1. CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE (1902-1987)
A poesia da segunda geração do
Modernismo procurou exprimir a crise da
sociedade contemporânea, e explorou
temas como o do homem no mundo, a
angústia existencial, a dimensão
surrealista da vida, a solidão, o
engajamento político (ou pelo menos
uma participação mais ativa no problema
da miséria e da exploração do homem).
Estarão presentes
na poesia de 30
MARXISMO, PSICANÁLISE,
INTUICIONISMO, SURREALISMO,
EXISTENCIALISMO E NOVO
CRISTIANISMO
Mãos Dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida
presente.
Com exceção de Drummond todos os poetas fundirão
sensibilidade religiosa com inconformismo social ou
simplesmente farão da religiosidade um apoio para o sonho
e para o escapismo.
2. Obra poética dividida em fases:
FASE GAUCHE (lado esquerdo)
Obras: Alguma poesia e Brejo das Almas
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida.
O indivíduo se
sente às avessas e
tem a poesia como
único elo entre o eu
e o mundo.
FASE SOCIAL OU “A COMUNICAÇÃO VIÁVEL”
Obras: Sentimento do mundo, José e A Rosa do Povo
Sentimento do Mundo
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio de escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso, anterior a
fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
Deixa de lado a
introspecção e
volta-se para os
problemas
políticos e sociais.
Quando os corpos passarem,
eu ficarei sozinho
desafiando a recordação
do sineiro, da viúva e do microscopista
que habitavam a barraca
e não foram encontrados
ao amanhecer
esse amanhecer
mais que a noite.
3.
FASE DO SIGNO DO NÃO
(POESIA FILOSÓFICA E CONCRETISTA)
Obras: Claro enigma, Fazendeiro do ar e Vida passado a
limpo e Lição das coisas.
PESSIMISMO EXPRESSO DE DUAS MANEIRAS:
de um lado por reflexões filosóficas, e de outro pela
“desintegração da linguagem” expressando a
incapacidade de comunicação da poesia.
O Enterrado Vivo
É sempre no passado aquele orgasmo,
É sempre no presente aquele duplo,
É sempre no futuro aquele pânico.
É sempre no meu peito aquela garra,
É sempre no meu tédio aquele aceno.
É sempre no meu sono aquela guerra.
É sempre no meu trato o amplo distrato.
Sempre na minha firma a antiga fúria.
Sempre no mesmo engano outro retrato.
É sempre nos meus pulos o limite.
É sempre no meu lábio a estampilha.
É sempre no meu não aquele trauma.
Sempre no meu amor a noite rompe.
Sempre dentro de mim o inimigo
E sempre no meu sempre a mesma ausência.
4. A Bomba
A bomba
é uma flor de pânico apavorando os floricultores
A bomba
é o produto quintessente de um laboratório falido
(...) A bomba
não tem preço não tem lugar não tem domicílio
A bomba
amanhã promete ser melhorzinha, mas esquece
(...) A bomba
mente e sorri sem dente
A bomba
vai a todas as conferências e senta-se de todos os lados
(...) A bomba
envenena as crianças antes que comecem a nascer
A bomba
continua a envenená-las no curso da vida
(...) A bomba
é um cisco no olho da vida, e não sai
A bomba
é uma inflamação no ventre da primavera
(...) A bomba
não admite que ninguém acorde sem motivo grave
A bomba
quer é manter acordados nervosos e sãos, atletas e paralíticos
(...)A bomba
saboreia a morte com marshmallow
(...) A bomba é podre
A bomba
gostaria de ter remorso para justificar-se mas isso lhe é
vedado
A bomba
pediu ao Diabo que a batizasse e a Deus que lhe validasse o
batismo
A bomba
declare-se balança de justiça arca de amor arcanjo de
fraternidade
(...) A bomba
não admite que ninguém se dê ao luxo de morrer de câncer
(...) A bomba
não destruirá a vida
O homem
(tenho esperança) liquidará a bomba.
5.
FASE FINAL (memórias)
Obra: Série Boitempo, As impurezas do branco, Amor
amores, Discurso de primavera, A paixão medida, Corpo e
Amor, sinal estranho.
O poeta dá destaque ao universo da memória e ao lado
de temas universais são retomados alguns que são
recorrentes em sua obra: a infância, Itabira, o pai, a
família, a piada, o humor cotidiano, a auto-ironia
PUBLICAÇÕES PÓSTUMAS:
O amor natural
Farewell
“Nada melhor do que vadiar no escritório. Há
muita carta a responder, e alguns trabalhos em
pauta. Para que pauta, nesta vida? Melhor pegar
a esmo um livro na estante e descobrir nele uma
passagem atraente, nova ou esquecida. Arrumar
papéis, isto é, rasga-los na maioria: tão bom,
sentir que se alivia o peso das obrigações, com o
passar do tempo, e aquilo que parecia documento
precioso, a ser guardado pelo resto da vida, não
vale mais que um bilhete branco de loteria.
Rasgando papéis, rasgamos os fatos que eles
testemunhavam. Passamos a vida a limpo (...) E
vou perdendo tempo, perdendo. Conquistar o
direito de perder tempo (...) Ócio no escritório: das
boas coisas que ninguém lá de cima pode proibir”.
(O observador no escritório)