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A intencionalidade histórica

                                  Paul Ricouer



      Narrativas Midiáticas Audiovisuais Reconfiguradas
              Universidade de Santa Cruz do Sul – Unisc
            Cristiane Lautert Soares – PROBIC/FAPERGS
Para Ricouer (1994, p. 251), o laço indireto entre a
historiografia e a competência narrativa deve ser
preservado.


 Historiografia
• Registro escrito da
História;
• Estudos críticos
sobre o que foi escrito
sobre a História.
   “[...] a história não poderia romper todo laço
    com a narrativa sem perder seu caráter
    histórico. Inversamente, esse laço não
    poderia ser direto, a ponto de que a história
    possa ser considerada como uma espécie do
    gênero “story”” (p. 255).
Ruptura entre história e narrativa
   A ruptura epistemológica entre o
    conhecimento histórico e a competência em
    seguir uma história afeta essa competência em
    três níveis (p. 251):

   Procedimentos
   Entidades
   Temporalidade
Historiografia como investigação
   “No nível dos procedimentos, a historiografia nasce do
    uso específico que se faz da explicação. Mesmo quando se
    admite [...] que a narrativa é “auto-explicativa”, a história-
    ciência destaca o processo explicativo da trama da
    narrativa e erige-o em problemática distinta. Não é que a
    narrativa ignore a forma do por que e do porque; mas
    suas conexões permanecem imanentes à tessitura da
    intriga” (p. 251).

   Na história-ciência, a forma explicativa exige um processo
    de autentificação e de justificação.
Tessitura da intriga

   “A narrativa não é mera sucessão de episódios dispersos, e
    sim, o encadeamento causal de eventos significativos”
    (NICOLAZZI, p. 8).

   Na tessitura da intriga, a ação tem um contorno, um limite
    e uma extensão (RICOUER, 1994, p.67).

   “Compor a intriga já é fazer surgir o inteligível do acidental,
    o universal do singular, o necessário ou o verossímil do
    episódico” (RICOUER, 1994, p. 70).
O historiador
   O historiador assume a posição de juiz: é posto numa situação
    real ou potencial de contestação e tenta provar que uma
    explicação vale mais que outra (p. 252).

   O historiador busca garantias (provas).

   Submete a explicação à discussão e ao julgamento de um
    auditório, senão universal, ao menos reputado como
    competente, composto sobretudo por pares do historiador.

    E o jornalista, quando pesquisa, não faz o mesmo?
Ruptura entre história e narrativa
   Conceitualização – para explicar é preciso conceitualizar. O
    narrador não se importa com isso: ele não faz sua crítica (p. 252).

   Busca de objetividade – Esperar que os fatos de que tratam as
    obras históricas ajustem-se uns aos outros; esperar que os
    resultados de diferentes pesquisadores se acumulem, se
    complementem, se retifiquem (p. 252 – 253).

   Reflexividade crítica – O narrador espera que o público
    “suspenda de pleno acordo sua incredulidade”; o historiador
    dirige-se a um leitor desconfiado, que espera dele não somente
    que narre, mas que autentifique sua narrativa (p. 253).
Imputação causal singular

   É o procedimento explicativo que faz a
    transição entre a causalidade narrativa e a
    explicativa (p. 261).

   Construção imaginária probabilística.
Imputação causal singular
• E se Bismarck não tivesse tomado a
decisão de fazer a guerra?
• Qual significado causal se atribui a essa
decisão individual?
• Qual o lugar dessa decisão na
exposição histórica?
• Quais consequências se esperaria se
outra decisão tivesse sido tomada?
• Pode-se omitir algum fato que daria
outro rumo à história?

De que forma o jornalista constrói a
narrativa?
A imputação causal é constituída por três traços:

   Análise por fatores – seleção das cadeias de
    causalidade que serão expostas historicamente.

   Recurso a regras da experiência – o que se sabe, o que
    já se viveu, dedução (p. 264).

   Teoria da possibilidade objetiva – eleva as construções
    irreais à categoria do juízo de possibilidade objetiva
    que afeta diversos fatores de causalidade com um
    índice de probabilidade relativa (p. 265).
Entidades

   Enquanto na narrativa tradicional, mítica ou na
    crônica, a ação é relacionada a agentes cuja
    identificação é possível (nome próprio e
    responsabilidade pelas ações), a história-ciência
    refere-se a objetos de um tipo novo. Põe entidades
    anônimas no lugar do sujeito da ação: nações,
    sociedades, civilizações, classes sociais, mentalidades
    (COSTA, 2008, p. 36).

   Quase-personagens.
Entidades
   Entidades de primeira ordem: povos, nações,
    civilizações.

   Entidades de segunda e terceira ordem: classes,
    seres genéricos, economia, demografia,
    sociologia, organizações, mentalidades,
    ideologias (p. 290).
Entidades
   “É porque cada sociedade é composta de
    indivíduos que ela se comporta na cena histórica
    como um grande indivíduo”.

   O historiador pode atribuir às entidades a
    iniciativa de certos cursos de ações e a
    responsabilidade histórica de certos resultados,
    mesmo não intencionais (p. 284).
História geral e histórias especiais
   A história geral tem como tema sociedades
    particulares, como povos e nações, cuja existência é
    contínua (p.278).

   As histórias especiais têm como tema aspectos
    abstratos da cultura: tecnologia, arte, ciência,
    religião (p. 278).

   “Nada na noção de personagem, entendido no
    sentido daquele que faz a ação, exige que este seja
    um indivíduo” (p. 280).
Tempo
   “O tempo histórico parece sem vínculo
    direto com o da memória, o da expectativa e
    o da circunspecção de agentes individuais”
    (p. 254).

   Sua estrutura é proporcional aos
    procedimentos e às entidades que a história-
    ciência emprega.
Multiplicidade de tempos
   O tempo histórico tanto parece se desenvolver em
    intervalos homogêneos quanto numa multiplicidade de
    tempos: tempo curto do acontecimento, tempo semilongo
    da conjuntura, longo prazo das civilizações, longuíssimo
    prazo dos simbolismos fundadores do estatuto social
    (RICOUER, 1994, p.254).

   A narrativa histórica (como, aliás, a da ficção) pode lidar
    com deslocamentos através do tempo, para a frente e para
    trás, aos saltos ou por degraus, e unir personagens
    distintos, separados no tempo e no espaço ( BARROS ,2011,
    p. 14).
Referências
   BARROS, José D’Assunção. Paul Ricouer e a narrativa histórica. Disponível em:
    http://www.historiaimagem.com.br/edicao12abril2011/paulricoeur.pdf.
    Acessado em: 14 jun. 2012.

   COSTA, Arrisete C. L. Explicação histórica e compreensão narrativa: na trilha de
    Paul Ricouer. 2008. Disponível em: http://www.uss.br/arquivos/mestrado
    %20historia/revist_mest_hist%20v10%20n2%202008.pdf. Acessado em: 14 jun.
    2012

   NICOLAZZI, Fernando. Uma teoria da história: Paul Ricouer e a hermenêutica do
    discurso historiográfico. Disponível em:
    http://ich.ufpel.edu.br/ndh/downloads/historia_em_revista_09_fernando_nicola
    zzi.pdf. Acessado em: 14 jun. 2012

   RICOUER, Paul. Tempo e Narrativa. Trad. Constança Marcondes Cesar. Campinas -
    SP: Papirus, 1994.

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A intencionalidade histórica de Paul Ricouer e as entidades na narrativa

  • 1. A intencionalidade histórica Paul Ricouer Narrativas Midiáticas Audiovisuais Reconfiguradas Universidade de Santa Cruz do Sul – Unisc Cristiane Lautert Soares – PROBIC/FAPERGS
  • 2. Para Ricouer (1994, p. 251), o laço indireto entre a historiografia e a competência narrativa deve ser preservado. Historiografia • Registro escrito da História; • Estudos críticos sobre o que foi escrito sobre a História.
  • 3. “[...] a história não poderia romper todo laço com a narrativa sem perder seu caráter histórico. Inversamente, esse laço não poderia ser direto, a ponto de que a história possa ser considerada como uma espécie do gênero “story”” (p. 255).
  • 4. Ruptura entre história e narrativa  A ruptura epistemológica entre o conhecimento histórico e a competência em seguir uma história afeta essa competência em três níveis (p. 251):  Procedimentos  Entidades  Temporalidade
  • 5. Historiografia como investigação  “No nível dos procedimentos, a historiografia nasce do uso específico que se faz da explicação. Mesmo quando se admite [...] que a narrativa é “auto-explicativa”, a história- ciência destaca o processo explicativo da trama da narrativa e erige-o em problemática distinta. Não é que a narrativa ignore a forma do por que e do porque; mas suas conexões permanecem imanentes à tessitura da intriga” (p. 251).  Na história-ciência, a forma explicativa exige um processo de autentificação e de justificação.
  • 6. Tessitura da intriga  “A narrativa não é mera sucessão de episódios dispersos, e sim, o encadeamento causal de eventos significativos” (NICOLAZZI, p. 8).  Na tessitura da intriga, a ação tem um contorno, um limite e uma extensão (RICOUER, 1994, p.67).  “Compor a intriga já é fazer surgir o inteligível do acidental, o universal do singular, o necessário ou o verossímil do episódico” (RICOUER, 1994, p. 70).
  • 7. O historiador  O historiador assume a posição de juiz: é posto numa situação real ou potencial de contestação e tenta provar que uma explicação vale mais que outra (p. 252).  O historiador busca garantias (provas).  Submete a explicação à discussão e ao julgamento de um auditório, senão universal, ao menos reputado como competente, composto sobretudo por pares do historiador. E o jornalista, quando pesquisa, não faz o mesmo?
  • 8. Ruptura entre história e narrativa  Conceitualização – para explicar é preciso conceitualizar. O narrador não se importa com isso: ele não faz sua crítica (p. 252).  Busca de objetividade – Esperar que os fatos de que tratam as obras históricas ajustem-se uns aos outros; esperar que os resultados de diferentes pesquisadores se acumulem, se complementem, se retifiquem (p. 252 – 253).  Reflexividade crítica – O narrador espera que o público “suspenda de pleno acordo sua incredulidade”; o historiador dirige-se a um leitor desconfiado, que espera dele não somente que narre, mas que autentifique sua narrativa (p. 253).
  • 9. Imputação causal singular  É o procedimento explicativo que faz a transição entre a causalidade narrativa e a explicativa (p. 261).  Construção imaginária probabilística.
  • 10. Imputação causal singular • E se Bismarck não tivesse tomado a decisão de fazer a guerra? • Qual significado causal se atribui a essa decisão individual? • Qual o lugar dessa decisão na exposição histórica? • Quais consequências se esperaria se outra decisão tivesse sido tomada? • Pode-se omitir algum fato que daria outro rumo à história? De que forma o jornalista constrói a narrativa?
  • 11. A imputação causal é constituída por três traços:  Análise por fatores – seleção das cadeias de causalidade que serão expostas historicamente.  Recurso a regras da experiência – o que se sabe, o que já se viveu, dedução (p. 264).  Teoria da possibilidade objetiva – eleva as construções irreais à categoria do juízo de possibilidade objetiva que afeta diversos fatores de causalidade com um índice de probabilidade relativa (p. 265).
  • 12. Entidades  Enquanto na narrativa tradicional, mítica ou na crônica, a ação é relacionada a agentes cuja identificação é possível (nome próprio e responsabilidade pelas ações), a história-ciência refere-se a objetos de um tipo novo. Põe entidades anônimas no lugar do sujeito da ação: nações, sociedades, civilizações, classes sociais, mentalidades (COSTA, 2008, p. 36).  Quase-personagens.
  • 13. Entidades  Entidades de primeira ordem: povos, nações, civilizações.  Entidades de segunda e terceira ordem: classes, seres genéricos, economia, demografia, sociologia, organizações, mentalidades, ideologias (p. 290).
  • 14. Entidades  “É porque cada sociedade é composta de indivíduos que ela se comporta na cena histórica como um grande indivíduo”.  O historiador pode atribuir às entidades a iniciativa de certos cursos de ações e a responsabilidade histórica de certos resultados, mesmo não intencionais (p. 284).
  • 15. História geral e histórias especiais  A história geral tem como tema sociedades particulares, como povos e nações, cuja existência é contínua (p.278).  As histórias especiais têm como tema aspectos abstratos da cultura: tecnologia, arte, ciência, religião (p. 278).  “Nada na noção de personagem, entendido no sentido daquele que faz a ação, exige que este seja um indivíduo” (p. 280).
  • 16. Tempo  “O tempo histórico parece sem vínculo direto com o da memória, o da expectativa e o da circunspecção de agentes individuais” (p. 254).  Sua estrutura é proporcional aos procedimentos e às entidades que a história- ciência emprega.
  • 17. Multiplicidade de tempos  O tempo histórico tanto parece se desenvolver em intervalos homogêneos quanto numa multiplicidade de tempos: tempo curto do acontecimento, tempo semilongo da conjuntura, longo prazo das civilizações, longuíssimo prazo dos simbolismos fundadores do estatuto social (RICOUER, 1994, p.254).  A narrativa histórica (como, aliás, a da ficção) pode lidar com deslocamentos através do tempo, para a frente e para trás, aos saltos ou por degraus, e unir personagens distintos, separados no tempo e no espaço ( BARROS ,2011, p. 14).
  • 18. Referências  BARROS, José D’Assunção. Paul Ricouer e a narrativa histórica. Disponível em: http://www.historiaimagem.com.br/edicao12abril2011/paulricoeur.pdf. Acessado em: 14 jun. 2012.  COSTA, Arrisete C. L. Explicação histórica e compreensão narrativa: na trilha de Paul Ricouer. 2008. Disponível em: http://www.uss.br/arquivos/mestrado %20historia/revist_mest_hist%20v10%20n2%202008.pdf. Acessado em: 14 jun. 2012  NICOLAZZI, Fernando. Uma teoria da história: Paul Ricouer e a hermenêutica do discurso historiográfico. Disponível em: http://ich.ufpel.edu.br/ndh/downloads/historia_em_revista_09_fernando_nicola zzi.pdf. Acessado em: 14 jun. 2012  RICOUER, Paul. Tempo e Narrativa. Trad. Constança Marcondes Cesar. Campinas - SP: Papirus, 1994.