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06/01/2016 05:00
Futuro e legado da LavaJato
Por Gesner Oliveira, F. Marcato, Andrea Curi e Andrea Vasconcelos
O futuro da LavaJato é chave para determinar como e em que condições a economia brasileira pode superar a
atual crise. Os anos de 2015 e 2016 deverão ser a primeira vez desde 1930 em que o Brasil registrará dois anos
consecutivos de recessão. 2015 fechará com a maior taxa de contração do PIB desde 1990.
Ninguém questiona a legitimidade da investigação e a condenação de eventuais culpados. Há, porém, duas
questões que não estão bem respondidas. A primeira é como a sociedade pode atenuar o custo que a investigação
tem no curto prazo. Qual é o futuro da LavaJato?
A segunda, como os resultados da operação histórica poderão ser revertidos em ganhos institucionais duradouros
que eliminem a possibilidade de malfeitos serem repetidos. Qual é o legado da LavaJato?
Não basta trocar o governo. O país precisa de um salto de governança que exige uma mudança
cultural
Em relação à primeira pergunta, é incorreta a tese de que a investigação não teria gerado custo em termos de
emprego e produção. É claro que ela não é o único, nem o mais importante fator explicativo da crise. Mas é
certamente relevante.
Mesmo sob hipóteses conservadoras, que levam em conta que uma parcela do investimento da Petrobras e de
grandes construtoras nacionais teria diminuído independentemente da LavaJato, os efeitos diretos, indiretos e
os impactos na renda são expressivos. Quase 2% do PIB, 2 milhões de empregos e mais de R$ 42 bilhões em massa
salarial.
Quer dizer que a LavaJato deve ser inibida? Ao contrário, deve ser aprimorada para gerar mais resultados com
menores custos. E isso é possível.
A redução de seus custos passa por três pontos. Primeiro, pela blindagem da capacidade de financiamento,
investimento e de produção e geração de emprego das empresas envolvidas. Milhões de trabalhadores nada têm a
ver com os crimes eventualmente cometidos por suas empresas. Afastados os responsáveis pelas irregularidades,
a sociedade tem interesse que tais empresas continuem a produzir e gerar empregos.
Vale citar a experiência do maior caso de corrupção corporativa do mundo, envolvendo a Siemens. Autoridades
alemãs e americanas promoveram, com o apoio do comitê de auditoria da empresa, ampla investigação dos
desvios encontrados em várias jurisdições de diversos países. Ao final impuseram obrigações de melhoria
institucional e de governança à empresa, sem punila de maneira desmedida e sem interromper as suas
atividades.
Segundo, pela não exclusão destas empresas do mercado de obras públicas e do crédito. O país precisa de mais
concorrência e, portanto, de um maior número de companhias disputando a oportunidade de fornecer bens e
serviços. Excluir empresas de licitações públicas significa maiores custos ao Governo.
2. Terceiro, pela agilidade na negociação de acordos que estabeleçam multas adequadas à gravidade dos danos
causados. Em vez de longos processos, é melhor para todos que haja um final mais rápido dentro dos marcos
legais e com os órgãos competentes, como a Controladoria Geral da União (CGU), o Ministério Público Federal
(MPF) e o Cade.
O primeiro grande passo foi dado com a Medida Provisória nº 703, publicada em 21.12.2015. A medida altera a
Lei Anticorrupção nº 12.846/2013 para dispor sobre acordos de leniência com empresas investigadas em casos
de corrupção.
Há, porém, setores da sociedade que não apoiam a medida. Em 23/12/2015, o jornalista Elio Gaspari critica a MP
no artigo "Dilma aderiu aos Oligarcas". Segundo ele, com a MP, a presidente estaria enfraquecendo punições às
empresas envolvidas na LavaJato.
Do ponto de vista técnico e de interesse público, condenar o
fortalecimento dos acordos de leniência pouco agrega à solução do
problema. Diferentemente do que ocorria no século XIX, na Era
Vitoriana, o direito penal moderno prevê instrumentos de
colaboração entre investigadores e investigados, os quais têm servido
em vários países como uma forma efetiva de desmantelar
organizações criminosas e concluir processos rapidamente.
Mas como assegurar que no futuro não haverá novas LavaJatos?
Como garantir um legado em termos de melhor governança ao Brasil?
A MP oferece algumas respostas ao obrigar as empresas que firmarem os acordos de leniência a implantar ou
aprimorar programas de compliance. Tratase de procedimento aderente às práticas internacionais que
consideram a existência desses programas como parte das obrigações de uma companhia condenada por
corrupção.
Casos internacionais mostram que a criação e a constante melhoria desse tipo de programa devem ser
consideradas como atenuantes na aplicação de penas por corrupção.
Cada empresa deve criar seu programa de compliance adequado às suas características e porte, o qual deve refletir
os princípios da governança: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa. A
aplicação efetiva do compliance diminuiria não só a chance de novas LavaJatos, mas também melhoraria o
desempenho das instituições.
Não basta trocar o governo. O país precisa de um salto de governança que exige uma mudança cultural na
sociedade e os acordos de leniência certamente são um poderoso instrumento para isso.
Por trás da crítica contra as oligarquias empresariais não se pode embutir um ranço ideológico contrário à
atividade empresarial. Dela dependem os empregos de milhões de brasileiros. Garantir tais postos passa
necessariamente pela saúde financeira das empresas, que só se perpetuarão com uma política sustentável e
transparente de relacionamento com o governo. Forjar essa política pode ser o principal legado da LavaJato.
Gesner Oliveira, expresidente do Cade e da Sabesp, é professor de economia (FGV) e sócio da GO
Associados
Fernando S. Marcato, professor de direito na FGVSP e sócio da GO Associados, atuou no caso
Siemens, assessorando o departamento de Justiça americano
Pedro Scazufca, mestre em economia pela FEAUSP, é sócio da GO Associados
Andrea Curi, doutora em economia pela FGVSP, é coordenadora de projetos da GO Associados