o tempo só falta quan- um futuro numa angústia que reforça o que ainda não foi do não encontramos, em nosso dia, a quantidade suficiente alcançado. A saída, é claro, não é abandonar completa- de bolsos para guardar nossas coisas. Talvez o filósofo não mente o planejamento, mas desenvolver maturidade para tivesse previsto a hipocondríaca quantidade de coisas que lidar, sem fórmulas e tabelas, com as mudanças internas alguém que trabalhe 14 horas por dia consegue reunir em às vezes radicais que passamos pela influência do tempo. torno de si! Eis aí um nobre desafio para profissionais e especialistas. O tempo que importa quando falamos de gestão de carreira não é apenas esse tempo cronológico, do relógio e das horas. É o tempo tal como ele é percebido pelas pessoas. Neste caso, não vale falar em horas, dias, às vezes Pedro F. Bendassolli Prof. do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da nem em anos ou décadas. Fatos que ocorreram há muito Administração da FGV-EAESP tempo (cronológico) parecem ter acontecido ontem. Além Editor associado da GV-executivo do mais, para cada dimensão de nossa vida a perspectiva E-mail: pbendassolli@fgvsp.br 74 • VOL.4 • Nº 4 • NOV. 2005 A JAN. 2006 069-074 74 04.12.05, 11:02