1. O documento analisa as tendências do turismo pós-moderno em um contexto global e no Brasil, identificando três principais tendências: o crescimento e expansão da atividade turística em todo o mundo, o predomínio do turismo de sol e praia, e o movimento de internacionalização e interiorização do turismo.
2. No Brasil, o turismo cresceu rapidamente nas últimas décadas, porém ainda está concentrado principalmente no litoral e em poucas regiões. Há esforços para descentralizar o turismo e prom
SEBRAE RJ | ATRAÇÃO DE TURISTAS SUL-AMERICANOS: Oportunidades e Estratégias
O turismo pós-moderno - tendências globais e reflexos no Brasil
1. O TURISMO PÓS-MODERNO – UM CONTEXTO PARADOXAL
CAROLINA DE ANDRADE SPINOLA1
RESUMO
O presente trabalho consiste na análise e sistematização de uma série de textos recentes sobre o panorama
do turismo pós-moderno. Autores como Palomeque (1999), Urry (1990), Fluviá & Mena (1998), Donaire
(1995), Anton (1997), Bote & Marchena (1996), Vera & Rebollo (1996), Valenzuela (1996) e Feifer (1985)
contribuem, partindo de óticas particulares, para uma tentativa de caracterização do cenário atual do
turismo no mundo. Paralelamente, procura-se fazer uma comparação entre esta realidade global e a sua
repercussão em áreas turísticas periféricas, analisando-se o caso particular do Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Turismo pós-moderno, Turismo de massa, Turistificação do território.
De uma primeira análise da bibliografia referenciada, pode-se afirmar que o cenário atual
do turismo no mundo, se assemelha ao que Harvey (1989) denomina de “indeterminação
do pós-modernismo”. Aparentemente não existem certezas absolutas. Pelo contrário, a
dualidade e a contradição entre as diversas tendências manifestadas, assim como a
complementaridade e a relação de causa-consequência, entre as mesmas tendências, e
entre elas e as ações implementadas pelas esferas pública e privada, formam um todo
indissociável e de difícil análise.
Por natureza o turismo é um fenômeno diverso e de estrutura complexa (Palomeque,
1999). Quando o analisamos partindo de uma escala global, considerando as diferenças
existentes entre as regiões do planeta, então estas características se tornam mais
evidentes, exigindo dos pesquisadores múltiplas aproximações à questão, partindo de
referenciais diferentes. Até que ponto o cenário atual do turismo em destinos mais novos
é semelhante ao de destinos consolidados? Como se apresentam estes novos produtos
turísticos nas vésperas do século XXI?
1
Doutoranda em Geografia pela Universidade de Barcelona, Professora Titular da disciplina Planejamento
e Organização do Turismo do curso de Turismo das Faculdades Jorge Amado e Unifacs
2. Este texto procura fazer uma aproximação entre o conhecimento turístico produzido na
Europa, notadamente na Espanha, e o cenário apresentado por destinos consolidados a
nível global, traçando um paralelo com o estado da questão no Brasil. A análise da
situação do turismo brasileiro é feita mediante a sua contextualização frente a algumas
das principais características da atividade neste final de século, identificadas nos textos
trabalhados, ressaltando-se alguns pontos de convergência e divergência entre os diversos
autores.
Apesar das dificuldades que cercam os esforços de teorização do turismo, tentou-se
demarcar algumas tendências para a atividade, presentes em textos recentes de estudiosos
da área, que traçariam um quadro referencial para o seu entendimento no momento atual:
1. Crescimento e expansão da atividade a nível global – essa tendência é uma das
mais explícitas e facilmente identificáveis. Se refere ao crescimento quantitativo dos
indicadores da atividade e à sua expansão em termos geográficos, abarcando áreas do
planeta até então excluídas do processo:
“Na atualidade, alguns ou muitos países estão prestes a serem engolidos pelo
processo turístico. Não é um fenômeno destinado a lugares concretos, mas todos os
espaços, atividades (...) podem ser material ou simbolicamente, objeto do olhar
turístico” Urry (1990:156)
Este fenômeno também é denominado de generalização espacial do turismo ou
“turistificação” do território. (Palomeque, 1997).
As cifras que dão conta da magnitude numérica da atividade são impressionantes por
sí mesmas, sem se considerar sua evolução no tempo. Segundo dados da Organização
Mundial de Turismo – OMT e do Conselho Mundial de Viagens e Turismo – WTTC,
em 1998 a atividade turística registrou 625 milhões de chegadas (esse número se
refere apenas ao movimento que consta das estatísticas oficiais), um faturamento de
US$ 4,4 trilhões para as empresas do setor, uma geração de US$ 802 bilhões de
3. impostos e 231 milhões em empregos. Baseados na evolução temporal destes
indicadores, estes dois organismos prevêem para o ano 2000 um incremento de 12%
nestes números, alcançando um montante de 1,02 bilhão de chegadas em 2010.
O turismo responde, hoje, por 10,7% do Produto Nacional Bruto mundial, é a maior
“indústria” do mundo e emprega 10,6% da força de trabalho global. Todas essas
estimativas podem ser confirmadas por algumas tendências anunciadas para a
sociedade do século XXI, principalmente nos países desenvolvidos, que terá mais
tempo livre para suas atividades de ócio e lazer e melhores condições de conhecer
destinos cada vez mais distantes e diferentes.
O “boom” do turismo no Brasil é mais recente e, portanto, a representatividade do
país no contexto da evolução do turismo global é bastante tímida. Para o mesmo ano
de 1998, o Brasil registrou uma movimentação aproximada de turistas da ordem de 43
milhões de pessoas, das quais apenas 4,8 milhões de turistas estrangeiros, o que
situava o país em uma desprestigiada 30a posição do ranking da OMT neste
indicador2. O faturamento das empresas do setor foi de US$ 38 bilhões e o número de
empregos diretos e indiretos alcançava a casa dos 5 milhões. Entre 1994 e 1998 a rede
hoteleira brasileira praticamente duplicou, totalizando hoje cerca de 10 mil meios de
hospedagem. O mesmo se verificou com as chegadas de vôos nacionais e
internacionais que registraram um incremento de 50% no mesmo período.
Novamente frisamos que ainda que não tenham representatividade a nível global, os
indicadores do turismo brasileiro demonstram uma grande evolução quantitativa da
atividade nos últimos 10 anos, situando-a como o segundo item das exportações
brasileiras em termos de geração de divisas, atrás apenas dos automóveis, tratores e
ciclos. Por outro lado, também é oportuno ressaltar a falta de tradição existente no
país em levantar estatísticas setoriais de turismo e, portanto, estimar-se uma margem
2
Este resultado já significa uma grande evolução da atividade no Brasil, tendo em vista no ano de 1994
estar ocupando a 43a posição no ranking da OMT.
4. de erros nos dados apresentados, atribuída a aquelas transações não devidamente
computadas nos controles formais.
O Brasil faz parte desta nova leva de destinações surgidas na última década sob o
rótulo de “exóticas” e, portanto, concorrente natural de destinos consolidados em
outras regiões do planeta. Ele próprio um beneficiário do processo de turistificação
dos territórios a nível global, embora ainda não o seja internamente. A atividade está
concentrada em algumas áreas específicas do país e só recentemente foi iniciado um
processo de interiorização do turismo, abordado com mais detalhes em seguida.
2. predomínio do turismo de sol e praia - existe uma hegemonia, em uma escala
global, do turismo litorâneo frente a outras modalidades de turismo, conformando
uma hierarquia espacial da atividade que parece privilegiar estas porções do território
em detrimento das áreas interiores.
Visceralmente ligado ao conceito de turismo de massa, o turismo de sol e praia é
responsável pela atração dos maiores fluxos de visitantes e tem o seu sucesso associado
ao fato de ser a modalidade de turismo mais intensiva e, portanto, mais adequada à
exploração industrial3.
Segundo Palomeque (1997) o turismo de sol e praia é hegemônico na Espanha e em
algumas comunidades autônomas, como é o caso da Catalunha que concentra no litoral ¾
do negócio turístico.
No Brasil não é diferente, sendo que o mesmo fenômeno está associado à própria
localização litorânea das capitais estaduais, que salvo algumas poucas exceções – como é
o caso de São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre – estão entre os maiores
núcleos urbanos do País. Segundo dados da Embratur – Empresa Brasileira de Turismo,
62% do fluxo internacional recebido pelo Brasil se concentra no litoral, com destaque
3
Um estudo citado no texto de Fluviá & Mena (1998) determinou que esta modalidade de turismo é
especialmente sensível à variação da renda dos consumidores. Segundo ele, o aumento de 1% na renda do
turista significaria um incremento de 1,76% na sua demanda pelo turismo de sol e praia.
5. para as cidades do Rio de Janeiro, Salvador, Florianópolis e Recife. Dentre as cidades
mais visitadas por turistas estrangeiros só fogem a essa regra Foz do Iguaçu, em função
das famosas Cataratas, e São Paulo, esta última, prioritariamente um destino de
convenções e negócios. Este resultado se repete em relação ao turismo interno, com uma
maior participação das cidades de Rio de Janeiro, Fortaleza, Recife, Salvador e Porto
Seguro nas viagens nacionais.
Reforçando esta tendência, notadamente no nordeste do País – área com a maior porção
litorânea e com muitas praias inexploradas – a Política Nacional de Turismo tem
priorizado a construção de mega complexos turísticos, próximos a núcleos urbanos
consolidados de médio e grande porte, voltados para o turista de alto poder aquisitivo,
preferentemente internacional.
3. movimento de “internacionalização” e “interiorização” do turismo. Tendências
percebidas por Urry (1990) e reforçadas por Donaire (1995) e Palomeque (1997)
representam uma das dualidades às quais nos referimos no início deste texto.
Estes dois movimentos, embora aparentemente contraditórios, não são excludentes e
acontecem em escalas territoriais distintas. Têm uma estreita correlação com o processo
de “turistificação” ou generalização espacial do turismo exposto anteriormente e, sendo,
de uma certa forma, até explicados por ele.
A internacionalização do turismo acontece em função de dois fatores: a hegemonia do
capitalismo (globalização) e a demanda cada dia mais crescente por experiências e
destinos alternativos, que se contraponham à padronização dos produtos turísticos
massificados. (Donaire, 1995). Assim, destinos consolidados passam a competir
globalmente, com locais exóticos e distantes - agora facilmente alcançáveis pelos meios
de transporte modernos - que vêm se somar à concorrência local e regional.
Na escala regional, apesar de se sofrer essa mesma concorrência global, se processa outro
fenômeno simultâneo que é a interiorização da atividade, ora como uma estratégia de
6. reestruturação dos espaços turísticos tradicionais, notadamente os litorâneos (Palomeque,
1997), ora como uma preocupação com o desenvolvimento de áreas economicamente
deprimidas, ou ainda, como uma ação voltada para a diversificação do produto turístico
local.
Na Espanha, a interiorização do turismo parece obedecer a essas três diretrizes ao mesmo
tempo, tendo em vista: a) a necessidade de se resolver o problema da saturação de alguns
destinos de sol e praia, com a incorporação de áreas interiores adjacentes onde se possa
desenvolver modalidades alternativas de turismo; b) a concepção do turismo como fator
dinamizador do mundo rural, assumida por muitos planejadores locais e até incorporados
pelo Programa LEADER da Comunidade Econômica Européia4 e c) o desejo de mudar a
imagem turística do País que, face aos recursos naturais e culturais existentes, não pode
ser lembrado apenas como um balneário europeu. (Palomeque, 1997 e 1999).
Como o desenvolvimento do turismo no Brasil é bem mais recente e a ocupação massiva
do espaço apenas nos últimos anos começou a manifestar de forma clara seus efeitos
desestruturantes sobre o território5, o movimento de interiorização se credita apenas aos
dois últimos fatores, como uma ferramenta de desenvolvimento local e uma estratégia de
diversificação do “produto Brasil”.
Novamente a Política Nacional de Turismo inclui dentre as suas metas a descentralização
da atividade turística, através da promoção e dinamização de núcleos turísticos no interior
do país. O Brasil conta com 1680 municípios considerados de interesse turístico, número
que pode dar a dimensão dos recursos turísticos existentes, esperando para serem
incorporados pela atividade. O PRODETUR – Programa de Desenvolvimento do
Turismo e o Programa de Municipalização do Turismo são os dois principais
instrumentos utilizados pelo governo neste sentido.
4
O turismo rural ocupa 50% dos investimentos do Programa LEADER na Catalunha. (Palomeque, 1999)
5
Ver trabalhos de Coriolano (1998) no litoral do Ceará, Lima (1997) em Fernando de Noronha, Menezes e
Santiago (1997) em Florianópolis e Calvente (1996) sobre as comunidades turísticas de Ilhabela, São
Paulo.
7. É necessário, entretanto, que essas áreas consideradas de interesse turístico sejam
inventariadas e categorizadas segundo região e nível de interesse para a atividade, para
favorecer a adoção de estratégias regionais e evitar-se situações de competição entre
localidades vizinhas.
Para que a interiorização do turismo aconteça no Brasil também é necessário baixar o
custo do turismo interno que, nos níveis em que é praticado, torna-se impeditivo a
qualquer estratégia de incremento das receitas domésticas. Neste mesmo sentido é
oportuna uma reavaliação da ênfase que é dada pelos promotores da atividade ao turista
estrangeiro. Acredita-se que seja muito importante tendo em vista apresentar um gasto
médio diário superior ao do turista nacional, mas temos que nos lembrar das dificuldades
de se procurar sobreviver deste público em tempos de mercados globalizados.
Por fim, há que se mudar a imagem do País no exterior. Invariavelmente o Brasil está
associado ao samba, às mulatas, ao futebol e à floresta Amazônica, sem falar nos
aspectos negativos como a violência e a oferta de opções de turismo sexual, estas últimas
bastante apreciadas por segmentos de turistas europeus e asiáticos.
4. a aparente crise da massificação. Essa parece ser uma tendência global do turismo
que se situaria como uma das causas determinantes da mudança de paradigmas que se
processa na atividade, que está migrando do chamado “modelo fordista” para o modelo
pós-fordista6 (Anton et alii, 1997).
Entretanto, Donaire (1995) situa a necessidade de se esclarecer que essa suposta crise do
turismo de massas atinge, na realidade, apenas alguns dos elementos que o caracterizam
quais sejam a estandardização e a homogeneidade dos produtos turísticos.
6
O modelo fordista de produção do turismo corresponderia, segundo o autor, a uma etapa da evolução da
atividade caracterizada pela elaboração e produção estandardizada de produtos turísticos, orientados para
mercados amplos e pouco segmentados. O modelo pós-fordista, surgido a partir de meados da década de
80, se caracteriza por novas tendências da demanda e da oferta, como uma maior segmentação do mercado,
maior flexibilidade dos produtos, sustentabilidade ambiental e social e gestão calcada na competitividade.
8. Em função de sua estreita vinculação com o turismo de massa, o turismo de sol e praia é
o primeiro que apresenta os sinais da aparente crise do modelo. Isto já acontece nas
destinações litorâneas da Europa há algum tempo, gerando situações como a mudança do
perfil dos turistas7, com estes locais passando a atrair um público menos exigente, com
menor poder aquisitivo e menos consciente das questões ambientais, gerando, como
observado por Palomeque (1999) um conflito entre qualidade e quantidade.
Para Fluviá & Mena (1998), contudo, o exame das evidências disponíveis não permite
afirmar que o turismo de sol e praia esteja em regressão em termos absolutos mas sim em
termos relativos, manifestada de formas sutis como a diminuição do período médio de
estadia dos turistas e do gasto per-capita, este último elemento uma consequência da
mudança do perfil econômico desse público. Para ele, a mudança dos gostos e
preferências dos turistas é algo dificilmente quantificável, embora seja praticamente um
consenso entre os textos analisados, a alteração qualitativa percebida no perfil dos turistas
que procuram as destinações de sol e praia consolidadas.
De qualquer forma, percebe-se uma grande ênfase das políticas turísticas desta região,
notadamente da Espanha, para a problemática do turismo de qualidade e da diversificação
de produtos, em detrimento de ações voltadas para a atração maiores fluxos de visitantes.
(Bote & Marchena, 1996)
O Brasil segue firme rumo ao incremento do turismo de massa. Quanto à opção pelo
turismo de qualidade, algum tempo será necessário, visto que continuamos praticando um
modelo de atividade que privilegia o incremento dos fluxos de visitantes e dos
indicadores numéricos, frente às questões ambientais e sociais que permeiam o
paradigma pós-fordista.
5. necessidade de regulação por parte do estado x diminuição do estado - essa, de
fato, é uma tendência contraditória pois se, de um lado, o papel do estado como
7
Ainda segundo o estudo citado no texto de Fluviá & Mena, a propensão marginal ao consumo do turismo
de sol e praia decresce em função do poder aquisitivo do consumidor.
9. normatizador e ordenador da atividade turística se torna mais necessário em função
da desestruturação espacial que ele tem causado com seu crescimento espontâneo, se
verifica neste final de século um menor envolvimento da administração pública no
sistema produtivo e territorial e um menor peso político nas decisões econômicas,
conformando o que se denomina de “diminuição do estado”. (Palomeque, 1998)
A importância da administração pública na regulação da atividade turística é uma opinião
recorrente entre muitos estudiosos da matéria ( Palomeque, 1998; Bote & Marchena,
1996; Fayos-Solá, 1996; Vera Rebollo, 1996 e Valenzuela, 1996) que, de maneira mais
ou menos intervencionista, defendem sua propriedade em aspectos como: a) ordenação e
orientação – regulamentação dos serviços turísticos; b) facilitação e estímulo ao
desenvolvimento da atividade através de investimentos públicos e promoção; c)
financiamento e gestão direta, a depender do estágio de evolução da atividade num dado
território.
Até mesmo autores como Fluviá & Mena (1998) que apregoam uma maior presença do
setor privado no desenvolvimento da atividade turística a nível local, admitem que a
intervenção do poder público é necessária para cobrir eventuais falhas nas ações dos
empresários e garantir a sustentabilidade da atividade.
No Brasil a administração pública exerce um papel predominante na definição e execução
das políticas setoriais de turismo. A iniciativa privada está representada pelos seus
respectivos órgãos de classe, que se mobilizam para defender os direitos e as estratégias
de negócios de seus associados. Em algumas ocasiões esporádicas se verifica a formação
de “pools” para a promoção de destinos e/ou atração de eventos. A iniciativa privada
participa, teoricamente, da definição das diretrizes do turismo brasileiro mas sua ação, é
muito pulverizada entre os diversos interesses dos empresários do setor.
O Estado atua simultaneamente como ordenador, facilitador e financiador da atividade.
Dentre estas atribuições, até como uma consequência deste movimento de diminuição do
Estado, tem se concentrado no papel de facilitador e captador de investimentos privados
10. para regiões prioritárias, repassador de financiamentos, através de linhas de crédito
específicas para o setor e promotor do “produto Brasil”. Sua função regulamentadora é
frágil, como de resto acontece com toda a estrutura do Estado brasileiro, principalmente
porque ainda não se conseguiu um grau de descentralização da atividade a nível de
municípios e pequenas regiões, como acontece na Espanha, o que facilitaria a ordenação
e normatização da atividade.
6. perda da autenticidade do turismo – essa aparece como uma das características
mais marcantes do turismo contemporâneo. Gerada pelo processo de globalização e
massificação da atividade que termina por tornar iguais lugares diferentes e eliminar
as peculiaridades locais em prol de um todo comercializável.
A despeito do que se imagina, esta não é uma característica que passa desapercebida aos
turistas modernos, a quem Feifer (1985) denomina de pós-turistas. Segundo ele:
“ O pós-turista sabe que não é um viajante do tempo quando visita um lugar histórico,
nem um selvagem quando está em uma praia tropical (...) não se evade nunca de sua
condição de forasteiro” (Feifer, 1985:271)
De fato, o turista sabe que, em muitas ocasiões, não está vivendo uma experiência
singular, original, mas isso não tira em nada o encanto desta experiência, frente ao
cotidiano e à rotina de sua vida em casa. Face a essa certeza, se distingue dois tipos de
turista: aquele que busca o contexto espacial e o que busca o contexto a-espacial.
(Donaire, 1995).
No primeiro caso, encontram-se aqueles que estão no centro da suposta crise do turismo
de massa. Pessoas que não se conformam em consumir experiências padronizadas em
lugares distintos e que valorizam o diferente, o original, o exótico, incluindo neste grupo
aqueles para os quais o turismo também é uma forma de intercâmbio entre culturas, de
aprendizado. O segundo grupo é mais numeroso e, viajando individualmente ou através
de pacotes, estas pessoas procuram diversão e segurança. Conscientes de que não vivem
11. uma experiência única, fazem de conta que sim. Muitas destas pessoas podem nem querer
viver situações muito diferentes das cotidianas e por isso buscam referenciais conhecidos
em produtos padronizados.
O fato é que o mercado turístico hoje conta com estes dois tipos de demanda,
absolutamente opostas em suas expectativas e que exigem muita flexibilidade por parte
da oferta. A conjugação do turismo de massa como ele existe, com modalidades de
turismo alternativo a exemplo do ecoturismo e do turismo rural, principalmente nas ações
de marketing das empresas, é uma das estratégias escolhidas para enfrentar o momento
atual. Também no Brasil se procura estabelecer a mesma estratégia dual, conjugando o
singular com o padronizado.
7. uma organização empresarial pós-fordista- por fim, também as empresas se viram
forçadas a mudar seus modelos de gestão para se adaptar ao paradigma pós-fordista
ou pós-cookista8, como denomina Donaire (1995).
Estas mudanças incluem a adoção de novas pautas organizacionais e tecnológicas, a
informatização, o uso intensivo das telecomunicações, a difusão espacial, flexibilidade
laboral e redução de custos com a incorporação de grupos marginais a exemplo das
mulheres, minorias étnicas e jovens. As fusões entre grandes grupos empresariais
também tem sido uma realidade no setor turístico, assegurando às empresas maiores
condições de competição global.
8
O termo pós-cookista utilizado por Donaire faz uma alusão a Thomas Cook, a quem se atribui a
organização da primeira excursão nos moldes modernos, em 1841, na Inglaterra..
12. O atendimento ao cliente e o serviço de qualidade se tornaram prioritários, não somente
para a sobrevivência dos negócios isoladamente, como também para a manutenção dos
destinos. Como ressaltam Fluviá & Mena (1998), a prática dos “comportamentos
imorais” por parte dos empresários podem gerar focos externos negativos de natureza
colateral e inter-temporal sobre o conjunto da oferta do município turístico.
De todos os aspectos considerados neste texto, este é o que se reproduz de maneira mais
semelhante no cenário brasileiro. A despeito dos equivocos que vêm sendo cometidos no
planejamento e nas diretrizes básicas da atividade a nível nacional, percebe-se que o setor
empresarial de alguma forma se descola desta realidade, apresentando, em grande parte
dos empreendimentos existentes, notadamente nos pólos turísticos mais consolidados, um
nível de profissionalismo e de adequação às tendências do mercado acima da média. O
setor privado parece ser o componente mais dinâmico, flexível e adaptável às mudanças
da estrutura turística do país.
Cabe ressaltar o avanço das redes transnacionais no setor, representadas, principalmente,
pelas grandes cadeias hoteleiras, o que merece atenção especial da sociedade,
notadamente quando se discute o compromisso e a contribuição da iniciativa privada para
o desenvolvimento das comunidades onde se instala a atividade turística.
Considerações Finais
Dos textos analisados pode-se perceber que, excetuando-se algumas poucas divergências
de opiniões que, inclusive, são parciais, existe um entendimento razoavelmente
homogêneo, por parte dos autores, do que seja o cenário do turismo pós-moderno neste
final de século.
Este trabalho, sem a pretensão de esgotar o assunto, buscou fazer uma sistematização das
características do turismo atual mais recorrentes nos textos analisados, enumerando as
que se seguem: 1) crescimento e expansão da atividade a nível global; 2) predomínio do
13. turismo de sol e praia; 3) movimento de “internacionalização” e “interiorização” do
turismo; 4) a aparente crise da massificação; 5) necessidade de regulação por parte do
estado x diminuição do estado; 6) perda da autenticidade do turismo e 7) o surgimento de
uma organização empresarial pós-fordista.
Considerando-se que todos os autores contemplados analisam o cenário turístico partindo
de um referencial e de uma experiência européia, é importante alertar para a natureza
globalizada deste cenário, visto que ele não se restringe territorialmente e apresenta as
mesmas tendências, de maneira mais ou menos perceptível, em países considerados
periféricos e com muito menos tradição na atividade como o Brasil.
Do paralelo desenhado entre o cenário global do turismo neste final de século e a sua
reprodução no Brasil fica claro a semelhança das características do momento vivido.
Entretanto, também não poderia deixar de ser comentada, e aqui o faço rapidamente
tendo em vista não ter sido este o objetivo do presente texto, a insistência da Política
Nacional de Turismo em reproduzir também os equívocos cometidos por destinações
consolidadas em outras partes do mundo.
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